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1. SEMÂNTICA TRADICIONAL
a) Platão:
Na sua obra Crátilo, ao negar tanto o naturalismo extremado (segundo o
qual cada coisa tem um nome por natureza – posição esta defendida por Crátilo),
como também o convencionalismo linguístico (para o qual a significação é fruto da
convenção e do uso da linguagem – posição esta defendida por Hermógenes),
Platão assume uma posição intermediária aos dois extremos, afirmando que, de um
lado, não é possível descobrir a significação de uma palavra na própria forma do
som (naturalismo)1, nem acreditar que a significação de uma palavra é apenas
resultado de um acordo convencional (convecionalistas)2. Logo, as palavras não
significam as coisas por simplesmente imitar os sons ou pelo fato de fazerem parte
de uma convenção, mas sim porque apresentam e correspondem a essências fixas
e imutáveis:
1 O que seria um absurdo para Platão, pois, neste caso, todos poderiam compreender imediatamente
línguas estrangeiras.
2 O que não deixaria de ser outro absurdo para Platão, pois como usar os nomes como instrumentos,
se eles não possuem uma referência fixa ao qual corresponder? Nesse caso, haveria infinitos
acordos e as pessoas não poderiam mais saber do que estariam se referindo. Esta é a tese do
relativismo de Protágoras combatida por Platão no discurso. Cf. Platão, 1963, p. 13-16 (ou, segundo
a numeração oficial dos escritos platônicos, de 386a até 386e).
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[Sócrates] – Aquilo que era preciso cortar não devia ser cortado,
afirmamos nós, com alguma coisa?
[Hermógenes] – Sim.
[Sócrates] – E o que devia tecer não se devia tecer com alguma
coisa? E, do mesmo modo, o que se devia furar?
[Hermógenes] – Indubitavelmente.
[Sócrates] – E o que era preciso nomear não se devia, da mesma
maneira, nomear com alguma coisa?
[Hermógenes] – É assim mesmo.
[Sócrates] – E qual instrumento com que se devia furar?
[Hermógenes] – Um trado.
[Sócrates] – E aquele que se devia tecer?
[Hermógenes] – Uma lançadeira.
[Sócrates] – E de que nos servimos para nomear?
[Hermógenes] – Do nome.
Dizes bem. Portanto, o nome também é um instrumento.
[Hermógenes] – Sem dúvida.
[Sócrates] – Se eu, pois, perguntasse: que instrumento é a
lançadeira? Não será aquilo com que tecemos?
[Hermógenes] – Sim.
[Sócrates] – E o que fazemos quando tecemos? Não distinguimos a
trama da urdidura, confundidas uma com outra?
[Hermógenes] – Sim.
[Sócrates] – Não poderás dizer o mesmo do trado e dos outros
instrumentos?
[Hermógenes] – Com toda certeza.
[Sócrates] – Poderás, então, falar do mesmo modo a respeito do
nome? Sendo um instrumento, se nomearmos com ele, que fazemos
nós?
[Hermógenes] – Não o posso dizer.
[Sócrates] – Não nos instruímos mutuamente e não distinguimos as
coisas como elas são naturalmente?
[Hermógenes] – Exacto.
[Sócrates] – Logo, é o nome um instrumento, que serve para instruir
e distinguir a realidade, como faz na teia a lançadeira (PLATÃO, 1963,
p. 18-20).
novamente no Crátilo:
Mas ainda fica um problema: quem poderá então julgar e escolher com
exatidão os nomes em relação às verdadeiras essências? Se para usar bem a
linguagem, é preciso fazer com os nomes em sua diversidade designem
corretamente sua essência correspondente, então, tal tarefa só ser realizado por
quem conhece tais essências, isto é, pelo filósofo [dialético]: “ora, quem sabe
interrogar e responder dás-lhe outro nome que não seja o de dialéctico” (PLATÃO,
1963, p. 25). Neste caso, a função da linguagem serviria apenas para corresponder
os elementos gramaticais aos elementos ontológicos das coisas. Assim afirma
Oliveira na tese relacionada a Platão:
b) Aristóteles:
Aristóteles, por sua vez, também não conseguiu romper com esta tradição
instrumental e secundária da linguagem. Em sua magna obra Órganon, mais
especificamente no livro Da Interpretação, Aristóteles continua com tal concepção ao
afirmar que as palavras escritas são símbolos representativos das palavras faladas,
e, as palavras faladas, símbolos dos conceitos do intelecto (ou afecções da alma).
Mas de onde vêm os conceitos? Aí está a outra questão principal: os conceitos são
abstrações imediatas que o intelecto faz das essências das coisas contidas na
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Os sons emitidos pela fala são símbolos das paixões da alma [ao
passo que] os caracteres escritos [formando palavras] são os
símbolos dos sons emitidos pela fala. Como a escrita, também a fala
não é a mesma em toda parte [para todas as raças humanas].
Entretanto, as paixões da alma, elas mesmas, das quais esses sons
falados e caracteres escritos [palavras] são originalmente signos, são
as mesmas em toda parte [para toda a humanidade], como o são
também os objetos dos quais essas paixões são representações ou
imagens. Destes temas, contudo, me ocupei em meu tratado a
respeito da alma; dizem respeito a uma investigação diversa da que
temos ora em pauta (ARISTÓTELES, 2005, p. 81).
realismo moderado.
Para os realistas, como Santo Anselmo (séc. XI) e Guilherme de
Champeaux (séc. XII), o universal tem realidade objetiva (são res, ou seja, “coisa”).
Essa posição é claramente influenciada pela teoria das ideias de Platão.
O realismo moderado trata-se de uma posição intermediária entre
“realismo exagerado” e “nominalismo”, representado por Pedro Abelardo (séc. XII) e
Tomás de Aquino (séc. XIII). Segundo Pedro Abelardo, os universais são conceitos
ou entidades mentais que existem somente no espírito. Para Tomás de Aquino, os
universais só existem formalmente no espírito, embora tenham fundamento nas
coisas. Esta posição é claramente influenciada pela teoria do significado de
Aristóteles.
Para os nominalistas, como Roscelino (séc. XI), o universal é apenas o que
é expresso em um nome; ou seja, os universais são palavras, sem nenhuma
realidade específica correspondente. A tendência nominalista reapareceu com
algumas nuanças diferentes no século XIV com Guilherme de Ockam, franciscano
que representa a reação à filosofia aristotélico-tomista.
As divergências sobre os universais podem ser analisadas a partir das
contradições e fissuras que se instalaram na compreensão mística do mundo
medieval. Sob esse aspecto, os realistas são os partidários da tradição, e como tais
valorizavam o universal, a autoridade, a verdade eterna representada pela fé. Para
os nominalistas, o individual é mais real, o que indica o deslocamento do critério de
verdade da fé e da autoridade para a razão humana.
Aristóteles, em especial, na sua concepção de linguagem. Para o autor, Aristóteles ficou preso sim na
tradição secundária e instrumental da linguagem ao afirmar a ontologia como condição da
comunicação humana (pois, sem essência, não há o que ser comunicado); porém, interpretações
mais atentas dos textos de Aristóteles indicam que sua teoria da linguagem poderia ter tomado outra
direção: se a ontologia é condição a priori da linguagem, então, o seu inverso também é legítimo, isto
é, ao abstrair a linguagem torna-se impossível realizar a ontologia. Para Aubenque, essa
revolucionária interpretação da teoria da linguagem aristotélica apresenta significados que só foram
descobertos após a guinada linguística; se ao invés da escolha ontológica, Aristóteles tivesse trilhado
o caminho da linguagem como constitutivo ao conhecimento, com toda certeza, a história da filosofia
seria outra. “La teoría aristotélica del lenguaje presupone, pues, una ontología. Ahora bien:
inversamente, la ontología no puede hacer abstracción del lenguaje, y ello no sólo por la razón
general de que toda ciencia necesita de palabras para expresarse, sino por una razón que le es
propia: aquí, el lenguaje no es sólo necesario para la expresión del objeto, sino también para su
constitución. Mientras que el discurso encuentra su objeto bajo el aspecto de tal o cual ser
determinado que existe independientemente de su expresión, el hombre no habría pensado jamás en
plantear la existencia del ser en cuanto ser, sino como horizonte siempre presupuesto de la
comunicación. Si el discurso no mantiene ya, como en los sofistas, una relación inmediata con el ser,
al menos – y por esa misma razón – es mediación obligada hacia el ser en cuanto ser, y ocasión
única de su surgimiento” (AUBENQUE, 1981, 129-130).
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Toma-se o signo por aquilo que faz algo vir à cognição e é destinado
a supor por aquilo (sc. ‘natum est pro illo supponere’) ou a ser
acrescentado a tal na proposição – são desse modo os
sincategoremas e os verbos e aquelas partes da oração que não têm
significação finita; ou que é destinado a ser composto de tais, deste
modo é a oração. E tomando assim o vocábulo ‘signo’, a expressão
(vox) não é signo natural de nada (OCKHAM, 1999, p. 120).
6 No livro Da Interpretação (presente no Organon), Aristóteles afirma que a linguagem apenas
simboliza os conceitos do intelecto (ou afecções da alma), que, por sua vez, são abstrações
imediatas (e não linguísticas!) que o intelecto faz das essências das coisas contidas na própria
realidade. Cf. ARISTÓTELES, 2005, p. 81.
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função7, nas palavras de Frege) e, por isso, não designar nenhum objeto, possui,
contudo, uma condição independente com relação ao sujeito, pois, como já foi dito, o
que ele designa não é uma referência completa ao sujeito (objeto), mas sim um
conceito que somente depois, no enunciado (frase), poderá estar relacionado ao
objeto do sujeito8. Logo, ainda há aqui a primazia do conceito em relação à
linguagem, como elemento separador e classificador9. Veja:
7 Em Função e Conceito, diz Frege: “Para que se tenha um exemplo disto, consideremos, por
exemplo, a expressão ‘a capital do Império Alemão’. Ela, obviamente, representa um nome próprio e
refere-se a um objeto. Se, agora, nós a decompomos nas partes ‘A capital do’ e ‘Império Alemão’,
onde considero a partícula genitiva [a capital do...] como integrante da primeira parte, então esta é
insaturada, enquanto que a outra é completa em si mesma. Assim, de acordo com o que disse antes,
chamo ‘A capital de x’ de a expressão de uma função. Se tomamos o Império Alemão como
argumento, obtemos, como valor da função, Berlim” (FREGE, 1978a, p. 46-47)
8 Esta noção de significados independentes de sujeito e predicado é amplamente inspirado em
Aristóteles, que acredita que a linguagem consiste em nomes (sujeitos) independentes que se
articulam com verbos (predicados) também independentes para então formar sentenças: “como por
vezes assomam pensamentos em nossas almas desacompanhados da verdade ou da falsidade,
enquanto assomam por vezes outros que necessariamente encerram uma ou outra, coisa idêntica
ocorre em nossa linguagem, uma vez que a combinação e a divisão são essenciais para que se
tenha a verdade ou a falsidade. Um nome ou um verbo por si mesmo muito se assemelha a um
conceito ou pensamento que não é nem combinado, nem dividido. Tal é o caso de ‘homem’, por
exemplo, ou ‘branco’, se enunciado sem qualquer acréscimo. Não é verdadeiro nem falso”
(ARISTÓTELES, 2005, p. 81-82)
9 Sobre este aspecto, é significativa a influência de Platão ao colocar os nomes (correspondentes as
suas respectivas essências) como instrumentos de classificação e separação: “Logo, é o nome um
instrumento, que serve para instruir e distinguir a realidade, como faz na teia a lançadeira” (PLATÃO,
1963, p. 20)
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Heidegger fala em sua Carta sobre o Humanismo: “esta oferta consiste no fato de,
no pensar, o ser ter acesso à linguagem. A linguagem é a casa da verdade do ser.
Nesta habitação do ser mora o homem” (HEIDEGGER, 1991, p. 01)
Nesta direção, Austin desenvolve a teoria dos Atos de Fala (que mais tarde foi
retomado por Searle). Segundo Trask (2004, p. 42), atos de fala (speech act) é
14Como é possível perceber, por exemplo, pelo sentido dos princípios da identidade, da não-
contradição, da definição de essência, de ser etc.
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15 Segundo Rey, o que Nietzsche tenta fazer em sua Genealogia é justamente: “operar um
remontar genealógico cujo objetivo é desimplicar os estratos do investimento imaginário do qual a
filosofia viveu, o lance significante arriscado e mantido pelos conceitos metafísicos: tudo o que
encontra assistência numa lógica da identidade, numa gramática em que a hipótese do ‘ser’ já estava
sempre colocada como autoridade incondicionada. Essa colocação em perspectiva histórica tem por
efeito frustrar o privilégio do nome próprio e, ao mesmo tempo, toda linguística simples da palavra e
do enunciado. Se o idealismo só foi a repetição, programada desde o seu começo platônico, de um
jogo limitado de conceitos, o deslocamento ‘mudo’ mas insistente de uma série de instâncias que
formava a sua trama, ele se dá a ler como um texto superdeterminado cujas diversas variantes se
condensaram, se instituíram mesmo em sistema. O que Nietzsche quer desatar é essa aliança tácita,
essa ‘confusão’ conservada, indefinidamente renovada sem ser jamais nomeada, do significado e do
valor: a posição intangível de um sentido (ou de uma ‘verdade’) já sempre colocada, conotada ética
ou mesmo religiosamente (REY, 1981, p. 140).
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS