CONCEITO DE NÚMERO NA EDUCAÇÃO INFANTIL NUMA VISÃO
PSICOGENÉTICA
Vivian Aparecida Corrêa Braz
vivian_braz@hotmail.com Célia Maria Guimarães celiamguimaraes@terra.com.br UNESP, Câmpus de Presidente Prudente Faculdade de Ciências e Tecnologia
Palavras-chave: Conceito de número. Teoria piagetiana. Práticas de ensino.
Introdução e Objetivos
A pesquisa aborda as práticas educativas que na educação infantil
podem contribuir positivamente no processo de construção do conceito de número, tendo como base a teoria piagetiana. Trata-se de uma pesquisa de caráter teórico realizada durante um curso de pós-graduação Lato-sensu, Especialização em Educação Infantil, na FCT/UNESP, Câmpus de Presidente Prudente. É frequente ouvirmos relatos de pesquisas sobre diversas temáticas na educação infantil, como alfabetização/ processo de construção da leitura e escrita, a importância do jogo no desenvolvimento infantil, o uso da literatura infantil. Porém, pouco se fala ou se divulga a respeito de pesquisas ligadas à construção de conceitos pela criança, no caso, o conceito do número. Em consequência desse fato, parece adequado investigar como têm sido desenvolvidas as práticas educativas que envolvem a construção desse conceito. Desse modo, os objetivos que nortearam esta pesquisa foram: compreender como se dá a construção do conceito de número na criança pequena, de acordo com a teoria piagetiana e refletir sobre as práticas pedagógicas que podem favorecer a construção do conceito de número na educação infantil, com base na relação teoria e prática. Nos últimos anos, as discussões acerca da importância de oferecer uma educação infantil de qualidade têm sido o foco de estudos de autores como Zabalza (1998), Dahlberg, Moss e Pence (2003) e Kramer (1995) que desde a década de 80 vêm discutindo as políticas públicas para a educação da infância no Brasil. No Brasil, isso se deve, em grande parte, à promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) em 1996, a qual, pela
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primeira vez no país, se valoriza a educação infantil como parte da educação básica.
Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação
básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. (BRASIL, 1996)
Craidy (2001) destaca na nova LDBEN aspectos importantes da
educação infantil: A LDB determina ainda que cada instituição do sistema escolar (portanto, também as instituições de educação infantil) deverá ter um plano pedagógico elaborado pela própria instituição com a participação dos educadores [...] (p.24) Outra exigência da LDB é que até dezembro de 1999 todas as creches e pré-escolas existentes ou a serem criadas deverão integrar-se aos sistemas de ensino [...] A lei determina ainda que até o fim da década da Educação, ou seja, no ano de 2007, todos os educadores deverão estar devidamente habilitados conforme as exigências da lei. (p. 25)
Esses, entre outros aspectos, evidenciam uma nova maneira de pensar
a educação infantil, levantando a necessidade de se discutir o quê, quando e como ensinar as crianças nessa etapa do ensino, bem como o papel e a formação dos profissionais que atuam junto a elas. Desde 1996 muitos documentos oficiais do Ministério da Educação têm sido publicados contemplado essa temática (como os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil, o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, as Diretrizes Curriculares Nacionais, as Diretrizes Operacionais da Educação Infantil, os Parâmetros Nacionais de Qualidade e infra-estrutura, entre outros) e, paralelo a isso, um grande número de pesquisas sobre educação infantil têm surgido. Estariam entre essas pesquisas, estudos relacionados à construção do conceito de número? No que diz respeito à construção do conceito de número, a teoria piagetiana afirma que “Não podemos ensinar a estrutura dos números [...] podemos apenas criar situações nas quais a criança possa descobrir essa estrutura por si mesma, reinventando assim as relações numéricas.” (PULASKI, 1980, p. 147) A criança, na etapa da educação infantil, possui o que Piaget (1998) denominou de pré-lógica, ou seja, seu raciocínio ainda é simbólico, há uma
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lógica baseada na percepção, na intuição. Assim, todas as experiências vividas pela criança que contemplam a observação, a manipulação de objetos, a troca de opiniões entre os pares e com os adultos, serão fundamentais para a transição do pensamento pré-lógico para o pensamento operatório (capacidade de operar logicamente, pensamento reversível). A Teoria da Epistemologia Genética afirma que entre as aquisições desse período transitório do pensamento, está o conceito do número. De acordo com a teoria piagetiana, o número é uma síntese de dois tipos de relações que a criança elabora por abstração reflexiva: a classe e a série. Para construir o conceito de número, a criança precisa compreender três noções fundamentais: a classificação enquanto inclusão de classes, a noção de unidade e a noção de seriação.
Antes que o conceito de número possa desenvolver-se, a
criança precisa elaborar o princípio da correspondência um-a-um. Precisa contar cada objeto uma vez, e apenas uma vez. A seguir surge a idéia de conservação da quantidade (PULASKI, 1980, p. 145)
Ensinar diretamente o conceito de número não é algo possível, já que
não podemos ensinar como construir uma estrutura de pensamento. “O número é a relação criada mentalmente por cada indivíduo... A criança progride na construção do conhecimento lógico-matemático pela coordenação das relações simples que anteriormente ela criou entre os objetos.” (KAMII, 1990, p. 15). Por outro lado, o conceito de número envolve o conhecimento físico e o conhecimento lógico-matemático. O conhecimento físico tem como fonte do conhecimento os objetos do mundo exterior. A criança age sobre o objeto para descobrir suas propriedades físicas. Essa ação sobre o objeto ocorre por meio da abstração empírica, na qual a criança ignora aspectos já descobertos do objeto e se concentra em outros. A abstração empírica é a abstração das propriedades observáveis que são inerentes ao objeto (ex: cor, forma, textura, etc). As propriedades estão nos objetos e são abstraídas quando a criança age sobre o objeto e observa como eles reagem às suas ações. O conhecimento lógico-matemático, por sua vez, é estruturado a partir da abstração reflexiva, que tem origem na coordenação das ações que a criança exerce sobre o objeto. Através da abstração reflexiva a criança cria e introduz relações lógicas entre objetos. Se ela não relacionasse objetos a relação entre eles não existiria.
Um exemplo de conhecimento lógico-matemático é o fato
de que, no exercício de inclusão de classe, existem mais cubos que cubos azuis. Os cubos estão todos “lá fora” – ou seja, visíveis na frente da criança. Entretanto, eles não
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são organizados dentro da classe de “todos os cubos” compostos das subclasses “cubos amarelos” e “cubos azuis” até que a criança crie essa organização hierárquica e introduza-a entre os objetos (KAMII, 1990, p. 32).
Portanto, a fonte do conhecimento lógico-matemático está no sujeito,
nas relações que ele estabelece com os objetos do conhecimento. As principais características do conhecimento lógico-matemático são: não pode ser ensinado diretamente, porque só se constrói a partir das relações que a própria criança cria entre os objetos, dependendo de construção mental; é unidirecional e irreversível, constrói-se em direção e coerência cada vez maior, sem que haja possibilidade de regressão; e uma vez construído jamais será esquecido. De acordo com a teoria piagetiana, o conhecimento físico e o conhecimento lógico-matemático são inseparáveis, visto que o conhecimento físico não pode ser construído sem um quadro lógico-matemático. Nenhuma propriedade física dos objetos pode ser abstraída sem um referencial de relações, classe, medidas ou soma. As experiências físicas, que as crianças vivenciam, ajudam-nas a estruturar o pensamento lógico-matemático.
Metodologia
O trabalho apresentado se insere na abordagem qualitativa,
constituindo-se uma monografia de análise teórica, cuja metodologia aplicada para obtenção de dados foi o levantamento bibliográfico sobre a teoria piagetiana, incluindo obras do próprio Piaget e de seus seguidores. A pesquisa bibliográfica foi desenvolvida a partir do levantamento da literatura produzida sobre o assunto em questão, principalmente no que diz respeito a livros e artigos científicos, fundamentados na teoria de Jean Piaget e de seus seguidores.
Discussão: As implicações pedagógicas da Teoria Piagetina e o papel do
professor de educação infantil
Sabendo como se dá a construção do conhecimento pela criança e a
construção do conceito de número, é necessário pararmos e refletirmos, em termos pedagógicos, como conciliar a teoria com as situações educacionais que as crianças irão vivenciar nas instituições de educação infantil ou nas demais etapas do ensino. Kamii e Devries ([s.d], p. 63) apontam princípios de ensino no domínio socioafetivo e no domínio cognitivo. Quanto ao domínio cognitivo, as autoras chamam atenção para quatro princípios. “Ensinar, dentro do contexto do jogo da criança; Encorajar e aceitar as respostas ‘erradas’ da criança; Pensar em
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que é que a criança pensa e ensinar segundo os três tipos de conhecimento; Ensinar tanto os conteúdos como os processos.” (KAMII e DEVRIES, [s.d], p.75) Trazendo os princípios de ensino para o âmbito do conceito de número, em A criança e o número, Kamii (1990) apresenta seis princípios: Encorajar a criança a colocar todos os tipos de objetos, eventos e ações em todas as espécies de relações – uma criança que vive em um ambiente onde pode exercer sua autonomia, provavelmente terá mais situações em possa raciocinar logicamente, isto é, será capaz de mobilizar conhecimentos apreendidos anteriormente para colocá-los em relação a novos conhecimentos e assim resolver problemas e conflitos de seu dia a dia. Encorajar as crianças a pensarem sobre números e quantidades de objetos quando estes sejam significativos para elas – o professor pode usufruir de momentos da rotina diária para exercitar esse princípio de ensino com as crianças. Encorajar a criança a quantificar objetos logicamente e a comparar conjuntos – como já discutimos anteriormente, a utilização pela criança da sequência numérica oral ou símbolos numéricos convencionais não significa que esta quantifica objetos de maneira lógica. Encorajar a criança a fazer conjuntos com objetos móveis – para incentivar as crianças a quantificar conjuntos, não é aconselhável pedir a elas que contem, pois como já dissemos há pouco, ela só utilizará a contagem se tiver construído estrutura cognitiva para isso. O ideal seria dar à criança a chance de comparar dois conjuntos. Encorajar as crianças a trocar ideias com seus colegas – diante de qualquer situação que envolva quantificação, é aconselhável ao professor que não corrija a criança diretamente. Devolva a problemática para o grupo, para que os pares discutam, argumentem, a fim de chegar a uma conclusão. Além de estimular a quantificação, as crianças estarão exercitando sua autonomia e seus pontos de vista. Imaginar como é que a criança está pensando, e intervir de acordo com aquilo que parece estar sucedendo em sua cabeça – de acordo com Kamii (1990), mais importante que corrigir uma resposta “errada” da criança é corrigir o processo, isto é, compreender como a criança pensou para chegar a tal resultado/ resposta. Assim, cabe ao professor intervir de modo a levar a criança a pensar logicamente sobre seu “erro”, incentivando a troca de ideias no grupo. Muitos educadores acreditam que é possível ensinar todos os tipos de conhecimento só através do conhecimento social (transmissão social). Após refletirmos sobre a importância de colocar a criança para estabelecer relações entre os conhecimentos, não podemos concordar e aceitar que o professor seja o detentor do conhecimento que será repassado à criança de forma passiva e autoritária. Se buscarmos através da educação a autonomia da criança, a capacidade de pensar e verbalizar suas ideias, a possibilidade de expor e
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confrontar seus pontos de vista, caberá ao professor a responsabilidade de planejar situações que favoreçam o conflito cognitivo, a resolução de problemas, estimulem a descoberta de novos conhecimentos. O professor precisa encontrar um ponto de equilíbrio para saber quando e como intervir, agindo como um colaborador no trabalho e não aquele que corrige e dá uma resposta imediata.
Considerações finais
O trabalho realizado com esta pesquisa pretendeu compreender como
se dá a construção do conceito de número na criança pequena e refletir sobre as práticas pedagógicas que podem favorecer a construção desse conceito na educação infantil, com base na teoria da Epistemologia Genética. Esse estudo teve sua relevância, pois poderá contribuir para que as práticas pedagógicas na educação infantil sejam analisadas e discutidas quanto a sua real colaboração no desenvolvimento infantil. Portanto, no que diz respeito ao “ensino” do número na educação infantil, fica óbvio, após nossas reflexões, que experiências pobres (apoiadas somente em imagem), com metodologias fundadas na repetição, com ênfase sempre na resposta correta (nunca no processo), com o predomínio da linguagem oral e escrita, a visão de educação infantil como etapa preparatória para o ensino fundamental, entre outros aspectos, não contribuem para que a criança estabeleça as relações necessárias entre os conhecimentos já adquiridos e os novos. Piaget (1980) afirma que para este tipo de ensino, baseado na autonomia do indivíduo em buscar seu conhecimento, é necessário um método ativo de ensino:
Em resumo, o princípio fundamental dos métodos
ativos só se pode beneficiar com a História das Ciências e assim pode ser expresso: compreender é inventar, ou reconstruir através da reinvenção, e será preciso curvar- se ante tais necessidades se o que se pretende, para o futuro, é moldar indivíduos capazes de produzir ou de criar, e não apenas de repetir. (PIAGET, 1980, p. 17)
Manter os alunos ocupados com uma infinidade de tarefas para
fazer, restritos ao ambiente da sala de aula, no qual todas as ações estão sob controle do professor, é muito mais cômodo e menos trabalhoso. Utilizar metodologias que buscam a autonomia, a cooperação, a reciprocidade, a pesquisa, a observação, o planejamento de situações de aprendizagem, são mais trabalhosas, exigem mais tempo e dedicação do professor. Porém, é
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através dessas situações que crianças colocarão em relação os objetos do conhecimento que ajudarão a estruturar novas aprendizagens.
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