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Jéssica Ramos da Silva Dantas

Disciplina: História Contemporânea

RESENHA DO FILME: LAWRENCE DA ARÁBIA

Rio de Janeiro, 31 de Maio de 2017.


O filme Lawrence da Arábia, produzido em 1962, nos dá pistas importantes
sobre como se construiu historicamente o interesse das potências centrais europeias pela
região, pelo menos desde o fim do século XIX, a Época dos Impérios (1880 a 1914),
usando uma nomenclatura do historiador marxista inglês Eric Hobsbawm. Nesse
período, a Ásia e a África, foram divididas entre as potências imperiais: Grã-Bretanha,
França, Alemanha, Holanda, Bélgica, Itália, EUA, Japão e Rússia.
O filme adaptou para a grande tela o livro Os Sete Pilares da Sabedoria,
publicado em 1935, que narra a participação de seu autor, Thomas Edward Lawrence,
no movimento nacionalista árabe (a Revolta Árabe) contra a dominação turca, durante a
Primeira Guerra Mundial. Os otomanos lutavam ao lado da Alemanha. A Revolta Árabe
foi fomentada pelos ingleses que lhes negaram, porém, a artilharia, temendo que um dia
ela se voltasse contra eles.
O filme Lawrence da Arábia ganhou sete oscars sendo considerado pelo
American Film Institute como um dos dez melhores filmes de todos os tempos.
“Quem é você?” pergunta um personagem a Lawrence. Ele reflete e percebe que
não pode mais responder à pergunta. Lawrence é como o migrante. Ele não é mais do
país que deixou, tampouco é parte daquele que o recebeu. Em uma das cenas
dramáticas, pegando na própria pele, mostra a sua branquidão ao interlocutor árabe e diz
que aquilo é que define tudo.
Lawrence não sabe mais quem ele é. Enviado ao deserto para fomentar a revolta
árabe contra os turcos, entrega-se verdadeiramente a este povo, tornando-se o Lawrence
das arábias. Se no começo tem dificuldade em aceitar a comida beduína, sente-se logo
depois confortável nas roupas locais que passa a usar. Ele respeita a identidade do povo.
O conflito entre os dois mundos se dá no campo da razão. Para o inglês, o homem é
aquilo que decide ser; em contraposição à visão teocrática que determina que o homem
é aquilo que Deus quer que ele seja. De volta à Inglaterra, ele não poderá mais ser nem
um, nem outro.
Como o Ocidente vê o Oriente aparece em todo o filme. Mesmo Lawrence,
imbuído dos melhores sentimentos, ou paixões, é aquele que sabe, que ensina, e que
mostra o caminho. O guerreiro árabe, o xerife Ali, aprende com ele. É a visão da
superioridade de um povo sobre o outro, como explica brilhantemente Edward Said, no
seu livro Orientalismo.
Os ingleses demonstram o tempo todo o desprezo pelos árabes. Nas palavras dos
oficiais da Inglaterra, os árabes são sujos, violentos, gananciosos, bárbaros, cruéis. E os
árabes sabem que assim são vistos. Alguns, como o xerife Ali, se ressentem disso.
De acordo com Hannah Arendt, é na época do nascimento dos Impérios
europeus, no final do século XIX, que podem ser localizadas as raízes origens do
totalitarismo. O imperialismo, por sua vez, teria origem no racismo. Assim, a
civilização europeia, racista e brutal, quer dominar o outro, considerado irracional,
bárbaro, violento, inculto, atrasado, ingênuo, sujo. Ela, a civilização europeia, é a
portadora da racionalidade e, portanto, da verdade, da sabedoria. Arendt afirma que,
mesmo que os britânicos tenham evitado disseminar a lei e a cultura britânicas aos
povos conquistados, os nativos desenvolveram o sentimento de consciência nacional,
soberania e independência. Para ela, agindo assim, “os britânicos fortaleciam o conceito
imperialista baseado em superioridade fundamental de elementos elevados sobre os
inferiores” (p.160).
Os outros, os árabes, são como portas, de tão surdos, não têm valores e
necessitam de quem lhes diga o que é bom para eles. São tão desprezíveis que podem
ser enganados. A sua independência, que seria assegurada no fim da guerra, não veio.
Os árabes foram enganados pelos ingleses.
A disputa, hoje, em pleno século XXI, entre israelenses e palestinos, abordada
no início desta resenha, é simbólica. O mundo árabe e o país Israel, protegido pelos
países ocidentais, e, estrategicamente plantado na região pelos ingleses, são a
materialização da disputa de dois mundos. No prefácio da 1 reimpressão brasileira de
Orientalismo, Said afirma que as “sociedades contemporâneas de árabes e muçulmanos
sofreram um ataque tão maciço, tão calculadamente agressivo em razão de seu atraso,
de sua falta de democracia e de sua supressão dos direitos das mulheres que
simplesmente esquecemos que noções como modernidade, iluminismo e democracia
não são, de modo algum, conceitos simples e consensuais que se encontram ou não,
como ovos de Páscoa, na sala de casa (P.15).”
Assim, justifica-se campanhas brutais do Ocidente no Iraque, no Afeganistão e
na Palestina em nome da inferioridade, estreiteza e violência do islamismo e do mundo
árabe. São visões justificadas pelo orientalismo, já presentes no tempo de Lawrence de
Arábia.
Segue hoje, então, a luta iniciada na Era dos Impérios contra os árabes, de olho
no seu trigo, e, como todos sabem, hoje, no petróleo da região. A história vem de longe.
Não foi à toa que os aliados vencedores da 1ª Guerra, dividiram entre si artificialmente
o antigo Império Turco Otomano, no Tratado de Sèvres, assinado em 1920.

Referências bibliográficas:

ARENDT, Hannah, Origens do Totalitarismo. Rio de Janeiro: Companhia das Letras.

HOBSBAWN, Eric. Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo.

FILME, Lawrence da Arábia – David Lean – EUA – 1962

SAID, Edward W, Orientalismo: o oriente como invenção do ocidente. Rio de Janeiro:


Companhia das Letras, 2008.

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