O filme Lawrence da Arábia, produzido em 1962, nos dá pistas importantes sobre como se construiu historicamente o interesse das potências centrais europeias pela região, pelo menos desde o fim do século XIX, a Época dos Impérios (1880 a 1914), usando uma nomenclatura do historiador marxista inglês Eric Hobsbawm. Nesse período, a Ásia e a África, foram divididas entre as potências imperiais: Grã-Bretanha, França, Alemanha, Holanda, Bélgica, Itália, EUA, Japão e Rússia. O filme adaptou para a grande tela o livro Os Sete Pilares da Sabedoria, publicado em 1935, que narra a participação de seu autor, Thomas Edward Lawrence, no movimento nacionalista árabe (a Revolta Árabe) contra a dominação turca, durante a Primeira Guerra Mundial. Os otomanos lutavam ao lado da Alemanha. A Revolta Árabe foi fomentada pelos ingleses que lhes negaram, porém, a artilharia, temendo que um dia ela se voltasse contra eles. O filme Lawrence da Arábia ganhou sete oscars sendo considerado pelo American Film Institute como um dos dez melhores filmes de todos os tempos. “Quem é você?” pergunta um personagem a Lawrence. Ele reflete e percebe que não pode mais responder à pergunta. Lawrence é como o migrante. Ele não é mais do país que deixou, tampouco é parte daquele que o recebeu. Em uma das cenas dramáticas, pegando na própria pele, mostra a sua branquidão ao interlocutor árabe e diz que aquilo é que define tudo. Lawrence não sabe mais quem ele é. Enviado ao deserto para fomentar a revolta árabe contra os turcos, entrega-se verdadeiramente a este povo, tornando-se o Lawrence das arábias. Se no começo tem dificuldade em aceitar a comida beduína, sente-se logo depois confortável nas roupas locais que passa a usar. Ele respeita a identidade do povo. O conflito entre os dois mundos se dá no campo da razão. Para o inglês, o homem é aquilo que decide ser; em contraposição à visão teocrática que determina que o homem é aquilo que Deus quer que ele seja. De volta à Inglaterra, ele não poderá mais ser nem um, nem outro. Como o Ocidente vê o Oriente aparece em todo o filme. Mesmo Lawrence, imbuído dos melhores sentimentos, ou paixões, é aquele que sabe, que ensina, e que mostra o caminho. O guerreiro árabe, o xerife Ali, aprende com ele. É a visão da superioridade de um povo sobre o outro, como explica brilhantemente Edward Said, no seu livro Orientalismo. Os ingleses demonstram o tempo todo o desprezo pelos árabes. Nas palavras dos oficiais da Inglaterra, os árabes são sujos, violentos, gananciosos, bárbaros, cruéis. E os árabes sabem que assim são vistos. Alguns, como o xerife Ali, se ressentem disso. De acordo com Hannah Arendt, é na época do nascimento dos Impérios europeus, no final do século XIX, que podem ser localizadas as raízes origens do totalitarismo. O imperialismo, por sua vez, teria origem no racismo. Assim, a civilização europeia, racista e brutal, quer dominar o outro, considerado irracional, bárbaro, violento, inculto, atrasado, ingênuo, sujo. Ela, a civilização europeia, é a portadora da racionalidade e, portanto, da verdade, da sabedoria. Arendt afirma que, mesmo que os britânicos tenham evitado disseminar a lei e a cultura britânicas aos povos conquistados, os nativos desenvolveram o sentimento de consciência nacional, soberania e independência. Para ela, agindo assim, “os britânicos fortaleciam o conceito imperialista baseado em superioridade fundamental de elementos elevados sobre os inferiores” (p.160). Os outros, os árabes, são como portas, de tão surdos, não têm valores e necessitam de quem lhes diga o que é bom para eles. São tão desprezíveis que podem ser enganados. A sua independência, que seria assegurada no fim da guerra, não veio. Os árabes foram enganados pelos ingleses. A disputa, hoje, em pleno século XXI, entre israelenses e palestinos, abordada no início desta resenha, é simbólica. O mundo árabe e o país Israel, protegido pelos países ocidentais, e, estrategicamente plantado na região pelos ingleses, são a materialização da disputa de dois mundos. No prefácio da 1 reimpressão brasileira de Orientalismo, Said afirma que as “sociedades contemporâneas de árabes e muçulmanos sofreram um ataque tão maciço, tão calculadamente agressivo em razão de seu atraso, de sua falta de democracia e de sua supressão dos direitos das mulheres que simplesmente esquecemos que noções como modernidade, iluminismo e democracia não são, de modo algum, conceitos simples e consensuais que se encontram ou não, como ovos de Páscoa, na sala de casa (P.15).” Assim, justifica-se campanhas brutais do Ocidente no Iraque, no Afeganistão e na Palestina em nome da inferioridade, estreiteza e violência do islamismo e do mundo árabe. São visões justificadas pelo orientalismo, já presentes no tempo de Lawrence de Arábia. Segue hoje, então, a luta iniciada na Era dos Impérios contra os árabes, de olho no seu trigo, e, como todos sabem, hoje, no petróleo da região. A história vem de longe. Não foi à toa que os aliados vencedores da 1ª Guerra, dividiram entre si artificialmente o antigo Império Turco Otomano, no Tratado de Sèvres, assinado em 1920.
Referências bibliográficas:
ARENDT, Hannah, Origens do Totalitarismo. Rio de Janeiro: Companhia das Letras.
HOBSBAWN, Eric. Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo.
FILME, Lawrence da Arábia – David Lean – EUA – 1962
SAID, Edward W, Orientalismo: o oriente como invenção do ocidente. Rio de Janeiro:
Agenda 2030 - senhores e escravos?: A verdade sobre The Great Reset, e a influência do WEF, Blackrock, e das elites globalistas - Crise Econômica - Escassez de Alimentos - Hiperinflação Global