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inadimplemento

1 - EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO: ORIGEM HISTÓRICA E


CONCEITO

A exceção de contrato não cumprido – exceptio non adimpleti contractus – se acha


consagrada pelo art. 476 do atual Código Civil (correspondente ao art. 1092, caput, 1a
parte, do Código Civil de 1916): "nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes
de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro".

O surgimento histórico dessa exceção é assunto controverso. Frederic Girard (01)


aponta Roma como o seu nascedouro. Diversamente, Cassin (02) afirma que sua origem se
reporta ao direito canônico. Esta última tese recebe a acolhida de Serpa Lopes (03) e Caio
Mário da Silva Pereira (04).

Segundo a proposta da origem canônica, o sinalagma – interdependência recíproca


das prestações – não existia no contrato bilateral dos romanos. Entre eles, um contrato
como a compra e venda era regido pela boa-fé, porquanto era contrário a esse princípio que
um dos contratantes, não tendo adimplido a prestação que lhe cabia, executasse o outro pelo
não cumprimento de uma contraprestação devida. A resolução dos contratos ocorria apenas
em casos de vício oculto ou, se estipulado em contrato, de não pagamento de preço.

Assim, o direito canônico é que teria precisado que, em certos contratos bilaterais –
os sinalagmáticos –, as prestações se vinculam não apenas no instante de sua gênese, mas
também no de sua execução. Registre-se ainda: os canonistas, ao desfazerem a distinção
entre contrato e pacto nu, deixaram estabelecido que do simples acordo de vontades
promanava o vínculo contratual.

Os contratos celebrados no direito canônico eram revestidos de obrigatoriedade


mediante juramento solene de cumprimento bilateral dos deveres adquiridos. A eqüidade
reforçava esse vínculo, de tal sorte que a reciprocidade subsistia mesmo quando não
houvesse juramento. Foi esse contexto que fez nascer o princípio atribuído a Hortensius
(05): non servanti fidem, non est fides servanda.

Feito um esboço do histórico, é de bom alvitre proceder a um estudo cuidadoso


desse conceito.
Consoante já se observou, a exceção de contrato não cumprido é um fenômeno
particular dos contratos sinalagmáticos. Não é pacífica a discussão doutrinária referente à
relação de dependência recíproca entre prestações derivadas de um mesmo contrato
bilateral.

Três correntes figuram nesse debate: a que defende ligarem-se as prestações do


contrato sinalagmático em sua origem; a que afirma que tais prestações se ligam no
momento do funcionamento da relação contratual; e, finalmente, a de Gino Gorla (06), de
caráter conciliador, segundo a qual as prestações do contrato sinalagmático se vinculam
genética e funcionalmente.

Serpa Lopes adere à corrente conciliatória, assinalando que a exceptio non adimpleti
contractus "é uma forma de justa recusa ao cumprimento de uma prestação dependente do
concomitante cumprimento da que toca à outra parte contratante, oriunda, geneticamente,
do mesmo contrato e funcionalmente vinculadas as prestações uma à outra" (07). É um ato
passivo, de defesa, pelo qual o excipiente visa a paralisar a ação do excepto faltoso.

Nos contratos bilaterais, as prestações devem guardar entre si uma relação de


reciprocidade e interdependência, cada uma delas se constituindo na causa jurídica da outra.
Nesse sentido, Colin e Capitant (08): "Nos contratos sinalagmáticos, as obrigações
recíprocas das partes se servem mutuamente de causa, ou seja, de suporte jurídico" (09).
Além disso, para que se lhes possa aplicar a exceção de contrato não cumprido, as
prestações devem ser simultâneas.

Outrossim, cumpre consignar que a exceptio non adimpleti contractus não se aplica
indistintamente a todo e qualquer contrato bilateral, posto que de um mesmo contrato desse
tipo podem emanar prestações diversas que não sejam correspectivas. É o que diz Pontes de
Miranda: "Nem todas as dívidas e obrigações que se originam dos contratos bilaterais são
dívidas e obrigações bilaterais, em sentido estrito, isto é, em relação de reciprocidade. (...)
A bilateralidade – prestação - contraprestação – faz ser bilateral o contrato; mas o ser
bilateral o contrato não implica que todas as dívidas e obrigações que deles se irradiam
sejam bilaterais" (10).

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2 - FUNDAMENTO JURÍDICO DA "EXCEPTIO"

O argumento mais utilizado pelos operadores do direito para justificar e


fundamentar a exceptio non adimpleti contractus é a equidade. No entanto, parece ser
segundo alguns juristas, dentre eles CAPITANT, que tal argumento é insuficiente para
fundamentar juridicamente a "exceptio".

Na visão do autor supracitado a "exceptio" tem fundamento no ato de vontade das


partes. Não bastando, tal ato tem como objetivo um fim determinado, sendo tal
manifestação de vontade una e indivisível. Desta forma não há que se falar em "exceptio"
no sentido que a espelha DECKER, afirmando serem as obrigações, em um contrato
sinalagmático, e não as prestações o seu correspondente.

Em sua obra monumental vertida para o espanhol, Ennecerus T. Kipp & Wolff
lembram que "el contrato o la ley pueden determinar quien tiene que hacer primero la
prestación en un contrato bilateral" (11). Na mesma esteira do primeiro SALEILLES,
defende que as obrigações nestes contratos devem ser uma em razão da outra.

Deve ser essa a razão pela qual os civilistas aconselham que os contratos consignem
com a maior clareza a cronologia das respectivas prestações, pois sem simultaneidade das
prestações não há que se falar em exceptio non adimpleti contractus.

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3 - CONDIÇÕES DE APLICAÇÃO

3.1 - CONTRATOS UNILATERAL E BILATERAL

Os unilaterais são aqueles que em sua constituição, são geradas obrigações para
apenas uma das partes. Além do que "o peso" nos contratos unilaterais, no dizer de Venosa,
"onera só uma das partes". Não há reciprocidade de prestações, como ocorre nos contratos
bilaterais, nos quais, existem obrigações para ambas as partes.

Com efeito, o contrato bilateral para fins de aplicação da exceptio são aqueles "que
exigem, para sua caracterização, a presença de prestações e contraprestações interligadas
genética e funcionalmente" (12).

Já para alguns autores, a maior utilidade da distinção entre contratos unilaterais e


bilaterais existe na possibilidade de aplicar a exceção do contrato não cumprido, pois esta
somente pode ser aplicada aos bilaterais (13).

3.2 - CONTRATOS SINALAGMÁTICOS

São contratos com obrigações correlatas, sendo a interdependência recíproca das


prestações, contendo necessariamente prestação e contraprestação, tendo ambas as partes
deveres e direitos. Não há impedimento de que uma das partes tenha maior número de
direito que a outra, pois tal fato não retira a bilateralidade contratual permitindo a aplicação
da exceptio.

De acordo com o artigo 476 do Código Civil apenas aos contratos bilaterais pode
ser aplicada a exceção do contrato não cumprido. Logo, fica excluída a aplicação aos
contratos unilaterais, tendo como justificativa de que nestes não há contraprestação para
uma das partes.

Cabe salientar que a reciprocidade não se confunde com a multiplicidade ocasional


de vários débitos e créditos entre as mesmas pessoas.
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4 - ORDEM NORMAL DE EXECUÇÃO DAS PRESTAÇÕES NÃO MODIFICADAS

Em caso de não ocorrência de simultaneidade entre as prestações, também não


existe espaço para o exercício da exceptio non adimpleti contractus. Não pode, desse modo,
ser meio de defesa para prestação futura, como no caso do consórcio ou financiamento de
veículo automotor.

Assim sendo, a exceção de contrato não cumprido somente poderá ser exercida
quando a legislação ou o contrato não dispuser sobre a quem cabe cumprir primeiro a
obrigação. Pacificado é tal entendimento, pois cada um dos contraentes é simultaneamente
credor e devedor um do outro, uma vez que as respectivas obrigações têm por causa as do
seu co-contratante, e, assim, a existência de uma é subordinada a da outra parte" (14).

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5 - A EXCEÇÃO DE INEXECUÇÃO DEVE SER UTILIZADA DE ACORDO COM AS


REGRAS DA BOA-FÉ

Segundo alguns autores a exceção do contrato não cumprido é "instituto animado de


um sopro de equidade" (15), além do que sua aplicação tem como pressuposto
indispensável o princípio da boa-fé.

A justificativa deste princípio esta no justo equilíbrio dos contratantes no


cumprimento das prestações. Assim os romanos mesmo não sabendo a regra "non servanti
findem non est fides servanda, criaram a exceptio dol, cuja base era a boa-fé.

Esse princípio está cristalino no Código Civil em seu artigo 477, dando autorização
ao devedor para que este peça uma garantia ao outro contratante do cumprimento da
prestação. Para ilustrar o instituto temos o exemplo de Venosa, no qual um contratante
entra com o capital e materiais para o fim de uma empreitada e vem a ter conhecimento de
que o empreiteiro tem costume de envolver-se em operações arriscadas, que colocam em
risco sua credibilidade. Adimplir com o capital nesta ocasião seria correr um enorme risco
de não ver completada a obrigação.

Porém, deve ser lembrado que o exercício indiscriminado da exceptio também é


contrário ao princípio da boa-fé. Assim como no dizer de SERPA LOPES que é contrário
ao instituto àquele que dele se beneficia, por sua culpa anterior, deu causa a inexecução por
parte contrária.

No caso de cumprimento parcial, defeituoso ou incompleto da prestação, aplica-se a


regra geral devido a conseqüência ser a mesma, ou seja, o inadimplemento. Logo, para que
a obrigação seja tida como adimplida esta deve ser cumprida na forma contratada, no lugar
e no tempo convencionado.

É necessário ainda que ocorra a proporcionalidade à luz do princípio da boa-fé. Isto


se deve ao fato de "não ser justo suspender prestações de vulto por contraprestações
inexpressivas ou de escassa relevância" (16). Com efeito, deve haver uma tolerância
mínima entre os contratantes, uma vez que o defeito de execução da prestação são de
escassa importância se olhado no conjunto.

Outra condição a ser observada é o objetivo da exceptio, ou seja, tem esta eficácia
apenas dilatória. Tem o demandado conquista o direito de não cumprimento da sua
prestação até o adimplemento da contraprestação pela parte contrária.

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6 - A POSIÇÃO " EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO" EM FACE A


OUTROS INSTITUTOS A ELE SIMILARES POR CERTO ASPECTO.

6.1 - O DIREITO DE RETENÇÃO E A EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO


CUMPRIDO

No direito de retenção, o credor de uma prestação ligada à coisa objeto, ao mesmo


tempo de uma obrigação de restituição de sua parte, dispõe deste meio de garantia,
enquanto estiver o objeto em sua posse, Segundo a lição de CLÓVIS BEVILACQUA: "
Em principio, salvo estipulação em contrário, o pagamento de preço e a entrega do objeto
vendido devem ser atos simultâneos, donde resulta que cada uma das partes tem direito de
retenção sobre o que deve dar, sendo aliás o vendedor quem deve iniciar o cumprimento da
obrigação."

Na exceção de contrato não cumprido, o credor retém o pagamento da sua prestação


até que o outro contratante realize a que lhe incumbe; enquanto no direito de retenção
decorre exclusivamente de um credito originário da própria coisa a restituir, a exceção do
contrato não cumprido pressupõe um vínculo bilateral entre duas obrigações que podem ser
realizadas ao mesmo tempo, sendo dessa maneira uma solução preparatória para o contrato;
já no direito de retenção é uma garantia específica determinadas relações indicadas pela lei.

6.2 - A COMPENSAÇÃO E A EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO

Ambas representam formas de execução, sendo que a compensação extingue a


obrigação e a exceção do contrato não cumprido paralisa a ação de um dos contratantes.

Na compensação para que se opere é necessário que as duas dívidas recíprocas


sejam fungíveis entre si; na exceção de contrato não cumprido nada mais se exige senão
que se trate de uma relação bilateral com as prestações já exigíveis " trait pour trait",
enquanto a compensação opera "sine facto hominis".
Automaticamente pelo simples fato do vencimento dos dois débitos recíprocos, a
exceção do contrato não cumprido, necessita ser alegada pelo devedor, como exceção à
exigência ao cumprimento da obrigação assumida; por outro lado a compensação tem uma
eficácia suspensiva e total, pois ela não paralisa proporcionalmente, mas detém a
exigibilidade da prestação do excipiente ao mesmo tempo que compete a exceção a realizar
a que lhe incumbe.

6.3 - A "EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO " E A CLÁUSULA


"SOLVE ET REPETE"

A cláusula "solve et repete", significa "pague e depois reclame", é a que se


estabelece num, contrato, com o objetivo de tornar a exigibilidade de sua prestação a
qualquer intenção contrária do devedor, sendo que o mesmo só poderá reclamar desta em
outra ação, visando assim o pagamento ao credor sem outra oposição.

A jurisprudência italiana durante algum tempo dividiu-se em torno da "solve et


repete, considerando essa como cláusula leonina, restando a ela alguma restrição no que
tange a questão dos limites a ela imposta".

Esses limites consistem em determinar se a cláusula e valida de todos os modos em


sua extensão, ou se precisaria impor algumas exceções quando fosse alegada na demanda
nulidade. Sua validade ficou afirmada desde que seja consignada no contrato, partindo
assim do principio da autonomia da vontade, e sua eficácia consiste precisamente no
seguinte: uma das partes não pode eximir-se da prestação, nem retarda-la em razão de
exceções subordinadas ao comportamento da outra contraparte.

Essa cláusula age em sentido contrário a exceção do contrato não cumprido, pois a
exceção age no sentido de paralisar a ação do autor condicionando o pagamento da outra
prestação devida ao réu, sendo que a "solve et repete" paralisa qualquer oposição do réu,
que nessas condições não outra saída terá de solver o debito, com a possibilidade de que em
outra ação possa reaver o que indevidamente pagou.

A "solve et repete" foi uma modalidade contratual nascida da jurisprudência, que foi
introduzida na pratica de assegurar ao contraente, que se desapossa da coisa, que executa de
imediato a sua prestação a possibilidade de receber seguramente a contraprestação em
determinado lapso de tempo.

Dessa maneira a "solve et repete" convencionadas pelos contratantes representa uma


renúncia a exceção de contrato não cumprido e consente numa voluntária mudança da
ordem normal da execução.
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7 - ÔNUS DA PROVA NA EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO

A questão do ônus da prova, na exceção de contrato não cumprido, não é


consensual.

De acordo com Giorgi, compete ao réu provar que o autor não cumpriu sua
obrigação, ou a cumpriu imperfeitamente.

M. I. Carvalho de Mendonça adota uma opção intermediária, entendendo que o


autor deve provar o adimplemento da sua prestação – que não é presumível -, enquanto ao
réu cumpre provar a existência do seu direito de crédito.

Enneccerus, sustenta que não é dever do réu provar o seu direito de exceção, que,
segundo ele, se funda por si mesmo na medida em que seu nascimento se dá com o
surgimento mesmo do contrato bilateral alegado pelo autor, restando a este a incumbência
de se contrapor à exceção, por meio de contra-exceção. Esta é a posição adotada por Serpa
Lopes.

Orlando Gomes entende que, quando o inadimplemento for total, compete ao


contraente que não cumpriu a prestação provar o contrário, ao passo que, quando a
execução for incompleta o dever de sua prova recai sobre quem invoca a exceção. Conclui,
portanto, que, não obstante a exceptio non rite adimpleti contractus seja, essencialmente,
uma exceptio non adimpleti contractus – pois cumprimento parcial, inexato ou defeituoso
equivale a inadimplemento -, os efeitos gerados por elas são diferentes.

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8 - ANÁLISE DE JULGADOS – CASOS INTERESSANTES

8.1 - RECURSO ESPECIAL Nº 257.064 – MG (2000/0041576-6) (STJ)

Esse primeiro caso relata os problemas havidos entre promitente vendedora


(ENCOL) e promitente compradora (BRANCA LUIZA), com relação a um imóvel em que
a primeira era a incorporadora e construtora do empreendimento e a segunda adquirente de
uma das unidades do referido empreendimento.

A construtora, tendo entregue o imóvel considerou que sua obrigação principal, qual
seja, a de entregar o imóvel em condições de habitabilidade, estava cumprida, motivo pelo
qual pleiteava o recebimento do valor devido.

A promitente compradora, pelo contrário, tendo em vista a situação falimentar da


construtora, achava que não receberia a escritura definitiva do imóvel, tida como obrigação
final. Por este fato deixou de pagar as prestações por ela assumidas, referentes ao
financiamento.

Ocorridos estes motivos, à construtora restou apenas a proposição de uma ação de


cobrança em face da compromissária, com o intuito de receber o valor devido, a respeito
das prestações atrasadas.

O que se seguiu foi o argumento, pela compromissária, da EXCEÇÃO DO


CONTRATO NÃO CUMPRIDO, ou seja, deixou de pagar suas prestações, tendo em vista
a possibilidade de não receber, ao final, a escritura definitiva, bem como o imóvel livre das
hipotecas referentes à incorporação.

Embora a exceção tenha como pressuposto a BILATERALIDADE do contrato, o


que é verificado no presente caso, não há pagamento a VISTA, como é percebido na
doutrina como condição de aplicabilidade, uma vez que a relação se dá através de um
financiamento da compromissária diretamente com a construtora.

Não há também, SIMULTANEIDADE das obrigações, o que não enseja na exceção


do contrato não cumprido. Encontra-se na verdade um receio, uma expectativa da
adquirente de não receber a escritura definitiva e o imóvel livre e desembaraçado.

Pelo entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça, na verdade o inadimplemento


da compromissária realmente existe, uma vez que já se encontra na posse do bem (na
verdade morando nele desde que imitida na posse).

Dessa forma só poderia a adquirente recorrer à exceção de contrato não cumprido


como forma de defesa, após o cumprimento de sua parte na obrigação, com relação ao valor
contratado.

No caso, entretanto, não se deve ater apenas à exceptio non adimpleti contractus,
mas também a outros institutos da teoria geral dos contratos e das obrigações. A exceção do
contrato não cumprido deve ser situada, também, com relação aos princípios gerais dos
contratos.

É claro no caso, a presença de requisitos como: o acordo de vontades na assinatura e


na contratação da construção, agentes capazes, e um contrato que tem como objeto um
imóvel (lícito), seguindo as formas previstas em lei.

A liberdade de contratar das partes é percebida na estipulação da forma de


pagamento, lugar para pagamento, etc. Podem elas estipular livremente, padecendo de
obediência somente diante da ordem pública (supremacia do Estado), que limita esta
autonomia de vontades.

Entretanto, a pacta sunt servanda sofre uma restrição. Embora signifique a criação
de um contrato com força de lei entre as partes, e que determine que o que foi contratado
deve ser cumprido, é restringida quando da aplicação da exceptio, pois a parte que não
cumprir sua parte no contrato, alegando a defesa deste instituto, fica inadimplente sem que
a ela possa ser aplicada uma sanção pelo seu descumprimento.

Por fim, deve-se lembrar que no julgamento do caso, ainda foi mencionada a
EQÜIDADE das obrigações entre as partes. O desequilíbrio pode causar diminuição no
patrimônio de uma das partes – agora previsto no art. 477, CC – e o enriquecimento ilícito
da outra (também previsto com a entrada em vigor do novo código).

8.2 - APELAÇÃO CÍVEL Nº 121.282-4/3-00 (TJSP)

O segundo caso relata os problemas existentes no cumprimento de um contrato de


compromisso de compra e venda de um imóvel que apresentava graves defeitos.

O objeto da obrigação, embora lícito, fôra entregue aos compromissários


compradores com gravíssimos defeitos de construção, defeitos estes de tal monta que havia
comprometimento estrutural do empreendimento, embora não apresentasse riscos imediatos
de desabamento.

Os adquirentes, por este motivo, deixaram de pagar as prestações do financiamento,


tendo em vista o estado do imóvel. Os vendedores propuseram uma ação de cobrança em
face dos compradores, que alegaram em sua defesa, a exceção do contrato não cumprido.

A exceção no caso só é admitida, em virtude dos graves defeitos, que tornam o


cumprimento da obrigação dos vendedores defeituosa, incompleta, como adiante se verá.
Assim, configura-se estarem os adquirentes em dia com as suas obrigações, uma vez que
não foi designado a quem deveria cumprir primeiro a obrigação.

É assegurado aos compradores, em virtude das obras e serviços – na verdade


benfeitorias necessárias – dos quais necessitava o imóvel, o direito de RETENÇÃO até que
fossem devolvidos o valor das prestações pagas e a indenização pelos gastos com as
referidas benfeitorias.

Pelo relator, durante o julgamento do caso, é apresentada uma linha de pensamento


com origem no direito germânico, acerca das obrigações. Acredita, não existir uma
hierarquia entre obrigações dentro de um mesmo contrato, mas sim uma lateralidade, uma
linha, na qual após o cumprimento de uma obrigação passa-se a outra, não existindo,
portanto, obrigações secundárias ou principais.

Tomando por verdadeira a afirmação de que existe lateralidade das obrigações e não
hierarquia, chega-se à conclusão que estas devem ser entendidas como um "ente unitário".

Sendo graves os defeitos na construção e composição estrutural da unidade, a


primeira obrigação da construtora, qual seja, a de entregar o imóvel em condições de
habitabilidade não foi cumprida, o que deixou a construtora e os incorporadores
inadimplentes primeiro.
Quando se fala em simultaneidade das obrigações, fala-se do momento em que a
obrigação se torna exigível. No caso, tomando a linha acima exposta, o comprador ainda
estava em dia com a sua obrigação, ou seja, quando foi imitido na posse, todas as suas
prestações estavam pagas e em correspondência a obrigação da construtora de entregar o
imóvel, não.

Não fosse pelo reconhecimento da falta de cumprimento de obrigação por parte da


vendedora, poderiam os compradores terem alegado VÍCIOS REDIBITÓRIOS. Constata-se
isto através dos sérios problemas de construção, com riscos de desabamento, defeitos de
difícil constatação (só verificados após perícia), anteriores ao contrato, com origem em um
contrato comutativo (compra e venda).

O relator traz à tona a BOA-FÉ OBJETIVA dos adquirentes, pois tiveram um


comportamento (padrão de conduta) que qualquer pessoa no convívio social teria.
Acreditaram, acima de tudo, na entrega de um imóvel – destinado ao domicílio da família –
em perfeito estado.

Assim é procedida a exclusão da mora, e a conseqüente rescisão do compromisso,


com imposição à vendedora de restituição das parcelas já pagas em sua integralidade e o
ressarcimento do valor das benfeitorias feitas pelos compradores, que tiveram como
intenção a correção dos defeitos atinentes à construção.

Até que fossem efetuados a restituição e o ressarcimento poderiam os adquirentes


exercerem o DIREITO DE RETENÇÃO, como forma de assegurar o que foi manifestado
pelo judiciário, pois este direito como citado pelo próprio julgador no Acórdão, "é remédio
defensivo do possuidor, que inibe a deslocação do bem do possuidor para o reivindicante,
antes que este satisfaça a obrigação de indenizar" (MARCO AURÉLIO S. VIANA, "Teoria
e Prática do Direito das Coisas, ed. Saraiva, São Paulo, 1983, nº 38, p. 38).

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BIBLIOGRAFIA

ABRANTES, José João. A exceção de não cumprimento do contrato no Direito


Civil Português – Conceito e Fundamento. 1a ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1986.

ALVES, Geraldo Magela; MILHOMENS, Jônatas. Manual Prático dos Contratos.


5a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

BRITO, Edvaldo. "Direito Civil". In: MARTINS, Ives Gandra, PASSOS, Fernando
(coords.). Manual de iniciação ao Direito. São Paulo: Ed. Pioneira, 1999.

COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial. 6a ed, revista, atual.. São
Paulo: Ed. Saraiva, 2003. Vol. 2.
COELHO, Fábio Ulhôa. Manual de Direito Comercial. 7a ed, revista, atual.. São
Paulo: Saraiva, 1996.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 17a ed. São Paulo: Saraiva,
2002. Vol. 3: Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais.

_________________. Tratado Teórico e Prático dos Contratos. 3a ed. São Paulo:


Saraiva, 1999. Vol. 1: Teoria Geral das Obrigações.

FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Resumo de Obrigações e Contratos


(Civis, Empresariais, Consumidor). 22a ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. Coleção:
2.

JÚNIOR, Humberto Theodoro. O contrato e seus princípios. 2a ed. São Paulo: Aide,
1999.

NUNES, Pedro. Dicionário de Tecnologia Jurídica. 9a ed., corr., ampliada e


atualizada. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1976.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 10a ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1998. Vol. III: Fontes das Obrigações; Contratos – Declaração Unilateral
de Vontade – Responsabilidade Civil.

SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Código de Defesa do Consumidor


Anotado. São Paulo: Saraiva, 2001.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. São Paulo: Atlas, 2003. Vol. II: Teoria
Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos.

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Notas

01 Citado por Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, 10a ed.,
Rio de Janeiro, Forense, 1998, vol. III, p. 96.

02 Citado por Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, 10a ed.,
Rio de Janeiro, Forense, 1998, vol. III, p. 96.

03 Serpa Lopes, Curso de Direito Civil,... , p. 166.

04 Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, 10a ed., Rio de
Janeiro, Forense, 1998, vol. III, pp. 96 e 97.

05 Citado por Serpa Lopes, Curso de Direito Civil,... , p. 167.


06Citado por Serpa Lopes, Curso de Direito Civil,... , p. 165.

07 Serpa Lopes, Curso de Direito Civil,... , pp. 165 e 166.

08 Citados por Humberto Theodoro Jr., O contrato e seus princípios, 2a ed.,... ,


Aide, 1999, p. 82.

09 Tradução nossa do original francês: "Dans les contrats synallagmatiques, les


obligations réciproques des parties se servent mutuellement de cause, c’est-à-dire de suport
juridique".

10 Citado por Humberto Theodoro Jr., O contrato e seus princípios, 2a ed.,... , Aide,
1999, p. 85.

11 Derecho de Obligaciones, tomo II, n. 1, página 166, § 33

12 cit. por Humberto Theodoro Júnior, " O Contrato e seus Princípios", ED. Aide,
2ª Ed., 1999, p.83

13 cit. Por Jônatas Nilhomens e Geraldo Magela Alves, "Manual Prático dos
Contratos, ED. Forense, 5ª Ed., 2000, nº 8, p. 54

14 cit. por THEODORO JÚNIOR, ob. cit, p. 81

15 JÔNATAS E GERALDO, ob. cit, nº 8.1, p.54

16 ORLANDO GOMES, "Contratos", 18ª ed., Ed. Forense, p.93, nota, 1998

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Sobre os autores:

Fabio Costa Pereira, Thaís Regina Toro Garreta, Juliana Senise Rosa Madureira, Kelly
Gabrielly da Silva Gama, Ricardo Oliveira Costa, Paulo Marcelo de Aquino Lopes, Cecilia
Lemos Nozima, Gilberto de Faula Moura
E-mail: Entre em contato

Sobre o texto:
Texto inserido no Jus Navigandi nº 800 (11.9.2005).
Elaborado em 03.2005.

Informações bibliográficas:
Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este
texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
PEREIRA, Fabio Costa; GARRETA, Thaís Regina Toro et al. Exceção de contrato não
cumprido . Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 800, 11 set. 2005. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7260>. Acesso em: 27 dez. 2005.

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