Você está na página 1de 35

O USO DE INSTRUMENTOS ECONÔMICOS NA GESTÃO

AMBIENTAL
Ronaldo Seroa da Motta
seroa@ipea.gov.br
Abril 2000

1 - A Natureza do IE................................................................................................................................. 2
2 - Os IEs Precificados ............................................................................................................................. 4
3. Criação de Mercado de Direitos ............................................................................................................ 5
4. O Uso dos Instrumentos Econômicos no Brasil ..................................................................................... 6
5. Condições Básicas para Adoção de Instrumentos Econômicos............................................................... 8
Definindo prioridades ........................................................................................................................... 8
Removendo incentivos perversos .......................................................................................................... 9
Orientando o uso de instrumentos econômicos.................................................................................... 10
Conclusão........................................................................................................................................... 15
6. Exemplos ........................................................................................................................................... 16
Recursos Hídricos............................................................................................................................... 16
Recursos Florestais ............................................................................................................................. 19
Regulação e monitoramento de concessões.......................................................................................... 23
Indicadores de Opções de Projetos de CDM no Brasil ......................................................................... 33
BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................................... 33
O USO DE INSTRUMENTOS ECONÔMICOS NA GESTÃO AMBIENTAL
Ronaldo Seroa da Motta
O uso dos recursos ambientais gera custos externos negativos intra e intertemporais. Dadas
as dificuldades técnica e institucional de definir direitos de propriedade entre
contemporâneos e gerações presentes e passadas, o uso destes recursos não considera estas
externalidades. Dessa forma, os preços de mercado ou os custos de uso destes recursos
ambientais não refletem seu valor econômico (ou social).

Os instrumentos econômicos (IEs) atuam, justamente, no sentido de alterar o preço (custo)


de utilização de um recurso, internalizando as externalidades e, portanto, afetando seu nível
de utilização (demanda). Nas seções seguintes abordamos aspectos teóricos e práticos na
aplicação dos IEs, experiências brasileiras já existentes e orientações para futuras
iniciativas neste campo. À luz destes preceitos, analisamos, em seguida, exemplos
internacionais e discutimos as recentes iniciativas no Brasil.

1 - A Natureza do IE

No caso da política ambiental, por exemplo, o usuário de um recurso, diante do novo preço
do recurso ambiental, decide o seu novo nível individual de uso vis-à-vis os custos que ele
vier a incorrer associados a este preço. Ou seja, se partindo de uma situação de equilíbrio, é
realizada uma alteração no preço, o usuário se depara com uma nova situação, então ele
decide quanto aumenta ou reduz sua utilização do recurso, condicionado a variação no seu
custo, decorrente desta variação no preço.

Os instrumentos de controle (IC), usualmente adotados nas políticas ambientais, são, na


maioria das vezes, orientados por relações tecnológicas, padrões e processos, e impostos de
forma pouco flexível a todos os usuários e, por vezes, sem diferenciação espacial. Ou seja,
os ICs não consideram, explicitamente, os custos individuais de cada usuário. Este tipo de
instrumento geralmente impõe níveis máximos de poluentes ou de utilização a serem
atingidos, penalizando quem os ultrapassa.

Desta forma, os agentes econômicos com estruturas de custo completamente diferentes


acabam recebendo o mesmo tratamento. Além disso, a sua aplicação prática é difícil, pois
exige um alto grau de conhecimento técnico para a fiscalização que, por vezes, se torna
muito custosa para os órgãos responsáveis.

Os IEs são mais flexíveis porque incentivam maior redução do nível de uso daqueles
usuários que enfrentam custos menores para realizar estas reduções. Isto,
consequentemente, tornará menor o custo total de controle para a sociedade. Além disto,
incentiva a inovação tecnológica que reduza o custo de uso ou de poluição a ser pago pelo
usuário/poluidor.

A natureza do IE pode assumir várias formas. No Quadro 1, apresentamos uma taxinomia


destas formas variando de IEs menos flexíveis e mais orientados para controle para aqueles

2
mais flexíveis e, portanto, mais orientados para o mercado. Observe que, além disto, os IEs
mais orientados para o mercado se dividem naqueles com base em precificações e nos que
criam mercados de direitos.

Quadro 1
Mecanismos de Gestão Ambiental que Incorporam Incentivos Econômicos
<-ORIENTADOS PARA O CONTROLE->
<-ORIENTADOS PARA O MERCADO->
<-ORIENTADOS PARA O LITÍGIO->

Regulamentos e Precificação: Criação de Intervenção Legislação de


Sanções Taxas, Mercado de de Responsabilização
Impostos e Direitos Demanda
Cobranças Final

Exemplos Específicos
• Padrões de • Cobrança pelo• Licenças • Rotulação • Compensação de
emissões. uso ou comercializáveis de produtos danos.
• Licenciamento degradação de para os direitos de consumo • Responsabilização
para atividades um recurso de captação de referente a legal por negligência
econômicas e natural. água, e para substâncias dos gerentes de
relatório de impacto • Tributos emissões problemáticas empresa e das
ambiental. convencionais poluidoras no ar (p.ex. autoridades
• Restrições ao uso e na água.
fixados sob ótica fosfatos em ambientais.
do solo. ambiental. • Desapropriação detergentes). • Bônus de
• Normas sobre o • Royalties e para construção • Educação desempenho de longo
impacto da compensação incluindo para a prazo para riscos
construção de “valores
financeira para a reciclagem e possíveis ou incertos
estradas, oleodutos, exploração de ambientais”. a reutilização. na construção de
portos ou redes de • Direitos de
recursos naturais. • Legislação infra-estrutura.
comunicações. propriedade sobre • Exigências de
• Diretrizes • Bônus de ligados aos divulgação, “Impacto Líquido
ambientais para o desempenho para recursos exigindo que Zero” para o traçado
traçado das vias padrões de potencialmente os fabricantes de rodovias, oleodutos
urbanas. construção. impactados pelo publiquem a ou direitos de
• Impostos desenvolvimento geração de passagem de serviços
• Multas sobre afetando as urbano (florestas, resíduos públicos, e passagens
vazamentos em opções de solo, pesca sólidos, sobre água.
instalações de transporte artesanal). líquidos e
armazenagem intermodal. • Sistemas de tóxicos.
situadas no porto ou • Impostos para reembolso para • Lista negra
em terra. estimular a resíduos sólidos dos
• Proibições reutilização ou de risco. poluidores.
aplicadas a reciclagem de
substâncias materiais.
consideradas • Cobrança por
inaceitáveis para os disposição de
serviços de coleta de resíduos sólidos
resíduos sólidos. em aterro
• Quotas de uso de sanitário.
água.
Fonte: Seroa da Motta, Ruitenbeek e Huber (1999)

3
2 - Os IEs Precificados

Quais seriam, então, os critérios para a formulação monetária do preço (precificação) de um


recurso ambiental quando da aplicação de um IE, tal como, p.ex., nas taxas de usos de
recursos florestais ou de poluição?

Neste estudo adotamos uma conceituação para IEs na qual um preço econômico poderia ser
generalizado em três tipos: preço da externalidade, preço de indução e preço de
financiamento. Cada um gera um sobre-preço de cunho ambiental que deverá ser
adicionado ao preço atual do recurso e, para tal, adotam critérios distintos.

Preço da externalidade: adota o critério do nível ótimo econômico de uso do recurso


quando externalidades negativas, como, por exemplo, os danos ambientais, são
internalizadas no preço do recurso. Uma vez que este sobre-preço da externalidade é
determinado e cobrado de cada usuário, os níveis de uso individual e agregado do recurso
se alteram. Os novos níveis, desse modo, refletiriam uma otimização social deste uso
porque agora os benefícios do uso são contrabalançados por todos os custos associados a
ele, ou seja, cada usuário paga exatamente o dano gerado pelo seu uso. Este preço da
externalidade é chamado na literatura econômica de imposto “pigouviano”1 e para sua
determinação precisamos identificar os custos externos negativos que, somados ao preço de
mercado, representariam o preço social do recurso. Obviamente esta é uma tarefa que
enfrenta inúmeros problemas de implementação associados à mensuração destes custos
sociais e, de fato, nunca foi implementado na sua forma pura2.

Preço de indução: na impossibilidade de adotar o preço da externalidade, aplica-se o


critério de custo-efetividade no qual o novo preço do recurso é determinado para atingir um
certo nível agregado de uso considerado política ou tecnicamente adequado. Ou seja, o
nível agregado de uso não é determinado por otimização dos custos e benefícios
econômicos do uso do recurso e sim exógeneamente pela sociedade com base em
parâmetros ecológicos politicamente avaliados. Assim sendo, um sobre-preço é
determinado de tal forma que induza variações no uso individual que, no agregado, resulte
no nível de uso desejado. Enquanto no preço da externalidade o nível agregado de uso
resulta da determinação implicitamente do sobre-preço estimado pelos danos ambientais,
nos preços de indução a determinação do sobre-preço depende do nível agregado que se
deseja a priori atingir. Assim, sua determinação tem que ser baseada em simulações que
identificam alterações do nível de uso individual diante das variações de preço do recurso.
Ou seja, temos que conhecer as funções de demanda ou de custo de controle de cada
usuário para, então, observarmos o impacto agregado resultante. Este é princípio que reflete
os objetivos de custo-efetividade.

Preço de financiamento: adota o critério de nível ótimo de financiamento no qual o preço é


determinado para atingir principalmente um certo nível de receita desejado. Assim, o preço
1
Teoricamente, a taxa pigouviana seria o dano ambiental no ótimo econômico da poluição. Tal nomenclatura deve-se ao economista
Arthur Cecil Pigou que o formulou pela primeira vez na década de 20.
2
Veja Seroa da Motta (1998) para uma discussão das dificuldades de valoração econômica ambiental.

4
de financiamento está associado a um nível de uso e orçamento predeterminado e não a um
nível de qualidade ótimo ou permitido.3 Este é o conceito que está presente na maioria das
experiências com IEs, no Brasil e no mundo, mas seu objetivo de geração de receita não
garante um uso eficiente ou custo-efetivo do recurso ambiental.

Embora os três tipos estejam associados ao “princípio do poluidor/usuário pagador”4, eles


são conceitual e monetariamente distintos. A adoção de uma ou outra natureza ou
formulação de valor de um IE dependerá dos objetivos de política e das restrições legais e
institucionais.

3. Criação de Mercado de Direitos

Na seção anterior procurou-se demonstrar que a precificação dos IEs não é trivial quando se
deseja introduzir critérios econômicos de eficiência para a sua racionalização. Tendo em
vista tal realidade, será importante analisarmos a criação de um mercado transacionáveis de
direitos de uso ou poluição.

Nestes mercados são distribuídos ou vendidos direitos de uso ou poluição que no agregado
não ultrapassem os níveis de uso ou de poluição desejados. Uma vez realizada esta
alocação inicial, níveis de uso ou de poluição acima das cotas individuais teriam que ser
obtidos por transações destes direitos entre os usuários/poluidores. Por exemplo, o
usuário/poluidor que tenha um custo alto de controle terá um incentivo para comprar cotas
daqueles com custos menores.

Note que é a ausência de (ou dificuldade de assinalar) direitos completos de propriedade


dos recursos ambientais que torna seu uso menos eficiente. Caso a especificação dos
direitos completos seja possível, uma negociação entre os usuários poderia ocorrer de
forma que os usos de maior retorno (mais eficiente) seriam priorizados, ou seja, as trocas de
direitos no mercado induziriam que os usuários de maior benefício de uso (ou menor custo)
fossem aqueles que pagariam mais por estes direitos. Os termos da negociação seriam com
base nos custos e benefícios percebidos pelas partes.

Para que um mercado de direitos, entretanto, se realize será necessário que os direitos de
propriedade sejam bem definidos e que haja um grande número de participantes comprando
e vendendo com diferentes custos e benefícios. Por outro lado, um mercado, assim,
institucionalizado, diversificado e atomizado requer um apoio institucional e legal mais
sofisticado. Assim, há que se atentar para estes três principais condicionantes:

a) alocação inicial: a alocação inicial destes direitos poderá ser realizada na proporção do
nível atual de uso ou poluição5 ou através de leilões que permite a geração de receitas. No
caso de leilão cada usuário/poulidor pagaria pelas cotas de acordo com o valor destas para
sua atividade. No caso da distribuição gratuita haverá uma questão distributiva a ser

3
Na literatura econômica este preço adotaria a “regra de Ramsey”, assim denominada em associação ao seu primeiro proponente.
4
Na sua concepção ex-ante na qual o usuário percebe o pagamento do dano antes do ato de uso. A sua formulação ex-post está mais
associada à reparação de danos via meios judiciais após seu uso ter gerado o dano.
5
“Grandfather system”.

5
enfrentada dado que estes direitos seriam na verdade fonte de custos e benefícios dos seus
titulares.

b) informação imperfeita: o poder público e os usuários/poluidores não estariam


perfeitamente informados sobre o nível de uso ou poluição do recurso e os seus custos.
Assim, os custos de transação destes direitos seriam altamente elevados e o nível de
transações seria mais baixo e, portanto, menos eficiente. Embora tal imperfeição possa ser
amenizada valendo-se de mercados futuros, a administração de tal sistema é complexa para
ser implementada de forma abrangente em regiões de grande extensão e com uma alta
diversidade de usuários/poluidores; e

c) poder de mercado: os usuários ou poluidores com poder concentrado de mercado


tenderiam a manipular a compra de direitos para a criação de barreiras à entrada para
concorrentes (ou competição regional) ou ainda para realizar arbitragens de preço visando a
lucros anormais. Tais imperfeições podem ser amenizadas com limites de uso ou emissão
por usuário ou restrição de transferências, embora sua administração seria também
complexa ao exigir uma gama extensa de informações dos principais usuários.

4. O Uso dos Instrumentos Econômicos no Brasil


O Quadro 2 a seguir apresenta sumariamente os mais importantes instrumentos
econômicos atualmente implementados ou em discussão no Brasil. Como pode ser visto, a
maioria deles é recente e seus objetivos são o de recuperar os custos da oferta de serviços
de esgoto, financiar entidades governamentais de bacias hidrográficas, gerar fundos para
subsidiar programas de controle de poluição ou compensar municípios e estados por custos
administrativos de gestão ambiental. Em suma, são IEs precificados para financiamento.

6
Quadro 2
Aplicação de Instrumentos Econômicos no Brasil
Instrumentos Situação Atual Objetivos Principais Problemas
Cobrança pelo uso da água em bacias Cobrança (preço público) Inexistência de clareza nos
hidrográficas por volume e pelo uso da água para critérios econômicos de
conteúdo poluente: financiamento de bacias cobrança:
• Nacional • Lei do Congresso hidrográficas e indução do • Financiamento x
Nacional de janeiro de uso racional de recursos hídri- indução
• Estado de São Paulo 1997, fase de cos
regulamentação • articulação entre bacias
• Em implementação
desde 1995 Conflito de jurisdição na
gestão dos recursos
arrecadados entre bacia e
governo federal.
Tarifa de esgoto industrial baseada no Tarifa de esgoto por conteúdo SP – Definição de tarifa que
conteúdo de poluentes: de poluente para recuperação evite as empresas optarem por
• Estado de São Paulo • Parcialmente de custos de estações de tratamento e, assim, evitarem
implementada desde tratamento de esgoto o pagamento da tarifa.
• Estado do Rio de Janeiro 1981 Obrigação de descarga no
• Implementada desde sistema geral questionada
1986 judicialmente.
RJ – Valor da tarifa muito
baixo sem receita expressiva.
Compensação financeira devido a • totalmente Compensação, não-tributária, Incidência e alocação dos
exploração dos recursos naturais: implementada desde baseada em percentual fixo resultantes recursos não
• Geração hidroelétrica 1991 das receitas brutas destas obedecem qualquer critério
• produção de óleo atividades para compensar ambiental objetivo.
• mineral (exceto óleo) municípios e estados onde se
realiza a produção e também
as agências de regulação
Compensação fiscal por áreas de Instrumento de rateio de um Critério de definição do
preservação: percentual receita do ICMS percentual não obedeceu uma
• Estado do Paraná • implementada em 1992 para compensar municípios avaliação das medidas
• implementada desde de acordo com as restrições compensatórias necessárias
• Estado de Minas Gerais 1998 de uso do solo em áreas de versus os objetivos
mananciais e de preservação ambientais.
florestal Fiscalização de cumprimento
dos parâmetros e ausência de
acompanhamento sistemático
dos resultados.
Taxas Florestais: Federal – Valor sem qualquer
• Fundo Federal de Reposição Flo- • implementado desde •Pagamento de taxa federal objetividade ambiental e
restal pago por usuários sem ativi- 1973 de acordo com volume de uso ausência de acompanhamento
dades de reflorestamento de recursos florestais para sistemático da aplicação dos
• Taxa de Serviço Florestal em Mi- • parcialmente implemen- financiar projetos de recursos.
nas Gerais pago por usuários de tada desde 1968 reflorestamento público. MG – Dificuldades legais
produtos florestais •Pagamento de taxa estadual para utilizar o instrumentos
de acordo com volume de uso para fins de indução de uso.
para financiar atividades do
serviço florestal do estado
Fonte: Baseado em Seroa da Motta (1996)

A taxa florestal federal é muito baixa e vinculada totalmente a um fundo florestal.


No caso da taxa florestal de Minas Gerais, sua criação enfrentou uma década de
questionamento judicial por razões de bi-tributação e, por ser uma taxa, tem seu poder
tributário limitado a geração de receitas. Todavia, seu sobre-preço acabou agindo na
substituição de carvão vegetal na região.

7
Todavia, as principais questões destas experiências são relacionadas à definição do
valor da cobrança e na distribuição das receitas resultantes, principalmente no caso da
cobrança da água. Esta não se configurou num tributo posto que sua aplicação não será
compulsória em todo território nacional, mas sim fruto de decisão dos comitês de bacia que
somente serão criados por iniciativa de usuários.
De qualquer forma, a cobrança da água, a mais recente iniciativa, ainda está em
fase de definição e, portanto, será objeto de análise aprofundada na seção de exemplos.

5. Condições Básicas para Adoção de Instrumentos Econômicos

Conforme já pode ter sido observado, o tema de instrumentos econômicos requer algumas
condições políticas, legais e institucionais, conforme será abordado de forma mais ampla a
seguir.

Definindo prioridades

Instrumentos são meios para atingir um determinado fim. Logo a definição de um


instrumento requer anteriormente a definição de um objetivo de política.

Para tanto, para aplicar um IE há que a priori se realizar uma definição de prioridades.
Entretanto, definir prioridades não é uma tarefa trivial. As magnitudes econômica e
ecológica das questões ambientais são distintas e as suas importâncias relativas têm que ser
esboçadas. É, portanto, necessário um exercício de priorização dos objetos das ações de
política.

Todavia, tal esforço requer uma iniciativa, que deve estar presente no interior do sistema de
planejamento, como a de estabelecer concretamente este objetivo de gerar indicadores
físico-químicos que avaliem o padrão de uso dos recursos ambientais associados a
indicadores econômicos e sociais que avaliem sua inserção na economia real.6

As condições essenciais para realizar estas iniciativas são: a) a criação de um sistema


estatístico ambiental que defina tais indicadores e b) o estabelecimento de relações destes
com os tradicionais indicadores econômicos e sociais. Entretanto, cabe ao setor gestor
ambiental, Ministério do Meio Ambiente, órgãos ambientais estaduais e municipais e seus
colegiados, definirem um conjunto mínimo e viável de indicadores ambientais e iniciar este
processo de consolidação estatística. É inócuo esperar que a área de planejamento antecipe
estas demandas ambientais, pois, será a demanda por informações ambientais que definirá a
sua oferta.

Todavia, a condição necessária para este processo de priorização é a reforma institucional


dos órgãos ambientais e sua capacitação por intermédio de reconhecimento administrativo
no seio do aparato estatal.

6
Ver Seroa da Motta (1996) para uma avaliação de um esforço de geração de indicadores ambientais no Brasil.

8
Removendo incentivos perversos

A inserção da questão ambiental nas políticas econômicas é também uma forma de coibir
ou ajustar IE de uso em outras políticas governamentais que afetam indiretamente os
problemas ambientais, tais como:

a) as orientadas para recursos naturais e infra-estrutura, como as de energia, abastecimento


de água, malha viária e outras;

b) as tipicamente setoriais, como, por exemplo, expansão agropecuária e industrial;

c) as de cunho macroeconômico voltadas para estímulos às exportações, geração de


emprego e investimentos;

d) as de conteúdo estrutural como a reforma agrária e as privatizações; e

e) as de objetivo distributivo que estimulam as pequenas empresas, o assentamento urbano


e outras.

O conhecimento das implicações ambientais já construído no sistema gestor ambiental e na


literatura especializada permite, pelo menos, que se removam e/ou se evitem incentivos
perversos ao meio ambiente que comprometem a consecução dos objetivos maiores destas
políticas.

Certamente, a incerteza sobre vários impactos ambientais vis-à-vis os benefícios desejados


poderá, em certos casos, indeterminar as decisões. Todavia, o reconhecimento e a prática de
inserção poderão, por outro lado, contribuir para um ajustamento menos custoso e mais
eficiente destas políticas.

Nestes casos de indeterminação, a postura recomendada seria a identificação das possíveis


perdas e perdedores resultantes destes impactos ambientais e as possíveis ações
mitigadoras, à luz do que se tenta praticar em termos de políticas sociais compensatórias.

Um exemplo de iniciativa de eliminação de incentivos perversos foi a alteração da alíquota


do imposto territorial rural (ITR) incidente sobre matas nativas. Até então o ITR cobrava
uma alíquota de improdutividade sobre áreas de matas nativas. Tal incidência incentivava o
desmatamento destas áreas para configurar benfeitorias e reduzir a alíquota incidente. Na
última revisão do ITR criou-se a possibilidade do agricultor registrar estas áreas como de
preservação e assim reduzirem drasticamente as alíquotas incidentes. Ainda é muito cedo
para avaliar os resultados efetivos dado que, embora tenha havido um alto índice de registro
destas áreas junto aos órgãos ambientais, a sua fiscalização ainda está em evolução.

9
Igualmente os objetivos do Protocolo Verde de incluir critérios ambientais nas normas de
financiamento governamental, particularmente na agricultura, também representam
iniciativas neste sentido.7

Orientando o uso de instrumentos econômicos

Para tal, a primeira condicionante é a consolidação e codificação desta legislação ambiental


e a criação do espaço legal para a adoção destes instrumentos. A segunda, é o
reconhecimento do espaço fiscal destes instrumentos no sistema tributário brasileiro.

Iniciativas em curso no Congresso Nacional, como a cobrança ao uso dos recursos hídricos
em sistemas de bacias hidrográficas e a contribuição ambiental criada no bojo da reforma
tributária, são exemplos a serem estimulados.

O momento atual de abertura das concessões dos serviços públicos também oferece uma
oportunidade para inserir a questão ambiental nas regras tarifárias e de investimentos.

A atual crise financeira mundial está impondo severas restrições fiscais sobre as economias
emergentes, particularmente na América Latina. Reformas fiscais vêm sendo urgentemente
projetadas para reduzirem-se os gastos públicos e aumentar a capacidade fiscal.

As reduções nas exigências orçamentárias para os serviços do governo irão certamente


fazer com que se opte pelas necessidades mais urgentes, como a saúde e a educação, ao
invés daquelas mais difusas, como a proteção ambiental.

A cobrança pelos recursos naturais tem sido defendida como sendo o modo mais eficiente
de mudar a carga fiscal das “coisas boas”, como o capital e o trabalho, para as “coisas
más”, como a poluição e a exaustão dos recursos naturais, como já ocorre em alguns
países8.

Esta mudança, entretanto, conforme analisamos anteriormente, não é um assunto trivial.


Depende de um sistema fiscal sólido, capaz de fazer mudanças ajustadas, como também de
um bom monitoramento ambiental acompanhado da aplicação dos regulamentos para tornar
viável a mudança. Assim sendo, estas experiências podem não ser uma resposta imediata
para os países onde tal contexto não é observado.

Quando os custos administrativos são altos e demandam mais capacidade institucional do


que aquela de que se dispõe, um instrumento econômico pode provavelmente enfrentar as
mesmas limitações institucionais que aquelas identificadas para os instrumentos orientados
para o controle. Não são apenas os objetivos ambientais que são frustrados. Em alguns
casos, a aplicação do instrumento econômico resulta em necessidades orçamentárias
adicionais, em vez de gerarem receita extra, conforme esperado.

7
O Protocolo Verde é uma iniciativa dos Ministérios do Meio Ambiente e do Planejamento para adequar a concessão de incentivos
creditícios e fiscais da área financeira do governo à legislação ambiental.
8
Ver, por exemplo, Repetto (1996) e Cansier e Krumm (1997).

10
Assim, grande parte do esforço institucional na aplicação de um IE deveria ser concentrada
no projeto deste IE, para selecionar os instrumentos “viáveis”, e não os “melhores” ou os
“desejáveis”. Assim fazendo, os reguladores podem considerar sua capacidade institucional
no que a aplicação do instrumento irá exigir.

As diretrizes para a formulação de um IE encontram-se apresentadas em três fases, que


são9: fase de análise das políticas, fase de análise do instrumento e fase de desenvolvimento
do instrumento.

Fase de Análise das Políticas

Antes de qualquer tentativa de desenvolver um IE, os reguladores devem primeiro analisar


os objetivos das políticas e o estado atual dos usos do recurso natural.

O objetivo da política ambiental

Este é o passo mais importante para formular um IE. É um passo óbvio, apesar de ser
freqüentemente desprezado, especialmente quando os reguladores estão ansiosos por
transferir uma “boa” experiência de um determinado IE da OCDE para seu país. Os
reguladores devem primeiro explicitar a política ambiental e seus objetivos em cuja direção
se considere o IE. O principal resultado desta fase deveria ser o estabelecimento dos
objetivos dessa política e o papel do IE, como a correção de uma externalidade e/ou um
objetivo de gerar receita. Note-se que o IE, por definição, é um instrumento e não pode
substituir os objetivos das políticas. Destina-se a servir a uma política, e não o inverso.

Atuais mecanismos de comando e controle

É de capital importância que se identifiquem os motivos das falhas dos CAC em vigor para
atender aos objetivos das políticas ambientais que se espera que o IE substitua. Com muita
freqüência, a capacidade de monitoramento, os conflitos entre meio ambiente e crescimento
e as limitações políticas identificadas com a falha do CAC podem constituir barreiras
também para a aplicação do IE. Em alguns casos, essas barreiras se demonstram mais
severas aos dispositivos de preços do que aos CAC de forma generalizada. Observe-se
também que os padrões e as sanções ambientais serão pertinentes à aplicação do IE.

Atuais instrumentos fiscais que afetam os objetivos ambientais

As políticas setoriais também aplicam IEs para seus objetivos próprios. Um subsídio ou um
imposto sobre uma atividade econômica podem incentivar o sobreuso de um determinado
recurso natural. A remoção desses instrumentos fiscais distorcivos seria teoricamente
necessária para aumentar a eficiência de um IE ambiental, sendo também, às vezes, mais
prático do que tentar-se intervir com um novo IE ambiental, embora o poder político
setorial tenha que ser conciliado.

Causas e origens do problema ambiental tratado pelos objetivos das políticas

9
Esta seção está baseada em Seroa da Motta (1998b).

11
Como já foi dito, os instrumentos econômicos são projetados para atuar sobre os usuários
dos recursos naturais, ajustando seus níveis de uso a um ponto desejável ou fazendo-os
contribuírem com pagamentos para financiar atividades ambientais. Assim, uma
identificação clara das causas e origens da poluição ou exaustão de que tratam as políticas é
fundamental para compreenderem-se os usuários e seu comportamento econômico.

Dano ambiental, controle e avaliações do custo de oportunidade

Um IE irá necessariamente atuar sobre o dano ambiental e/ou sobre as funções de custo
marginal de oportunidade e controle do uso relacionadas com os objetivos das políticas.
Assim, é necessário algum tipo de estimativa dos custos de controle e dos danos, ainda que
por alto, antes que seja selecionado um IE. Sem estas estimativas, os dispositivos de
fixação de preços carecerão de consistência.

Fase de Análise do Instrumento

Uma vez preparada a análise acima, os reguladores podem passar à fase orientada no
sentido de produzir elementos para a seleção de opções apropriadas de um instrumento.

Análise teórica

Antes da análise das experiências de um outro país ou região, deve ocorrer uma análise
teórica para identificar as opções técnicas. Os instrumentos econômicos têm condições de
eficiência para as quais os reguladores devem atentar, considerando-as sob o ângulo de seu
próprio caso. Embora haja numerosos estudos indicando IEs para muitos casos, raramente
tratam destas condições de forma abrangente. O poder do mercado, a função do custo
marginal do controle e dos danos, informação assimétrica, entre outras, são limitações aos
ganhos em eficiência.

Experiências anteriores

Os reguladores deveriam examinar as experiências anteriores e identificar a gama de IEs


apropriada aos objetivos das políticas. Este exame deve considerar cada experiência de
acordo com sua relevância para os objetivos das políticas e os objetivos do instrumento. As
experiências dentro de uma estrutura econômica semelhante devem ser incluídas com uma
avaliação adequada dos fatores de sucesso e de falhas.

Barreiras institucionais

A capacidade institucional tem que ser totalmente avaliada para cada opção de instrumento.
A análise institucional deve levar em conta parcerias com outras organizações
governamentais ou privadas que possam ser afetadas pelo IE ou que possam ser de
interesse. Contar com promesas de reforços orçamentários para melhorar a capacidade
institucional é algo, entretanto, que ser evitado. Observe-se que a aplicação do IE pode
exigir um perfil de capacitação diferente daquele da equipe técnica disponível nas
instituições ambientais.

12
Barreiras legais

A introdução de um IE fiscal pode defrontar-se com barreiras legais, não apenas dentro da
legislação ambiental como também na própria legislação fiscal de um país. A harmonização
dos padrões e sanções ambientais em vigor pode ser previamente analisada para evitarem-
se discrepâncias inesperadas. É também importante evitar os problemas da dupla tributação
ou impedimentos constitucionais aos novos dispositivos fiscais. Cada opção candidata a IE
deve ser então analisada sob esta perspectiva.

Percepção do público

Existem alguns dispositivos fiscais que já possuem má reputação na opinião do público


devido a experiências negativas anteriores ou até por causa de falta de conhecimento.
Assim sendo, este é um campo de análise que não pode ser desprezado para evitar uma
rejeição por parte da opinião pública.

Fase de Desenvolvimento do Instrumento

Através da análise acima, os reguladores podem concentrar seus esforços em algumas


opções de instrumento, iniciando seu desenvolvimento e o debate aberto com o público.

Avaliação monetária

Um IE tem que refletir os valores que têm os preços dos usos de um recurso natural. Para
calculá-los, os reguladores devem seguir os procedimentos convencionais de acordo com o
tipo de opção de instrumento. Se o objetivo é a correção da externalidade, é necessário
calcularem-se os valores da externalidade. No caso dos preços de indução, os custos
marginal de controle ou de oportunidade do uso são os relevantes, enquanto que os preços
do financiamento exigem estimativas da elasticidade do preço da demanda. Sobre esta base
têm que ser elaboradas simulações e exercícios de modelagem para que surjam sugestões
de valores para os IEs escolhidos.

Avaliação legal

Paralelamente à avaliação econômica das opções de instrumento, os reguladores devem


também atentar para os aspectos legais dessas opções. O uso do IE pode afetar os direitos
de propriedade convencionais, podendo exigir, por conseguinte, um novo arcabouço legal
que pode ser difícil de estabelecer. Assim, as opções finais têm que estar de acordo com
estes aspectos legais, para evitar um longo processo de legalização ou disputas judiciais
futuras.

Simulação da geração e distribuição de receita

Como se espera que a maioria das aplicações dos IEs gerem receitas, é importante simular a
magnitude desses resultados. Observe-se que, além dos fatores microeconômicos que
afetam as receitas, como as funções de custo de controle e demanda, os tamanhos da receita

13
também dependem de parâmetros macroeconômicos como, por exemplo, taxa de
crescimento da economia ou taxa de câmbio. Assim, com base nos exercícios de avaliação
legal e econômica, os reguladores devem simular as estimativas de receita combinando
parâmetros micro e macroeconômicos. Além do mais, se a receita for distribuída, por
exemplo, sob forma de transferência setorial, subsídios ou empréstimos, este cenário deve
também refletir estas dimensões.

Avaliação do impacto econômico e social

A política ambiental é muitas vezes projetada para lidar com a escassez de recursos naturais
e, por esta razão, impõe-se aos agentes econômicos restrições de uso. Com muita
freqüência a discussão de um IE proposto é paralisada por percepções distintas de seus
impactos econômicos e sociais. Embora concessões políticas sejam inevitáveis, os
reguladores que não tenham uma consciência razoável desses impactos principais serão
encurralados por grupos de interesse articulados que tendem a aumentar seus impactos para
ajustar o projeto ou a implementação do IE em seu benefício próprio. Em conseqüência,
oportunidades de ganhos em eficiência e de ganhos sociais podem ser perdidas. Assim,
junto com a análise de receita acima mencionada, os reguladores devem também avaliar os
impactos econômicos e sociais, traduzindo-os, sempre que possível, em termos dos valores
monetários que iriam afetar os principais grupos econômicos e sociais relacionados com
aquela política.

Medidas compensatórias

Além deste comportamento estratégico, deve haver alguns grupos sem recursos para avaliar
suas perdas e que delas só terão consciência quando aquela política for implementada.
Assim sendo, em associação com as estimativas de impacto econômico e social, os
reguladores têm que criar políticas compensatórias com bases distributivas e restrições ao
crescimento. Como já foi dito, embora qualquer instrumento de política vá criar perdedores
e beneficiários, o uso de sistemas de preços é mais difícil de contar com a discrição dos
políticos e órgãos ambientais após sua implementação. O relacionamento entre custos de
cobrança e níveis de uso é menos sensível aos acordos e isenções individuais que já não
constem das normas de cobrança.

Arranjos institucionais

Para definir o arranjo institucional das opções de IE, há que se identificar, com isto, o papel
e as obrigações de cada organização e os incentivos para a cooperação. Observe-se que a
receita do IE constitui, muitas vezes, um bom incentivo para a cooperação, mas os
benefícios secundários advindos da aplicação bem sucedida do IE, como, por exemplo, a
redução nos gastos públicos e o crescimento setorial, podem ser também atraentes. Os
reguladores devem achar meios de confirmar a capacidade de cada instituição envolvida,
criando as conexões formais necessárias.

Planejamento da implementação

14
A introdução gradual do IE deve ser planejada para testar os resultados simulados e da
modelagem, assim como os arranjos institucionais. As políticas regionais e nacionais
podem ser implementadas por meio de projetos piloto ou de programas experimentais.

Consciência pública e debate

Durante todo o processo da fase de desenvolvimento deve-se tentar o debate com os


principais perdedores e beneficiários das políticas e os instrumentos propostos para ajustar
as estimativas e percepções dos especialistas e dos tomadores de decisões. Os dispositivos
fiscais não são bem percebidos pelos agentes econômicos, especialmente se também
restringem o uso, livre até então, dos recursos naturais. Muitas vezes surgem questões de
direito de propriedade contra qualquer cobrança de uso. Por isto, a consciência do público
deve ser cuidadosamente formada para que se entendam os reais custos e benefícios
daquela política e de seus instrumentos econômicos propostos.

Indicadores de desempenho

Juntamente com o planejamento da implementação, devem ser projetados indicadores de


desempenho, para permitirem ajustes no processo de implementação e correções onde os
cenários ambiental e econômico forem alterados. Além disto, estes indicadores ajudam na
conscientização e aceitação do público.

Conclusão

A itemização acima é apenas uma diretriz para a formulação do IE, e a importância e o


detalhamento de cada item devem ser tratados conforme cada caso. É claro que as diretrizes
acima também colocam exigências sobre a atual capacidade institucional e sua completa
aplicação nem sempre é possível.

Além disso, conforme discutimos no início da seção, a definição de prioridades e a remoção


de incentivos setoriais perversos ao meio ambiente são condições ba’sicas para ampliar o
uso de IEs.

Uma vez definido o objetivo de política e a inserção desta com outras ações setoriais de
governo, uma possível atuação mais eficiente dos organismos internacionais poderia estar
na participação em algumas das fases acima analisadas com alocação de recursos
financeiros e humanos. Os órgãos ambientais poderiam então, basear suas demandas junto a
estas agências internacionais, no que se refere à introdução dos instrumentos econômicos,
enfatizando as fases e etapas acima que acreditam serem as mais necessárias para a
assistência técnica e financeira.

Estas instituições internacionais poderiam, igualmente, guiar sua assistência nas mesmas
bases, de forma que possam ajudar os países a aproveitarem ao máximo os ganhos sociais e
em eficiência dos instrumentos econômicos para a gestão ambiental.

15
Esta atuação articulada dentro do governo e com a sociedade, com cooperação solicitada e
previamente definida das agências internacionais, poderá criar as condições necessárias
para garantir a capacidade institucional que o uso de instrumentos econômicos requer.

6. Exemplos

A seguir discutimos exemplos internacionais e recentes iniciativas brasileiras de


instrumentos econômicos para recursos hídricos e recursos florestais.

Recursos Hídricos10

Experiências internacionais

As principais características dos sistemas de cobrança de recursos hídricos (RH) em outros


países estão apresentadas no Quadro 4.

A primeira observação geral é relativa ao aspecto de geração de receita e sua vinculação às


atividades de gestão de RH. Exceto no caso colombiano, preços de financiamento são
geralmente adotados. Em alguns casos, estes preços de financiamento são ponderados com
indicadores ambientais do corpo d’água, quanto mais escassa ou contaminada maior o valor
da cobrança, o que os faz se aproximarem de um preço de indução na medida que
desicentivam o uso em áreas saturadas. Todavia, é sabido que tais ponderações são
definidas politicamente nos comitês com quase nenhuma preocupação em enquadrar o
consumo a níveis ambientalmente compatíveis.

Se observarmos, entretanto, o Quadro 4, talvez o fator mais relevante para um sistema de


gestão de RH seja a capacidade institucional de fazer valer cobranças realistas, plenamente
cumpridas e monitoradas e cujas receitas sejam dirigidas para os investimentos necessários.

Quadro 4
Características de Algumas Experiências Internacionais de Cobrança pelo Uso da
Água

País Tipo de Destino da Estrutura Critério Resultados


Cobrança Receita Regulatória/ Econômico
Gestora Associado
França QT e QL Financiar Comitês/ Preços Consolidação da
construção e bacias de públicos e bacia como poder
operação de bacia. indiretamente gestor e gerador
serviços de padrão de receitas.
água e ambiental.
tratamento
de esgoto
nas bacias.
Holanda QT e QL Financiar Governos Financiamento Imposição da

10
Esta seção está baseada em Seroa da Motta (1998).

16
construção e federais e e cobrança em
operação de estaduais. indiretamente níveis altos e
serviços de padrão crescentes gerou
água e ambiental. incentivo ao
tratamento controle e geração
de esgoto de receitas
nos elevadas.
municípios.
Alemanha QL Financiar Governos Financiamento Redução da
construção e federais e e cobrança para
operação de estaduais. indiretamente atendimento de
serviços de padrão padrões mais
água e ambiental. restritivos induziu
tratamento avanço
de esgoto significativo no
nos controle mas
municípios diminui receita
efetiva.
México QL Tesouro, em Governo Indiretamente Geração de
parte para federal. padrão receita mas a
ajudar ambiental. capacidade
dotação institucional frágil
orçamentária dificulta
do órgão de implementação.
RH.
Colômbia QT e QL Financiar o Governos Indução. Sistema
órgão gestor federais e totalmente
de RH. estaduais. revisado
recentemente
com significativas
melhoras
institucionais
Estados QT Financiar o Governo Financiamento Altos subsídios à
Unidos órgão gestor federal. . irrigação.
de RH.
Sources: Seroa da Motta (1998)

Tal sofisticação é descartada porque os sistemas de cobranças analisados não pretendem


usar o preço ótimo da água para atingir um objetivo explícito de maximização social ou
minimização de custo de controle ambiental, conforme os critérios econômicos acima
discutidos. Embora se mantenha quase sempre uma relação aos custos de provisão e
controle e as respectivas elasticidades-preço dos usuários segundo a regra de preços de
financiamento.

A nova lei brasileira de RH

Embora a nova Lei 9.433 da Política Nacional de Recursos Hídricos, janeiro de 1997,
introduza a cobrança pelo uso da água, sua implementação ainda requer um maior debate e
aprimoramento. Abaixo discutimos alguns destes aspectos:

17
Descentralização: Embora no Brasil a nova Lei de RH adote exatamente os princípios
franceses de gestão por bacia, no caso brasileiro, diferentemente do que ocorre na França,
os comitês de bacia são criados espontaneamente por seus usuários11 e a cobrança é
facultativa à decisão dos comitês. A cobrança é um ato “condominial” e não impositivo. Do
ponto de vista legal constituiu-se em uma opção para evitar a caracterização da cobrança
como um tributo (imposto ou taxa) que requereria uma lei complementar específica e,
portanto, um processo político muito mais difícil. A cobrança como tributo exigiria também
uma apropriação pelo Tesouro e tramitação orçamentária que tenta-se evitar para garantir
autonomia de gestão.

Entretanto, esta autonomia parece ameaçada com a criação da Agência Nacional de Água
(ANA). Diferentemente das outras concessões de bens públicos, por exemplo, energia
elétrica e telecomunicações, no caso da água a regulamentação da nova lei prevê poderes de
arrecadação para a ANA em detrimento dos comitês de bacias. Esta restrição exclusiva para
a água deverá afetar sensivelmente o espírito descentralizador da nova lei.

Interdependência: Nem todas as bacias e sub-bacias tentarão organizar seus comitês, pois,
o custo de organização de um comitê e sua gestão eficiente podem exigir gastos individuais
acima dos benefícios esperados por usuário da bacia, principalmente no caso de informação
imperfeita em virtude dos baixos níveis de renda.

Esta é uma questão realmente séria que parece pouco apreciada na regulamentação da lei e
da ANA e refere-se as externalidades entre bacias e sub-bacias a serem consideradas na
precificação. Esse fato somente não ocorreria se admitirmos que as sub-bacias, ou seus
trechos, que não organizam comitês não têm conflitos ou não são afetadas por outras.

Para evitar este problema, poder-se-ia instituir uma cobrança impositiva federal com uma
outra local ou adicional por decisão dos comitês de usuários, gerido por um sistema
descentralizado (por bacias, por exemplo) de gestão, coleta da cobrança e de aplicação dos
recursos arrecadados orientados por planos federais e locais de gestão por um certo prazo
de anos. O domínio das bacias em estaduais ou federais perderia assim sua importância. Na
ausência de comitês a cobrança federal valeria e seria exercida pelo poder público.

Cobrança pela Outorga: No projeto de regulamentação existe a proposta de que a


cobrança dos usos será realizada de acordo com o volume da concessão de outorga.
Enquanto este procedimento parece eficiente nos usos quantitativos, pode apresentar
problemas nos usos qualitativos. A cobrança do uso por diluição (poluição) através da
quantidade de água necessária para este fim (volume para diluir a descarga licenciada),
descaracteriza as condições ambientais deste uso. Não é somente o volume que importa na
diluição, mas, também, as características físico-químicas da descarga.

Outro problema está na contabilidade do uso total que limita a concessão de outorgas. Uso
para diluição depende da capacidade de assimilação e água bruta tomada difere em
qualidade. Logo usos distintos não podem ser comparados igualmente.

11
Desde que atendam os critérios de representatividade.

18
Se a capacidade de assimilação é considerada por volume, a gestão de RH perde totalmente
sua característica ambiental. Mais ainda, alguns usos de água bruta que demandam
características de qualidade inferiores não poderão ser realizados, sem que com isso haja
algum ganho de melhora ambiental. Ou seja, a proposta de vinculação total da cobrança a
outorga parece atraente do ponto de vista gerencial, mas, na verdade, não apresenta
qualquer objetivo ambiental. Sua essência deve-se a tradição de cobrança do setor elétrico
que permeia toda a proposta de regulamentação, na qual água é tratada como um insumo
homogêneo de uso qualitativamente uniforme. Sendo assim, a nova lei de RH talvez não
consiga imprimir critérios ambientais na sua política de cobrança.

Capacidade Institucional: O sistema concebido na Lei 9.443 oferece, entretanto, a


possibilidade de um processo gradual que permita a formação de competência. Entretanto,
essa competência terá que compreender as perdas de eficiência que um sistema
descentralizado impõe e que, mesmo a níveis mais modestos, o esforço institucional não é
trivial e requer, antes de tudo, capacidade técnica de compreensão das questões
econômicas, e não de infra-estrutura de engenharia, relativas aos usos de RH e uma
mudança radical na concepção econômica da água como bem ambiental.
.

Recursos Florestais

Para os recursos florestais vamos apresentar brevemente algumas iniciativas nacionais e


internacionais.
12
Concessões Florestais para Exploração Madeireira no Brasil

As florestas nacionais (FLONAS) podem ser um instrumento de grande impacto para


controle do processo de desmatamento na Amazônia. Seu princípio básico é o mesmo da
nova lei de RH, na qual um bem público é cedido a entes privados, via concessões públicas,
na observância de padrões ambientais e baseados em pagamentos pelos usos do recurso
ambiental explorado. Todavia, para que estes objetivos ambientais sejam eficientemente
alcançados, há que se atentar seriamente para algumas questões econômicas.

Desta forma, apresentamos a seguir alguns aspectos que devem ser considerados para a
elaboração brasileira de um plano de concessões florestais. Muitos desses aspectos também
são importantes para outras regiões, mas não são apresentados em forma clara na literatura
existente.

Leilão de concessões

O estabelecimento de leilões para a alocação de concessões para a exploração madereira


tem apresentado grandes vantagens. Não obstante, alguns pontos específicos devem ser
observados para que seja desenhado um sistema de incentivos que logre extrair as
informações necessárias dos possíveis participantes dos leilões.

12
Esta seção foi extraída de Ferraz and Seroa da Motta (1998).

19
Devido as características do contrato proposto pelo governo (o requerimento de um padrão
de exploração sustentável), a participação no leilão deverá ser restrita. O governo poderá
utilizar uma série de informações para descriminar entre as empresas as possíveis
participantes. Gray (1997) propõe que a aprovação de um candidato seja feita com base na
sua solidez financeira, na possessão de um historial de exploração pouco destrutivo em
outras áreas geográficas, na experiência com manejo florestal e sua experiência em
operações de extração e processamento madeireiro em outras regiões; nos seus planos de
utilização e operação da área concessionada; e na perspectiva de geração de empregos
locais. A preferência relativa por empresas nacionais sobre empresas estrangeiras também
pode ser um ponto na pauta de decisão.

Na prática, surge um problema de informação: as empresas interessadas na concessão não


terão, per se, nenhum incentivo para dizer a verdade em relação a sua liquidez financeira ou
ao seu manejo de outras áreas florestais. Por outro lado, o custo de transação para o
governo de obter tais informações é relativamente alto. Desta forma, o governo tentará
desenhar algum mecanismo que leve as empresas a revelar de forma verdadeira suas
informações. Uma possibilidade é a utilização de auditores para conhecer as condições
financeiras passadas e presentes das empresas. No entanto, uma auditoria ambiental
internacional é sumamente complicada e custosa.

Esta relação entre o governo e os possíveis participantes do leilão pode ser estudada desde a
ótica da economia da informação e vista como uma relação de agente (concessionário)-
principal (governo) com informação assimétrica. No momento da seleção dos possíveis
participantes do leilão (a participação do leilão deve ser contingente principalmente em
uma atitude passada “ambientalmente correta”) o governo não tem a informação sobre o
passado ambiental das empresas. Desta forma, mesmo com as regras bem estabelecidas,
existe uma grande chance das empresas participantes tentarem esconder certas informações
para conseguirem uma participar do leilão.

Este é um caso típico de seleção adversa13 onde as empresas possuem informações privadas
que não são conhecidas pelo governo14. A consequência negativa desta assimetria de
informação é que entrarão no leilão empresas com um perfil de exploração destrutiva, o que
não aconteceria se o governo tivesse informação perfeita sobre todas as empresas.

Devido a dificuldade do governo em obter informação verdadeira, o governo teria uma


tendência a “ter que acreditar” na informação revelada pela empresa, tomando uma decisão
com base nas variáveis diretamente observáveis como solidez financeira e planos de
manejo. As empresas, atuando racionalmente, anteciparão esta atitude do governo e se
declararão “ambientalmente corretas”. Existe alguma saída para este dilema estratégico?

Uma alternativa para esta situação seria a possibilidade de uma sinalização15 por parte das
empresas “ambientalmente corretas”. O governo poderia incentivar a separação das

13
O termo seleção adversa é utilizado para designar qualquer situação entre dois ou mais agentes econômicos onde as características do
agente (neste caso as empresas) não podem ser perfeitamente observadas pelo principal (neste caso o governo).
14
O grau de destruição causado pela empresa através da exploração florestal em outros países, por exemplo.
15
Uma sinalização, em modelos de informação assimétrica, representa alguma decisão ou atividade específica que prova que o agente
emissor do sinal tem certa característica ou pertence a algum subgrupo da população (por exemplo, os ambientalmente corretos”). Para

20
empresas oferecendo um contrato da seguinte forma: as empresas se comprometem,
assinando um documento, a dizer a verdade em relação a sua atuação ambiental passada. O
governo pode então fazer a seguinte proposta, ele escolherá, de forma aleatória, algumas
empresas para que seja feita uma auditoria e um estudo do padrão de exploração passado.
Se a empresa escolhida tiver mentido em relação a sua performance passada, ela não terá o
direito de participar do leilão e será obrigada a pagar uma multa.

O mecanismo proposto anteriormente só funcionaria se a sanção imposta for


suficientemente alta. Isto porque a decisão da empresa será tomada com incerteza. Ela
calculará a probabilidade subjetiva de ser escolhida para auditoria e desta forma ela poderá
calcular a perda esperada associada a ser pega mentindo. Isto será comparado com o lucro
esperado em relação a adjudicação da concessão. Sempre que o lucro esperado for maior
que a perda esperada, a empresa decidirá mentir e correr o risco16.

Como foi dito anteriormente, a utilização de um leilão para a alocação de concessões tem
várias vantagens em relação à uma alocação arbitrária por parte do governo. Porém a
principal vantagem é a eficiência: a concessão será dada à empresa com maior valoração.

Desta forma, se o governo tivesse informação perfeita sobre o valor que cada empresa tem
associado à área de concessão, ele simplesmente daria a concessão a empresa com uma
maior valoração. Não obstante, a assimetria de informação é o principal problema que
caracteriza um leilão, o leiloeiro (neste caso o governo) não tem informação sobre a
valoração de cada empresa e tenta extrair esta informação através de um esquema de lances
(“bidding”).

Devemos preocupar-nos com dois pontos básicos associados ao resultado do leilão. Por um
lado a receita gerado ao governo deve ser a máxima possível de forma a capturar parte das
rendas associadas a exploração florestal. Por outro lado, é necessário que a concessão seja
atribuída a empresa que tenha a maior valoração pela área de florestal.

Existem na teoria quatro tipos de leilões que podem ser utilizados para a alocação de uma
concessão: o leilão inglês, onde o preço do bem a ser vendido é elevado sucessivamente até
que só resta um agente disposto a compra-lo; o leilão holandês onde o vendedor anuncia
um lance inicial e vai baixando até que alguém o compra; o leilão de lance selado de
primeiro preço (“first price sealed bid auction”), onde cada comprador potencial submete
um lance e o comprador potencial com o lance mais alto é o ganhador; e o leilão de lance
lacrado de segundo preço (“second price sealed bid auction”), onde os lances também são
feitos em forma secreta, mas o ganhador paga o preço final do segundo lance mais alto.

Cada um dos tipos apresentados anteriormente cria incentivos estratégicos diferentes para
seus participantes (o leilão de ofertas seladas de primeiro preço, por exemplo, ao contrário
do leilão inglês, não permite aos participantes reverem suas ofertas, depois de observarem
as ofertas de seus concorrentes). Na teoria, com base nos pressupostos básicos da teoria

que a sinalização seja informativa para o principal, ela deve ser custosa de tal forma que o único interessado em emitir uma sinalização
seja o agente que verdadeiramente pertence a dito subgrupo populacional, neste caso, o dos “ambientalmente corretos”.
16
É claro que esta análise depende da aversão ao risco da empresa e de sua percepção sobre o poder de coação do governo.

21
econômica de leilões17, os quatro tipos de mecanismos propostos geram, na média, uma
receita equivalente para o leiloeiro. Não obstante, na realidade, pelo menos um dos
pressupostos descritos anteriormente não se cumpre e existe uma divergência no resultado
final dos distintos tipos de leilões.

Que tipo de imperfeições pode ocorrer em leilões de concessões florestais e quais são as
suas consequências?

Primeiro, o número de participantes no leilão pode ser reduzido. Segundo a teoria de


leilões, um aumento no número de concorrentes aumenta, na média, a valoração do
segundo maior lance (“second-highest-valuation-bidder”). Desta forma, o aumento no
número de participantes (“bidders”) incrementa, na média, a receita para o vendedor.
Consequentemente um número reduzido de concorrentes diminui, na média, a receita do
governo associada ao leilão da concessão.

Devido ao valor associado a área florestal, o governo deve estabelecer um preço mínimo
para que a concessão seja entregue18. Esta é uma forma de criar uma percepção de escassez
para as empresas interessadas na concessão. Não obstante, a imposição de um preço
mínimo traz consigo outra consequência positiva: aumenta, na média, o preço de venda do
item leiloado.

A imposição de um valor mínimo pode trazer consigo uma consequência negativa. Dado
que a empresa, quando decide participar do leilão, compara seus benefícios esperados com
seus custos, um preço mínimo suficientemente alto pode fazer com que nenhuma empresa
decida participar do leilão19. Para que isto não aconteça é necessário promover e dar
informação completa em relação à área de floresta nacional que será concessionada de
forma a atrair investidores.

A segunda preocupação fundamental do leilão está associada a eficiência do mecanismo


escolhido. Como garantir que a empresa que valore mais a área florestal seja a ganhadora
do leilão? Na teoria, esta eficiência esta garantida se os pressupostos mencionados
anteriormente se cumprem. No entanto, na prática, existe assimetria entre os ofertantes em
um leilão20. Esta imperfeição abre a possibilidade para que o ofertante com uma maior
disposição a pagar não seja necessariamente o ganhador do leilão, criando uma
possibilidade de ineficiência. Uma possível solução para o problema apresentado
anteriormente é a utilização de algum instrumento que permita ao governo extrair
informação do ofertante sobre a sua valoração pelo objeto leiloado através de um sistema
de pagamentos pela concessão.

Sistema de pagamento de concessões


17
Os pressupostos básicos são: (a) participantes são neutros ao risco, (b) os participantes têm valores privados independentes, c) existe
simetria entre os participantes do leilão, (d) o pagamento é uma função somente dos lances, (e) os custos de transação associados a
formulação e implementação do lance são zero.
18
Este preço mínimo será um valor mínimo para a valoração do governo das possíveis rendas associadas a área florestal já que
normalmente incluirá o valor de uso direto da floresta, mas ignorará tanto o valor de uso indireto, como o valor de opção, de existência e
de herança. Ver Seroa da Motta (1998c) para uma síntese elaborada dos valores associados à recursos ambientais.
19
Este caso extremo ocorreu em leilões de concessões madeireiras na Nova Zelândia.
20
Estas assimetrias podem estar presentes pelo perfil das empresas: “ambientalmente corretas” e “incorretas”, empresas estrangeiras e
nacionais, firmas grandes e pequenas, etc.

22
Um sistema de pagamentos das concessões pode ser feito através de um sistema de tarifas
de múltiplas partes. McAfee e McMillan (1987) mostram que seria do interesse do governo,
neste caso, condicionar o pagamento da concessão a informações que afetam a valoração do
ofertante. Por exemplo, neste caso, a quantidade de madeira extraída ex-post21.
Consequentemente se o governo pudesse observar ex-post a quantidade de madeira
extraída, o pagamento cobrado pela concessão, poderia ser feito como uma combinação de
uma taxa inicial mais um royaltie sobre a quantidade de madeira extraída.

O royalty não serve somente para sinalizar a disposição a pagar pela apropriação da
concessão, ele também permite ao governo apropriar a renda (lucro acima dos custos
marginais de produção) da exploração (“resource rent ou stumpage value”)22. Como já foi
dito anteriormente, o grande problema na maioria dos países onde existem sistemas de
concessões florestais reside na impossibilidade de apropriação desta renda associada a
árvore em pé (“stumpage value”)23.

Não obstante, devido a que a madeira é um bem heterogêneo, para capturar eficientemente
a renda associada ao recurso natural, o royalty deveria ser diferenciado por tipos de árvores
extraídas24. Além disso, existe outro problema prático associado ao royalty: a
observabilidade da quantidade de toras extraídas. As empresas terão um incentivo a
subestimar o volume de madeira extraído para pagar um royalty mais baixo para o governo.

Que outros tipos de taxas podem ser cobradas pelo governo para coletar a renda da
exploração? Primeiro é possível utilizar taxas de concessão (“concession fees”). Estas
podem ser cobradas no inicio da concessão para gerar receita de forma a facilitar a
cobertura de custos administrativos e diminuir a possível participação especulativa no
leilão, criando desta forma uma barreira à entrada.

Segundo é possível cobrar taxas anuais sobre concessões com base na área de concessão.
Este mecanismo pode substituir os preços de stumpage com base no volume de madeira
extraída, que é bastante difícil de monitorar na prática. Uma terceira possibilidade reside na
utilização de taxas florestais mínimas. Desta forma é possível impor um stumpage price
mínimo de forma que tente refletir os valores de uso indiretos associados à área de
concessão. Estes preços mínimos podem basear-se no volume extraído ou na área de
concessão.

Regulação e monitoramento de concessões

Uma vez distribuídas as concessões, o governo tem que cumprir o papel de regulador se
deseja que a extração madereira seja feita de maneira sustentável. As políticas de regulação,

21
Ver Ramsey (1980) sobre a utilização deste mecanismo para o caso de extração petroleira.
22
O stumpage value é calculado como o preço de mercado de uma tora de madeira menos os custos de extração e transporte. No caso de
madeira processada, é necessário subtrair os custos de processamento e os lucros associados aos investimentos de extração e
processamento. O stumpage value representa, por tanto, a renda em excesso do lucro normal dos investimentos. Ele pode ser capturado
como receita pelo governo através de taxas ou pela indústria madereira através de lucros excessivos (Gray, 1997).
23
Ver Repetto e Gillis (1988) para críticas a aplicação do sistema de royalties em vários países e Vincent (1990) para uma análise
detalhada do caso da Malásia.
24
Ver Vincent (1990).

23
associadas ao desempenho das empresas madeireiras, se caracterizam tipicamente por
informação incompleta e observação limitada por parte do governo. Por um lado, o governo
não possui informação perfeita sobre a quantidade de madeira extraída por cada empresa
num determinado período de tempo. Por outro, se o governo tentar observar esta variável,
sua possibilidade de observação será limitada devido aos altos custos de monitoramento.
Estas duas características criam possibilidades de comportamentos estratégicos, tanto por
parte do regulador, como por parte das empresas.

Existe uma diferença básica nos objetivos das empresas e do governo. As empresas estão
interessadas em maximizar seus lucros. Dados os padrões de custos, elas buscarão
maximizar a quantidade de madeira extraída. O governo, no entanto, esta interessado em
permitir uma maximização da extração florestal, mas de forma sustentável, isto é,
mantendo o fluxo de serviços ambientais básicos da floresta. Desta forma existe uma clara
contradição de interesses.

Podemos definir desta forma, duas tarefas regulatórias básicas para o governo. A primeira
consiste em desenhar um mecanismo de regulação que seja compatível com os incentivos
necessários para a exploração sustentável. A segunda consiste no monitoramento para que
este mecanismo seja cumprido.

A regulação do governo sobre a empresa detentora da concessão sofre do problema clássico


de informação assimétrica. Como foi dito anteriormente, o governo não sabe
posteriormente a assinatura do contrato, quanto será a quantidade de madeira extraída pela
empresa. Esta situação é conhecida na literatura como perigo moral (“moral-hazard”)25.

O governo, como agente regulador, terá de utilizar uma série de instrumentos para
incentivar as empresas a cumprirem um padrão de extração sustentável. Estes instrumentos
podem ser diferenciados entre métodos de comando e controle, e instrumentos de mercado.

O método de comando e controle consiste em fixar a quantidade máxima de madeira que


pode ser extraída de uma concessão por um período determinado de tempo. Desta forma,
uma empresa que ultrapasse este limite pagará uma multa fixa. Esta multa tem de ser
suficientemente alta de forma a incentivar a empresa a não ultrapassar o limite de extração
preestabelecido. Além disso, deve existir um poder de coação forte de parte do governo
para que o castigo tenha credibilidade.

Alternativamente o governo pode utilizar instrumentos econômicos para controlar a


quantidade extraída de madeira. Existem vários tipos de instrumento econômicos
disponíveis. Já foram mencionados anteriormente taxas e royalties que além de servir para
o governo capturar parte das rendas associadas à exploração do recurso natural, também

25
Uma situação de perigo moral aparece quando existe uma relação agente-principal e (i) o agente toma uma decisão (“ação”) que afeta a
sua utilidade e a utilidade do principal, (ii) O principal somente pode observar o resultado final resultado da ação do agente e esta
observação consiste em um sinal imperfeito da ação tomada pelo agente, (iii) a ação que o agente escolheria espontaneamente não seria
ótima do ponto de vista Paretiano. Na literatura o problema de perigo moral está associado, normalmente, à falta de esforço do agente
causada pela impossibilidade de monitoramento direto de sua ação. No nosso caso, a situação seria contrária. O perigo moral surge como
um excesso de esforço pelo fato das empresas não poderem ser monitoradas em sua ação diretamente. Para um exemplo do problema de
perigo moral associado a regulação ambiental ver Laffont (1995).

24
servem para desincentivar a empresa a uma exploração já que atuam como um custo
variável.

Como já foi mencionado anteriormente, a cobrança de uma taxa por unidade extraída sofre
do problema associado à informação assimétrica devido a impossibilidade de certificar com
precisão a quantidade total de madeira extraída. Uma alternativa para este problema é a
utilização de um bônus de desempenho ( “performance-bond”). Este mecanismo consiste
em coletar a multa associada ao não atendimento das exigências contratuais antes das
atividades de extração começarem. Este bônus será posteriormente retornado à empresa se
ela cumprir com todas as regulamentações preestabelecidas para a exploração florestal.

Também pode ser estabelecida uma relação que retorne parte do bônus como uma função
do dano ambiental causado. Esta função, relacionando o retorno do bônus com o tipo de
degradação ambiental, deve ser definida a priori para que os incentivos sejam os mais
transparentes possíveis e evitem a corrupção dos agentes fiscalizadores..

Em todos os tipos de incentivos apresentados anteriormente é necessária a participação de


uma agência reguladora para realizar o monitoramento. Desta forma é crucial uma
reformulação do papel da agência reguladora e de suas formas de fiscalização para
aumentar a eficiência da regulação e diminuir os incentivos à exploração destrutora.
Paralelamente é importante também involucrar as comunidades e associar-se as ONGs de
grande porte, e reconhecimento internacional, no papel de auditoras, diminuindo desta
forma os custos de transação associados com o monitoramento.

A reforma institucional do órgão regulador é fundamental para o cumprimento das metas de


sustentabilidade. Se a empresa madeireira associa uma probabilidade muito baixa a ser
descoberta desviando-se do contrato assinado e sofrer alguma punição custosa, ela se
desviará do padrão de exploração sustentável26.

Estrutura industrial e concorrência no mercado madeireiro

É bastante provável que a concessão de florestas nacionais Amazônicas produza uma


transformação nos padrões de exploração madeireira na região. Estas variações poderão
ocorrer em relação a três pontos básicos: a modificação do perfil tecnológico; a
modificação da concentração industrial e a modificação da geografia do desmatamento.

Em primeiro lugar, existe alguma evidência demostrando mudanças no perfil da industria


madeireira Amazônica durante os últimos anos, principalmente em relação ao crescimento
do número de empresas integradas verticalmente27. Esta tendência pode ser reforçada se as
empresas participantes das concessões forem integradas verticalmente, de forma que
utilizem a madeira extraída da concessão para seu próprio processamento.

26
Esta situação pode ser modelada formalmente utilizando a teoria dos jogos. Desta forma pode estudar a relação governo-empresa como
um jogo dinâmico onde a empresa calcula o valor presente esperado de uma atuação correta e o compara com o lucro associado a desviar-
se e extrair mais madeira do que permitida. Se o valor presente esperado de desviar-se for maior que o valor presente do lucro associado a
não desviar-se, a empresa extrairá madeira em excesso. Para penalidades suficientemente baixas e taxas de desconto altas, pode
demostrar-se matematicamente que existe um equilíbrio de desvio. Isto não é mais do uma aplicação do folk theorem de teoria de jogos
dinâmicos.
27
Ver Stone (1997).

25
O requerimento de exploração sustentável nas áreas de concessão transformará o perfil
tecnológico de exploração madeireira nestas regiões. Este tipo de extração requer de uma
tecnologia mais avançada e, portanto, mais intensiva em capital. Se a tecnologia de
exploração utilizada for extração seletiva, será necessário um investimento significativo em
pesquisa, inventário da área florestal e um plano de manejo para minimizar os danos
ecológicos associados a extração.

Um problema associado a este tipo de transformação será a utilização de menos mão de


obra, desencentivando a criação de empregos e aumentando a qualificação média necessária
para a exploração madereira. Isto poderá trazer como consequência um impacto negativo
sobre a distribuição de renda na região.

A necessidade de uma estrutura produtiva mais capital e conhecimento intensiva também


afetará a vantagem comparativa relativa entre empresas nacionais e estrangeiras. Devido à
experiência internacional com manejo sustentável, a tecnologia necessária para este tipo de
exploração poderá criar uma barreira à entrada de empresas nacionais.

Em segundo lugar é importante analisar o possível efeito das concessões sobre a


concentração de mercado. Se as empresas vencedoras no processo de concessões forem
firmas grandes, já presentes na Amazônia e verticalmente integradas, existirá uma
tendência à concentração da capacidade produtiva28. Com a existência de um mercado dual
e a dificuldade do monitoramento, abre-se a possibilidade para que estas empresas possam,
por um lado, extrair madeira de forma sustentável na sua área respectiva, mas por outro
lado, e de forma ilegal, comprar madeira “não-sustentável” de áreas adjacentes por um
preço mais baixo. Tais empresas poderão desta forma processar dois tipos de madeira e
segmentar os mercados de venda29.

A médio e longo prazo é possível que estas firmas maiores e verticalmente integradas
expulsem do mercado as firmas menores e a produção madeireira fique mais concentrada.
Este fenômeno dependerá crucialmente da capacidade do governo de fechar a fronteira para
a livre exploração madeireira. Se as possibilidades atuais de desmatamento continuarem, as
empresas pequenas poderão sobreviver já que sempre terão insumos baratos para processar
madeira e vender no mercado local. Consequentemente com a existência deste mercado
dual é bastante provável que a exploração sustentável em áreas de concessão seja inviável
financeiramente.

Esta inviabilidade é ocasionada principalmente por dois motivos: primeiro pela


incapacidade de diferenciação do produto. Este é um típico problema de informação
assimétrica onde o comprador de madeira não sabe se a madeira foi extraída de forma
sustentável ou não, desta forma o comprador estará disposto a pagar somente um valor
equivalente a madeira extraída de forma não sustentável30.

28
Esta tendência de concentração produtiva já foi notada anteriormente por Stone (1997).
29
Se o tipo de madeira demandada no Brasil for diferente ao tipo de madeira demandada no exterior (madeira de exploração sustentável
certificada), as empresas poderiam atuar como monopolistas vendendo em dois mercado segmentados.
30
Este é um caso típico de seleção adversa onde a sobrevivência do produto ambientalmente correto dependerá da possibilidade de
certificação para diferencia-lo da média.

26
A única forma de diferenciar as toras extraídas de forma sustentável é através de uma
certificação ou um selo verde. No entanto, esta certificação só poderá ser feita depois de
alguns períodos de extração e a empresa terá que sobreviver até então vendendo madeira a
um preço muito abaixo de seu preço sombra. Adicionalmente, mesmo com uma certificação
de produto “ambientalmente correto”, o mercado interno poderá não estar disposto a pagar
o diferencial do preço entre a madeira “sustentável” e “não-sustentável”31.

Em terceiro lugar, existe a perspectiva de que as concessões florestais transformem a


geografia do desmatamento. Uma vez esgotadas as possibilidades de extração nos pólos
madeireiros existentes32, as empresas madeireiras estão começando a avançar na fronteira.
Se existir uma viabilidade econômica, a fronteira das concessões pode ser tomada por
agentes econômicos que desmatarão e venderão a madeira para ser utilizada pela madeireira
verticalmente integrada. Isto também atrairá empresas madeireiras de pequeno porte, que
com a infra-estrutura de estradas, poderão criar novos pólos de exploração nas cercanias
das concessões. Claramente este processo pode ser controlado com ação governamental
através do monitoramento da extração ilegal.

Recomendações

A criação de florestas nacionais (FLONA) e sua concessão para a exploração privada


consistem, teoricamente, em uma solução para o problema de desflorestamento associado à
exploração madeireira na floresta Amazônica. Não obstante, esta política desenhada e
aplicada de forma similar ao que foi feito em outros países, não controlará, nem mesmo no
curto prazo, o problema de desmatamento excessivo na região. Isto devido a que tais
processos são decorrentes de reações racionais dos agentes econômicos diante do frágil
contexto institucional prevalecente, i.e. indefinição de direitos de propriedade, falta de
crédito, concentração da terra e da riqueza, falta de monitoramento, fiscalização e coação;
são necessárias mudanças estruturais e institucionais que promovam um desenvolvimento
mais sustentável da exploração madeireira na região.

Desta forma, podemos resumir os principais condicionantes e cuidados necessários no


estabelecimento de concessões florestais no Brasil.

• As concessões devem ser desenhadas levando em consideração o tamanho e o tempo


necessário para desenvolver a atividade de exploração madeireira de forma sustentável
e, ao mesmo tempo, financeiramente atrativa e viável.

• As concessões devem ser estabelecidas através de leilões de lance selados de primeiro


preço (“first price sealed bid auctions”), com um preço mínimo claramente estabelecido,
com concorrência e com participação restrita à empresas que não tenham um passado
“ambientalmente incorreto”.

31
A disposição a pagar por madeira extraída de forma “ambientalmente correta” surge a partir de um nível mínimo de renda. Esta
hipótese esta associada a existência de uma curva ambiental de Kusnetz que relaciona degradação ambiental e nível de renda per capita.
Desta forma, a partir de certo nível de renda per capita, aumentaria a disposição a pagar por bens produzidos de forma “ecologicamente
correta”.
32
Ver Stone (1997) para uma exemplificação deste processo nas áreas de Paragominas e Tailândia.

27
• Taxas de participação dos leilões devem ser cobradas para diminuir a participação
especulativa. Royalties e taxas de stumpage devem ser cobradas em relação a extração
para criar uma percepção de escassez na empresa madeireira. Adicionalmente, podem
ser cobradas taxas em função das áreas de concessões exploradas.

• Um sistema de monitoramento e de sanções eficiente e com credibilidade deve ser


estruturado na forma de incentivos. As multas não devem ser fixas, e sim uma função do
crime ambiental cometido. Uma forma de penalizar de forma eficiente e incentivar a
exploração sustentável é a utilização de um bônus de desempenho.

• Envolver a sociedade civil através da participação de comunidades e ONGs no sistema


de monitoramento e regulação é fundamental para diluir os custos de transação do
governo, aumentar a eficiência e criar consciência ecológica.

• A verticalização de empresas, que já está ocorrendo na região amazônica, não deve ser
desincentivada, pois, diminui os custos de transações associados a fiscalização, e ao
mesmo tempo, permite um maior aproveitamento das economias de escala inerentes ao
processo de extração sustentável.

• A fiscalização é fundamental para não permitir a existência de dois mercados paralelos.


Isto criaria uma concorrência desleal para a extração sustentável em concessões, e ao
mesmo tempo, um incentivo para que estas empresas participem do mercado
ilegal/clandestino de madeira para seu processamento.

• É fundamental uma atuação sobre a demanda de forma a incentivar a compra de madeira


de origem sustentável para compensar seu custo mais elevado. Isto deve ser feito, não só
através de propaganda e educação ambiental, como também utilizando instrumentos
diretos de demanda como, por exemplo, rotulagem/certificação ambiental.

• A maior intensidade relativa de capital na industria madeireira de exploração sustentável


exigirá capital humano mais intensivo em conhecimento, acarretando menor demanda de
mão-de-obra não qualificada na região. Consequentemente é fundamental uma política
paralela de qualificação da mão-de-obra, educação e participação comunitária.

Podemos concluir, entretanto, que a utilização de florestas nacionais com desenho


adequado do sistema de concessões é uma condição necessária, porém não suficiente para
garantir a exploração madeireira sustentável.

Certificados de reserva legal

Discute-se atualmente no Congresso Nacional uma nova redação ao artigo 44 do Código


Florestal visando alterar os dispositivos da reserva legal. Trata-se de uma projeto bastante
controverso, pois, reduz drasticamente as caracterizações ecológicas deste instrumento de
reserva. Em que pesem estas distorções, este projeto traz no seu bojo uma flexibilização na
localização da reserva ao permitir que a área de reserva seja desvinculada da propriedade.

28
Esta possibilidade se daria através de um novo instrumento denominado de Cota de
Reserva Florestal - CRF e Cota de Arrendamento de Reserva Florestal - CARF.

Estes instrumentos seriam um tipo de certificados de áreas de reserva legal que seriam
emitidos contra áreas protegidas além do índice previsto para reserva legal. Os detentores
destes poderiam transacioná-los junto a proprietários de terra que não queiram alcançar
estes índices na sua propriedade.

Conforme pode ser observado, trata-se de um instrumento de mercado que objetiva reduzir
o custo privado da reserva legal. Se uma propriedade demonstra um alto padrão de aptidão
agrícola e, portanto com valor da terra mais elevado de mercado, o seu proprietário poderia
alcançar seu índice de reserva legal em outra propriedade, cujo valor a terra fosse menor,
adquirindo estes certificados.

Da mesma forma, o proprietário de terras de valor inferior, poderia se beneficiar ao alocar


maiores proporções da sua propriedade para este tipo de transação. Como todas as
propriedades teriam que alcançar os índices legais, o custo econômico da reserva legal seria
menor. E sendo estes menores, haveria um maior incentivo para o cumprimento da
legislação da reserva legal com seus respectivos benefícios ecológicos e econômicos. Além
disto, o esforço institucional dos órgãos ambientais seria reduzido. Ou seja, o novo
instrumento seria custo-efetivo para alcançar um dado objetivo ambiental.

Analisemos agora alguns pontos que são condições necessárias para que um mecanismo de
criação de mercado de reserva legal seja realmente custo-efetivo na prática:

1 – Direitos de propriedade: Se a segurança de validade destes certificados não for aceita,


então se gera um desincentivo a sua transação e, portanto, eliminam-se os ganhos esperados
de redução dos custos. Daí a necessidade de uma lei, como se está realizando, para
estabelecer esta credibilidade. Todavia, dado que o instrumento está contido em legislação
na qual outras partes controversas estão sendo disputadas, talvez fosse mais recomendável
ter uma lei específica de forma a não transmitir insegurança devido a estes outros pontos
contenciosos.

2 – Objetivos ambiental e privado: O custo privado da reserva legal pode não ser
equivalente ao custo econômico para a sociedade. Isto porque para o agente privado,
engajado em atividades agropecuárias, a reserva legal é solo florestal de pouco retorno,
enquanto para a sociedade, dado que para tanto instituiu a reserva legal, este solo florestal
gera valor além do produto agropecuário. Assim, para que estes certificados estejam de
acordo com os objetivos ecológicos da reserva legal, seria necessário criar uma relação de
paridade entre as áreas a serem transacionadas.

Por exemplo, em certas áreas, dada importância ecológica do solo florestal, as transações de
destes certificados teriam que ser realizadas com áreas de mesmo grau de importância
ecológica (por exemplo: corredores ecológicos). A definição destas relações de paridade,
além de não ser trivial, gera dois efeitos que reduzem o custo-efetividade do instrumento, a
saber: (i) aumenta o custo de transação para identificação destas áreas e (ii) reduz as

29
possibilidades de transação. Assim, se devido a razões de política ambiental, esta paridade
for muito complexa e restritiva, com diminutos ganhos econômicos, as incertezas e os
custos políticos resultantes podem não compensar esta mudança instrumental. Esta seria
então uma questão fundamental a ser estudada antes de propor este novo instrumento.

3 – Competição: Um instrumento que cria mercados deve ser implementado em condições


competitivas, i.e., com inúmeros compradores e vendedores e com mecanismos de proteção
de riscos (p.ex., mercados futuros). A princípio dada a estrutura a dimensão territorial
brasileira e sua área agropecuária, estas condições estariam asseguradas. Todavia, esta é
outra questão que terá que ser analisada cuidadosamente, pois, dependerá largamente das
restrições de transação acima mencionadas que podem criar mercados muito concentrados.

Com base nas observações acima, é plausível afirmar que, embora o instrumento proposto
seja bastante atraente e promissor, as condições econômicas necessária para sua
implementação ainda requerem uma análise mais detalhada.

Contudo, é possível que se argumente que esta questão deva ser deixada para a fase de
regulamentação da lei. Entretanto, deve-se observar que uma lei que venha ter uma
regulamentação controversa tende a não ser implementada e desacredita um instrumento
sem nenhuma vantagem social objetiva.

Instrumentos econômicos para combate ao aquecimento global33

O Protocolo firmado na Conferência das Partes de 1997, da Convenção do Clima, em


Kioto, fixou um teto de emissões de gases do efeito estufa (GHG) para vários países
desenvolvidos (listados no Anexo B do Protocolo) e introduziu a possibilidade de
mecanismos de criação de mercado baseados no comércio de certificados e créditos de
emissões. Estabeleceu uma obrigação com bases legais para os países ricos e os da Europa
Oriental listados no Anexo 1 do Protocolo, agora em diante denominados de PA1,de
reduzirem as emissões totais de seis GHGs em cerca de 5% abaixo dos níveis de 1990 até o
período entre os anos 2008-12. Não constam neste Protocolo reduções similares de
emissões para os países em desenvolvimento que não estão listados no Anexo 1 (NPA1).

Os PA1 concordaram com reduções diferenciadas: 8% para a União Européia, 7% para os


Estados Unidos, 6% para o Canadá, Japão, Hungria e Polônia e 5% para a Croácia. A
Rússia e a Ucrânia prometeram estabilizar-se aos níveis de 1990, enquanto que se
permitiram à Noruega, Austrália e Islândia aumentos de 1,8 e 10%, respectivamente.

Para os PA1 este comércio será com base nos direitos de emissões de cada país abaixo
dentro dos seus tetos. Assim, cada PA1 pode comprar de ou vender para outro PA1 seus
direitos de emissão de forma a procurar uma estratégia de redução do seu custo de atingir o
teto estabelecido.

33
Texto baseado em Seroa da Motta, Young e Ferraz (1999) e Seroa da Motta (1999).

30
Entre os PA1 e NPA1, outro instrumento semelhante, chamado “Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo” (CDM), foi criado para o comércio de emissões entre países com
um teto e países que não o tivessem. Neste caso os NPA1 ao realizarem reduções
voluntárias de GHG, podem se creditar destas e vendê-las para os PA1.

Muitos dos procedimentos necessários ao prosseguimento do comércio de emissões


conforme a Convenção, como linha de referência, adicionalidade, certificados, etc., devem
ainda ser definidos. Ainda assim, o CDM é com certeza a grande estrela nascida do
Protocolo de Kioto, pois abrange todos os incentivos necessários a acelerar a cooperação e
aumentar a eficiência dos custos do controle global da emissão de GHG.

O CDM é um instrumento típico de criação de mercado. Espera-se agora que as forças do


mercado assumam seu lugar e criem os incentivos necessários a fazer com que a
cooperação seja proveitosa para todas as nações no combate ao aquecimento global. Os
investidores privados, mais do que os governos, poderão tomar a dianteira e tornar possível
a cooperação usando o mercado como a arena em que se criarão os incentivos econômicos.

O controle da emissão de GHG tem uma característica importante, também condição


necessária, para a aplicação de instrumentos econômicos: os custos marginais do controle
variam grandemente entre os poluidores. Além disto, como as emissões de GHG são
misturadas uniformemente (isto é, espacialmente independentes) na atmosfera, o comércio
de emissões parece ser um bom candidato para maximizar os ganhos em eficiência: as
emissões de um lugar podem ser comerciadas ao par com as emissões de outros lugares
sem deterioração da qualidade ambiental destes últimos34. Neste caso os custos de
transação são grandemente reduzidos.

O CDM é um tipo de mercado de crédito de emissões que difere do comércio de


certificados de emissão por não exigir qualquer distribuição inicial de licenças. Por isto a
eficiência do sistema de comércio não dependerá da distribuição inicial de autorizações, o
que aconteceria sob o sistema de certificados. Com o CDM, qualquer país do grupo fora do
Anexo B pode desenvolver projetos de redução da emissão de GHG e receber créditos por
isto, podendo vender este crédito no mercado. Assim, as transações CDM ocorrerão
enquanto os tetos dos PA1 não forem atingidos e os custos marginais da redução da
emissão de GHG por parte dos NPA1 forem mais baixos do que os dos PA1.

No entanto, as características anteriores não são condições suficientes para fazer funcionar
o mercado de CDM em bases de custos eficientes para criar esforços de redução da emissão
de GHG. Os mecanismos de criação de mercado exigem condições competitivas de
mercado para satisfazer aos objetivos de eficiência. Considerando-se a diversidade das
fontes de emissão de GHG e das opções de controle, um mercado de CDM em bases
puramente privadas iria confrontar muitos vendedores e compradores, dando margem a um
mercado altamente competitivo.

34
Embora as emissões que não se misturem uniformemente também possam contar com dispositivos comerciáveis, os custos de transação
(inclusive custos administrativos) seriam altos.

31
A questão é se uma feição tão competitiva pode emergir em um mercado de CDM. A
resposta dependerá do poder discricionário que os governos irão exercer sobre as transações
em CDM. A principal fonte de cortes na emissão de GHG virá de poucos NPA1 e, além
disto, os compradores estarão concentrados nos poucos PA1. Se os governos atuarem no
sentido de exercer seu poder discricionário no mercado de CDM controlando as decisões do
mercado conforme a estratégia de cada país, veremos um mercado com poucos
compradores e vendedores atuando estrategicamente para maximizar os benefícios
individuais de um país. Estas imperfeições irão com certeza reduzir os ganhos em eficiência
do resultado do CDM.

Por outro lado, considerando uma economia individualmente, um mercado competitivo


poderá, por si só, levar a outras imperfeições, já que os benefícios do controle da emissão
de GHG são globais mas os custos são incorridos localmente. Por isto, um mercado com
muitas empresas individuais buscando maximização de lucros aumentará a competição,
mas não irá necessariamente gerar outros benefícios locais além do controle da emissão de
GHG.

A faceta mais importante do CDM é o fato de apoiar-se nas forças do mercado. Ao permitir
o comércio de emissões, o CDM pode trazer os investidores privados para o negócio do
controle da emissão de GHG. Um investidor pode agora gerar receita vendendo reduções de
GHG e, com isto, melhorar os retornos de um projeto. Este mercado irá superar as
restrições de capital, pois, as oportunidades desta abordagem de orientação de mercado irão
atrair negócios internacionais. Em outras palavras, o CDM contará com fundos dos
investidores privados, que buscarão lucros e arcarão com os custos. Os governos irão
intervir para reduzir os custos de transação através do monitoramento.

As reduções de GHG serão, então, considerados como uma típica “commodity”,


transacionada em um mercado, de modo a maximizar os lucros privados. Assim, os efeitos
escala serão reconhecidos e os custos de aprendizagem reduzidos, já que a tecnologia será
necessária e promovida para garantir os retornos privados. As economias em que o CDM é
aplicado para criar reduções transacionáveis na emissão de GHG receberão grandes
investimentos com benefícios que vão desde oportunidades de emprego até melhorias na
balança comercial, criando ganhos razoáveis em equidade para os países em
desenvolvimento.

Mesmo que a influência dominante do governo possa, como foi dito anteriormente,
conduzir a um mercado bastante imperfeito, um mercado de CDM puramente privado faz
surgirem questões de bem-estar social relacionadas com as externalidades locais associadas
à redução das emissões de GHG. Em outros termos, uma abordagem do CDM puramente
baseada no mercado afastará qualquer oportunidade de integrar à seleção de projetos
quaisquer benefícios secundários associados aos projetos de redução de GHG. Observe-se
que os benefícios secundários caberão aos países que efetuarem reduções na emissão de
GHG, mas, teoricamente, só se pode garantir que os investimentos de seleção do mercado
minimizem os custos desta redução. A maximização de outros possíveis benefícios
externos não é assegurada.

32
As disputas sobre a contribuição de cada país para o aquecimento global e,
conseqüentemente, as divergências sobre a contribuição de cada país para a solução do
problema parecem estar amarradas na questão dos tetos de Kioto para os PA1 e a
conseqüente abertura do caminho para a cooperação e os negócios. No entanto, existe uma
outra razão para a pouca ação governamental no controle do aquecimento global, e ela está
relacionada às divergências quanto ao custo e benefício social esperado a partir da redução
do GHG por parte de cada país.

Resumindo, o mercado de CDM pode vir a não considera qualquer outro benefício que não
possa ser captado pelo mercado, além da redução de custo no controle de GHG. Se
analisarmos algumas opções para realizarmos projetos no Brasil com vista a gerar créditos
de CDM, conforme mostra o Quadro 5 tabela abaixo, podemos identificar como será difícil
combinar no mesmo projeto objetivos de custo baixo de redução de GHG e objetivos de
melhoria de bem-estar local.

Quadro 5
Indicadores de Opções de Projetos de CDM no Brasil
Florestas Florestas Produção Co-geração Energia
Plantadas Nacionais de Álcool Industrial de Aeólica
Energia
Custo de reduzir Baixo Médio Médio Baixo Médio
carbono
Benefícios Baixo Alto Médio Baixo Alto
ambientais
Benefícios Alto Médio Alto Alto Baixo
econômicos
Benefícios Baixo Alto Alto Baixo Baixo
distributivos
Fontes: Seroa da Motta, Young and Ferraz (1998)

Por exemplo, as Florestas Nacionais (que aplicam manejos sustentáveis) apresentam um


custo de redução de carbono maior que o das florestas plantadas e, portanto, serão menos
viáveis no CDM que as plantadas. Por outro lado, as Florestas Nacionais podem gerar
maiores benefícios ambientais e distributivos. Todavia, as últimas decisões da
regulamentação do Protocolo de Kioto não admitem o uso de projetos de conservação
florestal para fins de estocagem de carbono. Dessa forma, somente o carbono seqüestrado
no crescimento florestal é contabilizado. No caso das florestas naturais este balanço é zero,
uma vez que o cortado e o crescimento se anulam. Dessa forma, o mercado de CDM não
pode ser considerado uma opção para os projetos de conservação.

BIBLIOGRAFIA
CANSIER, D. and KRUMM, R. Air pollutant taxation: an empirical survey, Ecological
Economics, 23, 59-70, 1996.
CHERMONT, L. e SEROA DA MOTTA, R. Aspectos econômicos da gestão integrada de
resíduos sólidos. Rio de Janeiro: DIPES/IPEA, maio 1996 (Texto para Discussão, 416).
FERRAZ, C. e SEROA DA MOTTA, R. Economic incentives and forest concessions in
Brazil, Planejamento e Políticas Publicas, n.18, dezembro 1998.

33
GILLIS, M. Forest concessions management and revenue Policies in: Managing the
World’s Forests: Looking for Balance Between Conservation and Development,
1992.
GRAY, J.A Forest concession policies and sustainable forest management of tropical
forests” Workshop on Forest Policies and Sustainable Development in the
Amazon, FBDS, Rio de Janeiro, 1997.
LAFFONT, J.J. Regulation, moral hazard and insurance of environmental risks, Journal of
Public Economics, Vol. 58(3), 1995.
MCAFEE, R.P. e MCMILLAN, E. J. Auctions and bidding, Journal of Economic
Literature, Vol. XXV (June), 1987.
OECD Managing the Environment: The Role of Economic Instruments. Paris, 1994.
OECD Environmental Taxes in OECD Countries, Paris, 1995.
RAMSEY, J.B. Bidding and Oil Leases. Greenwich, CT: J.A.I. Press, 1980.
REPETTO, R. and GILLIS, M. , Public Policies and the Misuse of Forest Resources.
Cambridge: Cambridge University Pres, 1988
REPETTO, R. Shifting taxes from value added to material inputs, in: Carraro, C. and
Siniscalco, D. Environmental Fiscal Reform and Unemployment, Dordrecht,
Kluwer Academic Publishers, 1996.
SEROA DA MOTTA, R. E C. FERRAZ Estimating timber depreciation in the Brazilian
Amazon, Journal of Environment and Development Economics, no prelo.
SEROA DA MOTTA, R. Indicadores ambientais: aspectos ecológicos, de eficiência e
distributivos. Rio de Janeiro: DIPES/IPEA, fev. 1996 (Texto para Discussão, 399).
_______ Utilização de critérios econômicos para a valorização da água no Brasil. Rio de
Janeiro: DIPES/IPEA, abril 1998 (Texto para Discussão, 556).
_______ Application of Economic Instruments for Environmental Management in Latin
America: from Theoretical to Practical Constraints OAS Meeting on Sustainable
Development in Latin America and the Caribbean: Policies, Programs and
Financing, Washington, D.C., October 30, 1998b.
_______ Manual para Valoração Econômica de Recursos Ambientais. Brasília: MMA,
1998c.
_______ Integrating Brazilian national priorities and policies in global environmental
issues, Nota di Lavoro 50, Fondazione Eni Enrico Mattei, 1999.
SEROA da MOTTA, R., YOUNG, C. e FERRAZ, C. A. Clean development mechanism
and climate change: cost-effectiveness and welfare maximization in Brazil,
IPEA/DIPES, Rio de Janeiro, mimeo, August 1998.
SEROA DA MOTTA, R., RUITENBEEK, J., HUBER, R. Market based instruments for
environmental policymaking in Latin America and the Caribbean: lessons from
eleven countries, Journal of Environment and Development Economics, 4(2),
1999.

34
SEROA DA MOTTA, R. and SAYAGO, D. E. Propostas de instrumentos econômicos
ambientais para a redução de lixo urbano e o reaproveitamento de sucatas no Brasil,
1998 (Texto para Discussão, 608).
STONE, S. (1997), “Evolution of the Timber Industry Along an Aging Frontier: Evidence
from the Eastern Amazon”, Forthcoming in World Development.
VINCENT, J.R. Rent capture and the feasibility of tropical forest management, Land
Economics, Vol.66(2), 1990.

35

Você também pode gostar