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10 IMPERATIVO DA INDUSTRIALIZAÇÃO Conjuntura da construção Junho 2011

Inovação: espiral ou carrossel


do conhecimento?
Produzir mais, em menos tempo, com menos recursos, com a
qualidade requerida e de forma sustentável – isso é possível
somente com os princípios da industrialização
Mercia Maria S. Bottura de Barros e Francisco Ferreira Cardoso

A década de 1980 iniciava e tra-


zia desânimo para a construção.
A pujança não existia mais e a situa-
nas tecnologias racionalizadas, pen-
sadas desde o projeto.
O modelo mudou, mesmo com recur-
pequenas empresas beneficiaram-se.
Uma das estratégias foi a da formação
de grupos de empresas que comparti-
ção era desoladora. A construção ha- sos usuais. Processos e métodos cons- lhavam custos e experiências; algumas
bitacional em massa – que originou trutivos, componentes e elementos fo- montaram seus próprios departamen-
grandes conjuntos e que permitiu ex- ram desenvolvidos, avaliados e implan- tos de desenvolvimento tecnológico vi-
perimentação de novas tecnologias – tados com sucesso – alvenaria estru- sando apoiar a produção.
fazia parte do passado. Os recursos tural e de vedação, revestimentos, es- Paralelamente, a academia continu-
praticamente não existiam. Boas ino- quadrias, sistemas hidrosanitários etc. ava a exercer seu papel de formação,
vações – e algumas nem tão boas por As inovações eram acompanhadas de pelos programas de pós-graduação vol-
não terem sido devidamente acompa- avaliações de desempenho laborato- tados à construção, como os da USP,
nhadas do correto desenvolvimento – riais e de pós-ocupação. As inovações cujos egressos passaram a se inserir
não seriam mais utilizadas. foram também gerenciais. Lançou-se a em muitas empresas e em outras uni-
Apesar de enorme demanda, não se idéia do “projeto de engenharia”. Uma versidades, dando início a novo ciclo
tratava de demanda solvável. Como nova disciplina de projeto, com o foco de formação de pessoal.
não havia financiamento e os juros e na produção. Passou-se a elaborar pro- E, assim, durante a década de 1990,
a inflação eram altíssimos, pouco ha- jetos de fôrmas; de armaduras; de ve- lentamente a produção foi retomada,
via a ser construído, paralisando a ati- dações verticais, integrando elemen- ainda que não atingisse as camadas
vidade. As empresas executavam sem tos e sistemas; de impermeabilização; de renda mais baixas. As ações de ra-
pressa; a mão de obra era mal remune- de esquadrias. cionalização e de gestão da qualidade
rada e realizava atividades de seu do- passaram a fazer parte do cenário. O
mínio. Capacitação, treinamento, para Legado de inovação movimento da qualidade ganhou for-
quê? Inovação tecnológica, nem pen- Parte do desenvolvimento tecnológi- ça a partir do momento em que o Es-
sar! Quase todo desenvolvimento tec- co e organizacional que ocorreria nas tado passou a exercer o seu poder de
nológico realizado foi deixado de lado. quase duas décadas seguintes decor- compra. A indústria de materiais tam-
Porém criatividade não faltava. No reu do investimento daquela empresa. bém teve papel preponderante, inclu-
final da década, uma desconhecida Quando encerrou suas atividades, sua sive pela importação de novos produ-
empresa ganhou mercado com nova força de trabalho migrou para outras tos e componentes.
proposta. Tendo o desenvolvimento empresas e a cultura da racionalização No entanto essa situação de calma-
tecnológico como base e associan- foi disseminada pelo país. ria mudou. O novo milênio trouxe no-
do-o à matemática financeira, proje- Outras empresas inovaram no perí- vos desafios à produção. Com injeção
tou novas oportunidades de negócio odo. Um destaque foi o modelo de co- de grande volume de recursos para fi-
e cresceu rapidamente. Não vem ao mercialização“em cem parcelas”. Igual- nanciamento e taxa crescente de em-
caso por que ela fechou, mas é fato mente alicerçado em inovação, atingiu pregos, finalmente a demanda, incluin-
que empreendeu amplo desenvolvi- grande fatia de mercado, pois oferecia do a das classes de mais baixa renda,
mento de métodos racionalizados e um produto que “cabia” no bolso dos passou a fazer parte do mercado. Mui-
padronizados. Foi sobretudo com ela clientes. Com dilatados prazos de au- tas empresas – algumas com capital
que pesquisadores, dentre eles os da tofinanciamento, a velocidade de pro- aberto – lançaram e venderam mais
Escola Politécnica da USP, começaram dução era lenta; assim, as tecnologias empreendimentos do que, sozinhas,
seu trabalho junto ao setor, sistema- construtivas racionalizadas associa- poderiam produzir.
tizando formas otimizadas de produ- das à gestão da produção respondiam A produção de um grande número de
ção, com rapidez, menos recursos e às necessidades da empresa. empreendimentos, com custos compa-
que não dessem problemas. Passou- Também os pesquisadores passaram tíveis aos preços de venda e dentro do
-se a organizar a produção com base a disseminar conhecimento e diversas prazo, com recursos limitados ao bol-
Conjuntura da construção Junho 2011 11

so do cliente é um dos grandes desa- A crise gera oportunidades e cria nos ali formados precisam ser valori-
fios enfrentados. ameaças. zados; parcerias universidade-empre-
Grande parte dos empreendimentos Se há carência de profissionais em sa estabelecidas.
foi comercializada com prazos e cus- todos os níveis, o potencial de forma- O arcabouço institucional está mais
tos embasados em uma realidade que ção é maior do que antes; mas é ne- maduro – quadro normativo, PBQP-H,
não existe mais. A mão de obra desa- Sinat etc.; entidades setoriais estão for-
pareceu; os salários são definidos pelo talecidas e atuantes. É preciso, porém,
trabalhador. O peso relativo entre ma- fazer uso de todos esses elos da cadeia,
teriais e mão de obra nos custos não é Esquecer-se dos gerando sinergia e evoluindo o setor.
tão equilibrado. Faltam equipamentos. Faltam recursos físicos, mas há espa-
Mesmo as fusões, as parcerias, as joint ensinamentos ço para inovação; fabricantes e cons-
ventures não têm sido suficientes para do passado e trutoras passam a ter setores de de-
atingir as metas estabelecidas. senvolvimento tecnológico, muitos li-
Mas o desafio vai além. Somem-se a reproduzir as derados por egressos de cursos de pós-
ele as exigências ambientais e de de-
sempenho mais rigorosas. Pelo lado
mesmas ações é -graduação. Falta, porém, uma políti-
ca consensual de ciência, tecnologia e
social, acionistas, trabalhadores das estar no carrossel. É inovação para o setor.
obras, vizinhança dos empreendimen-
tos, clientes e usuários exigem cada
preciso dele saltar e Portanto, o quadro é de otimismo
quanto à inovação. Os recursos finan-
vez mais. entrar na esteira de ceiros são amplos. Porém, agora, com
Uma nova estratégia de produção desafios antes inexistentes.
começa a ser buscada: a industriali-
uma espiral virtuosa O edifício a ser produzido passa a
zação da construção. E experiências atender novas demandas e práticas
de um passado não tão distante vol- inovadoras de gestão de projeto têm
taram como “inovações tecnológicas”. sido adotadas; novas ferramentas es-
Lu Santos

tão disponíveis, incluindo de tecno-


Desafio presente logia da informação. Os edifícios são
Será que se vive num carrossel, em que mais bem estudados quanto à sua in-
se passa muitas vezes por um mesmo tegração na cidade, ao seu desempe-
lugar sem dele se distanciar? Ou se nho, aos seus impactos, à sua gestão
vive em uma espiral virtuosa que, ao em uso (energia e água) e ao conforto
passar pelo mesmo ponto, o faz em um e saúde dos usuários; as certificações
patamar sempre mais alto? ambientais ganham força; novas dis-
Esquecer-se dos ensinamentos do pas- ciplinas de projeto são realizadas por
sado e reproduzir as mesmas ações é es- profissionais competentes. A fixação
tar no carrossel. É preciso dele saltar e desse novo modelo de projeto, porém,
entrar na esteira de uma espiral virtuosa. depende de organização setorial.
O contexto mudou, os atores muda- Novas práticas gerenciais, inclusive
ram e produzir mais, em menos tem- nos canteiros de obras, consolidam-se,
po, com menos recursos, com a quali- como de exigência de conformidade
dade requerida ao longo da vida útil de produtos e de legalidade na origem
do edifício e de forma sustentável so- (madeira, areia e brita) e trabalhista;
mente é possível com os princípios da de reaproveitamento dos resíduos; de
industrialização da construção, que medidas para limitações da poluição
vão além da padronização, coordena- e dos incômodos; de capacitação de
ção modular e mecanização. Eles pre- trabalhadores, dentre outras. Mas tais
vêem: projeto do produto aderentes práticas precisam ser disseminadas.
às exigências do mercado, incorpo- O que se espera é que essas inova-
rando inovações e respeitando as exi- ções sejam devidamente acompanha-
gências de desempenho e sustentabi- das do correto desenvolvimento tecno-
lidade; projeto detalhado de todas as lógico – estudos, ensaios, avaliações de
partes do produto, considerando-se a desempenho, avaliações pós-ocupação
construtibilidade do edifício; proces- – e que seus sucessos e insucessos se-
so de construção previamente defini- jam registrados e disseminados, para
do, com planejamento e logística, eli- cessária uma estratégia para alinhar que avance em uma espiral virtuosa de
minando decisões no canteiro; treina- iniciativas de capacitação. desenvolvimento do setor.
mento da mão de obra em curto espaço A pesquisa está mais consolidada,
de tempo e em grande escala, evitando com mais de 40 programas de pós-gra- Mercia Maria S. Bottura de Barros e Francisco
o uso de tecnologias com dependência duação com foco no ambiente constru- Ferreira Cardoso são professores do Departa-
do saber fazer operário e privilegian- ído; não obstante, a academia ainda mento de Engenharia de Construção Civil da
do as de fácil aprendizado. está distante do setor. Recursos huma- Escola Politécnica da USP.

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