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pedaco-da-natureza-na-sala-de-aula

Publicado em NOVA ESCOLA Edição 187, 01 de Novembro |


2005

Prática Pedagógica

Terrário: um pedaço da
natureza na sala de aula
O que mantém plantas e animais vivos? De onde vem a
água da chuva? Alunos de 1ª a 4ª série buscaram essas e
outras respostas em um experimento simples realizado
em sala de aula
Roberta Bencini

Mal ficou pronto, o terrário montado na Escola


Estadual Alfredo Paulino, em São Paulo, sofreu
um suposto ato de vandalismo. O plástico
transparente colocado sobre o recipiente de
vidro que reproduz a vida natural no planeta
apareceu furado. Os professores não
repreenderam os alunos pela ação. Ao
contrário, valorizaram o que foi, na verdade, a
primeira intervenção da turma no
experimento. O furo para a entrada de ar e
água era a resposta prática da garotada a uma
dúvida surgida durante a aula: será que as
plantas e bichinhos como a minhoca, o tatu-
bola e o caracol podem sobreviver em um
Observação: alunas da 2ª
ambiente fechado sem rega?
série da escola Alfredo
Paulino, em São Paulo, Seria menos trabalhoso relembrar em um
acompanham o esquema no quadro-negro como a água
desenvolvimento das armazenada na terra se condensa e retorna
plantas e animais.
em forma de chuva para ser novamente
Foto: Kriz Knack
absorvida pelas plantas. Mas a equipe de
professores optou por um caminho bem mais
interessante. Os estudantes de 1ª a 4ª série compreenderam o
funcionamento da natureza ao observar, dia a dia, a movimentação dos
animais na terra e nas paredes do aquário, o crescimento das plantas e o
ciclo da água.

O terrário permite explorar, desde as primeiras séries, os cinco passos de


uma investigação científica: observação, registro, questionamento,
experimentação e conclusão. É testando e comprovando que as crianças
fazem ciência exatamente como os cientistas.

O trabalho da escola Alfredo Paulino faz parte do projeto ABC na Educação


Científica Mão na Massa, realizado pela Estação Ciência, da Universidade de
São Paulo (USP). Há quatro anos, professores de escolas públicas e
particulares de seis estados São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia,
Paraíba e Santa Catarina são capacitados para aproximar a ciência do
universo infantil e de outras disciplinas, como Língua Portuguesa.

Mais que a importância de os alunos observarem e levantarem hipóteses, os


professores aprenderam que discutir, argumentar, ler e escrever são
atividades a ser exploradas nas aulas de Ciências. Como? Nas discussões para
a resolução de uma situação-problema e nos registros do experimento, por
exemplo. "A alfabetização científica deve ser prioridade de todo projeto
pedagógico. Para que as crianças descubram o mundo ao seu redor, o ideal é
que o primeiro contato com os conceitos naturais aconteça de maneira
divertida, investigativa e planejada", explica Simone Falconi, da equipe do
projeto Mão na Massa. Memorizar fatos isolados, fórmulas e termos técnicos,
portanto, não funciona mais como estratégia de ensino. A garotada precisa
de tempo e de oportunidade para observar, testar e trilhar caminhos errados.

Ih, choveu no terrário! De onde veio a água?

O projeto sobre meio ambiente começou em 2004, quando as classes de 1ª a


4ª aprenderam que o planeta Terra é formado por água, terra e ar. Em 2005,
era preciso aprofundar esse conceito. Como funciona a vida? O que mantém
plantas e animais vivos? Quando e como os seres humanos devem interferir
na natureza? A primeira orientação da equipe do Mão na Massa é iniciar os
trabalhos com problemas e questionamentos.

Alunos e professores construíram, então, três terrários: um para as turmas


da manhã, outro para as turmas da tarde e o último para as salas de apoio
especializado. "As crianças portadoras de necessidades especiais precisam de
mais tempo para explorar as possibilidades do experimento", justifica a
professora Teodora Maciel. Todos contribuíram para a realização do trabalho
levando bichinhos, como formigas, joaninhas e minhocas.

O que aconteceu depois, está no começo desta reportagem: "o atentado". As


professoras perguntaram às turmas da tarde se o terrário delas deveria ficar
aberto. Todas disseram que sim. As conseqüências da decisão, tomada
coletivamente, seria observada nos dias seguintes: o solo secou, as plantas
murcharam e os bichos fugiram ou morreram. Enquanto isso, o terrário
fechado com plástico transparente estava com as paredes embaçadas, a terra
úmida e as plantas molhadas. Tudo foi registrado pelos estudantes, em forma
de desenhos e textos, servindo de avaliação para os professores.

A garotada ficou mais intrigada. Se ninguém estava regando as plantas, de


onde vinha aquela água? As turmas já tinham aprendido em outra atividade
os estados da água e foi fácil, durante as discussões, chegar à conclusão de
que a "chuva" foi causada pelos fenômenos da condensação e evaporação da
água armazenada na terra e da transpiração das plantas. Agora, sim, as
crianças, motivadas, tinham compreendido o ciclo da água na prática.

Estudo do solo: a cor e a textura que a terra tem

Para aprender mais sobre o funcionamento daquele microcosmo criado em


sala de aula, era preciso estudar um precioso elemento: o solo. As
professoras pediram que cada estudante levasse à escola um pouco de terra
do jardim de casa e de canteiros de rua. O objetivo da atividade era trabalhar
novamente a observação importante procedimento científico ao confrontar
as crianças com diferentes cores de solo. O segundo passo correspondia a
mais uma etapa de um experimento a investigação. Os alunos manipularam a
terra e sentiram que as amostras tinham diferentes características. "Por que
uma é áspera e outra pegajosa? Qual dá mais liga?", perguntou Teodora. A
turma descobriu, então, que o solo pode ser arenoso, argiloso e humoso.

Questões desse tipo renderam discussões animadas. Enquanto as crianças


apresentavam suas hipóteses e ouviam as dos colegas e faziam comparações
e interpretações in loco, a professora trabalhava a oralidade, habilidade
normalmente desenvolvida nas aulas de Língua Portuguesa.

Barro vira tinta para o registro da experiência

Na etapa seguinte, os professores abordaram a impermeabilidade do solo.


"As crianças perceberam que as minhocas furavam a terra, facilitando a
absorção da água", conta a professora Cozete Rodrigues Miranda.

Para entender o que acontece com a terra quando colocamos água nela, os
estudantes testaram com as mãos diferentes consistências do material com
pouco e muito líquido. A lambança foi geral! Simone, do projeto Mão na
Massa, sugere colocar a água na terra aos poucos, com a ajuda de um funil,
para que todos os alunos possam observar como ocorre a absorção.

Em mais uma atividade lúdica, a propriedade do solo foi testada e os


conceitos confirmados. A garotada tentou construir esculturas com as
diferentes amostras e descobriu que era impossível modelar com as
arenosas. As terras mais argilosas, sim, renderam cestas de frutas, árvores,
bolos e figuras humanas. A arte da pintura também contribuiu para a
confirmação da experiência, além de funcionar como uma forma de registro.
Tinta feita com terra arenosa tinha pouca cor, já a argilosa rendia um
pigmento vermelho forte e consistente, que foi usado para desenhar bichos,
pedras e folhas secas.

A interferência humana na natureza pode ser positiva

Com o terrário, as crianças perceberam que a natureza funciona


normalmente sem a interferência humana. Então, quando e como essa
interferência deve acontecer? Diversas atividades foram desenvolvidas na
horta da escola para o grupo confirmar os conceitos científicos aprendidos
no terrário e tirar suas conclusões. As primeiras séries se encarregavam de
aguar os canteiros de alface, rúcula, couve, beterraba e ervas aromáticas.
Enfim, era imprescindível regar.

Com as 3ª e 4ª séries foi possível trabalhar poluição, saúde e decomposição


de folhas e animais em um canteiro reservado para a prática de
compostagem. A turma aprendeu a usar restos de comida da cozinha da
escola para produzir um solo rico em nutrientes para o desenvolvimento dos
vegetais. Mas nem tudo acontece como o planejado. O ataque inesperado de
formigas saúvas à horta exigiu a busca de soluções para combater a praga e
salvar a produção de legumes e verduras. Agrotóxico? Nem pensar! Assim,
receitas caseiras pesquisadas com os pais, como chá de folhas de fumo,
salvaram parte dos vegetais. Mesmo assim, a frustração foi geral!

A etapa realizada na horta levou os alunos a compreender como as


necessidades humanas contribuem para o desenvolvimento científico. A
escola teve a oportunidade de trabalhar com o zeolita minério cujo uso na
agricultura e na aceleração da produção de petróleo vem sendo estudado por
universidades brasileiras e estrangeiras. A turma comparou o crescimento da
alface semeada nesse minério e na terra adubada. Técnicos da empresa que
comercializa o material em larga escala explicaram que existem no minério
propriedades de troca de nutrientes com os vegetais, potencializando o
desenvolvimento das plantas.

"A educação científica contribui para a formação de cidadãos responsáveis


com o meio ambiente. Só um ensino prático e contextualizado possibilita
isso!", explica a coordenadora pedagógica Rosângela de Lima Yarshell. Tudo
simples, barato e replicável em muitas escolas brasileiras.

Como fazer um terrário

A Escola Estadual Alfredo Paulino construiu


um terrário em um aquário de vidro com
várias camadas de solo pedrisco de jardim,
areia, terra e terra adubada. A equipe do
projeto Mão na Massa sugere esta versão
simplificada, que também funciona para a
realização do experimento.

Foto: Bárbara Aguiar

MATERIAL NECESSÁRIO

? 1 garrafa pet de 5 litros com tampa

? 1 arame comprido para enterrar as plantas

? 1 vareta de pipa com algodão e plástico na


ponta para afofar a terra

O solo
? 2 xícaras de pedras 4 xícaras de terra
adubada
Os vegetais
? 1 ou 2 mudas pequenas de plantas
Foto: Bárbara Aguiar resistentes à falta de água, como suculentas
ou grama de jardim
Os animais
? pequenos bichos, como minhoca, tatu-bola e joaninha

Coloque as pedras na garrafa e depois a terra


adubada para formar o solo. Introduza
cuidadosamente as plantas, enterre as raízes
com a ajuda do arame e afofe o solo com a
vareta. Em seguida, coloque os bichinhos. Por
fim, regue bem o solo e as plantas e tampe a
garrafa.

Quer saber mais?

CONTATOS
ESCOLA ESTADUAL ALFREDO PAULINO, R. Caativa, 15, 05059-
Foto: Bárbara Aguiar 040, São Paulo, SP, tel. (11) 3831-8647

ESTAÇÃO CIÊNCIA - CENTRO DE DIFUSÃO CIENTÍFICA,


TECNOLÓGICA E CULTURAL DA USP, R. Guaicurus, 1394, 05033-002, São Paulo, SP, tel. (11) 3673-7022

BIBLIOGRAFIA

A NECESSÁRIA RENOVAÇÃO DO ENSINO DAS CIÊNCIAS, Anna Maria Pessoa de Carvalho (org.), 264 págs., Ed.
Cortez, tel. (11) 3864-0111 , 32 reais

CIÊNCIAS: FÁCIL OU DIFÍCIL?, Nélio Bizzo, 144 págs., Ed. Ática, tel. (11) 3990-2100 , 29,50 reaisexto

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