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Ricardo Campos
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UM CIDADE DE IMAGENS
PRODUÇÕES E CONSUMOS VISUAIS EM MEIO URBANO
LISBOA, 2011
© Ricardo Campos, Andrea Mubi Brighenti e Luciano Spinelli (organizadores), 2011
ISBN: 978-989-8536-03-07
Depósito legal:
Editora Mundos Sociais, CIES, ISCTE-IUL, Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa
Tel.: (+351) 217 903 238
Fax: (+351) 217 940 074
E-mail: editora.cies@iscte.pt
site: http://www.mundossociais.com
Índice
Introdução ........................................................................................................ 1
Ricardo Campos, Andrea Mubi Brighenti e Luciano Spinelli
2 “Imaginacções” .............................................................................................. 31
Andrea Mubi Brighenti
4 A cidade visual............................................................................................... 51
Fabio La Rocca
6 “Killadelphia” ................................................................................................ 77
James Dickinson
v
vi UMA CIDADE DE IMAGENS
vii
viii UMA CIDADE DE IMAGENS
7.3 The Butchers at Calcutta Market, India, Kolkata, 2005 ................................. 114
8.1 Exemplo da técnica e do estilo de KR .......................................................... 125
8.2 Exemplos da técnica e do estilo de Swoon .................................................. 126
8.3 Ron English em acção ..................................................................................... 128
8.4 Exemplos da técnica e do estilo de ZEVS .................................................... 135
10.1 Câmaras tubulares, estação do Metropolitano de Lisboa, Saldanha ...... 159
10.2 Câmara Speed Dome ......................................................................................... 160
10.3 Sala de controlo e de monitorização, Guarda Nacional Republicana,
posto territorial de Fátima, destacamento de Tomar................................. 161
10.4 Sala de controlo e monitorização, Polícia de Segurança Pública,
Ribeira do Porto destacamento de Tomar ................................................... 162
13.1 Alto-falante em Piazza Grande, Bolonha .................................................... 205
13.2 Piazza della Repubblica, Florença ................................................................ 206
13.3 Intervenção artística patrocinada pela marca Diesel, Milão ..................... 207
13.4 Nova Iorque, Times Square ........................................................................... 208
13.5 Leipziger Platz ................................................................................................. 209
13.6 Berlim, Potsdamerplatz .................................................................................. 210
13.7 Roterdão............................................................................................................ 211
13.8 Berlim ................................................................................................................ 212
13.9 Milão, transporte público ............................................................................... 213
13.10 Bruxelas............................................................................................................. 214
13.11 Florença ............................................................................................................ 215
13.12 Nova Iorque, Times Square ........................................................................... 216
13.13 Berlim................................................................................................................ 217
13.14 Berlim, campanha contra a expulsão de imigrantes................................. 218
13.15 Berlim, street art ............................................................................................... 219
13.16 Nova Iorque..................................................................................................... 220
Introdução
Um olhar sobre as imagens urbanas
A relação entre a cidade e a imagem é uma temática que tem sido desenvolvida nos úl-
timos anos pelos organizadores deste livro, quer individualmente, quer no seio do
grupo de pesquisa multidisciplinar On Walls.1 No âmbito desta rede, alguns seminári-
os internacionais foram realizados2 e foi lançada uma primeira obra, The Wall and the
City (Brighenti, 2009), que reúne o trabalho de diversos investigadores pertencentes a
este colectivo. Esta tem sido, igualmente, uma matéria abordada de forma transversal
nas linhas de investigação desenvolvidas pelo Laboratório de Antropologia Visual do
Centro de Estudo das Migrações e Relações Interculturais (LabAV-CEMRI), nos últi-
mos anos, sendo particularmente evidente nos seminários internacionais “Imagens da
Cultura/Cultura das Imagens”, que têm decorrido em Portugal, no Brasil e em Espa-
nha.3 Diversas publicações reflectem o investimento científico realizado neste campo
(Campos, 2008, 2009a, 2009b, 2009c, 2009d, 2010a, 2010b).
No decurso deste conjunto de iniciativas, propusemos a um conjunto de acadé-
micos e investigadores, provenientes de áreas académicas distintas, com maior ou
menor familiaridade com o panorama dos estudos visuais na actualidade, a elabora-
ção de um texto que retratasse a forma como entendem a articulação entre a cidade e
a imagem. O resultado desse repto está compilado neste livro. O que é surpreenden-
te é a facilidade com que vários autores, alguns dos quais nunca antes tinham pensa-
do com profundidade esta relação, descobrem associações entre a cidade e o mundo
das imagens. Talvez tal não seja tão surpreendente se pensarmos que as imagens
contemporâneas — e por elas entendemos aquelas que são tecnologicamente
1 http://www.onwalls.professionaldreamers.net/
2 O primeiro encontro, denominado Città al Muro, foi realizado em 2008 na cidade de Trento (Itá-
lia). O segundo evento decorreu em Lisboa, em 2009, no Instituto Superior de Ciências do Traba-
lho e Empresa, sob o título Interstices: Carving and Painting Urban Environments. Alguns
desses artigos foram reunidos num dossiê da revista Fórum Sociológico (Brighenti e Campos,
2008) sob a denominação “Explorando os interstícios urbanos”.
3 O Laboratório de Antropologia Visual do CEMRI organiza, desde 2004, em parceria com a Uni-
versidade de Múrcia e a Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo, um seminário
anual com a denominação Imagens da Cultura/Cultura das Imagens, que reúne investigadores
de distintas proveniências disciplinares.
1
2 UMA CIDADE DE IMAGENS
4 Alguns dos primeiros teóricos sobre o urbano, como Georg Simmel, notaram a relevância desta
dimensão, embora estivessem particularmente concentrados na natureza turbulenta da expe-
riência visual na cidade (Füzesséry e Simay, 2008).
4 UMA CIDADE DE IMAGENS
particularmente a visão (Simmel, 1997 [1903]). Décadas mais tarde, Louis Wirth
(1997 [1938]) entende que a cidade valoriza o reconhecimento visual, sendo esta
uma competência fundamental numa atmosfera marcada pela heterogeneidade e
pelo anonimato. Autores clássicos como Walter Benjamin (1997 [1935]) e Michel de
Certeau (1984) também se referiram à especificidade da experiência ocular urbana
e às relações visualmente mediadas presentes na cidade.
Os aparatos técnicos e tecnológicos de circulação e mediação de imagens tam-
bém participam de forma evidente na sincronização e des-sincronização da acção no
espaço urbano, produzindo ambientes carregados de uma atmosfera singular. As
imagens urbanas não constituem um domínio apartado da acção, pelo contrário,
são parte integrante das cadeias de acção e de emoção através das quais se fabrica,
perpetua e transforma a cidade. Através da acção, incluindo as suas articulações
tecnológicas, o domínio estético do visual funde-se com o domínio político, como é
evidente na elaboração de murais políticos, na invenção de estéticas subversivas e
subculturais ou na produção de eventos sociais de resistência e de conflito devida-
mente encenados para os media (os inevitáveis acontecimentos que ganham visibi-
lidade e impacto nos telejornais). Esta é, portanto, uma problemática complexa,
que invoca uma série de considerações sobre a natureza ideológica, política e esté-
tica dos aparatos visuais e das distintas formas de olhar (e de ser olhado).
Ao evocarmos esta temática estamos, também, a provocar um debate mais
alargado sobre uma das questões epistemologicamente mais controversas em
ciências sociais: o papel da imagem enquanto recurso de investigação e de comu-
nicação. Na verdade, talvez a polémica não exista verdadeiramente, uma vez que
persistimos em ignorar a imagem ou, quando não o fazemos, a admitamos com
um misto de fascínio e de condescendência, sem nunca atendermos ao seu real
potencial heurístico. E se as imagens nos dissessem, de facto, algo sobre a realida-
de social? E se estas pudessem, de alguma forma, transmitir-nos algo sobre o mun-
do, que não pode ser veiculado de outro modo, dando-nos a conhecer outras face-
tas da nossa vivência humana? O sociólogo Howard Becker (1974, 1995) acredita
seriamente que sim, afirmando-se um acérrimo defensor do diálogo entre a foto-
grafia e as ciências sociais. Becker argumenta, igualmente, que existe uma conti-
nuidade fundamental entre diferentes práticas visuais, dentro e fora da pesquisa
social. A diferença entre a sociologia visual, a fotografia documental e o fotojor-
nalismo, insiste este sociólogo, reside apenas no seu contexto de emprego e de re-
presentação, não sendo intrínseca à natureza da imagem realizada. O que é facto
é que a relação entre as ciências sociais e as tecnologias de imagem é longa e con-
turbada. Desde a invenção das tecnologias mecânicas de reprodução em imagem
que os dispositivos de registo visual foram empregues para retratar múltiplos as-
pectos da vida social. Indumentárias, arquitectura, tecnologias, corpos ou rituais
foram, ao longo da nossa história, alvo das objectivas dos pesquisadores.
A antropologia, dadas as características do seu projecto epistemológico, desde
muito cedo procurou incorporar as técnicas de captação visual nos seus procedi-
mentos (Ribeiro, 2004). A construção do olhar sobre a alteridade contou com o auxí-
lio precioso da fotografia e, mais tarde, do filme. Pelo contrário, a sociologia, apesar
de um período particularmente prometedor da escola americana, dificilmente
INTRODUÇÃO 5
soube como integrar as imagens no seu discurso científico. Como resultado, a ins-
titucionalização da sociologia visual apenas remonta à década de 80 do século
passado. O estatuto periférico e provisório da imagem em sociologia parece de-
ver-se, igualmente, ao facto de esta não encontrar um lugar epistemologicamente
seguro no quadro dos dois paradigmas clássicos das ciências sociais, o quantitati-
vo e o qualitativo, argumenta Jon Prosser (2000).
Daí que, dificilmente, se vislumbre um espaço onde incluir as imagens na
forma como pensamos e interpretamos o mundo. O que acontece frequente-
mente é que “teorizamos o que vemos” (Chaplin, 1994: 2), persistimos em assu-
mir a proeminência do verbal sobre o visual sendo o último, quando é de algu-
ma forma resgatado para o debate, subsidiário do primeiro (Ball e Smith, 1992;
Chaplin, 1994). Por isso, ao longo da história das ciências sociais, a contribuição
da imagem para as tarefas de perscrutação da realidade social e de divulgação
de conhecimento tem sido razoavelmente ignorada perante a autoridade da
palavra.
Apesar desta relação atribulada, os tempos mais recentes parecem anunciar
uma mudança de atitude. Fruto, eventualmente, da expansão sem precedentes das
tecnologias audiovisuais e de uma relativa democratização de acesso às mesmas,
que se tem verificado nas últimas décadas, a academia parece mais predisposta a
acolher a visualidade como uma dimensão importante do seu trabalho. Anível inter-
nacional, as áreas científicas da sociologia visual, antropologia visual e estudos visu-
ais têm crescido significativamente, bem como as diferentes ofertas de formação nes-
te domínio.5 As repercussões desta tendência também se têm feito sentir em Portu-
gal, com uma paulatina abertura da academia às metodologias e formas de narrativi-
dade visuais.
Longe de nós querermos enveredar pela contenda, algo inconsequente,
mantida entre aqueles que defendem acerrimamente a supremacia de uma ou ou-
tra linguagem. Do confronto entre a palavra e a imagem surgem múltiplos cami-
nhos exequíveis e as possibilidades de diálogo são inúmeras e, a nosso ver, vanta-
josas por variadas razões. Aos autores aqui reunidos foi dada liberdade para uti-
lizarem as imagens sob a forma, obviamente, de fotografias. E estas foram, por al-
guns, profusamente usadas. Tal não é surpresa quando nos propomos trabalhar
sobre as imagens na e da cidade. Curiosa é, no entanto, a pluralidade de aborda-
gens da imagem fotográfica em articulação com a palavra, demonstrando-nos
que esta pode, de facto, compreender variadas funções e propósitos comunicaci-
onais. Assim, a fotografia ora se apresenta como recurso estilístico (incentivando
o leitor-observador a desfrutar da estética da imagem), ora como recurso episte-
mológico (servindo para reforçar, descrever ou descodificar situações em análi-
se). Daí que tenhamos deixado ao critério dos autores os moldes sob os quais a fo-
tografia poderia ser empregue como dispositivo retórico, concedendo espaço ao
1) A cidade como lugar de/para as imagens: imagens que habitam o espaço públi-
co urbano, que contribuem para o seu cenário visual e para a forma como os
diferentes actores representam a metrópole e agem no território (publicida-
de, arte urbana, graffiti, street art, design, arquitectura, etc.). Estas imagens par-
ticipam de uma ecologia visual urbana, moldando a paisagem metropolitana
e outorgando-lhe uma atmosfera singular, que age directamente sobre os ac-
tores sociais.
2) A cidade como objecto do olhar: a cidade como arena de visibilidade, onde se
constroem discrepantes modalidades de ver e ser visto e onde se forjam ima-
gens tecnologicamente mediadas (videovigilância, fotografia turística, cine-
ma, etc.). Referimo-nos a imagens fabricadas em contextos particulares, que
têm por alvo formas e fenómenos urbanos menos visíveis (ou invisíveis) e que
exigem estruturas complexas e competências especializadas de leitura das
suas dinâmicas (câmaras de videovigilância, plataformas cartográficas digi-
tais, etc.), mas igualmente a imagens produzidas pelo homem comum no seu
dia-a-dia na cidade (fotografias e vídeos turísticos, registos fotográficos do
quotidiano, etc.).
3) A cidade como objecto de estudo e de representação científica através da imagem: o
papel das denominadas metodologias visuais (fotografia e vídeo) na constru-
ção de dados analíticos e na representação dos distintos objectos urbanos de
pesquisa, endereçando para uma reflexão epistemológica relativa às articula-
ções entre o visível, o visual e os métodos de estudo dos fenómenos sociais.
6 Alguns autores têm privilegiado a autonomia das narrativas visuais e a sua capacidade de diá-
logo estético com o leitor, razão que justificou, por exemplo, a não inclusão propositada de le-
gendas nas fotografias apresentadas nalguns dos artigos.
INTRODUÇÃO 7
A obra reúne catorze textos organizados em três partes. A primeira parte aco-
lhe contribuições de índole mais teórica, servindo como ponto de partida para um
debate conceptualmente fundamentado sobre a temática da visualidade urbana. A
segunda parte destina-se a diferentes exemplos de pesquisas, que procuram res-
ponder a algumas das questões anteriormente enunciadas. O título desta secção,
“Imaginários, Imagéticas e Ficções Urbanas”, pressupõe uma conexão entre a visi-
bilidade da cidade e a construção social do imaginário urbano. Ancorados em dis-
tintas tradições de estudo e reportando-se a terrenos geográficos e culturais distin-
tos, os contributos apresentados permitem-nos reflectir sobre alguns dos tópicos
mais frequentemente abordados pelos estudos visuais contemporâneos, como se-
jam a arte pública, a vigilância, as tecnologias e os circuitos digitais ou as represen-
tações turísticas. A última secção é aquela que, provavelmente, corresponde à pro-
posta mais inovadora (e eventualmente a mais controversa) desta obra, na medida
em que se configura como um espaço onde a imagem alcança um estatuto retórico
privilegiado. Sabemos até que ponto o ensaio fotográfico é um formato ignorado,
para não dizer menosprezado, pelas ciências sociais. Foi nosso propósito, por isso,
reabilitar este modelo, solicitando contributos de autores que privilegiam a hibri-
dez dos discursos, buscando um diálogo entre o domínio estético e o epistemológi-
co. Os ensaios fotográficos são, assim, testemunhos visuais destes académicos que,
através do diálogo entre a escrita e a imagem, nos oferecem singulares retratos
metropolitanos.
A primeira parte é inaugurada por Ricardo Campos, que aborda a imagem
em meio urbano como estando particularmente vinculada aos processos de cons-
trução identitária e de performance, num contexto social de crescente estetização e
estilização do quotidiano. Tomando como exemplo as culturas juvenis urbanas, o
autor demonstra-nos como a cidade se afirma como um palco para exercícios no
campo da visibilidade, que, em muito, estão conectados a uma rede mais extensa
de circulação de imagens e de imaginários que alimenta as indústrias culturais e
mediáticas. O autor argumenta, por isso, que um meio urbano mergulhado em
imagens, com tendência a complexificar os mecanismos de visualização da exis-
tência e de simbolização visual dos conteúdos culturais, exige actores cada vez ma-
is competentes ao nível do uso dos recursos da visualidade.
Brighenti inicia o seu ensaio por, provocadoramente, se questionar sobre o real
valor das imagens nos estudos urbanos. Dada a abundante, e ainda crescente, litera-
tura sobre a comunicação visual, consumo e desfrute visual da cidade, a importância
das imagens parece ser uma evidência trivial. Mas como devem as imagens ser con-
ceptualizadas? Brighenti invoca correntes recentes nos estudos urbanos, que têm
questionado o papel espectacular das imagens insertas no tecido urbano. Rejeitando
a ideia de que as imagens apenas providenciariam uma conexão frágil e desligada
sobre a qual se desenrolaria a acção social, o autor sugere a integração das noções
de acção, imagem e imaginação num único conceito a que dá o título de imaginac-
ção. Imaginacções possibilita-nos conceptualizar o funcionamento das imagens na
esfera sociomaterial como formas de acção e, simultaneamente, como verdadeiros
territórios sociais.
8 UMA CIDADE DE IMAGENS
durante anos parte da cidade, atravessando uma vintena de bairros, serve de mote
ao autor para uma reflexão à volta destas questões.
Os ensaios fotográficos, que constituem a terceira parte do livro, são abertos
por Luiz Achutti e Maria de Nazareth Hassen, que nos trazem o registo de uma ci-
dade que poderíamos identificar como atípica, um espaço-tempo sui generis, locali-
zado na área de Rio Grande do Sul, Brasil. Estes autores, através de uma narrativa
escrita e visual, relatam-nos a história de Itapuã, originalmente associada à colónia
de leprosos que aí foi erguida e que, em anos mais recentes, tem assistido a uma
gradual reabilitação da sua imagem, como consequência da importância ecológica
do seu ambiente natural. Um lugar de contrastes e paradoxos, captado pelas objec-
tivas destes autores.
Lorenzo Tripodi percorre várias cidades de diferentes países para construir
uma tese em torno da ideia de uma cidade de telas. Argumenta este autor que as su-
perfícies urbanas se têm convertido em rectângulos animados, que nos oferecem
novos mundos e visões, numa cidade subjugada ao espírito do consumo. É precisa-
mente esse o argumento que se encontra na base do urbanismo vertical analisado,
quando salienta a crescente preponderância da verticalidade para a economia sim-
bólica urbana, para a troca de significados numa cidade cinemática. Encontra-
mo-nos, de alguma forma, perante a supremacia da lógica do ecrã, também identi-
ficada por Fabio La Rocca no seu texto precedente.
Luciano Spinelli parte da ideia de uma cidade polifónica — múltiplas vozes,
que se fundem e que se degladiam no espaço urbano — para nos trazer um retrato
simultaneamente sociológico e pessoal sobre a cidade de Paris. As suas imagens
podem, desta forma, ser interpretadas como mais uma voz, atenta à polifonia da
metrópole pós-moderna. O alvo da sua câmara é o metropolitano de Paris, que liga
diferentes lugares urbanos e acolhe diariamente um fluxo contínuo de pessoas, o
que lhe confere uma atmosfera visual muito particular. Descer às profundezas des-
te espaço é, também, penetrar novos horizontes imagéticos, que podem ser retrata-
dos visualmente.
Numa obra recente, José Machado Pais sugeria que “a vida quotidiana é um
terreno onde se vive a experiência antropológica do olhar, de uma vadiagem de
olhar — teoricamente sensível”, afirmando, consequentemente, que o visual é “um
‘centro polimórfico’ que deve ser interpretado, mas também pode ser meio de in-
terpretação: ‘objecto e método’ de pesquisa” (Pais, 2008: 20). Tomamos estas pala-
vras de empréstimo pois elas condensam, em grande medida, aquilo que nos inspi-
rou no início deste projecto. Permitir a vadiagem do olhar aos cientistas sociais, ofere-
cer-lhes a possibilidade de reflectirem sobre os seus processos e os objectos do seu
mirar. É isto, igualmente, que propomos ao leitor. Que olhe, através (e para além)
das palavras e fotografias aqui reunidas, para o papel que, actualmente, os domíni-
os da visualidade e da visibilidade adquirem no nosso quotidiano.
INTRODUÇÃO 11
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