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1 Introdução e anatomia geral 1

H.-G. Liebich, G. Forstenpointner e H. E. König

O conhecimento de anatomia não é um fim em si, mas um pré-


1.1 História da anatomia -requisito para o sucesso da prática médica. Desde a Antiguidade,
veterinária a dissecção humana foi restrita ou mesmo proibida por motivos
religiosos ou éticos. Raras exceções foram registradas; um desses
G. Forstenpointner casos é o da escola helênica de Alexandria, sob a tutela de Herófilo
e Erasístrato. As vivissecções feitas em criminosos condenados
A doutrina de morfologia, como o estudo científico da forma e da contribuíram para uma compreensão maior de neuroanatomia.
estrutura de organismos, foi definida por Aristóteles. Ele definiu a O trabalho excepcional de Aristóteles sobre anatomia humana deri-
morfologia como a busca de um plano de construção comum para vou-se da dissecção de um feto abortado naturalmente.
todas as estruturas por meio de um processo metodológico rigo- Como as dissecções animais eram a única possibilidade de estu-
roso. Quando se encontram semelhanças, a relação entre forma e do dos princípios de forma e função, essas descobertas eram gene-
função exige aprofundamento. Tal abordagem científica destacou ralizadas e aplicadas à anatomia humana. Na época do governo dos
o melhor discípulo de Platão entre os primeiros filósofos naturais imperadores Marco Aurélio e Cômodo, Cláudio Galeno tornou-se
gregos, e até hoje constitui o principal método empregado em todas o médico mais famoso e influente de Roma.
as áreas da pesquisa básica. Os resultados e a interpretação de suas pesquisas estabelece-
Acredita-se que Aristóteles tenha conduzido pesquisas anatô- ram a fundação incontestável do conhecimento anatômico, que
micas por meio de dissecções. Referências encontradas em sua perdurou durante os 1.500 anos seguintes. Galeno se considerava
obra Historia animalium indicam que ele publicou outro trata- um médico, mas devia sua compreensão de anatomia e fisiologia
do, Partes de animais, que, infelizmente, se perdeu. Essa obra aos escritos de Aristóteles, como A natureza das coisas. Ele seguiu
abordava principalmente os sistemas digestório e reprodutor, com com afinco a metodologia aristotélica em pesquisas nessas duas
informações registradas por Aristóteles por meio de ilustrações áreas. Seus ensinamentos eram compreensíveis e racionais.
esquemáticas. Naturalmente, muitas de suas observações eram in- Apesar de Galeno apresentar conclusões sólidas sobre anato-
completas, o que o levou a falsas conclusões. No entanto, ainda é mia, alguns sistemas, como o do coração e o dos grandes vasos,
válido ler muitas de suas considerações sobre função, como, por receberam interpretações errôneas. Devido à ausência de autópsias,
exemplo, a sua explicação sobre locomoção quadrúpede, registra- as extrapolações de Galeno dos resultados da dissecção de animais
da em O andar dos animais. Por ser professor, a maior motivação costumavam ser equivocadas. Ele suspeitava, por exemplo, que a
de Aristóteles para a pesquisa era adquirir conhecimento por meio rede admirável epidural também seria encontrada em humanos,
do conhecimento. Essa motivação foi levada adiante por seu alu- apesar de, atualmente, saber-se que se trata de uma estrutura típica
no Teofrasto de Éreso e por naturalistas romanos, como Plínio de ruminantes. Além disso, ele concluiu que os humanos deviam
e Eliano.
Quase dois mil anos se passaram antes que os humanistas dos
séculos XV e XVI retomassem a abordagem aristotélica de morfo-
logia comparada. Sobretudo na Itália, o estudo de corpos humanos
e de animais levou a diversas novas descobertas na área. Essas des-
cobertas foram criteriosamente registradas de uma forma artística
refinada, e, hoje, tais registros são obras de arte famosas.
Leonardo da Vinci, o artista mais famoso dessa época, perso-
nificou essa nova busca por conhecimento e compreensão, como
evidencia a sua pesquisa multidisciplinar.
Outros pesquisadores de destaque foram Fabrizio d’Acquapen-
dente, que completou a primeira obra sobre embriologia compara-
da (De formatu foetu, 1600), e Marcello Malpighi, que estudou
o desenvolvimento embrionário da galinha (Opera omnia, 1687).
Embora a situação política instável e o conservadorismo religio-
so tenham restringido o progresso inicial, esses cientistas foram
os precursores da área e anunciaram uma era de ouro da anatomia
comparada. Essa tendência continuou até o final do século XIX e
caracterizou-se pela proficuidade extraordinária de diversos natu-
ralistas de renome.
Richard Owen, um famoso anatomista inglês, e os alemães
Johann Friedrich Meckel e Caspar Friedrich Wolff protago-
nizaram o ressurgimento da anatomia comparada como objeto de
estudo na Europa. Desde a virada do século XX, a área de pesquisa
zoológica foi sujeita a um redirecionamento constante. Isso levou
Fig. 1.1 Capa do livro Merycologia. (Fonte: Johann Konrad Peyer,
ao desenvolvimento de novas disciplinas, que abandonaram as in- Basileia, 1685.)
tenções originais dos fundadores da anatomia comparada.

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Fig. 1.2 Uma das primeiras ilustrações dos vasos sanguíneos de um equino. (Fonte: Seifert von Tennecker, pseudônimo: Valentin Trichter, 1757.)

apresentar um ceco com formato igual ao do herbívoro ou, então, Durante a Renascença, estudos de anatomia em cadáveres hu-
uma placenta cotiledonária. manos não eram mais um tabu. Com a sua obra monumental sobre
Na linha de Galeno, foi publicado um atlas da anatomia de por- a anatomia humana (De humani corporis fabrica, 1543), André
cos (Anatomia porci, escrito por Cofo) em Salerno, entre 1100 e Vesálio marcou o tímido início de uma atitude revolucionária para
1150. Esse não foi o primeiro livro sobre veterinária, porém o seu com o corpo humano. Os primeiros anatomistas ainda se consi-
uso se destinava ao ensino de anatomia humana para estudantes de deravam naturalistas e continuavam a compilar descobertas sobre
medicina. O mito geralmente aceito na época e ainda hoje de que morfologia por meio de estudos sobre a anatomia animal. Vesálio
os suínos se assemelham aos humanos mais do que qualquer outro foi o primeiro a perceber que a rede admirável epidural represen-
animal baseia-se, em grande parte, nos hábitos alimentares simi- tava uma estrutura típica de ruminantes. Johann Conrad Peyer
lares e na sua disponibilidade como material de estudo na época. promoveu novos estudos sobre a digestão dos ruminantes, os
quais resultaram na suntuosa obra de 1685: Merycologia sive de
ruminantibus et ruminatione commentarius (Fig. 1.1). A sua des-
coberta do tecido linfático (Lymphonoduli aggregati) na mucosa
intestinal resultou na denominação placas de Peyer. Desde o início,
o estudo de anatomia comparada foi restrito à esfera dos institutos
de pesquisa especializados em anatomia humana, e ainda mais in-
tensamente quando a pesquisa zoológica se desviou do estudo da
morfologia.
Nas últimas décadas do século XX, o uso de animais de labora-
tório levou à otimização das abordagens terapêuticas. A implemen-
tação de conceitos experimentais só foi possível por meio da apli-
cação dos conhecimentos básicos necessários sobre a morfologia
animal, que foram amplamente fornecidos por médicos. É impor-
tante observar que, ainda hoje, se escolhem animais como modelo
não por sua possibilidade de comparação morfológica, e sim por
sua disponibilidade.
Há apenas alguns séculos, a anatomia dos animais tornou-se
pré-requisito para a prática veterinária, na forma de ensino inde-
pendente e objeto de pesquisa. Textos da Antiguidade e da Idade
Média destinados a tratadores de animais deixam evidente que o
conhecimento de anatomia, principalmente de equinos, era razoa-
velmente preciso (Fig. 1.2). No entanto, não existia uma descri-
ção sistemática das associações morfológicas básicas.
Manuais para cavalariços, no estilo de Jordanus Ruffus, do
final da Idade Média e início da Era Moderna, não eram sistemá-
ticos, pois eles continham informações sobre a anatomia equina,
Fig. 1.3 Ilustração da musculatura de um equino. (Fonte:
Dell’Anatomia e dell’Infirmita del Cavallo; Carlo Ruini, Veneza, 1598.) que costumava vir acompanhada por ilustrações inúteis. Em 1598,
Carlo Ruini publicou um manual extraordinário para a época:

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Fig. 1.4 Desenho original, mostrando as regiões do corpo de um


equino. (Fonte: a partir das notas de aulas de Ludwig Scotti, da Escola
de Tratamento e Operações de Cavalos, Viena, 1770.)

Fig. 1.5 Topografia do abdome de um equino. (Fonte: William


Gibson, Londres, 1754.)

Dell’Anatomia e dell’Infirmitá del cavallo (Fig. 1.3). Aparen- como uma disciplina independente nas escolas veterinárias euro-
temente sem precedentes, o livro foi, sem dúvida, inspirado por peias recém-fundadas foi lento. Como consequência, apenas em
Vesálio. 1822 publicou-se a primeira obra ou manual mais abrangente sobre
Ruini, de uma família rica de Bolonha, nunca trabalhou como anatomia. O primeiro livro de referência alemão sobre anatomia
cavalariço, tampouco esteve ligado à universidade. Com o apoio de dos animais foi o Texto de anatomia dos animais domésticos, de
professores particulares excelentes, ele desenvolveu um interesse Konrad Ludwig Schwab, de 1821 (Fig. 1.6), seguido pelo Ma-
ardente pelas ciências naturais e tornou-se um entusiástico da equi- nual de anatomia comparada de mamíferos domésticos, de Ernst
tação. A sua obra inicial, ainda que incompleta e, por vezes, impre- Friedrich Gurlt, em 1822 (Fig. 1.7). Essas obras representam o
cisa, foi o primeiro retrato abrangente e sistemático da anatomia início de uma longa tradição em língua alemã de pesquisa sobre a
equina. A segunda metade do livro, voltada para doenças equinas, anatomia dos animais, que rapidamente recebeu reconhecimento
era basicamente um apanhado não criterioso de escritos muito mais internacional e se prolongou até o final do século XX. Ao total,
antigos. A suntuosidade dessa obra se deve à qualidade das ilus- foram publicadas 18 edições da obra de Gurlt, sendo que cada nova
trações, que chegam a rivalizar com as de Leonardo da Vinci ou edição era revisada e ampliada, até que a última foi impressa, em
de Vesálio. O livro de Ruini foi reimpresso, plagiado e traduzido 1943. Wilhelm Ellenberger e Hermann Baum responderam pela
diversas vezes (Fig. 1.5). 9ª até a 17ª edição e criaram o estilo que ainda pode ser observado
No início do século XVII, a anatomia dos animais começava hoje neste livro (Fig. 1.8 e Fig. 1.9). A quantidade de publi-
lentamente a passar por um renascimento. Contudo, apenas depois cações em anatomia veterinária originadas da Alemanha, Suíça e
de 150 anos foi criada uma academia veterinária, na qual o livro de Áustria na metade e no final do século XIX era impressionante.
Ruini pôde ser utilizado para ensinar profissionais. Isso reflete a importância da área e o valor conferido à anatomia
Considerado o pai da anatomia dos animais, Philippe Etienne veterinária na época.
Lafosse fundou, por seus próprios meios financeiros, uma escola Uma decisão histórica na era moderna da anatomia dos animais
veterinária particular em Paris, em 1767. O empreendimento não foi o estabelecimento do Comitê Internacional para Nomenclatura
foi bem-sucedido, e a escola fechou em 1770. Dois anos mais tarde em Anatomia Veterinária. Nos moldes da publicação sobre a ana-
ele publicou a sua obra de maior sucesso: Cours d’Hippiatrique tomia humana, a Nomina anatomica, a primeira edição da Nomina
(Um curso sobre hipiatria ou Um tratado completo sobre a medi- Anatomica Veterinaria foi publicada em 1968. Essa obra padroni-
cina de cavalos). A obra foi organizada de acordo com os sistemas za mundialmente a terminologia na medicina veterinária, sendo,
de órgãos, e sua estrutura lembra o formato utilizado hoje em li- assim, uma ferramenta útil para conservar a importância da anato-
vros-texto sobre anatomia. A relevância clínica de uma abordagem mia em um cenário médico em constante mutação.
topográfica logo foi integrada ao ensino de anatomia. Anatomia é o ramo da morfologia voltado para forma, es-
Uma das primeiras ilustrações topográficas de equinos trutura, topografia e interação funcional dos tecidos e órgãos que
(Fig. 1.4) consta nas notas de aula registrada e publicada em 1770 compõem o corpo. A dissecção de animais mortos ainda é o mé-
por Ludwig Scotti, o primeiro diretor da Escola de Tratamento e todo mais importante e eficiente para estudar e entender a anato-
Operações de Cavalos em Viena. Contudo, o progresso da anatomia mia. Com o avanço da anatomia clássica, a histologia, a anatomia

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Fig. 1.6 Página de rosto da primeira obra em língua alemã sobre a Fig. 1.7 Página de rosto da primeira edição do Manual de anatomia
anatomia dos animais domésticos. (Fonte: Konrad Ludwig Schwab, comparada de mamíferos domésticos. (Fonte: Ernst Friedrich Gurlt,
Munique, 1821.) Berlim, 1822.)

microscópica e a embriologia se tornaram disciplinas distintas. o entendimento da conexão geral entre a estrutura e a função do
Embora não se possa separá-las como um todo, tal divisão promo- corpo animal. O conhecimento da anatomia sistêmica é o funda-
ve uma abordagem mais estruturada e, portanto, mais fácil para se mento essencial para a anatomia topográfica, a qual descreve a
obter o conhecimento de anatomia. posição relativa e a interação funcional de órgãos e estruturas de
A anatomia sistêmica relaciona-se com “sistemas”, ou seja, várias regiões do corpo e requer um amplo conhecimento prático
com estruturas e órgãos que desempenham uma função comum. da anatomia sistêmica. Juntas, as anatomias sistêmica e topográfica
O sistema respiratório, por exemplo, responde pela troca de gases, constituem a base da prática clínica.
ao passo que o sistema nervoso recebe, traduz, transmite e reage a As tecnologias modernas, como raios X, ultrassom, tomografia
estímulos. Pode-se comparar diferenças entre espécies individuais, computadorizada e tomografia por ressonância magnética, exigem
de modo que, de um ponto de vista anatômico, o ensino de “anato- do profissional um conhecimento mais abrangente da anatomia to-
mia sistêmica” também representa uma anatomia comparada, de pográfica, o qual é obtido por meio do estudo de imagens seccio-
preferência limitada a mamíferos e aves domésticas. nais do corpo. A anatomia seccional indica uma nova direção no
A aquisição de um conhecimento aprofundado da anatomia ensino e na pesquisa sobre anatomia veterinária, de modo que uma
sistêmica é de extrema importância para estudantes, pois propicia obra atual estaria incompleta sem ela.

Fig. 1.8 Ilustração em cores da cavidade torácica de um equino. (Fonte: a partir do atlas integrante do Manual de anatomia comparada dos
mamíferos domésticos; Ernst Friedrich Gurlt, Berlim, 1860.)

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Fig. 1.9 Vascularização do casco de um equino. (Fonte: a partir do atlas de Leisering, Anatomia dos cavalos e de outros animais domésticos;
Wilhelm Ellenberger em cooperação com Hermann Baum, Leipzig, 1899.)

As células do parênquima são responsáveis pela função de um


1.2 Termos direcionais e órgão (p. ex., células hepáticas do fígado, células renais dos rins
planos no corpo dos animais ou células glandulares da glândula salivar). O estroma compõe o
tecido conjuntivo, também denominado tecido conectivo, que, por
H.-G. Liebich e H. E. König exemplo, envolve uma pequena unidade funcional ou separa áreas
maiores de um órgão em lóbulos (lobuli) ou lobos (lobi). O tecido
Determinados termos descritivos são empregados para indicar pre- conjuntivo também serve para o transporte metabólico originário
cisamente e sem ambiguidades a posição ou a direção de partes do e destinado aos órgãos, envolvendo não apenas vasos sanguíneos
corpo. As designações anatômicas mais importantes estão apresen- e linfáticos, mas também nervos periféricos do sistema nervoso.
tadas na Fig. 1.10, e os sistemas de órgãos constam na Tab. 1.1. Em conjunto, essas estruturas formam um sistema de controle de
O corpo animal é dividido em secções claramente diferenciadas grande influência sobre o caráter estrutural e funcional dos órgãos.
umas das outras exteriormente. Assim, tem-se a cabeça (caput), A anatomia sistêmica estuda em detalhe cada um dos sistemas de
o pescoço (collum), o tronco (truncus), a cauda e os membros órgãos, os quais constam na Tab. 1.2.
(membra). Cada uma dessas partes é subdividida em regiões, que são A anatomia veterinária é voltada principalmente para mamífe-
os objetos da descrição no âmbito da anatomia topográfica; para mais ros domésticos, os quais são classificados com a seguinte taxono-
detalhes, ver Capítulo 20, “Anatomia clínica e topográfica” (p. 685). mia: Canis lupius f. familiaris (cão), Felis sylvestris f. catus (gato),
Sus scrofa f. domestica (suíno), Bos primigenius f. taurus (bovino),
Ovis ammon f. aries (ovino), Capra aegagrus f. hircus (caprino) e
1.3 Divisão do corpo animal em Equus przewalskii f. caballus (equino). A anatomia veterinária in-
clui também as aves domésticas, sendo que a espécie mais comum
órgãos e em sistemas orgânicos é a Gallus gallus f. domestica (galinha). Devido à importância das
H.-G. Liebich e H. E. König aves domésticas na medicina veterinária, elas são representadas em
volume próprio, cuja introdução à propedêutica aviária e à medi-
As células e os tecidos com estrutura e função semelhantes são cina clínica foi revisada e atualizada (König H. E., Korbel R. e
agrupados em órgãos ou sistemas orgânicos. Eles atuam sinergi- Liebich H.-G. Anatomie der Vögel. 2. Aulf Stuttgart: Schattauer;
camente para realizar funções que definem o organismo e assegu- 2009).
ram a sobrevivência. Cada sistema orgânico é composto por teci-
dos diferentes. Um órgão individual consiste em duas espécies de
tecidos:
 parênquima;
 estroma.

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Tab. 1.1 Designações para a posição e a direção do corpo animal


1
Termo Significado Utilização
Cranial Em direção à cabeça, ao tronco e Tronco e cauda, membros proximais do carpo e do tarso
à cauda
Rostral Em direção à extremidade do nariz Cabeça
Caudal Em direção à cauda Cabeça e tronco, membros proximais do carpo e do tarso
Dorsal Em direção ao dorso Tronco, cabeça e parte anterior dos membros distais do carpo e do tarso
Ventral Em direção ao abdome Parte inferior do tronco e da cabeça
Medial Em direção ao centro Cabeça, tronco e membros
Lateral Em direção à lateral Cabeça, tronco e membros
Mediano No plano mediano (meio) Tronco, cabeça e membros
Proximal Em direção ao tronco Membros e outras partes do corpo situadas próximo ao tronco ou afastando-se dele
Distal Afastando-se do tronco Membros e outras partes do corpo distantes do tronco ou afastando-se dele
Palmar Em direção à palma da mão Membros torácicos distais da articulação do carpo
Plantar Em direção à sola do pé Membros pélvicos distais da articulação do tarso
Axial Em direção ao eixo dos dedos Dedos
Abaxial Afastando-se do eixo dos dedos Dedos
Externo Situado externamente Partes do corpo e órgãos
Interno Situado internamente Partes do corpo e órgãos
Superficial Situado próximo à superfície Partes do corpo e órgãos
Profundo Situado profundamente Partes do corpo e órgãos
Temporal Em direção à têmpora Olho
Nasal Em direção ao nariz Olho
Superior Acima Pálpebra
Inferior Embaixo Pálpebra
Apical Em direção à extremidade Nariz, dedos e cauda
Oral Em direção à boca Cabeça
Planos virtuais do corpo animal
Plano mediano Plano que divide o corpo em duas partes iguais
Plano paramediano Qualquer plano paralelo e próximo ao plano mediano
Plano sagital Qualquer plano paralelo ao plano mediano, porém localizado mais lateralmente
Plano dorsal Qualquer plano paralelo à face dorsal
Plano transversal Qualquer plano paralelo perpendicular ao eixo longitudinal

Tab. 1.2 Sistemas de órgãos


Nome Funções principais
Pele Cobertura protetora do corpo do animal
Esqueleto e articulações Estrutura de suporte do corpo
Musculatura esquelética Locomoção
Sistema digestório Ingestão de alimentos, mastigação, digestão química, excreção e absorção
Sistema respiratório Suprimento de oxigênio, eliminação de dióxido de carbono e fonação
Sistema urogenital Excreção e reprodução
Sistema circulatório Transporte e troca de substâncias
Sistema nervoso Regulação, transmissão, resposta a estímulos externos
Órgãos dos sentidos Recepção de estímulos externos
Glândulas endócrinas Regulação de funcionamento celular por meio de hormônios
Sistema imune Resposta a infecções

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Lateral
Medial

l
Dorsal rsa
sve
Rostral tran
no
Ventral Pla Cr

Dorsal
an
ial
Caudal
Plano horizontal

Ventral
Proximal
Plano horizontal
Cranial Caudal Plano transversal

Medial
Plano transversal

Lateral

Dorsal

Plano sagital
Dorsal

Plantar
Plano
Palmar

trans
versa
l
Plano mediano

Distal

Fig. 1.10 Designações para a posição e a direção do corpo animal (representação esquemática). (Fonte: com base em dados de Dyce, Sack e
Wensing, 2002.)

Os distúrbios ou patologias desse sistema estão entre os diag-


1.4 Aparelho locomotor nósticos mais comuns da medicina veterinária clínica. A importân-
(apparatus locomotorius) cia do conhecimento básico de anatomia costuma ser subestimada.

H.-G. Liebich e H. E. König


1.4.1 Sistema esquelético
O aparelho locomotor é um sistema orgânico complexo cuja fun- (systema skeletale)
ção prioritária é o trabalho mecânico. O esqueleto e os músculos
são os principais elementos que compõem esse sistema. Eles são Osteologia
responsáveis pela formação e pela conservação da forma individual
do corpo e são necessários para a movimentação de segmentos do Osteologia é o estudo da combinação dos ossos (ossa) que formam o
corpo ou de todo o organismo. esqueleto de diversas espécies animais. Os ossos são compostos por:
O esqueleto é composto por elementos isolados, os ossos  tecido ósseo;
(ossa), as cartilagens (cartilagines), os ligamentos (ligamenta) e  endósteo e periósteo revestem interna e externamente o tecido
as articulações (articulationes), que, em sua totalidade, formam a ósseo, respectivamente;
estrutura do corpo, o sistema esquelético (systema skeletale).  medula óssea (medulla ossium);
O sistema esquelético representa a parte passiva do aparelho  vasos sanguíneos e nervos que irrigam essas estruturas.
locomotor, ao passo que a musculatura (systema musculare) re-
presenta a parte ativa. Unidas, essas partes formam uma unidade Esses componentes caracterizam os ossos como órgãos. O formato
funcional, que se integra aos sistemas circulatório, linfático e ner- individual de cada osso é determinado geneticamente e se mantém
voso do corpo. apesar do processo contínuo de adaptação dos ossos a forças de
O aparelho locomotor desempenha funções metabólicas no tração e compressão. Devido ao seu conteúdo mineral elevado
âmbito celular. Os hormônios regulam um processo constante de (60-70%), os ossos não sofrem alteração post-mortem, o que os
crescimento, modificação e decomposição. A expressão “sistema torna úteis para estudos arqueológicos. O processo de remoção de
locomotor” não faz jus a esse sistema multifacetado; portanto, se- componentes orgânicos por meio do uso de soda cáustica diluída
ria mais apropriado chamá-lo de sistema de movimento, estabili- é chamado de maceração de ossos. Esse processo normalmen-
dade e suporte. te é aplicado em ossos destinados a uso em aulas. O tratamento
de ossos com ácido remove os componentes inorgânicos ou
mineralizados.

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Construção do esqueleto
1
Matriz conjuntiva do esqueleto
Todos os componentes do sistema esquelético se desenvolvem
a partir da lâmina mesodérmica embrionária (mesoderma).
No início do desenvolvimento embrionário, o mesoderma se dife-
rencia em três tipos de tecido conjuntivo: embrionário, reticular e
fibroso. Esses tecidos consistem em:
 células (p. ex., fibrócitos);
 espaços intercelulares preenchidos com fluidos;
 componentes fibrosos (colágeno e elastina).

Com a continuidade do desenvolvimento, a quantidade desses te-


cidos aumenta e, em locais determinados geneticamente, eles se
transformam em tendões, ligamentos e fáscias. Nas regiões em-
brionárias do tronco e dos membros, os processos de desenvolvi-
mento começam já no início do desenvolvimento e levam a uma
especialização estrutural e funcional do tecido embrionário. A par-
tir desse primeiro tecido conjuntivo frouxo (textus connecticus
collagenosus laxus), desenvolvem-se os dois elementos do tecido
de sustentação: a cartilagem e o osso.
Tanto as cartilagens como os ossos se originam de células pre-
cursoras mesenquimais, os condroblastos e os osteoblastos, que
maturam em condrócitos e osteócitos. Essas células sintetizam a Fig. 1.11 Membro distal de um gato jovem em estágio de
ossificação condral (corte histológico, coloração de Goldner).
matriz das fibras de colágeno e óssea (ósteon).

Desenvolvimento e crescimento da cartilagem


A cartilagem se caracteriza pela estrutura de sua matriz amorfa, perímetro do osso, diretamente sob a bainha de pericôndrio. Já o
a substância intercelular, formada principalmente por glicosami- crescimento intersticial envolve a proliferação de condroblastos
noglicanos. As fibras colágenas, o elemento estrutural da cartila- diferenciados dentro da matriz cartilaginosa, os quais continuam a
gem, se encontram nessa matriz. Esse tipo singular de construção se dividir e a formar uma nova substância basal de dentro para fora.
confere força e flexibilidade à cartilagem. Devido à sua estrutura
química, os glicosaminoglicanos têm a capacidade de se ligar à
água, o que aumenta a elasticidade e a maleabilidade da cartilagem.
Formas de tecidos ósseos
Vasos sanguíneos e nervos inexistem na cartilagem. A nutrição Os ossos apresentam uma enorme variedade de forma, tamanho
da cartilagem ocorre por meio de difusão através da matriz a partir e resistência, não apenas entre espécies, mas também no mesmo
dos vasos sanguíneos localizados no tecido conjuntivo que a envol- indivíduo. Essas características ósseas são, em grande parte, de-
ve, na sinóvia ou nos ossos subcondrais. terminadas pela genética, porém influências estáticas e dinâmicas,
Há três tipos de cartilagem, classificados de acordo com a qua- bem como alterações estruturais devido à nutrição durante as fases
lidade das fibras integradas: tecidos cartilaginosos hialínico, juvenil e adulta, desempenham um papel importante. Os músculos
elástico e fibroso. largos ou tendões grossos geram influências mecânicas em seus
Em adultos, a cartilagem hialina se encontra nas extremidades pontos de inserção sobre os ossos, originando processos, depres-
articulares de ossos longos (cartilagines articulares), nas extremi- sões, tuberosidades/protuberâncias, irregularidades, cristas ou es-
dades das costelas (cartilago costae) e em partes da laringe (car- pinhas. Os vasos sanguíneos, nervos ou órgãos (i.e., cérebro, olhos,
tilago laryngis), da traqueia (cartilago trachealis) e dos brônquios cóclea da orelha interna) também podem influenciar a estrutura
(cartilago bronchialis). A cartilagem elástica forma a sustentação superficial dos ossos.
interna para a epiglote e a orelha. A fibrocartilagem, por sua vez, Apesar da imensa variedade de ossos, eles podem ser agrupados
forma os discos intervertebrais, os meniscos e o disco articular da de acordo com as suas características estruturais comuns em:
articulação mandibular. Com o avanço da idade, as cartilagens so-  ossos longos (ossa longa);
frem ossificação com sais de cálcio, o que costuma ocorrer com  ossos curtos (ossa brevia);
frequência na cartilagem costal ou nos meniscos de gatos.  ossos planos (ossa plana);
A formação de cartilagem (condrogênese;  Fig. 1.11) tem  ossos pneumáticos (ossa pneumatica);
como base o tecido conjuntivo mesenquimal (embrionário), cujos  ossos irregulares (ossa irregularia).
resíduos ainda envolvem a cartilagem em estágios posteriores de
desenvolvimento. Tais resíduos correspondem ao pericôndrio, Os ossos longos se caracterizam por um corpo ou diáfise formado
cujas células, os fibroblastos, se diferenciam em condroblastos, a partir de uma camada espessa externa de osso compacto (subs-
os quais produzem a matriz cartilaginosa, que contém água (70%), tantia compacta) e uma cavidade medular interna (cavum me-
colágeno ou fibras elásticas e glicosaminoglicanos. dullare; Fig. 1.12). Os ossos longos apresentam duas extremida-
O crescimento da cartilagem se dá por meio da proliferação des, a epífise proximal e a epífise distal, ambas cobertas por uma
de condroblastos no pericôndrio. Esse processo contínuo leva à fina camada de substância cortical (substantia corticalis). As duas
expansão aposicional, em que uma nova cartilagem é criada no extremidades contêm osso esponjoso, que, como o nome indica, se

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Introdução e anatomia geral 29

1
Cartilagem articular
Epífise proximal Epífise proximal
Disco epifisário Disco epifisário
proximal proximal
Osso esponjoso
Metáfise proximal
Osso esponjoso

Osso compacto
Osso compacto

Cavidade medular Medula óssea

Diáfise
Diáfise
Periósteo
Osso compacto
Cavidade medular
Osso esponjoso

Metáfise distal
Osso esponjoso
Disco de crescimento distal
Disco epifisário distal
A B Epífise distal
Epífise distal
Cartilagem articular

Fig. 1.12 (A) Secção sagital de um osso longo após maceração; (B) secção sagital de um osso sem tratamento, mostrando a cartilagem articular e
a medula óssea vermelha.

parece com uma esponja ossificada, com poros delicados (substan- geral da topografia dos ossos, de forma a permitir uma comparação
tia spongiosa; Fig. 1.13 e Fig. 1.14). Os ossos longos formam entre as espécies. Cada osso será descrito de maneira aprofundada
a base dos membros, como o úmero (humerus), a tíbia (tibia) e os nos capítulos seguintes.
ossos metacarpais (ossa metacarpalia).
Os ossos curtos podem se apresentar de diferentes formas: ci-
Arquitetura óssea
líndricos, cuboides ou arrendondados. Em seu interior, eles apre-
sentam um entrelaçamento extenso de tecido ósseo esponjoso, no O tecido ósseo confere aos ossos a sua grande estabilidade. Contu-
qual está presente o tecido hemorreticular. Os ossos da coluna ver- do, esse tecido não é grande e homogêneo, de modo que cada osso
tebral e das articulações do tarso são exemplos de ossos curtos. apresenta uma arquitetura própria, influenciada por:
Os ossos planos e largos são compostos por duas camadas  estrutura do osso compacto (substantia compacta);
ósseas compactas (tabulae) ao redor de tecido ósseo esponjoso  organização do osso esponjoso (substantia spongiosa);
(diploe) ou de cavidades aeradas (sinus). A escápula, o osso ilíaco  forma da cavidade medular central (cavum medullare);
e as costelas inserem-se nesse grupo. Alguns ossos do crânio são  princípios de tensão (tração) e compressão (pressão);
planos e envolvem cavidades de ar (ossa pneumatica). Eles se for-  formação de trajetórias de tensão;
mam pela reabsorção de substância óssea e são revestidos por uma  pressões de curvatura (tensão de cisalhamento) sobre o osso.
mucosa. Como exemplos, tem-se as maxilas e o etmoide.
Entre os exemplos de ossos irregulares, encontram-se os ossos A superfície do osso é composta por lamelas compactas, as quais
do crânio em formato de cunha: os ossos esfenoide, pré-esfenoide formam a base óssea, denominada substância compacta. Essa ca-
e basisfenoide. Os ossos sesamoides (ossa sesamoidea) se encon- mada sólida envolve a substância esponjosa, uma trama delicada
tram próximos às articulações (i.e., articulações do pé) e situam-se de trabéculas e lamelas ósseas. As trabéculas e lamelas se orga-
sob o tendão ou em sua base (i.e., patela) (Fig. 1.33). nizam em um padrão de linhas de pressão, que se formam em
A apófise (processo) é a protuberância óssea que se desen- resposta a fatores mecânicos externos, ou seja, as forças máximas
volveu a partir de um centro independente de ossificação. Essa de tensão e compressão sobre o osso. As linhas de pressão podem
estrutura propicia locais de fixação para músculos e ligamentos. ser trajetórias de tensão ou compressão. O conjunto de curvas de
Um exemplo é o processo espinhoso vertebral ou o trocanter maior trajetórias de tensão apresenta linhas paralelas umas às outras, as-
no fêmur. Os ossos viscerais não estão relacionados com o sistema sim como ocorre com as trajetórias de compressão. Esses dois tipos
locomotor. Eles são encontrados no pênis de gatos e cães ou no de trajetórias de pressão sempre se cruzam, formando ângulos retos
coração bovino. (construção de trajetórias). Pode-se distinguir entre:
As Figs. 1.25 a 1.29 mostram esquematicamente os esquele-  túbulos ósseos (substantia tubulosa);
tos dos animais domésticos abordados neste livro: gato, cão, suíno,  trabéculas ósseas (substantia trabeculosa);
bovino e equino. O objetivo das ilustrações é propiciar uma visão  lamelas ósseas (substantia lamellosa; Fig. 1.13 e Fig. 1.14).

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30 Anatomia dos animais domésticos

Osso esponjoso

Trabéculas

Osso compacto Túbulos e lamelas

Cavidade medular

Fig. 1.13 Constituição da parede de um osso longo, mostrando o Fig. 1.14 Secção transversal de osso lamelar.
osso compacto e trabecular.

A pressão que ocorre sobre a diáfise dos ossos longos não afeta a Endósteo e periósteo
sua estabilidade, porém leva a forças de tensão sobre a face con-
vexa do osso e a forças compressoras sobre a sua face côncava. Os ossos são recobertos interna e externamente por membranas de
No centro, as duas forças se anulam, e a força resultante é irrisória. tecido conjuntivo chamadas de endósteo e periósteo, respectiva-
Portanto, não é necessário que o osso contenha estruturas resis- mente. O endósteo reveste a cavidade medular e cobre a substância
tentes à pressão em seu centro: o formato ideal de osso é um tubo esponjosa, criando, assim, uma barreira entre o osso ou a substância
longo e oco, com paredes reforçadas, como a diáfise. esponjosa e a medula óssea (Fig. 1.17). O periósteo cobre a face
Em vez de apresentar uma substância esponjosa, como nas epí- externa do osso, porém não é encontrado nas faces articulares e onde
fises, a diáfise envolve a cavidade medular (cavum medullare), se fixam os tendões e ligamentos. Ao se aproximar das articulações,
na qual a substância compacta é reforçada com camadas mais es- o periósteo se separa da face do osso e se combina com a cápsula
pessas de osso lamelar (Fig. 1.12). A cavidade medular contém articular. Na extremidade oposta da articulação, o periósteo deixa
a medula óssea vermelha, na qual as células sanguíneas são pro- a cápsula e liga-se novamente à face do osso adjacente. Nas inter-
duzidas (hematopoiese), o que classifica o osso como um órgão secções entre osso e cartilagem, como na costela, por exemplo, o
hematopoético. periósteo se estende sobre a cartilagem como pericôndrio.
Os ossos são construídos para obter o máximo de força e es- O periósteo é necessário não apenas para a irrigação sanguínea,
tabilidade com o mínimo de material e peso. A arquitetura óssea o crescimento, a regeneração e a restauração de fraturas, mas tam-
fornece os pré-requisitos ideais: o tubo oco apresenta forte resis- bém para a transferência de força muscular ao osso. O periósteo é
tência à pressão, ao passo que a substância esponjosa economiza composto por duas partes:
material e lhe confere leveza. A espessura da diáfise se adapta  camada (também denominada estrato) celular osteogênica

à tensão máxima sofrida pelo osso. As paredes mediais dos os- interna (stratum osteogenicum, anteriormente chamado de
sos dos membros suportam um peso maior e, portanto, são mais stratum cambium);
espessas que as paredes externas. Os ossos planos, como a es-  camada protetora externa fibrosa (stratum fibrosum).

cápula, são mais densos nas extremidades e, portanto, mais finos


no centro. As substâncias inorgânicas respondem por aproxima- A camada osteogênica (Fig. 1.16 e Fig. 1.17) se localiza dire-
damente dois terços do peso seco de um osso. O terço restante é tamente sobre o osso e produz tecido ósseo (i.e., é osteogênico).
a substância orgânica, composta principalmente por proteínas es- Essa camada conta com uma grande quantidade de fibras nervosas
truturais de colágeno e lipídeos (5-10%). A descalcificação óssea sensoriais, bem como com uma rede de vasos sanguíneos e lin-
com ácido remove as substâncias inorgânicas do osso, deixando-o fáticos que irriga o osso. Nessa mesma camada, estão as células
maleável e flexível. A queima de um osso destrói as substâncias progenitoras, os pré-osteoblastos, que podem se diferenciar em
orgânicas, restando apenas cinzas. osteoblastos, os quais produzem ossos e são responsáveis pelo
crescimento aposicional. A camada osteogênica nunca perde a sua
capacidade de formar tecido ósseo, que é vital para a remodela-
ção e a reconstrução óssea em caso de fratura. Ela forma o calo

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Introdução e anatomia geral 31

1
Cartilagem da
epífise proximal da Estrutura inicial do
falange média disco intervertebral

Epífise do corpo
Zona de ossificação vertebral
condral

Cavidade medular
primária Cavidade medular
secundária com
medula óssea
vermelha
Papila sinovial Periósteo com
camada osteogênica
e camada fibrosa
Cavidade articular

Osso navicular

Falange distal

Fig. 1.15 Falange média de um embrião de um equino (corte Fig. 1.16 Vértebras de embrião (corte histológico, coloração de
histológico, coloração de Azan). Azan).

cartilaginoso e o calo ósseo, e o estímulo mecânico prolongado diretamente sobre a fenda, reunindo as duas extremidades do osso.
do periósteo pode levar à formação de saliências ósseas (exostoses Quando os limites estão muito distantes, ocorre a cicatrização
ou sobreossos). óssea secundária. O tecido conjuntivo fibroso inicialmente une a
A camada externa é formada por tecido conjuntivo denso, fratura, formando um calo maleável. O calo se ossifica por meio de
mesclado com fibras elásticas, a camada fibrosa ( Fig. 1.16 e mineralização, até que, após um longo processo de reorganização,
Fig. 1.17), que apresenta grande resistência a forças de pressão. forma-se um osso compacto.
Dessa camada, irradiam-se as fibras colágenas (fibras penetran-
tes), que a ligam às lamelas externas da matriz óssea (fibras de Vascularização sanguínea e nervosa dos ossos
Sharpey). Essas fibras conectam firmemente o periósteo à face ós-
sea. A camada fibrosa também é responsável pela conexão do osso Os ossos são tecidos extremamente vascularizados, o que ressal-
a músculos, tendões e ligamentos. No local de conexão, as fibras ta a sua importância metabólica. Uma rede concentrada de vasos
do tendão ou ligamento se ramificam na camada fibrosa e, prosse- sanguíneos irriga não apenas o tecido ósseo, mas também a medula
guindo na forma de fibras de Sharpey, unem-se fortemente ao osso. óssea, o periósteo e o endósteo. Traumas ou fraturas ósseas podem
O endósteo ( Fig. 1.17) é composto por uma única cama- interromper a vascularização, podendo acarretar morte do tecido
da de células osteoprogenitoras inativas (de revestimento ósseo) (necrose óssea) em casos extremos.
achatadas, as quais podem se diferenciar em células de formação A vascularização dos ossos é possível por meio de uma dis-
óssea (osteoblastos) ou células de reabsorção óssea (osteoclas- tribuição sistemática de vasos sanguíneos. As artérias nutrícias
tos). O endósteo delimita a rede capilar da medula óssea e, assim (aa. nutriciae) ramificam-se das artérias maiores dos membros e
como o periósteo, é capaz de produzir tecido ósseo (potencial penetram os ossos longos pelas aberturas (foramina nutritia) na
osteogênico). diáfise. Elas alcançam a cavidade medular após atravessarem a ca-
mada compacta, onde se dividem em vários ramos ascendentes e
Regeneração óssea descendentes que irrigam as epífises e as metáfises proximais e dis-
tais (Fig. 1.23). Nas epífises, os vasos formam artérias com ex-
As células osteoprogenitoras no periósteo e no endósteo são res- tremidades em forma de laço, que ultrapassam a epífise do osso
ponsáveis pelos processos de regeneração do tecido ósseo. Duas subcondral para irrigar a zona calcificada da cartilagem da articu-
condições são necessárias para a regeneração: 1) a existência de lação. A partir da cavidade medular, os vasos sanguíneos irrigam
células mesenquimais; e 2) a proliferação de células precursoras a substância compacta do osso por meio dos canais de Volkmann
de osteoblastos. Um tecido novo cobre o espaço resultante de uma (ver a seguir). O osso esponjoso não apresenta vasos sanguíneos,
fratura. e sua vascularização ocorre pela difusão a partir da medula óssea.
A cicatrização óssea primária ocorre quando praticamente O retorno venoso ocorre através do sistema axial da medula óssea.
não há movimento entre as bordas da fratura e elas estão separadas O tecido ósseo não contém vasos linfáticos. Um emaranhado de
por pequenas fendas. Além disso, existe formação de osso lamelar vasos linfáticos está presente apenas no periósteo. O tecido ósseo,

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32 Anatomia dos animais domésticos

1
Vaso sanguíneo no canal
central (de Havers)
Endósteo
Ósteon
Lamelas circunferenciais
internas
Lamelas circunferenciais
externas

Lamelas concêntricas Vaso sanguíneo


com osteócito do canal perfurante
Lamela circunferencial (de Volkmann)
externa
Vaso sanguíneo no
canal central (de Havers) Periósteo com
camada fibrosa e
camada osteogênica

Periósteo com Vaso sanguíneo do canal


camada fibrosa e perfurante (de Volkmann)
camada osteogênica

Fig. 1.17 Secção de osso compacto da diáfise (representação esquemática).

em si, não é sensível à dor. Fibras nervosas vegetativas isoladas após os princípios fisiológicos de formação e reabsorção óssea;
seguem o caminho dos vasos sanguíneos dentro dos canais centrais para mais informações, ver “Osteogênese”, a seguir.
(de Havers).
Osteogênese
Ossos como órgãos
Durante o desenvolvimento fetal, forma-se um esqueleto precur-
O osso forma um sistema orgânico, o qual é composto pelas se- sor de cartilagem, que fornece sustentação e estabelece um for-
guintes partes: mato (esqueleto primordial) para o feto durante a etapa de cresci-
 elementos ossificados; mento. Até a ossificação, esse esqueleto sofre rápidas sucessões de
 cartilagem articular (quando presente); divisão mitótica, que, por fim, determinarão o crescimento e a con-
 periósteo e endósteo; formação do organismo inteiro. Na maioria dos casos, cada peça do
 medula óssea; esqueleto primordial atua como um marcador do lugar onde irá se
 tratos nervosos. desenvolver o tecido ósseo, que, por fim, substituirá a cartilagem.
A formação do osso é influenciada positivamente por mediado-
A arquitetura óssea e sua matriz extracelular (material orgânico e res indutivos (proteína morfogenética óssea, fatores mitogênicos).
inorgânico) fornecem os componentes estabilizadores do sistema Em um determinado estágio de desenvolvimento, a cartilagem do
passivo de locomoção, estabilidade e suporte. A organização das fi- esqueleto primordial sofre uma lenta remodelagem. Pouco a pou-
bras de colágeno I, a matriz interfibrilar mineralizada e a estrutura co, a cartilagem é reabsorvida e, finalmente, substituída por os-
do tecido ósseo são extremamente importantes para a estabilização sos. Esse processo é chamado de ossificação condral ou indireta.
desse sistema. Os ossos fetais novos são chamados de imaturos ou reticulares,
Um osso consegue suportar a aplicação de pressão mecânica, devido à estrutura desorganizada das trabéculas. Por fim, os ossos
peso corporal, força muscular ou aceleração. Essas forças atuam reabsorvidos e imaturos são substituídos pelo osso lamelar ma-
na forma de compressão, tração, carga, torque e cisalhamento e, duro. A maioria dos ossos adultos (i.e., as vértebras e os ossos dos
dentro de determinado limite, não resultam em fratura. Ao contrá- membros) é formada por meio de ossificação condral.
rio da aplicação intermitente de força, um osso que experimenta A substituição de cartilagem por tecido ósseo se inicia durante
uma carga contínua de força se atrofia. Em contrapartida, o osso se o período fetal intermediário em locais chamados de centros de
hipertrofia quando experimenta uma força tensora constante. ossificação primários. Em alguns ossos, esse processo se comple-
A arquitetura do tecido ósseo será sempre regida pela demanda ta apenas quando o animal atinge maturidade física. Radiografias
funcional. As estruturas ósseas compactas e esponjosas adaptam- de animais adolescentes costumam apresentar cartilagem residual
-se continuamente a alterações de forças biomecânicas. O endósteo que ainda não foi ossificada, o que pode levar a diagnósticos falsos
é responsável por induzir tais alterações estruturais que ocorrem caso esse fato não seja levado em consideração.

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Introdução e anatomia geral 33

1
Vaso sanguíneo
no canal central
(de Havers)
Osseína com
Lamelas concêntricas fibras de colágeno
Osteócitos Osteócito

Célula precursora
Vaso sanguíneo no
canal central (de Havers)
com hemácias
Osteoblasto
Lamelas intersticiais
Osteoide

Canalículos ósseos Osteoclasto


Núcleo do osteócito

Fig. 1.19 Secção transversal de um ósteon em desenvolvimento


Fig. 1.18 Substância compacta de um osso longo (corte
(representação esquemática).
histológico, coloração de Schmorl).

Ossificação No período de 8 a 10 dias, a mineralização transforma o os-


teoide em uma matriz óssea, chamada de osseína. Essa conver-
Os ossos também podem se formar diretamente a partir do tecido são é controlada por hormônios de crescimento e metabólitos de
mesenquimal sem precursor cartilaginoso; esse processo é chama- vitamina D. Os compostos ósseos inorgânicos, como fosfato de
do de ossificação intramembranosa ou direta. Os ossos dérmicos cálcio (85-95%), carbonato de cálcio (8-10%), fosfato de magné-
do crânio, o colar periosteal dos ossos longos e a cicatrização de sio (1,5%) e fluoreto de cálcio (0,3%), são distribuídos por vasos
fraturas são criados por meio desse processo. Portanto, existem sanguíneos do sistema circulatório e depositados no osteoide. Por
duas formas de ossificação: meio desse processo, o osteoide não calcificado se transforma em
 ossificação intramembranosa ou direta; osseína calcificada (Fig. 1.20 e Fig. 1.21). Com o avanço da
 ossificação condral ou indireta, a qual pode ser subdividida mineralização, os osteoblastos se isolam em uma área crescente de
em: tecido ósseo calcificado e se diferenciam em osteócitos.
 ossificação pericondral; Forças funcionais diferentes começam a afetar o osso, levando
 ossificação endocondral. à reabsorção e à remodelação do novo tecido ósseo mesmo durante
o processo de mineralização. As células que fazem a degradação
Ossificação intramembranosa óssea são chamadas de osteoclastos (Fig. 1.20 e Fig. 1.21).
Os ossos que se desenvolvem a partir da ossificação direta são
chamados de “ossos membranosos”. Os ossos dérmicos são Ossificação condral
membranosos e surgem diretamente dos tecidos mesenquimais da A ossificação condral envolve a cartilagem hialina, a qual funcio-
pele (i.e., a maioria dos ossos do crânio). O desenvolvimento do na como marcador de espaço e fornece a base para o crescimen-
osso intramembranoso ocorre quando as células mesenquimais to longitudinal do osso. O esqueleto primordial é constituído de
diferenciam-se diretamente em células responsáveis pela pro- cartilagem hialina, até que a ossificação condral tenha início por
dução óssea. Há uma grande diversidade dessas células, as quais meio da reabsorção gradual da cartilagem, substituindo-a por ossos
assumem formas diferentes (Fig. 1.20 e Fig. 1.21). As células permanentes (osso substituto). Assim, formam-se as vértebras, as
mesenquimais não diferenciadas dão origem a células precurso- costelas, o esterno, os membros e a base do crânio. Esse processo
ras de osteoblastos, as quais se desenvolvem em osteoblastos, de criação de novos ossos a partir de uma cartilagem hialina pre-
células formadoras de ossos. Durante a ossificação, os osteoblastos cursora é chamado de osteogênese condral. Durante esse proces-
produzem uma matriz orgânica livre de minerais, chamada de so, é possível distinguir entre uma ossificação pericondral e uma
osteoide, a qual envolve as células completamente. O osteoide é ossificação endocondral (Fig. 1.15 e Fig. 1.24).
composto principalmente por fibras de colágeno tipo I (95%).
Os 5% restantes consistem em glicosaminoglicanos, proteogli- Ossificação pericondral
canos, 4-sulfato de condroitina, 6-sulfato de condroitina, sulfato A ossificação pericondral é semelhante à ossificação intramembra-
de ceratano e duas proteínas ósseas, osteonectina e osteocalcina. nosa, no sentido de que o osteoide é formado e lentamente minera-
A produção de osteoide também requer vitamina C. Durante o pro- lizado. As células osteoprogenitoras, células com o potencial de
cesso seguinte de mineralização, as fibras de colágeno atuam como criar um tecido ósseo, situam-se na camada condrogênica do pe-
uma plataforma para o depósito aposicional sucessivo de cálcio ricôndrio e se diferenciam em osteoblastos (ossificação primá-
inorgânico e compostos de fosfato. ria). Essa transformação de tecido mole em tecido ósseo se inicia

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34 Anatomia dos animais domésticos

1
Osteócito

Osseína
Osteoblasto
Osteoclasto

Osteoide
Vaso capilar
Osseína

Tecido
conjuntivo mole

Vaso sanguíneo
capilar Osteoblasto
Osteoblastos
com osteoide

Osseína

Osteócito

Fig. 1.20 Ossificação intramembranosa, com capilar central Fig. 1.21 Ossificação intramembranosa, com osteoblastos,
em tecido conjuntivo mole com osteoblastos e osteócitos (corte osteoide e osseína (corte histológico, coloração de Goldner).
histológico, coloração de hematoxilina e eosina).

no centro da diáfise e resulta na formação de um revestimento ós- A medula óssea (medulla ossium), situada nas cavidades me-
seo, o colar periosteal. A ossificação do pericôndrio se estende em dulares de ambas as epífises e entre as trabéculas da substância
direção às extremidades do osso, as epífises. Assim, o pericôndrio esponjosa, torna-se permanentemente um órgão hematopoético
se transforma em periósteo. A ossificação pericondral leva ao de- ( Fig. 1.12). Em indivíduos adultos, a medula óssea vermelha
senvolvimento do periósteo dos ossos longos. da diáfise é substituída gradualmente por gordura (medulla os-
A formação do periósteo mecanicamente inibe o metabolis- sium flava), que é novamente transformada em medula gelatinosa
mo da cartilagem hialina, basicamente forçando a calcificação (medulla ossium gelatinosa) em animais senis ou pode se formar
da matriz de cartilagem. Ao mesmo tempo, os vasos sanguí- prematuramente em animais doentes.
neos infiltram-se através do colar periosteal e invadem a cartila-
gem calcificada. As células que removem a cartilagem existente, Ossificação endocondral
os condroclastos, se inserem na matriz calcificada por meio da Entre a diáfise e cada epífise de um osso longo permanece uma
proliferação de vasos sanguíneos, com a subsequente reabsorção área de cartilagem calcificada, as metáfises proximal e distal.
da cartilagem restante. Os condroclastos deixam espaços vazios, As duas metáfises fazem limite em cada extremidade do osso com
que logo se preenchem com tecido conjuntivo e vasos capilares, uma área de ossificação endocondral distinta, chamada de placas
que transportam não apenas nutrientes, mas também as substâncias epifisárias de crescimento (cartilago epiphysialis) (Fig. 1.12).
necessárias à construção do novo tecido ósseo. Os osteoblastos As placas epifisárias têm grande importância, pois são responsá-
também alcançam a cavidade medular por meio desses vasos e veis pelo crescimento longitudinal dos ossos.
começam a formar tecido ósseo de dentro para fora (ossificação O colar periosteal envolve o osso e, na área da metáfise, inibe
endocondral). O processo contínuo de reabsorção óssea e substi- o crescimento radial da cartilagem. Os condrócitos se proliferam
tuição da matriz resulta no desenvolvimento da cavidade medular por mitose e hipertrofia, organizando-se em colunas que refletem o
primária, a qual é preenchida com uma estrutura óssea semelhante seu desenvolvimento progressivo (Fig. 1.22 e Fig. 1.24). Essa
a uma esponja parcialmente ossificada (desenvolvimento da subs- organização é a base para o crescimento longitudinal da cartila-
tância esponjosa). gem, necessário para o crescimento ósseo.
A cavidade medular secundária (cellulae medullares; A ossificação endocondral da cartilagem metafisária ocorre em
Fig. 1.16), dotada de várias câmaras, é formada quando o tecido diversas zonas (Fig. 1.22 e Fig. 1.24). Os condrócitos justa-
conjuntivo na cavidade medular primária se diferencia em tecido postos às placas epifisárias situam-se espalhados pela cartilagem
hemorreticular, responsável pela produção de células sanguíneas hialina e não se dividem (zona de condrócitos em repouso)
(hematopoiese). Isso ocorre durante os estágios finais do desen- (Fig. 1.22). Adjacente a essa zona, na direção da cavidade medu-
volvimento fetal. O recém-formado tecido hemorreticular é chama- lar, encontra-se a zona de proliferação, onde os condrócitos se di-
do de medula óssea vermelha (medulla ossium rubra). videm ativamente. A influência mecânica do colar periosteal força

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Introdução e anatomia geral 35

1
Condrócito Zona de condrócitos
inativos

Tecido cartilaginoso
(cartilagem hialina)
Zona de proliferação

Zona de condrócitos
em amadurecimento

Zona de condrócitos
hipertrofiados
Condrina calcificada
Condroclasto Zona de destruição

Osteoblasto

Vaso sanguíneo capilar

Osteoclasto
Zona de calcificação
Osteoide

Osseína

Fig. 1.22 Processo de reconstrução estrutural durante a ossificação condral em um osso longo (representação esquemática).

os condrócitos em amadurecimento na zona seguinte (zona de tecido conjuntivo ossificado. Durante o desenvolvimento fetal,
condrócitos em amadurecimento) a formarem colunas evidentes, cada osso consiste inicialmente em osso reticular, e apenas após o
e eles começam a se degenerar. Esse processo caracteriza-se pelo nascimento é substituído lentamente pela forma mais complexa de
aumento de volume devido à captação de água e pela calcificação osso lamelar. No entanto, alguns ossos reticulares são permanentes.
da substância intercelular (zona de condrócitos hipertrofiados). Por exemplo, o labirinto ósseo na orelha, o meato acústico externo
Com o avanço da calcificação, os condroclastos, por meio de e os locais de fixação dos músculos nos ossos longos.
enzimas, provocam a erosão da cartilagem calcificada restante O osso lamelar (maduro) se caracteriza pela distribuição de
(zona de destruição) (Fig. 1.22 e Fig. 1.24). Os condroclastos camadas paralelas ou concêntricas de fibras de colágeno, denomi-
penetram nessa zona através dos vasos capilares e do tecido con- nadas lamelas. A maioria dos ossos do animal adulto é composta
juntivo da cavidade medular e chegam até a zona de calcificação. por ossos lamelares, os quais formam os ossos longos e os ossos
Na demarcação entre as zonas de destruição e de calcificação, o curtos e planos. A unidade estrutural do osso lamelar é o ósteon
processo de reabsorção de cartilagem está completo. Na zona final, (sistema de Havers).
a matriz intercelular fica saturada com minerais, e a ossificação Cada ósteon (Fig. 1.17) constitui uma série de anéis concêntri-
está completa (zona de calcificação). cos, compostos por camadas de matriz óssea ao redor de um canal
Os vasos sanguíneos invasores também permitem que os osteo- central (de Havers), através do qual correm um vaso sanguíneo
blastos secundários penetrem a zona de destruição. Essas células (vaso sanguíneo de Havers), vasos linfáticos e nervos. As fibras de
produzem uma nova matriz (osteoide) por meio da ossificação in- colágeno na matriz de cada camada são dispostas em forma helicoi-
tramembranosa. No final, o jovem osso reticular é substituído por dal e orientadas no ângulo oposto ao da camada anterior. Os óste-
um osso lamelar maduro (ver a seguir). ons são conectados através de estruturas ósseas transversais, crian-
do uma construção que permite ao osso resistir a forças tensoras e
Tipos de tecidos ósseos compressoras (Fig. 1.17, Fig. 1.18 e Fig. 1.19). As células ós-
seas (osteócitos) situam-se entre as lamelas concêntricas (lamelas
Há dois tipos de tecido ósseo: osso reticular (os membranaceum de Havers) (Fig. 1.18) que envolvem o canal central (de Havers).
reticulofibrosum) e osso lamelar (os membranaceum lamellosum). Elas permanecem em contato por meio de processos longos dispos-
Do ponto de vista evolutivo, o osso reticular (fibroso, imaturo) é tos radialmente a partir do plasma celular, que realiza anastomose
visto como o primeiro, de modo que é filogeneticamente a mais dentro dos canalículos ósseos (canaliculi ossei) com processos de
antiga forma de osso, sendo classificado, com frequência, como células vizinhas (Fig. 1.18).

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36 Anatomia dos animais domésticos

1
Zona de
proliferação

Zona de condrócitos
Laços capilares em amadurecimento
na epífise
Zona de condrócitos
hipertrofiados
Vasos de irrigação
centrais (aa. nutriciae) Zona de
destruição
Diáfise

Laços capilares na
cavidade medular Zona de
calcificação

Cavidade articular

Laços capilares Cavidade medular


na epífise da
falange média

Fig. 1.23 Vascularização de um osso longo, no caso, a primeira Fig. 1.24 Corte histológico através da epífise de um osso longo,
falange, de um equino (plastinação injetada). (Fonte: cortesia de H. mostrando a ossificação condral (coloração de Azan).
Obermayer, Munique.)

Esse sistema permite o transporte de substâncias entre os vasos Todos os ossos são sujeitos permanentemente a essas altera-
sanguíneos no canal central (de Havers) e a matriz óssea, sendo es- ções adaptativas. Alterações nas forças fisiológicas de compres-
sencial para a nutrição dos osteócitos. Os vasos sanguíneos centrais são, tensão e cisalhamento conduzem rapidamente a processos de
nos ósteons se comunicam com o periósteo, o endósteo e a cavida- remodelação. Os membros, as vértebras e os ossos pélvicos expe-
de medular pelos vasos perfurantes (de Volkmann) transversais rimentam alterações estruturais mais intensas em comparação aos
(Fig. 1.17). Por meio dessa intensa rede de vasos sanguíneos, o ossos do crânio, por exemplo.
osso se torna um tecido altamente vascularizado. O tecido ósseo compacto se desenvolve em relação direta à
Os ossos reagem a alterações de forças estáticas e mecânicas quantidade de estresse fisiológico que ele precisa suportar. O cór-
por meio da adaptação de sua arquitetura interna. Os ósteons su- tex (substantia corticalis) dos ossos longos é mais espesso na diá-
pérfluos são destruídos, e seus fragmentos remanescentes formam fise, pois é onde as maiores forças atuam. As epífises não são sujei-
ossos intersticiais ou lamelas (Fig. 1.17). tas a forças extremas e são onde o córtex se torna progressivamente
Camadas de lamelas formam a circunferência externa do osso, mais fino (Fig. 1.12). Fisiologicamente, forças de tração perma-
diretamente sob o periósteo (lamelas circunferenciais exter- nentes levam ao espessamento do osso onde elas se manifestam
nas). As lamelas circunferenciais internas fazem limite com a com maior intensidade, como, por exemplo, no ponto em que os
cavidade medular, e o endósteo recobre a camada mais interna
tendões se ligam ao osso.
(Fig. 1.17). As fibras de colágeno (fibras de Sharpey, fibrae
Outra função importante dos ossos é armazenar cálcio e fos-
perforantes) sustentam o periósteo nas lamelas circunferenciais
fato. Os ossos esponjosos (substantia spongiosa) armazenam de-
externas. Essas fibras colágenas se originam em tendões que ligam
pósitos de cálcio, que podem ser descarregados rapidamente no
o músculo ao osso e são essenciais para a transmissão da força ge-
fluxo sanguíneo para a manutenção de funções vitais necessárias.
rada no músculo para o osso.
O metabolismo de cálcio e fósforo é regulado por mecanismos en-
dógenos e exógenos.
Funções ósseas O hormônio paratireóideo, excretado pela glândula parati-
Ossos e cartilagem compõem a estrutura de sustentação e proteção reoide, ativa os osteoclastos, aumentando, assim, a quantidade de
do corpo. Eles não apenas asseguram a locomoção, mas protegem cálcio no sangue, ao mesmo tempo que reduz a excreção de cálcio
os órgãos de tecido mole nas regiões torácica e pélvica e o sistema pelos rins. Juntamente à vitamina D3 (1,25-di-hidroxicolecalcife-
nervoso central (SNC). Os ossos contêm a medula óssea vermelha, rol), o hormônio paratireóideo intensifica a reabsorção de cálcio
responsável pela geração de componentes sanguíneos (hemato- nos intestinos. As células C da glândula tireoide produzem um
poiese), e armazenam cálcio e fosfato (Fig. 1.12). Portanto, as hormônio, a calcitonina, que ativa os osteoblastos e antagoniza
três funções principais do esqueleto são: sustentação, proteção o hormônio paratireóideo. Os osteoblastos formam ossos e, por-
e metabolismo. Juntas, essas funções influenciam a estrutura de tanto, armazenam cálcio automaticamente, reduzindo a quantidade
cada osso esquelético e, consequentemente, a arquitetura do cor- deste em circulação no corpo. O crescimento dos ossos também
po inteiro. A estrutura óssea se adapta a exigências mecânicas por é influenciado de forma positiva pelos hormônios somatotrófico
meio de alterações no metabolismo. Esse processo de adaptação (STH), adrenocorticotrófico (ACTH) e tireotrófico (TSH), bem
envolve a contínua reabsorção e a sedimentação de material ósseo. como pelos hormônios sexuais masculinos e femininos.

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Introdução e anatomia geral 37

Artrologia (arthrologia) ligamentos capsulares (ver a seguir), os quais reforçam a cápsu-


la na parede externa da articulação. As fibras da camada fibrosa 1
O grau de mobilidade entre dois ossos ou estruturas cartilaginosas prosseguem até o periósteo ou pericôndrio (Fig. 1.33). Como a
depende totalmente da forma do espaço entre eles. A sinartrose é irrigação sanguínea até essa camada é limitada, as lesões exigem
uma estrutura contínua que une dois ossos adjacentes e que pode ser um longo tempo de recuperação. Contudo, uma grande quantidade
constituída por tecido conjuntivo, que forma uma união fibrosa de fibras nervosas sensoriais está presente na camada fibrosa, o que
(junctura fibrosa) ou uma articulação fibrosa (articulatio fibrosa). explica a dor sentida após a lesão na própria cápsula ou pelo estira-
De modo semelhante, uma sinartrose pode ser formada a partir de mento da cápsula devido ao edema dentro da articulação.
cartilagem, gerando uma união ou articulação cartilaginosa (ar- A membrana sinovial (stratum synoviale) reveste a cavidade
ticulatio cartilaginea). A amplitude de mobilidade entre duas es- articular e é repleta de células, vasos sanguíneos e nervos. A cor
truturas esqueléticas pode aumentar quando uma articulação con- da membrana sinovial é marfim, com um leve matiz amarelo, e
tendo uma cavidade (diartrose) existe entre elas. Uma articulação forma tanto as vilosidades sinoviais (villi synoviales) quanto as
verdadeira ou sinovial (juncturae seu articulationes synoviales) pregas sinoviais (plicae synoviales). Essas estruturas podem variar
se caracteriza por um espaço articular e uma cavidade articular em quantidade, tamanho, forma e distribuição na mesma articu-
(cavum articulare) preenchida com fluido articular (synovia). lação. A membrana sinovial pode ser dividida, ainda, na camada
interna de sinoviócitos (intima synovialis), composta de células
Sinartroses de cobertura, os sinoviócitos, e uma camada subsinovial (stratum
subsynoviale) (Fig. 1.31 e Fig. 1.32) de tecido. Existem dois
As uniões fibrosas (juncturae fibrosae) subdividem-se em três tipos de sinoviócitos na camada íntima sinovial:
categorias:  sinoviócitos tipo A, responsáveis pela fagocitose;
 articulações de tecido conjuntivo (syndesmoses), como, por
 sinoviócitos tipo B, que produzem e secretam proteínas.
exemplo, as conexões entre os dedos vestigiais e o metapódio
em bovinos; As articulações são preenchidas com um líquido amarelo cla-
 suturas (suturae), as quais unem, por exemplo, os ossos do crâ- ro e viscoso, o líquido sinovial ou sinóvia, cujo propósito prin-
nio, podendo ser: cipal é lubrificar a articulação, reduzindo a fricção entre as faces
 sutura serrátil ou denteada (sutura serrata); articulares. A sinóvia é excretada pela membrana sinovial na ca-
 sutura plana (sutura plana); vidade articular, mas também preenche as bainhas tendíneas e é
 sutura escamosa (sutura squamosa); encontrada na bolsa sinovial (ver “Estruturas de apoio dos múscu-
 sutura foliácea (sutura foliata); los”, p. 50) 50. A sinóvia é composta por ácido hialurônico, açúcar,
 articulações em cavilha ou gonfoses (gomphoses), como, por eletrólitos e enzimas envolvidos no suprimento de nutrientes da
exemplo, o ancoramento das raízes do dente nos alvéolos den- cartilagem. O aumento da produção de sinóvia acarreta hidrartrose.
tários por meio de tecido conjuntivo denso; nesse caso, a mem- Os corpos livres articulares são partículas de cartilagem ou
brana periodontal. osso soltas dentro da articulação, resultantes de fratura tipo II ou da
ossificação das vilosidades sinoviais. Dependendo de onde estão
As uniões cartilaginosas (anfiartroses; juncturae cartilagineae) são: situados, eles podem causar muita dor.
 uniões de cartilagem hialina (sincondroses), como, por exem- A cartilagem articular é fortemente ligada a uma fina cama-
plo, entre a base do crânio e o osso hioide; da óssea subcondral, adjacente à epífise. Ela não é coberta por
 uniões fibrocartilaginosas (sínfises), como, por exemplo, a
pericôndrio, e a face voltada para a articulação é bastante lisa
sínfise pélvica.
(Fig. 1.30 e Fig. 1.35). A cartilagem articular é delgada no cen-
A sinartrose em que o osso reúne duas estruturas é chamada de tro de uma superfície côncava, porém espessa no centro de uma su-
sinostose. Um bom exemplo de sinostose é a união ossificada entre perfície convexa. Algumas áreas da cartilagem articular de ungula-
o rádio e a ulna nos equinos. dos exibem uma redução na cartilagem, formando fossas sinoviais
(fossae synoviales).
Uniões articulares verdadeiras Fascículos de fibras da matriz de cartilagem são distribuí-
dos de acordo com as forças mecânicas de compressão e tensão.
(articulationes synoviales)
A matriz de cartilagem hialina absorve choques, é flexível e possui
As articulações podem ser diferenciadas de acordo com a quan- propriedades viscoelásticas. Assim como nos outros tipos de carti-
tidade de ossos envolvida na articulação, o grau de movimento lagem, a cartilagem articular não apresenta nervos e, com poucas
possível e a forma da face da articulação. Apesar de sua grande exceções, não é vascularizada. A cartilagem articular pode ser di-
variação, as articulações compartilham características estruturais e vidida em:
funcionais (Fig. 1.30 e Fig. 1.33):  zona superficial;
 uma extensa cápsula articular (capsula articularis);  zona intermédia;
 uma cavidade articular (cavum articulare);  zona radial;
 uma cartilagem articular hialina (cartilago articularis), a qual  zona calcificada.

recobre as extremidades de dois ou mais ossos que formam a


A zona superficial compreende fibras de colágeno firmemente
articulação.
entrelaçadas próximo à face da cartilagem articular. Essas fibras
A cápsula articular (Fig. 1.33) é composta por duas camadas: a formam um arco em direção à face, onde correm paralelas umas
camada fibrosa externa (stratum fibrosum) e a camada interna às outras. Esse padrão de fibras aumenta a estabilidade da superfí-
(stratum synoviale, membrana sinovial). A espessura e o desenvol- cie da cartilagem articular. A camada média da cartilagem, a zona
vimento da camada externa da cápsula, a camada fibrosa, apresenta intermédia, é estruturalmente homogênea. A zona radial com-
uma ampla variedade e é determinada principalmente pela carga preende as fibras cartilaginosas, que se unem de modo parcial para
mecânica aplicada à região. Essa camada também pode conter formar fascículos dispostos radialmente. Na zona calcificada, as

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38 Anatomia dos animais domésticos

Osso sacro Vértebras torácicas


Vértebras lombares
Vértebras cervicais
Vértebras caudais Tórax

Pelve

Fêmur Escápula
Clavícula
Patela Úmero
Fíbula
Tíbia
Ossos tarsais Rádio
Ulna
Ossos metatarsais
Ossos carpais
Falanges Ossos metacarpais
Falanges

Fig. 1.25 Esqueleto de um gato (representação esquemática).

Tórax Vértebras cervicais

Osso sacro
Vértebras torácicas
Vértebras
lombares
Vértebras caudais

Escápula
Pelve

Fêmur
Úmero
Patela
Fíbula
Rádio
Tíbia
Ulna
Ossos tarsais
Ossos metatarsais Ossos carpais
Ossos metacarpais
Falanges
Falanges

Fig. 1.26 Esqueleto de um cão (representação esquemática).

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Introdução e anatomia geral 39

Tórax Osso sacro

Vértebras torácicas Vértebras lombares


Vértebras caudais
Vértebras cervicais

Pelve

Fêmur
Patela
Tíbia
Escápula Fíbula
Úmero
Rádio Ossos tarsais
Ulna
Ossos carpais Ossos metatarsais
Ossos metacarpais
Falanges Falanges

Fig. 1.27 Esqueleto de um suíno (representação esquemática).

Tórax Osso sacro

Vértebras cervicais
Vértebras torácicas Vértebras lombares Vértebras caudais

Pelve

Fêmur

Patela
Escápula
Fíbula
Úmero
Tíbia
Ulna
Rádio
Ossos tarsais
Ossos carpais

Ossos metacarpais Ossos


metatarsais

Falanges Falanges

Fig. 1.28 Esqueleto de um bovino (representação esquemática).

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40 Anatomia dos animais domésticos

1
Vértebras cervicais
Tórax

Osso sacro
Vértebras torácicas

Vértebras lombares
Vértebras caudais

Pelve Escápula

Fêmur
Úmero
Patela
Fíbula
Ulna
Tíbia

Rádio

Ossos tarsais

Ossos metatarsais Ossos carpais

Ossos metacarpais

Falanges
Falanges

Fig. 1.29 Esqueleto de um equino (representação esquemática).

fibras colágenas fixam a cartilagem articular ao osso e são, em sua Quantidade de ossos que compõem a articulação:
maioria, calcificadas. Essa estrutura garante uma forte fixação da  articulações simples (articulatio simplex), envolvendo apenas
cartilagem articular ao osso. dois ossos (p. ex., articulação do ombro);
Sob a cartilagem articular, está a placa óssea subcondral, que  articulações compostas (articulatio composita), envolvendo

inclui partes da cartilagem articular calcificada e uma camada de mais de dois ossos (p. ex., articulação do punho).
osso lamelar (Fig. 1.33). Essa placa (corticalis) sustenta as fun-
Tipo de movimento permitido pela articulação (Fig. 1.34):
ções dinâmicas da articulação, atua como um amortecedor, prote-
 articulações uniaxiais:
gendo a cartilagem de forças axiais, e promove o suprimento meta-
 articulação em dobradiça ou gínglimo (ginglymus): o
bólico das camadas cartilaginosas mais profundas.
eixo da articulação é perpendicular ao eixo longo dos ossos
O metabolismo da cartilagem articular é anaeróbio. Os nutrien- (p. ex., cotovelo ou articulação tibiotarsal);
tes chegam até a cartilagem geralmente por meio de difusão bra-  articulação trocóidea ou pivô (articulatio trochoidea):
ditrófica. Em menor grau, os nutrientes também podem alcançar a o eixo da articulação é paralelo ao eixo longo dos ossos
cartilagem a partir da sinóvia articular ou dos vasos sanguíneos da (p. ex., articulação atlantoaxial entre a 1ª e a 2ª vértebras
medula óssea. O conteúdo elevado de proteoglicanos propicia uma cervicais);
alta capacidade de ligação com moléculas de água, o que facilita o  articulações biaxiais:
transporte intracondral de metabólitos.  articulação selar (articulatio sellaris): por exemplo, entre

As articulações são reforçadas por meio de ligamentos ar- as articulações interfalângicas;


ticulares (ligamenta articularia) intracapsulares, capsulares ou  articulação elipsóidea (articulatio ellipsoidea): por exem-

extracapsulares. Algumas articulações contêm estruturas fibro- plo, articulação atlantoccipital entre o osso occipital e a 1ª
cartilaginosas (meniscos articulares na articulação do joelho, vértebra cervical;
discos articulares na articulação mandibular), que servem para  articulações multiaxiais:
estabilizar a articulação ou compensar as faces articulares desa-  articulação esferóidea ou de “bola e soquete” (articula-

linhadas. O tecido adiposo também contribui para formar depó- tio sphaeroidea): por exemplo, articulação do ombro ou
sitos intra-articulares, os quais promovem maior amortecimento. coxofemoral;
As articulações sinoviais podem ser classificadas conforme as suas  articulações rígidas (anfiartrose): por exemplo, articulação
características. sacroilíaca.

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Introdução e anatomia geral 41

Ângulo ventral
da escápula

Cartilagem articular

Cavidade articular

Cabeça do úmero

Fig. 1.30 Cavidade articular formada pelas extremidades da escápula e do úmero em um cão (secção longitudinal, plastinação).

Forma das faces articulares:  articulação em espiral (articulatio spiralis): os ligamentos co-
 articulação esferóidea ou “bola e soquete” (articulatio laterais se ligam de forma excêntrica, distais ao eixo de rotação
sphaeroidea): por exemplo, articulação do ombro ou coxofemoral; (os ligamentos são mais curtos na posição neutra; durante a ex-
 articulação cotílica (articulatio cotylica): uma articulação es- tensão ou flexão, a tensão nos ligamentos aumenta, cessando
feróidea em que a cavidade glenoidal (soquete) cobre mais da lentamente a locomoção; p. ex., a articulação do joelho equino);
metade da esfera articular (bola), como, por exemplo, a articula-  articulações planas (articulationes planae): uma articulação
ção coxofemoral aviária; deslizante, como, por exemplo, as articulações entre os proces-
 articulação elipsóidea (articulatio ellipsoidea): por exemplo, sos articulares das vértebras;
entre o osso occipital e a 1ª vértebra cervical;  articulações incongruentes: articulações em que as faces ar-
 articulação selar (articulatio sellaris): por exemplo, as articu- ticulares não correspondem, como se observa na articulação
lações interfalângicas; femorotibial ou na articulação temporomandibular. Essa in-
 articulação condilar ou cilíndrica (articulatio condylaris): por congruência é equalizada com discos fibrosos, os meniscos na
exemplo, a articulação femorotibial. articulação femorotibial e os discos articulares na articulação
temporomandibular.
As articulações também podem ser classificadas conforme as suas
características funcionais:
 articulação em dobradiça (gínglimo): por exemplo, articula-
Nota clínica
ção do cotovelo;
 articulação em parafuso (articulatio cochlearis): por exem- Uma redução na amplitude passiva de movimento de uma articula-
plo, articulação do jarrete nos equinos; ção é conhecida como contratura articular. As causas de contratura
 articulação em mola: uma articulação elástica e, ao mesmo articular incluem imobilização prolongada ou falta de uso da articu-
lação. A dor intensa associada à derrame articular ou a fragmentos
tempo, em dobradiça e parafuso, na qual os ligamentos colate-
ósseos livres pode causar uma diminuição repentina na mobilida-
rais se posicionam de forma excêntrica sobre o eixo de torção
de articular. Entorses e luxações podem causar um alongamento
e proximal ao eixo da articulação (na posição neutra da articu- excessivo e a ruptura dos ligamentos, levando à instabilidade da
lação, os ligamentos colaterais sofrem a maior força tensional; articulação.
durante a extensão ou flexão, a tensão nos ligamentos diminui, Um aumento acentuado no volume do líquido sinovial (derra-
fazendo a articulação se deslocar para uma posição não neutra; me articular) se manifesta como edema da articulação. A dor é causa-
p. ex., a articulação do cotovelo equino); da pelo estiramento da cápsula articular, que estimula os receptores
 articulação deslizante (articulatio delabens): por exemplo, ar- de dor na parede da cápsula.
ticulação femoropatelar;

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42 Anatomia dos animais domésticos

Fig. 1.31 Vilosidades sinoviais em forma de filamentos em Fig. 1.32 Vilosidades sinoviais da cavidade articular, mostrando os
flutuação livre na sinóvia. (Fonte: cortesia do Dr. M. Teufel, Viena.) capilares injetados. (Fonte: cortesia do Dr. F. Teufel, Viena.)

Ligamento sesamoide proximal

Extremidade óssea da parte


proximal da articulação
Divertículo da cápsula articular

Vilosidades sinoviais

Cápsula articular

Líquido sinovial Osso sesamoide

Espaço articular Vilosidades sinoviais


Ligamento sesamoide distal
Cartilagem articular
Placa óssea subcondral

Extremidade óssea da parte


distal da articulação

Fig. 1.33 Articulação com ossos sesamoides e aparelho suspensório (representação esquemática).

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Introdução e anatomia geral 43

Articulação plana Articulação condilar Articulação em Articulação em Articulação deslizante


(p. ex., articulação (p. ex., articulação dobradiça ou parafuso (p. ex., (p. ex., articulação
intervertebral) femorotibial) gínglimo (p. ex., articulação do tarso) femoropatelar)
articulação do cotovelo)

Articulação trocóidea Articulação selar Articulação esferóidea Articulação elipsóidea


(p. ex., articulação (p. ex., articulação (p. ex., articulação (p. ex., articulação
atlantoaxial) da quartela) do ombro) atlantoccipital)

Fig. 1.34 Diferentes tipos de articulações sinoviais (representação esquemática).

1.4.2 Sistema muscular  músculo estriado: pode ser dividido em musculaturas es-
quelética e cardíaca (ver obra sobre histologia para mais
(systema musculare) informações).
H.-G. Liebich e H. E. König A musculatura esquelética é a parte ativa do sistema locomotor.
Tradicionalmente, ela é denominada apenas como musculatura ou
Miologia (myologia) músculos (musculi). Os músculos esqueléticos são altamente vas-
cularizados e inervados por nervos cerebroespinais (sensoriais e
Em organismos filogeneticamente avançados, as células da ca- motores) e autônomos vegetativos (simpáticos e parassimpáti-
mada intermédia do embrião (mesoderma) se desenvolvem em cos), que, juntos, formam uma unidade funcional. Grandes exten-
células capazes de contração (somitos) e seus derivados. Essa po- sões de tecido conjuntivo, as fáscias ou aponeuroses, bem como
pulação celular se diferencia em tecido muscular, o qual transforma estruturas sinoviais, como bolsas e bainhas tendíneas, sustentam e
energia química em energia mecânica ou em calor. Pode-se distin- protegem os músculos em todas as suas funções.
guir entre dois tipos de tecido muscular conforme a sua morfolo- Os músculos fornecem a energia para movimentar a estrutu-
gia e função (Fig. 1.35 e Fig. 1.36): ra esquelética; as extremidades dos músculos sempre se inserem
 tecido muscular liso: é responsável pelas funções contráteis em ossos ou cartilagens. Eles atuam como alavancas, resultando
dos órgãos internos, reveste os ductos excretores de glândulas e em movimento de partes corporais individuais ou de todo o or-
forma as paredes dos vasos sanguíneos e linfáticos; ganismo; ver também Capítulo 6, “Estática e dinâmica” (p. 309).

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44 Anatomia dos animais domésticos

Os músculos também sustentam parte do peso corporal, ajudam a O contato entre músculo e nervo é alcançado por meio da placa
1 formar as paredes das cavidades torácica e abdominal e sustentam motora, uma forma especial de união sináptica. O impulso ner-
a atividade dos órgãos internos (p. ex., músculos respiratórios e voso é passado para a fibra muscular por um neurotransmissor
diafragma). (acetilcolina).
O músculo conta também com terminações nervosas senso-
Desenvolvimento, degeneração, regeneração riais, agrupadas como fusos musculares e envoltas em uma cápsu-
e adaptação das fibras musculares la. Esses mecanorreceptores fornecem informações sobre o tônus
muscular e o grau de tensão nos tendões e nas cápsulas articulares.
As células dos somitos da camada intermédia do embrião se di- Além disso, os fusos musculares são responsáveis por coordenar
ferenciam em células-tronco mesenquimais, formando, assim, movimentos e perceber espacialmente o posicionamento de par-
o início embrionário das células musculares. As células-tronco tes do corpo em relação umas às outras. Os órgãos tendíneos são
mesenquimais se diferenciam em pré-mioblastos e, então, em semelhantes a fusos musculares e funcionam como receptores para
mioblastos contráteis. Os mioblastos contêm proteínas, os fila- a tensão dentro do sistema músculo-tendão.
mentos de miosina e actina, responsáveis pela contratilidade da As paredes dos vasos sanguíneos e linfáticos intramusculares
célula. Essas proteínas assumem posições específicas no citoplas- são inervadas por ramificações simpáticas e/ou parassimpáticas
ma conforme o tipo de célula muscular, criando um estriamento do sistema nervoso autônomo, que assegura o suprimento adequa-
característico. As células vizinhas tendem a se fusionar, formando do de sangue e a drenagem linfática, necessários para manter o seu
células longas e cilíndricas multinucleadas, também chamadas de funcionamento.
fibras musculares, as quais, no animal adulto, podem alcançar até Cada ventre muscular individual é recoberto por uma bainha ex-
10 cm de comprimento e 100 μm de diâmetro. terna tensa de tecido conjuntivo fibroso, o epimísio, que prossegue
Uma determinada quantidade de células-tronco permanece como epitendão, envolvendo os tendões. O epimísio ou epitendão
inalterada como células satélites, as quais desempenham um pa- é visível a olho nu e separa os músculos vizinhos um do outro,
pel importante na regeneração muscular. Diversos fatores, como criando uma superfície lisa que permite o movimento sem atrito.
isquemia local, atrofia neural, lesão por pressão ou toxinas, podem Os grandes vasos e nervos que suprem os músculos se distribuem
causar uma degeneração local do músculo. A regeneração depende através do epimísio, e seus locais de entrada e saída do músculo se
da atividade e da quantidade de células satélites não danificadas. chamam hilos. Em um único músculo, grupos de células muscula-
A força de um músculo individual e a porcentagem ou volume de res são contidos no perimísio, composto de tecido conjuntivo in-
tecido muscular depende quase completamente do nível de treina- tramuscular, formando uma espécie de rede de unidades funcionais
mento. Imobilidade, ausência de exercício e interrupção do supri- menores (Fig. 1.36). Essa rede de fibras de colágeno forma um
mento neural atrofiam o músculo. Os músculos adquirem massa plexo, e as fibras permanecem em contato umas com as outras, a
(hiperplasia) por meio do fortalecimento das bainhas de tecido con- fim de coordenar as contrações musculares e fornecer um caminho
juntivo, da expansão da espessura de fibras e do aumento do fluxo para os nervos e vasos sanguíneos menores. Cada célula muscular
sanguíneo, todos alcançados por exercícios regulares. individual é envolta em uma delicada rede de fibrilas colágenas, o
endomísio. O endomísio forma uma trama que recobre as células
Arquitetura da musculatura do tecido conjuntivo, o plexo nervoso e os vasos sanguíneos me-
esquelética e dos tendões nores (Fig. 1.36). Essas bainhas são classificadas de acordo com
o tamanho dos fascículos que revestem em: fascículos primário,
Um músculo esquelético pode ser dividido em três partes gerais: secundário e terciário. Elas compõem uma unidade funcional e se
o ventre muscular contrátil e os tendões de origem e inserção. unem em cada extremidade do ventre muscular, prosseguindo até
Os tendões se unem a cada extremidade do ventre muscular e o tendão.
transferem a força gerada por contração do ventre para o esqueleto As diversas bainhas de tecido conjuntivo no músculo alongam-
(Fig. 1.37). Uma análise microscópica do músculo esquelético -se para além das extremidades do músculo e se unem para formar
parece apresentar faixas cruzadas ou estrias, que resultam da o tendão (tendo), uma ligação branca com o osso e semelhante
disposição paralela e regular dos filamentos de actina e miosina. a um cordão. A transferência de força muscular ao tendão ocorre
Os filamentos de actina e miosina, juntamente às bainhas de tecido na extremidade das fibras musculares, em que pequenos processos
conjuntivo e gordura armazenada, formam o tecido muscular. semelhantes a dedos se entrelaçam com os processos das fibrilas de
As células musculares se diferenciam conforme a quantidade colágeno dos tendões. Essa estrutura fortalece significativamente a
e a espessura de seus miofilamentos contráteis citoplasmáticos. conexão entre o tendão e o músculo. As fibras tendíneas correm em
Quando o citoplasma da célula muscular, o sarcoplasma, contém paralelo e variam quanto ao raio e ao comprimento (Fig. 1.37).
proporcionalmente mais miofilamentos, o músculo armazena me- Os tendões também são agrupados em fascículos (primários,
nos mioglobina e tem aparência pálida (tipo muscular branco). secundários e terciários) por meio da continuação das bainhas
Esse tipo de músculo leva à fadiga rapidamente, porém a sua força musculares, que são aqui referidas como epitendão e peritendão.
contrátil é imensa. O segundo tipo de músculo (tipo muscular ver- Essas bainhas são tensões de lâminas musculares que, devido à sua
melho) contém menos miofilamentos e, portanto, pode armazenar forma plana e larga, não apresentam um ventre e conectam-se por
mais mioglobina no sarcoplasma (i.e., em animais domésticos mais meio de expansões planas e finas de tecido conjuntivo (aponeuro-
velhos e em animais selvagens). Detalhes mais aprofundados acer- ses). As fibras dos cordões tendíneos e das aponeuroses orientam-
ca da contração muscular podem ser encontrados em publicações -se na mesma direção das forças mecânicas às quais estão sujeitas.
sobre fisiologia e histologia. Em comparação com o tecido muscular, os tendões exibem uma
A inervação do músculo ocorre por meio de conexões neuro- força tensora muito maior, devido ao seu alto conteúdo de coláge-
musculares. Juntos, o nervo e o músculo criam uma unidade fun- no e ao seu baixo conteúdo elástico.
cional. Cada fibra muscular é inervada por, no mínimo, um axônio Os tendões longos das regiões distais dos membros exibem
neural motor do sistema nervoso central (nervo cerebroespinal). uma grande elasticidade em todo o seu comprimento. Durante

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Introdução e anatomia geral 45

1
Vasos sanguíneos

Célula muscular

Sarcolema
Placas conectoras
Núcleo
Nexo
Endomísio

Fig. 1.35 Músculo liso (representação esquemática). (Fonte: com base em dados de Liebich, 2004.)

Perimísio
Célula muscular
Vasos sanguíneos
Endomísio
Sarcolema

Miofibrila
Núcleo
Sarcolema
Sistema L
Sistema T
Miofibrila

Fig. 1.36 Músculo estriado (representação esquemática). (Fonte: com base em dados de Liebich, 2004.)

Epitendão

Vaso sanguíneo

Tendinócito
Miofibrila
Endotendão

Peritendão

Fig. 1.37 Tendão (representação esquemática). (Fonte: com base em dados de Liebich, 2004.)

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46 Anatomia dos animais domésticos

1 Músculo plano
permeado por Músculo plano
tecido tendíneo com aponeurose

Esfíncter

Músculo orbicular

Músculo de Músculo de Músculo de Músculo Músculo


dois ventres duas cabeças uma cabeça multipeniforme unipeniforme

Músculos fusiformes

Fig. 1.38 Categorias de músculos esqueléticos de acordo com a disposição de suas fibras (representação esquemática). (Fonte: com base em
dados de Putz e Pabst, 1993.)

o movimento, a qualidade elástica dos tendões armazena ener- Um músculo peniforme apresenta fibras oblíquas à linha de for-
gia, absorve choques e funciona como mecanismo de suporte. ça gerada pelo músculo. A força máxima produzida por esse mús-
Um bom exemplo dessa elasticidade é o músculo interósseo médio culo é proporcional à área transversal total de todas as suas fibras.
(m. interosseus medius) do equino, um longo cordão fibroso mui- A secção transversa morfológica (anatômica) é a área de secção
to semelhante a um tendão. Na verdade, ele contém pouco tecido transversal de um músculo, perpendicular ao seu eixo ventral, em
muscular e funciona como um tendão. Quando o equino se movi- sua área mais espessa. A secção transversa fisiológica de um mús-
menta, esse tendão é esticado pela carga aplicada à perna, arma- culo representa a área da secção transversal de todas as fibras mus-
zenando energia na forma de tensão elástica. Durante a segunda culares perpendiculares ao eixo longitudinal de cada fibra. A for-
metade do passo, a carga de peso corporal sobre a perna diminui, e ça muscular depende da quantidade de fibras aparentes na secção
o tendão, que estava alongado e encurtado, libera a energia armaze- transversa fisiológica; quanto mais fibras, maiores a tensão e a for-
nada. Quando se aplica uma carga extrema sobre essa estrutura, ela ça máxima produzidas. A tensão exigida de um músculo depende
pode se alongar até o ponto em que a articulação metacarpofalângi- da secção transversa das fibras e do quanto o músculo se encurta
ca toca o chão a cada passo. durante a contração. Essa distância é proporcional à mudança do
Em seus locais de fixação, as fibras tendíneas continuam até o ângulo de inserção e ao comprimento dos fascículos de fibras mus-
periósteo ou pericôndrio na forma de fibras de Sharpey. A fixa- culares. A potência de um músculo é a velocidade de contração.
ção pode abranger uma ampla face do osso ou pode estar limitada a Dentro de um ventre muscular forte, as fibras musculares
um único ponto, formando um ângulo agudo ou obtuso. Os tendões ligam-se ao tendão ou à face do osso em um ângulo agudo, permi-
que prosseguem até a pele ou à musculatura da língua contêm um tindo que o músculo tenha espaço para expandir quando se contrai.
percentual maior de fibras elásticas e, portanto, aumentam a tensão Durante a contração, o ângulo de ligação aumenta. Essa caracterís-
nesses órgãos. tica estrutural especial aumenta o fluxo sanguíneo, o que favorece
Macroscopicamente, as fibras musculares têm aparência esca- o metabolismo. A contração e o relaxamento dos músculos desem-
lonada, ligando-se à aponeurose em diferentes ângulos ou ao osso, penham um papel fundamental em todo o sistema circulatório do
com tendões de diversos comprimentos. O tendão pode se divi- corpo.
dir e irradiar no músculo até impregná-lo. A propagação do tecido
tendíneo nos músculos resulta em um padrão (bainha tendínea) Forma dos músculos
semelhante a uma pluma ou a uma folha. Os músculos podem
ser classificados conforme a estrutura e orientação das fibras Os músculos variam quanto a forma, posição e tamanho. Em mús-
(Fig. 1.38): culos fusiformes, pode-se diferenciar uma cabeça (caput) passiva
 músculos unipeniformes ou semipeniformes (m. unipennatus), na origem, o ventre (venter) muscular ativo na região intermediá-
com duas bainhas tendíneas paralelas; ria e uma cauda passiva na inserção. Como resultado, cada múscu-
 músculos bipeniformes (m. bipennatus), que apresentam bai- lo possui uma origem (origo) e uma inserção (insertio). A origem
nhas tendíneas duplas; e a inserção são atribuídas por convenção. Em geral, a origem é a
 músculos multipeniformes (m. multipennatus), com várias extremidade proximal do músculo, ou a extremidade mais próxima
bainhas tendíneas. do centro ou eixo corporal.

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Introdução e anatomia geral 47

1
Mesotendão
Camada visceral

Tendão Camada parietal

Camada fibrosa Cavidade sinovial

Cavidade sinovial Tendão

Camada sinovial Cartilagem

Cartilagem Osso

Osso

A B

Fig. 1.39 Estruturas acessórias dos músculos: (A) bolsa sinovial e (B) bainha tendínea (representação esquemática).

A extremidade distal do músculo é a inserção. Existem diversas comprimento do músculo configura uma contração isométrica.
formas de músculos (Fig. 1.38): Com um certo grau de tensão, o músculo lentamente começa a se
 músculos fusiformes (m. fusiformis); contrair e a encurtar (contração isotônica), levando ao movimento.
 músculos planos (m. planus, cujo tendão forma uma Um músculo exerce força sobre uma articulação de acordo com
aponeurose); as leis dos sistemas de alavanca. Dependendo da quantidade de
 músculos de duas cabeças (m. biceps); articulações sobre as quais exercem a sua ação, os músculos são
 músculos de três cabeças (m. triceps); classificados como:
 músculos de quatro cabeças (m. quadriceps);  músculo uniarticular;
 músculos de dois ventres (m. biventre ou m. digastricus);  músculo biarticular;
 músculos circulares (m. orbicularis);  músculo poliarticular.
 músculos esfinctéricos (m. sphincter).
A partir desse esquema de classificação, fica evidente que algu-
mas articulações sempre se movem em conjunto quando um mús-
Locomoção culo se contrai (articulações dependentes). Já outras articulações
Os movimentos naturais envolvem vários músculos em trabalho si- movem-se juntas apenas sob circunstâncias específicas (articula-
multâneo ou em sequência. Quando dois músculos atuam em con- ções combinadas facultativas).
junto, afirma-se que eles são sinérgicos. Se atuarem em sentidos Os músculos podem ser classificados, ainda, conforme o seu
opostos, eles são antagônicos. Durante o movimento, uma parte é efeito funcional sobre uma articulação:
 extensor (m. extensor);
o ponto fixo (punctum fixum), e a outra, o ponto móvel (punctum
 flexor (m. flexor);
mobile). O ponto fixo representa todas as partes que permanecem
 adutor (m. adductor);
imóveis devido à sua ligação com o tronco. Já o ponto móvel deve
 abdutor (m. abductor);
ser menor e mais leve que o ponto fixo. O funcionamento de um
 esfincter (m. sphincter);
músculo pode derivar de sua origem, colocação e inserção ou, en-
 dilatador (m. dilatator);
tão, de seu ponto de rotação (hypomochlion).
 elevador (m. levator);
Quase todos os movimentos naturais, como, por exemplo, respi-
 abaixador (m. depressor);
ração, passo, trote ou galope, são um ciclo rítmico de contrações e
 rotador (m. rotator) com:
relaxamentos de grupos de músculos antagônicos. Mesmo durante
 supinador (m. supinator);
o relaxamento, cada músculo sofre uma quantidade mínima de ten-
 pronador (m. pronator).
são, o tônus muscular. Esse estado é resultante de uma excitação
refletora permanente originária dos fusos musculares. A aneste-
A musculatura superficial dos animais domésticos, apresentada
sia induz à hipotonia, uma redução no tônus muscular. Diversos
nas Figs. 1.40, 1.41, 1.42, 1.43 e 1.44, propicia uma introdução
músculos servem para manter uma determinada parte do corpo em
à miologia. A topografia, a forma e a função de cada músculo são
posição e, portanto, apresentam um tônus muscular mínimo cons-
descritas em detalhes em capítulos posteriores.
tante. Esses músculos, às vezes, ganham suporte passivo por um
tecido semelhante ao tendão, inserido no ventre muscular.
Para que o movimento se inicie, deve-se superar o tônus muscu-
lar do(s) músculo(s) antagônico(s) e a força da gravidade. As con-
trações musculares são categorizadas conforme o que ocorre ao
comprimento do músculo ativo durante o movimento. Um au-
mento contínuo na tensão muscular intrínseca sem alteração no

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48 Anatomia dos animais domésticos

Musculatura abdominal

Musculatura glútea Musculatura facial

Musculatura da cauda Músculos da mastigação


e da mandíbula
Musculatura da coxa
Musculatura da cintura escapular

Músculos da articulação Músculos da articulação do ombro


do tarso e músculos Músculos da articulação
longos dos dedos do cotovelo

Músculos da articulação do carpo


Músculos curtos
e músculos longos dos dedos
dos dedos
Músculos curtos dos dedos

Fig. 1.40 Grupos de músculos superficiais de um gato (representação esquemática).

Musculatura facial

Musculatura abdominal Músculos da mastigação


Musculatura glútea e da mandíbula
Musculatura da cauda Musculatura da
cintura escapular

Músculos da articulação
Musculatura da coxa
do ombro
Músculos da articulação
do cotovelo

Flexores e extensores da Flexores e extensores da


articulação do tarso e articulação do carpo e
músculos longos dos dedos músculos longos dos dedos

Músculos curtos dos dedos Músculos curtos dos dedos

Fig. 1.41 Grupos de músculos superficiais de um cão (representação esquemática).

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Introdução e anatomia geral 49

Musculatura da
cintura escapular
Musculatura da garupa

Musculatura da coxa
Músculos da
articulação do ombro Musculatura abdominal
Musculatura facial

Músculos da articulação Flexores e extensores


do cotovelo da articulação do
tarso e músculos
longos dos dedos
Flexores e extensores
da articulação do carpo e
músculos longos dos dedos

Fig. 1.42 Grupos de músculos superficiais de um suíno (representação esquemática).

Musculatura da Musculatura
cintura escapular abdominal
Musculatura
da cauda
Musculatura
da garupa

Musculatura facial

Músculos da
articulação do ombro
Músculos da
articulação
do cotovelo Flexores e
extensores da
Flexores e articulação do
extensores da tarso e músculos
articulação do longos dos dedos
carpo e músculos
longos dos dedos

Fig. 1.43 Grupos de músculos superficiais de um bovino (representação esquemática).

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50 Anatomia dos animais domésticos

Musculatura
abdominal

Musculatura facial
Musculatura
da cauda Musculatura da
Musculatura externa cintura escapular
do quadril e da garupa
Músculos da articulação
do ombro

Músculos da articulação
do cotovelo

Flexores e extensores Flexores e extensores da


da articulação do articulação do carpo e
tarso e músculos músculos longos dos dedos
longos dos dedos

Fig. 1.44 Musculatura superficial de um equino (representação esquemática).

Estruturas de apoio dos músculos fina, e fáscia profunda (fascia profunda), mais resistente. A fás-
cia superficial recobre os músculos cutâneos (musculi cutanei) na
Os músculos são auxiliados em suas diversas funções por meio de maioria das regiões do corpo. Nos equinos, em particular, as cama-
estruturas passivas, como: das mais profundas podem ser reforçadas por fibras elásticas, que
 fáscias; lhes conferem um brilho amarelo (tunica flava da parede ventral
 bolsas (bursae synovialis); do abdome).
 bainhas tendíneas (vaginae synovialis tendinum). As bolsas sinoviais são envoltas por uma cápsula de tecido con-
juntivo (Fig. 1.39). Elas variam em tamanho, geralmente conten-
Os músculos são recobertos individualmente por fáscias, lâminas do mais de um compartimento, e estão sempre cheias de sinóvia.
extensas, finas e entrelaçadas, compostas principalmente por colá- As bolsas sinoviais podem ser comparadas a pequenas almofadas
geno, mas também por fibras elásticas. Essas fibras estão voltadas de gel sob os tendões, distribuindo uniformemente a pressão que se
para a mesma direção das forças de tensão e estresse que atuam origina do tendão. A estrutura das paredes das bolsas é semelhante
sobre o músculo. A trama das fibras permite que as fáscias se adap- à das articulações. Assim como ocorre com as articulações, a pa-
tem funcionalmente à alteração na espessura do músculo que re- rede das bolsas sinoviais apresenta duas camadas: a membrana
sulta da contração. As fáscias costumam servir como origem ou sinovial interna e a membrana fibrosa externa.
locais de ligação dos músculos. Ao recobrir um músculo, as fáscias As bolsas sinoviais estão presentes em todos os locais do corpo
tornam a superfície lisa e sem atrito, permitindo a liberdade de mo- nos quais os músculos, tendões ou ligamentos deslizam sobre os
vimento entre músculos individuais vizinhos. ossos. Bolsas inconsistentes ou facultativas podem se desenvolver
Existem, também, as fáscias independentes, localizadas entre sob a pele em diversos pontos sujeitos à pressão mecânica constan-
músculos e fixas no periósteo, chamadas de septos intermuscu- te. As bolsas sinoviais são classificadas conforme a sua posição:
lares. Além disso, as fáscias formam estruturas anulares de tecido  bolsa sinovial subtendínea (bursae synoviales subtendinosae);
conjuntivo sobre faces articulares extensoras ou flexoras, fortale-  bolsa sinovial submuscular (bursae synoviales submusculares);
cendo, assim, a articulação (retinacula tendinum).  bolsa sinovial subligamentosa (bursae synoviales subligamen-
As fáscias são encontradas ao longo de todo o corpo e podem tosae);
ser divididas em: fáscia superficial (fascia superficialis), mais  bolsa sinovial subcutânea (bursae synoviales subcutaneae).

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