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Círculo da potência
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Não há homem sobre a Terra que não tenha aprendido alguma coisa por si
mesmo e sem mestre explicador. 28
O círculo social, a ordem das coisas, proíbe que ele seja reconhecido pelo que
é: o verdadeiro método pelo qual cada um aprende e pelo qual cada um
descobre a medida de sua capacidade. 28-29
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O embrutecimento ocorre quando quem ensina não emancipa, visto que quem emancipa não deve
se preocupar com o que o emancipado deve aprender.
Quem ensina sem emancipar, embrutece. E quem emancipa não tem que se
preocupar com aquilo que o emancipado deve aprender. Ele aprenderá o que
quiser, nada, talvez. Ele saberá que pode aprender porque a mesma
inteligência está em ação em todas as produções humanas, que um homem
sempre pode compreender a palavra de um outro homem. 30
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Há sempre uma distância a separar o mestre do aluno, que, para ir mais além,
sempre ressentirá a necessidade de um outro mestre, de explicações
suplementares. Assim, Aquiles triunfantes passeia, em torno de Tróia, com o
cadáver de Heitor amarrado à sua carruagem. A progressão racional do saber
é uma mutilação indefinidamente reproduzida. "Todo homem que é ensinado
não é senã uma metade de homem".
A formação da inteligência se dará assim que o indivíduo não necessitar mais da repetição, do
soletrar e do gaguejar como as inteligências grosseiras.
O que ele esqueceu, ele ultrapassou. Ele não está mais em situação de soletrar
e a gaguejar como as inteligências grosseiras e os pequeninos da turma
infantil. Não há papaguaios em sua escola. Não se sobrecarrega a memória,
forma-se a inteligência. 33
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Eis a vistude dos explicadores: o ser que inferiorizaram, eles o amarram pelo
mais sólido dos laços ao país do embrutecimento: a consciência de sua
superioridade. 34
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Não há nada que o mestre lhe subtrais, e nada que ele possa subtrair ao olhar
do mestre. O círculo abole a trapaça. E, antes de mais nada, essa grande
trapaça, que é a incapacidade: eunão posso, eu não compreendo... Não há
nada a compreender. Tudo está no livro. Basta relatar - a forma de cada
signo, as aventuras de cada frase, a lição de cada livro. É preciso começar a
falar. 35
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Nós nos contentaremos em fazer como esses criadores: como Racine, que
aprendeu de cor, traduziu, repetiu e imitou Eurípides, Bossuet que fez o
mesmo com Tertuliano, Rousseau com Amyot, Boileau com Horácio e
Juvenal; como Demóstenes, que copiou oito vezes Tucídides, Hooft, que leu
cinquenta e duas vezes Tácito, Sêneca, que recomenda a leitura sempre
renovada de um mesmo livro, Haydn, que repetiu indefinidamente seis
sonatas de Bach, Miguelangelo, semore ocupado em refazer o mesmo torso...
A potência não se divide. Não há senão um poder, o de ver e de dizer, de
prestar atenção ao que se vê e ao que se diz. 37
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Com efeito são esses os dois atos fundamentais do mestre: ele interroga,
provoca uma palavra, isto é, a manifestação de uma inteligência que se
ignorava a si propria, ou se descuidava. Ele verifica que o trabalho dessa
inteligência se faz com atenção, que essa palavra não diz qualquer coisa para
se subtrair à coerção. 40
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É o segredo dos bons mestres: com suas perguntas, eles guiam discretamente
a inteligência do aluno - tão discretamente, que a fazem trabalhar, mas não o
suficiente para abandoná-la a si mesma. Há um Sócrates adormecido em cada
explicador. E é preciso admitir que o método do mestre Jacotot - isso é, o
método do aluno - difere radicalmente do método do mestre socrático. Por
suas interrogações, Sócrates leva o escravo de Mênon a reconhecer as
verdades matemáticas que nele estão. Há aí, talvez, um caminho para o saber,
mas ele não é em nada o da emancipação. Ao contrário. Sócrates deve tomar
o escravo pelas mãos para que esse possa reencontrar o que está nele próprio.
A demonstração de seu saber é, ao mesmo tempo, a de sua impotência:
jamais ele caminhará sozinho e, aliás, ninguém lhe pede que caminhe, senão
para ilustrar a lição do mestre. Nela, Sócrates interroga um escravo que está
destinado a permanecer como tal. 40-41
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Conclui, então:
Para explicar a criação, os maniqueístas afirmavam que a inteligência viviam em um mundo dual.
Existe uma razão e desrazão em uma corporação, nação, etc, pelo fato de existir, conjuntamente à
vontade e à inteligência, a atenção e a distração e que existindo ambas bastará para que a
inteligência se disperse em meio a gravitação da matéria:
Define a distração como uma recusa, uma preguiça e um desejo de subtrair-se ao esforço:
Nesse sentido, podemos dizer com eles que o mal não é mais
do que ausência. Mas sabemos, também, que essa ausência é
uma recusa. Aquele que se distrai não vê por que razão deveria
prestar atenção. A distração é, de início, preguiça, desejo de
subtrair-se ao esforço. (p. 87)
Ou seja, o princípio da preguiça é o desprezo, pois abstém-se do aprendizado o ignorante que diz
“eu não posso”:
“A preguiça que faz com que as inteligências caiam na
gravidade material tem por princípio o desprezo. Esse desprezo
procura se fazer passar por modéstia: eu não posso, diz o
ignorante que pretende abster-se da tarefa de aprender.”. (p. 87)
Desprezo por si é também desprezo pelos outros pois não quer-se submeter ao julgamento de
outrem:
Explicando a desrazão da desigualdade, que é a razão que leva a inteligência a consentir com a
distração, ou seja, é a paixão pela desigualdade:
Ou seja, tal paixão da desigualdade se dá pela vontade de destruir uma outra vontade, impedindo a
outra inteligência de ver:
O universo da desrazão social é feito de vontades servidas por
inteligências. No entanto, cada uma dessas vontades dá por sua
missão destruir uma outra vontade, impedindo a outra
inteligência de ver. (p. 90)
Rancieré aponta como sentimento da desigualdade das inteligências como o motor que movimenta
as massas à submissão ao domínio, os confundido com “espíritos superiores”:
Racieré afirma que a vontade razoável consiste em vencer a si próprio de modo que quem o faça se
fará virtuoso:
Aponta a desrazão social como a guerra em duas faces: o campo de batalha e o tribunal.