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RESUMO
(*)
Este artigo é parte da pesquisa de mestrado: “Pescadores de Homens. A produção da subjetividade no contexto
institucional de um Seminário Católico”, que está sendo desenvolvida por Sílvio José Benelli, sob orientação do Prof. Dr.
Abílio da Costa-Rosa, com financiamento da FAPESP.
(2)
Aluno do Curso de Pós-Graduação, Mestrado em Psicologia - Faculdade de Ciências e Letras, UNESP, Assis, SP.
Endereço para correspondência: Av. Tarumã, 577. Centro. Tarumã, SP, CEP 19820-000 Fone: (18) 3329-1234.
E-mail: sjbewelli@yahoo.com.br
(3)
Professor Assistente Doutor junto ao Departamento de Psicologia Clínica e do Curso de Pós-Graduação em Psicolo-
gia - Faculdade de Ciências e Letras, UNESP, Assis, SP.
ABSTRACT
In this article, we are looking into some Goffman´s studies, lead by currently
discussions of institutional analysis, Michel Foucault´s contributions upon
microphysics of power and some other researchers from the production of
subjectivity at the Collective Health. In spite of not having those theoretical
resources from the later, Goffman was already able to explain in his analysis
further than he could suppose. We believe that Goffman produces accurately
mappings of the psychiatry hospital devices, by describing the geography of
power into the total institution, and concerned to the details of everyday life.
His investigations of the intra-institutional dimension from such mechanisms
are still at present and efficient for the comprehension of production of
subjectivity at institutional context. Also, we have come across many
remarkable echoes between Goffman´s and Foucault´s works.
Key words: institutional analysis, total institutional, microphysics of power,
mapping, production of subjectivity.
poder que age sobre o corpo, obrigando à pode cooperar quando seus objetivos coincidam
docilidade participativa e visível, controlável pela ou se identifiquem com os da instituição;
observação, incide na criação de uma “natureza”, considera que a participação também pode ser
de um certo indivíduo tomado como objeto, obtida por meio de “incentivos”: “prêmios ou
diríamos. pagamentos indiretos que francamente atraem o
De acordo com Goffman, as instituições indivíduo como alguém cujos interesses finais
sobrevivem por que são capazes de apresentar não se confundem com os da organização”
contribuições úteis para a atividade de seus (Goffman, 1987, p. 152); finalmente, supõe que
participantes, para o que precisa instrumentar seja possível obter a cooperação do indivíduo por
os meios adequados com vistas às finalidades meio das “sanções negativas”: “ameaças,
buscadas. Já sabemos que elas sobrevivem castigos, reduções nos níveis usuais de bem-
também por vários outros motivos: produção de estar”(Idem), etc. “O medo do castigo pode ser
mais-valia e de subjetividade capitalística, adequado para impedir que o indivíduo realize
reproduzindo as relações sociais dominantes determinados atos, ou deixe de realizá-los; no
(Costa-Rosa, 1987, 1995, 2000, 2002). entanto, os prêmios positivos parecem
necessários para que se consiga um esforço
Uma organização pode se identificar com
prolongado, contínuo e pessoal.” (Ibidem).
a equipe dirigente que a administra e esta pode
“reconhecer limites de confiança para a atividade A concepção de que um homem age ou
adequada de cada participante” (Goffman, 1987, deixa de agir movido por castigos (punições)
p. 151): tende a considerar o homem como um e/ou por prêmios implica uma suposição teórica
ser “notoriamente fraco”, portanto, tem que de que esse objeto funciona, por exemplo, a
“aceitar soluções intermediárias”, “mostrar partir do princípio do prazer e da evitação da dor.
consideração”, “tomar medidas de proteção”. Assim se produz o saber, a partir de práticas
institucionais.
Podemos observar que estudos tipicamente
funcionalistas sobre instituições e seus diversos A partir dessas considerações, Goffman
atores (agentes institucionais e clientela) tendem afirma que a instituição, além de
a um raciocínio particularizante, numa perspectiva usar a atividade de seus participantes (...),
sociologizante ou psicologizante, remetendo ao também delineia quais devem ser os
sujeito individual questões que são de ordem padrões oficiais de bem-estar, valores
coletiva: as relações de poder que constituem a conjuntos, incentivos e castigos. Tais
realidade institucional tendem a ser mascaradas, concepções ampliam um simples contrato
os conflitos e lutas são tomados como distúrbios de participação numa definição da natureza
psíquicos do indivíduo, sendo reduzidos a ou do ser social do participante. (...)
problemas individuais. Trata-se mesmo de uma Portanto, nas disposições sociais de uma
psicologização do político e também de uma organização, se inclui uma concepção
particularização de fenômenos coletivos, numa completa do participante – e não apenas
“difusão capilar dos mecanismos de controle uma concepção dele como e enquanto
social na comunidade”. (Rotelli, 1990). participante – mas, além disso, uma
A partir da concepção de uma fraqueza concepção dele como ser humano
natural do objeto institucional, a lógica (Goffman,1987, p. 152-153).
institucional costuma considerar que o ser Isso quer dizer que as instituições
humano deve ser tratado a partir de “padrões de produzem indivíduos (objetos) e saberes, definem
bem-estar” superiores ao mínimo exigido para a seus participantes num processo de objetifica-
simples sobrevivência: conforto, saúde e ção. Trata-se de sujeitos “dessubjetivados” (Jorge,
segurança, etc.; supõe que um participante 1983), reduzidos a objetos materiais e teóricos
contraposição à ordem vigente. É toda uma Essa distância entre o projeto psiquiátrico
tecnologia constituída por detalhes do cotidiano e o programa propriamente dito fica mais clara
que (re)produzem uma subjetividade capitalística. quando localizamos o hospital psiquiátrico no
Portanto, conhecer a engenharia institucional contexto sócio-histórico mais amplo (Foucault,
que os produz é importante para desmontá-la: 1999a; Amarante, 1994,1998, 2000a, 2000b;
do mesmo modo que práticas cotidianas podem Castel, 1978): o modelo hospitalocêntrico é
reprimir, modelar, coibir, dominar e produzir uma pautado pela norma de exclusão do convívio
subjetividade alienada na reprodução das familiar e social, cultivando uma série de
relações sociais dominantes, entendemos que procedimentos de controle que abrangem a
serão outras tantas práticas microfísicas sexualidade, o espaço de deambulação, o que é
instituintes que produzirão implicação subjetiva, possível ou não fazer – inclusive, ser – operando
autonomização do sujeito e uma subjetividade basicamente por subtração. O projeto psiquiátrico
singularizada (Rotelli, 1990; Costa-Rosa, 2000). pode ser entendido como parte de uma estratégia
Goffman (1987, p. 172) optou por mapear global de controle e manutenção da atual ordem
os ajustamentos secundários especificamente social dominante (Costa-Rosa, 1987, 1999,
do pólo subordinado, do grupo dos internados de 2000).
um hospital psiquiátrico. Nisso Goffman também Já há uma percepção, em Goffman, da
parece intuir que o aspecto mais valioso da semelhança, talvez mesmo da identidade entre
produção institucional é aquele que diz respeito uma ordem jurídica normativa e o “ato terapêutico”,
às aspirações do pólo subordinado, portadoras relação claramente explicitada por Foucault
de inéditas e criativas relações sociais, diferentes (1999a) na “sanção normalizadora” e na consi-
e inclusive contraditórias com relação às relações deração de que há um “microtribunal penal” em
sociais dominantes (Costa-Rosa, 2000). Os funcionamento nas diversas instituições
ajustamentos secundários da equipe dirigente e modernas. Goffman (1987) revela a existência
dos profissionais e técnicos empregados no de um “esquema de disciplina” autoritário que
estabelecimento tendem a ser insignificantes e estabelece um conjunto relativamente completo
reforçadores do padrão vigente (Goffman, 1987, de meios e fins que os pacientes podem
p. 169-172). legitimamente obter (normatização), que tem
Goffman (1987, p. 173) parte da hipótese como efeito tornar ilícitas toda uma série de
de que os hospitais psiquiátricos não funcionam atividades dos pacientes. É o estatuto normativo
de acordo com a “doutrina psiquiátrica” (nível do que cria o permitido e produz também toda a
projeto, do ideário, de metas de transformação região das ilegalidades (Goffman, 1987, p. 231;
Foucault, 1999b).
abertas ao devir), pois também constata que na
prática a teoria é outra. É o que ele denomina No plano microfísico (íntimo) da instituição,
“sistema de enfermarias” que se observa há fontes materiais (Goffman, 1987, p.173)
organizando o manicômio, numa defasagem empregadas nos ajustamentos secundários;
evidente entre o projeto oficial e o programa (nível substituições (Goffman, 1987, p. 173-175), nas
do plano enquanto conjunto de propostas e quais os internados utilizam artefatos disponíveis
instrumentos de implementação) efetivamente de um modo diferente daquele para o qual foram
desenvolvido: “condições muito limitadas de vida previstos; e exploração do sistema (Goffman,
são distribuídas como prêmios ou castigos, 1987, p. 175-188), ampliando a extensão das
apresentados mais ou menos na linguagem das fontes existentes de satisfação legítima, ou
instituições penais.” É esse “esquema” (lógica) explorando uma rotina completa de atividade
de “ações” (práticas) e de “palavras” (discursos) oficial para fins particulares. O que podemos
que a equipe dirigente utiliza para lidar com o afirmar é que se o sujeito é silenciado, ignorado,
cotidiano do estabelecimento. reduzido a uma “doença” pela lógica médica
(Jorge, 1983) predominante na instituição, essas instituições cuja autoridade está concentrada
pequenas e inumeráveis práticas, nas quais ele num grupo completo da equipe dirigente, “e não
subverte de alguma forma os diversos “materiais” num conjunto de pirâmides de comando”.
disponíveis, são o testemunho de que o sujeito Verificamos que a “vigilância hierárquica”
resiste, insiste, se insinua, produzindo o máximo (Foucault, 1999b) organizada como um poder
de vida possível, apesar das condições escalonado e difuso se contrapõe à existência
ambientais bastante adversas. de tais espaços de liberdade. Isso explica porque
Além das fontes, há locais ou regiões onde em “Vigiar e Punir” (Foucault, 1999b) não há
ocorrem os ajustamentos secundários. Goffman escapatória para o sujeito, inserido numa máquina
(1987, p. 191) mapeia então “a geografia da panóptica sem falhas, sem espaço para a
liberdade”, ou os locais livres no contexto resistência.
institucional. De um modo amplo, na “geografia Esses “locais livres” do hospital eram
institucional”, há o espaço situado fora dos utilizados como ambiente para atividades
limites do estabelecimento, portanto, inacessível especificamente proibidas, para escapar da
para os internados. Há também o “espaço da vigilância e do controle rígido da equipe dirigente
vigilância” (nada mais foucaultiano!!), área em e do “stress” da convivência institucional forçada
que o paciente pode estar, ficando sujeito à e obrigatória: “aí, a pessoa podia ser ela mesma”
autoridade e às restrições usuais do estabele- (Goffman, 1987, p. 193). Há “locais livres” que
cimento. Finalmente, há um terceiro tipo de podem ser utilizados por diversos internados,
espaço: espaço não-regulamentado pela sem sentimento de posse ou de exclusividade
autoridade usual da equipe dirigente. por parte deles. Há também os “territórios de
As práticas visíveis de ajustamentos grupo” (Goffman, 1987, p. 197), “nos quais um
secundários costumam ser ativamente proibidas grupo acrescentava ao seu acesso a um local
no hospital psiquiátrico e nas demais instituições livre, um direito de manter afastados todos os
totais. Para realizá-las, é preciso estar “longe outros pacientes”. Um terceiro tipo de lugar, o
dos olhos e dos ouvidos da equipe dirigente” “território pessoal”, “espaço onde o indivíduo cria
(Goffman, 1987, p. 190); basta estar fora de sua alguns elementos de conforto, controle e direitos
linha de visão. tácitos que não compartilha com outros pacien-
tes, a não ser quando os convida” (Goffman,
Mas além dessa evitação da vigilância,
1987, p. 200).
os internados e a equipe dirigente
O “território pessoal” constitui um contínuo
tacitamente cooperavam para permitir o
que pode estender-se do “ninho” ao “refúgio”,
aparecimento de espaços físicos limitados,
locais “em que o indivíduo se sente tão protegido
onde se reduziam marcantemente os níveis
e satisfeito quanto isso seja possível no ambiente”
usuais de vigilância e restrição – espaços
(Goffman, 1987, idem). O quarto de dormir parti-
em que o internado podia ter livremente
cular é o tipo básico de território pessoal: “uma
uma certa amplitude de atividades proibidas
vez obtido, um quarto particular poderia ser
e, ao mesmo tempo, certo grau de
provido de objetos que dariam conforto, prazer e
segurança (Goffman, 1987, p. 190).
controle à vida do paciente” (Goffman, 1987, p.
A equipe dirigente pode saber ou ignorar a 201). Mesmo numa enfermaria coletiva, os
existência de tais espaços, “mas deles se pacientes tendem a construir um “território
afastava ou tacitamente deixava de exercer sua pessoal” e sua formação parece obedecer à “lei
autoridade ao neles entrar”. Comportamento do mais forte”, que tende a se impor sobre os
ambíguo e algo enigmático, esse “desconheci- demais. “Talvez o espaço mínimo que se
mento” tático. transformava em território pessoal fosse dado
Goffman (1987, p.191) adverte que esses pelo cobertor de um paciente” (Goffman, 1987, p.
“locais livres” podem ser encontrados em 202).
onde se espera afeição, há indiferença; uma forma de evasão (!), pois “o contato com o
onde se espera freqüência, há faltas; onde psiquiatra da equipe dirigente é tão singular”,
se espera robustez, há algum tipo de que a própria sessão é um espaço que
doença; onde as tarefas devem ser presumivelmente permite ao paciente distan-
realizadas, há diferentes formas de ciar-se da realidade do hospital. Paradoxalmente,
inatividade. Encontramos inúmeras “ao realmente receber aquilo que a instituição
histórias comuns, cada uma das quais é, diz oferecer, o doente pode conseguir afastar-se
a seu modo, um movimento de liberdade. daquilo que o hospital realmente dá” (!) (Goffman,
Sempre que se impõem mundos, se criam 1987, p. 252).
submundos. Goffman sugere que os ajustamentos
Essa constatação se torna precisa ao secundários são superdeterminados, utilizados
considerarmos uma instituição “como formação para combater e derrotar o mundo hospitalar:
material constituída por um conjunto de saberes “tais práticas dão às pessoas mais do que aquilo
e práticas articulados por um discurso de tipo que aparentar dar; independentemente do que
ideológico (lacunar). Aquilo que o discurso procura dêem, tais práticas parecem demonstrar – pelo
articular não são os saberes às práticas, mas menos para o praticante – que ele tem
sim, saberes contraditórios e práticas contra- individualidade e autonomia pessoal que
ditórias entre si” (Costa-Rosa, 2000). Assim escapam às garras da instituição” (Goffman,
como a sociedade pode ser entendida como 1987, p. 254). São claramente estratégias que
uma articulação de interesses divergentes, esta visam manipular poder ou resistir a ele.
tende a ser a forma como se configura também
cada instituição em particular. As lacunas do
discurso indicam justamente as tensões oriundas A PRODUÇÃO DA SUBJETIVIDADE NO
da demanda social que a instituição procura CONTEXTO INSTITUCIONAL
metabolizar.
Consideramos a sociedade como um tecido
Quanto mais absoluta a privação, mais os
formado por uma rede de instituições sociais: a
bens, pequenos e ilícitos, se tornam “recursos
simbólicos” de resistência contra o sistema “saúde pública” é uma delas. Os supostos
conflitos entre sujeito e sociedade, indivíduo e
totalitário, “refúgios para o eu”, segundo Goffman
grupo, sujeito e instituição, psique e ambiente
(1987, p.248).
são falsas dicotomias. Trata-se de falsos
Além disso, os pacientes costumam problemas: só há real social, coletivo, e o indivíduo
descobrir que é possível fugir de um lugar, é apenas um terminal de produção social. Os
mesmo sem sair dele: utilizam como técnicas sujeitos são produzidos socialmente, no bojo de
de resistência diversas estratégias: “atividades
processos e práticas concretas, de práticas
de evasão” (Goffman, 1987, p. 248-251), nas
discursivas, na intersecção entre poderes e
quais se desconectam temporariamente de si e
saberes.
do ambiente (diversões e passatempos em geral,
cursos de línguas, de artes, esportes, bailes e A subjetividade (modos de ser, sentir,
festas institucionais, namoro, atividades de pensar e agir constitutivos do sujeito em
representação teatral, práticas religiosas, jogos determinado momento histórico) é tecida, no
de quebra-cabeças, livros de aventuras, baralhos, contexto institucional, pela rede de micropoderes
adaptação exagerada ao trabalho, etc.). “Os que sustenta o fazer cotidiano (institucional),
meios individuais de criação de um mundo eram operando efeitos de reconhecimento/desconheci-
notáveis” (Goffman, 1987, p. 251). mento dessa ação concreta.
A psicoterapia individual, “privilégio raro Instituição não é uma instalação material
em hospitais públicos”, também acaba sendo na qual se encarnam entidades poderosas. Uma
instituição é uma prática social que se repete e numa relação em que dirigentes e pacientes se
se legitima enquanto se repete. As instituições instituem mutuamente por meio de um jogo de
implementadas em organizações e estabeleci- forças (ativas e reativas) que visam à normatização
mentos não apenas realizam – quando reali- da conduta do outro.
zam – os objetivos oficiais para os quais foram
criadas, mas também produzem determinada
subjetividade em seus vários atores, sujeitos CONCLUSÃO
são fundados no interior das práticas, sujeitos
ao mesmo tempo constituídos no e constituintes Goffman (1987) estudou detalhadamente a
do cotidiano institucional. O pensamento estrutura, a natureza e a dinâmica psicossocial
costuma reificar objetos e sujeitos que só existem das “instituições totais”, e sua análise mos-
enquanto se produzem e são produzidos dentro tra-se um instrumento valioso para estudar a
de determinadas práticas institucionais. produção da subjetividade no contexto
A produção de subjetividade remete institucional. Quando situamos as sofisticadas
fundamentalmente ao plano micropolítico, e minuciosas análises de Goffman num campo
microfísico das relações instituintes e instituídas mais geral da evolução da análise das
da formação no contexto institucional. Nesta instituições, campo de referências históricas
perspectiva, as relações pedagógicas, tera- que encontramos, por exemplo, na obra de
pêuticas, educativas entre a equipe dirigente e Michel Foucault, então elas ganham um sentido
pacientes não se configuram como relações mais pleno e o que parecia apenas implícito
estáticas entre pólos constituídos, mas pode se articular claramente.
apresentam-se em permanente constituição e Foucault é conhecido por não citar suas
ordenação – plenas de vicissitudes – em fontes e, inclusive, chegou a comentar a importân-
constante transformação dos lugares e posições cia do estudo das instituições asilares realizado
no interior das relações, numa pulverização dos por Goffman (Foucault, 1984, p. 110-111).
lugares instituídos e instituintes. Pensamos que há mais semelhanças entre
Desse modo, não podemos conceber “Manicômios, prisões e conventos” (publicado
práticas e/ou sujeitos autônomos, pois toda originalmente em 1961) e “Vigiar e Punir”
prática é efetivada por relações nas quais se (publicado originalmente em 1975) do que se
configuram sujeitos. Essa é a principal condição poderia suspeitar à primeira vista. Isso não
para que as instituições existam concretamente. parece evidente, mas uma leitura atenta de
A solidez institucional residiria nos vínculos ambos pode indicar pontos de contato, temas,
entre os sujeitos que as fazem cotidianamente, problemas e achados comuns nos dois autores,
vínculos invisíveis, microfísicos, que se plasmam como tentamos demonstrar. Com isso, não
em relações instituintes e instituídas no contexto negamos suas diferenças e distâncias, nem as
institucional, podendo ser mapeadas a partir das especificidades de cada obra em si mesma.
forças e dos poderes moleculares que as Mas as ressonâncias de um livro no outro nos
permeiam. pareceram bastante notáveis.
O hospital psiquiátrico parece ter seu núcleo Talvez pudéssemos afirmar que há mais
subjetivizante centrado numa formação vida no “Panopticon” do que Bentham
disciplinar, ao mesmo tempo moral e psicológica. (Foucault, 1984, 1999b, 1999c) poderia – ou
A ação institucional, entre reconhecimentos e gostaria de – acreditar. O projeto de controle e
desconhecimentos incide normativamente sobre visibilidade total de Bentham falha, pois focos de
as condutas. A subjetividade produzida neste resistência tendem a se apoderar de todo e
contexto seria caracterizada por traços qualquer espaço vulnerável do dispositivo
essencialmente nomatizados/normatizadores, institucional. “Esses são os recantos úmidos