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MOAGEM REATIVA: ROTA DE PROCESSAMENTO PARA A SÍNTESE

DE LIGAS E COMPÓSITOS NANOESTRUTURADOS PARA


ARMAZENAGEM DE HIDROGÊNIO

DANIEL RODRIGO LEIVA (1)


ANDRÉ CASTRO SOUZA VILLELA (2)
JUNJI SAIDA(3)
TOMAZ TOSHIMI ISHIKAWA (2)
WALTER JOSÉ BOTTA FILHO (2)
(1)
Programa de Pós-graduação em Ciência e Engenharia de Materiais, Universidade Federal de
São Carlos, São Carlos, São Paulo, Brasil
(2)
Departamento de Engenharia de Materiais, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos,
São Paulo, Brasil
(3)
Centro para Pesquisa Interdisciplinar, Universidade de Tohoku, Sendai, Japão

RESUMO

Diversos desenvolvimentos estão sendo realizados vislumbrando a constituição dos novos


sistemas energéticos baseados no H2. Neste contexto, as tecnologias para a armazenagem
segura e eficiente de hidrogênio constituem um importante tema de pesquisa aplicada. Os hidretos
metálicos armazenam o hidrogênio no estado sólido, oferecendo facilidade e segurança de
manuseio, e podem apresentar elevadas densidades gravimétricas e volumétricas de
armazenagem. A moagem de alta energia de metais, ligas ou compostos sob atmosfera de H2
(moagem reativa) é um tópico recente de pesquisa e vem sendo estudado como um método de
preparação de materiais nanoestruturados com melhores propriedades de armazenagem de
hidrogênio, o qual permite a utilização de matérias-primas metálicas de baixo custo. A reação in-
situ com o H2 durante a moagem promove a fragilização dos pós, contribuindo para a redução do
tamanho de partícula e aumentando a área superficial. São formadas soluções sólidas intersticiais
e hidretos metálicos durante a moagem, e o material obtido encontra-se em um estado ativado.
Esta combinação de efeitos pode levar à obtenção de materiais com maior capacidade de
absorção de H2 ou com melhores propriedades cinéticas. No presente trabalho, é evidenciado o
potencial da moagem reativa como rota de processamento para a síntese de diferentes hidretos
com estrutura nanocristalina, ou ainda nanocompósitos à base destes hidretos. Resultados
relativos aos hidretos MgH2 e Mg2FeH6 são apresentados. A partir do estudo dos efeitos de
parâmetros de processamento como tipo de moinho, tempo de moagem, tipo de reagentes e
através da utilização de aditivos adequados, a síntese dos hidretos ou nanocompósitos pode ser
controlada possibilitando a preparação de materiais com estrutura e propriedades interessantes
visando aplicações de armazenagem de hidrogênio.

ABSTRACT

Several efforts of research and development are being performed aiming the constitution of new
energetic systems based on H2. In this context, the technologies of safe and effective hydrogen
storage constitute an important question of applied research. The metallic hydrides store hydrogen
in the solid state, offering easiness and safety of handling, and they can present high gravimetric

1
Correspondência deverá ser enviada a Walter José Botta Filho:
Tel.: (16) 3351-8553; fax: (16) 3361 5404; e-mail: wjbottaf@power.ufscar.br
1
and volumetric densities of hydrogen storage. The high energy ball milling of metals, alloys or
compounds under hydrogen atmosphere (reactive milling) is a recent research topic and it has
been studied as a method of preparation of nanostructured materials with better properties for
hydrogen storage, which allows the utilization of low cost metallic raw materials. The reaction in-
situ with H2 during milling promotes the embrittlement of the powders, contributing to particle size
reduction and increasing surface area. Interstitial solid solutions and hydrides are formed during
processing and the obtained material is in an activated state. This combination of effects can
produce materials with higher H-sorption properties. In the present work, is evidenced the potential
of reactive milling as a processing route for the synthesis of different hydrides with nanocrystalline
structure or nanocomposites base on these hydrides. Results related to the hydrides: MgH2 and
Mg2FeH6 are presented. The study of processing parameters as type of mill, milling time and type
of rectants, as well as the utilization of appropriate additives can lead to the control of the synthesis
of the hydrides or nanocomposites, making possible the preparation of materials with interesting
structure and properties aiming hydrogen storage applications.

PALAVRAS-CHAVE

Armazenagem de hidrogênio; nanocompósitos; moagem reativa sob atmosfera de hidrogênio.

1. INTRODUÇÃO
O interesse pela pesquisa e desenvolvimento de tecnologias baseadas no hidrogênio tem
crescido, principalmente devido às preocupações com a poluição da atmosfera urbana, com as
formas seguras de transporte e armazenagem de energia e com as mudanças climáticas. Estas
tecnologias desempenham papel fundamental na transição para um sistema energético de
geração distributiva e constituem uma resposta promissora às necessidades atuais de energia
mais limpa e renovável. Neste contexto, o hidrogênio aparece como um elemento-chave no
desenvolvimento de estratégias eficientes contra os riscos ambientais enfrentados hoje em dia [1].

Os sistemas energéticos baseados no H2 encontram inúmeras barreiras tecnológicas e


econômicas que precisam ser superadas para que o hidrogênio se torne competitivo enquanto um
vetor de energia. Devem ser alcançados avanços na sua produção, armazenagem, transporte e
utilização, assim como na integração desses componentes para a constituição de sistemas
energéticos completos.

O desenvolvimento de materiais não-convencionais para a armazenagem de hidrogênio


apresenta-se como uma questão importante de pesquisa aplicada. Os principais requisitos para os
meios de armazenagem são a segurança e a eficiência, em termos volumétricos e gravimétricos.

Nos últimos anos, as chamadas ligas armazenadoras de hidrogênio ganharam atenção como
alternativas interessantes para a armazenagem gasosa ou líquida. Estas ligas armazenam o
hidrogênio sob a forma de hidretos metálicos, sendo esta uma maneira muito mais segura que a
armazenagem no estado líquido ou gasoso, e que proporciona uma alta eficiência volumétrica de
armazenagem. Esta segurança se deve à estabilidade e facilidade de manuseio que os hidretos
metálicos apresentam à temperatura ambiente.

As ligas e compósitos que têm se destacado nas pesquisas sobre armazenagem de hidrogênio
pertencem aos sistemas à base de Mg, de soluções sólidas CCC, como o sistema Ti-Cr-V, de
composto intermetálicos AB5, principalmente à base de LaNi5, das fases de Laves AB2, como por
exemplo, o sistema Zr(Ni,V)2, e os hidretos complexos, como o Mg2FeH6 e os alanatos de lítio ou
sódio. Tais sistemas têm demonstrado um grande potencial para aplicações de interesse
tecnológico. Dentre as aplicações, podem ser destacadas as utilizações em sensores de gases,
em fixadores (getters) de hidrogênio, eletrodos de baterias recarregáveis de níquel-hidreto
metálico (Ni-MH), na armazenagem e transporte de energia térmica, na armazenagem e
transporte de hidrogênio em tanques maciços, além de usos nos processos de catálise
heterogênea, de purificação do hidrogênio ou ainda de separação de seus isótopos [2, 3].

2
O MgH2 e o Mg2FeH6 têm como principais atrativos a alta densidade volumétrica de energia que
contêm e o custo relativamente baixo do Mg e do Fe. Entretanto, o uso tecnológico do MgH2 tem
sido inviabilizado pela necessidade de altas temperaturas de absorção/dessorção e pela cinética
lenta com que esses processos ocorrem. A hidrogenação do magnésio cristalino não ocorre em
temperatura inferior a 300ºC, e são necessárias temperaturas acima de 400ºC para dessorção [3].
No caso do Mg2FeH6, a síntese do material a partir da mistura precursora 2Mg-Fe precisa ser
estudada para que sejam alcançados maiores rendimentos [4-6]. Além disso, este hidreto
necessita de altas temperaturas para a dessorção de hidrogênio, e uma reversibilidade apenas
parcial a altas temperaturas e altas pressões de H2 foi reportada [7,8].

Materiais não-convencionais têm sido desenvolvidos para contornar os problemas de capacidade


de armazenagem e de cinética de absorção/dessorção de hidrogênio, tais como ligas metálicas
nanocristalinas e nanocompósitos. A pesquisa de ligas metálicas nanocristalinas para
armazenagem de hidrogênio baseia-se no fato destas apresentarem maior área superficial e maior
densidade de contornos de grão. Essas características estruturais favorecem a
absorção/dessorção e difusão do hidrogênio [6,7].

Por outro lado, o estudo de compósitos para armazenagem de hidrogênio está baseado na
sinergia entre os seus componentes, ou seja, o compósito deve possuir melhores propriedades de
absorção/dessorção de hidrogênio que a simples mistura de seus componentes individuais. Estes
compósitos, em geral, são formados por dois componentes: um majoritário, com alta capacidade
de absorção de hidrogênio, e um minoritário, com alta atividade superficial [4]. Em alguns casos, o
componente minoritário também é um material com alta capacidade de absorção de hidrogênio [8].
A combinação de alta fração volumétrica de contornos com a ação de catalisadores de superfície
produz nanocompósitos com propriedades atrativas para armazenagem de hidrogênio. Metais de
transição como o ferro são importantes catalisadores para as reações de absorção e dessorção de
H2 nos nanocompósitos à base de Mg [9].

Diferentes tipos de processamento estão associados à utilização de uma moagem de alta energia
(high energy ball milling): elaboração mecânica de ligas (mechanical alloying), moagem
convencional (mechanical milling - cominuição ou amorfização, puramente mecânica), ou moagem
reativa (mecanochemistry ou reactive milling - cominuição ou amorfização mecano-química).
Esses processos são ativados mecanicamente, ao contrário de muitos processos convencionais
que são termicamente ativados. Dependendo das variáveis de processamento, um ou mais dos
processos citados acima podem ocorrer durante uma moagem de alta energia.

O processamento de pós por moagem de alta energia permite uma mistura a nível atômico,
acompanhada por intenso trabalho mecânico dos materiais constituintes. Dessa forma, é possível
produzir nanocompósitos ou ligas nanocristalinas a partir de misturas de pós elementares,
compostos ou elementos reativos, ou ainda a partir de pós de ligas [10].

Uma rota de processamento investigada recentemente para a preparação de ligas e compósitos


armazenadores de hidrogênio é a moagem reativa sob atmosfera de hidrogênio. Este processo
consiste numa moagem de alta energia dos elementos ou compostos puros que constituem a liga
ou compósito, realizada sob atmosfera de hidrogênio [11-14]. Ocorre fragilização das ligas ou
compósitos durante a moagem, devido à reação com hidrogênio, facilitando a diminuição do
tamanho de partículas durante o processamento e, conseqüentemente, aumentando a área
superficial. Além disso, os hidretos metálicos são obtidos durante o processamento e encontram-
se em um estado ativado. Aumenta também a quantidade de material recuperado após a
moagem.

Os parâmetros controladores dos processos que podem estar associados a uma moagem de alta
energia são essencialmente os mesmos. A maioria desses parâmetros está relacionada à
eficiência da moagem, isto é, à quantidade de energia transferida pelo impacto das bolas para o
material. Entre estes parâmetros, podem ser destacados: tipo de moinho; velocidade ou
freqüência de moagem; quantidade, tamanho das bolas e distribuição desses tamanhos; tamanho,
forma e dureza das partículas do material; massa de bolas em relação à de material (poder de
3
moagem ou de micro-forjamento); volume preenchido do recipiente; temperatura; tempo de
moagem e atmosfera no interior do recipiente. Além desses parâmetros, comuns aos demais
processos promovidos por moagem de alta energia, a moagem reativa sob atmosfera de
hidrogênio também apresenta outros, que são característicos: a pressão e a quantidade disponível
de H2 durante a moagem.

No presente trabalho, é evidenciado o potencial da moagem reativa como rota de processamento


para a síntese de diferentes hidretos com estrutura nanocristalina, ou ainda nanocompósitos à
base destes hidretos. Resultados relativos aos hidretos MgH2 e Mg2FeH6 são apresentados. A
partir do estudo dos efeitos de parâmetros de processamento como tipo de moinho, tempo de
moagem, tipo de reagente e através da utilização de aditivos adequados, a síntese dos hidretos ou
nanocompósitos pode ser controlada possibilitando a preparação de materiais com estrutura e
propriedades interessantes visando aplicações de armazenagem de hidrogênio.

2. OBJETIVOS
Preparação de nanocompósitos à base de magnésio por moagem reativa sob atmosfera de
hidrogênio, evidenciando o potencial desta rota de processamento para a síntese de materiais
para armazenagem de hidrogênio a partir de matérias primas metálicas de baixo custo.

3. METODOLOGIA
Foi utilizado um moinho centrífugo FRITSCH P6 com uma razão de massa de bolas para material
de 40:1. O tempo de moagem foi fixado em 48 h, e a pressão de hidrogênio em 3 MPa. Foram
utilizados pequenos teores molares dos aditivos nanocristalinos MgF2, Fe, NbH0,89, FeF3, VF3
preparados previamente por moagem de alta energia.

Uma mistura 2Mg-Fe selecionada (contendo Fe microcristalino) foi moída em um moinho


planetário FRITSCH P6 nas mesmas condições do moinho centrífugo, porém utilizando tempos
mais curtos (12 e 24 h).

Os nanocompósitos preparados foram caracterizados por difração de raios-X (DRX) em um


difratômetro SIEMENS D5005 utilizando a radição Kα do cobre. Os tamanhos médios de cristalito
das fases β-MgH2 e Mg2FeH6 foram calculados a partir de medidas de alargamento do pico
principal desta fase, utilizando a fórmula de Scherrer.

Imagens de microscopia eletrônica de varredura (MEV) foram obtidas utilizando um microscópio


Phillips FEG XL 30, enquanto as imagens de microscopia eletrônica de transmissão (MET) foram
obtidas com um microscópio JEOL JEM-3000F, operando com 300 kV de tensão. Nas análises de
MET, também foram realizados mapeamentos por espectroscopia de dispersão de energia de
raios-X (EDX) usando um feixe de elétrons de 0,5 nm de diâmetro.

O teor médio de H2 absorvido durante a moagem foi obtido a partir de medidas de análise química
por extração a quente utilizando um determinador comercial de hidrogênio LECO RH 402.

As faixas de temperaturas de dessorção dos nanocompósitos preparados foram avaliadas por


calorimetria diferencial de varredura (DSC), utilizando um calorímetro NETZSCH DSC 404 e taxa
de aquecimento constante de 10°C/min sob fluxo de argônio.

4
4. RESULTADOS ALCANÇADOS

4.1 Nanocompósitos à base de MgH2

Tabela 1 Características estruturais de diferentes nanocompósitos à base de MgH2 preparados


por moagem reativa.

Misturas moídas sob Fases formadas Quantidade de Tamanho de


hidrogênio após a moagem, hidrogênio cristalito da fase β-
(aditivos segundo análise de absorvido durante MgH2 (nm)
nanocristalinos em DRX a moagem
porcentagem molar) (% em massa)
Mg Mg, γ-MgH2 e β-MgH2 5,0a 13
Mg + 5%MgF2 Mg, MgF2, γ-MgH2 e 3,8a 10
β-MgH2
Mg + 5% Fe Mg, Fe, γ-MgH2 e β- 3,6b 10
MgH2
Mg + 2,5%MgF2 + 5%Fe MgF2, Fe, γ-MgH2 e 6,4b 10
β-MgH2c
Mg + 3%MgF2 + 5% MgF2, γ-MgH2, β- 5,8b 9
NbH0,89 MgH2 e fase amorfa
rica em Nb
Mg + 5%FeF3 MgF2, Fe, Mg2FeH6 e 5,6b 9
β-MgH2
Mg + 5%VF3 MgF2, β-VH0,81 e β- 6,0b 9
MgH2
a
Medida através de análise química por extração a quente utilizando um determinador comercial
de hidrogênio.
b
Calculada teoricamente, devido à ausência de Mg nas misturas. O hidrogênio absorvido pelo V
ou Nb não foi considerado.
c
Uma pequena quantidade de Mg remanescente também está presente na mistura.

Tabela 2 Características de dessorção de H2 de diferentes nanocompósitos à base de Mg


preparados por moagem reativa.

Misturas moídas sob Temperatura de Número de Temperatura dos


hidrogênio início de dessorçãoa estágios de picos de dessorção
(aditivos (°C) dessorção (°C) (°C)
nanocristalinos em
porcentagem molar)
Mg 321 2 382b
Mg + 5%MgF2 352 1 384
Mg + 5% Fe 273 1 314
Mg + 2,5%MgF2 + 5%Fe 247 1 308
Mg + 3%MgF2 + 5% 293 2 327 e 357
NbH0,89
Mg + 5%FeF3 278 1 337
a
Temperatura correspondente ao ponto de encontro das retas tangentes à linha base e ao
primeiro pico de dessorção.
b
A temperatura do primeiro pico de dessorção não pode ser determinada devido à sobreposição
parcial com o segundo pico

5
(b) (c)

(a)

(d) (e)
Figura 1 Microestrutura da mistura moída de Mg + 2,5% MgF2 + 5% Fe por MEV (a) e MET –
campo claro (b). O mapeamento por EDX no MET é mostrado para Mg (c), F (d) and Fe (e).

4.2 Nanocompósitos à base de Mg2FeH6

Fe micro + 5%MgF2 endo

251
Sinal do DSC (u.a.)

Fe micro
321
z β -MgH2 ` Mg2FeH6 ™ Fe 263

Fe nano
Fe micro + 5%MgF2 325
282
Intensidade (u.a.)

325
` ` Fe micro
200 250 300 350 400
` ` o
` ` ` Temperatura ( C)
™

(b)

Fe nano
™

z z
™

20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85

2θ (graus)

(a)

(c)
Figura 2 (a) Padrões de DRX de diferentes misturas 2Mg-Fe moídas sob hidrogênio: utilizando
inicialmente ferro nanocristalino ou microcristalino ou ainda utilizando Fe microcristalino e 5% em
mol do composto MgF2; (b) curvas de DSC das mesmas misturas moídas. Estão indicadas as
temperaturas de início e de pico de transformação, e (c), micrografia de MEV do nanocompósito
contendo adições do composto protetor de superfície MgF2.

6
Tabela 3 Tamanhos médios de cristalito das principais fases hidreto presentes nas misturas
moídas no moinho centrífugo.

Indicação da composição inicial Hidreto - tamanho de cristalito (nm)


Fe nano Mg2FeH6 - 11
MgH2 - 12
Fe micro Mg2FeH6 - 10
Fe micro + 5% MgF2 Mg2FeH6 - 10

` Mg2FeH6 ™ Fe
Intensidade (u.a.)

24 h

`
`

12 h
Mg (002)

`
™

` ` `
`

™
™

20 30 40 50 60 70 80
2θ (graus)

Figura 3 Padrões de DRX da mistura 2Mg-Fe (Fe microcristalino) selecionada para


processamento no moinho planetário por diferentes tempos.

5. DISCUSSÃO

A tabela 1 apresenta algumas características estruturais dos diferentes nanocompósitos à base


de MgH2 preparados no presente trabalho. A adição de MgF2 ou de Fe nanocristalinos,
introduzidos separadamente, não promove a síntese do MgH2 por moagem reativa, mas a
introdução simultânea do sal MgF2 com um aditivo que catalisa a reação in-situ do H2 com o Mg
(Fe ou NbH0,89) durante o processamento promove a conversão total para seus hidretos. Isso se
deve à combinação da ação mecânica do composto protetor de superfície MgF2 durante a
moagem (que promove a fratura e cominuição das partículas de Mg, criando superfícies livres de
óxidos e hidróxidos nas partículas metálicas) à atividade catalítica do metal de transição ou seu
hidreto.
Como mostra a tabela 1, o efeito combinado dos sais inorgânicos e catalisadores na moagem
reativa do magnésio produz nanocompósitos de alta capacidade de armazenagem de hidrogênio.
Observou-se uma diminuição do tamanho médio de cristalito da fase β-MgH2 para todas as
adições utilizadas em relação ao obtido para o Mg comercialmente puro moído sob H2.
Os resultados obtidos mostram também que a adição de um fluoreto de metal de transição à
moagem reativa do Mg produz materiais com características interessantes para armazenagem de
hidrogênio. O aditivo FeF3 nanocristalino promove a síntese de β-MgH2 durante a moagem.
Durante o processamento, ocorre uma reação parcial de transferência de flúor do Fe ao Mg,
gerando Fe e MgF2. A fase Mg2FeH6 também está presente nesta mistura. Resultados
semelhantes foram obtidos com a utilização de adições de VF3 nanocristalino.

7
As características de dessorção observadas estão apresentadas na tabela 2. Nos nanocompósitos
em que a fase γ-MgH2 está presente em quantidade significativa, observam-se dois estágios de
dessorção. A fase γ é a primeira se decompor na mistura, gerando deformações elásticas que
diminuem a temperatura de dessorção de uma fração da fase β. Em comparação com o Mg
comercialmente puro moído sob H2, a adição de MgF2 não leva a um abaixamento da faixa de
temperatura de dessorção do MgH2, ao contrário do que se obtém ao combinar este aditivo com o
Fe ou NbH0,89. Os melhores resultados de dessorção do presente trabalho foram obtidos para a
mistura moída de Mg + 2,5%MgF2 + 5%Fe.

Este nanocompósito foi selecionado para caracterização por MEV e MET, como mostra a figura 1.
É possível observar que a mistura apresenta elevada área superficial, e uma distribuição fina de
flúor (com ação protetora de superfície) e ferro (catalisador para as reações com hidrogênio). Este
tipo de microestrutura favorece a obtenção de cinética rápida de absorção/dessorção de H2.

A figura 2 (a) mostra os padrões de DRX obtidos para as misturas preparadas com o moinho
centrífugo. As seguintes fases podem ser identificadas nas três composições: β-MgH2, Fe e
Mg2FeH6. É interessante observar que, comparativamente, a mistura contendo inicialmente Fe
nanocristalino apresenta apenas uma pequena quantidade do hidreto complexo Mg2FeH6,
conforme mostra a pequena intensidade dos picos dessa fase em relação aos de Fe. Por outro
lado, a análise dos padrões de DRX obtidos para as misturas contendo ferro inicialmente
microcristalino mostra claramente que este tipo de reagente favorece a favorece a síntese do
hidreto complexo.

Conforme mostra a figura 2 (a), a adição de um pequeno teor de MgF2 nanocristalino é benéfica à
síntese do Mg2FeH6, levando a um maior rendimento. Comparando os padrões das duas misturas
contendo inicialmente Fe microcristalino, é possível observar uma maior intensidade dos picos de
DRX da fase Mg2FeH6 em relação aos picos de Fe no caso da mistura contendo MgF2. O efeito
catalítico deste composto deve estar associado à sua ação mecânica durante a moagem,
promovendo o escamamento e a cominuição das partículas metálicas, e assim aumentando sua
reatividade.

Na figura 2(b) são mostradas as curvas de DSC para as três misturas moídas sob hidrogênio no
moinho centrífugo, com indicação das temperaturas de início e de pico de transformação. Nos três
casos, é possível observar apenas um estágio de decomposição, apesar das três misturas
apresentarem dois hidretos diferentes (β-MgH2 e Mg2FeH6). Com o aumento do teor do hidreto
complexo na mistura, alcançado com a utilização de Fe microcristalino ou ainda com uma
pequena adição de MgF2, as temperaturas de início de dessorção de hidrogênio pelos
nanocompósitos diminuem, evidenciando o efeito catalítico do Mg2FeH6 na decomposição do
MgH2.

Já a figura 2 (c) mostra que o pó obtido após moagem da mistura 2Mg-Fe + 5%MgF2 contém
aglomerados formados por partículas sub-micrométricas ou até mesmo por nanopartículas (com
diâmetro abaixo de 100 nm). Essa elevada área superficial é interessante para aplicações de
armazenagem de hidrogênio, pois favorece as reações do material com o H2 com cinética rápida.

A tabela 3 apresenta os tamanhos médios de cristalito para os principais hidretos presentes em


cada uma das misturas moídas no moinho centrífugo. Utilizou-se a fórmula de Scherrer. O
tamanho médio de cristalito da fase β-MgH2 só foi determinado para a mistura contendo
inicialmente Fe nanocristalino, devido à baixa intensidade de seus picos de DRX nas outras
composições. É interessante observar que foram alcançados tamanhos de cristalito bastante
reduzidos para as três composições. O hidreto Mg2FeH6 apresenta um tamanho de cristalito médio
da ordem de 10 nm nos três casos.

A mistura 2Mg-Fe contendo inicialmente Fe microcristalino foi selecionada para moagens no


moinho planetário utilizando diferentes tempos de processamento. A figura 3 apresenta os
padrões de DRX dos pós obtidos depois de 12 e 24 horas de moagem. Como indicado pela

8
intensidade relativa dos picos principais de Mg2FeH6 e Fe, as misturas moídas no planetário são
muito mais ricas em hidreto complexo do que a correspondente processada no moinho centrífugo
num tempo duas ou quatro vezes superior, como mostrado na figura 2(a).

A maior energia específica de impacto das bolas obtida com o moinho planetário, devido ao
movimento adicional de rotação, comparativamente ao moinho centrífugo, no qual existe apenas
um movimento de translação, deve ser responsável por essa síntese de Mg2FeH6 com cinética
superior.

Os tamanhos médios de cristalito para a fase Mg2FeH6 calculados utilizando a fórmula de Scherrer
são de 12 e 13 nm para as misturas moídas por 12 e 24 h, respectivamente. Estes valores são
próximos aos obtidos para os pós preparados utilizando o moinho centrífugo por 48 h (da ordem
de 10 nm).

6. CONCLUSÕES

Através do estudo da síntese de nanocompósitos à base de MgH2 e Mg2FeH6 mostrou-se no


presente trabalho que a moagem reativa sob atmosfera de hidrogênio é um método relativamente
simples e barato para a síntese de ligas e compósitos nanoestruturados para a armazenagem de
hidrogênio a partir de matérias primas metálicas de baixo custo. A síntese dos hidretos ou
nanocompósitos de interesse pode ser controlada possibilitando a preparação de materiais com
estrutura e propriedades interessantes visando aplicações de armazenagem de hidrogênio.

7. AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à FAPESP, CNPq e CAPES, pelo apoio financeiro recebido.

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[14] COSTA, A.L.M.; S.F. SANTOS, BOTTA, W.J.; ISHIKAWA, T.T. Mechanical alloying of
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