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Patrimônio Industrial: Propostas de Musealização no Brasil

Conference Paper · January 2014


DOI: 10.13140/2.1.2567.8081

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Ronaldo André Rodrigues da Silva


Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
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Patrimônio Industrial: Propostas de Musealização no Brasil
Industrial Heritage: Proposals of Musealization in Brazil

Ronaldo André Rodrigues da Silvai


Doutoramento em História – Universidade do Minho
Comitê Brasileiro para a Preservação do Patrimônio Industrial – TICCIH-Brasil

RESUMO

O trabalho propõe uma reflexão acerca das possibilidades de musealização de espaços


relacionados à arqueologia e patrimônio industriais no Brasil. A partir da análise da situação
contemporânea da temática na sociedade brasileira e segundo algumas varáveis busca-se
avaliar algumas possibilidades em se desenvolver propostas museais. Dessa maneira, tem-
se uma ampliação tanto da temática de apresentação museal de patrimônio cujo conceito
amplia-se na atualidade a campos anteriormente não contemplados, bem como da própria
percepção do conceito de museus. Ao final, as reflexões em torno do tema permitem a
construção de relações entre memória e história sociais centradas na importância e
relevância da história organizacional e suas influências na vida social, cultural, político e
econômica. A “síntese da vida organizacional”, plural e complexa, a partir do ponto de vista
museológico, permite uma percepção diferenciada de como valorizar e preservar o
patrimônio industrial brasileiro.

Palavras-chave: Patrimônio Industrial, Patrimônio Cultural, Museologia, Memória Social.

ABSTRACT

The paper proposes a reflection of the musealization possibilities related to archeology and
industrial heritage in Brazil. From the theme in contemporary situation in Brazilian society
and according to some variables, it seeks to evaluate some possibilities for developing
museological proposals. Thus, there is an extension of both the subject of museum, your
presentation and assets whose concept expands today to fields previously left behind, as
well as the own perception of the concept of museums. Finally, reflections on the theme
allow the construction of relationships between social memory and history focused on the
importance and relevance of organizational history and its influence on social, cultural,
political and economic life. The "synthesis of organizational life", plural and complex, from
the point of view of museum, allows a different perception of how to value and preserve
Brazil's industrial heritage.

Keywords: Industrial Heritage, Cultural Heritage, Museology, Social Memory.


1. Introdução

A relação existente entre os termos patrimônio industrial e museus


apresenta-se pouco recorrente nos campos da pesquisa e na área da cultura
brasileira. Em contrapartida, percebe-se o desenvolvimento de trabalhos
que remetem a área, além de linhas de pesquisa e construção de saberes
que contemplam se não o arcabouço do campo, suas subáreas em diversos
trabalhos acadêmicos e aplicações empresariais. Assim, tem-se observado
uma importância crescente quanto à inserção das temáticas do patrimônio
industrial tanto em Universidades como nos setores público e empresarial.
A complexidade e amplitude do conceito de patrimônio cultural tem
provocado tais reflexões, mas há pouca visibilidade, compreensão e alcance
em relação ao seu entendimento.

Ao se relacionar o tema de patrimônio industrial a museus observa-se,


também, que os termos e conceitos de patrimonialidade e musealização
têm permitido a construção de novas estruturas do conhecimento
relacionadas ao patrimônio cultural e à museologia. Desta maneira,
perceber e entender o conceito de patrimônio segundo diversos modelos de
ações permite a observação de diferentes elementos a serem considerados
para o entendimento da museologia, do patrimônio e da cultura brasileiros.

Dentre as proposições construídas a partir de uma relação entre os


conceitos de patrimônio industrial e suas implicações no campo da
museologia tem-se a busca por uma maior compreensão e ampliação de
seu alcance. As possíveis aplicações englobam desde aquelas consideradas
tradicionais, cujas experiências museológicas compreendem os centros de
memória empresariais, às concepções inovadoras.

Dessa maneira, a definição de instrumentos ou linhas de ação museológicas


permite o desenvolvimento de atividades voltadas à continuidade da
memória do trabalho, do trabalhador, da técnica e da tecnologia que se
alicerçam na promoção mútua e organização de entidades e instituições que
visem seu desenvolvimento.
2. Patrimônio Cultural e Musealização no Brasil

O conceito de patrimônio cultural no Brasil têm evoluído nas últimas


décadas, com uma percepção ampliada de sua complexificação e por
abarcar campos anteriormente não contemplados, tais como o campos do
patrimônio imaterial e, também, do patrimônio industrial. Deve-se destacar
ainda o desenvolvimento da área de gestão do patrimônio, com uma maior
estruturação nos níveis governamentais – federal, estadual e municipal – e
no âmbito particular – sociedade, associações e empresas.

Percebe-se assim, que os conceitos desenvolvidos para descrever


patrimônio vêm sendo ampliados e agregados ao conceito tradicional.
Conjuntamente à patrimonialidade material se tem pensado na natureza e
diversidade do que se pode considerar patrimônio, bem como na inserção
dos diversos grupos sociais em sua gestão, de organizações aos grupos
representantes da sociedade. Tais fatores colaboram para a construção
desse conceito e determinam uma ampliação conceitual que abarca desde
as ciências humanas, já tradicionais, às relacionadas à tecnologia,
biológicas, dentre outras. Além disso, também se incluem novas maneiras
de ‘pensar’ o patrimônio que emergem com mais intensidade como o
patrimônio imaterial e o patrimônio intangível (Abreu & Chagas, 2003).

Em relação ao patrimônio industrial brasileiro, percebe-se tal preocupação


em alguns documentos norteadores dessas políticas. Inicialmente, deve-se
destacar o próprio conceito de patrimônio cultural brasileiro na Constituição
Federal de 1988 que define o conjunto de elementos definidores que

“constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza


material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,
portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nas que se
incluem:
I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver;
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços
destinados às manifestações artístico-culturais;
V – os conjuntos urbanos e lugares de valor histórico, paisagístico,
artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico”.
(artigo 216).

Complementarmente, 20 anos após o reconhecimento da complexidade do


conceito de patrimônio cultural, se propõe, por meio da Lei No. 11.906, de
20 de janeiro de 2009, a criação do Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM
cuja função tem por seus princípios:

“I – promover e assegurar a implementação de políticas públicas


para o setor museológico, com vistas em contribuir para a
organização, gestão e desenvolvimento de instituições
museológicas e seus acervos;
II – estimular a participação de instituições museológicas e centros
culturais nas políticas públicas para o setor museológico e nas ações
de preservação, investigação e gestão do patrimônio cultural
musealizado;
III – incentivar programas e ações que viabilizem a preservação, a
promoção e a sustentabilidade do patrimônio museológico
brasileiro;
IV – estimular e apoiar a criação e o fortalecimento de instituições
museológicas;
V – promover o estudo, a preservação, a valorização e a divulgação
do patrimônio cultural sob a guarda das instituições museológicas,
como fundamento de memória e identidade social, fonte de
investigação científica e de fruição estética e simbólica;
VI – contribuir para a divulgação e difusão, em âmbito nacional e
internacional, dos acervos museológicos brasileiros;
VII – promover a permanente qualificação e a valorização de
recursos humanos do setor;
VIII – desenvolver processos de comunicação, educação e ação
cultural, relativos ao patrimônio cultural sob a guarda das
instituições museológicas para o reconhecimento dos diferentes
processos identitários, sejam eles de caráter nacional, regional ou
local, e o respeito à diferença e à diversidade cultural do povo
brasileiro; e
IX – garantir os direitos das comunidades organizadas de opinar
sobre os processos de identificação e definição do patrimônio a ser
musealizado”. (artigo 3º.).

No ano de 2013, por meio do Decreto No. 8.124, que instituiu os conceitos
essenciais aos elementos museais, tais como: bens culturais, bens culturais
musealizados, bens culturais passíveis de musealização, centro de
documentação, coleção visitável, degradação, destruição, inutilização,
museu e processo museológico (Artigo 2º.); bem como as competências de
gestão do IBRAM (Artigo 3º.), dos museus públicos e privados (Artigo 4º.)
e demais instrumentos de gestão da rede museal brasileira.

Tem-se definida, então, a estrutura normativa brasileira para que possam


ser desenvolvidas as políticas e estratégias de gestão do patrimônio cultural
brasileiro que abarquem a diversidade de possibilidades de representação
desse patrimônio e suas diversas maneiras de se manifestar a partir da
memória e da cultura nacionais.

Estas novas possibilidades de se construir a memória nacional garante,


dessa forma, que elementos anteriormente não considerados patrimoniais,
como os edifícios industriais e organizacionais, tivessem novas
caracterizações que os permitissem à identificação de patrimônio cultural.
Entretanto, esta classificação ocorre em função dos mais diversos espaços
sociais nos quais se tem formas diferenciadas de manifestação de crenças
ou de atividades sociais e que tiveram a garantia de se tornarem pontos de
análise para formação do patrimônio e da memória cultural.
3. Patrimônio Industrial e Musealização

O conceito de patrimonio industrial sob a perspectiva de inlusao junto às


possibilidades de patrimônio cultural tem como marco a proposta
apresentada por meio da Carta de Nizhny, em 2003, pelo TICCIH (The
Internation Committee for the Conservation of the Industrial Heritage) que
abarcava como conteúdo o seguinte:

O patrimônio industrial se compõe dos restos da cultura industrial


que possuam um valor histórico, tecnológico, social, arquitetônico
ou científico. Estes restos consistem em edifícios e maquinaria,
escritórios, moinhos e fábricas, minas e lugares para processar e
refinar, armazéns e depósitos, lugares onde se gera, se transmite e
se usa energia, meios de transporte e toda sua infraestrutura, assim
como os lugares onde se desenvolvem as atividades sociais
relacionadas com a indústria, tais como as moradias, o culto
religioso ou a educação.

Complementa-se a metodologia para sua identificação, o conceito de


arqueologia industrial, que trata das evidências, documentação e técnicas
que determinam sua interdisciplinaridade e se somam aos movimentos de
construção de processos de investigação que visam promover e conservar,
inventariar, documentar, investigar e valorizar do patrimônio industrial.
Além destas formas, tem-se também o fomento ao ensino destes aspectos
como um objetivo a suscitar as pessoas e as organizações para a
importância e revalorização do patrimônio industrial, suas implicações nos
processos de vida do homem e de construção do atual estado da sociedade
(Bergeron, 1995).

Segundo Amado Mendes (1999), a promoção do patrimônio segundo o


resgate através da educação possibilita a construção de relações de
identidade regional ou nacional, e também de resgate de valores esquecidos
durante anos na memória local. Uma preocupação com o patrimônio cultural
a partir das relações estabelecidas entre memória e história torna-se
essencial ao desenvolvimento dos conceitos da museologia e sua integração
aos demais conceitos a ela interligados – memória, história, patrimônio,
identidade, dentre outros.

Pode-se diferenciar os conceitos de patrimônio industrial e arqueologia


industrial como sendo o primeiro relacionado às atividades de conservação
do patrimônio e o segndo composto pelo primeiro como fonte de pesquisa
e constructo para uma planificação, orientação, organização e salvaguarda
dos conteúdos históricos das indústrias e demais organizações.

Assim, percebe-se o conceito de patrimônio industrial a partir de uma


relação mais restrita à existência de um patrimônio técnico e arquitetônico,
que busca sua conservação em um sentido mais amplo do termo.
Entretanto, este conceito envolve princípios de proteção, reutilização,
museologia etc. com vistas a uma orientação, planificação e organização da
memória industrial a partir das atuações de órgãos gestores administrativos
dos restos industriais ou de particulares responsáveis por ele (Santacreu
Soler, 1992).

O reconhecimento da existência de uma memória industrial, seja através,


e a partir, do conceito de patrimônio ou segundo perspectivas de se
entendê-lo e percebê-lo permite uma outra perspectiva de análise que
envolve a interpretação dos processos e estrutura industriais, sejam eles
internos ou externos à mesma, ou a proteção e uso dos “restos” do processo
da industrialização. Uma das principais finalidades consiste em inventariar
e analisar as estruturas e os arquivos oficiais das sociedades industriais. A
busca pelos vestígios industriais traspassa as análises de registro material,
do trabalho e das relações sociais. Envolve desde as matérias primas aos
meios de produção e também os meios de vida ou consumo. Busca-se com
um olhar histórico-cultural envolver traços de uma estrutura administrativa,
econômica e política que contêm, também, uma dimensão humana no
fenômeno global da industrialização (Candela Soto, 2000).

O conhecimento construído a partir dos conceitos de patrimônio e


arqueologia industriais possibilita abre novas vias de pesquisa e oferece
critérios e sugestões à hora de (re)construir atuações de recuperação e
(re)utilização do patrimônio, não somente econômicas e industrial, como
também sócio-culturais. Sua importância surge, assim, segundo um
momento em que a sociedade pós-industrial, ou da informação, passa por
mudanças que determinam novos paradigmas de estudo dominados pela
automatização, pela importância central dada aos processos informacionais.
Define uma nova era “neoindustrial” na qual é necessário ter presente o
passado mais próximo para compreender melhor o futuro e conformar com
isso a imagem e a pessoalidade do lugar em que se vive. (López Garcia,
1992; Gutiérrez Lloret, 1994; Castillo et al, 1999).

A busca pela integração entre as diversas ciências nos processos de


desenvolvimento da arqueologia industrial tem por objetivo ou interesse a
congruência entre os aspectos técnicos e estruturais do patrimônio
industrial e as diferentes maneiras de integrá-lo melhor ao conjunto da
cultura, da atividade econômica e da vida local. Com isso, pode-se observar
que o contexto em que se encontra a arqueologia industrial apresenta-se
amplo e tem como princípio a abordagem da história industrial e econômica
do modelo de sociedade moderna. Tal fato ocorre a partir dos registros
escritos ou do conjunto de estruturas desenvolvidos através dos últimos
dois séculos. Inclui, também, o estudo das características sócio-ambientais
que permitam um olhar crítico ao desenvolvimento e às influências das
empresas segundo o entorno que elas abarcam.

Santacreu Soler (1992) delineia as diferenças existentes entre os campos


de desenvolvimento da arqueologia industrial e a construção destas
diferenças em relação ao patrimônio industrial, além de apresentar as
relações com diversos campos de conhecimento. Observa-se, assim, que o
patrimônio industrial se constitui em uma das fontes de análise da
arqueologia industrial, sendo que esta última tem como métodos e
disciplinas adotados para seu desenvolvimento, a história, a antropologia,
a arqueologia, a geografia, as ciências sociais aplicadas, dentre outras.
Assim, a arqueologia industrial incorpora uma transdisciplinaridade à
estrutura e aos estudos das organizações (e particularmente às indústrias),
pois incorpora a noção de patrimônio industrial como uma das formas de
interpretação dos locais de trabalho em que se encontram imbricados de
valores históricos, econômicos, sociológicos, empresariais, sociais etc.

As preocupações sociais da arqueologia industrial apresentam confluências


que direcionam para uma interdisciplinaridade, principalmente, entre as
ciências humanas e sociais aplicadas. A inserção cultural e sócio-econômica
tem um particular significado a partir das interpretações das influências
exercidas pelos atores sociais envolvidos, direta ou indiretamente nos
processos industriais. Esta participação dos diversos atores organizacinais
e sociais determina interpretações diferenciadas a partir das atividades por
eles exercidas que os afeta e interfere nas decisões e resultados pessoais,
organizacionais e sociais. Desde os processos de participação e
internalização de propostas, àqueles definidos segundo as políticas
empresariais e sociais de desenvolvimento há uma percepção, ou não, da
invisibilidade dos processos de afetação das pessoas em relação ao entorno
da empresa e da sociedade que a engloba.

4. Patrimônio Industrial e Museologia

As proposições construídas para a definição de conceitos acerca da


museologia têm proporcionado uma ampliação de sua compreensão,
entendimento e ampliação. As experiências museológicas têm
compreendido desde a concepção tradicional de museus às mais diversas
inovações. Elas surgem desde as experiências de países escandinavos aos
conceitos de ecomuseus nas quais se busca uma ampliação da relação com
a vida cultural social, desde a conservação à revitalização de um patrimônio.

Assim, nessa perspectiva de ampliação os museus industriais surgem como


possibilidades de ampliação de propostas museológicas, principalmente nas
décadas de 50 e 60, tradicionalmente em países anglo-saxões. Esses se
caracterizam, principalmente, por incluírem objetos de grandes dimensões
e se relacionarem a equipamentos industriais ou sociais que determinam
espaços diferenciados. (Lopes Cordeiro, 2001).

A conservação e restauração desses elementos também se caracteriza


diferenciadamente de museus considerados artístico-culturais. Há uma
demanda por profissionais qualificados diretamente relacionados aos
fatores de desenvolvimento tecnológico, bem como das técnicas que os
define. Dessa maneira, a refuncionalização de áreas industriais ou mesmo
paisagens industriais leva a uma revitalização da memória e da história
sócio-econômica e também da identidade desenvolvida a partir dos vínculos
entre homem-trabalho e empresa-sociedade.

Como exemplos internacionais tem-se os conceitos de ecomuseus ou os


retrofits de áreas industriais, como o Complexo Siderúrgico de Völklingen e
o Complexo Industrial da Mina de Carvão de Zollverein (figura 01), ambos
na Alemanha, que buscam uma ampliação da relação do patrimônio
industrial à vida cultural e social, desde sua conservação à revitalização.

Tal proposição possibilita a consolidação de um processo cuja mentalidade


museística interdisciplinar, não somente se relaciona ao patrimônio
industrial como também a todo patrimônio cultural. Além de definir uma
função educativa e recreativa, estas exigências de uma museologia
relacionada ao patrimônio industrial, no que tange aos processos de
desindustrialização, revelam “novas relações” entre o capital e
desenvolvimento socioeconômico e as comunidades.

Figura 01: Zollverein Coal Mine – Industrial Complex in Essen


Fonte: UNESCO – Patricia Alberth – http://whc.unesco.org/en/list/975/gallery/

Deve-se ressaltar que a participação e o envolvimento da sociedade revela


e sintetiza uma importância vital que tem por princípio a formação de
conceitos de preservação e conservação de patrimônio determinados por
uma inter-relação de identidade e identificação cultural e social de grupos
e seu entorno, das organizações e sua atuação junto às comunidades.

O caráter museológico aplicado ao patrimônio industrial permite a


construção de uma memória e história sociais em que se percebe a
importância e a relevância da história organizacional e suas influências na
vida social, cultural, político e econômica. Uma adequada “síntese
organizacional”, pluralista e complexa a partir do ponto de vista
museológico, permite uma percepção diferenciada de como se pode
descrever e perpetuar histórias organizacionais sob a óptica da museologia.

Assim, ao se avaliar as diversas formas de expressão do patrimônio


industrial e sua relação com a museologia deve-se considerar a existência
de um grupo de instrumentos que garantam a expansão de sua
aplicabilidade – sejam atuações particulares ou coletivas, iniciativas
privadas ou estatais – e que permitam vislumbrar a agregação da visão de
cultura, memória e história a um patrimônio alicerçado na ciência e na
tecnologia. (BRUNO, 1997).

5. Possibilidades Museais Brasileiras

Como exemplos atuais de redes ou rotas de museus relacionados ao


patrimônio industrial se têm aqueles apresentados no livro “Centros e
Museus de Ciência do Brasil”, publicado pelos órgãos ABCMC (Associação
Brasileira de Centros e Museus de Ciência), Casa da Ciência (Centro Cultural
de Ciência e Tecnologia da UFRJ) e Museu da Vida (Casa de Oswaldo
Cruz/Fiocruz). Além do Museu da Indústria, Comércio e Tecnologia de São
Paulo e a rede de Museus de Energia do Estado de São Paulo. Tem-se
também outras inciativas menores, mas não menos importantes como o
Museu do Pão (Ilópolis/RS), Museu Têxtil Décio Mascarenhas
(Caetanópolis/MG), Museu Usina de Marmelos Zero (Juiz de Fora/MG)
(figura 02), bem como aqueles relacionados ao setor ferroviário.

Figura 02: Museu Usina de Marmelos Zero (Juiz de Fora/MG)


Fonte: UFJF – http://www.ufjf.br/centrodeciencias/museu-usina-marmelos-zero/
Como exemplos de possibilidades futuras sob tal preocupação e perspectiva
podem ser citados a partir do conjunto de elementos apresentado pelo
Grupo de Estudos de História da Técnica da Universidade de Campinas – SP
(GEHT/UNICAMP, 1998). Entretanto, são raras as iniciativas que valorizam
elementos isolados ou em grupo, tipologias específicas e demais formas de
representatividade como aquedutos, hidrelétricas, casas de benefício de chá
e mate, diques, engenhos, fábricas, instalações e complexos ferroviários,
minas, pedreiras, usinas, vinícolas; além dos complexos sociais (vilas
operárias e os equipamentos sócio-comunitários) que advém da instalação
e desenvolvimento de atividades industrial-econômicas.

As iniciativas privadas e empresariais poderiam ser consideradas segundo


o número crescente de empresas que têm desenvolvidos fundações e
centros de memória destinados a desenvolver atividades de promoção e
resgate do passado e da história industriais. Podem ser citados: o Centro
de Memória Bunge, Centro de Memória Bosch, Centro de Memória Klabin,
Centro de Memória da FIEMG (Federação das Indústrias do Estado de Minas
Gerais), Centro de Memória da Fundação ArcelorMittal Brasil (Sabará),
Museu Monlevade do Ferro e Aço (Joao Monlevade/MG), Centro de Memória
Morro Velho (Nova Lima/MG), dentre outros.

Deve-se ainda considerar que tais centros devem ter ampliado seu conceito
ao se considerarem aqueles relacionados às instituições públicas,
particulares de caráter não-industrial e demais atividades humanas
relacionadas ao desenvolvimento econômico-social.

O caráter museológico dessas instituições têm permitido a construção de


uma memória e história de diversas atividades industriais, bem como
aquelas relacionadas ao crescimento e desenvolvimento brasileiro. Assim,
se pode perceber a importância e a relevância da história organizacional e
de suas influencias na visa social e político-econômica, além de uma
adequada “síntese organizacional” que se torna pluralista e complexa a
partir do ponto de vista museológico apresentado e que permite uma
percepção diferenciada de como se pode descrever histórias
organizacionais. (Tolliday, 2000).
6. Reflexões Finais

Os métodos intensificação do trabalho e incremento da produção detêm o


conteúdo das transformações empresariais e sociais sob a necessidade de
mudanças e as novas estruturas organizacionais que proporcionam desde
incentivos monetários às mudanças de métodos de trabalho, a redução de
trabalhadores ou maior controle ou individualização dos processos
produtivos.

A recuperação da história industrial e cultural apresenta a possibilidade de


conhecimento de uma época vivida e de seu entorno. As mudanças
organizacionais segundo as transformações organizativas nas empresas
com reflexos nas as condições de vida e trabalho das pessoas, nas
demandas de qualificação requeridas pelos processos produtivos, na
orientação general e possibilidades de ação do “trabalhador coletivo”, têm
sido pouco consideradas na hora de explicar as mudanças sociais e as
expectativas e limitações da sociedade contemporânea.

A construção de instrumentos ou linhas de ação museológicas que permitam


o desenvolvimento de atividades voltadas à continuidade dessa memória do
trabalho, do trabalhador, da técnica e da tecnologia devem alicerçar-se na
promoção e mútua organização de entidades e instituições que visem o seu
desenvolvimento. Adequando os critérios apresentados por Filipe (2003)
tem-se um conjunto de como linhas prioritárias para o seu
desenvolvimento:
 a construção de um grupo de ações que permita a construção de linhas
de exibição virtuais sobre a história industrial;
 o desenvolvimento de estudos e atuações em meios de comunicação para
a interpretação e informação das propostas museísticas;
 o desenvolvimento de estudos sobre as populações e grupos sociais e
suas relações com a história industrial;
 a proposição de estudos e ações voltados a interdisciplinaridade e
integração museística e turismo;
 o desenvolvimento de estudos e ações sobre o intercâmbio estrutural e a
difusão da cultura industrial;
 proposição de estudos e ações sobre o desenvolvimento de habilidades e
conhecimentos relacionados à museologia e ao patrimônio industrial.

Estas proposições acima permitem a construção, desenvolvimento e


consolidação de um processo em longo prazo de uma mentalidade
museística global, não somente relacionada ao patrimônio industrial como
também a todo patrimônio cultural. A construção de políticas de gestão e
planejamento adequados permite uma maior capacidade de integração das
partes e interdisciplinaridade nos processos demandados. Tais fatores
tornam-se importantes do ponto de vista museológico quando considerados
segundo as exigências sociais atuais as quais determinam implicações e
considerações tanto acerca de proposições atuais de caráter funcional como
de caráter formal. O primeiro relaciona-se aos aspectos de rigor e
competência no que se refere aos conteúdos implicados e o segundo às
linguagens, expressões e relações com as exigências culturais e sociais que
lhe são impostas.

Além de estar relacionado à função educativa e recreativa, as novas


exigências da museologia revelam relações com o desenvolvimento
socioeconômico das comunidades, além de uma inter-relação de identidade
e identificação cultural e social com os grupos de seu entorno. A
participação e envolvimento da sociedade revelam resultados que
sintetizam a importância das organizações e de sua atuação junto às
comunidades para a formação de conceitos de preservação e conservação
de patrimônio, além de construir uma proposta de educação e identidade
entre os indivíduos de uma sociedade e o lugar em que vivem.

Para tal e de maneira complementar deve-se citar igualmente as iniciativas


realizadas que estão integradas à ampliação do conceito de patrimônio
cultural e que se encontram relacionadas à preservação do patrimônio
industrial de maneira indireta, através da Convenção para a Salvaguarda
do Patrimônio Cultural Imaterial, de 17 de outubro de 2003. Ela apresenta
uma preocupação com o conhecimento transmitido de maneira geracional,
promovido pelos diversos grupos sociais nos quais “a interação entre
ambiente, natureza e história, gerando um sentimento de identidade e
continuidade, contribuindo assim para promover o respeito à diversidade
cultural e a criatividade humana” (IPHAN, 2003).

Como exemplo desta preocupação tem-se o reconhecimento do Ofício das


Paneleiras de Goiabeiras, no Espírito Santo ou os remanescentes da Real
Fábrica de Ferro São João de Ipanema (Iperó, SP) (figura 03) que se
apresentam quase que ‘casos isolados’ no que se refere à preservação do
patrimônio industrial – material ou imaterial – no Brasil.

Figura 03: Floresta Nacional de Ipanema (Fábrica de Ferro)


Fonte: Prefeitura de Iperó (SP) – http://www.ipero.sp.gov.br/floresta-nacional-de-
ipanema/
Outras relações estabelecidas entre o patrimônio cultural e as empresas,
segundo Medeiros (2004), ocorre nas cidades do “Vale do Aço”, Minas
Gerais em que são citadas as cidades que possuem fábricas da empresa
CSBM (Companhia Siderúrgica Belgo Mineira). Nelas ocorre desde a
reconstrução e reorganização de manifestações culturais a partir da ação
dos operários das fábricas, havendo eleição de reis e rainhas negros do
congado, além de manifestações religiosas (Festa de Nossa Senhora do
Rosário dos Negros) e cerimônia de coroação destes reis até a construção
de uma identidade cultural ao desenvolver-se atividades de educação
patrimonial junto à comunidade e mais especificamente junto aos
estudantes do ensino fundamental da rede pública de ensino.

Deve-se salientar, assim, que as perspectivas de desenvolvimento dos


processos de investigação e musealização do patrimônio industrial brasileiro
devem ser percebidas sob a óptica transdisciplinar de maneira a permitir a
complementaridade e intercambialidade de conhecimentos e a construção
de de um campo do conhecimento que envolva uma dinâmica de
(re)construção e (re)definição das formas de atuação dos gestores, públicos
ou privados.

Para Ferreira e Orrico (2002), as várias formas de se articular cultura e


memória, história e sociedade, passado e presente definem de infinitas
maneiras novas fronteiras e articulações que identificam uma linguagem
nacional própria, identidade e memória sociais que muitas vezes são
significantes e trazem significado a algumas questões que inquietam os
estudiosos e apaixonados pela memória cultural. Localizar e identificar o
objeto de estudo – o mundo do trabalho e seus diversificados entornos que
definem os processos de vida – muitas vezes determinam um
entendimento, mesmo que parcial, de caracteres de personalidade
organizacional das indústrias estudadas, além de possibilitar uma formação
da história cultural e social não somente da organização, mas da sociedade
em que está inserida.

7. Referências Bibliográficas

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Ronaldo André Rodrigues da Silva – Doutorando em História (Universidade do Minho).
Bacharel em Engenharia Elétrica (PUC Minas/Brasil) e Administração (UFMG/Brasil);
Mestrado em Administração (UFMG/Brasil); Especialização em Ética, Capital Social y
Desarrollo en la Universidad (OEA); Especialização em Sociologia (DEA/UCM/Espanha);
Máster em Conservación y Restauración del Patrimonio Arquitetónico y Urbano
(ETSAM/UPM/Espanha). Professor Assistente IV da PUC Minas (Brasil). Membro fundador
do Comitê Brasileiro para a Preservação do Patrimônio Industrial (TICCIH-Brasil), sócio
colaborador da Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB) e membro fundador da
Sociedade de Arqueologia Brasileira – Seção Sudeste (SAB-Sudeste). Associado ao
Institute of Electrical and Electronics Engineers (IEEE).

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