Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Fig. 1.2 Uma das primeiras ilustrações dos vasos sanguíneos de um equino. (Fonte: Seifert von Tennecker, pseudônimo: Valentin Trichter, 1757.)
apresentar um ceco com formato igual ao do herbívoro ou, então, Durante a Renascença, estudos de anatomia em cadáveres hu-
uma placenta cotiledonária. manos não eram mais um tabu. Com a sua obra monumental sobre
Na linha de Galeno, foi publicado um atlas da anatomia de por- a anatomia humana (De humani corporis fabrica, 1543), André
cos (Anatomia porci, escrito por Cofo) em Salerno, entre 1100 e Vesálio marcou o tímido início de uma atitude revolucionária para
1150. Esse não foi o primeiro livro sobre veterinária, porém o seu com o corpo humano. Os primeiros anatomistas ainda se consi-
uso se destinava ao ensino de anatomia humana para estudantes de deravam naturalistas e continuavam a compilar descobertas sobre
medicina. O mito geralmente aceito na época e ainda hoje de que morfologia por meio de estudos sobre a anatomia animal. Vesálio
os suínos se assemelham aos humanos mais do que qualquer outro foi o primeiro a perceber que a rede admirável epidural represen-
animal baseia-se, em grande parte, nos hábitos alimentares simi- tava uma estrutura típica de ruminantes. Johann Conrad Peyer
lares e na sua disponibilidade como material de estudo na época. promoveu novos estudos sobre a digestão dos ruminantes, os
quais resultaram na suntuosa obra de 1685: Merycologia sive de
ruminantibus et ruminatione commentarius (Fig. 1.1). A sua des-
coberta do tecido linfático (Lymphonoduli aggregati) na mucosa
intestinal resultou na denominação placas de Peyer. Desde o início,
o estudo de anatomia comparada foi restrito à esfera dos institutos
de pesquisa especializados em anatomia humana, e ainda mais in-
tensamente quando a pesquisa zoológica se desviou do estudo da
morfologia.
Nas últimas décadas do século XX, o uso de animais de labora-
tório levou à otimização das abordagens terapêuticas. A implemen-
tação de conceitos experimentais só foi possível por meio da apli-
cação dos conhecimentos básicos necessários sobre a morfologia
animal, que foram amplamente fornecidos por médicos. É impor-
tante observar que, ainda hoje, se escolhem animais como modelo
não por sua possibilidade de comparação morfológica, e sim por
sua disponibilidade.
Há apenas alguns séculos, a anatomia dos animais tornou-se
pré-requisito para a prática veterinária, na forma de ensino inde-
pendente e objeto de pesquisa. Textos da Antiguidade e da Idade
Média destinados a tratadores de animais deixam evidente que o
conhecimento de anatomia, principalmente de equinos, era razoa-
velmente preciso (Fig. 1.2). No entanto, não existia uma descri-
ção sistemática das associações morfológicas básicas.
Manuais para cavalariços, no estilo de Jordanus Ruffus, do
final da Idade Média e início da Era Moderna, não eram sistemá-
ticos, pois eles continham informações sobre a anatomia equina,
Fig. 1.3 Ilustração da musculatura de um equino. (Fonte:
Dell’Anatomia e dell’Infirmita del Cavallo; Carlo Ruini, Veneza, 1598.) que costumava vir acompanhada por ilustrações inúteis. Em 1598,
Carlo Ruini publicou um manual extraordinário para a época:
Dell’Anatomia e dell’Infirmitá del cavallo (Fig. 1.3). Aparen- como uma disciplina independente nas escolas veterinárias euro-
temente sem precedentes, o livro foi, sem dúvida, inspirado por peias recém-fundadas foi lento. Como consequência, apenas em
Vesálio. 1822 publicou-se a primeira obra ou manual mais abrangente sobre
Ruini, de uma família rica de Bolonha, nunca trabalhou como anatomia. O primeiro livro de referência alemão sobre anatomia
cavalariço, tampouco esteve ligado à universidade. Com o apoio de dos animais foi o Texto de anatomia dos animais domésticos, de
professores particulares excelentes, ele desenvolveu um interesse Konrad Ludwig Schwab, de 1821 (Fig. 1.6), seguido pelo Ma-
ardente pelas ciências naturais e tornou-se um entusiástico da equi- nual de anatomia comparada de mamíferos domésticos, de Ernst
tação. A sua obra inicial, ainda que incompleta e, por vezes, impre- Friedrich Gurlt, em 1822 (Fig. 1.7). Essas obras representam o
cisa, foi o primeiro retrato abrangente e sistemático da anatomia início de uma longa tradição em língua alemã de pesquisa sobre a
equina. A segunda metade do livro, voltada para doenças equinas, anatomia dos animais, que rapidamente recebeu reconhecimento
era basicamente um apanhado não criterioso de escritos muito mais internacional e se prolongou até o final do século XX. Ao total,
antigos. A suntuosidade dessa obra se deve à qualidade das ilus- foram publicadas 18 edições da obra de Gurlt, sendo que cada nova
trações, que chegam a rivalizar com as de Leonardo da Vinci ou edição era revisada e ampliada, até que a última foi impressa, em
de Vesálio. O livro de Ruini foi reimpresso, plagiado e traduzido 1943. Wilhelm Ellenberger e Hermann Baum responderam pela
diversas vezes (Fig. 1.5). 9ª até a 17ª edição e criaram o estilo que ainda pode ser observado
No início do século XVII, a anatomia dos animais começava hoje neste livro (Fig. 1.8 e Fig. 1.9). A quantidade de publi-
lentamente a passar por um renascimento. Contudo, apenas depois cações em anatomia veterinária originadas da Alemanha, Suíça e
de 150 anos foi criada uma academia veterinária, na qual o livro de Áustria na metade e no final do século XIX era impressionante.
Ruini pôde ser utilizado para ensinar profissionais. Isso reflete a importância da área e o valor conferido à anatomia
Considerado o pai da anatomia dos animais, Philippe Etienne veterinária na época.
Lafosse fundou, por seus próprios meios financeiros, uma escola Uma decisão histórica na era moderna da anatomia dos animais
veterinária particular em Paris, em 1767. O empreendimento não foi o estabelecimento do Comitê Internacional para Nomenclatura
foi bem-sucedido, e a escola fechou em 1770. Dois anos mais tarde em Anatomia Veterinária. Nos moldes da publicação sobre a ana-
ele publicou a sua obra de maior sucesso: Cours d’Hippiatrique tomia humana, a Nomina anatomica, a primeira edição da Nomina
(Um curso sobre hipiatria ou Um tratado completo sobre a medi- Anatomica Veterinaria foi publicada em 1968. Essa obra padroni-
cina de cavalos). A obra foi organizada de acordo com os sistemas za mundialmente a terminologia na medicina veterinária, sendo,
de órgãos, e sua estrutura lembra o formato utilizado hoje em li- assim, uma ferramenta útil para conservar a importância da anato-
vros-texto sobre anatomia. A relevância clínica de uma abordagem mia em um cenário médico em constante mutação.
topográfica logo foi integrada ao ensino de anatomia. Anatomia é o ramo da morfologia voltado para forma, es-
Uma das primeiras ilustrações topográficas de equinos trutura, topografia e interação funcional dos tecidos e órgãos que
(Fig. 1.4) consta nas notas de aula registrada e publicada em 1770 compõem o corpo. A dissecção de animais mortos ainda é o mé-
por Ludwig Scotti, o primeiro diretor da Escola de Tratamento e todo mais importante e eficiente para estudar e entender a anato-
Operações de Cavalos em Viena. Contudo, o progresso da anatomia mia. Com o avanço da anatomia clássica, a histologia, a anatomia
Fig. 1.6 Página de rosto da primeira obra em língua alemã sobre a Fig. 1.7 Página de rosto da primeira edição do Manual de anatomia
anatomia dos animais domésticos. (Fonte: Konrad Ludwig Schwab, comparada de mamíferos domésticos. (Fonte: Ernst Friedrich Gurlt,
Munique, 1821.) Berlim, 1822.)
microscópica e a embriologia se tornaram disciplinas distintas. o entendimento da conexão geral entre a estrutura e a função do
Embora não se possa separá-las como um todo, tal divisão promo- corpo animal. O conhecimento da anatomia sistêmica é o funda-
ve uma abordagem mais estruturada e, portanto, mais fácil para se mento essencial para a anatomia topográfica, a qual descreve a
obter o conhecimento de anatomia. posição relativa e a interação funcional de órgãos e estruturas de
A anatomia sistêmica relaciona-se com “sistemas”, ou seja, várias regiões do corpo e requer um amplo conhecimento prático
com estruturas e órgãos que desempenham uma função comum. da anatomia sistêmica. Juntas, as anatomias sistêmica e topográfica
O sistema respiratório, por exemplo, responde pela troca de gases, constituem a base da prática clínica.
ao passo que o sistema nervoso recebe, traduz, transmite e reage a As tecnologias modernas, como raios X, ultrassom, tomografia
estímulos. Pode-se comparar diferenças entre espécies individuais, computadorizada e tomografia por ressonância magnética, exigem
de modo que, de um ponto de vista anatômico, o ensino de “anato- do profissional um conhecimento mais abrangente da anatomia to-
mia sistêmica” também representa uma anatomia comparada, de pográfica, o qual é obtido por meio do estudo de imagens seccio-
preferência limitada a mamíferos e aves domésticas. nais do corpo. A anatomia seccional indica uma nova direção no
A aquisição de um conhecimento aprofundado da anatomia ensino e na pesquisa sobre anatomia veterinária, de modo que uma
sistêmica é de extrema importância para estudantes, pois propicia obra atual estaria incompleta sem ela.
Fig. 1.8 Ilustração em cores da cavidade torácica de um equino. (Fonte: a partir do atlas integrante do Manual de anatomia comparada dos
mamíferos domésticos; Ernst Friedrich Gurlt, Berlim, 1860.)
Fig. 1.9 Vascularização do casco de um equino. (Fonte: a partir do atlas de Leisering, Anatomia dos cavalos e de outros animais domésticos;
Wilhelm Ellenberger em cooperação com Hermann Baum, Leipzig, 1899.)
Lateral
Medial
l
Dorsal rsa
sve
Rostral tran
no
Ventral Pla Cr
Dorsal
an
ial
Caudal
Plano horizontal
Ventral
Proximal
Plano horizontal
Cranial Caudal Plano transversal
Medial
Plano transversal
Lateral
Dorsal
Plano sagital
Dorsal
Plantar
Plano
Palmar
trans
versa
l
Plano mediano
Distal
Fig. 1.10 Designações para a posição e a direção do corpo animal (representação esquemática). (Fonte: com base em dados de Dyce, Sack e
Wensing, 2002.)
Construção do esqueleto
1
Matriz conjuntiva do esqueleto
Todos os componentes do sistema esquelético se desenvolvem
a partir da lâmina mesodérmica embrionária (mesoderma).
No início do desenvolvimento embrionário, o mesoderma se dife-
rencia em três tipos de tecido conjuntivo: embrionário, reticular e
fibroso. Esses tecidos consistem em:
células (p. ex., fibrócitos);
espaços intercelulares preenchidos com fluidos;
componentes fibrosos (colágeno e elastina).
1
Cartilagem articular
Epífise proximal Epífise proximal
Disco epifisário Disco epifisário
proximal proximal
Osso esponjoso
Metáfise proximal
Osso esponjoso
Osso compacto
Osso compacto
Diáfise
Diáfise
Periósteo
Osso compacto
Cavidade medular
Osso esponjoso
Metáfise distal
Osso esponjoso
Disco de crescimento distal
Disco epifisário distal
A B Epífise distal
Epífise distal
Cartilagem articular
Fig. 1.12 (A) Secção sagital de um osso longo após maceração; (B) secção sagital de um osso sem tratamento, mostrando a cartilagem articular e
a medula óssea vermelha.
parece com uma esponja ossificada, com poros delicados (substan- geral da topografia dos ossos, de forma a permitir uma comparação
tia spongiosa; Fig. 1.13 e Fig. 1.14). Os ossos longos formam entre as espécies. Cada osso será descrito de maneira aprofundada
a base dos membros, como o úmero (humerus), a tíbia (tibia) e os nos capítulos seguintes.
ossos metacarpais (ossa metacarpalia).
Os ossos curtos podem se apresentar de diferentes formas: ci-
Arquitetura óssea
líndricos, cuboides ou arrendondados. Em seu interior, eles apre-
sentam um entrelaçamento extenso de tecido ósseo esponjoso, no O tecido ósseo confere aos ossos a sua grande estabilidade. Contu-
qual está presente o tecido hemorreticular. Os ossos da coluna ver- do, esse tecido não é grande e homogêneo, de modo que cada osso
tebral e das articulações do tarso são exemplos de ossos curtos. apresenta uma arquitetura própria, influenciada por:
Os ossos planos e largos são compostos por duas camadas estrutura do osso compacto (substantia compacta);
ósseas compactas (tabulae) ao redor de tecido ósseo esponjoso organização do osso esponjoso (substantia spongiosa);
(diploe) ou de cavidades aeradas (sinus). A escápula, o osso ilíaco forma da cavidade medular central (cavum medullare);
e as costelas inserem-se nesse grupo. Alguns ossos do crânio são princípios de tensão (tração) e compressão (pressão);
planos e envolvem cavidades de ar (ossa pneumatica). Eles se for- formação de trajetórias de tensão;
mam pela reabsorção de substância óssea e são revestidos por uma pressões de curvatura (tensão de cisalhamento) sobre o osso.
mucosa. Como exemplos, tem-se as maxilas e o etmoide.
Entre os exemplos de ossos irregulares, encontram-se os ossos A superfície do osso é composta por lamelas compactas, as quais
do crânio em formato de cunha: os ossos esfenoide, pré-esfenoide formam a base óssea, denominada substância compacta. Essa ca-
e basisfenoide. Os ossos sesamoides (ossa sesamoidea) se encon- mada sólida envolve a substância esponjosa, uma trama delicada
tram próximos às articulações (i.e., articulações do pé) e situam-se de trabéculas e lamelas ósseas. As trabéculas e lamelas se orga-
sob o tendão ou em sua base (i.e., patela) (Fig. 1.33). nizam em um padrão de linhas de pressão, que se formam em
A apófise (processo) é a protuberância óssea que se desen- resposta a fatores mecânicos externos, ou seja, as forças máximas
volveu a partir de um centro independente de ossificação. Essa de tensão e compressão sobre o osso. As linhas de pressão podem
estrutura propicia locais de fixação para músculos e ligamentos. ser trajetórias de tensão ou compressão. O conjunto de curvas de
Um exemplo é o processo espinhoso vertebral ou o trocanter maior trajetórias de tensão apresenta linhas paralelas umas às outras, as-
no fêmur. Os ossos viscerais não estão relacionados com o sistema sim como ocorre com as trajetórias de compressão. Esses dois tipos
locomotor. Eles são encontrados no pênis de gatos e cães ou no de trajetórias de pressão sempre se cruzam, formando ângulos retos
coração bovino. (construção de trajetórias). Pode-se distinguir entre:
As Figs. 1.25 a 1.29 mostram esquematicamente os esquele- túbulos ósseos (substantia tubulosa);
tos dos animais domésticos abordados neste livro: gato, cão, suíno, trabéculas ósseas (substantia trabeculosa);
bovino e equino. O objetivo das ilustrações é propiciar uma visão lamelas ósseas (substantia lamellosa; Fig. 1.13 e Fig. 1.14).
Osso esponjoso
Trabéculas
Cavidade medular
Fig. 1.13 Constituição da parede de um osso longo, mostrando o Fig. 1.14 Secção transversal de osso lamelar.
osso compacto e trabecular.
A pressão que ocorre sobre a diáfise dos ossos longos não afeta a Endósteo e periósteo
sua estabilidade, porém leva a forças de tensão sobre a face con-
vexa do osso e a forças compressoras sobre a sua face côncava. Os ossos são recobertos interna e externamente por membranas de
No centro, as duas forças se anulam, e a força resultante é irrisória. tecido conjuntivo chamadas de endósteo e periósteo, respectiva-
Portanto, não é necessário que o osso contenha estruturas resis- mente. O endósteo reveste a cavidade medular e cobre a substância
tentes à pressão em seu centro: o formato ideal de osso é um tubo esponjosa, criando, assim, uma barreira entre o osso ou a substância
longo e oco, com paredes reforçadas, como a diáfise. esponjosa e a medula óssea (Fig. 1.17). O periósteo cobre a face
Em vez de apresentar uma substância esponjosa, como nas epí- externa do osso, porém não é encontrado nas faces articulares e onde
fises, a diáfise envolve a cavidade medular (cavum medullare), se fixam os tendões e ligamentos. Ao se aproximar das articulações,
na qual a substância compacta é reforçada com camadas mais es- o periósteo se separa da face do osso e se combina com a cápsula
pessas de osso lamelar (Fig. 1.12). A cavidade medular contém articular. Na extremidade oposta da articulação, o periósteo deixa
a medula óssea vermelha, na qual as células sanguíneas são pro- a cápsula e liga-se novamente à face do osso adjacente. Nas inter-
duzidas (hematopoiese), o que classifica o osso como um órgão secções entre osso e cartilagem, como na costela, por exemplo, o
hematopoético. periósteo se estende sobre a cartilagem como pericôndrio.
Os ossos são construídos para obter o máximo de força e es- O periósteo é necessário não apenas para a irrigação sanguínea,
tabilidade com o mínimo de material e peso. A arquitetura óssea o crescimento, a regeneração e a restauração de fraturas, mas tam-
fornece os pré-requisitos ideais: o tubo oco apresenta forte resis- bém para a transferência de força muscular ao osso. O periósteo é
tência à pressão, ao passo que a substância esponjosa economiza composto por duas partes:
material e lhe confere leveza. A espessura da diáfise se adapta camada (também denominada estrato) celular osteogênica
à tensão máxima sofrida pelo osso. As paredes mediais dos os- interna (stratum osteogenicum, anteriormente chamado de
sos dos membros suportam um peso maior e, portanto, são mais stratum cambium);
espessas que as paredes externas. Os ossos planos, como a es- camada protetora externa fibrosa (stratum fibrosum).
1
Cartilagem da
epífise proximal da Estrutura inicial do
falange média disco intervertebral
Epífise do corpo
Zona de ossificação vertebral
condral
Cavidade medular
primária Cavidade medular
secundária com
medula óssea
vermelha
Papila sinovial Periósteo com
camada osteogênica
e camada fibrosa
Cavidade articular
Osso navicular
Falange distal
Fig. 1.15 Falange média de um embrião de um equino (corte Fig. 1.16 Vértebras de embrião (corte histológico, coloração de
histológico, coloração de Azan). Azan).
cartilaginoso e o calo ósseo, e o estímulo mecânico prolongado diretamente sobre a fenda, reunindo as duas extremidades do osso.
do periósteo pode levar à formação de saliências ósseas (exostoses Quando os limites estão muito distantes, ocorre a cicatrização
ou sobreossos). óssea secundária. O tecido conjuntivo fibroso inicialmente une a
A camada externa é formada por tecido conjuntivo denso, fratura, formando um calo maleável. O calo se ossifica por meio de
mesclado com fibras elásticas, a camada fibrosa ( Fig. 1.16 e mineralização, até que, após um longo processo de reorganização,
Fig. 1.17), que apresenta grande resistência a forças de pressão. forma-se um osso compacto.
Dessa camada, irradiam-se as fibras colágenas (fibras penetran-
tes), que a ligam às lamelas externas da matriz óssea (fibras de Vascularização sanguínea e nervosa dos ossos
Sharpey). Essas fibras conectam firmemente o periósteo à face ós-
sea. A camada fibrosa também é responsável pela conexão do osso Os ossos são tecidos extremamente vascularizados, o que ressal-
a músculos, tendões e ligamentos. No local de conexão, as fibras ta a sua importância metabólica. Uma rede concentrada de vasos
do tendão ou ligamento se ramificam na camada fibrosa e, prosse- sanguíneos irriga não apenas o tecido ósseo, mas também a medula
guindo na forma de fibras de Sharpey, unem-se fortemente ao osso. óssea, o periósteo e o endósteo. Traumas ou fraturas ósseas podem
O endósteo ( Fig. 1.17) é composto por uma única cama- interromper a vascularização, podendo acarretar morte do tecido
da de células osteoprogenitoras inativas (de revestimento ósseo) (necrose óssea) em casos extremos.
achatadas, as quais podem se diferenciar em células de formação A vascularização dos ossos é possível por meio de uma dis-
óssea (osteoblastos) ou células de reabsorção óssea (osteoclas- tribuição sistemática de vasos sanguíneos. As artérias nutrícias
tos). O endósteo delimita a rede capilar da medula óssea e, assim (aa. nutriciae) ramificam-se das artérias maiores dos membros e
como o periósteo, é capaz de produzir tecido ósseo (potencial penetram os ossos longos pelas aberturas (foramina nutritia) na
osteogênico). diáfise. Elas alcançam a cavidade medular após atravessarem a ca-
mada compacta, onde se dividem em vários ramos ascendentes e
Regeneração óssea descendentes que irrigam as epífises e as metáfises proximais e dis-
tais (Fig. 1.23). Nas epífises, os vasos formam artérias com ex-
As células osteoprogenitoras no periósteo e no endósteo são res- tremidades em forma de laço, que ultrapassam a epífise do osso
ponsáveis pelos processos de regeneração do tecido ósseo. Duas subcondral para irrigar a zona calcificada da cartilagem da articu-
condições são necessárias para a regeneração: 1) a existência de lação. A partir da cavidade medular, os vasos sanguíneos irrigam
células mesenquimais; e 2) a proliferação de células precursoras a substância compacta do osso por meio dos canais de Volkmann
de osteoblastos. Um tecido novo cobre o espaço resultante de uma (ver a seguir). O osso esponjoso não apresenta vasos sanguíneos,
fratura. e sua vascularização ocorre pela difusão a partir da medula óssea.
A cicatrização óssea primária ocorre quando praticamente O retorno venoso ocorre através do sistema axial da medula óssea.
não há movimento entre as bordas da fratura e elas estão separadas O tecido ósseo não contém vasos linfáticos. Um emaranhado de
por pequenas fendas. Além disso, existe formação de osso lamelar vasos linfáticos está presente apenas no periósteo. O tecido ósseo,
1
Vaso sanguíneo no canal
central (de Havers)
Endósteo
Ósteon
Lamelas circunferenciais
internas
Lamelas circunferenciais
externas
em si, não é sensível à dor. Fibras nervosas vegetativas isoladas após os princípios fisiológicos de formação e reabsorção óssea;
seguem o caminho dos vasos sanguíneos dentro dos canais centrais para mais informações, ver “Osteogênese”, a seguir.
(de Havers).
Osteogênese
Ossos como órgãos
Durante o desenvolvimento fetal, forma-se um esqueleto precur-
O osso forma um sistema orgânico, o qual é composto pelas se- sor de cartilagem, que fornece sustentação e estabelece um for-
guintes partes: mato (esqueleto primordial) para o feto durante a etapa de cresci-
elementos ossificados; mento. Até a ossificação, esse esqueleto sofre rápidas sucessões de
cartilagem articular (quando presente); divisão mitótica, que, por fim, determinarão o crescimento e a con-
periósteo e endósteo; formação do organismo inteiro. Na maioria dos casos, cada peça do
medula óssea; esqueleto primordial atua como um marcador do lugar onde irá se
tratos nervosos. desenvolver o tecido ósseo, que, por fim, substituirá a cartilagem.
A formação do osso é influenciada positivamente por mediado-
A arquitetura óssea e sua matriz extracelular (material orgânico e res indutivos (proteína morfogenética óssea, fatores mitogênicos).
inorgânico) fornecem os componentes estabilizadores do sistema Em um determinado estágio de desenvolvimento, a cartilagem do
passivo de locomoção, estabilidade e suporte. A organização das fi- esqueleto primordial sofre uma lenta remodelagem. Pouco a pou-
bras de colágeno I, a matriz interfibrilar mineralizada e a estrutura co, a cartilagem é reabsorvida e, finalmente, substituída por os-
do tecido ósseo são extremamente importantes para a estabilização sos. Esse processo é chamado de ossificação condral ou indireta.
desse sistema. Os ossos fetais novos são chamados de imaturos ou reticulares,
Um osso consegue suportar a aplicação de pressão mecânica, devido à estrutura desorganizada das trabéculas. Por fim, os ossos
peso corporal, força muscular ou aceleração. Essas forças atuam reabsorvidos e imaturos são substituídos pelo osso lamelar ma-
na forma de compressão, tração, carga, torque e cisalhamento e, duro. A maioria dos ossos adultos (i.e., as vértebras e os ossos dos
dentro de determinado limite, não resultam em fratura. Ao contrá- membros) é formada por meio de ossificação condral.
rio da aplicação intermitente de força, um osso que experimenta A substituição de cartilagem por tecido ósseo se inicia durante
uma carga contínua de força se atrofia. Em contrapartida, o osso se o período fetal intermediário em locais chamados de centros de
hipertrofia quando experimenta uma força tensora constante. ossificação primários. Em alguns ossos, esse processo se comple-
A arquitetura do tecido ósseo será sempre regida pela demanda ta apenas quando o animal atinge maturidade física. Radiografias
funcional. As estruturas ósseas compactas e esponjosas adaptam- de animais adolescentes costumam apresentar cartilagem residual
-se continuamente a alterações de forças biomecânicas. O endósteo que ainda não foi ossificada, o que pode levar a diagnósticos falsos
é responsável por induzir tais alterações estruturais que ocorrem caso esse fato não seja levado em consideração.
1
Vaso sanguíneo
no canal central
(de Havers)
Osseína com
Lamelas concêntricas fibras de colágeno
Osteócitos Osteócito
Célula precursora
Vaso sanguíneo no
canal central (de Havers)
com hemácias
Osteoblasto
Lamelas intersticiais
Osteoide
1
Osteócito
Osseína
Osteoblasto
Osteoclasto
Osteoide
Vaso capilar
Osseína
Tecido
conjuntivo mole
Vaso sanguíneo
capilar Osteoblasto
Osteoblastos
com osteoide
Osseína
Osteócito
Fig. 1.20 Ossificação intramembranosa, com capilar central Fig. 1.21 Ossificação intramembranosa, com osteoblastos,
em tecido conjuntivo mole com osteoblastos e osteócitos (corte osteoide e osseína (corte histológico, coloração de Goldner).
histológico, coloração de hematoxilina e eosina).
no centro da diáfise e resulta na formação de um revestimento ós- A medula óssea (medulla ossium), situada nas cavidades me-
seo, o colar periosteal. A ossificação do pericôndrio se estende em dulares de ambas as epífises e entre as trabéculas da substância
direção às extremidades do osso, as epífises. Assim, o pericôndrio esponjosa, torna-se permanentemente um órgão hematopoético
se transforma em periósteo. A ossificação pericondral leva ao de- ( Fig. 1.12). Em indivíduos adultos, a medula óssea vermelha
senvolvimento do periósteo dos ossos longos. da diáfise é substituída gradualmente por gordura (medulla os-
A formação do periósteo mecanicamente inibe o metabolis- sium flava), que é novamente transformada em medula gelatinosa
mo da cartilagem hialina, basicamente forçando a calcificação (medulla ossium gelatinosa) em animais senis ou pode se formar
da matriz de cartilagem. Ao mesmo tempo, os vasos sanguí- prematuramente em animais doentes.
neos infiltram-se através do colar periosteal e invadem a cartila-
gem calcificada. As células que removem a cartilagem existente, Ossificação endocondral
os condroclastos, se inserem na matriz calcificada por meio da Entre a diáfise e cada epífise de um osso longo permanece uma
proliferação de vasos sanguíneos, com a subsequente reabsorção área de cartilagem calcificada, as metáfises proximal e distal.
da cartilagem restante. Os condroclastos deixam espaços vazios, As duas metáfises fazem limite em cada extremidade do osso com
que logo se preenchem com tecido conjuntivo e vasos capilares, uma área de ossificação endocondral distinta, chamada de placas
que transportam não apenas nutrientes, mas também as substâncias epifisárias de crescimento (cartilago epiphysialis) (Fig. 1.12).
necessárias à construção do novo tecido ósseo. Os osteoblastos As placas epifisárias têm grande importância, pois são responsá-
também alcançam a cavidade medular por meio desses vasos e veis pelo crescimento longitudinal dos ossos.
começam a formar tecido ósseo de dentro para fora (ossificação O colar periosteal envolve o osso e, na área da metáfise, inibe
endocondral). O processo contínuo de reabsorção óssea e substi- o crescimento radial da cartilagem. Os condrócitos se proliferam
tuição da matriz resulta no desenvolvimento da cavidade medular por mitose e hipertrofia, organizando-se em colunas que refletem o
primária, a qual é preenchida com uma estrutura óssea semelhante seu desenvolvimento progressivo (Fig. 1.22 e Fig. 1.24). Essa
a uma esponja parcialmente ossificada (desenvolvimento da subs- organização é a base para o crescimento longitudinal da cartila-
tância esponjosa). gem, necessário para o crescimento ósseo.
A cavidade medular secundária (cellulae medullares; A ossificação endocondral da cartilagem metafisária ocorre em
Fig. 1.16), dotada de várias câmaras, é formada quando o tecido diversas zonas (Fig. 1.22 e Fig. 1.24). Os condrócitos justa-
conjuntivo na cavidade medular primária se diferencia em tecido postos às placas epifisárias situam-se espalhados pela cartilagem
hemorreticular, responsável pela produção de células sanguíneas hialina e não se dividem (zona de condrócitos em repouso)
(hematopoiese). Isso ocorre durante os estágios finais do desen- (Fig. 1.22). Adjacente a essa zona, na direção da cavidade medu-
volvimento fetal. O recém-formado tecido hemorreticular é chama- lar, encontra-se a zona de proliferação, onde os condrócitos se di-
do de medula óssea vermelha (medulla ossium rubra). videm ativamente. A influência mecânica do colar periosteal força
1
Condrócito Zona de condrócitos
inativos
Tecido cartilaginoso
(cartilagem hialina)
Zona de proliferação
Zona de condrócitos
em amadurecimento
Zona de condrócitos
hipertrofiados
Condrina calcificada
Condroclasto Zona de destruição
Osteoblasto
Osteoclasto
Zona de calcificação
Osteoide
Osseína
Fig. 1.22 Processo de reconstrução estrutural durante a ossificação condral em um osso longo (representação esquemática).
os condrócitos em amadurecimento na zona seguinte (zona de tecido conjuntivo ossificado. Durante o desenvolvimento fetal,
condrócitos em amadurecimento) a formarem colunas evidentes, cada osso consiste inicialmente em osso reticular, e apenas após o
e eles começam a se degenerar. Esse processo caracteriza-se pelo nascimento é substituído lentamente pela forma mais complexa de
aumento de volume devido à captação de água e pela calcificação osso lamelar. No entanto, alguns ossos reticulares são permanentes.
da substância intercelular (zona de condrócitos hipertrofiados). Por exemplo, o labirinto ósseo na orelha, o meato acústico externo
Com o avanço da calcificação, os condroclastos, por meio de e os locais de fixação dos músculos nos ossos longos.
enzimas, provocam a erosão da cartilagem calcificada restante O osso lamelar (maduro) se caracteriza pela distribuição de
(zona de destruição) (Fig. 1.22 e Fig. 1.24). Os condroclastos camadas paralelas ou concêntricas de fibras de colágeno, denomi-
penetram nessa zona através dos vasos capilares e do tecido con- nadas lamelas. A maioria dos ossos do animal adulto é composta
juntivo da cavidade medular e chegam até a zona de calcificação. por ossos lamelares, os quais formam os ossos longos e os ossos
Na demarcação entre as zonas de destruição e de calcificação, o curtos e planos. A unidade estrutural do osso lamelar é o ósteon
processo de reabsorção de cartilagem está completo. Na zona final, (sistema de Havers).
a matriz intercelular fica saturada com minerais, e a ossificação Cada ósteon (Fig. 1.17) constitui uma série de anéis concêntri-
está completa (zona de calcificação). cos, compostos por camadas de matriz óssea ao redor de um canal
Os vasos sanguíneos invasores também permitem que os osteo- central (de Havers), através do qual correm um vaso sanguíneo
blastos secundários penetrem a zona de destruição. Essas células (vaso sanguíneo de Havers), vasos linfáticos e nervos. As fibras de
produzem uma nova matriz (osteoide) por meio da ossificação in- colágeno na matriz de cada camada são dispostas em forma helicoi-
tramembranosa. No final, o jovem osso reticular é substituído por dal e orientadas no ângulo oposto ao da camada anterior. Os óste-
um osso lamelar maduro (ver a seguir). ons são conectados através de estruturas ósseas transversais, crian-
do uma construção que permite ao osso resistir a forças tensoras e
Tipos de tecidos ósseos compressoras (Fig. 1.17, Fig. 1.18 e Fig. 1.19). As células ós-
seas (osteócitos) situam-se entre as lamelas concêntricas (lamelas
Há dois tipos de tecido ósseo: osso reticular (os membranaceum de Havers) (Fig. 1.18) que envolvem o canal central (de Havers).
reticulofibrosum) e osso lamelar (os membranaceum lamellosum). Elas permanecem em contato por meio de processos longos dispos-
Do ponto de vista evolutivo, o osso reticular (fibroso, imaturo) é tos radialmente a partir do plasma celular, que realiza anastomose
visto como o primeiro, de modo que é filogeneticamente a mais dentro dos canalículos ósseos (canaliculi ossei) com processos de
antiga forma de osso, sendo classificado, com frequência, como células vizinhas (Fig. 1.18).
1
Zona de
proliferação
Zona de condrócitos
Laços capilares em amadurecimento
na epífise
Zona de condrócitos
hipertrofiados
Vasos de irrigação
centrais (aa. nutriciae) Zona de
destruição
Diáfise
Laços capilares na
cavidade medular Zona de
calcificação
Cavidade articular
Fig. 1.23 Vascularização de um osso longo, no caso, a primeira Fig. 1.24 Corte histológico através da epífise de um osso longo,
falange, de um equino (plastinação injetada). (Fonte: cortesia de H. mostrando a ossificação condral (coloração de Azan).
Obermayer, Munique.)
Esse sistema permite o transporte de substâncias entre os vasos Todos os ossos são sujeitos permanentemente a essas altera-
sanguíneos no canal central (de Havers) e a matriz óssea, sendo es- ções adaptativas. Alterações nas forças fisiológicas de compres-
sencial para a nutrição dos osteócitos. Os vasos sanguíneos centrais são, tensão e cisalhamento conduzem rapidamente a processos de
nos ósteons se comunicam com o periósteo, o endósteo e a cavida- remodelação. Os membros, as vértebras e os ossos pélvicos expe-
de medular pelos vasos perfurantes (de Volkmann) transversais rimentam alterações estruturais mais intensas em comparação aos
(Fig. 1.17). Por meio dessa intensa rede de vasos sanguíneos, o ossos do crânio, por exemplo.
osso se torna um tecido altamente vascularizado. O tecido ósseo compacto se desenvolve em relação direta à
Os ossos reagem a alterações de forças estáticas e mecânicas quantidade de estresse fisiológico que ele precisa suportar. O cór-
por meio da adaptação de sua arquitetura interna. Os ósteons su- tex (substantia corticalis) dos ossos longos é mais espesso na diá-
pérfluos são destruídos, e seus fragmentos remanescentes formam fise, pois é onde as maiores forças atuam. As epífises não são sujei-
ossos intersticiais ou lamelas (Fig. 1.17). tas a forças extremas e são onde o córtex se torna progressivamente
Camadas de lamelas formam a circunferência externa do osso, mais fino (Fig. 1.12). Fisiologicamente, forças de tração perma-
diretamente sob o periósteo (lamelas circunferenciais exter- nentes levam ao espessamento do osso onde elas se manifestam
nas). As lamelas circunferenciais internas fazem limite com a com maior intensidade, como, por exemplo, no ponto em que os
cavidade medular, e o endósteo recobre a camada mais interna
tendões se ligam ao osso.
(Fig. 1.17). As fibras de colágeno (fibras de Sharpey, fibrae
Outra função importante dos ossos é armazenar cálcio e fos-
perforantes) sustentam o periósteo nas lamelas circunferenciais
fato. Os ossos esponjosos (substantia spongiosa) armazenam de-
externas. Essas fibras colágenas se originam em tendões que ligam
pósitos de cálcio, que podem ser descarregados rapidamente no
o músculo ao osso e são essenciais para a transmissão da força ge-
fluxo sanguíneo para a manutenção de funções vitais necessárias.
rada no músculo para o osso.
O metabolismo de cálcio e fósforo é regulado por mecanismos en-
dógenos e exógenos.
Funções ósseas O hormônio paratireóideo, excretado pela glândula parati-
Ossos e cartilagem compõem a estrutura de sustentação e proteção reoide, ativa os osteoclastos, aumentando, assim, a quantidade de
do corpo. Eles não apenas asseguram a locomoção, mas protegem cálcio no sangue, ao mesmo tempo que reduz a excreção de cálcio
os órgãos de tecido mole nas regiões torácica e pélvica e o sistema pelos rins. Juntamente à vitamina D3 (1,25-di-hidroxicolecalcife-
nervoso central (SNC). Os ossos contêm a medula óssea vermelha, rol), o hormônio paratireóideo intensifica a reabsorção de cálcio
responsável pela geração de componentes sanguíneos (hemato- nos intestinos. As células C da glândula tireoide produzem um
poiese), e armazenam cálcio e fosfato (Fig. 1.12). Portanto, as hormônio, a calcitonina, que ativa os osteoblastos e antagoniza
três funções principais do esqueleto são: sustentação, proteção o hormônio paratireóideo. Os osteoblastos formam ossos e, por-
e metabolismo. Juntas, essas funções influenciam a estrutura de tanto, armazenam cálcio automaticamente, reduzindo a quantidade
cada osso esquelético e, consequentemente, a arquitetura do cor- deste em circulação no corpo. O crescimento dos ossos também
po inteiro. A estrutura óssea se adapta a exigências mecânicas por é influenciado de forma positiva pelos hormônios somatotrófico
meio de alterações no metabolismo. Esse processo de adaptação (STH), adrenocorticotrófico (ACTH) e tireotrófico (TSH), bem
envolve a contínua reabsorção e a sedimentação de material ósseo. como pelos hormônios sexuais masculinos e femininos.
Pelve
Fêmur Escápula
Clavícula
Patela Úmero
Fíbula
Tíbia
Ossos tarsais Rádio
Ulna
Ossos metatarsais
Ossos carpais
Falanges Ossos metacarpais
Falanges
Osso sacro
Vértebras torácicas
Vértebras
lombares
Vértebras caudais
Escápula
Pelve
Fêmur
Úmero
Patela
Fíbula
Rádio
Tíbia
Ulna
Ossos tarsais
Ossos metatarsais Ossos carpais
Ossos metacarpais
Falanges
Falanges
Pelve
Fêmur
Patela
Tíbia
Escápula Fíbula
Úmero
Rádio Ossos tarsais
Ulna
Ossos carpais Ossos metatarsais
Ossos metacarpais
Falanges Falanges
Vértebras cervicais
Vértebras torácicas Vértebras lombares Vértebras caudais
Pelve
Fêmur
Patela
Escápula
Fíbula
Úmero
Tíbia
Ulna
Rádio
Ossos tarsais
Ossos carpais
Falanges Falanges
1
Vértebras cervicais
Tórax
Osso sacro
Vértebras torácicas
Vértebras lombares
Vértebras caudais
Pelve Escápula
Fêmur
Úmero
Patela
Fíbula
Ulna
Tíbia
Rádio
Ossos tarsais
Ossos metacarpais
Falanges
Falanges
fibras colágenas fixam a cartilagem articular ao osso e são, em sua Quantidade de ossos que compõem a articulação:
maioria, calcificadas. Essa estrutura garante uma forte fixação da articulações simples (articulatio simplex), envolvendo apenas
cartilagem articular ao osso. dois ossos (p. ex., articulação do ombro);
Sob a cartilagem articular, está a placa óssea subcondral, que articulações compostas (articulatio composita), envolvendo
inclui partes da cartilagem articular calcificada e uma camada de mais de dois ossos (p. ex., articulação do punho).
osso lamelar (Fig. 1.33). Essa placa (corticalis) sustenta as fun-
Tipo de movimento permitido pela articulação (Fig. 1.34):
ções dinâmicas da articulação, atua como um amortecedor, prote-
articulações uniaxiais:
gendo a cartilagem de forças axiais, e promove o suprimento meta-
articulação em dobradiça ou gínglimo (ginglymus): o
bólico das camadas cartilaginosas mais profundas.
eixo da articulação é perpendicular ao eixo longo dos ossos
O metabolismo da cartilagem articular é anaeróbio. Os nutrien- (p. ex., cotovelo ou articulação tibiotarsal);
tes chegam até a cartilagem geralmente por meio de difusão bra- articulação trocóidea ou pivô (articulatio trochoidea):
ditrófica. Em menor grau, os nutrientes também podem alcançar a o eixo da articulação é paralelo ao eixo longo dos ossos
cartilagem a partir da sinóvia articular ou dos vasos sanguíneos da (p. ex., articulação atlantoaxial entre a 1ª e a 2ª vértebras
medula óssea. O conteúdo elevado de proteoglicanos propicia uma cervicais);
alta capacidade de ligação com moléculas de água, o que facilita o articulações biaxiais:
transporte intracondral de metabólitos. articulação selar (articulatio sellaris): por exemplo, entre
extracapsulares. Algumas articulações contêm estruturas fibro- plo, articulação atlantoccipital entre o osso occipital e a 1ª
cartilaginosas (meniscos articulares na articulação do joelho, vértebra cervical;
discos articulares na articulação mandibular), que servem para articulações multiaxiais:
estabilizar a articulação ou compensar as faces articulares desa- articulação esferóidea ou de “bola e soquete” (articula-
linhadas. O tecido adiposo também contribui para formar depó- tio sphaeroidea): por exemplo, articulação do ombro ou
sitos intra-articulares, os quais promovem maior amortecimento. coxofemoral;
As articulações sinoviais podem ser classificadas conforme as suas articulações rígidas (anfiartrose): por exemplo, articulação
características. sacroilíaca.
Ângulo ventral
da escápula
Cartilagem articular
Cavidade articular
Cabeça do úmero
Fig. 1.30 Cavidade articular formada pelas extremidades da escápula e do úmero em um cão (secção longitudinal, plastinação).
Forma das faces articulares: articulação em espiral (articulatio spiralis): os ligamentos co-
articulação esferóidea ou “bola e soquete” (articulatio laterais se ligam de forma excêntrica, distais ao eixo de rotação
sphaeroidea): por exemplo, articulação do ombro ou coxofemoral; (os ligamentos são mais curtos na posição neutra; durante a ex-
articulação cotílica (articulatio cotylica): uma articulação es- tensão ou flexão, a tensão nos ligamentos aumenta, cessando
feróidea em que a cavidade glenoidal (soquete) cobre mais da lentamente a locomoção; p. ex., a articulação do joelho equino);
metade da esfera articular (bola), como, por exemplo, a articula- articulações planas (articulationes planae): uma articulação
ção coxofemoral aviária; deslizante, como, por exemplo, as articulações entre os proces-
articulação elipsóidea (articulatio ellipsoidea): por exemplo, sos articulares das vértebras;
entre o osso occipital e a 1ª vértebra cervical; articulações incongruentes: articulações em que as faces ar-
articulação selar (articulatio sellaris): por exemplo, as articu- ticulares não correspondem, como se observa na articulação
lações interfalângicas; femorotibial ou na articulação temporomandibular. Essa in-
articulação condilar ou cilíndrica (articulatio condylaris): por congruência é equalizada com discos fibrosos, os meniscos na
exemplo, a articulação femorotibial. articulação femorotibial e os discos articulares na articulação
temporomandibular.
As articulações também podem ser classificadas conforme as suas
características funcionais:
articulação em dobradiça (gínglimo): por exemplo, articula-
Nota clínica
ção do cotovelo;
articulação em parafuso (articulatio cochlearis): por exem- Uma redução na amplitude passiva de movimento de uma articula-
plo, articulação do jarrete nos equinos; ção é conhecida como contratura articular. As causas de contratura
articulação em mola: uma articulação elástica e, ao mesmo articular incluem imobilização prolongada ou falta de uso da articu-
lação. A dor intensa associada à derrame articular ou a fragmentos
tempo, em dobradiça e parafuso, na qual os ligamentos colate-
ósseos livres pode causar uma diminuição repentina na mobilida-
rais se posicionam de forma excêntrica sobre o eixo de torção
de articular. Entorses e luxações podem causar um alongamento
e proximal ao eixo da articulação (na posição neutra da articu- excessivo e a ruptura dos ligamentos, levando à instabilidade da
lação, os ligamentos colaterais sofrem a maior força tensional; articulação.
durante a extensão ou flexão, a tensão nos ligamentos diminui, Um aumento acentuado no volume do líquido sinovial (derra-
fazendo a articulação se deslocar para uma posição não neutra; me articular) se manifesta como edema da articulação. A dor é causa-
p. ex., a articulação do cotovelo equino); da pelo estiramento da cápsula articular, que estimula os receptores
articulação deslizante (articulatio delabens): por exemplo, ar- de dor na parede da cápsula.
ticulação femoropatelar;
Fig. 1.31 Vilosidades sinoviais em forma de filamentos em Fig. 1.32 Vilosidades sinoviais da cavidade articular, mostrando os
flutuação livre na sinóvia. (Fonte: cortesia do Dr. M. Teufel, Viena.) capilares injetados. (Fonte: cortesia do Dr. F. Teufel, Viena.)
Vilosidades sinoviais
Cápsula articular
Fig. 1.33 Articulação com ossos sesamoides e aparelho suspensório (representação esquemática).
1.4.2 Sistema muscular músculo estriado: pode ser dividido em musculaturas es-
quelética e cardíaca (ver obra sobre histologia para mais
(systema musculare) informações).
H.-G. Liebich e H. E. König A musculatura esquelética é a parte ativa do sistema locomotor.
Tradicionalmente, ela é denominada apenas como musculatura ou
Miologia (myologia) músculos (musculi). Os músculos esqueléticos são altamente vas-
cularizados e inervados por nervos cerebroespinais (sensoriais e
Em organismos filogeneticamente avançados, as células da ca- motores) e autônomos vegetativos (simpáticos e parassimpáti-
mada intermédia do embrião (mesoderma) se desenvolvem em cos), que, juntos, formam uma unidade funcional. Grandes exten-
células capazes de contração (somitos) e seus derivados. Essa po- sões de tecido conjuntivo, as fáscias ou aponeuroses, bem como
pulação celular se diferencia em tecido muscular, o qual transforma estruturas sinoviais, como bolsas e bainhas tendíneas, sustentam e
energia química em energia mecânica ou em calor. Pode-se distin- protegem os músculos em todas as suas funções.
guir entre dois tipos de tecido muscular conforme a sua morfolo- Os músculos fornecem a energia para movimentar a estrutu-
gia e função (Fig. 1.35 e Fig. 1.36): ra esquelética; as extremidades dos músculos sempre se inserem
tecido muscular liso: é responsável pelas funções contráteis em ossos ou cartilagens. Eles atuam como alavancas, resultando
dos órgãos internos, reveste os ductos excretores de glândulas e em movimento de partes corporais individuais ou de todo o or-
forma as paredes dos vasos sanguíneos e linfáticos; ganismo; ver também Capítulo 6, “Estática e dinâmica” (p. 309).
Os músculos também sustentam parte do peso corporal, ajudam a O contato entre músculo e nervo é alcançado por meio da placa
1 formar as paredes das cavidades torácica e abdominal e sustentam motora, uma forma especial de união sináptica. O impulso ner-
a atividade dos órgãos internos (p. ex., músculos respiratórios e voso é passado para a fibra muscular por um neurotransmissor
diafragma). (acetilcolina).
O músculo conta também com terminações nervosas senso-
Desenvolvimento, degeneração, regeneração riais, agrupadas como fusos musculares e envoltas em uma cápsu-
e adaptação das fibras musculares la. Esses mecanorreceptores fornecem informações sobre o tônus
muscular e o grau de tensão nos tendões e nas cápsulas articulares.
As células dos somitos da camada intermédia do embrião se di- Além disso, os fusos musculares são responsáveis por coordenar
ferenciam em células-tronco mesenquimais, formando, assim, movimentos e perceber espacialmente o posicionamento de par-
o início embrionário das células musculares. As células-tronco tes do corpo em relação umas às outras. Os órgãos tendíneos são
mesenquimais se diferenciam em pré-mioblastos e, então, em semelhantes a fusos musculares e funcionam como receptores para
mioblastos contráteis. Os mioblastos contêm proteínas, os fila- a tensão dentro do sistema músculo-tendão.
mentos de miosina e actina, responsáveis pela contratilidade da As paredes dos vasos sanguíneos e linfáticos intramusculares
célula. Essas proteínas assumem posições específicas no citoplas- são inervadas por ramificações simpáticas e/ou parassimpáticas
ma conforme o tipo de célula muscular, criando um estriamento do sistema nervoso autônomo, que assegura o suprimento adequa-
característico. As células vizinhas tendem a se fusionar, formando do de sangue e a drenagem linfática, necessários para manter o seu
células longas e cilíndricas multinucleadas, também chamadas de funcionamento.
fibras musculares, as quais, no animal adulto, podem alcançar até Cada ventre muscular individual é recoberto por uma bainha ex-
10 cm de comprimento e 100 μm de diâmetro. terna tensa de tecido conjuntivo fibroso, o epimísio, que prossegue
Uma determinada quantidade de células-tronco permanece como epitendão, envolvendo os tendões. O epimísio ou epitendão
inalterada como células satélites, as quais desempenham um pa- é visível a olho nu e separa os músculos vizinhos um do outro,
pel importante na regeneração muscular. Diversos fatores, como criando uma superfície lisa que permite o movimento sem atrito.
isquemia local, atrofia neural, lesão por pressão ou toxinas, podem Os grandes vasos e nervos que suprem os músculos se distribuem
causar uma degeneração local do músculo. A regeneração depende através do epimísio, e seus locais de entrada e saída do músculo se
da atividade e da quantidade de células satélites não danificadas. chamam hilos. Em um único músculo, grupos de células muscula-
A força de um músculo individual e a porcentagem ou volume de res são contidos no perimísio, composto de tecido conjuntivo in-
tecido muscular depende quase completamente do nível de treina- tramuscular, formando uma espécie de rede de unidades funcionais
mento. Imobilidade, ausência de exercício e interrupção do supri- menores (Fig. 1.36). Essa rede de fibras de colágeno forma um
mento neural atrofiam o músculo. Os músculos adquirem massa plexo, e as fibras permanecem em contato umas com as outras, a
(hiperplasia) por meio do fortalecimento das bainhas de tecido con- fim de coordenar as contrações musculares e fornecer um caminho
juntivo, da expansão da espessura de fibras e do aumento do fluxo para os nervos e vasos sanguíneos menores. Cada célula muscular
sanguíneo, todos alcançados por exercícios regulares. individual é envolta em uma delicada rede de fibrilas colágenas, o
endomísio. O endomísio forma uma trama que recobre as células
Arquitetura da musculatura do tecido conjuntivo, o plexo nervoso e os vasos sanguíneos me-
esquelética e dos tendões nores (Fig. 1.36). Essas bainhas são classificadas de acordo com
o tamanho dos fascículos que revestem em: fascículos primário,
Um músculo esquelético pode ser dividido em três partes gerais: secundário e terciário. Elas compõem uma unidade funcional e se
o ventre muscular contrátil e os tendões de origem e inserção. unem em cada extremidade do ventre muscular, prosseguindo até
Os tendões se unem a cada extremidade do ventre muscular e o tendão.
transferem a força gerada por contração do ventre para o esqueleto As diversas bainhas de tecido conjuntivo no músculo alongam-
(Fig. 1.37). Uma análise microscópica do músculo esquelético -se para além das extremidades do músculo e se unem para formar
parece apresentar faixas cruzadas ou estrias, que resultam da o tendão (tendo), uma ligação branca com o osso e semelhante
disposição paralela e regular dos filamentos de actina e miosina. a um cordão. A transferência de força muscular ao tendão ocorre
Os filamentos de actina e miosina, juntamente às bainhas de tecido na extremidade das fibras musculares, em que pequenos processos
conjuntivo e gordura armazenada, formam o tecido muscular. semelhantes a dedos se entrelaçam com os processos das fibrilas de
As células musculares se diferenciam conforme a quantidade colágeno dos tendões. Essa estrutura fortalece significativamente a
e a espessura de seus miofilamentos contráteis citoplasmáticos. conexão entre o tendão e o músculo. As fibras tendíneas correm em
Quando o citoplasma da célula muscular, o sarcoplasma, contém paralelo e variam quanto ao raio e ao comprimento (Fig. 1.37).
proporcionalmente mais miofilamentos, o músculo armazena me- Os tendões também são agrupados em fascículos (primários,
nos mioglobina e tem aparência pálida (tipo muscular branco). secundários e terciários) por meio da continuação das bainhas
Esse tipo de músculo leva à fadiga rapidamente, porém a sua força musculares, que são aqui referidas como epitendão e peritendão.
contrátil é imensa. O segundo tipo de músculo (tipo muscular ver- Essas bainhas são tensões de lâminas musculares que, devido à sua
melho) contém menos miofilamentos e, portanto, pode armazenar forma plana e larga, não apresentam um ventre e conectam-se por
mais mioglobina no sarcoplasma (i.e., em animais domésticos mais meio de expansões planas e finas de tecido conjuntivo (aponeuro-
velhos e em animais selvagens). Detalhes mais aprofundados acer- ses). As fibras dos cordões tendíneos e das aponeuroses orientam-
ca da contração muscular podem ser encontrados em publicações -se na mesma direção das forças mecânicas às quais estão sujeitas.
sobre fisiologia e histologia. Em comparação com o tecido muscular, os tendões exibem uma
A inervação do músculo ocorre por meio de conexões neuro- força tensora muito maior, devido ao seu alto conteúdo de coláge-
musculares. Juntos, o nervo e o músculo criam uma unidade fun- no e ao seu baixo conteúdo elástico.
cional. Cada fibra muscular é inervada por, no mínimo, um axônio Os tendões longos das regiões distais dos membros exibem
neural motor do sistema nervoso central (nervo cerebroespinal). uma grande elasticidade em todo o seu comprimento. Durante
1
Vasos sanguíneos
Célula muscular
Sarcolema
Placas conectoras
Núcleo
Nexo
Endomísio
Fig. 1.35 Músculo liso (representação esquemática). (Fonte: com base em dados de Liebich, 2004.)
Perimísio
Célula muscular
Vasos sanguíneos
Endomísio
Sarcolema
Miofibrila
Núcleo
Sarcolema
Sistema L
Sistema T
Miofibrila
Fig. 1.36 Músculo estriado (representação esquemática). (Fonte: com base em dados de Liebich, 2004.)
Epitendão
Vaso sanguíneo
Tendinócito
Miofibrila
Endotendão
Peritendão
Fig. 1.37 Tendão (representação esquemática). (Fonte: com base em dados de Liebich, 2004.)
1 Músculo plano
permeado por Músculo plano
tecido tendíneo com aponeurose
Esfíncter
Músculo orbicular
Músculos fusiformes
Fig. 1.38 Categorias de músculos esqueléticos de acordo com a disposição de suas fibras (representação esquemática). (Fonte: com base em
dados de Putz e Pabst, 1993.)
o movimento, a qualidade elástica dos tendões armazena ener- Um músculo peniforme apresenta fibras oblíquas à linha de for-
gia, absorve choques e funciona como mecanismo de suporte. ça gerada pelo músculo. A força máxima produzida por esse mús-
Um bom exemplo dessa elasticidade é o músculo interósseo médio culo é proporcional à área transversal total de todas as suas fibras.
(m. interosseus medius) do equino, um longo cordão fibroso mui- A secção transversa morfológica (anatômica) é a área de secção
to semelhante a um tendão. Na verdade, ele contém pouco tecido transversal de um músculo, perpendicular ao seu eixo ventral, em
muscular e funciona como um tendão. Quando o equino se movi- sua área mais espessa. A secção transversa fisiológica de um mús-
menta, esse tendão é esticado pela carga aplicada à perna, arma- culo representa a área da secção transversal de todas as fibras mus-
zenando energia na forma de tensão elástica. Durante a segunda culares perpendiculares ao eixo longitudinal de cada fibra. A for-
metade do passo, a carga de peso corporal sobre a perna diminui, e ça muscular depende da quantidade de fibras aparentes na secção
o tendão, que estava alongado e encurtado, libera a energia armaze- transversa fisiológica; quanto mais fibras, maiores a tensão e a for-
nada. Quando se aplica uma carga extrema sobre essa estrutura, ela ça máxima produzidas. A tensão exigida de um músculo depende
pode se alongar até o ponto em que a articulação metacarpofalângi- da secção transversa das fibras e do quanto o músculo se encurta
ca toca o chão a cada passo. durante a contração. Essa distância é proporcional à mudança do
Em seus locais de fixação, as fibras tendíneas continuam até o ângulo de inserção e ao comprimento dos fascículos de fibras mus-
periósteo ou pericôndrio na forma de fibras de Sharpey. A fixa- culares. A potência de um músculo é a velocidade de contração.
ção pode abranger uma ampla face do osso ou pode estar limitada a Dentro de um ventre muscular forte, as fibras musculares
um único ponto, formando um ângulo agudo ou obtuso. Os tendões ligam-se ao tendão ou à face do osso em um ângulo agudo, permi-
que prosseguem até a pele ou à musculatura da língua contêm um tindo que o músculo tenha espaço para expandir quando se contrai.
percentual maior de fibras elásticas e, portanto, aumentam a tensão Durante a contração, o ângulo de ligação aumenta. Essa caracterís-
nesses órgãos. tica estrutural especial aumenta o fluxo sanguíneo, o que favorece
Macroscopicamente, as fibras musculares têm aparência esca- o metabolismo. A contração e o relaxamento dos músculos desem-
lonada, ligando-se à aponeurose em diferentes ângulos ou ao osso, penham um papel fundamental em todo o sistema circulatório do
com tendões de diversos comprimentos. O tendão pode se divi- corpo.
dir e irradiar no músculo até impregná-lo. A propagação do tecido
tendíneo nos músculos resulta em um padrão (bainha tendínea) Forma dos músculos
semelhante a uma pluma ou a uma folha. Os músculos podem
ser classificados conforme a estrutura e orientação das fibras Os músculos variam quanto a forma, posição e tamanho. Em mús-
(Fig. 1.38): culos fusiformes, pode-se diferenciar uma cabeça (caput) passiva
músculos unipeniformes ou semipeniformes (m. unipennatus), na origem, o ventre (venter) muscular ativo na região intermediá-
com duas bainhas tendíneas paralelas; ria e uma cauda passiva na inserção. Como resultado, cada múscu-
músculos bipeniformes (m. bipennatus), que apresentam bai- lo possui uma origem (origo) e uma inserção (insertio). A origem
nhas tendíneas duplas; e a inserção são atribuídas por convenção. Em geral, a origem é a
músculos multipeniformes (m. multipennatus), com várias extremidade proximal do músculo, ou a extremidade mais próxima
bainhas tendíneas. do centro ou eixo corporal.
1
Mesotendão
Camada visceral
Cartilagem Osso
Osso
A B
Fig. 1.39 Estruturas acessórias dos músculos: (A) bolsa sinovial e (B) bainha tendínea (representação esquemática).
A extremidade distal do músculo é a inserção. Existem diversas comprimento do músculo configura uma contração isométrica.
formas de músculos (Fig. 1.38): Com um certo grau de tensão, o músculo lentamente começa a se
músculos fusiformes (m. fusiformis); contrair e a encurtar (contração isotônica), levando ao movimento.
músculos planos (m. planus, cujo tendão forma uma Um músculo exerce força sobre uma articulação de acordo com
aponeurose); as leis dos sistemas de alavanca. Dependendo da quantidade de
músculos de duas cabeças (m. biceps); articulações sobre as quais exercem a sua ação, os músculos são
músculos de três cabeças (m. triceps); classificados como:
músculos de quatro cabeças (m. quadriceps); músculo uniarticular;
músculos de dois ventres (m. biventre ou m. digastricus); músculo biarticular;
músculos circulares (m. orbicularis); músculo poliarticular.
músculos esfinctéricos (m. sphincter).
A partir desse esquema de classificação, fica evidente que algu-
mas articulações sempre se movem em conjunto quando um mús-
Locomoção culo se contrai (articulações dependentes). Já outras articulações
Os movimentos naturais envolvem vários músculos em trabalho si- movem-se juntas apenas sob circunstâncias específicas (articula-
multâneo ou em sequência. Quando dois músculos atuam em con- ções combinadas facultativas).
junto, afirma-se que eles são sinérgicos. Se atuarem em sentidos Os músculos podem ser classificados, ainda, conforme o seu
opostos, eles são antagônicos. Durante o movimento, uma parte é efeito funcional sobre uma articulação:
extensor (m. extensor);
o ponto fixo (punctum fixum), e a outra, o ponto móvel (punctum
flexor (m. flexor);
mobile). O ponto fixo representa todas as partes que permanecem
adutor (m. adductor);
imóveis devido à sua ligação com o tronco. Já o ponto móvel deve
abdutor (m. abductor);
ser menor e mais leve que o ponto fixo. O funcionamento de um
esfincter (m. sphincter);
músculo pode derivar de sua origem, colocação e inserção ou, en-
dilatador (m. dilatator);
tão, de seu ponto de rotação (hypomochlion).
elevador (m. levator);
Quase todos os movimentos naturais, como, por exemplo, respi-
abaixador (m. depressor);
ração, passo, trote ou galope, são um ciclo rítmico de contrações e
rotador (m. rotator) com:
relaxamentos de grupos de músculos antagônicos. Mesmo durante
supinador (m. supinator);
o relaxamento, cada músculo sofre uma quantidade mínima de ten-
pronador (m. pronator).
são, o tônus muscular. Esse estado é resultante de uma excitação
refletora permanente originária dos fusos musculares. A aneste-
A musculatura superficial dos animais domésticos, apresentada
sia induz à hipotonia, uma redução no tônus muscular. Diversos
nas Figs. 1.40, 1.41, 1.42, 1.43 e 1.44, propicia uma introdução
músculos servem para manter uma determinada parte do corpo em
à miologia. A topografia, a forma e a função de cada músculo são
posição e, portanto, apresentam um tônus muscular mínimo cons-
descritas em detalhes em capítulos posteriores.
tante. Esses músculos, às vezes, ganham suporte passivo por um
tecido semelhante ao tendão, inserido no ventre muscular.
Para que o movimento se inicie, deve-se superar o tônus muscu-
lar do(s) músculo(s) antagônico(s) e a força da gravidade. As con-
trações musculares são categorizadas conforme o que ocorre ao
comprimento do músculo ativo durante o movimento. Um au-
mento contínuo na tensão muscular intrínseca sem alteração no
Musculatura abdominal
Musculatura facial
Músculos da articulação
Musculatura da coxa
do ombro
Músculos da articulação
do cotovelo
Musculatura da
cintura escapular
Musculatura da garupa
Musculatura da coxa
Músculos da
articulação do ombro Musculatura abdominal
Musculatura facial
Musculatura da Musculatura
cintura escapular abdominal
Musculatura
da cauda
Musculatura
da garupa
Musculatura facial
Músculos da
articulação do ombro
Músculos da
articulação
do cotovelo Flexores e
extensores da
Flexores e articulação do
extensores da tarso e músculos
articulação do longos dos dedos
carpo e músculos
longos dos dedos
Musculatura
abdominal
Musculatura facial
Musculatura
da cauda Musculatura da
Musculatura externa cintura escapular
do quadril e da garupa
Músculos da articulação
do ombro
Músculos da articulação
do cotovelo
Estruturas de apoio dos músculos fina, e fáscia profunda (fascia profunda), mais resistente. A fás-
cia superficial recobre os músculos cutâneos (musculi cutanei) na
Os músculos são auxiliados em suas diversas funções por meio de maioria das regiões do corpo. Nos equinos, em particular, as cama-
estruturas passivas, como: das mais profundas podem ser reforçadas por fibras elásticas, que
fáscias; lhes conferem um brilho amarelo (tunica flava da parede ventral
bolsas (bursae synovialis); do abdome).
bainhas tendíneas (vaginae synovialis tendinum). As bolsas sinoviais são envoltas por uma cápsula de tecido con-
juntivo (Fig. 1.39). Elas variam em tamanho, geralmente conten-
Os músculos são recobertos individualmente por fáscias, lâminas do mais de um compartimento, e estão sempre cheias de sinóvia.
extensas, finas e entrelaçadas, compostas principalmente por colá- As bolsas sinoviais podem ser comparadas a pequenas almofadas
geno, mas também por fibras elásticas. Essas fibras estão voltadas de gel sob os tendões, distribuindo uniformemente a pressão que se
para a mesma direção das forças de tensão e estresse que atuam origina do tendão. A estrutura das paredes das bolsas é semelhante
sobre o músculo. A trama das fibras permite que as fáscias se adap- à das articulações. Assim como ocorre com as articulações, a pa-
tem funcionalmente à alteração na espessura do músculo que re- rede das bolsas sinoviais apresenta duas camadas: a membrana
sulta da contração. As fáscias costumam servir como origem ou sinovial interna e a membrana fibrosa externa.
locais de ligação dos músculos. Ao recobrir um músculo, as fáscias As bolsas sinoviais estão presentes em todos os locais do corpo
tornam a superfície lisa e sem atrito, permitindo a liberdade de mo- nos quais os músculos, tendões ou ligamentos deslizam sobre os
vimento entre músculos individuais vizinhos. ossos. Bolsas inconsistentes ou facultativas podem se desenvolver
Existem, também, as fáscias independentes, localizadas entre sob a pele em diversos pontos sujeitos à pressão mecânica constan-
músculos e fixas no periósteo, chamadas de septos intermuscu- te. As bolsas sinoviais são classificadas conforme a sua posição:
lares. Além disso, as fáscias formam estruturas anulares de tecido bolsa sinovial subtendínea (bursae synoviales subtendinosae);
conjuntivo sobre faces articulares extensoras ou flexoras, fortale- bolsa sinovial submuscular (bursae synoviales submusculares);
cendo, assim, a articulação (retinacula tendinum). bolsa sinovial subligamentosa (bursae synoviales subligamen-
As fáscias são encontradas ao longo de todo o corpo e podem tosae);
ser divididas em: fáscia superficial (fascia superficialis), mais bolsa sinovial subcutânea (bursae synoviales subcutaneae).