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NÉLIO NAJA – A PEQUISA SOBRE A ORIGEM DO MUAYTHAI NO BRASIL

Não importa de qual cidade ou estado você seja, o nome Nélio Borges de Souza será mencionado,
ou melhor Nélio Naja. Figura quase mitológica dentro do muaythai brasileiro é creditado como o
introdutor do esporte em terras brasileiras nos anos 1970.

Nélio nasceu em 1952 na cidade do Rio de Janeiro, porém pouco se sabe sobre sua vida pessoal nos
primeiros anos de vida. Porém é fato que Nélio se formou faixa preta de Tae Kwon Do, sendo um
dos primeiros brasileiros a conseguir tal feito naquela época. É conhecido e documentado que
treinou TKD na cidade do Rio de Janeiro entre 1972 a 1976.

TAE KWON DO NO BRASIL

O Tae Kwon Do chegou ao Brasil em 1970 na cidade de São Paulo e seu introdutor foi o Mestre Sang
Min Cho (https://www.amazon.com.br/Mestre-Sang-Introdutor-Taekwondo-
Brasil/dp/8586307556). Enviado pelo governo coreano, a pedido do General Choi Hong Hi,
idealizador do Taekwondo, para introduzir oficialmente a arte marcial coreana no Brasil e com
respaldo da ITF (Internacional Taekwondo Federation).

Nesse momento surge a Academia Liberdade, fundada por Sang Min Cho e outros, como Sang Min
Kim, Kun Mo Bang, todos mestres de TKD que buscavam difundir ao máximo o esporte na cidade
paulista. Dois meses depois chegaram ao país Kum Joon Kwon e Woo Jae Lee.

Nélio Naja é citado no livro “Defesa Pessoal: Hoshin-sull do taekwondo”, por Woo Jae Lee ao dizer
que conheceu Nélio no RJ em 1972 na Academia FRAMA e que Nélio se destacava muito por sua
qualidade técnica. Em 1976 Nélio alcança a Faixa Preta e foi em buscar de viver e sustentar sua
família com o TKD.

Porém Nélio estava no Rio de Janeiro com dois dos mestres mais conhecidos de TKD naquela época,
Woo Jae Lee e Yong Min Kim. Seria muito difícil conseguir espaço para dar aulas e crescer em uma
situação como aquela. Esse é o primeiro passo para entender tudo que será abordado aqui sobre o
Muaythai.

Ainda no ano de 1976 Nélio se muda do RJ para Curitiba, sua intenção era ministrar aulas de TKD,
porém logo após sua chegada, Hong Soon Kang, outro mestre coreano famoso chega à capital
paranaense com a finalidade de expandir o esporte por lá e mais uma vez Nélio perde terreno. Em
1979 Nélio já estava ensinando muaythai.
SURGE O MUAY THAI OU NÃO

Nélio começou a dar aulas na Vila Guaíra na cidade de Curitiba, porém sua estádia foi muito curta,
logo se mudou para a Academia Muzenza, além de dar aulas em diversos outros locais, até montar
sua própria academia chamada MUAYTHAI. Porém o nome utilizado na época para a modalidade
era “boxe tailandês”.

Academia MUAYTHAI

A partir desse momento vou utilizar o trabalho intitulado “ELE MESMO CONTOU ISSO”: NÉLIO
NAJA, A PRODUÇÃO DE UM MITO escrito por Ivo Lopes Müller Júnior e André Mendes Capraro.
Trabalho publicado na Universidade Federal do Paraná. Curitiba, PR, Brasil.

Acesse pelo link - https://seer.ufrgs.br/Movimento/article/view/99251


Para esta pesquisa foram entrevistados os citados abaixo:

OS PRIMEIROS ALUNOS E A ORIGEM DE TUDO

Welington Narany foi o primeiro faixa preta de boxe tailandês formado por Nélio após um mês de
treinamento em 17 de maio de 1979. Por Narany já ser faixa preta de TKD, Nélio considerou que
estava apto a ser faixa preta de boxe tailandês também. O segundo faixa preta graduado foi Flávio
Molina e logo em seguida Luiz Alves. Todos oriundos do Rio de Janeiro.

A primeira geração formada em Curitiba contava com Reginaldo Moreira “China”, Ranhs,
Ramalhete, Ricardo Romaneto, Rubens Melantonio Filho e Rudimar Fedrigo. O primeiro torneio
interestadual foi organizado por Nélio Naja, Welington Narany e Flávio Molina e foi denominado:
“desafio Curitiba – Rio de Janeiro” em 1981.

Rudimar Fedrigo foi o primeiro aluno de Nélio a se desvincular do método de ensino e criar sua
própria academia a mundialmente famosa CHUTE BOXE. Welignton Narany também se
desentendeu com Nélio. O motivo era que Narany a época era contra cobrar taxas para obter a faixa
preta ou cobrar mensalidade maior para aulas individuais, pontos que Nélio queria introduzir na
academia.
Após esse rompimento Nélio se torna um ermitão, viajando para várias cidades, e não contando seu
paradeiro a ninguém. Com a explosão do Vale-Tudo e posteriormente do MMA nos anos 1990, o
muay thai ganhou muita popularidade e surge pela primeira vez a citação do termo “mestre” e
“grão-mestre” dentro do boxe tailandês no Brasil.

Júlio Cezar “Carioca” formado por Nélio tentou leva-lo para dar aulas em alguns locais no RJ, porém
Nélio dizia não ter mais ligação com o muay thai e, portanto, não havia mais interesse em ensinar.
Sendo assim em 2000 Nélio apresenta outra Arte Marcial o Kuro Tora, um sistema de combate com
foco em sobrevivência, quebramento e uso de armas brancas. Em 2010 foi reportado que Nélio Naja
estava morando em um ônibus abandonado dentro de uma escola de treinamento tático da PM,
após perder contato com sua ex-esposa e filhos.

Em 12 de Julho de 2017 aos 65 anos Nélio morreu de causas naturais em uma casa de tijolos não
acabada.

De acordo com Welington Narany, Fábio Noguchi e Rudimar Fedrigo, Nélio contava a eles que seu
pai recebeu em sua casa um tailandês, que ficou um tempo hospedado lá, e nesse período ensinou
o muay thai ao Nélio. De acordo com Narany, Nélio dizia que tinha abandonado o Tae Kwon Do para
se dedicar completamente ao muay thai.

Ao ser questionado sobre essa informação, Rudimar concorda com Narany ao afirmar que “O Nélio
contava isso para nós” não questionávamos ele. Porém Reginaldo China, Júlio Cesar “Carioca”
apresentaram outra versão da história. Ambos contam que Nélio já faixa preta de TKD contava que
treinava muay thai na Embaixada da Tailândia, os seguranças o treinavam, além de fornecer
material direto da Tailândia.

Rudimar e Nélio
No livro “Diamante – A História de Luiz Alves Lenda do Muay Thai e MMA” escrito por Claudia Reis
e José Alberto Rodrigues há o seguinte relato:

Nélio, paraquedista militar e também faixa preta em Taekwondo, havia

passado dois anos em Bangkok, capital da Tailândia, onde se especializou

em Muay Thai. A história que ele contou para a turma da Naja, segundo

lembra mestre Aroldo Vieira, que integrava a equipe de Molina, era que

por ser budista, religião predominante na Tailândia, havia ganhado

uma passagem de um grupo de religiosos para disputar um mundial de

Taekwondo no País. Ao descobrir o Muay Thai, decidiu ficar por lá para

aprender a arte marcial. Foi assim que o Nélio Naja conheceu o Muay Thai,

que a gente chamava de Boxe Tailandês. Ele mesmo contou isso “grifo do

autor”. (REIS; RODRIGUES, 2018, p. 42).

Portanto podemos constatar que há ao menos três versões da origem do muay thai no Brasil, são
três histórias contadas por pessoas que estavam lá no começo de tudo, mas mesmo assim não
existe consenso sobre os fatos.
UM MILTAR ENTRE NÓS

Todos os nomes citados nesta pesquisa relatam, porém, um ponto em comum, a adoração de Nélio
pelo militarismo. Afirmando ser paraquedista no Batalhão de Infantaria da Aeronáutica – BINFA na cidade
do Rio de Janeiro, Nélio vestia-se com roupas camufladas, se portava como um militar e buscava amizades
com militares ou pessoas ligadas as Forças Armadas.

Nélio deveria ter prestado serviço militar entre os anos 1971 – 1972, porém em contato telefônico com a
secretaria da BINFA, o nome Nélio Barbosa de Souza nunca prestou serviços as Forças Armadas, nem nunca
foi um paraquedista. Verificando o histórico da Brigada de Infantaria Paraquedista, suas missões
internacionais iniciaram-se apenas nos anos 1990.

A primeira missão na Ásia ocorreu somente em 2002 em Timor Leste, o Exército nunca esteve na Asia nos
anos 1970.

A REAL INSPIRAÇÃO

Há um ponto em comum com todos os entrevistados que chama a atenção. O anime (desenho
japonês) SAWAMU – O DEMOLIDOR. Sandro Lustosa afirma que o desenho teve papel fundamental
na origem do muay thai no Brasil.

Sawamu estreou na TV brasileira em 1976 na TV Record e fez um grande sucesso no país. Contando
a história real de Tadashi Sawamura japonês que após lutar e perder contra um tailandês decide
aprender muay thai para ser melhor como lutador. O desenho mostra todo o treinamento e
desafios passados por Sawamu para se tornar um grande lutador. Portanto SAWAMU é destacado
como forte influência e referência para o começo do muay thai no Brasil.

Alias, no desenho é usado o termo “Kick-boxing” e a partir desse ponto Rudimar Fedrigo usou essa
referência para criar o nome Chute Boxe.
A CONCLUSÃO FINAL

Nélio tinha como objetivo viver da luta, tinha no Tae Kwon Do seu Norte já que se destacava no
esporte. Porém com a chegada de mestres coreanos para ministrar aulas no Rio de Janeiro e
Curitiba, o mercado ficou restrito demais deixando Nélio sem perspectivas.

Com os conflitos de informações dos próprios alunos e a pesquisa realizada em 2019 chegamos as
conclusões:

1. Nélio não possuiu registro no exército, não prestou serviços a Força Aérea e nunca foi
paraquedista, se houve alguma ligação, teria sido entre 1971 – 1972, porém nada foi
confirmado pelo próprio Exército Brasileiro. Missões na Asia começaram apenas após o ano
2000, nunca houve missão militar nos anos 1970-1980.
2. A embaixada Tailandesa declarou que nunca houve nenhuma forma de ensino ou permissão
para tal, por ser solo internacional as leis da Tailândia são soberanas, e nada há registrado
sobre alguém ensinar ou fornecer material a Nélio.
3. Sobre a viagem de Nélio a Tailândia para disputar o mundial de Tae Kwon Do, segundo a
Federação Mundial de Tae Kwon Do (WTF) nunca houve campeonato de TKD em solo
tailandês, dado confirmado no próprio site da entidade que lista todos os campeonatos
realizados desde os anos 1970.
4. Sobre o vizinho ou a visita de um tailandês a casa dos pais de Nélio, não há confirmação
alguma, nenhuma foto, nenhum documento, nada que seja uma prova do que foi dito,
portanto entra no hall de apenas uma história.

Portanto Nélio foi uma grande farsa que mentiu e iludiu a todos? Não. A história nunca será simples
e rasa dessa forma. Nélio foi vitima da situação, isso não quer dizer que ele seja vitima de suas
histórias. Podemos dizer que o desenho Sawamu deu o empurrão para a criação de uma nova forma
de combate, Nélio pensava não ter futuro no TKD, portanto achar algo novo era urgente.

Sabemos que Nélio não conhecia o Muaythai em sua forma correta, sua real referência eram
informações dadas por um desenho animado dos anos 1970. Com toda certeza a base do Tae Kwon
Do foi fundamental para a criação do “boxe tailandês” já que todos ali eram oriundos do TKD.
Alguns se tornaram “faixas pretas” em poucos meses, e o sistema de treinamento era uma mistura
de “tiro de guerra” com o próprio TKD.

É importante ressaltar que todos os envolvidos naquela época seguiam as ideias de Nélio mesmo
sem ter a certeza de suas histórias, porém no final dos anos 1970 não havia como confirmar nada.
Porém a situação criou uma pequena revolução dentro da Arte Marcial no Brasil. A trocação ganhou
força, surgiu a CHUTE BOXE, uma das melhores academias do mundo nos anos 1990-2000, criou
desafios contra o Jiu Jitsu Gracie no Rio de Janeiro.

Foi, portanto, um começo que deu vida ao Vale-Tudo nacional, criou lutadores que se tornaram
famosos no mundo e hoje temos o MMA. A criação de Nélio deve ter seu valor devido a tudo que
aconteceu depois. Mas não, Nélio não introduziu o muay thai no País, nem formou “faixas pretas”,
tão pouco formou professores aptos a ensinar o esporte tailandês.

A história do muaythai no Brasil deve ser contada de forma correta pelas pessoas certas.

Texto por: Tiago de Carvalho Simão

Referências e pesquisa: Ivo Lopes Müller Júnior e André Mendes Capraro, Ele mesmo disse isso – a
produção de um Mito, Nélio Naja.

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