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O AMBIENTE, OS MEDIA E OS CIDADÃOS: PRESSÕES E RESPOSTAS

Article · August 2011

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Heraldina Belchior Chattopadhyaya


ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa
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INVESTIGAÇÃO

O AMBIENTE, OS MEDIA
E OS CIDADÃOS:
PRESSÕES E RESPOSTAS

Os modelos de participação pública no domínio do ambiente


têm sido objeto de múltiplas análises com o intuito de
procurar reforçar a sensibilidade e envolvimento dos
cidadãos nas políticas públicas ambientais. Em particular,
os meios de comunicação social têm sido referenciados
como dos vetores mais importantes para a educação
ambiental e, neste sentido, o propósito central deste
Heraldina Belchior trabalho foi o de tentar aferir em que termos a frequência
Universidade dos Açores – Departamento de Biologia
heraldina.belchior@gmail.com e o tipo de exposição aos órgãos de comunicação social
(media) influenciam os cidadãos nas suas atitudes
ambientais, designadamente na sua participação cívica
e no seu uso eficiente da água. A dimensão de espaço
geográfico, a frequência de exposição à televisão, as
temáticas e conteúdos dos programas, a consulta de portais
de internet foram os objetos de um estudo de inquirição
efetuada na Região Autónoma dos Açores no contexto do
Mestrado em Ambiente, Saúde e Segurança promovido pelo
Departamento de Biologia da Universidade dos Açores.

28 INDÚSTRIA E AMBIENTE 69 JULHO/AGOSTO 2011


INVESTIGAÇÃO

METODOLOGIA ADOTADA NO QUESTIONÁRIO qualidade de vida, o qual se fez corresponder clareza a visões antropocêntricas (qualidade
ao índice de adesão à conceção de ambiente de vida, paisagem, campo e cidade) e tecno-
› Aspetos gerais antropocêntrico; natureza, terra, animais e cêntricas (poluição e riscos/perigos), como se
Um número de 119 utilizadores de computa- lagoas - índice de adesão à conceção de am- pode verificar na Figura 2.
dor com acesso à internet preencheu os pré- biente biocêntrico; e as palavras riscos/peri- Tal como no inquérito realizado pela equipa
requisitos da pesquisa, selecionados entre gos e poluição - índice de adesão à conceção OBSERVA (Almeida, 2004), é o ambiente bio-
os que tivessem um nível escolar superior ao ao ambiente tecnocêntrico. Tendo em conta cêntrico que concentra mais adesão dos inqui-
12º. Ano. A maior parte dos inquiridos pos- que a diferença de números de palavras por ridos (64%), seguindo-se o ambiente antropo-
suía o grau de licenciatura (37%), seguindo-se índice, procedeu-se à respetiva ponderação cêntrico (20%) e, por fim, o tecnocêntrico (15%).
o doutoramento (19%), 12.º ano (18%), pós- e atribuição de pesos para que cada índice A Figura 3 apresenta o autodiagnóstico dos
graduação (12%), mestrado (11%) e pós-dou- tivesse a mesma importância. Para a cons- inquiridos da sua perceção do estado do am-
toramento (4%). Efetuou-se a autoaplicação trução do índice de práticas de poupança de biente por dimensão espacial geográfica e por
de um questionário de 50 questões (em es- água, procedeu-se previamente a um teste nível de preocupação, desde a dimensão global
cala de likert , perguntas de resposta dicotó- de fiabilidade dos itens, retirando-se aque- “No mundo” à mais local “À volta da sua casa”.
mica e aberta) numa amostragem não pro- les que apresentavam valores de fiabilidade As preocupações de 97% dos inquiridos reca-
babilística por conveniência , ou seja, baseada não aceitáveis. Quanto à construção do índice em sobre o estado do ambiente mundial, se-
em respondentes que apresentaram uma de participação cívica, também se efetuou, a guindo-se a Europa (91%), Portugal (82%), Re-
maior disponibilidade ou se encontravam priori, o teste de fiabilidade de alpha cronbach, gião Autónoma dos Açores e ilha de residência
mais acessíveis para responder ao inqué- criando-se de seguida um índice aditivo que (48%), a cidade onde residem (41%), a freguesia
rito. Os questionários foram autoaplicados procedeu à contagem do número de respos- onde residem (31%), e finalmente, junto de
no kwiksurveys pelos respondentes através tas “sim”. sua residência (27%). Nada preocupante é o
da rede social facebook e enviado através do estado do ambiente à junto à residência dos
correio eletrónico da Universidade dos Açores inquiridos (35,3%), seguindo-se a freguesia
para toda a comunidade universitária. RESULTADOS E DISCUSSÃO de residência (24%). Em suma, quanto mais
se confina o espaço geográfico para próximo
› Perceção do termo “Ambiente” dos inquiridos, menos preocupante se revela
› Tratamento de Dados A Figura 1 apresenta as expressões que os in- o estado do ambiente. Estes resultados evi-
ANo âmbito do estudo foram criados “perfis” quiridos associam ao termo “ambiente”. denciam aproximar-se da teoria de hiperopia
de perceção ambiental, e índices: práticas de “Natureza” é a expressão mais escolhida em ambiental de Uzzell: “Na diferenciação entre
poupança de água e participação cívica. Para primeiro lugar (69%). Mas, dos 119 inquiridos, ambientes global e local (Ingold, 1993), geral-
a construção dos índices de adesão às conce- também houve quem elegesse em primeiro mente as pessoas encontram-se mais preo-
ções ambientais, partiu-se da questão “Quan- lugar a opção “terra” (12%), “qualidade de vida” cupadas sobre os problemas globais, sobre os
do ouve o termo ambiente o que lhe vem à (7%), e “poluição” (4%.). Já em segundo lugar, a quais têm menos influência, do que proble-
mente em primeiro, segundo, terceiro lugar, maior parte das respostas recaem sobre a op- mas locais, sobre os quais podem agir. (…) as
e assim sucessivamente?”. Como opções de ção “terra” (20%), seguindo-se “animais” (15%), e pessoas consideram problemas ambientais
resposta apresentaram-se um grupo de dez “poluição” (14%). Em terceiro lugar, destacam- como mais sérios quando os mesmos ocor-
palavras em que, por sua vez, cada uma cor- se a “paisagem” (24%), “animais” (19%) e “terra” rem a uma maior distância. A isto designa-
responderia a uma das três conceções am- (15%). Note-se que a maioria dos inquiridos se de hiperopia ambiental (‘‘environmental
bientais de Jacques Thays (Almeida, 2004), identifica o ambiente=natureza (visão biocên- hyperopia’’: Uzzell, 2000). (García-Mira, Ricar-
nomeadamente: paisagem, campo, cidade e trica), associando, embora com muito menos do et al., 2005).

FIGURA 1 Expressões associada ao ambiente, segundo a ordem de resposta FIGURA 2 Adesão dos inquiridos às três conceções de
ambiente

80

69
70 15,0
20,4
60

50

40

30
24
20
20
19 64,0
15 15
14 14
13 12 12
9 10
8
10 7 7 7
3 4 4 4
1 2 2 2 1 2
0 0 0
0 Índice Antropocêntrico

Natureza Terra Animais Paisagem Campo Lagoas Cidade Riscos/Perigos Poluição Qualidade Índice Biocêntrico
de Vida
1.º lugar 2.º lugar 3.º lugar Índice Tecnocênctrico

INDÚSTRIA E AMBIENTE 69 JULHO/AGOSTO 2011 29


INVESTIGAÇÃO

FIGURA 3 Autodiagnóstico de Perceção do estado do ambiente por dimensão espacial, por nível de preocupação (%) ça perante um poder visto como autocrático
(Villaverde Cabral, 2001)” (Tradução do autor:
100 0
Schmidt, 2006:156).
1
1 2
3
90 13
12 17 13
24
80 35
› Práticas de Poupança de Água
70 No que concerne às práticas de uso eficiente
36
34
60 42 da água, tomar duche ao invés de banho de
43 imersão (95%) é prática mais comum entre os
50 97
91 inquiridos, seguindo-se o certificar que a tor-
43
82
40 neira está bem vedada (92%), e o evitar des-
30 congelar alimentos com água corrente (92%).
48 48 Das práticas desempenhadas ocasionalmen-
20 41
31 te, destacam-se a utilização de um recipiente
27
10 para lavar os alimentos (29%), reduzir a quan-
0
tidade de água no recipiente e colocar a tam-
No Mundo Na Europa Em Portugal
pa durante a cozedura dos alimentos (21%), e
Na RAA Na sua Na sua Na sua À volta da
Ilha cidade freguesia sua casa cultivar plantas autóctones (19%). Verifica-se
que a maioria dos inquiridos considera ter
Preocupante Nem muito nem pouco preocupante Nada preocupante NS/NR hábitos frequentes de poupança de água nas
suas habitações, o que demonstra ser um
sinal positivo reconhecendo-se alguns pro-
blemas de oferta de água ocasionalmente
› Participação Cívica públicas (29%), pertencer a associações pro- existentes na Região “Este tipo de preocupa-
Na dimensão da participação cívica, a maior fissionais (26%), contactar jornais, rádios ou ções é sentido, de forma muito especial (…)
frequência de ações tomadas pela maioria televisões (24%), pertencer um sindicato (20%), Assim o obriga a insuficiente disponibilidade
dos inquiridos, nos últimos cinco anos, consis- participar em manifestações (18%), recorrer à de água em épocas de estiagem, já que se
te em manter-se informado sobre questões greve (17%), e pertencer a um partido político começam a verificar, nesses períodos, limita-
sociais e políticas (87%), seguindo-se o voto (14%). Tal como refere Luísa Schmidt (2006, ções em termos de quantidade e, também, de
em época de eleições (85%), subscrever a abai- pp.156), “estes resultados podem ter origem qualidade. Por esse motivo, configuram-se, a
xo-assinados (67%), contactar instituições ou (…), nos níveis de literacia, ou no sentimento curto e médio prazo, novas necessidades em
serviços – sugestões, reclamações (56%), fazer de “distância do poder” e medo de expressar termos de captação, capacidade de regulari-
donativos a instituições (42%), pertencer a As- desacordo com decisões realizadas por enti- zação e distribuição de água.” (Almeida e Bri-
sociações Cívicas e participar em discussões dades públicas e o sentimento de desconfian- to, 2002)

FIGURA 4 Frequência de televisionamento de géneros de programas

100 2 3 6
9
90 13 15 13 19

80
42
70 51
58 61
60 72

50
40 79 76
30 61
55
47 48 49
20 43
29
10 21 24
18
11
0
Noticiários/
Telejornais

Telenovelas

Filmes/Séries

Ambiente
Comédia

Concursos

Cultura

Documentários

Ciência

Desporto

Infantil e Juvenil

Debates/Entrevistas

Reality Shows

Frequentemente Ocasionalmente Nunca NS/NR

30 INDÚSTRIA E AMBIENTE 69 JULHO/AGOSTO 2011


INVESTIGAÇÃO

› Frequência de exposição aos media e utili- de poupança de água, de participação cívica e fonte de informação ambiental, nem sempre
zação de internet de consulta dos portais de internet. O que é são os mais fiáveis: “indivíduos com maior
No âmbito da frequência de exposição à tele- compreensível tendo em conta que “a internet grau de escolaridade usam menos televisão
visão, durante a semana, é quando os inqui- tem um papel crescente no acesso à informa- como fonte de informações ambientais do que
ridos veem mais televisão, sendo que 46% vê ção, mas a filtragem necessária apenas pode indivíduos com menos grau de escolaridade, e
entre 2 a 3 horas por dia, 24% vê 1 hora por dia, ser realizada por indivíduos com “know-how”. tendem a rejeitar a televisão como uma fonte
12% vê menos de 1 hora por dia, 3% vê quase É requerido ter-se um novo tipo de literacia confiável de informação científica sobre meio
nunca, e 1% admite que não sabe. Em termos para utilizar este instrumento”. (tradução do ambiente, preferindo a media impressa, sendo
de frequência de televisionamento de géneros autor: Schmidt, 2006: 181) Quanto aos biocên- as revistas especializadas mais confiáveis do
de programas por parte dos inquiridos, aten- tricos, dir-se-ia que quanto mais biocêntricos que os jornais”. Pelo facto dos inquiridos mais
te-se à Figura 4. com maior frequência estão expostos à te- expostos aos meios de comunicação não se-
Dos programas televisivos mais vistos pe- levisão durante a semana e menos frequen- rem os que aparentam uma maior frequên-
los inquiridos, destaque-se os noticiários/ temente televisionam programas do género cia de práticas de poupança de água nem de
telejornais (79%), os filmes/séries (76%), e os ambiente e ciência. Também são os mais bio- participação cívica, “isto não significa que as
documentários (61%). Os programas de cariz cêntricos os que menos poupam água, menos emissões dos meios de comunicação social
ambiental não são os mais visualizados pelos participam civicamente e que menos consul- não influenciem as representações e valores
inquiridos (48%). No âmbito da utilização da in- tam os referidos portais de internet. ambientais” (Schmidt, 1999), mas que sim que
ternet durante a semana, 26% dos inquiridos Estes resultados não são, contudo, surpreen- as atitudes de poupança de água não estão
diz aceder a essa ferramenta entre 2 a 4 horas dentes, à luz da teoria de Cultivation in Re- relacionadas de modo correspondente ao grau
por dia, seguindo-se 24% que afirma utilizar verse de Shanahan (Cox, 2006), isto é, a forte de exposição aos meios de comunicação social
esta ferramenta entre 6 a 8 horas por dia, 15% exposição mediática dos inquiridos com “perfil e que essas práticas são sobretudo influen-
admite utilizar a internet mais de 8 horas por biocêntrico”, a menor disposição para as prá- ciadas por outros fatores sociais e culturais.
dia, sendo que 13% utiliza a internet menos ticas de poupança de água e para a participa- Importa, portanto, ter um conjunto diverso de
duas horas por dia e 1% não respondeu. ção pública pode estar associada ao facto dos fatores educacionais que promovam práticas
No âmbito das correlações entre a exposição media não apresentarem persistentemente, e estilos de vida sustentáveis nos cidadãos.
à televisão durante a semana, frequência de com destaque, imagens ambientais ou, em
televisionamento de género de programas, e contrapartida, por dirigirem a atenção dos
frequência de utilização de portais da alçada telespectadores para outras imagens, outras
da Secretaria Regional do Ambiente e do Mar, histórias não ambientais, ignorando ou des-
REFERÊNCIAS
de autarquias e de ONGA ou Associações Am- crevendo passivamente o ambiente natural,
bientais, com os “perfis ambientais”, índice de banalizando assim a sua importância. Teó- — Almeida, João Ferreira de (2004), Os Portugueses e o
poupança de água e índice de participação cí- ricos da “Cultivation” (Shanahan e McComas, Ambiente - II Inquérito Nacional às Representações e
vica, verifica-se que os tecnocêntricos são os 1999) também consideram isto um “fenóme- Práticas dos Portugueses sobre o ambiente;
— Almeida, J. e Brito, António G. (2002), O uso de indicado-
que consideram ter hábitos mais frequentes no de aniquilação simbólica – os media apa-
res ambientais no planeamento de recursos hídricos –
gam a importância do tema por darem, indi-
o caso do Plano Regional da Água . III Congresso Ibérico
retamente ou passivamente, importância e sobre a Gestão e Planificação da Água, Sevilha;
ênfase ao tema sobre o ambiente”. (Tradução — Belchior, Heraldina (2011), Comunicação Ambiental nos
do autor – Cox, 2006: 190). Açores: Planeamento dos Recursos Hídricos – Infor-
mação e Participação Pública. Os processos comuni-
Verifica-se que a maioria cativos entre os atores sociais e a sua influência para
uma esfera pública ativa. Dissertação de Mestrado.
dos inquiridos considera › Ambiente de Natureza sem distinção Universidade dos Açores;
O estudo efetuado evidenciou que a maioria
ter hábitos frequentes
— Cox, Robert. (2006), Environmental Communication
dos inquiridos associa o termo ambiente ao and the Public Sphere. North Carolina: University of

de poupança de água de natureza, enquadrando-se no “perfil am- North Carolina at Chapel Hill, Sage Publications;
— Fernandes, Francisco A. M.(2001), O papel da midia na
biental biocêntrico”, considerando ter hábitos
nas suas habitações, frequentes de poupança de água no uso do-
defesa do meio ambiente. Revista Ciências Humanas,
Taubaté - sp, v. 7, n. 8, p. 67-73;
o que demonstra méstico mas poucos hábitos de participação — García-Mira, Ricardo; Real, J. Eulogio; e Romay, José
cívica. Não se verificou uma influência direta- (2005), Temporal and spatial dimensions in the per-
ser um sinal positivo mente significativa da televisão nas perceções ception of environmental problems: An investigation

reconhecendo-se alguns
of the concept of environmental hyperopia , Psycholo-
ambientais e comportamentos dos inquiridos:
gy Press, London;
note-se que quanto mais tecnocêntricos são
problemas de oferta de os inquiridos, menos veem televisão durante a
— Schmidt, Luísa e Ferreira, José (2003), O ambiente na
agenda mediática em 2003, Atas dos ateliers do V Con-
água ocasionalmente semana e menos televisionam programas do gresso Português de Sociologia, Sociedades Contem-
porâneas: Reflexividade e Ação, Atelier: Ambiente;
género concursos e reality shows. Esta é uma
existentes na Região. conclusão que poderá ir de encontro à aborda-
— Schmidt, Luisa (2009), Civic Action and Media in the
water issues. Conferência Internacional Making the
gem defendida por Fernandes (2001) quando Passage through the 21st century - water as a ca-
refere que, embora os jornais e a televisão se- talyst for change (pp. 151-190). Lisboa: Luso-American
jam mais frequentemente empregues como Foundation (FLAD).

INDÚSTRIA E AMBIENTE 69 JULHO/AGOSTO 2011 31

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