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O DIREITO GREGO ANTIGO

O direito grego não recebeu tanta atenção por parte dos historiadores porque foi estudado
mais por filósofos e romanistas, e também porque a escrita grega não atingiu sua maturidade
durante o auge da civilização grega. A escrita está intimamente relacionada com o direito, e a
ausência de um sistema de escrita pode impedir o seu desenvolvimento. Michael Gagarin
propõe um modelo de três estágios para o desenvolvimento do direito em uma sociedade:
pré-legal, proto-legal e legal, e sugere que uma sociedade legal requer uma forma de escrita
desenvolvida. A escrita permitiu que as leis e os costumes fossem registrados e transmitidos
de geração em geração, possibilitando a sua preservação e evolução ao longo do tempo. Além
disso, a criação de vogais pelos gregos foi um importante avanço na escrita, pois permitiu
uma maior precisão na transcrição da língua falada, possibilitando maior clareza na
comunicação e, consequentemente, na interpretação das leis e dos textos jurídicos. Os gregos
também evoluíram seu estilo de escrita da direita para a esquerda para o estilo usado hoje, da
esquerda para a direita. Essa transição teve um impacto significativo na forma como as
pessoas leem e escrevem. Apesar de ser o berço da democracia, filosofia, teatro e escrita
alfabética fonética, a civilização grega tinha algumas características únicas que podem ter
contribuído para a obscuridade da lei grega ao longo da história. Duas dessas características
foram a recusa dos gregos em aceitar a profissionalização da advocacia e a figura do
advogado que, quando existia, não podia receber pagamento, e a preferência pela fala em
detrimento da escrita. Moses Finley, em seu livro Ancient Greeks, chama a atenção para a
preferência dos gregos por falar e ouvir. A arquitetura dos gregos foi projetada para falar em
público, e sua literatura era principalmente destinada a apresentações ou recitações públicas.
Até Platão expressou sua desconfiança em relação aos livros, e Sócrates nunca escreveu nada.
Os escritos gregos existentes são em forma de diálogos, onde as ideias filosóficas são
desenvolvidas por meio de discussões utilizando pessoas e situações reais. Os escritores
gregos do século IV eram principalmente oradores e professores de retórica. Portanto, a lei
grega é principalmente uma lei retórica. A preferência dos gregos pela fala em detrimento da
escrita também foi reforçada pelas dificuldades que a escrita ainda apresentava no século V
a.C., como a disponibilidade e o custo dos materiais de escrita e produção de obras para
consumo. O surgimento do pergaminho como um material de escrita importante ocorreu no
período em que a Grécia já havia passado por seu apogeu e Roma estava no auge de sua
dominação. De acordo com Henri-Jean Martin, a escrita estava onipresente em Roma desde o
final da república, mostrando a importância que a cultura escrita tinha na sociedade romana.
No entanto, o verdadeiro marco na história do livro foi a invenção do códex, que é
considerado a mais importante revolução do livro. O códex foi uma grande mudança em
relação ao rolo de pergaminho ou papiro, pois permitiu que as obras fossem apresentadas em
páginas escritas nos dois lados, ao invés de apenas um, na forma de um rolo contínuo. Isso
tornou a leitura mais fácil e prática e permitiu que as obras fossem organizadas de forma mais
eficiente. Uma das teorias sugere que a escrita foi utilizada para colocar limites no exercício
do poder por aqueles que detinham a autoridade, tornando o conteúdo das leis mais acessível
a todos. Outra teoria, sugere que a lei escrita foi utilizada como instrumento de poder da
cidade (pólis) sobre o povo, visando a beneficiar a pólis e fortalecer o controle do grupo que
dominava a cidade. Essa teoria é apoiada pelo fato de que as primeiras leis escritas eram
essencialmente aristocráticas. A transição do grande reino micênico para um menor, formado
pelas cidades (pólis) independentes, também é apontada como um fator que contribuiu para a
necessidade de maior controle pela cidade sobre a vida de seus habitantes. As leis de Sólon,
consideradas mais democráticas, também aumentaram o controle da cidade sobre a vida dos
habitantes. Durante o período clássico da Grécia antiga, a cidade de Atenas tornou-se
conhecida por seu sistema de governo democrático e seu sistema legal, que influenciou
muitos outros sistemas legais ao redor do mundo. O sistema legal ateniense incluía tribunais
públicos, júris formados por cidadãos e um conjunto de leis escritas conhecidas como a lei
das Doze Tábuas. Além disso, a Grécia antiga também é conhecida por sua filosofia jurídica,
particularmente pela obra de Platão e Aristóteles, que abordaram questões como a natureza da
justiça e do direito natural. No entanto, é importante notar que o sistema legal grego antigo
não era uniforme e variava de cidade-estado para cidade-estado. Além disso, muitas das leis
gregas eram baseadas em tradições e costumes, em vez de serem codificadas em leis escritas.
Outro aspecto importante do direito grego antigo era a ideia de vingança, que era vista como
um direito legítimo para as famílias das vítimas de crimes. Esse sistema foi gradualmente
substituído pelo sistema de justiça pública e tribunais. Um aspecto notável da lei grega era a
clara distinção entre direito material e processual. O direito substantivo era o próprio fim que
a administração da justiça buscava alcançar, enquanto o direito processual tratava dos meios e
instrumentos pelos quais o fim deveria ser alcançado, regulando a conduta e as relações dos
tribunais e litigantes com relação ao próprio litígio . A lei processual determinava a conduta e
as relações relativas às matérias contenciosas. Os gregos atribuíam grande importância ao
aspecto processual do direito, evidenciado como: ações privadas (diké) são aquelas que
dizem respeito a questões entre indivíduos, enquanto as ações públicas (graphé) são aquelas
que dizem respeito a questões entre indivíduos e a comunidade como um todo. Alguns
exemplos de ações privadas são: Assassinato (diké phonou): quando alguém mata outra
pessoa. Perjúrio (diké pseudomartyrion): quando alguém mente sob juramento. Propriedade
(diké blabes): quando há uma disputa sobre a propriedade de um bem. Assalto (diké aikias):
quando alguém rouba algo usando violência ou ameaça. Ação envolvendo violência sexual
(diké biaion): quando há uma violação sexual. Ilegalidade (diké paranomon): quando alguém
age de forma contrária à lei. Roubo (diké klopes): quando alguém furta algo. Alguns
exemplos de ações públicas são: Contra oficial que se recusa a prestar contas (graphé
alogiou): quando um funcionário público se recusa a prestar contas de seus atos. Por
impiedade (graphé asebeias): quando alguém age de forma ímpia, ou seja, sem respeito aos
deuses ou às leis. Contra oficial por aceitar suborno (graphé doron): quando um funcionário
público aceita dinheiro ou favores em troca de serviços. Contra estrangeiro pretendendo ser
cidadão (graphé xenias): quando um estrangeiro tenta se passar por cidadão e usufruir dos
mesmos direitos. Contra o que propôs um decreto ilegal (graphé paranomon): quando alguém
propõe uma lei ou decreto que é contrário à lei existente. Por registrar falsamente alguém
como devedor do Estado (graphé pseudengraphes): quando alguém registra falsamente outra
pessoa como devedora do Estado. A retórica grega foi um instrumento essencial de persuasão
jurídica na Grécia Antiga, já que o processo era conduzido por litigantes que defendiam seus
próprios casos diante de um júri popular composto por cidadãos comuns. Não havia juízes,
promotores ou advogados como os conhecemos hoje. O objetivo era manter a administração
da justiça nas mãos de amadores, tornando o processo barato e rápido. Todos os julgamentos
eram aparentemente completados em um dia, e os casos privados muito mais rápidos do que
isso. A retórica da persuasão, portanto, era essencial para o sucesso do litigante. A oratória
grega forense tem recebido mais atenção nos últimos anos, sendo valorizada como evidência
do direito ateniense e do estudo mais amplo da sociedade de Atenas. As sessões de
julgamento eram chamadas de dikasterias e eram realizadas por um tribunal popular chamado
heliaia, composto por seis mil cidadãos, escolhidos aleatoriamente anualmente. Os jurados,
chamados dikastas, eram escolhidos novamente antes de cada julgamento, para evitar fraudes.
Eles eram pagos por seus serviços e seu papel era semelhante ao de um jurado moderno. Não
havia juízes profissionais e a decisão foi tomada por maioria de votos. Os litigantes
apresentaram seus casos em um discurso contínuo, e o julgamento foi essencialmente um
exercício de retórica e persuasão. Para ajudá-los em seus discursos, eles poderiam contratar
logographers, redatores de discursos profissionais que foram um dos primeiros tipos de
advogados da história. Em meados do século IV aC, a prática estava firmemente estabelecida,
e os litigantes não fingiam mais que o ajudante era um amigo, mas sim um profissional.

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