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EEditorial

Dieta do paleolítico: uma saída para o século XXI?


Paleolithic diet: a solution for the XXI century?

Joel Faintuch1, Robson F. Moura2

O período do Paleolítico estende-se de 250.000 a 12.000 anos atrás, embora haja contagens divergentes. Também
conhecido como Idade da Pedra, foi caracterizado pela utilização de instrumentos e construções feitos de tal material,
tais como machados, marretas, pontas de lanças e flechas, e monumentos megalíticos.
Para a nutrição clínica, qual é sua importância? Os ancestrais desse período eram caçadores e coletores, dependendo
totalmente da natureza para sua subsistência. Tal significa que, em época de bonança, comiam com fartura. Quando
as alterações climáticas eram adversas, não dispunham de quaisquer reservas de grãos ou outras fontes energéticas.
Consequentemente eram obrigados a migrar por longas distâncias, ou mesmo passavam fome. Uma receita para efeito
sanfona, com ganhos e perdas de peso sucessivos? A literatura se omite a respeito.
O que efetivamente é comentado é que sua fonte de proteína, além de abundante (estima-se em 32% a 37% do valor
calórico total, ou mais do dobro das recomendações atuais), era mais saudável. De fato, animais capturados na selva,
ademais de pescados, possuem baixo teor de gordura total. Mais ainda, por consumirem gramas e ervas ricas em ácidos
graxos omega 3 possuem poucos saturados, e proporções generosas de polinssaturados benéficos.
Ninguém guardou cópia dos cardápios da época, e as estimativas variam conforme o autor e o palpite. Ademais,
nutricionalmente o paleolítico da Groenlândia era certamente muito distinto do deserto da Austrália, e o da Amazônia
discrepante com o da França. As estimativas para espécies animais incluídas na dieta oscilam de 21 a 85, e de vegetais,
de 44 a 2361.
Tampouco há evidências objetivas de que a dieta fosse de fato saudável, e que, consequentemente, se vivesse mais ou
melhor. Os esqueletos disponíveis dão ideia de criaturas fortes, com massa muscular extremamente avantajada. Contudo,
tal é muito fácil de se prever, quando diariamente era forçoso caminhar 10 ou 20 km para se encontrar um bom prato.
Na hipótese do interessado lograr sucesso no embate, e não ser jantado pela presa, havia igual percurso de volta, com
o peso da refeição nos ombros. Era indispensável cortar lenha e acender o fogo, ao mesmo tempo em que se retalhava,
desossava e preparava o animal para o cozimento, tudo isso com instrumentos de pedra toscos e pouco funcionais.
Definitivamente, esse não era um mundo para fracos.
Sendo a ciência como ela é, não tardariam em nossos dias ensaios clínicos prospectivos e randomizados com dietas
neopaleolíticas, para averiguar se algo de bom emanaria de tão transcendental história. Mesmo sem enviar os pacientes
para a floresta, nem caracterizá-los com vestes de urso e instrumental pétreo, as publicações têm fluido com regularidade2-6.
As indicações mais correntes são obesidade, diabetes, síndrome metabólica, e uma entidade nebulosa intitulada
“dieta ocidental”. De uma forma ou de outra, há seguimentos de até 2 anos testemunhando emagrecimento, melhor perfil
metabólico, e redução de marcadores de risco cardiovascular.
Em outras palavras, a proposta se equipara a regimes convencionais utilizados para as mesmas entidades nosológicas.
Os homens das cavernas estavam certos, afinal? Devemos externar nosso preito de gratidão aos trogloditas, ainda que
com atraso de dezenas de milhares de anos?

1. Editor da Revista Brasileira de Nutrição Clínica.


2. Presidente da Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral.

Rev Bras Nutr Clin 2014; 29 (3): 185-6


185
Faintuch J & Moura RF

É questionável se eles estavam tão cobertos de razão, ou se nós que estamos errados. A civilização moderna eliminou
ou ao menos amenizou o espectro da fome, e disponibilizou alimento de fácil consumo para milhões. Todavia às custas
de atalhos e concessões que favoreceram a quantidade, não a qualidade.
Os pescados de nossos dias provêm muitas vezes de tanques, e são alimentados com ração, o que reduz o teor de
omega 3 e outros nutrientes valiosos. Ovos, aves e outras fontes proteicas são também produzidos em massa, às custas
de nutrientes desenhados com vistas ao lucro, não à fisiologia. A dieta do paleolítico talvez devesse se chamar de dieta
do século XXI, protegida das artificialidades que se infiltraram no cardápio dos nossos dias.
Ainda está para nascer o herói que embrenhará na mata durante 2 anos, consumindo exclusivamente o que encontrar
por lá, a fim de que tenhamos noção do impacto do verdadeiro regime paleolítico. Os indígenas brasileiros chegavam perto
disto, ainda que mesmo na época do descobrimento já praticassem uma agricultura em paralelo, baseada na mandioca.
E não dispensassem uma cervejinha de mandioca fermentada, e sabor reputadamente atroz, o cauim.
Ainda se justifica um grande protocolo para investigar a alimentação tradicional do silvícola brasileiro, à luz dos
modernos marcadores inflamatórios, de tolerância glicêmica e risco cardiovascular?

REFERÊNCIAS
1. Eaton SB, Eaton SB 3rd, Konner MJ. Paleolithic nutrition revisited: a twelve-year retrospective on its nature and
implications. Eur J Clin Nutr. 1997;51(4):207-16.
2. Mellberg C, Sandberg S, Ryberg M, Eriksson M,Brage S, Larsson C, et al. Long-term effects of a Palaeolithic-type
diet in obese postmenopausal women: a 2-year randomized trial. Eur J Clin Nutr. 2014;68(3):350-7.
3. Boers I, Muskiet FA, Berkelaar E, Schut E, Penders R, Hoenderdos K, et al. Favourable effects of consuming a
Palaeolithic-type diet on characteristics of the metabolic syndrome: a randomized controlled pilot-study. Lipids
Health Dis. 2014;13(1):160.
4. Jönsson T, Granfeldt Y, Lindeberg S, Hallberg AC. Subjective satiety and other experiences of a Paleolithic diet
compared to a diabetes diet in patients with type 2 diabetes. Nutr J. 2013;12:105.
5. Lindeberg S. Paleolithic diets as a model for prevention and treatment of Western disease. Am J Hum Biol.
2012;24(2):110-5.
6. Ryberg M, Sandberg S, Mellberg C, Stegle O, Lindahl B, Larsson C, et al. A Palaeolithic-type diet causes strong
tissue-specific effects on ectopic fat deposition in obese postmenopausal women. J Intern Med. 2013; 274(1):67-76.

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