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Dez anos atrás, Snowy Hollings fez o impensável: ela traiu o amor de sua
vida.
Quando tudo estiver dito e feito, este rei corporativo implacável não vai
parar por nada para atormentar a bela ruiva.
E, quando ele terminar, ela terá sorte se sobrar alguma coisa para restaurar
a integridade.
Prólogo
E eu o matei.
Não existe paixão por colegiais. Amor que mancha a alma pura. Isso te
torce. Muda você.
A culpa é tudo o que me resta dele, isso e as últimas palavras que ele me
disse, proferidas em um tribunal barulhento: —Todos os cavalos do rei, Snow.
Minha traição não lhe causou apenas uma dor indescritível. Isso
despertou sua ira, meu lindo menino que jurou ser diferente de seu pai.
Uma boa festa de noivado deve começar como uma execução, com a
última refeição e tudo. Já posso ouvir meu ‘carrasco’ marchando em
direção ao meu quarto.
Hunter afirma que corro o risco de perder meu noivo para alguma loira
idiota. Ele está perto. À noite, perco Daniel para uma morena lustrosa do
sul da Espanha, Sloane Matías-Sebastián, uma mulher que por acaso é
minha melhor amiga. Embora Daniel foda com ela por horas naquela
cobertura ostentosa dele, sou eu que estou usando seu anel. Não porque
sou mais bonita, Sloane poderia usar uma sacola de papel e ainda me
ofuscar. Não, meu status atual tem tudo a ver com meu nome de família.
Com nossas ações em jogo, seus nervos são perdoáveis. Ele não vai
dispensar a mim ou o gim que ele acumula em seu escritório até o dia em
que aquele anel cobiçado estiver em meu lindo dedo.
Eu preciso de ajuda. Meu vestido tem uma cauda que serpenteia atrás
de mim, exigindo que eu use uma mão para guiá-la enquanto equilibro
Hunter com a outra. Mamãe costumava dizer que beleza é equilíbrio:
encontrar o delicado fio entre o bonito e o pretensioso e dançar na ponta
dos pés.
—Você está linda, — meu noivo me diz antes de beijar minha bochecha.
Sloane certamente pensa assim. Ela está assistindo dos fundos, usando
uma daquelas expressões tensas que só são possíveis quando você está
morrendo internamente em um ambiente público. Dentes brancos
perolados e olhos ocos e assombrados que realizam uma leitura lenta do
corpo de Daniel. Copio o movimento e imediatamente entendo sua atração.
Seu smoking é feito sob medida por um designer italiano: um terno preto
puro com uma camisa de seda branca e uma gravata azul marinho.
Infelizmente, ele entraria em conflito com o vestido de marfim de Sloane
que apertava o corpo.
Muito tarde. Bela. É essa palavra estúpida que ativa a memória: Brandt
Lloyd nunca me disse que eu era bonita. Ou especial. Um menino tão
voltado para a moralidade nunca poderia mentir.
Daniel Ellingston faz de tudo para garantir que o mundo inteiro saiba o
quão bonita ele pensa que eu sou. Quão especial. Quão sem noção. Ele me
envolveu com diamantes enquanto olhava furtivamente para Sloane do
outro lado do salão de baile lotado de nossa festa de noivado. Ele me diz
todas as coisas certas, aninhado na minha nuca. Ele doa milhares para
minhas instituições de caridade favoritas. Nosso encontro mais simples
consistiu em esquiar nos Alpes. Ele entende meu medo da intimidade e
pacientemente afirma que podemos esperar até nossa noite de núpcias. Ele
é perfeito. Ele é maravilhoso.
—Snowy?
—Oh, Ronan. — Aceno, ainda sorrindo. Ronan, meu outro irmão muito
menos materialista. Hunter tem cifrões nos olhos, enquanto, atualmente,
Ronan mal consegue mantê-los abertos ou fora das mesas do cassino. —Ele
estará aqui. Claro.
Daniel franze a testa. —Devemos esperar ele para começar a recepção
dos convidados? — Ele acena com a cabeça em direção à mesa de presentes
embrulhados e outra garrafa de champanhe esperando para ser aberta com
o sabre. É um presente do avô de Daniel. Uma safra de um ano obscuro da
qual algum parente distante participou durante uma das Guerras
Mundiais. O segundo, eu acho.
Dez anos atrás, a maioria dos reunidos aqui mal reconhecia minha
existência. Antes eu era perfeita, linda Snowy, quando eu era apenas
Snowy. Eu era uma proscrita regulada para a periferia de tais bailes e
festas. Apenas uma pessoa ficou ao meu lado nas sombras. Ele segurou
minha mão, assim como Daniel está agora. Mas ele não me adorou. Me
honrou. Me deu carinho. Ele me conhecia. Ele me amava, mas não da
maneira que eu queria. Mas talvez seu amor tenha sido melhor no final.
Mais forte. O que eu precisava.
Minha boca dói, uma pista de que ainda estou sorrindo e estive o tempo
todo. Como uma sonâmbula, devo ter seguido o caminho. Mantendo o
sorriso no lugar, tiro o papel, revelando uma moldura prateada
personalizada.
Brandt a chamou de superficial uma vez. Ele odiava que tivesse ela e
seu bando de seguidoras em tão alta estima. —Você não quer ser como elas, —
ele sempre dizia. —Elas não têm nada pelo que viver, exceto sua aparência.
Patsy tem aguentado até agora. Seu vestido preto e justo é da coleção
exclusiva de um estilista parisiense. Ela sorri quando percebe que estou
olhando e acena como se fôssemos as melhores dos velhos amigos. Que
diferença faz dez anos e trinta quilos perdidos.
—Oh, olhe para este, querida. — Daniel inclina uma caixa aberta para
mim: outro presente de algum alpinista social ou parente obscuro.
—Snowy?
Impaciente, ele enrola os dedos sob meu queixo, inclinando meu rosto
em sua direção. —O que há de errado?
—Snowy?
Brandt Lloyd está morto. Meu lindo rapaz. O único no mundo que
poderia transformar uma provocação cruel em algo mágico. Dizendo nosso
segredo. Lentamente, deixo meus olhos abrirem e focalizá-los na capa do
livro em minhas mãos.
Humpty Dumpty1.
—Aqui, — disse ele, jogando um livro no meu colo. —Pare de fazer beicinho e
comece a aprender.
Olhei para o livro com lágrimas escorrendo pelo meu rosto e meu cabelo uma
bagunça crespa em volta dos meus ombros. Estávamos no escritório do papai.
Brandt havia entrado sem permissão, como sempre ele sabia onde me encontrar.
Assim que vi o título dourado, olhei para ele. —Agradável. Você está zombando de
mim também...
1 Humpty Dumpty é uma personagem de uma rima enigmática infantil, melhor conhecida no mundo
anglófono pela versão de Mamãe Gansa na Inglaterra. Ela é retratada como um ovo antropomórfico, com
rosto, braços e pernas.
—Leia, — ele retrucou enquanto se acomodava atrás da mesa de papai. Com
apenas dezessete anos e esguio como um chicote, Brandt parecia uma lasca de
marfim na cadeira de couro volumosa de meu pai. De alguma forma, ele conseguiu
dominar o espaço, irradiando autoridade e sabedoria. Com seus longos dedos
curvados sob o queixo, ele me fixou com um golpe severo de seu olhar azul
brilhante. —Alto. Continue.
Então, eu fiz apenas para acabar exasperado no final. —Então, não só sou
gorda, mas também irreparável? — Fiz uma pergunta porque sabia
instintivamente que seu objetivo não era insultar.
Ele sorriu. Uma daquelas expressões raras e fugazes que só ele poderia dar.
Minha respiração ficou presa, meu coração inchou no peito.
—Isso significa que você pare de fazer beicinho e se recomponha. O que é esse
canto que seu pai sempre te faz dizer?
Revirei meus olhos. —Meu nome é Snowy Gale Hollings. Isso significa alguma
coisa. Só que, — acrescentei com altivez, — tudo isso significa que somos tão ricos
que não importa se eu sou gorda e feia. A qualquer momento, ele vai me dar um
voucher para uma lipoaspiração. A única coisa que meu nome significa é dinheiro.
—Não. — Brandt se levantou, desfraldando seus membros com graça
invejável. Ninguém jamais ousaria zombar dele por sua aparência. Exceto, talvez,
para sugerir que ele era bonito demais. Tão bonito. O cabelo escuro contra seus
olhos índigo o tornava um oponente formidável. Minha raiva não era páreo, se
dissipando de mim como fumaça. —Você é a Princesa de Fogo Snow, — disse ele,
olhando para o meu cabelo rebelde e crespo. —Isso significa algo. Isso significa que
eu sempre estarei lá para lembrá-la de pegar sua bunda na próxima vez que alguma
vadia ciumenta e mimada te chamar de Humpty Dumpty.
—Snowy?
—Tudo bem.
Ele sai e me viro para a fonte, correndo pelas páginas mais uma vez.
Humpty Dumpty, meu odiado apelido. Velha Snowy, de qualquer
maneira. A menina gordinha de cabelo ruivo crespo e apenas um amigo em
todo o mundo por quem chorar. A reviravolta? Ele apenas a tolerou, a filha
do parceiro de negócios de seu pai. Ele simplesmente nunca teve a
crueldade de mandá-la embora. Engulo em seco, lutando contra as
memórias. Então jogo o livro na fonte e o vejo flutuar sobre a superfície
ondulante. Infelizmente para a vadia que me enviou este presente, não sou
mais aquela garotinha.
Com o queixo erguido, volto para o salão de baile. Em vez de ir direto
para o lado de Daniel, me aproximo do bando de mulheres agrupadas nos
fundos do salão de baile da minha família. Sloane me vê primeiro, seus
lábios se contorcendo em um sorriso falso amigável.
—Snowy, — ela diz, seu sotaque dando ao meu nome uma emoção
musical. —Você está linda. Está tudo bem?
Ignorando ela, volto minha atenção para a bela loira parada ao lado
dela. —Olá, Patsy, — digo.
—Pare com isso, Snow! — Ele gritou, me empurrando para trás enquanto
limpava a boca. O olhar em seu rosto roubou meu fôlego, eu nunca o tinha visto
tão furioso. —Nunca mais faça isso.
—Que pena que você não pode ir ao casamento, Patsy. — Franzo a testa
e balanço minha cabeça. Então pego meu vestido em um punho e viro
minhas costas para ela. —Tenha uma noite maravilhosa.
Significa que minto o tempo todo. Isso significa que não sinto nada. Isso
significa que o dinheiro supera tudo. Até a vida do menino que eu amava.
—Estou cansada, — digo a ele antes de beijar sua bochecha. —Acho que
preciso deitar por um momento.
Com uma mão, abro as costas do meu vestido e rastejo para baixo do
meu edredom, vestindo apenas um sutiã. Então alcanço atrás do meu
travesseiro e encontro um vidro de plástico escondido sob a seda. Ele
chacoalha quando o arrasto para mais perto e tiro dois Xanax para fora.
Engulo quase sem água. Mas estou acabada. Com meus olhos fechados,
inalo profundamente e tento esquecer. Tudo. Todas as memórias antigas e
as novas menos vibrantes. Afundo na monotonia em que minha vida se
tornou e deixo que isso me afaste.
Mesmo assim, seus passos persistem, arrastando pelo meu tapete persa
em direção à minha cama. Há um baque, como o da bandeja de prata
antiga da mamãe sendo colocada na minha cômoda, seguido pelo assobio
do suspiro pesado de Hunter
—Snowy…
Oh céus. Ele certamente parece mal-humorado. Minha ausência da festa
deve ter causado mais confusão do que eu esperava. Que escândalo.
—Nós... que se foda, vou apenas ir e dizer: Daniel não estará disponível
para o brunch tão cedo, Snowy.
Daniel sabia então dos problemas legais que ele enfrentava? Hunter
sabia?
Pergunto-lhe.
Ele empurra a torrada mutilada para mim. Uma olhada no rosto do meu
irmão e sei que não devo recusar. Com sua estrutura óssea mais delicada e
olhos azuis, Hunter normalmente é tão diferente do papai quanto alguém
pode ser. Bem, alguém além de Ronan. Embora, ultimamente, tenha visto
mais indícios do velho patriarca dos Hollings espiando por trás de seu
olhar astuto. Está tudo na maneira como ele me olha às vezes. Menos como
um irmão e mais como um administrador de uma de nossas muitas
propriedades, procurando falhas e planejando as melhores maneiras de
escondê-las. Afinal, ele é um Hollings.
Afinal, sua irmã não foi suficiente para atrair um empresário tão
poderoso. Ah não. Hunter teve que jogar seu jogo favorito; ele teve que
jogar.
Seus nós dos dedos ficam brancos quando ele pega mais um livro da
estante: um livro pesado sobre a arte da guerra e subterfúgios. É o tema
retumbante de cada livro nesta sala maldita. Guerra. Engano. Decepção.
Mamãe sempre trazia os seus, contrabandeados de onde papai não
conseguia chegar. Para ela éramos crianças, mas para ele?
Éramos ferramentas.
Ele nem mesmo me encara. —Não sei. Seu nome é Blake Lorenz.
Aparentemente, ele é um novo bastardo arrivista da Alemanha. Pelo que
ouvi, ele de alguma forma conseguiu o apoio unânime do conselho
praticamente da noite para o dia. Deus, acabou tudo, Snowy. O filho da
puta até comprou Bolles.
—Fale baixo! — Hunter explode, mas ele fala ainda mais alto do que eu.
Ele se vira para mim, seus punhos cerrados, seu rosto ficando vermelho. —
Você acha que eu quero mandar minha irmãzinha para espionar algum
pedaço de merda oportunista?
—‘Espionar?’ Essa é uma palavra rica para isso! E por que eu não
deveria pensar assim? — Exijo. —Você já fez isso antes. Todos vocês já
fizeram isso antes. Afinal, ser um Hollings 'significa alguma coisa.'
Significa se prostituir para qualquer pessoa desesperada por um gostinho
do nome da família!
—É o suficiente!
Eu pisco por uma fração de segundo, Hunter não é quem está olhando
para mim, inchado de arrogância e raiva. Entorpecida, deslizo dois dedos
até meu pulso e um beliscão forte coloca tudo em perspectiva. Papai ainda
está morto, meu irmão ainda não completou sua transformação nele.
—Tudo que você precisa fazer é pedir para ver o maldito homem, — ele
rosna. —Como uma noiva preocupada. Ou você já se esqueceu do homem
que supostamente ama?
—Oh, não, não preciso. Eu te dei o que você queria. — Minha visão fica
embaçada enquanto minha voz falha em uma nota de balido. Deus, agora
não. Passo minha mão em minhas bochechas em vão. O calor as cobre um
segundo depois. —Você disse: ‘Precisamos de dólares de investimento,
Snowy.’ Então, te dei Daniel...
—Sim, tanto bem aquele maldito criminoso fez por nós, hein?
—Você disse que tínhamos acabado com isso. Você nunca me pediria de
novo...
—Você sabe como é isso! — Não consigo evitar que meu lábio inferior
trema. Não. Eu enrolo minhas mãos em punhos, afundando minhas unhas
na superfície de minhas palmas em uma tentativa de controle. Duro. Mais
difícil. A dor ardente não é suficiente para combater a dor que rasga meu
peito. Ser usada por seu irmão dói, vá entender. —Você sabe...
Não tenho escolha. —Todas aquelas vezes que papai fez você ‘jogar
golfe’ com aquele rico bastardo francês que financiou nossa expansão?
—Snowy!
Ele me persegue pelo corredor até o meu quarto, e mal consigo bater a
porta antes que ele possa empurrar para dentro. No segundo que a tranco,
a estrutura de madeira balança, me assustando. Ele deve ter jogado seu
peso contra isso.
Não digo nada. Em vez disso, marcho para a minha cama e pego minha
garrafa de Xanax dos lençóis. Apenas dois pousam na minha palma
quando agito. Engulo os dois e vou para o meu banheiro. A mulher que
encontro me olhando pelo reflexo do espelho é uma estranha. Olhos
vermelhos. Estrutura inchada e grotesca. Uma Snowy de dez anos atrás
que vendeu sua alma e levou o único menino que ela amou à morte. Ela é
nojenta pra caralho.
Eu a golpeio, desejando que ela se afaste. Gradualmente, ela se
transforma em alguém novo. Delgada. Mais velha. Mais fria. Alguém que
faria qualquer coisa para proteger o nome dos Hollings. Porque isso
significa alguma coisa.
—Eu não quis dizer o que disse, — ele começa colocando as mãos nos
meus ombros.
E ele nunca fez. Nem mesmo naquela época, quando acusei nosso
amigo da família do impensável.
—E eu sei que você não fez. — Ele passa os dedos pelo meu cabelo,
afastando meus cachos soltos do meu rosto. É algo que ele costumava fazer
quando éramos mais jovens e ele levava seu trabalho como meu irmão
mais velho e protetor muito a sério. —Eu sou um idiota. Eu nunca deveria
ter dito isso...
—Não. — A culpa passa pelo olhar de Hunter antes que ele consiga
esmagá-la, como qualquer Hollings faria. —Não vá lá, — ele avisa, mas
posso dizer pelo seu tom que ele está buscando o caminho mais suave. Ele
acaricia minha bochecha e bagunça meu cabelo novamente. —Os Lloyds
eram criminosos, Snowy.
—Você está certo, — digo com voz rouca enquanto a aceitação relutante
se solidifica em meu estômago. —Sempre fazemos o que deve ser feito…
então me diga aonde ir.
Capítulo Três
Entendo a essência de sua confusão. Meu nome está neste prédio, mas
preciso de orientação para encontrar meu caminho. Na verdade, raramente
me aventuro dentro dele em dez anos. Irônico, considerando que cerrei
meus dentes na mobília de couro chique no escritório do meu pai. Seu
sangue, suor e lágrimas formam a base da empresa e, embora o layout
possa ter mudado, em sua essência, é tudo o mesmo. Cinza. Lustroso.
Industrial.
Ela olha com cautela para a porta do escritório. —Ele cancelou todos os
compromissos de hoje. Posso saber o seu nome?
—É tarde demais para mudar de ideia agora. — Ele deve estar em uma
ligação, porque não ouço ninguém responder. —Eu sugiro que você pegue
a passagem de avião... o que está feito está feito. — O resto de suas
palavras são abafadas demais para fazer muito sentido. Arrisco um palpite
independentemente. Ele poderia estar ligando para nossos investidores
agora, enquanto eu vagueio, com o objetivo de liquidar mais ações da
minha família?
—Sr. Lorenz? — Resmungo quando meus nós dos dedos finalmente se
conectam com a porta.
—Quem é?
Hunter nunca me deu uma idade ou mesmo uma ideia básica de como
ele pode ser, então meu cérebro evoca a imagem de alguém como Daniel.
Presunçoso. Arrogante. Perfumado em dinheiro e prestígio. Ele gostaria de
um tom manso, suspeito.
Eu espero.
Oh, Hunter. Pela primeira vez, todo o peso de nossa situação afunda e a
dúvida corrói minha decisão como ácido. Talvez seja como minha vigília
no sofá passa despercebida que atrai mais desconforto. Um Hollings nunca
é ignorado. Nem por um minuto. Principalmente por quase duas horas.
—Sr. Lorenz?
Minha cabeça vira ao ouvir a voz da secretária e noto um homem
passando por ela em direção aos elevadores. Minha presa, finalmente a céu
aberto? Quem quer que seja, ele inclina a cabeça para a secretária, mas não
diminui o ritmo. Aparentemente, ninguém vale seu tempo e posso ver por
quê. Ele é um monólito de músculos, construído como uma escavadeira
acostumada a passar por qualquer obstáculo. Uma sensação inquietante
transforma meu estômago em geleia oscilante. Nervosismo?
Ele é muito maior do que eu esperava. Até mesmo seu terno é muito
pequeno e seus antebraços se projetam contra o tecido preto. O cabelo
escuro entra em conflito com nosso ambiente monocromático, e ele se
destaca. Uma mancha de ébano sobre um cinza sem vida.
—Sr. Lorenz? — Saindo de sua mesa, a pobre secretária corre atrás dele.
—Eu tenho os arquivos que você solicitou...
—Sr. Lorenz?
Ele enrijece. De repente, corro o risco de dar de cara com ele e raspo os
calcanhares no piso de cerâmica para encontrar tração suficiente para
parar. Ofegante, passo minha mão ao longo de seu antebraço para me
firmar, enrugando seu terno sob medida.
Ele se vira e meu corpo corta todas as conexões com meu cérebro. Estou
quase de joelhos antes de perceber, reduzida a olhar fixamente para o meu
passado. Pensamentos. Medos. Senso comum. Todos eles se espalham.
Não pode ser. Não é. Meu cérebro luta para martelar no conhecimento...
Mas meu corpo se recusa a ouvir, mesmo quando sou atingida por
diferenças sutis muito evidentes para ignorar. Este homem é mais alto do
que o esguio Brandt Lloyd. Ele é mais velho, seu cabelo escuro mal
domado pelos dedos que ele passa por ele. Uma mandíbula severa ancora
feições tempestuosas contorcidas em uma carranca perpétua.
Eu não posso dizer nada. Tudo que posso fazer é respirar. E então
enrolar no chão como uma bola enquanto o mundo começa a girar...
Capítulo Quatro
Sua raiva tem uma ferroada semelhante a um chicote, mas não sou
estúpida o suficiente para presumir que tudo se origina de uma
preocupação comigo. Um pouquinho é o resultado do orgulho ferido.
Como alguém se atreve a rejeitar um Hollings? Minha única lesão é
simbólica: um coração latejante. Uma coisa tão ferida e batendo
freneticamente. Choque da guerra com a lógica, mas ambas não conseguem
aliviar a dor. Eu sei que o que vi não era real.
Ele não era real, Brandt, de qualquer maneira. Blake Lorenz, no entanto,
é uma realidade aterrorizante.
—Eu…
Ele é mais alto do que imaginei. Seus olhos azuis estavam mais frios,
mais escuros. A boca severa, entretanto, traçava qualquer semelhança. Não
importa o quão taciturno ou sério ele pudesse ser, os lábios de Brandt
sempre escondiam a sugestão de um sorriso, apenas esperando para ser
provocado por uma piada ou besteira. Blake Lorenz parecia que não sorria
há anos.
Ele marcha para o meu lado e se senta ao meu lado. Aproximando, seus
dedos tocam minha testa como se procurasse por um hematoma ou
inchaço, mas as tentativas são tímidas. Ele está protelando, e não consigo
entender por quê.
—Eu não alucinei, — insisto, embora pareça mais duvidoso do que ele.
Meu olhar se fixa na parede distante enquanto minha memória me provoca
com imagens. Olhos azuis. Cabelo preto. Aquele rosto lindo e assombrado.
—Eu vi ele.
—Sua mãe está perdida, Snow, — ele me disse uma vez, quase sem querer.
—Pessoas perdidas procuram companhia em lugares estranhos. Não se esqueça
disso.
Nunca soube o que ele quis dizer até agora. Estou mais do que perdida.
Estou sem leme em meio a um oceano de turbulência. Na tempestade,
minha mente se volta para tentativas tolas de me salvar. Com o telefone,
disco um número arraigado em minha alma e rezo para que a palavra da
ruína da minha família não tenha se espalhado ainda.
—Olá?
—Aqui é Snowy Hollings. — Minha voz treme. Forço uma tosse para
disfarçar o desconforto. —Eu preciso de um favor. Vou te pagar
generosamente.
Mais silêncio. Pela primeira vez, me pergunto se meu jogo acabou antes
mesmo de começar. Finalmente, um suspiro vem do outro lado da linha. —
Que lindo, pequena Hollings?
—Tudo bem. Tudo bem. — Ele bufa ao telefone. O tilintar sutil de vidro
e conversas murmuradas dão pistas sobre o que acontece ao seu redor. Um
bar em algum lugar? Aparentemente, ele não mudou muito. Ainda um
canalha, ao que parece, à espreita à margem da sociedade. —Quando você
quer isso?
—Feito.
—Foi bom fazer negócios com você, mocinha, — ele disse lentamente,
voltando minha atenção para a tarefa em mãos. —Lembra dos bons
momentos com o seu velho.
—Posso te ajudar?
Atrás dele, vejo um foyer espaçoso banhado pela sombra. Está quase
anoitecendo, mas nenhuma das lâmpadas está acesa. Qualquer mordomo
que eu conheço já teria a entrada iluminada, a menos, é claro, que o lugar
fosse mantido às escuras a pedido. A memória, que coisa lamentável, corroí
minha decisão.
Uma vez conheci um menino que amava o escuro. Isso me ajuda a pensar,
ele costumava dizer. Ele raramente acendia as lâmpadas de seu quarto,
mesmo depois do anoitecer.
Você está tão desesperada assim, Snowy? Uma parte de mim se pergunta.
Desesperada o suficiente para vender sua alma?
Para o nome da família? Não. Mas para amenizar a terrível pontada em
meu coração? Eu faria qualquer coisa para encerrar de uma vez por todas.
—Diga ao Sr. Lorenz que quero fazer um acordo. — Abaixo minha voz
deliberadamente, deixando um ar sugestivo que deixa minhas bochechas
em chamas.
Interrompi algo. Um caderno com capa de couro está aberto diante dele,
inclinado como alguém que é canhoto. Notas? Não…
A confusão passa por meu cérebro antes que o alarme a substitua. Meu
coração troveja, enviando sangue rugindo pelos meus tímpanos. Mesmo na
semiescuridão, cada linha e traço de uma caneta de tinta são
surpreendentemente claros: um esboço tosco de um salgueiro solitário.
Raiva. Ela pisca em seu rosto tão rapidamente que quase não percebo.
Sua mandíbula aperta e relaxa, traindo-o a ser um jogador especialista em
pôquer verbal. Não pela primeira vez, sinto que estou fora do meu alcance.
Mesmo Ronan, quando sóbrio, não conseguia se recompor tão
rapidamente. Mas aí está a verdadeira questão. Ele não gosta do meu irmão
sem nome. Por quê?
Hunter tem um talento especial para fazer inimigos, mas também tem o
dom incrível de fazer amigos. Principalmente porque ele trata a amizade
como um negócio e unta as palmas das mãos de acordo com isso.
—Não estou interessado em fazer um acordo com seu irmão, — diz
Blake com um significado implícito. —Na verdade... sou forçado a me
perguntar por que você está aqui em primeiro lugar, e não um de seus
irmãos, tentando negociar?
Uma pergunta muito boa. Me viro para a janela para disfarçar meu
desconforto. Um tênue contorno da lua crescente brilha sobre um céu ocre.
O sol já está se pondo abaixo do horizonte. Em breve, vai cair da noite. E
estou sozinha com um estranho em sua casa isolada.
—Eu tenho olhos, — ele diz, dando de ombros. —Do contrário, você
não estaria escondendo seu anel.
Engulo em seco. Ele tem razão. Eu tenho minhas mãos cruzadas, com a
direita embalando a esquerda, protegendo meu anel de vista.
Deliberadamente, as solto, permitindo que o diamante berrante capture a
luz. Ele brilha, um pequeno lembrete de tudo o que tenho a perder.
Daniel. Nossa fortuna. Minha sanidade.
—Talvez eu esteja errada em vir aqui sozinha, — admito para ele. Quer
eu pretenda ou não, meu desconforto é revelado, claro em cada falha
involuntária em minha voz.
—Você estava, — ele rebate, levantando. —Eu achei você uma mulher
honesta ao invés de uma tímida.
Sua expressão de lábios apertados não revela nada. —Eu sei de você. E
pelo que ouvi, você não aborda a maioria dos sócios de seu irmão para
oferecer negócios, Sra. Hollings.
—Que você fará qualquer coisa para proteger o nome de sua família.
Ele está me testando. Mas por que? Seu olhar está mais difícil de ler do
que nunca. Tão parecido com Brandt... eu nunca poderia dizer o que ele
estava pensando. Mas eu conhecia meu garoto moral melhor do que
qualquer outra pessoa. Sabia o que ele esperava de mim. Mais importante,
sabia quais linhas nunca cruzar com ele.
—E o que devo lhe oferecer, Sr. Lorenz? — Torno minha voz pesada de
propósito. Rouca. Meus dedos se movem em direção à gola da minha blusa
e o observo com cada centímetro que eles ganham, ignorando meu coração
batendo freneticamente.
Isto está errado. Mesmo Hunter não teria esse nível de sedução em
mente.
Mas nem Blake Lorenz. Outra contração de sua mandíbula fez meus
membros zumbirem. Com alívio? Lentamente, ele se afasta da mesa, seu
olhar em meus dedos trêmulos. Em seguida, ele bate com a mão na
madeira polida. —Faça.
E suspeito com uma certeza trêmula que ele não vai me deixar ir.
Capítulo Cinco
—Tsk, tsk, Srta. Hollings. — Ele bate o punho contra a mesa uma
segunda vez, o que me faz pular no lugar. —Ou você meramente balança
seu corpo diante dos homens, sem intenção de oferecê-lo completamente?
— Ele está com raiva de novo. Não indignado, como alguém impaciente
com uma provocação de pau, eu suspeito, mas ofendido.
Não que eu possa evitar a verdade por muito tempo; como a prostituta
que ele insinuou que sou, desabotoei o segundo botão da minha blusa.
Meus dedos ainda estão agarrados a ele, tremendo na base da minha
garganta e obscurecendo a mesma faixa de carne que eu expus.
Seu olhar de pálpebras pesadas nunca iluminou meu corpo do jeito que
um clarão abrasador de Blake Lorenz faz. Ele me deixa nua, minha camada
externa chamuscada até nada. Em seu olhar, não encontro a mesma
admiração lasciva que a maioria dos homens dirige a mim. Vejo íris ocas e
pupilas espetadas.
Eu vejo ódio.
Mas ele está um passo mais perto agora, os ombros curvados, as mãos
flexionando ao lado do corpo. Neste momento, ele não consegue suprimir
todas as emoções. Ele está furioso, um fato que me confunde mais do que
qualquer coisa. Encontro-me inclinado para frente, procurando em seu
olhar por... eu nem sei. Dez anos atrás, descobri minha alma para um
homem mais jovem apenas para ele se encolher de horror. Pare, Snow!
—Outro…
Não. Cada fibra do meu ser me avisa para não fazer isso. Eu deveria
correr. Conceder esse problema a Hunter como ele pediu e deixar Blake
Lorenz para um oponente muito mais formidável. Mas meu irmão não é o
único Hollings a se sacrificar: eu troquei partes de mim mesma em troca de
favores que fazem minha pele arrepiar ao lembrar. Eu fiz coisas horríveis e
desprezíveis. Nenhuma delas me fez sentir assim.
—Você faria isso, não faria? — Sua voz está rouca. Com nojo. Com...
vergonha? Eu não perco como seus olhos piscam para os meus seios
parcialmente expostos antes de encontrar os meus novamente. —Você
poderia.
Fazer o que? Ele não diz. De repente, ele bate meus dedos para longe e
uma nova força aperta o quarto botão da minha blusa, puxando o tecido já
tenso. Suspiro e ele espera, ainda segurando com força. É como se ele me
desse um segundo para protestar. Quando não faço isso, seu polegar
facilmente solta o próximo botão.
—Olhe para cima, — ele comanda antes que eu perceba que estou
olhando para o decote de seda escancarado, observando minha pele ficar
rosa contra seus dedos ligeiramente mais escuros. —Para cima, Snow. —
Há um barulho agudo, os dedos de sua mão livre se juntando, exigindo
minha obediência enquanto recuo.
Aquele nome…
Seu tom não transmite um pingo de desejo. Sou uma prostituta sob seu
comando, nada mais. Nada menos. E eu deveria dar um tapa nele e voltar.
Gritar. Saltar desta cadeira e sair como uma tempestade desta sala.
—Você quer meu tempo ou não? — Ele avisa, seus olhos se estreitando.
—Tire a porra da camisa.
Não consigo me mover. Nem consigo respirar. Todo o meu ser me avisa
que estou delirando. Desesperada. Delirante. Vejo o que quero, não, o que
estou apavorada de ver. Mas se meus olhos falham, meus ouvidos também
falham.
—Por que... por que você me chamou de Snow antes?
Nos últimos dez anos, tenho insistido em ser tratada por meu nome
completo. Não posso suportar que ninguém o encurte, nem mesmo meus
irmãos.
Ele virou o jogo novamente. Sei o que ele quer que eu diga: estou aqui
para salvar minha família da ruína. Talvez esteja ou estava.
Dentro do olhar frio de Blake Lorenz, não vejo nada dessa garantia.
Tudo que encontro é um azul escuro e tempestuoso. E... alívio?
Para ele mesmo ou para mim? Não tenho certeza. Minha cabeça está
muito ocupada girando para processar qualquer coisa além das sensações
conflitantes que assaltam meu corpo. Vergonha. Culpa. Medo. Dor.
Reconhecimento.
—Saia, — ele me diz. —Eu não vou deixar você perder meu tempo...
Ele ri, e não há como errar agora. Sua hostilidade para comigo é pessoal.
Por quê? Não me lembro do nome Lorenz entre os inimigos de nossa
família. Mas é uma longa lista, e Hunter com certeza a adicionou desde que
papai morreu. Talvez ele seja um investidor desprezado ou um ex-parceiro
amargo?
Ele suspira, ficando de pé, e balança a cabeça. —Você acha que vale
tanto?
—Estou me oferecendo.
Seu lábio superior se curva para trás. Finalmente desgosto, mas não é
nada como o de Brandt seria. Blake Lorenz não acredita que estou acima de
me rebaixar; ele acha que não valho a quantia que procuro. Pisco e o fio
que me segura cativa se estala. E vejo o homem pelo que ele é: um
estranho. Então olho para baixo e registro o fato de que estou seminua
diante dele, alegando que pretendo oferecer meu corpo em troca da fortuna
de minha família. O constrangimento toma conta de mim, deixando minha
pele rosa. Lentamente, puxo as mangas da minha blusa para cima e tateio
os botões.
—E se eu mudasse de ideia?
Olho para cima e o encontro encostado em sua mesa, uma mão apoiada
sob o queixo. Ele me observa da mesma forma que imagino que outro
homem faria com um imóvel que está pensando em comprar, calculando
todas as falhas e pesando os ganhos potenciais inesperados.
—Bem aqui e agora. Se eu fosse oferecer a você uma única ação em
troca?
Preciso de tudo que tenho em mim para não olhar para trás.
Capítulo Seis
Três dias depois, meu mundo não está menos fragmentado. Pelo menos
não foi totalmente destruído, até agora. Hoje é a nossa hora de acerto de
contas e até Hunter é forçado a parar de se ressentir de mim por tempo
suficiente para mostrar solidariedade.
—Onde está Ronan? — Pergunto enquanto aliso meu cabelo para trás
em uma espiral apertada na base do meu pescoço. Não há necessidade de
diamantes ou maquiagem para esta ocasião. Dentro de quatro horas, os
Hollings estarão quase destituídos, e todos os abutres em nosso meio
começarão a contar todas as bugigangas que valem a pena vender. —
Hunter?
—Eu não sei, — ele admite. —Mas vou descobrir, porra. — Então ele sai
furioso da minha porta.
Nos três dias desde minha infeliz visita a Blake Lorenz, nem meu irmão
mais velho nem eu vimos Ronan. Em qualquer outro momento, ficaria
alarmada, mas Ronan é Ronan. Ele provavelmente viu o colapso chegando
há um mês. Em vez de fazer algo a respeito, ele fez o que sabe fazer de
melhor: afogar suas mágoas na bebida sem confiar em seus irmãos. Mas
hoje não é exatamente o melhor dia para ele acabar com o punho de Hunter
na boca.
—Onde ele está? — Ele rosna. Esticando o pescoço, vejo uma das
empregadas, Sarah, presa entre ele e a parede. —Não minta. Apenas me
diga onde ele está!
Ronan ri, franzindo a boca. Ele olha para a garota adormecida ao lado
dele e dá de ombros. —Não estivemos fodendo a semana toda. Daisy e eu
não estivemos, de qualquer maneira...
—No momento, acho que está frio pra caralho, Hunt, — Ronan diz
secamente, suas pernas abertas descaradamente enquanto a mulher ao lado
dele luta para cobrir suas áreas vitais.
—Olha, me desculpe.
—O tribunal?
Deixamos Ronan lá sem explicação. Perto da escada traseira, olho para
Hunter com o canto do olho. Ele está carrancudo, sua mandíbula cerrada.
Nem toda essa raiva pertence ao nosso irmão.
—Acha que pode ter sido muito duro? — Pergunto enquanto subo as
escadas, apoiando nele. Já se passou muito tempo desde que nos juntamos
contra Ronan assim, normalmente, sou eu quem recebe a ira deles.
Estremeço com a imagem. Mas ele está certo. Então, deixo as lágrimas
secando no meu rosto e permito que Hunter me leve até a varanda da
frente. Um carro já está esperando por nós. Além dos portões da
propriedade, a extensão da propriedade de Hollings se estende, sem uma
van de notícias ou um repórter. Por enquanto. Em apenas algumas horas,
tudo isso mudará. Nossas vidas estarão sob um holofote muito mais severo
do que uma admiração sombria. Seremos um espetáculo, lá para zombaria
e exploração.
Mas conheço meu irmão. Ele está usando a máscara do nosso pai de
novo: aquele olhar frio e calculista. O mesmo que papai estava usando na
noite em que me pediu para fazer o impensável. De repente, a sala do
tribunal começa a esvaziar e Daniel é levado embora por seus advogados
antes que eu possa me aproximar, conduzido em direção à horda de
câmeras do lado de fora para dar seu depoimento. Com menos pessoas por
perto para ouvir, coloco minha mão no ombro de Hunter, evitando que ele
se levante.
Meu punho faz pouco barulho quando bate no assento ao nosso lado,
mas Hunter recua, no entanto. —Me diga o que está acontecendo!
Mas não preciso que ele me diga, afinal. No momento em que vejo a
culpa escrita em seu rosto, tudo se encaixa. O pior cenário possível. Daniel
fez um acordo judicial, o que significa que ele deve ter implicado outra
pessoa. Alguém muito mais atraente do que um magnata corporativo com
um império imobiliário à sua disposição.
Alguém como um Hollings.
Não é à toa que ele manteve tudo em segredo até precisar da minha
ajuda para espionar esse investidor recém-descoberto. Não foi porque
Daniel estava implicado. Hunter estava com medo de não poder mais
confiar nele. Porque quaisquer que fossem as atividades ilegais que Daniel
realizava, meu irmão também participava do esquema.
—E você teve a coragem de agir como se tudo isso fosse minha culpa! —
Bato nele. Duro. O barulho agudo ecoa por todo o carro, mas não sinto
nenhuma satisfação quando puxo minha mão. Apenas uma ardência
amarga e ardente. —Nosso Lar. Nossas vidas. Meu relacionamento. Você
jogou tudo fora...
—Não era assim, — insiste. —Não era para ser assim. Foi um pequeno
investimento.
Hunter coloca as patas na parte de trás do meu vestido, mas ele não
consegue alavancar o suficiente para me impedir de abrir a porta do carro
com o ombro enquanto o motorista desacelera antes de uma lombada.
Apoio um pé contra o pavimento e saio, correndo às cegas em direção à
saída da garagem.
—Snowy!
Nem parei para ouvir quais eram os termos de sua fiança. Prisão
domiciliar? Seu passaporte foi levado? Considerando que ele está dirigindo
sozinho, não posso dizer, e ele não parece disposto a me dizer. Uma curva
cautelosa de seus lábios é tudo que eu mereço, aparentemente.
—Snowy, — diz ele com voz rouca, —isso... não é como eu queria que
você...
Daniel não perde o fôlego com explicações. Pela primeira vez, ele não
me engana com elogios ou lindas mentiras. Ele deixa o silêncio pairar entre
nós, e o zumbido de seu motor revela mais do que as palavras jamais
poderiam. Tanto para a poderosa união Hollings-Ellingston. Ele nem me
acompanha até minha porta. É como se a culpa e a vergonha o
mantivessem enraizado no banco do motorista de seu carro esporte
brilhante, o único objeto que ele cobiçava mais do que Sloane.
—Sinto muito, Snowy, — acho que o ouço sussurrar, mas o barulho dos
pneus o afoga enquanto corro pela garagem da mansão.
—O que?
—Pessoas perdidas fazem coisas estranhas, — disse ele, enquanto uma mecha
de cabelo preto caía em sua expressão taciturna.
Considerando que Roseanna Lloyd era uma pianista talentosa que tocou uma
sinfonia apenas uma semana antes, duvido que ele quisesse dizer no sentido literal.
Pobre menino rico, sua mãe o amava demais. Mas o fato apenas trouxe à tona
outro tópico que não ousei mencionar. Nunca falamos de seu pai.
E nunca falei do meu. Forrest Hollings exigia silêncio e obediência
acima do amor. Ele governou esta casa com punho de ferro e, mesmo
agora, ninguém entra em seu escritório. Ninguém.
Sempre podia ouvir cada eco de passos naquela sala a partir daqui.
Cada suspiro e farfalhar de papéis. Cada acordo ilícito que papai fez ou
executou sob a cobertura do luar. Mas os passos decididos ecoando pelo
meu travesseiro agora não soam como ele. E Hunter não poderia marchar
tão fortemente, mesmo se estivesse pisando forte...
Alarmada, saio da cama e vou na ponta dos pés até o meu guarda-
roupa. Pego um robe e o amarro em volta de mim antes de rastejar para o
corredor. O escritório de papai fica ao lado do saguão principal, na parte de
trás da casa. A esta hora da noite, o corredor está vazio, as luzes apagadas,
o ambiente perfeito para velhas memórias prosperarem. Como as de uma
Snowy mais jovem, com os olhos marejados, correndo por este corredor
depois da escola e entrando no escritório abafado e agourento de seu pai, o
único lugar que ninguém pensaria em olhar.
Blake Lorenz franze a testa nas páginas de um dos livros de meu pai.
Ele fecha lentamente, me prendendo no lugar com um único golpe de seus
olhos gelados. —Uma pergunta melhor seria: o que você está fazendo aqui?
Ainda? Vou ficar obcecada com a escolha das palavras mais tarde.
Posso sentir, mesmo sem correr para sua suíte no andar de cima, que
Hunter não está em casa. Nem Ronan. E os criados? Fico olhando para a
ramificação do corredor que leva à escada dos fundos. Mesmo a esta hora,
nunca vi tão escuro.
Pisco neste instante, nenhum dos meus irmãos jamais chegou perto de
incorporar o espírito de meu pai como este homem. Furioso. Vingativo.
Aterrorizante.
Meu irmão está sendo questionado pelas autoridades. Minha vida está
em frangalhos. E não consigo parar de sorrir.
Com um suspiro, levanto e pego a garrafa de vinho antes que ele possa
pegá-la. —Durma um pouco, — digo a ele, sabendo que o pedido é
impossível. Minha cabeça dói. A sala está girando, mas faço o possível para
ficar de pé enquanto atravesso o saguão da suíte e jogo o vinho no lixo.
Não posso desmoronar agora. Precisa me concentrar.
Preciso pensar.
—Snowy?
—O que é?
Deus não. Estou de pé, cambaleando. A próxima coisa que sei é que
estou nos braços de Hunter e ele sussurra palavras em meu cabelo. Frases
que nunca o ouvi pronunciar.
Orações.
Capítulo Nove
Não literalmente, mas sei por experiência própria que existem algumas
garantias que até uma piscadela e um sorriso podem garantir. É melhor
não dizer alguns favores. Como ser vista com um velho barão recluso em
troca de alguns dólares de ‘investimento.’ Eu posso fazer isso. Eu já fiz isso
antes...
Mas nenhum desses momentos anteriores nunca me deixou sentindo
assim. Tensa. Doente no meu estômago. Incapaz de recuperar o fôlego.
Talvez porque as apostas nunca foram tão altas.
Embora haja uma outra virtude que me resta... tenho o que é preciso
para colocá-la à venda?
Acumular pena é uma habilidade que sempre possuí, mas luxúria? Até
mesmo Daniel escolheu matar a dele com outra pessoa. Ao pensar nele,
meus lábios se contorcem em uma carranca e de repente é impossível ficar
parada. Daniel Ellingston, o homem com quem escolhi passar minha vida,
não se importou em me avisar que ele iria destruir tudo. Estou magoada
com a traição ou mais irritada por não ter previsto? Eu não posso dizer
como a ansiedade domina todos os meus nervos.
Lágrimas brotam dos meus olhos. Mais uma vez, papai tem o estranho
hábito de prever o pior cenário possível de nosso infortúnio. O que ele diria
se me visse agora? Eu posso imaginar isso claramente. Ele inclinou meu
queixo com uma cutucada de sua mão direita, roçando minha pele com a
ponta afiada de seu anel de sinete. Seus olhos frios e cinzentos olhariam
diretamente para os meus. Então ele rosnava: —Aceite apenas o lance mais
alto. Você é uma maldita Hollings. Isso significa alguma coisa.
Dinheiro.
Estou entrando em um mundo onde meu nome não significa mais nada.
Isso significa mais do que apenas sexo. Uma mulher em Bolles precisa
estar disposta a abrir mais do que apenas as pernas para chamar a atenção
aqui. Ela precisa abrir a porra de sua alma.
Deus, odeio como ele facilmente atravessa aquela linha dolorosa entre
familiar e aterrorizante. Esses olhos pertencem a mim, mais reais do que
qualquer memória. Mas a expressão é de pesadelo. Nem mesmo em meus
terrores mais selvagens eu poderia imaginar meu Brandt tão... distorcido.
—Por que isso importa? — Minha voz sai mais forte do que eu
esperava. Meu queixo se projeta desafiadoramente no ar enquanto, por
dentro, recuo ao ver como sua mandíbula apertou em resposta.
Ele não gosta de ser desafiado. Eu tenho o que é preciso para continuar
fazendo isso?
Meu coração bate uma resposta em código Morse frenético: Claro que
não.
Cada nervo do meu corpo me avisa para ter cuidado. Não importa o
que aconteça, é pura insanidade pronunciar um nome. —Meu pai, Forrest
Hollings.
—Por que? — Rebato, mais uma vez brincando com uma possibilidade
perigosa. Meus olhos me dizem que esse estranho não se parece em nada
com o Brandt que conheci. Mas meu coração? Sempre foi uma coisa tola. —
Eu não me lembro de você, — pelo menos não do nome Lorenz —mas o
que quer que você tenha contra minha família, parece quase... pessoal.
Um sorriso irônico forma sua boca, mais alarmante do que suas várias
carrancas. —Oh, mas isso é pessoal. Sua família fez mais inimigos ao longo
dos anos do que você consegue acompanhar.
—Isso é verdade, — digo com voz rouca. —Mas não posso deixar de
sentir que você não apenas odeia minha família.
—Eu. — De repente, sem fôlego, luto para respirar. —Parece que você
me odeia.
Ele ri, mas é rápido e fugaz e não atinge seus olhos. Eles ardem sem
chama. —Essa é uma declaração muito egoísta de se fazer. Afinal, pode-se
presumir que cada um de vocês, Hollings, tem muitos pecados pelos quais
expiar.
—N-Não...
—Aí está sua resposta, então. — Não posso escapar da sensação de que
ele quer acrescentar algo mais. Por enquanto. —Agora saia. Você não
pertence aqui. Considere sua associação revogada...
—Não posso? — Ele nivela aquele olhar perigoso para mim novamente,
cortando qualquer confiança que me resta. —Seu nome não tem mais
poder. É melhor você se lembrar disso.
Mas este é um elemento em que sinto que tenho uma vantagem. Este
homem pode desembolsar dinheiro para o clube, mas os rumores sobre
seus acontecimentos eram minhas histórias de ninar, contadas como um
privilégio para meus irmãos aspirarem e uma ameaça sempre presente
para eu temer.
—E o que você poderia querer com uma adesão? — Seu tom sozinho
deve me dar uma pausa. Está muito quieto, como a calmaria antes de uma
tempestade.
— Você está…
Sua rudeza alimenta a raiva que nem sabia que possuía, inflamada na
boca do meu estômago.
—Mais do que isso, — solto, levantando meu queixo. —Eu prefiro abrir
minhas pernas no meio do Bolles do que assistir você destruir minha
família.
Ele segura meu olhar pelo que parece uma eternidade, perscrutando
mais profundamente do que meu verniz desgastado. —Abra suas pernas,
— ele ecoa finalmente, seu rosto sem expressão. —Que tal você espalhar
para o único homem aqui com algum maldito poder?
Não tenho certeza se quero saber a resposta. No entanto, ele não hesita.
—Diga o seu preço, — ele ousa. O fogo brilha atrás de seus olhos
novamente. Ele está zombando de mim. Ele está?
Ele zomba de mim, tão convencido de que viu através do meu plano
mestre. Fico horrorizada em admitir que sim. Mas prefiro morrer do que
deixá-lo saber disso.
—Vou deixar meu benfeitor decidir por si mesmo o que quer fazer
comigo, — digo, me puxando para a minha altura máxima. Mesmo nos
saltos, mal alcanço seu queixo. O que me falta em altura, espero compensar
com ódio absoluto, que despejo em cada palavra que digo a ele a seguir. —
Ele pode me ensinar a fazer o que ele quiser.
Ele levanta uma sobrancelha preta, tão estoico pra caralho. —Oh?
—Sim, porque... eu sou virgem. — Meu rosto esquenta com sua
ingestão aguda de ar. —Um fato que eu acho que alguém pode achar que
vale muito mais do que algumas contas de hospital.
—Você está mentindo. — Ele parece tão certo disso, mesmo enquanto
olha meu corpo com ousadia. Quem ele pensa que sou? Embora ele já
tenha dito isso: puta. —E, francamente, Srta. Hollings, não estou
interessado em...
Ele fica visivelmente tenso. A linha de sua mandíbula, sua postura, tudo
endurece até que ele seja uma única massa sólida bloqueando minha única
saída desta sala. Apenas um aspecto dele mantém qualquer movimento:
seus olhos enquanto perseguem o caminho dos meus dedos antes de
retornar aos meus.
—Tire a roupa.
Uma impaciência estala dele que não existia antes, e cada instinto que
possuo converge para um único pensamento: Corra.
—Eu-Eu não...
—Você quer o dinheiro ou não?
Baixei uma única alça sem perceber. Corando sob seu escrutínio, pego
um punhado da saia em vez disso. E começo a levantá-la apenas para me
pegar boquiaberta para a porta aberta. Qualquer pessoa que passar por esta
sala pode ver o interior. Sou corajosa o suficiente para deixar isso
acontecer?
—Não. — Blake está mais perto, bloqueando minha visão com seu
volume. Olhos brilhantes me mantêm cativa. —Você não pensa sobre eles,
— avisa. —Tire a porra do vestido.
E quanto ao meu corpo lhe dá essa ideia? Olhando para baixo, não sei
dizer. A pele pálida me cumprimenta sob a luz do fogo nada lisonjeira.
Minhas mãos se contraem desamparadamente ao lado do corpo, doendo
para cobrir os lugares mais vulneráveis. Mas eu não posso e ele sabe disso.
Até mesmo Blake Lorenz tem tato suficiente para não apontar minha
loucura. —Por que? — Ele exige, voltando ao assunto da minha alegada
virgindade. —Não me diga que você estava se guardando para o
casamento, pequena Snow.
—Eu estava. — Dor crua sangra livremente em minha voz, mas não há
como escondê-la agora. Eu o deixei provar um pouco do sofrimento que ele
parece desejar. —Eu estava.
—Para ele?
É uma pergunta perigosa. Uma sem uma resposta real. Portanto, não
digo nada, mas ele parece determinado a preencher o espaço em branco de
qualquer maneira.
Ele levanta outra mecha do meu cabelo e o fogo queima meu couro
cabeludo ele puxou. —Não me diga que você tinha outra pessoa em
mente?
Ele solta meu cabelo e cai na parte inferior das minhas costas. —Não. —
Então ele completa seu círculo, mas sua expressão só me alarma ainda
mais. Algo novo ilumina seu olhar, adicionando definição às suas feições
duras. —Você acha que vale a pena apostar em sua empresa, pequena
Snow?
Luto para não recuar sob seu escrutínio. Eu sou uma Hollings, canto
para mim mesma. Uma maldita Hollings. —Tenho certeza que alguém
pensaria assim. — A ostentação me deixa sem fôlego. Humpty Dumpty
está crescida; ela acha que vale uma fortuna.
—Você sabe para onde vão as garotas estúpidas, sua vadia? Elas abrem as
pernas no Bolles...
—Sim…
Minhas bochechas queimam com seu uso de palavras e ele sabe o efeito
que a vulgaridade tem sobre mim. Para ele, o triunfo é uma expressão cruel
de dentes à mostra e olhos brilhantes.
—No fim do ano. Se você sobreviver por tanto tempo. — Ele não ri para
diminuir a ameaça. Ela se lança entre nós, golpeando mais profundamente
do que qualquer forma de violência física.
Sua expressão não vacila. Não há nem mesmo um eco de pena ou culpa.
—Eu disse o que eu queria de você, — ele diz, acenando com a cabeça em
direção ao meu peito como se ele contivesse a resposta.
Ele gira sobre os sapatos enquanto meu cérebro se esforça para entender
o que sua confissão realmente significa: Se eu te odiasse... eu quero você em
pedaços.
Perto do limiar, ele rebate. —Eu não quero a porra de uma mártir. A
inocência não combina com você. Venha até mim apenas se estiver disposta
a ganhar seu dinheiro, mas não diga a seus irmãos ou contadores. Você não
conta a ninguém. Você tem um dia para decidir.
Ele retorna ao coração do clube, me deixando lá, quase nua e trêmula.
Seu ódio se apega a mim. Minha desgraça. Minha salvação.
Capítulo Dez
Papa treinou bem seus missionários. Todos nós vendemos nossas almas
para proteger seu nome. Qualquer um dos sacrifícios vale a pena?
Nenhuma resposta vem para mim nos fragmentos de sono agitado que
encontro em uma poltrona reclinável no quarto de hospital de Ronan. Ele
não se mexe o tempo todo que estou lá. Apesar dos tubos serpenteando de
seu corpo, ele nunca se pareceu mais com a mamãe...
Talvez um dia eu o faça expiar por seu papel em nossa queda. Então,
novamente, talvez isso seja apenas uma doce vingança, afinal, fui eu quem
arruinou nossas vidas primeiro. Com esse pensamento na cabeça, tomo
banho e visto um vestido novo, uma das criações parisienses destinadas a
ser usado no jantar de ensaio para o meu casamento, de todas as coisas. Por
que empacotei isso, nunca vou saber. Ele fica pendurado frouxamente em
mim. Quase uma semana de miséria e meu corpo já começa a mostrar isso.
Pelo menos o decote fundo revela bastante curvas. Seios finos erguem-
se de uma caixa torácica visível. Que atraente. Depois de vestida, me afasto
do espelho e deixo um bilhete para Hunter, explicando que irei embora por
alguns dias e para não se preocupar.
Então começo minha descida para o saguão através das escadas,
estendendo a cada segundo como se fosse realmente o meu último. Meus
pulmões se inundam com o ar fresco quando saio, e considero pegar o
carro de Hunter, o único veículo que ainda não foi tomado, mas acabo
pegando um táxi em vez disso.
Desta vez, ele não lidera o caminho até lá. Sou forçada a viajar sozinha
por aquele corredor. As lâmpadas piscam em sua configuração mais fraca,
e encontro apenas uma acesa no escritório de papai. Ou o que costumava
ser o escritório do papai.
É errado, mas por uma fração de segundo, minha mente vai para
Daniel. Todos aqueles olhares bajuladores e olhares perscrutadores. Nem
uma vez ele... fez cara feia.
De novo, nada.
Ele dá de ombros, voltando sua atenção para o meu quarto. —Até que
você possa usar as roupas que eu forneço, você não usa nada.
Deus, apesar de tudo, uma risada escorre de mim, aguda e sem fôlego.
—Você não está falando sério.
—Eu não estou? — Ele me encara novamente, mas desta vez, seus olhos
nunca deixam meu rosto. Com nojo mal disfarçado, seu lábio superior se
curva para trás. —Oh, eu fodidamente estou. Permita-me contar a você um
pequeno segredo... — Ele até se inclina para perto, regando minha
bochecha com sua respiração. —Ao contrário do resto do maldito mundo,
não estou apaixonado por Snowy Hollings. Na verdade, você não é a
primeira pessoa neste lado do país que eu quero foder. Você não é nem a
segunda nem a terceira. E não dou a mínima para o que outros homens
podem ter tolerado quando se trata de sua aparência, — ele dá um olhar
aguçado para o corpo em questão, — mas não se engane. Você quer suas
ações? Você as mereça. Não vou adaptar meus gostos para ninguém. Se
você ficar, você deve conhecê-los. Entendido?
—Se eu ficar?
Com isso, ele sai, batendo a porta atrás de si. Mas ele não pode estar
falando sério.
Blake Lorenz possui as chaves para esta nova realidade. E ele quer ter
certeza de que eu sei disso. Seu perfume permanece no ar, pesado e
perfumado. Sufocante e potente. Encontro-me inalando profundamente,
tentando decifrar cada nuance. Deus, ele é duro mesmo na forma
incorpórea. Minhas narinas coçam com a ardência de sua presença. Não há
nenhuma suavidade que procuro. Nada como…
Anos atrás, eu faria a mesma coisa para medir o quão maior eu era do
que as outras garotas. Um Humpty Dumpty gigante e desajeitado. A
memória é um jogo perigoso. Brandt foi quem me pegou primeiro,
expondo meu segredo sujo. Ainda me lembro de como ele parecia,
observando-me curvada sobre um vaso sanitário com uma bolsa de revista
em meu punho.
Não havia julgamento em seu olhar, essa era a pior parte. Ele apenas
balançou a cabeça, sua voz falhando como eu nunca tinha ouvido. —Snow,
você já é perfeita. Você é perfeita…
Até que você possa usar as roupas que eu forneço, você não usará nada.
Foi uma piada, eu acho. Uma brincadeira de zombaria com seu apelido:
Princesa Snow. Um livro de contos de fadas que abrange vários continentes
e idades. Escolho um sem pensar e acabo correndo meus dedos sobre uma
ilustração detalhada de uma figura redonda semelhante a um ovo sentada
em uma parede de pedra. Humpty Dumpty. Acho que li esse trecho pelo
menos dez vezes antes de finalmente notar os passos se aproximando da
sala. Charles? Ou outro servo?
—Eu sei que você está aqui, — diz ele da porta, mas não consigo evitar
a sensação de que ele está falando mais para si mesmo do que para mim.
Animosidade flutua no ar, entrando em conflito com a memória brincando
em minha própria alma.
—Saia.
Estico meus membros e rastejo para fora da mesa. Ele está vestindo
preto: uma camisa simples desabotoada para revelar um pedaço de carne
musculosa por baixo. Seus pés estão descalços, seu cabelo despenteado.
Saindo de sua carranca, eu suspeito que ele esqueceu sua própria
declaração. Seus olhos se estreitam enquanto fico de pé, deixando cair o
livro. Minhas mãos voam para meus seios, mas não rápido o suficiente. Ele
me olha descaradamente, dos meus mamilos expostos para baixo. A cada
centímetro percorrido, as pupilas negras dilatam-se daquela maneira
terrível que as mães alertam suas filhas em voz baixa.
Ele empurra o queixo em vez disso, para baixo para o objeto cerrado em
meu punho. Algo passa por seu rosto rápido demais para nomear.
Reconhecimento? Prendo minha respiração enquanto ele examina a capa.
—Deixe.
—Alguém me deu. — Por que digo isso a ele, não sei. Brandt Lloyd era
uma presença que pensei ter exorcizado de minha vida há muito tempo.
Ultimamente, parece que sua memória está mais forte do que nunca, em
grande parte graças ao homem que me atormentou enquanto usava seu
rosto. —Por favor...
—Chega.
Pulo quando ele avança sobre mim. O alarme passa pela minha pele
quando arranca o livro do meu alcance. Ele o abre aleatoriamente e rasga
uma página do meio. Outra. Então outra. Enquanto eu observo, ele as rasga
uma por uma e as joga no chão aos meus pés. Quando ele vira para outra
página, meu coração dispara e não consigo silenciar um grito.
—E-Espere!
—Venha aqui.
Me viro para encará-lo, reprimindo uma recusa. Ele já está sentado atrás
da mesa. Na penumbra do amanhecer, ele quase se assemelha a papai,
carrancudo em desaprovação de minha mera presença.
—Sente-se.
—Não. Lá.
A própria mesa? Quando chego lá, ele não diz nada. Em vez disso, ele
volta sua atenção para uma das gavetas e pega uma pilha de papelada de
dentro. Lentamente, me viro e coloco uma das mãos na madeira. Uma
entrada brusca de ar corta o silêncio, mas estou sem fôlego para fazer o
som.
—Sente-se. — Seu tom não deixa espaço para discussão, cortante e frio.
Meu livro? Olho as páginas com cautela, irritada além da razão quando
as lágrimas embaçam minha visão. Ele pode me pedir para tirar a roupa e
faço isso sem hesitar, mas isso? Este livro contém uma alma, sagrada
demais para profanar. Então, tento passar para outra história.
—Não faça isso, — ele responde antes que eu possa virar a página
completamente. —Leia em voz alta.
Então faço, forçando minha voz para continuar. Milagre dos milagres,
as lágrimas que brotam dos meus olhos nunca caem. Elas apenas
obscurecem as páginas até que a memória seja tudo em que eu confio. —E
todos os cavalos do rei e todos os homens do rei não conseguiram montá-lo
novamente.
Minha voz está rouca enquanto minhas palavras ecoam de volta para
mim. Já faz muito tempo que li este livro. Faz muito tempo que sinto o
cheiro dos aromas presos nas páginas. E juro que posso senti-lo. Ouço ele
prometendo estar sempre ao meu lado. Onde reis e homens falharam,
Brandt Lloyd nunca o faria.
Desta vez, não questiono. Deixei o livro cair do meu colo e escapo da
sala antes que ele pudesse me chamar de volta. Segundos depois, estou
trancada no meu quarto, agachada no chão do banheiro, os soluços saindo
do meu peito. Então, as lágrimas finalmente caem, como centenas de
pequenas adagas. Todas elas carregam o peso de dez anos. Deus, até
mesmo ler uma história simples para um estranho é como ter sal nas
minhas feridas abertas. Meus dedos registram a perda do livro, apertando
desconfortavelmente. Eu os afundo no meu cabelo para me distrair da dor
retumbante, fazendo uma trança longa que cai entre minhas omoplatas.
A falta de roupa parece ainda mais aparente aqui, com o azulejo frio
cortando minha calcinha fina. É renda delicada, nada prática. A mulher
que escolheu o fez pensando nas rugas das calcinhas. Ela não era um
batimento cardíaco da pobreza, forçada a atender aos caprichos de um
psicopata. Um psicopata que ainda não me disse o que quer do nosso
acordo.
Ainda posso sentir seus dedos arrastando rudemente sobre minha pele.
Cada um deixou marcas gravadas no músculo por baixo. Ele é muito cruel
para possessão. Não. Em vez disso, me sinto marcada, como um prédio
condenado, forçado a permanecer uma casca vazia de mim mesmo até que
uma bola de demolição finalmente me tire da minha miséria. Uma tarefa
que Lorenz parece disposto a evitar por enquanto.
Vire o jogo contra Blake Lorenz. Mas até mesmo pensar nele é um jogo
perigoso. Alguém está se aproximando da minha porta como se fosse
conjurado pela fascinação de seu nome quicando em volta do meu crânio.
Ele não bate nem abre minha porta imediatamente. Posso senti-lo ali,
pairando nas sombras, respirando meu cheiro. Odiando cada gota.
—Destranque a porta.
—Você não é uma mulher mantida, Srta. Hollings, — ele me diz. O ódio
anula cada palavra e, de repente, meu quarto está sufocante. —Você não é
uma convidada. Você está a meu serviço e espero que ganhe cada centavo.
—Você tem uma hora. — Ele invade o corredor antes que eu possa
questionar.
—Café, preto, — ele fala. —Torrada com manteiga. Ovos macios. Não
queime a porra de uma gota. Entendido?
Café? Pelo que eu sei, ele apareceu magicamente na minha caneca todas
as manhãs. Na verdade, o único Hollings com qualquer aparência de
conhecimento em torno de uma cozinha é provavelmente Hunter. Não é
como se eu pudesse perguntar a ele agora, mesmo se ele estiver sóbrio.
Sozinha, volto para o meu quarto e vejo o mundo além da minha janela.
A chuva penetra na minha visão dos jardins, abandonados depois de
apenas alguns dias sem tratamento. Para um homem que comprou uma
propriedade multimilionária, Blake Lorenz parece ter pouco interesse em
administrá-la. Seu ódio pela minha família se estende à própria
propriedade? Não consigo imaginar esse tipo de malícia. Então,
novamente, não consigo imaginar um homem tão ilegível como Blake
Lorenz. Dinheiro. Sexo. Poder. Qual deles o leva? Todos três?
Uma mulher como Sloane pode saber como explorar pelo menos um
desses desejos para seus próprios fins. Mas eu? Eu nunca tive que trabalhar
por nada na minha vida. Ou eu o tinha entregue a mim ou, como acontece
com qualquer Hollings, simplesmente o peguei. Inspirando
profundamente, volto para a prateleira de roupas novamente. Uma das
peças é um vestido que fica bem se ficar enrolado na cintura. Usando-o,
sou capaz de me encarar no espelho e traçar um plano.
—Eu disse para você não usar uma maldita coisa até que você possa
caber na roupa.
Mas ele não é nenhum dos dois. Apenas um meio para um fim, é como
meu pai me ensinou a ver qualquer pessoa que não seja um Hollings.
Como um obstáculo para conquistar ou ultrapassar. Eu o avalio com um
único olhar e tomo minha decisão. Vou conquistá-lo, não importa o que
aconteça.
—Eu-Eu entendo.
—Diga.
—Eu…
—É assim mesmo?
—Eu poderia ir para outra pessoa. — É uma opção que parece mais
atraente a cada minuto. Eu poderia voltar para Bolles e encontrar outra
pessoa. Mas há uma pequena questão que apenas Blake Lorenz pode
oferecer.
—Faça isso, — diz ele com os dentes cerrados. Seus olhos brilham quase
de alegria. —Vou queimar sua casa antes que você possa abrir as pernas.
—Errado. — Ele avança sobre mim, mas para quando está perto o
suficiente para tocar, não que ele o faça. —Você é uma Hollings. Você sabe
o que isso significa.
—Você foderia um estranho para salvar este lugar, — ele me diz, sua
voz soando com confiança.
Eu poderia. Eu vou.
—O que? — Paro na base dos degraus, ofegando com o esforço que leva
para respirar. —Você não faria.
—Me teste. Eu possuo tudo na porra da sua vida, Snow. Posso quebrar
tudo em pedaços, mas vou deixar você supervisionar quando e como.
Então saia. Saiba que, no momento em que você sair por aquela porta, vou
colocar fogo em seu mundo inteiro.
—Por que você está fazendo isso? — Nem consigo gritar. Ou falar. Eu
apenas sussurro, horrorizada com a figura me observando do topo da
escada. Seu rosto é tão bonito que dói, e agora entendo o verdadeiro
significado do inferno. Não é fogo e enxofre. É a dor envolta em Armani e
perfumada com ódio.
Mas não posso. —Eu disse ao mundo que ele era um monstro.
Ele pisca, seu rosto em branco, quase como uma tela, antes de a raiva
pintá-lo em pinceladas de vermelho. —E ele mostrou ao mundo que você
não é nada mais do que uma vadia feia, egoísta e nojenta.
—Não. — Cambaleio para fora de seu alcance, mas meus ombros batem
na borda firme de uma estante de livros, prendendo-me entre ele e a porta.
Não há como escapar.
Mas ele não quer me encurralar. Ele quer me desolada. Olhos frios e
azuis transmitem minha destruição absoluta enquanto ele apoia seu peso
contra a mesa na palma de sua mão. —Eu disse venha aqui.
Meu olhar se fixa na tesoura que ele está segurando. As lâminas gêmeas
brilham perigosamente afiadas. Ninguém me ameaçou assim antes.
Correção: ninguém fez isso abertamente.
—Três segundos.
—Abaixe-se.
—Não! — Tento me mover apenas para ser empurrada com mais força.
—Pare.
Então o que ele quer? Não consigo encontrar fôlego para perguntar.
Com um último estalo violento, ele bate a tesoura na mesa.
—Eu quero a porra de um buraco quente, que sabe a quem ela deve seu
mundo. — Ele rosna as palavras em meu ouvido. —Diga. Você precisa de
mim. Porra, diga isso.
—Isso mesmo. — Ele se retira com um suspiro. —Você está certa, porra.
Agora, limpe essa porra dessa bagunça.
Eu o ouço sair. Em algum lugar mais no fundo da casa, uma porta bate.
O silêncio desce, durando apenas um segundo antes que meus soluços se
quebrem. Eles arrancam de mim, sem palavras e uivando. Não sei quanto
tempo fico aqui, ofegando por ar. Tudo o que tenho certeza é da escuridão
e do frio implacável quando volto para o meu quarto.
—Levante-se.
Deus, eu posso ouvi-lo. Você pode fazer qualquer coisa se parar de deixar o
mundo entrar na sua cabeça.
É assim que ele me quer. Mas então por que pagar por mim?
—Pare...
—Ou você se lembra da mentira? — Ele deu um passo mais perto sem
que eu percebesse. Cada palavra atinge meu ombro nu em uma explosão
de calor abrasador. —Você se lembra de estar sentada no tribunal e de
olhar nos olhos dele enquanto dizia ao mundo inteiro que ele...
—Ele me estuprou.
Sua mão livre vem traçar a linha de minha mandíbula com uma ternura
surpreendente em comparação com a cadência gutural de sua voz.
Uma respiração aguda fica presa na minha garganta. Ele está perto
demais. O calor irradia de sua forma, queimando minha carne. Nua, não
tenho proteção contra sua presença. Sem salvação. Com uma carícia gelada
na minha bochecha, ele tira qualquer aparência de compostura que eu
tinha. Lágrimas caem e ele ri ao vê-las.
—Responda-me.
—N-Não.
—Você não poderia. — Ele sibila por entre os dentes com a minha
resposta. —Agora me diga por quê.
O fogo rasteja pelo meu couro cabeludo enquanto seu aperto aumenta
ainda mais, arrancando fios perdidos de seus leitos foliculares.
—Digo para você me foder, você vai me foder, — diz ele, e tremo sob a
ameaça implícita. —Eu te digo para ir ao Bolles e foder todos os bastardos
lá...
—Eu vou recusar. — Nunca saberei como encontrei forças para
combatê-lo. Pode ser o vislumbre de emoção que pego em seu olhar,
mesmo agora. Algo tão fraco, mas tão inegável que desafia suas garantias
do oposto.
Ele joga a cabeça para trás e ri, olhando carrancudo para o teto. —
Pequena Snow, sempre tão presunçosa...
Seu olhar passa por mim, observando meus seios nus e coxas trêmulas.
Ao contrário de sua insistência, o pego demorando-se no espaço entre
minhas pernas enquanto um músculo em sua mandíbula balança contra a
pele esticada.
—Diga, — peço. Uma parte de mim não vai descansar até que ele o faça.
Talvez seja vaidade? Ou puro desespero. Eu não quero você, Snow.
—Vou pegar o que me é devido, Snow, — ele me diz, dando um passo
perigoso à frente. —Eu vou te foder cru para provar meu ponto se for
preciso: eu sou seu dono.
Ele faz. Não há como negar; mesmo se eu quisesse ser corajosa, não
poderia. Sua posse é minha única graça salvadora. Mas ele não vai provar
isso tão cedo, eu suspeito. Ele vai me fazer esperar. Ele vai me fazer sofrer.
Ele vai me fazer pensar em como ele vai me quebrar.
Mas não assim, olhando nos meus olhos, rosnando de ódio. Posso
tolerar sua violação, mas não quando ele se parece com Brandt.
—É assim mesmo? — Ele zomba, seu lábio superior puxando para trás,
mas ele se afasta de mim, levantando a mão do meu peito. —Então como?
Me diga, Snow? Como você quer ser violada?
Abro meus olhos, uma escrava de seus caprichos. Pairando sobre mim,
ele é um estranho novamente. Blake Lorenz, determinado a me levar ao
limite.
Ele ri, uma risada sombria que invade meus poros como veneno,
queimando. Ardendo. Me contorço em uma agonia silenciosa. Deus,
preciso correr. Cair fora. Me mover.
Ele se matou e parte de mim com ele. Ele tirou sua luz, deixando apenas
escuridão. E nunca vou encontrar minha saída deste inferno, e talvez uma
parte de mim o culpe por isso. Mas minhas palavras têm um significado
diferente para Blake Lorenz. Uma risada quebrada sai de sua garganta
enquanto ele se afasta antes de se virar para a porta.
Ele faz uma pausa, deixando o silêncio durar e a antecipação crescer até
que eu quase posso sentir o gosto. Justamente quando o pavor atinge
alturas insuportáveis, ele lança um olhar antipático por cima do ombro.
Ele se foi antes que o verdadeiro impacto de suas palavras pudesse ser
absorvido. O constrangimento vem primeiro, inundando minhas veias.
Curvada como estou, só posso proteger muito de mim com dedos
trêmulos. Escolho meu estômago, sentindo pedaços de gordura e carne.
Quando tenho certeza de que ele se foi, rolo para o lado e fico olhando
para o chão, tentando me obrigar a correr. Minhas pernas se recusam a
obedecer e, em vez disso, volto minha atenção para a porta do banheiro.
Meu estômago se revira, meu eterno inimigo. Eu sou nojenta. Eu sou
repulsiva. Eu sou uma mentirosa.
Nesta época do ano, cada dia parece breve e escuro, eles estão ficando
mais curtos, afinal. Mais frios. O calor vem na forma de pores do sol
vermelho-sangue espalhados no horizonte. Mas nem mesmo um segundo
depois, ele se foi, sufocado pela escuridão opressora. Blake Lorenz mora no
escritório do meu pai, uma criatura da meia-noite que dá contexto às
sombras. Seus sussurros lembram o arranhar de uma caneta de tinta, me
perseguindo em um sono profundo.
Ele até sente como Brandt. Sua proximidade queima como Brandt.
Com sua boca a centímetros do meu ouvido, esse espectro exige uma
coisa. —Porra, me diga por quê, — ele rosna. —Me diga por que você fez
isso, Snow. Apenas me diga por quê.
—Eu precisei…
—Porque…
Ele se encolhe com a confissão, pronto para se retirar, mas não posso
deixá-lo ainda. Agora não. Meus dedos encontram seus ombros e apertam
o algodão feito sob medida. Estranho. Meu Brandt adorava camisetas e
coisas sujas e descartadas pegadas em lojas de segunda mão. Ele adorava
jeans surrados e jaquetas de couro. Mas ninguém mais poderia se
conformar com meu corpo assim, feito para me confortar quando tudo o
mais parece perdido. Uma parte de mim dói em reconhecimento. Faz tanto
tempo.
—Fique.
—Eu te amei, — digo a ele antes que seja tarde demais. —Tudo o que fiz
foi por você.
Mas não posso. Então ele se enfurece. Dedos duros cavam em meus
quadris, as unhas primeiro. Meu grito arranha o ar, sem fôlego demais para
ter qualquer substância.
O calor queima por trás dos meus olhos. Eu fecho, mas ele se recusa a
ser ignorado. O calor lambe meus lábios. Seu polegar. Lentamente, ele os
separa, procurando minha língua, querendo que eu experimente...
—Deus, sua boceta de merda. — Algo engrossa sua voz além da raiva.
O mesmo instinto estimulando sua respiração irregular leva sua pélvis
contra a minha.
Garotas boas e bem-educadas não devem notar essas coisas: paus tensos
e luxúria mal contida. Blake Lorenz liga e desliga como se estivesse
apertando um botão. Um minuto, ele está frio. No próximo, ele está
pegando fogo, me esmagando contra a minha cama.
O medo antigo trava uma batalha inútil, nem de longe tão potente
quanto deveria ser. Ele não é Brandt, mas meu corpo traidor não parece
saber disso. Ou talvez meus membros doloridos simplesmente não se
importem. Eles se alimentam das intenções que emanam de sua pele. Um
som baixo se forma em sua garganta, aprofundando-se cada vez que recuo.
Movo. Respiro.
Muito tarde.
—Abra-se para mim, Snow. Eu sei que você sente isso também...
Negue-o.
Outro gemido baixo ecoa contra o vale entre meus seios. Os lençóis
ásperos prendem a pele do meu lado enquanto ele coloca uma das mãos
neles, lutando por estabilidade.
—Você é linda pra caralho, — ele rosna. —Como diabos você pode ser
bonita?
Eu tenho um gosto muito doce. Com interesse renovado, ele abaixa sua
boca na minha e cada nervo do meu corpo pisca em resposta. Quente. De
repente, ele se afasta, deixando-me queimando, seu olhar com as pálpebras
pesadas de nojo.
—Diga.
Morder meu lábio não bloqueia a admissão por dentro. —Você não é
ele, — suspiro.
Um grito sai dos meus lábios enquanto ele enfia a mão entre as minhas
pernas, não muito perto do meu monte, mas perto. Perto o suficiente para
despertar memórias velhas e sujas.
Não tenho escolha. Seu tom áspero e odioso é a chave, torcendo minha
alma irregular e me forçando a abrir.
—Me toque. — Minhas pernas se separam, dando a ele espaço
suficiente para ocupar. Meu peito aperta, permitindo-me ver onde seu
pulso desaparece entre minhas pernas.
Ele me toca como se eu fosse uma coisa quebrada e abatida. Ele nunca
vai me recompor, ele não quer. Eu sou uma mercadoria danificada, mas ele
vai levar o que sobrar.
Talvez porque meu corpo chore por ele. Contra ele. Memórias crescem
em meu crânio, ameaçando se soltar, mas ele as empurra de volta,
mantendo tudo sob controle, mas com sensações estremecedoras,
vergonhosas e doloridas. Eles me fazem contorcer contra sua mão, meus
quadris sacudindo avidamente. O que eu quero, eu nem sei. Talvez eu nem
mesmo queira isso. Vou persegui-lo de qualquer maneira como uma
mariposa em direção a uma chama. Ele vai me deixar queimar.
—Eu poderia te foder assim, — ele fala, balançando a mão com vigor,
aumentando a pressão.
Minha cabeça cai para trás, minha boca se abrindo em choque. —N-Não
me machuque.
Ele ri, parecendo tão cansado. Um homem em uma guerra, lutando uma
batalha perdida que ele não pode se render. Meus olhos se fecham contra
ele enquanto a invasão aperta, provocando uma queimadura profunda e
abrasadora. Em seguida, eles abrem novamente. Ele está mais perto, seus
olhos absorvendo cada reação de dor que não consigo esconder.
—Sim, — ele range. Mais aperto. Mais pressão dolorosa. Mais dor
primária. —Leve-me mesmo que doa. Olhe para mim. — Ele geme quando
faço isso, descansando seu rosto contra o meu. —Você me leva mesmo que
doa.
—Jesus Cristo, não deveria ser assim, — lamenta ele, ajoelhando-se para
olhar para mim em desespero.
A dor torna suas feições mais vazias do que congeladas. Ele é a sombra
esquelética de um homem, assombrado pela substância brilhando nas
pontas dos dedos que ele está segurando para inspeção. Uma língua de
ébano desliza por entre seus lábios, roubando uma gota para si mesmo. Ele
lambe dois dedos. Três de uma vez, sibilando quando o líquido encontra
sua língua.
O que exatamente?
—Você não deveria estar mais úmida, Snow, — ele me diz, sentindo
cruelmente por si mesmo. A umidade abre um caminho fácil para o
polegar percorrer, penetrando profundamente. —Porra, você deveria estar
gritando.
—Eu não sou ele, — ele repete entre gemidos guturais. —Eu não sou ele
porra.
—Me diga que você é. — É um desejo patético e mortal antes que ele me
rasgue. —Me diga que você é e eu direi o que você quiser. Eu farei o que
você quiser... apenas me diga que você é...
—Não. Ele. — Ele vira meu rosto em direção a ele, garantindo que eu
veja cada centímetro. Cada recurso defeituoso. Todos os belos e retorcidos
poros e rosnados. —Não mais.
Meu corpo inteiro se torna uma ferida na qual ele mói sal alegremente.
Um golpe. Outro. Outro. Ele prepara uma tempestade dentro de mim,
muito feroz para uma caixa torácica fraca e carne de papel para conter.
Com um grito, algo se solta e se derrama. Eu sou uma poça de gasolina. Ele
é um fósforo aceso...
Deus, preciso que isso tenha sido um sonho. Um pesadelo. Eu oro por
essa realidade com cada fibra da minha alma. Mas nenhuma quantidade de
palavras sussurradas alivia a umidade entre minhas pernas ou a
queimação latejante dentro de mim.
—Eu possuo você agora, — ele me disse. —Eu fodidamente possuo você.
—Onde diabos está meu café da manhã? — Ele não grita. Ele nem
mesmo parece zangado, apenas resignado: um mestre dando ordens ao seu
escravo.
—E-Eu estou indo.
Espero até que seus passos retrocedam para além do meu quarto antes
de pegar uma toalha e me secar. A ideia de ficar nua agora me faz pensar
em perder o dia, me escondendo aqui o máximo que puder. A pele pálida
revela muitos segredos. Impressões digitais avermelhadas em meus seios,
impressões de mãos em minhas coxas. Lábios inchados, mordidos e
corados.
Preparo o mesmo café da manhã que fiz no outro dia. Desta vez, tenho
mais sorte ao preparar café de verdade e criar uma mistura de ovo e
torradas alguns tons mais claros do que o preto. Como antes, o encontro no
escritório, curvado sobre a mesa, papéis espalhados diante dele.
Leia. É o meu livro que ele colocou na borda mais distante da mesa, sua
capa surrada captando a luz fraca do dia. Cedo demais. A lembrança de
Brandt atinge uma ferida profunda e esmagadora. Meus olhos piscam
rapidamente enquanto minha respiração se aprofunda. De alguma forma,
eu recupero o controle. Ignorando seu café da manhã intocado, circulo a
mesa sem encará-lo. Me fixo no lindo dia se desenrolando além de uma das
janelas enquanto me sento na beirada da mesa. Quando o arranhar de uma
caneta sobre o papel aumenta, pego o livro e deliberadamente o abro em
uma página diferente da anterior: a história da Cinderela.
Ele não diz nada enquanto leio em voz alta. Neste escritório, as palavras
caprichosas de um conto de fadas se chocam com as paredes de painéis
escuros e a mobília clínica de Papai. O conto de Cinderela está tão fora de
lugar aqui quanto Guerra e paz sendo lido em uma de nossas galas
chamativas dos Hollings. Mas ele escuta enquanto minha voz falha e eu
gaguejo palavras. Ele está me testando. Finalmente, termino, embalando o
livro no meu colo. Não me atrevo a pedir para ficar com ele.
Eventualmente, a confusão de papéis corta o silêncio.
Mas algum dia verei uma moeda de dez centavos? Um ano foi sua
exigência, e uma parte profundamente arraigada de mim questiona essa
linha do tempo. Alguns dias foram uma provação. Agora, entendo sua
frase: se você sobreviver.
Seu cheiro sozinho age como uma barreira invisível, me mantendo fora,
não importa quantos passos tente dar. A única maneira de se opor a ele é
prender a respiração e correr para a mesa. Meus dedos trêmulos travam na
gaveta de cima e a abrem com força. As páginas se desdobram, uma pilha
organizada de pergaminhos em branco. Tento outra gaveta e encontro
canetas organizadas em fileiras organizadas. O restante contém o único
item de interesse: um livro, pequeno e encadernado em couro. Mas não é
meu. Uma olhada abaixo da capa revela que as páginas são manuscritas.
Um diário? Ou um registro.
O Lloyd Estate certa vez reivindicou o outro lado dessas águas, mas
sempre encontrei o membro mais jovem aqui, enrolado no parapeito da
janela com o nariz em um livro e uma lata de refrigerante apoiada entre as
pernas. De alguma forma, ele podia me sentir chegando a um quilômetro
de distância, não importa o quão absorto ele estivesse ou o quanto eu
viesse furtivamente. Ele sempre sabia o momento exato para levantar a
cabeça, encontrando meu olhar através das vidraças. Um simples dar de
ombros seria sua saudação, o único convite que eu precisava para me
juntar a ele. Por dez anos, esse peitoril não foi reclamado.
Até agora. Déjà vu desce quando vejo a figura curvada no antigo lugar
de Brandt. A última vez que o vi aqui, fiquei alarmada. Um hematoma
púrpura, cobria seu olho direito e seu lábio havia sido cortado.
—Não é nada, — ele insistiu quando exigi uma explicação. Mas essa não foi a
primeira vez que o encontrei com algum tipo de hematoma, e ele nunca precisou
me dizer a causa.
Esse dia se destaca agora por apenas um motivo. Ele parecia tão esperançoso
então, mesmo ensanguentado e surrado. Fiquei preocupada com o fato de seu pai
vir atrás dele, mas ele balançou a cabeça e riu da minha preocupação.
—Pai? — Ele sorriu então, tirando meu fôlego, junto com meu bom senso. —
Não... aquele desgraçado não é pai. Ele não é pai.
Ele parecia tão feliz, apesar da declaração mórbida, e como uma idiota, fui
arrebatada pela simples presença de sua alegria. Era contagioso naquela época. Sua
felicidade era meu veneno. Isso me tentou a cometer um ato tolo que arruinou
tudo.
Um ruído repentino me traz de volta ao presente. Olho para cima e
encontro Blake Lorenz, ainda curvado diante da janela. Ele está consumido
por algo em suas mãos, manipulando-o enquanto subo na pequena
varanda de madeira. Ele não levanta os olhos para me ver. Então, sou
forçada a bater, equilibrando cuidadosamente minha bandeja em uma das
mãos. Um grunhido é sua resposta, ressoando pela madeira velha.
Por dentro, descobri que a casa principal não é o único interior que ele
procurou mudar. Meu pai usava este lugar para armazenamento,
mantendo velhos equipamentos de barco e brinquedos sobressalentes de
meus irmãos e eu pois tínhamos crescido demais. Estantes vazias. Uma
mesa de bilhar. Toneladas de equipamentos de ginástica antigos da
Hunter. Apenas o último permanece, espalhado por uma sala vazia em
intervalos aleatórios. Alguns equipamentos que não reconheço e devem ser
seus: mais halteres do que Hunter poderia acumular durante sua curta
temporada de rugby.
—Você pode ir, — diz Blake. Ele nunca parou seu treino, mas ele não é
menos intimidante deste ângulo do que pode parecer quando se eleva
sobre mim. A luz do sol amarela se derrama sobre seu cabelo escuro,
destacando a crista de músculos contra sua camiseta cinza e calça de
moletom preta.
—Brandt…
—Se você fez... ele alguma vez falou sobre este lugar? — Adiciono com
pressa. Embora por quê? Talvez a dor masoquista de mencionar esse nome
em voz alta seja o que preciso para me distrair de todo o resto. Este
minúsculo quarto é muito fechado, mas a mansão parece tão distante.
Fecho os olhos e, por uma fração de segundo, me lembro dos velhos
tempos. Qual a sensação de estar segura, feliz e... amada?
—Não. — Um tom insensível corta minha fantasia, deixando uma dor
amarga. —Ele não mencionou esta casa. Ele mal mencionou você. Na
verdade…
—A única vez que ele mencionou você foi por pena, para ser honesto. A
mentirosa gordinha e desajeitada que arruinou sua vida. Embora, — ele
acrescenta, sem se importar em como vacilei, meus olhos se enchendo de
lágrimas. Seus passos sacodem a velha estrutura até sua fundação, me
jogando na ponta dos pés. —Houve uma coisa que ele disse. Que você
tinha uma paixão boba e patética por ele. Como um cachorrinho perdido.
Você até o beijou uma vez, não é. Hmm? Você se atirou nele, uma puta
estúpida, mesmo então.
—Você quer saber o que Brandt Lloyd pensou de você? — Ele segura
meu queixo, forçando meu rosto a poucos centímetros do dele. O hálito
quente escalda meu queixo e se arrasta entre meus lábios entreabertos. —
Você o enojou. Mas não era porque você era gorda ou patética, ah, não, não
é. — Ele aperta seu aperto quando tento me virar, me forçando a encontrar
seu olhar. —Ele te odiava porque, por baixo do exterior repulsivo, você não
era nada por dentro. Apenas uma pequena prostituta oca.
Ele franze a testa com a admissão, odiando, mesmo quando ele fala em
voz alta. Ele só vai me querer assim: uma concha da mulher reivindicada
por Brandt Lloyd. Brilhando com interesse renovado, seu olhar passa
rapidamente por mim, estreitando-se com a visão do meu vestido. Ele o
toca como se percebesse que estou usando pela primeira vez, arrastando o
polegar ao longo do colarinho gasto e escovando o brasão da East Mayfield
Prep. Em seguida, uma carranca substitui o ódio e meu estômago fica tenso
em um pressentimento.
—Porra.
Suspirando, ele traz seu rosto perto do meu, descansando sua bochecha
contra a ponte do meu nariz com uma gentileza surpreendente. Ele deixa o
contato durar por um segundo terrível, mantendo meu queixo preso o
tempo todo. Enquanto ele se afasta, seu dedo desliza novamente, torcendo-
se dentro de mim.
Ele deve odiar esse fato, porque ele me empurra para trás tão
repentinamente que eu cambaleio contra a parede.
—Fique de joelhos.
Caio sem pensar duas vezes, esfregando minha carne contra a madeira
velha enquanto ele caminha ao longo do chão um pouco além do meu
alcance. Tensa, vejo sua sombra piscar, sua mão sempre se movendo,
puxando seu cabelo. Ele está contemplando. Falando de algo. Ou dele.
Qualquer que seja sua decisão final, meu coração gagueja de pavor quando
ele finalmente dirige sua atenção para mim novamente.
—Levante-se.
Estou meio ereta quando sua mão cai sobre meu ombro e me empurra
de volta para baixo.
Mas Blake Lorenz nunca me chamará de sua filha da puta campeã. Ele
simplesmente quer destruir qualquer dignidade que me resta.
—Oh sim, Snow, — ele sibila quando hesito, meus dentes cerrados. —
Abra a porra da sua boca.
Ele baixa as calças até os quadris, revelando que está nu por baixo. Com
sua postura tensa, ele parecia tão distante e frio como sempre. Mas uma
parte de sua anatomia se estende em minha direção, praticamente
pulsando de necessidade. Deus, ele parece ainda maior na luz do dia
implacável. Impossivelmente enorme, com veias dilatadas circundando seu
comprimento como correntes ineficazes. De alguma forma, ele se encaixou
dentro de mim, me esticando para tomá-lo. Eu não sei como não rasguei na
porra das costuras.
O toco primeiro, hesitante, tratando-o como uma arma. Algo que exige
o máximo cuidado para não me machucar. Carne quente e sedosa vibra
contra meus dedos. Um escovar e ele cambaleia na ponta dos pés, soltando
um suspiro. Há uma maldição em algum lugar, mutilada além da fala
reconhecível. Chupe. Porra. Chupe.
Sem escolha, separo meus lábios tanto quanto ouso, colocando minha
língua entre eles. Devo prová-lo primeiro? Engolir meu orgulho para abrir
espaço para seu comprimento? Não tenho a chance de escolher uma opção.
Ele se lança para frente, empurrando a cabeça inchada de seu pau contra
minha boca, forçando para dentro. Reflexivamente, minha língua tenta
barrar seu caminho, passando a coroa, sentindo o gosto de almíscar.
—Merda…
Maldito seja meu orgulho. Fecho meus olhos e esbanjo atenção em cada
centímetro de seu comprimento. Canalizo Sloane e as revistas sujas que ela
costumava recomendar para ‘gorjetas’ depois de muitos coquetéis.
Segundo ela, os homens gostam de desespero. Eles gostavam quando você
lambia como uma mulher faminta lambendo um picolé. Como se você
morresse sem o gosto deles em sua língua. Como se o homem em sua boca
fosse o único no maldito universo. A habilidade nunca funcionou para ela,
e não funciona para mim. Quanto mais atenção eu presto ao seu
comprimento, mais forte ele me segura, até que estou choramingando entre
lambidas ansiosas.
—Jesus... que se foda... — Estrondo. Cada palavra sai dele, gritada entre
gemidos.
Lamba.
Minha língua dispara ao longo do meu lábio inferior, com gosto de sal.
Me encolho com o sabor, esperando amargura. Mas, Deus, é muito rico
para decifrar de uma vez. Sloane me disse uma vez que esperma cheirava a
alvejante e tinha o mesmo sabor. Blake Lorenz cheira como o inferno na
forma líquida, provocando-me para analisar cada gota.
Não fique tão ansiosa. Não se arraste para a frente com minha bunda no
ar e meu nariz arranhando o chão. Não persiga todos os vestígios dele
conforme ordenado. Não o engula. Posso ouvir sua respiração, áspera e
instável enquanto termino minha tarefa. Então meus olhos se abrem
gradualmente e o encontro ainda sentado no supino, me observando com o
olhar semicerrado. Nos últimos segundos, porém, ele conseguiu puxar as
calças para cima. Uma protuberância já se estica contra o tecido.
—Sempre será assim entre nós, — diz ele. —Você é apenas um pequeno
buraco apertado. Um receptáculo. E não dou a mínima se você termina ou
não. — Ele franze a testa enquanto expressa a afirmação, e algo cruza sua
expressão, puxando um suspiro da minha garganta.
—Venha aqui.
—Pegue, — ele cospe, ainda trabalhando para abaixar o peso até o peito
e levantá-lo novamente. —Pegue os lados.
Obedeço sem questionar, envolvendo minhas mãos nas barras de metal
que formam a estrutura do equipamento. Quando o peso sobe novamente,
ele é cruel, levantando-o tão alto que eu poderia sentar nele, esfregando a
fricção em minhas dobras.
—Porra.
—Merda... é como se você tivesse sido feita para isso, Snow, — ele rosna
em meu ouvido. —Tão apertada pra caralho.
Feita para isso. Para ele. Sua palma cobre meu quadril, marcando posse
em minha carne. Ele empurra novamente, indo ainda mais fundo do que
antes, me rasgando.
—B-Brandt...
—Merda, eu deveria odiar foder você, — ele admite, com a voz rouca.
—Olhar para você deve deixar meu pau mole pra caralho, mas é como... —
Ele geme em exasperação, e o imagino passando as mãos pelo cabelo. —É
como se você estivesse na porra da minha pele.
Voltar de onde? Não recebo uma resposta antes de ele partir. A porta
não bate atrás dele, deixada para balançar em dobradiças enferrujadas,
trazendo o ar frio da tarde. Agachada de joelhos, não consigo me mover,
mesmo enquanto o ouço marchando pela trilha, em direção à casa
principal. Seu silêncio é meu verdadeiro castigo. Em seu rastro, não há
nada para disfarçar meus gemidos trêmulos enquanto meu corpo ainda
surfa em ondas de sensações elétricas torturantes. Não há como evitar a
sensação de sua semente secando nas minhas costas.
Não há misericórdia.
Capítulo Dezesseis
Ele se foi. Sei disso antes mesmo de entrar em casa para um silêncio
infinito. Charles não está espreitando no corredor, e a sombra é uma
cobertura tentadora, tentadora demais para resistir. Tomo banho primeiro,
perdendo tempo me limpando de cada gota de suor e luxúria. Esfrego cada
membro em carne viva até que minha pele fique rosada. É quando me
permito colocar meu vestido e rastejar descendo as escadas, em direção ao
escritório de papai. O espectro de Blake Lorenz espreita em cada centelha
de sombra ou ranger de madeira velha. Desta vez, vou direto para a mesa e
abro a última gaveta. O livro-razão permanece intocado, uma isca
tentadora. Poderia ser a resposta para reconquistar pelo menos parte da
fortuna da minha família? Estou desesperada o suficiente para tentar.
O suor escorre pelas minhas costas enquanto luto para lembrar cada
algarismo, até a última casa decimal. Em seguida, coloco a página dentro
do livro-razão e corro daquela sala como se o próprio diabo estivesse nos
meus calcanhares. Com o peito arfando, entro em meu quarto e desabo na
beira do colchão. Será que alguém de dentro da empresa enviou esses
números para Blake? Daniel? Não. Até mesmo pensar nisso é demais para
suportar. Então, ignoro o mundo.
Lençóis frios são um refúgio fraco. Ainda assim, escondo meu rosto
neles, uma tentativa inútil de evitar a bagunça ao meu redor. Lençóis
ensanguentados. O fedor persistente de suor. Gotas de fluido seco
espalharam-se pelo meu chão. Ele assombra este espaço estreito tão
completamente quanto ele me assombra. As paredes se fecham, ameaçando
me esmagar por inteira. No final, pego meu travesseiro da cama e me
arrasto pelo corredor, para o escritório de mamãe. Pensar. Para descansar
minha cabeça. Esconder.
A sala dela é o único lugar que parece que Blake Lorenz ainda não
profanou. Sua cadeira ainda está lá no canto, seus livros intocados. Deus, se
eu fechar meus olhos, é como se ela estivesse aqui, uma presença calmante
em minha psique danificada. Mas ela está mais fraca agora do que nunca.
Apenas um eco fraco envolvendo minha forma maltratada enquanto me
enrolo em sua cadeira e a imagino lendo para mim um de seus contos
especiais.
Estou surpresa com um sentimento que não consigo nomear. Ele rasteja
sob minha pele, despertando os nervos e torcendo meu estômago. Então o
cheiro e meu olhar gira para a porta, onde ele está banhado em sombras.
—Saia.
Espero, meu coração martelando no meu peito, mas ele nunca sobe as
escadas. Eu escuto a noite toda em busca do som de sua abordagem, muito
depois que a luz do dia rasteja no horizonte e meu quarto é trazido para o
foco total. Só quando a luz do sol beija minhas vidraças finalmente rastejo
da minha posição e arranco os lençóis da minha cama, deixando-os
empilhados no canto. Consigo encontrar o armário que contém os novos na
ala de empregados. É apenas quando me esforço para colocá-los sobre o
meu colchão que me permito imaginar onde ele dorme. Aqui? No antigo
quarto de Hunter ou talvez no de Ronan? Talvez ele tenha reivindicado
uma suíte na ala dos hóspedes.
Ou talvez ele tenha reivindicado o velho e ventoso quarto em que papai
morou até seu último suspiro. Curiosamente, nenhum outro lugar parece
adequado. Desaparecendo com os pensamentos de Blake Lorenz para as
profundezas da minha psique, onde eles pertencem, eu tomo banho apenas
para me vestir com o mesmo vestido de infância. É preferível a ficar nua, e
não tenho coragem de testar um dos meus novos vestidos. Agora não.
Mal tirei um pão da despensa quando seu cheiro atinge minhas narinas
com força total. Não me lembro da última vez que comi. Na verdade... a
única substância que agraciou meu estômago veio de Blake Lorenz.
Líquido salgado e amargo. Apenas um pedaço de pão enfiado quase na
minha garganta pode banir a memória. Mais. Mais. Não há ritmo para os
pedaços enormes que arranco com os dentes e tento engolir. Apenas fome
desesperada. Apenas fraqueza. Apenas uma necessidade patética de me
esconder do espectro invadindo minha casa e minha cabeça. Mas a comida
não pode preencher o vazio. Na verdade, ele fica mais largo, esticado como
meu estômago, agitando-se e gorgolejando de desgosto.
O vômito sobe pela minha garganta. Mal chego à pia antes que os
primeiros vômitos surjam sem ajuda. Meus dedos são necessários para
perseguir o resto, cutucando o fundo da minha garganta até que eu seja
recompensada com um engasgar violento e mais vômito. Me limpo de cada
mordida, cada pedaço de pão. Mas nunca me senti limpa. Apenas Snowy
suja e imunda.
Ele olha minha boca molhada e minhas mãos trêmulas. Então ele corta
seu olhar para a bandeja que contém seu café da manhã intocado. —Traga,
— ele ordena antes de liderar o caminho para o corredor.
—Leia.
Um baque silencioso me alerta para o livro que ele coloca ao meu lado.
Cegamente, o alcanço, abrindo em uma página aleatória. A caligrafia antiga
chama minha atenção primeiro enquanto abaixo meu olhar para o
parágrafo mais acima. Tinta gasta desfigura as margens, notas e mensagens
que eu há muito pensei terem desaparecido. Piscar não os faz desaparecer,
pois as memórias coçam minha visão como uma lixa. Este livro. Esse
cheiro. Ninguém poderia recriá-lo.
—Leia.
Posso sentir seu olhar sem vê-lo. Gelo desce pela minha bochecha,
transmitido por sua atenção cruel.
—Eu não vou te dizer de novo.
Minha voz ecoa, soando etérea e sem corpo. —Humpty Dumpty sentou
em uma parede...
Meu coração acelerou, a confusão lavando qualquer dor que eu pudesse ter
sentido ao me voltar para a história em questão. Meu antigo apelido tinha o poder
de cortar como uma faca, mas nunca com ele. Seu apoio constante foi transmitido
simplesmente em uma única linha rabiscada perto do título da história: Um milhão
de homens não poderiam consertar sua bunda, mas eu posso. Eu sempre vou.
Viro meu olhar para a capa do livro, mas já estou passando pela porta.
Não consigo parar. Pés vacilantes me levam para o corredor, tão longe do
livro quanto meu equilíbrio vacilante permite, enquanto as lágrimas
continuam a cair pelo meu rosto, misturando-se com soluços quebrados
que não consigo suprimir.
—Você chora por ele agora, — Blake solta, sua voz um silvo. —Mas
você estava chorando então? Huh? — Ele alisa meu cabelo para trás e
enxuga a maior parte das minhas lágrimas. Quando eu pisco, seu rosto é
trazido em foco, uma máscara de puro ódio. —Quer saber o que fizeram
com ele? Naquele lugar? Como trataram um pervertido condenado?
Não! Tento virar a cabeça, mas seu toque fica brutal, me puxando de
volta para encará-lo.
Seu aperto afrouxa um pouco e giro para fora de seu alcance. Quase
chego na cozinha antes de sua voz chicotear atrás de mim, um chicote
pungente. —Espere.
Mas eles nunca tiveram literalmente seu suor e sangue gotejando até os
alicerces da casa. Ofegante, finalmente volto para o meu quarto,
estremecendo quando bolhas se formam nas solas dos meus pés. A
umidade desliza minha roupa pela minha pele. Deus me livre, se já
estraguei ele. Cuidadosamente o tiro, examinando o tecido em busca de
falhas antes de deixá-lo dobrado ao lado da minha cama. Então tomo
banho, deixando a água tão quente quanto aguento.
Ele pode ter cortado meu cabelo e levado minhas roupas, mas ainda sou
Snowy Hollings. Meu nome ainda significa alguma coisa, embora eu não
tenha certeza do quê. Procuro meu reflexo vazio e rosto. Pobre coitada.
Poucos dias depois de sua tosquia brutal, meu cabelo parece ainda pior,
irregular e saindo de todos os ângulos. Neste corte meus cachos não têm
definição. Nenhum propósito. A única maneira de recuperar um pouco de
elegância é alisar meu cabelo para trás e prendê-lo com uma faixa de cor
creme retirada de uma gaveta.
Blake Lorenz tirou todas as roupas do meu quarto, mas deixou meus
produtos de higiene pessoal intactos. Encontro maquiagem suficiente para
colorir minhas bochechas pálidas de blush e escurecer meus olhos com
delineador. O rímel completa o visual. Por um segundo, considero o
batom, mas então me lembro de seu último uso para minha boca e mudo
de ideia. Eu não suportaria desperdiçar uma única camada de Dior em
alguma parte de sua anatomia. Francamente, essas quatro paredes,
guardadas por Blake Lorenz, estão começando a cobrar seu preço. Dias fora
da sociedade e mal sei o que vou fazer quando voltar. Devo sorrir como
Blake sugeriu? Correr e se esconder? Me esgueirar para ver Hunter e dizer
a ele o que eu encontrei?
Fico tensa com as palavras. Elas são uma piada? Seu rosto não revela
nada, embora seu olhar pareça se concentrar em seu interior. Em um piscar
de olhos, ele está olhando para milhas além de mim.
—Ele te amava, mesmo que não fosse da maneira que você queria. Ele...
ele pensou o mundo de você. — Sua voz engrossa, me assustando com sua
intensidade.
—Então... — Minha voz falha em uma nota de balido. Não, uma parte
de mim lamenta. Agora não. Eu passei tanto tempo sem desenterrar o
passado ou apresentar quaisquer desculpas patéticas. Mas a barreira das
perguntas se rompe. Eu não posso mais segurá-las. —Por que ele não
respondeu às minhas cartas, então?
—Que cartas?
Olho para ele bruscamente. O rubor de raiva que passei a associar a ele
drena de suas bochechas, me deixando sem fôlego. Ele parece tão diferente
sem raiva. Tão... humano.
—Se vista.
Ele deixou sapatos para mim também, um par de meus próprios saltos
pretos. Isso significa que ele manteve meu guarda-roupa em algum lugar
da casa? Não me atrevo a ter esperança. Em vez disso, entro no corredor e
o encontro esperando por mim ao pé da escada. Só agora me permito
imaginar onde um homem como Blake Lorenz iria comigo em seu braço.
Um braço que ele não parece ansioso para estender. Ele franze a testa
enquanto desço a escada, seu olhar passando rapidamente pela minha
cintura. Ele está desapontado por eu ter cumprido seu desafio? Espero que
uma carranca prove isso, mas ele apenas inclina a cabeça ligeiramente para
o lado, e não consigo afastar a sensação de que ele está intrigado por um
motivo diferente do choque.
Deus, esta noite, ele parece mais disposto do que o normal a usar o
nome de Brandt como uma faca, cortando fundo onde ele sabe que vai doer
mais. Meus dedos tremulam sobre meu estômago, comprimindo a gordura
através do cetim. Brandt raramente falava de mim, mas posso imaginar o
que ele poderia ter dito. Inferno, Blake já me deu um gosto cruel.
—Ele sempre foi um idiota poético. Pela maneira como ele falou sobre
você, alguém pode ter pensado que você era um anjo.
—Ele disse, — Blake insiste como se sentisse minha dúvida. Ele avança
um passo, estendendo a mão para tocar a saia do meu vestido. Estremeço
com o contato, sentindo seu calor morder o cetim. —Ele falou sobre seus
olhos, tão azuis. Seu cabelo. Ele amava seu cabelo...
—Oh? Me diga. Como você enviou essas chamadas cartas? Você fez isso
na mesma noite em que ele te estuprou?
—Quem?
Nunca o vi assim. Apesar de todo o seu ódio aparente por mim, ele
nunca olhou para mim com um ódio tão cru e ardente.
—Quem?
Ele parece mais desequilibrado. Sua mão agarra o corrimão, seu corpo
encurvado. Por um segundo, me pergunto se ele se machucou de alguma
forma. Um ataque cardíaco? Então seus olhos encontram os meus e tudo
que encontro neles é uma resignação sombria e assustadora.
Minha mente evita adivinhar a resposta. Algo está errado. Sinto isso no
ar, essa pulsação agourenta me incitando a correr. Com a intenção de fazer
exatamente isso, levanto cambaleando e desço o restante da escada. Chego
perto da porta. Muito perto.
Nem vem. A apenas alguns passos da minha porta, seus passos mudam
de direção e o sinto entrar em um cômodo diferente. Um que ele ainda não
contaminou.
Seus olhos giram em minha direção, mas ele não para de atacar. Um
golpe. Outro. Novamente. Ele abre um buraco nos painéis sob o escritório e
espia os espaços empoeirados. Franzindo a testa, ele se vira para outra
estante, aquela ao lado da cadeira dela.
—Pare!
Mesmo daqui, posso ver minha letra e sentir o cheiro do meu perfume
antigo. Elas são minhas, escondidas nesta sala. Mas por que?
Ela? Minha mãe? Engulo em seco, lutando para dar sentido a tudo. Mas
tudo o que realmente sei é o seguinte: mamãe nunca mandou minhas
cartas há tantos anos.
Este pesadelo fica mais real a cada dia, e quero acordar. Mas quando
meus olhos finalmente se abrem, estou presa em um mundo em ruínas de
madeira retorcida e pedaços espalhados de uma cadeira antiga. A presença
de mamãe é tão real que posso vê-la contrabandeando minhas cartas para
esta sala e colocando-as sob a almofada da cadeira. Mais tarde naquela
noite, ela provavelmente me trouxe para esta mesma sala e me embalou em
seu colo enquanto eu chorava sobre o estado da minha vida.
E o tempo todo, ela sabia. Eu deveria estar tão surpresa? Afinal, sou
uma Hollings. Isso significa algo.
—Leia.
Como se sentisse o desejo, ele abaixa a carta de volta para o resto. —Eu
vou te fazer esta oferta uma vez. — Sua voz inspira arrepios que sobem até
meus braços. De repente, estou congelando e este homem, esse estranho,
parece estar a quilômetros de distância. —Leia a porra das cartas. Me diga
o que elas dizem ou... — Ele se interrompe enquanto suas mãos fecham os
punhos sobre a mesa. As veias onduladas pulsam contra sua pele,
transmitindo seus batimentos cardíacos acelerados. —Ou farei você desejar
ter optado pela primeira opção.
Minha garganta fica seca com a ameaça. Formar palavras requer que eu
lamba meus lábios e inale profundamente. —Eu não posso.
Ele se levanta, empurrando a cadeira para o lado. Ela voa para trás e
quase me atinge. Apenas consigo sair do caminho e direto para o caminho
dele. Ele agarra meus ombros, me empurrando em uma estante de livros. A
crista de uma prateleira morde minha espinha, mas o desconforto não é
nada em face de sua expressão. Olhos estreitos olham através de mim, um
azul tempestuoso e assombrado.
—Você disse que contou tudo a ele, — diz ele. —Você disse que tinha
uma explicação. Então diga. Diga!
—Oh? — Ele leva seus dedos até minha bochecha, mas eles tremem,
roçando minha pele. —Então vou tratá-la como a vadia mentirosa que você
é. Eu vou te machucar, Snow. — Não há zombaria desta vez.
Seus olhos vidrados, sua boca apertando. Quase não vejo o tapa
chegando, acontece muito rápido. A dor queima meu crânio, afiada, mas
longe da força que sei que ele é capaz. Esfrego a área com dedos trêmulos
enquanto o observo, minha boca aberta.
—Curve-se sobre a mesa. — Ele agarra sua frente, puxando os botões de
sua camisa. Os dois primeiros caem pelo ataque, mas ele não se preocupa.
Seu braço ataca em seguida, derrubando as cartas no chão. —Agora.
Blake Lorenz sem palavras vem atrás de mim, lançando uma sombra
que me deixa na semiescuridão. Quando sua mão pousa nas minhas costas,
espero pela violência. Em vez disso, ele puxa rudemente meu vestido
elegante. Gradualmente, minha bunda fica exposta e o ouço gemer,
parecendo aflito. Em seguida, seu pé força seu caminho entre os meus,
afastando-os mais e me abrindo para ele.
E ele faz, mas sem nunca ter que me tocar. Sua respiração roça na minha
garganta enquanto ele abaixa o rosto no meu ombro, quase me esmagando
com seu peso.
—Eu não vou dizer que gostaria que você escolhesse a primeira opção,
— ele rosna contra minha orelha, escaldando a carne tenra com o calor de
sua confissão. —Eu preciso de você assim. Odiando você...
A mesa range sob seu peso quando ele apoia a mão contra ela, a
centímetros de distância da minha cabeça. Sua sombra pisca e então a carne
encontra o espaço úmido entre minhas pernas, mordendo profundamente.
Dividindo. Invadindo. Meu grito ecoa, mas não é alto o suficiente para
abafá-lo.
—Eu faria, — ele diz enquanto luto em vão para rastejar debaixo dele.
—Eu teria que fazer, — ele murmura quase suavemente no meu cabelo
enquanto seus movimentos se aceleram. —Você... imploraria... que eu...
para...
Uma grande mão passa pela minha barriga e passa por baixo de mim.
Ele encontra as dobras chorosas onde estamos unidos e esfrega, esmagando
o que parece ser um polegar sobre a carne sensível. Minha coluna se contrai
a cada passada brusca, como se eu fosse um brinquedo de corda a seu
critério. Um brinquedo.
—Seu corpo nos frustra, — ele sussurra. —Nós dois precisamos da dor...
mas você não pode nem me dar tanto.
Ele empurra para trás sua mão, e posso ouvi-lo pegar vacilante suas
roupas do chão. Atordoada, o observo, minha bochecha ainda pressionada
contra a mesa.
Suas costas nuas estão voltadas para mim, ondulando com músculos e
tensão, preso dentro de uma casca de pele fina como papel. Pele
danificada. Cicatrizes antigas definem sua forma volumosa, adicionando
toques de vulnerabilidade onde não deveria haver nenhum. Sinto uma
pontada na barriga. Pena?
Minha entrada acentuada de ar chama sua atenção, mas seu rosto não
revela pavor ou vergonha. Ele meramente encontra meu olhar e o mantém
pelo que parece uma eternidade, me gelando até os ossos. Uma expressão
aparece em suas feições, uma que comecei a temer. Depois de ajustar o
colarinho, ele estala os dedos.
—Venha aqui.
Só agora percebo que ele não tentou puxar as calças para cima.
Talvez eu deva. Eu luto com o peso de como seria fácil dar a ele o que
ele quer. Ele praticamente me implorou.
Eu preciso te odiar.
Lentamente, estico meus membros, estremecendo quando novos
hematomas latejam em minhas pernas. Para seu aparente aborrecimento,
me aproximo dele. Sua próxima respiração sibila por entre os dentes
enquanto ele estende a mão para traçar lágrimas que nem percebi que
estavam caindo. Eu tremo quando seu polegar passa pelo meu lábio
inferior, empurrando minha boca aberta.
—Limpe-me, Snow.
—Sim, — ele murmura sobre mim. Suas mãos seguram meu queixo,
forçando meu olhar até o dele. Ele acena com a cabeça de forma
encorajadora, acariciando seus dedos ao longo da minha mandíbula. —
Faça.
Quase por reflexo, sua mão agarra um pedaço do meu cabelo, puxando
meu rosto para seu escrutínio. Estou despojada sob sua atenção. Então ele
me puxa para mais perto enquanto segura seu eixo com a mão livre. Luto
contra a necessidade instintiva de fechar meus olhos. Eu os mantenho
abertos, observando-o me observar, seu rosto é aquela máscara retorcida de
raiva que passei a associar a ele. Minha boca se abre e minha língua dispara
hesitantemente, traçando a coroa molhada.
Não. O medo rasteja por mim com a ideia de ser sufocada novamente.
Meu esôfago ainda está dolorido de antes. Sem pensar, volto para seu pau,
desta vez lambendo-o mais rápido. Mais difícil. Ele grunhe de surpresa, e
tenho certeza que ele arranca pedaços do meu cabelo pela raiz. Então ele se
enrijece. Minha mão sobe como se por conta própria, agarrando-o com um
punho fraco. Desesperada para imitar o aperto na minha garganta, eu
aperto.
Sua raiva ressoa em meus ossos quando ele passa por cima de mim,
arranca meu vestido do chão e se limpa com o cetim. Então ele joga a roupa
de lado antes de pegar outro item. Este, ele mostra à luz do dia nublada
que entra pela janela: uma das cartas. Seus dentes rangem no ar quando ele
agarra o outro canto do envelope, preparando-se para abri-lo. Antes que
pudesse, ele berra algo ininteligível e joga com tanta força que ricocheteia
em uma estante.
—Que se foda! Que se foda… — Ele puxa seu cabelo, e seu olhar
encontra o meu, estreito e inquietante. —Se você não vai ler, fique aqui.
Você não se move um centímetro, porra.
Se afastando de mim, ele se vira e marcha para a porta. Sinto seu olhar
varrer meu corpo deitado uma última vez. Então ele se foi deixando a porta
aberta e exposta ao ar frio que gelava o resto da casa. Em poucos dias, meu
refúgio familiar tornou-se uma cripta gelada, assombrada por velhas
lembranças.
Meus olhos ardem. Piscar piora a dor e, mais uma vez, me encontro
chorando, incapaz de desacelerar o ataque de miséria. A umidade mancha
a tinta velha, tornando-a ilegível. Apenas uma mancha preta sobre o
marfim desbotado, muito parecido com a forma como o passado manchava
nosso futuro perfeito dos Hollings. Papai sempre me alertou para não
insistir e nunca me arrepender. Éramos Hollings, e isso significa...
Isso significa…
—Que diabos?
Estúpida. Estúpida!
Estou empolgada com Blake Lorenz. Ele me enche, mais decadente do
que qualquer bolo ou doce. Ele é veneno. E não posso mantê-lo fora. Não
posso mantê-lo dentro. A bile sobe pela minha garganta, impossível de
engasgar. Desesperada, meu olhar gira para o lago brilhando além da
janela, e saio da casa de barcos e tropeço em direção ao cais. Meu reflexo
me olha da superfície da água, tão oco e pálido que brilha. Talvez ela não
seja eu, mas uma alma fantasmagórica condenada a assombrar a
propriedade Hollings. Ela me observa balançar, chegando mais perto.
Mais. Mais próximo.
O alarme desce pela minha espinha antes que meu cérebro possa
processar isso. Em pânico, pego a grade, mas tudo que encontro é ar. Então
minhas pernas cedem, me jogando para o lado.
Thwack!
—Não!
—Maldita. Respire!
—Você não pode fazer isso, — ele sibila enquanto sou empurrada de
costas para ficar olhando para o céu. —Você não pode me deixar. Não até
eu deixar você ir. Eu não deixei você ir. Eu não...
—Pare.
Endureço com o comando severo, mas não posso suportar virar minha
cabeça o suficiente na direção da voz para avistar a figura parada ali.
—Onde estou? — Estremeço. Sou eu? Minha voz nunca soou tão
estridente e esganiçada.
Ele parece tão seco. Como se minha morte fosse um assunto tão
intrigante quanto o clima. Gemendo com o esforço, levanto minha cabeça o
suficiente para vê-lo parado no canto, apesar da dor que o movimento
desencadeia. Seus braços estão cruzados sobre o peito, seu rosto sem
emoção.
—Você morreu, — diz ele, mas sua expressão não muda em nada.
Quase como se ele nem estivesse ciente das palavras que saem de sua boca.
—Seu coração parou de bater. Eu senti. Você morreu em meus braços.
Imagens enchem meu crânio, sem contexto. Preto frio. Céu cinza. Um
anjo. Um demônio, me vendo sufocar.
Seu silêncio chama atenção para o que ele não está dizendo. Ele quer
que eu pergunte algo a ele, mas não sei o quê. Meus pensamentos são
líquidos, intangíveis demais para decifrar.
Ele não tem escolha a não ser me alimentar com dicas mais sutis. —Eu
terei o restante de suas coisas encaminhadas para o local de sua escolha
antes da liquidação, — acrescenta ele, e franzo a testa enquanto meu
coração acelera. É essa hesitação que detecto? Não. Não pode ser. Blake
Lorenz não hesita em lançar suas bombas cruéis.
—Sim, — ele interrompe. —Nosso acordo era que você ficasse comigo o
ano inteiro. Mesmo a perda de uma noite não estava no acordo...
—Você não pode fazer isso. — Minha voz ainda carece de definição
real. Lambo meus lábios e tento sentar-me ereta. —Você não pode fazer
isso...
Deus, ele está horrível. Mesmo o golpe mais duro de seus dedos não
consegue domar seu cabelo selvagem. Suas roupas parecem úmidas e o
cheiro salgado de água parada vem de sua direção. Porque, por alguma
razão, ele pulou atrás de mim...
Isso está mais claro agora, embora uma parte de mim se recuse a
acreditar: suas mãos batendo no meu peito, tirando a água dos meus
pulmões. Meu peito arfa com as memórias enquanto minhas costelas se
contraem sobre os pulmões de papel de seda.
—Está feito. — Ele balança a cabeça e, pela primeira vez, seu olhar
parece se concentrar em mim diretamente. Ele franze a testa com o que
encontra. Então ele se vira para a porta, endireitando os ombros.
—Por que você está assim? — Minha voz falha abertamente, mas não
consigo nem tentar disfarçar a dor. Estou soluçando de novo, rangendo os
dentes contra qualquer som que possa escapar. Mas um gemido sim. Em
seguida, um gemido estridente. Estou tão fraca que até ele estremece com o
som e seus passos lentos. —Você conheceu Brandt...
Nem dói mais dizer o nome dele. Talvez agora eu possa finalmente
admitir que ele é um espectro. Ele está morto e se foi, mesmo que o homem
diante de mim me lembre dele em cada centímetro de seu ser. Meu Brandt
se foi.
Blake ri, mas é um som vazio que me dá calafrios até os ossos. —Ele era
bom, — ele diz suavemente. —Ele te amava. E ele está morto. Enviarei um
aviso sobre onde você pode coletar suas coisas...
—Você me prometeu.
Mais uma vez, ele para perto da porta, seus músculos inchando com a
tensão reprimida. —Uma promessa não significa nada no mundo dos
negócios. Você é uma maldita Hollings. Não me diga que você não sabe
disso.
—Você não pode fazer isso! — Uma dor diferente de tudo que já senti
rasga meu peito, durando mais que qualquer lesão. Eu vejo Hollings
Manor perdida para sempre e meu coração fratura fisicamente dentro de
mim. Posso senti-lo batendo em um ritmo desconexo. —Você não pode...
Ele se dirige para a porta e, desta vez, não olha para trás. —Bem-vinda
ao mundo real, — diz ele. Um suspiro acompanha suas palavras. Ele tem a
coragem de parecer cansado, como se tivesse me feito um favor exaustivo.
—Um mundo onde seu nome não significa uma merda, uma vez que é
levado embora. Onde aqueles que você mais ama podem traí-lo em um
instante. Onde ninguém dá a mínima se você uivar de dor com a injustiça
de tudo isso.
—Senhorita?
Olho para cima e encontro uma enfermeira na porta. Seu uniforme azul
contrasta com o branco ao redor e destaca a cautela em seu olhar.
Instantaneamente, suspeito que ela não estava aqui sozinha, mas enviada.
Ela franze a testa, mas sai correndo da porta. Mal consigo saborear
minha aparente vitória quando uma nova figura aparece em seu lugar.
—Snowy?
Deus, agora não. O homem parado na porta parece tão cansado que mal
o reconheço. É realmente Hunter? Nos últimos dias, ele envelheceu bem
além dos trinta anos. Seu paletó está amassado, a camisa branca por baixo
manchada com o que espero ser café. O cheiro o trai: é vinho.
Ele olha para a porta. —Ele está bem. Melhor do que o esperado, na
verdade. Ele está acordado há três dias. Eu tentei te ligar...
Perguntas que ele não expressa em voz alta permanecem em seus olhos
enquanto seus dedos envolvem deliberadamente meu pulso, o que é algo
que ele não faz há anos. O ato sempre foi seu teste testado e comprovado
sempre que eu ia longe demais. Ele se afasta, mas não consegue suprimir
sua expressão de horror antes que eu perceba.
—Snowy? — Ele acaricia meus cachos tosados. —Vou pegar algo para
você comer. Você gostaria disso?
Corro descalça até a porta da Mansão Hollings e bato nela com os dois
punhos, sabendo que mal vou fazer barulho. A exaustão despedaça meus
nervos. Estou tremendo com o esforço que preciso para ficar de pé. Com
apenas uma fina camisola de hospital, meu corpo está indefeso contra o
frio cortante. O inverno está no ar e parece zombar de mim com sua
chegada iminente: você falhou.
—Desculpe?
Recuo como se tivesse sido atingida. Aquela voz. Não é a voz áspera de
Blake ou o tenor suave de Charles. Não... o tom suave só poderia pertencer
a uma mulher. Uma jovem, percebo enquanto a luz do vestíbulo ilumina
suas feições delicadas. Ela é alta e magra, com cabelos loiro-claros
lindamente ondulados sobre os ombros. O vestido dela não é nada
parecido com as roupas finas que Blake escolheu para mim, mas um
vestido azul marinho de corte modesto. Seus olhos verdes me observam
com cautela, descendo até os dedos dos pés descalços.
—O que é?
Eu a vejo sair correndo, essa criatura linda e perfeita. Não muito tempo
atrás, eu sabia como imitá-la. Como encantar ela. Como intimidá-la. Eu era
ela. Inocente e bonita, à disposição de um homem. Ela até anda do jeito que
eu costumava fazer: devagar e sem pressa, sem nenhuma preocupação no
mundo em atrasar seus passos ou assim ela deixa todo mundo pensar.
Blake Lorenz fez o possível para me destruir desde o dia em que nos
conhecemos, mas isso... isso me destrói. Me curvo, segurando a porta para
me apoiar. Eu o ouço dizer algo. Rosnar alguma coisa, mas não consigo
entender o quê. O mundo gira pelo que parece uma eternidade enquanto
um sussurro zombeteiro rasteja em meus pensamentos: você pensou que era
a única?
Estou me agarrando a ela com toda a força, evitando que ele feche com
força. Quanto mais ele tenta, mais meus dedos seguram o painel de
madeira. Eu não deveria ser capaz de segurar, mesmo com minha saúde
plena.
Por algum motivo, ele não está lutando contra mim. —Solte...
Ele levanta uma sobrancelha enquanto seus olhos vão para a porta. Se
não me engano, um sorriso puxa sua boca antes que uma carranca destrua
qualquer vestígio de humanidade.
—Você me disse que eu não poderia perder um único dia com você.
Estou aqui.
—Ainda. — Meu tom o fez franzir a testa e olhar para trás, com as
sobrancelhas franzidas. —Eu não me inscrevi para isso.
—E se ela for?
—Jesus Cristo.
Ele me agarra antes que possa me mover sozinha. Piscando, encontro a
sala girando mais uma vez, se transformando no corredor do andar de
cima e depois no meu quarto sombreado.
Não tenho certeza se minha cabeça bate no travesseiro por sua intenção
ou acidente. Mas ele sai do quarto antes que eu possa decifrar qualquer
indício de preocupação. Sozinha na escuridão, espero até ter certeza de que
ele desceu as escadas antes de me levantar. Qualquer movimento é uma
provação que cerro os dentes para suportar. Minha cabeça lateja e o suor
cobre meus membros enquanto finalmente chego ao meu banheiro, usando
a parede como suporte. Aqui, acendo a luz e me preparo para enfrentar
minha expressão.
Oh Deus. O horror drena o pouco de cor que resta do meu rosto. Isso
não pode ser eu.
Sou uma concha oca, forçada a voltar para as sombras do meu quarto.
Meu coração aperta instavelmente no meu peito. Ele não pode querer...
agora não. Olho para a porta, mas a pergunta que preciso fazer não escapa
da minha língua. Minha cabeça lateja. Meu corpo dói. Eu não poderia pará-
lo se tentasse.
Apertei meus dentes, mas ele riu em triunfo, parecendo mais instável
do que alegre.
—Não cometa o erro de pensar que não vou foder com você, mesmo
assim, — avisa ele, passando possessivamente a mão por baixo do meu
vestido, roçando minha coxa. Ele está quente.
—Você voltou para mim, — acrescenta ele enquanto seu toque viaja
mais alto, afastando a roupa fornecida pelo hospital. Ele tem uma visão
clara do meu estômago agora. Minha barriga. Entre minhas pernas... —
Você voltou para isso. — Ele enfia um dedo dentro de mim sem
preâmbulos, e não consigo silenciar meu choro.
—Você não sabe o quão linda você está assim. — Ele gira meu rosto em
sua direção e acaricia a linha de pontos em chamas. —Fico duro só de
pensar nas coisas que eu poderia fazer com você, — ele admite. Com seu
próximo passe, ele pressiona contra o ferimento, apenas o suficiente para
fazê-lo doer mais. —Os hematomas que eu poderia deixar em sua pele. As
maneiras que eu poderia fazer você gritar. Sua dor é uma droga, Snow. —
Ele inala asperamente, seu olhar desfocado. Deus, é assim que ele está
agora: drogado. —É um inferno de merda. E você voltou.
—Eu voltei.
Deus, pela primeira vez, é como se ele estivesse... aberto. O azul sem fim
se estende para a frente, me devorando, me convidando a olhar. Para ficar
boquiaberta. Que criatura infernal e atormentada ele é. Há uma agonia em
seu olhar que ele nem tenta esconder. Na verdade, ele me desafia a me
virar enquanto ele esfrega sua pélvis na minha, me forçando a tomar o
máximo que posso dele. Meus nervos se contraem, querendo mais do que
qualquer coisa me esconder de seu escrutínio. Mas não posso. E não vou.
Ele me afogou de novo, fodendo seu caminho até a minha alma. Com
uma maldição, ele joga a cabeça para trás, sibilando como se estivesse
furioso com seu corpo por ousar chegar ao clímax agora. Ele gira os
quadris para afastá-lo. Muito tarde. Ele uiva enquanto sua liberação me
inunda, e ele afunda com a força disso. Estou presa embaixo dele, forçada a
sofrer todo o impacto de seu peso quando sua boca encontra a curva do
meu ombro. Ele se mantém dentro de mim, obstruindo o fluxo de sua
semente, me fazendo senti-lo. Incremente com ele.
Ele não me ouve. Seu grande corpo domina minha cama, me fazendo
questionar como já compartilhamos um espaço tão pequeno. Porque nós
fizemos. Só Deus sabe por quanto tempo ele ficou ao meu lado, ainda
dentro de mim.
—Blake.
Ele grunhe, chutando os cobertores, atacando com os punhos cerrados.
—Porra. Afaste-se de mim, porra! — Ele varre o ar e encontra seu joelho,
esmurrando. Agarrando.
—Brandt…
Digo esse nome sem pensar, pressionando minha palma com mais
firmeza contra seu peito. Seu batimento cardíaco bate contra mim,
vibrando como um louco. Ele libera calor, mas ele está tremendo ao mesmo
tempo, seus dentes batendo. Esse olhar apático deixa seu olhar e ele pisca,
focando no meu rosto. Por alguma razão, fico aqui, um alvo principal,
enquanto cada célula do meu corpo me estimula a correr. Há algo sobre ele
neste momento que não posso resistir. Algo sobre aquele olhar perdido e
solitário que se foi em um piscar de olhos. Só vi essa expressão em outro
homem.
Vi isso em um tribunal.
Um som baixo sai da minha garganta. Não. Não é assim que eu quero
que ele seja, preciso que ele seja: o Blake frio, cruel e mau dominando
minha nova posição na vida. Ele é humano assim. Ele é acessível assim,
mesmo que esteja mentalmente a milhas de distância. Os minutos passam e
ele não diz nada para mim. Atordoada e dolorida, não consigo evitar de me
aproximar da mesa, convencida de que ele vai me mandar embora a
qualquer momento. Mas ele não faz, e quando a perspectiva de sentar na
mesa parece impossível em meu estado de exaustão, me contento em
encostar nela, observando-o.
Não sei o que me faz abusar da sorte. —V-Você quer que eu leia? —
Minha voz é um sussurro sem forma, sem qualquer ansiedade, e quando
olho ao redor, não encontro meu livro nem o de Brandt. Mas outra coisa
me chamou a atenção, saindo da gaveta de cima. Fino. Branco. O agarro
sem pensar, alisando meus dedos sobre sua superfície enrugada. Dez anos
de ausência e ainda me lembro da turbulência correndo pela minha pele
quando escrevi essas palavras pela primeira vez. É surpreendentemente
fácil abri-la, trazendo o cheiro do passado para o ar. Blake não diz nada à
minha sugestão, mas me encontro seguindo nossa rotina distorcida de
qualquer maneira.
Pulo enquanto ele puxa a página dos meus dedos. Ele franze a testa
para a minha caligrafia antiga antes de jogar a carta no fogo, onde é
engolida e cuspida como fumaça.
Sei o resto das palavras de cor de qualquer maneira. —Por favor. Eu te
amo.
—Eu não te mimei até acordar. — Nunca saberei como o oponho. Algo
endurece minha espinha, me enraizando no lugar enquanto ele avança e a
raiva aparece através de sua máscara.
—Oh? — Ele segura meu queixo com dedos que tremem, transmitindo
um aviso sutil: estou perdendo o controle, Snow. Eu nunca tive isso, porra.
—S-Sim. — Tão perto dele, não consigo evitar que as lágrimas escorram.
É como se ele as conjurasse através de sua proximidade absoluta, uma
criatura projetada para desencadear meu tormento. —Eu não toquei em
você.
Ele inala, seus olhos estreitando. Antes que ele possa me insultar ainda
mais, me forço a encontrar seu olhar completamente, perscrutando a
escuridão.
—Eu disse o seu nome, — digo a ele com voz rouca. —Tudo que fiz foi
dizer o seu nome.
—Você quer saber um segredinho que ele nunca lhe contou? Por que ele
reagiu tão duramente quando você o beijou, mesmo que fosse a única coisa
no mundo que ele desejava? A razão pela qual sua mãe prostituta escondeu
suas cartas? Como ela escondeu as próprias cartas dele dentro da casa
dele? No quarto dos pais dele? Debaixo da cama? A cadela gostou de exibir
isso.
—Oh, então você sabe, — murmura Blake, olhando em meu olhar. Ele
roça os nós dos dedos sobre minha bochecha ferida com uma suavidade
dolorosa. —Seu segredinho sujo. Você já se perguntou de onde, em uma
família de loiras de merda, você tirou seu cabelo?
Meu peito arfa em uma busca desesperada por ar. —Você está
mentindo.
—Parar? — Ele recua. —Sim. Vamos parar. Essa charada. Essa porra de
jogo. Tudo isso.
Seus olhos se estreitam, gelo puro. —O que eu deveria ter feito, porra
no primeiro dia.
—Você achou que eu deixaria você ficar com ela? — Ele pergunta
zombeteiramente, sua voz pingando em meu ouvido. As pedras da calçada
da garagem circular ameaçam roubar meu equilíbrio enquanto ele me puxa
para trás, garantindo que eu observe quando laranja ilumina as janelas da
casa da minha família. —Você realmente achou que eu deixaria essa merda
fodida permanecer de pé? Olho por olho, Snow.
Está se encaixando de forma distorcida. Meu pai levou sua casa. Ele
pegou a minha.
—Eu te amei. — Minha voz soa oca quando minhas pernas cedem. Ele é
a única coisa que me mantém de pé e grunhe com o esforço, ajustando seu
aperto. A tocha ainda acesa, terrivelmente quente, perto do meu rosto. Não
vacilo com isso, no entanto. Abraço a ardência de formigamento. —E-Eu
amei... eu amo... eu amei você.
Mas Brandt não seria tão fácil de descartar como Harrison Lloyd. Não,
remover o único obstáculo em seu caminho exigia sutileza.
—Eles iam fazer com que parecesse um acidente. Que você ficou bêbado
ao volante depois que seu pai foi condenado. Algo violento, mas rápido
para que não houvesse perguntas.
Fecho meus olhos para as memórias sem sucesso. Dez anos de dor
reprimida vêm à tona. Tudo isso. Não consigo diminuir o tumulto e
minhas palavras vacilam enquanto luto para acompanhar isso.
—Papai... me viu.
Posso rir disso agora. Como fui estúpida pra caralho. Que ingênua.
—Achei que você estaria mais seguro na prisão do que morto. Meu pai
poderia ficar com a empresa e você com sua vida. E... eu não poderia
dizer... —Minhas unhas arranham as pedras, mas não encontro nada em
que me segurar. Só mais dor. —Escrevi para você. Deus, escrevi para você.
Se você pudesse usar minhas cartas...
Ele começa a avançar e meu corpo cansado entra em ação. Estou de pé,
correndo em direção ao paisagismo outrora invejado agora coberto de
ervas daninhas. Subo em canteiros de flores secas e corto o gramado
extenso.
Além disso...
—Eu tenho você, — diz ele, me apertando com mais força, acariciando meu
cabelo. Galhos de árvores passam zunindo, mais rápido a cada segundo. —Eu
tenho você.
Capítulo Vinte e Um
O golpe na cabeça lhe fez bem. Ele é a pedra inabalável para a energia
elétrica maníaca de Hunter. Neste momento, percebo o quanto eu senti
falta dele. Precisava dele. —Discutiremos a ação legal mais tarde, — diz ele,
olhando para mim. —Por enquanto, estamos aqui para Snowy.
Descanso. Como se fosse uma tarefa tão simples quando tudo o que
possuímos é uma ruína fumegante.
—E você? — Exijo, minha voz tão fraca. Estou muito esgotada para
colocar energia de verdade nisso. Uma parte de mim está convencida de
que ainda estou vivendo um pesadelo. A qualquer momento, essa paz
cessará. —Sua cabeça...
—Contanto que ele não encene outra fuga dramática, isto é, — Hunter
interrompe. —O bastardo praticamente atropelou duas enfermeiras e um
cirurgião em seu caminho para fora. — O sorriso dolorido em seus lábios
revela o quão duro ele está tentando fazer uma piada. No final das contas,
ele cai por terra. —Ouvimos sobre o incêndio no noticiário e, Deus... — Ele
encara as próprias mãos, balançando a cabeça lentamente. —Nunca estive
tão assustado na minha vida, Snowy.
A casa. Aperto meus olhos fechados contra a memória. —O que vamos
fazer agora?
Eu possuo você, ele me diz. Você achou que eu realmente iria deixar você ir?
Capítulo Vinte e Dois
Nova colônia?
Espero que ela caminhe até a porta de costas, mas ela me surpreende ao
se virar. Perto do limiar, ela faz uma pausa, sua boca tremendo com uma
pergunta que ela não consegue reprimir.
Tudo o que posso fazer é acenar com a cabeça. O medo roubou minha
voz e me deixou pouca atenção para focar em qualquer coisa além do
envelope.
Mas não consigo responder a ela. Confusão e terror arranham meu peito
enquanto contemplo o impossível. Ele estava me dizendo a verdade o
tempo todo?
E ainda... faz sentido para uma parte de mim enterrada bem no fundo.
De certa forma, meu lindo menino me disse a verdade ele mesmo. Ele não é
pai, Brandt murmurou uma vez, referindo-se a Harrison. Seu sorriso traiu
uma alegria que não via nele há muito tempo. Pai? Ele não é pai.
Porque, tão certo quanto o sol poente, Blake Lorenz ainda não terminou
comigo.
Sobre a Autora
Lana Sky é uma escritora solitária nos Estados Unidos que passa a
maior parte do tempo sonhando acordada com personagens masculinos
complexos e gatos sem pernas. Ela escreve principalmente romances
paranormais, entre assistir a reprises de Ab Fab e beber chá gelado. Apenas
chá gelado.