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Campos, R; Brighenti, A. e Spinelli, L. (Org.) (2011) Uma cidade de Imagens.


Produção e consumo visual em meio urbano, Lisboa, Mundos Sociais

Book · January 2011

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1 author:

Ricardo Campos
Universidade NOVA de Lisboa
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Uma Cidade de Imagens
Produções e Consumos Visuais em Meio Urbano
Ricardo Campos,
Andrea Mubi Brighenti e Luciano Spinelli (organizadores)

UM CIDADE DE IMAGENS
PRODUÇÕES E CONSUMOS VISUAIS EM MEIO URBANO

Andrea Mubi Brighenti


Catarina Frois
Fabio La Rocca
Fabrício Lopes da Silveira
James Dickinson
José Alberto Simões
Luiz Eduardo Robinson Achutti
Luciano Spinelli
Lorenzo Tripodi
Maria da Nazareth Agra Hassen
Michel Maffesoli
Olavo Ramalho Marques
Renato Miguel do Carmo
Ricardo Campos
Sandra C. S. Marques

LISBOA, 2011
© Ricardo Campos, Andrea Mubi Brighenti e Luciano Spinelli (organizadores), 2011

Ricardo Campos, Andrea Mubi Brighenti e Luciano Spinelli (organizadores)


Uma Cidade de Imagens. Produções e Consumos Visuais em Meio Urbano

Primeira edição: Novembro de 2011


Tiragem: 500 exemplares

ISBN: 978-989-8536-03-07
Depósito legal:

Composição em caracteres Palatino, corpo 10


Concepção gráfica e composição: Lina Cardoso
Capa: Nuno Fonseca
Foto da capa: Luciano Spinelli
Revisão de texto: Isabel Lacerda
Impressão e acabamentos: Publidisa, Espanha

Este livro foi objecto de avaliação científica

Reservados todos os direitos para a língua portuguesa,


de acordo com a legislação em vigor, por Editora Mundos Sociais

Editora Mundos Sociais, CIES, ISCTE-IUL, Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa
Tel.: (+351) 217 903 238
Fax: (+351) 217 940 074
E-mail: editora.cies@iscte.pt
site: http://www.mundossociais.com
Índice

Índice de figuras........................................................................................................ vii


Sobre os autores......................................................................................................... ix

Introdução ........................................................................................................ 1
Ricardo Campos, Andrea Mubi Brighenti e Luciano Spinelli

Parte I | A visualidade urbana

1 Identidade, imagem e representação na metrópole ............................... 15


Ricardo Campos

2 “Imaginacções” .............................................................................................. 31
Andrea Mubi Brighenti

3 O mundo é “enrugado” ................................................................................. 41


Renato Miguel do Carmo

4 A cidade visual............................................................................................... 51
Fabio La Rocca

Parte II | Imaginários, imagéticas e ficções urbanas

5 A cidade e a imersão imagética................................................................... 69


Michel Maffesoli

6 “Killadelphia” ................................................................................................ 77
James Dickinson

7 “Comer na Índia é perigoso!” .................................................................... 103


Sandra C. S. Marques

v
vi UMA CIDADE DE IMAGENS

8 Outros grafites. Outras topografias, outras medialidades..................... 123


Fabrício Lopes da Silveira

9 Circuitos digitais e práticas culturais juvenis .......................................... 139


José Alberto Simões

10 Ilhas securitárias ............................................................................................. 155


Catarina Frois

11 Imagens, paisagens e tempos na metrópole contemporânea ............... 167


Olavo Marques

Parte III | Ensaios fotográficos

12 Uma pequena cidade em novos tempos .................................................... 187


Luiz Eduardo Robinson Achutti e Maria de Nazareth Agra Hassen

13 Cidade de telas ................................................................................................ 205


Lorenzo Tripodi

14 O subsolo imaginado..................................................................................... 221


Luciano Spinelli
Índice de figuras

4.1 Vista a partir do interior do autocarro, Nova Iorque ................................ 53


4.2 Intensificações visuais, Times Square, Nova Iorque ................................. 54
4.3 Comunhão ecrãnica, La Défense, Paris........................................................ 55
4.4 Publicidade ecrãnica, East Side Gallery, Friedrichshain, Berlim ............. 56
4.5 Fusões luminosas, East Village, Nova Iorque ............................................. 57
4.6 iPad, Old Street, Londres .............................................................................. 58
4.7 Archi-pub, Tribeca, Nova Iorque ................................................................. 59
4.8 Blu, Berlim ....................................................................................................... 60
4.9 “We’re in Brooklyn”, Williamsburg, Nova Iorque ...................................... 61
4.10 Iconicidades, Bairro Kulesi, Istambul .......................................................... 62
4.11 Zoning, Metro Bercy, Paris............................................................................. 63
4.12 Docks, Londres ................................................................................................ 64
4.13 Pichação, São Paulo ......................................................................................... 65
6.1 Tipologia de referências à violência na cultura visual urbana ................ 82
6.2 Memorial RIP (Lenny) .................................................................................... 83
6.3 Memorial RIP (Fat Cat) ................................................................................... 83
6.4 The Wall ............................................................................................................. 84
6.5 Memorial de beira de estrada ........................................................................ 86
6.6 Memorial de beira de estrada à morte de um polícia................................ 87
6.7 Retrato de Veronica Rios ................................................................................ 87
6.8 Mural Forgiveness ............................................................................................. 89
6.9 Mural memorial a Ortiz.................................................................................. 89
6.10 Mural da 34.ª esquadra de polícia ................................................................ 90
6.11 Placa de polícia-herói...................................................................................... 92
6.12 Cartaz Moms Against Guns........................................................................... 93
6.13 Cartaz Mothers in Charge .............................................................................. 94
6.14 Póster de Baseman........................................................................................... 95
6.15 Graffito institucional modifica o graffito real ............................................... 97
6.16 “Hello. My name was…”.................................................................................. 98
7.1 The Butchers at Calcutta Market, India, Kolkata, 2005 ................................. 110

vii
viii UMA CIDADE DE IMAGENS

7.3 The Butchers at Calcutta Market, India, Kolkata, 2005 ................................. 114
8.1 Exemplo da técnica e do estilo de KR .......................................................... 125
8.2 Exemplos da técnica e do estilo de Swoon .................................................. 126
8.3 Ron English em acção ..................................................................................... 128
8.4 Exemplos da técnica e do estilo de ZEVS .................................................... 135
10.1 Câmaras tubulares, estação do Metropolitano de Lisboa, Saldanha ...... 159
10.2 Câmara Speed Dome ......................................................................................... 160
10.3 Sala de controlo e de monitorização, Guarda Nacional Republicana,
posto territorial de Fátima, destacamento de Tomar................................. 161
10.4 Sala de controlo e monitorização, Polícia de Segurança Pública,
Ribeira do Porto destacamento de Tomar ................................................... 162
13.1 Alto-falante em Piazza Grande, Bolonha .................................................... 205
13.2 Piazza della Repubblica, Florença ................................................................ 206
13.3 Intervenção artística patrocinada pela marca Diesel, Milão ..................... 207
13.4 Nova Iorque, Times Square ........................................................................... 208
13.5 Leipziger Platz ................................................................................................. 209
13.6 Berlim, Potsdamerplatz .................................................................................. 210
13.7 Roterdão............................................................................................................ 211
13.8 Berlim ................................................................................................................ 212
13.9 Milão, transporte público ............................................................................... 213
13.10 Bruxelas............................................................................................................. 214
13.11 Florença ............................................................................................................ 215
13.12 Nova Iorque, Times Square ........................................................................... 216
13.13 Berlim................................................................................................................ 217
13.14 Berlim, campanha contra a expulsão de imigrantes................................. 218
13.15 Berlim, street art ............................................................................................... 219
13.16 Nova Iorque..................................................................................................... 220
Introdução
Um olhar sobre as imagens urbanas

Ricardo Campos, Andrea Mubi Brighenti e Luciano Spinelli

A relação entre a cidade e a imagem é uma temática que tem sido desenvolvida nos úl-
timos anos pelos organizadores deste livro, quer individualmente, quer no seio do
grupo de pesquisa multidisciplinar On Walls.1 No âmbito desta rede, alguns seminári-
os internacionais foram realizados2 e foi lançada uma primeira obra, The Wall and the
City (Brighenti, 2009), que reúne o trabalho de diversos investigadores pertencentes a
este colectivo. Esta tem sido, igualmente, uma matéria abordada de forma transversal
nas linhas de investigação desenvolvidas pelo Laboratório de Antropologia Visual do
Centro de Estudo das Migrações e Relações Interculturais (LabAV-CEMRI), nos últi-
mos anos, sendo particularmente evidente nos seminários internacionais “Imagens da
Cultura/Cultura das Imagens”, que têm decorrido em Portugal, no Brasil e em Espa-
nha.3 Diversas publicações reflectem o investimento científico realizado neste campo
(Campos, 2008, 2009a, 2009b, 2009c, 2009d, 2010a, 2010b).
No decurso deste conjunto de iniciativas, propusemos a um conjunto de acadé-
micos e investigadores, provenientes de áreas académicas distintas, com maior ou
menor familiaridade com o panorama dos estudos visuais na actualidade, a elabora-
ção de um texto que retratasse a forma como entendem a articulação entre a cidade e
a imagem. O resultado desse repto está compilado neste livro. O que é surpreenden-
te é a facilidade com que vários autores, alguns dos quais nunca antes tinham pensa-
do com profundidade esta relação, descobrem associações entre a cidade e o mundo
das imagens. Talvez tal não seja tão surpreendente se pensarmos que as imagens
contemporâneas — e por elas entendemos aquelas que são tecnologicamente

1 http://www.onwalls.professionaldreamers.net/
2 O primeiro encontro, denominado Città al Muro, foi realizado em 2008 na cidade de Trento (Itá-
lia). O segundo evento decorreu em Lisboa, em 2009, no Instituto Superior de Ciências do Traba-
lho e Empresa, sob o título Interstices: Carving and Painting Urban Environments. Alguns
desses artigos foram reunidos num dossiê da revista Fórum Sociológico (Brighenti e Campos,
2008) sob a denominação “Explorando os interstícios urbanos”.
3 O Laboratório de Antropologia Visual do CEMRI organiza, desde 2004, em parceria com a Uni-
versidade de Múrcia e a Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo, um seminário
anual com a denominação Imagens da Cultura/Cultura das Imagens, que reúne investigadores
de distintas proveniências disciplinares.

1
2 UMA CIDADE DE IMAGENS

forjadas — germinaram em meio urbano e desde então têm habitado, privilegiada-


mente, neste território. Esta circunstância não se deve apenas a uma maior concen-
tração dos meios de produção e de disseminação de imagens, mas também ao facto
de estas se terem constituído, paulatinamente, como protagonistas do cenário vi-
sual metropolitano.
A relação entre a imagem, a visualidade e o mundo urbano, apesar de ser ex-
tremamente relevante, tem estado algo arredada do debate científico em ciências
sociais, particularmente no contexto académico português. Todavia, o gradual in-
teresse despertado pela área da cultura visual, ao qual não é indiferente a saliência
que a imagem e as tecnologias visuais têm adquirido no nosso quotidiano, incenti-
va a novas leituras do espaço urbano mais atentas a estas dimensões.
Sendo estes conceitos fundamentais e não propriamente transparentes, im-
porta fazer uma breve referência à forma como os abordamos nesta obra. Debruce-
mo-nos, em primeiro lugar, sobre a imagem, um conceito múltiplo, endereçando
para uma miríade de objectos, que mais se assemelha, de acordo com Mitchell
(1986), a uma grande família com diversas ramificações (imagens gráficas, ópticas,
perceptivas e verbais). Aquilo que define as imagens é, a nosso ver, o facto de serem
entendidas enquanto artefactos produzidos pelo homem, visando a representação
visual de algo, com base em determinadas convenções culturais. Por seu turno, o
domínio da visualidade refere-se à forma como o olhar é culturalmente modelado,
sugerindo a existência de modos plurais de olhar, em função dos contextos históri-
cos, socioculturais e geográficos. A visibilidade invoca todo um horizonte perceptí-
vel, que se oferece ao nosso olhar e, como tal, se encontra à superfície visível do
mundo. No entanto, devemos ter em consideração que este é um domínio, também
ele, social e historicamente forjado, na medida em que o visível (e por consequência
o invisível) é o resultado da forma como o homem manipula o seu ambiente e lhe
confere identidade simbólica, é uma esfera da acção humana (Brighenti, 2007,
2010). Estas são, obviamente, dimensões intimamente interligadas, sendo difícil
apartá-las em termos teóricos e analíticos quando empreendemos uma pesquisa
tendo por objecto qualquer fenómeno da esfera imagética.
A cidade afigura-se um território onde as imagens conquistam um peso
importante na forma como nos relacionamos socialmente, como entendemos o
meio em nosso redor e nos orientamos nele. Actualmente, as imagens e os dispo-
sitivos visuais desempenham funções muito diversificadas, sendo apropriados
por distintas entidades e grupos sociais como mecanismos fundamentais para a
acção. A publicidade que toma o espaço público, a videovigilância sob o contro-
lo do Estado, as gramáticas subversivas representadas pelos graffiti e pela street
art ou os estilos juvenis urbanos, são, entre muitos outros exemplos, fenómenos
que nos demonstram a crucial relevância de um estudo mais detalhado das prá-
ticas e das estratégias engendradas pelos diferentes actores nestas operações
que buscam adquirir visibilidade no espaço público urbano, intervindo na eco-
logia visual urbana (Denis e Pontille, 2010). A partir desta perspectiva, as temá-
ticas relativas à visualidade e à visibilidade necessitam de ser conceptualizadas
não apenas como reportórios simbólicos, mas como protagonistas da forma co-
mo se constrói o próprio ambiente urbano.
INTRODUÇÃO 3

Neste cenário, acentua-se a pulsão escópica e a vertigem imagética. A cidade


pós-moderna tem sido representada por diferentes autores como um território sub-
jugado ao domínio do comércio e do espectáculo sendo, de alguma forma, um refle-
xo obsidiante dos cenários e dos imaginários distribuídos pelas indústrias dos media.
A fabricação de uma cidade voltada para o consumo (com a multiplicação dos seus
lugares de culto, vulgo centros comerciais) e para uma gentrificação urbana mais
preocupada com a capacidade de sedução visual reflecte-se na crescente colonização
do espaço público como lugar de consumo visual. Deste modo, tendem a multipli-
car-se os suportes e canais de comunicação visual, insinuando a existência de um ci-
dadão que, progressivamente, se desdobra num mero espectador do espectáculo ur-
bano. A ideia de encenação está sempre latente. As vitrinas das lojas, os placards, os
transportes públicos e as fachadas dos edifícios transvestidos convertem-se em su-
portes comunicativos, revelando uma cidade conquistada pelo imperativo da comu-
nicação publicitária. Todavia, para além do — ou eventualmente através do — con-
sumo e do lazer, as imagens também se podem afirmar como protagonistas de lógi-
cas conflituais, que marcam decisivamente a transformação dos lugares urbanos —
um verdadeiro iconoclash (Latour e Weibel, 2002; Schachter, 2008).
Acresce a esta significância simbólica da materialidade citadina, a forma co-
mo os indivíduos e grupos contribuem para a construção de uma peculiar cultura
visual urbana. A crescente estetização (Featherstone, 1991; Maffesoli, 1987, 1993) e
estilização (Ewen, 1988) da vida, associadas a uma maior reflexividade e monitorização
dos visuais (Giddens, 1992, 1994), derivam numa clara preocupação pela visualida-
de enquanto campo de distinção simbólica. Esta é uma condição que, de alguma
forma, se articula com uma tendência histórica para a progressiva visualização da
existência (Mirzoeff, 1999) como reverberação de uma sociedade ocularcêntrica. Fe-
nómenos originalmente não-visuais são, crescentemente, representados pictorica-
mente, sendo que os processos representacionais incorporam, sempre, um quadro
de entendimento do próprio fenómeno intimamente associado aos contextos de
criação imagética (Pauwels, 2006). Consequentemente, os mecanismos representa-
cionais nunca são inócuos e transparentes, as tecnologias e os modos de olhar arti-
culam-se para produzir formas ideologicamente coerentes e aceites de retratar o
mundo. O campo da visibilidade inserto no território citadino não se resume apenas
a dinâmicas de encenação imagética, mas inclui diferentes modos de olhar (Berger e
outros, 1972; Goodwinm, 1996) — tanto especializados como ordinários —, que são
empregues na própria constituição material do espaço urbano.
A centralidade da visualidade na cidade não é uma condição recente, tendo
sido identificada como um fenómeno relevante pelo menos desde o início da socio-
logia. Alguns dos mais famosos estudiosos e narradores da experiência urbana, em
finais do século XIX e durante a primeira metade do século XX, destacam a impor-
tância do olhar e da imagem na vivência da metrópole.4 George Simmel argumen-
tava que a cidade exercia uma poderosa impressão sobre os sentidos humanos,

4 Alguns dos primeiros teóricos sobre o urbano, como Georg Simmel, notaram a relevância desta
dimensão, embora estivessem particularmente concentrados na natureza turbulenta da expe-
riência visual na cidade (Füzesséry e Simay, 2008).
4 UMA CIDADE DE IMAGENS

particularmente a visão (Simmel, 1997 [1903]). Décadas mais tarde, Louis Wirth
(1997 [1938]) entende que a cidade valoriza o reconhecimento visual, sendo esta
uma competência fundamental numa atmosfera marcada pela heterogeneidade e
pelo anonimato. Autores clássicos como Walter Benjamin (1997 [1935]) e Michel de
Certeau (1984) também se referiram à especificidade da experiência ocular urbana
e às relações visualmente mediadas presentes na cidade.
Os aparatos técnicos e tecnológicos de circulação e mediação de imagens tam-
bém participam de forma evidente na sincronização e des-sincronização da acção no
espaço urbano, produzindo ambientes carregados de uma atmosfera singular. As
imagens urbanas não constituem um domínio apartado da acção, pelo contrário,
são parte integrante das cadeias de acção e de emoção através das quais se fabrica,
perpetua e transforma a cidade. Através da acção, incluindo as suas articulações
tecnológicas, o domínio estético do visual funde-se com o domínio político, como é
evidente na elaboração de murais políticos, na invenção de estéticas subversivas e
subculturais ou na produção de eventos sociais de resistência e de conflito devida-
mente encenados para os media (os inevitáveis acontecimentos que ganham visibi-
lidade e impacto nos telejornais). Esta é, portanto, uma problemática complexa,
que invoca uma série de considerações sobre a natureza ideológica, política e esté-
tica dos aparatos visuais e das distintas formas de olhar (e de ser olhado).
Ao evocarmos esta temática estamos, também, a provocar um debate mais
alargado sobre uma das questões epistemologicamente mais controversas em
ciências sociais: o papel da imagem enquanto recurso de investigação e de comu-
nicação. Na verdade, talvez a polémica não exista verdadeiramente, uma vez que
persistimos em ignorar a imagem ou, quando não o fazemos, a admitamos com
um misto de fascínio e de condescendência, sem nunca atendermos ao seu real
potencial heurístico. E se as imagens nos dissessem, de facto, algo sobre a realida-
de social? E se estas pudessem, de alguma forma, transmitir-nos algo sobre o mun-
do, que não pode ser veiculado de outro modo, dando-nos a conhecer outras face-
tas da nossa vivência humana? O sociólogo Howard Becker (1974, 1995) acredita
seriamente que sim, afirmando-se um acérrimo defensor do diálogo entre a foto-
grafia e as ciências sociais. Becker argumenta, igualmente, que existe uma conti-
nuidade fundamental entre diferentes práticas visuais, dentro e fora da pesquisa
social. A diferença entre a sociologia visual, a fotografia documental e o fotojor-
nalismo, insiste este sociólogo, reside apenas no seu contexto de emprego e de re-
presentação, não sendo intrínseca à natureza da imagem realizada. O que é facto
é que a relação entre as ciências sociais e as tecnologias de imagem é longa e con-
turbada. Desde a invenção das tecnologias mecânicas de reprodução em imagem
que os dispositivos de registo visual foram empregues para retratar múltiplos as-
pectos da vida social. Indumentárias, arquitectura, tecnologias, corpos ou rituais
foram, ao longo da nossa história, alvo das objectivas dos pesquisadores.
A antropologia, dadas as características do seu projecto epistemológico, desde
muito cedo procurou incorporar as técnicas de captação visual nos seus procedi-
mentos (Ribeiro, 2004). A construção do olhar sobre a alteridade contou com o auxí-
lio precioso da fotografia e, mais tarde, do filme. Pelo contrário, a sociologia, apesar
de um período particularmente prometedor da escola americana, dificilmente
INTRODUÇÃO 5

soube como integrar as imagens no seu discurso científico. Como resultado, a ins-
titucionalização da sociologia visual apenas remonta à década de 80 do século
passado. O estatuto periférico e provisório da imagem em sociologia parece de-
ver-se, igualmente, ao facto de esta não encontrar um lugar epistemologicamente
seguro no quadro dos dois paradigmas clássicos das ciências sociais, o quantitati-
vo e o qualitativo, argumenta Jon Prosser (2000).
Daí que, dificilmente, se vislumbre um espaço onde incluir as imagens na
forma como pensamos e interpretamos o mundo. O que acontece frequente-
mente é que “teorizamos o que vemos” (Chaplin, 1994: 2), persistimos em assu-
mir a proeminência do verbal sobre o visual sendo o último, quando é de algu-
ma forma resgatado para o debate, subsidiário do primeiro (Ball e Smith, 1992;
Chaplin, 1994). Por isso, ao longo da história das ciências sociais, a contribuição
da imagem para as tarefas de perscrutação da realidade social e de divulgação
de conhecimento tem sido razoavelmente ignorada perante a autoridade da
palavra.
Apesar desta relação atribulada, os tempos mais recentes parecem anunciar
uma mudança de atitude. Fruto, eventualmente, da expansão sem precedentes das
tecnologias audiovisuais e de uma relativa democratização de acesso às mesmas,
que se tem verificado nas últimas décadas, a academia parece mais predisposta a
acolher a visualidade como uma dimensão importante do seu trabalho. Anível inter-
nacional, as áreas científicas da sociologia visual, antropologia visual e estudos visu-
ais têm crescido significativamente, bem como as diferentes ofertas de formação nes-
te domínio.5 As repercussões desta tendência também se têm feito sentir em Portu-
gal, com uma paulatina abertura da academia às metodologias e formas de narrativi-
dade visuais.
Longe de nós querermos enveredar pela contenda, algo inconsequente,
mantida entre aqueles que defendem acerrimamente a supremacia de uma ou ou-
tra linguagem. Do confronto entre a palavra e a imagem surgem múltiplos cami-
nhos exequíveis e as possibilidades de diálogo são inúmeras e, a nosso ver, vanta-
josas por variadas razões. Aos autores aqui reunidos foi dada liberdade para uti-
lizarem as imagens sob a forma, obviamente, de fotografias. E estas foram, por al-
guns, profusamente usadas. Tal não é surpresa quando nos propomos trabalhar
sobre as imagens na e da cidade. Curiosa é, no entanto, a pluralidade de aborda-
gens da imagem fotográfica em articulação com a palavra, demonstrando-nos
que esta pode, de facto, compreender variadas funções e propósitos comunicaci-
onais. Assim, a fotografia ora se apresenta como recurso estilístico (incentivando
o leitor-observador a desfrutar da estética da imagem), ora como recurso episte-
mológico (servindo para reforçar, descrever ou descodificar situações em análi-
se). Daí que tenhamos deixado ao critério dos autores os moldes sob os quais a fo-
tografia poderia ser empregue como dispositivo retórico, concedendo espaço ao

5 Ver, por exemplo, a International Visual Sociology Association (IVSA) (http://www.visualsocio-


logy.org/) e a Society for Visual Anthropology (SVA) (http://societyforvisualanthropology.org/), as-
sociações criadas em meados da década de 80.
6 UMA CIDADE DE IMAGENS

ensaio de formas mais inovadoras e experimentais de uso da fotografia no âmbito


dos discursos de natureza científica.6
Detenhamo-nos, agora, sobre o conteúdo desta obra. O livro Uma Cidade de
Imagens procura debater e teorizar o papel actualmente desempenhado pela ima-
gem, pela comunicação visual e pela visualidade na cidade contemporânea, a par-
tir de uma tripla abordagem:

1) A cidade como lugar de/para as imagens: imagens que habitam o espaço públi-
co urbano, que contribuem para o seu cenário visual e para a forma como os
diferentes actores representam a metrópole e agem no território (publicida-
de, arte urbana, graffiti, street art, design, arquitectura, etc.). Estas imagens par-
ticipam de uma ecologia visual urbana, moldando a paisagem metropolitana
e outorgando-lhe uma atmosfera singular, que age directamente sobre os ac-
tores sociais.
2) A cidade como objecto do olhar: a cidade como arena de visibilidade, onde se
constroem discrepantes modalidades de ver e ser visto e onde se forjam ima-
gens tecnologicamente mediadas (videovigilância, fotografia turística, cine-
ma, etc.). Referimo-nos a imagens fabricadas em contextos particulares, que
têm por alvo formas e fenómenos urbanos menos visíveis (ou invisíveis) e que
exigem estruturas complexas e competências especializadas de leitura das
suas dinâmicas (câmaras de videovigilância, plataformas cartográficas digi-
tais, etc.), mas igualmente a imagens produzidas pelo homem comum no seu
dia-a-dia na cidade (fotografias e vídeos turísticos, registos fotográficos do
quotidiano, etc.).
3) A cidade como objecto de estudo e de representação científica através da imagem: o
papel das denominadas metodologias visuais (fotografia e vídeo) na constru-
ção de dados analíticos e na representação dos distintos objectos urbanos de
pesquisa, endereçando para uma reflexão epistemológica relativa às articula-
ções entre o visível, o visual e os métodos de estudo dos fenómenos sociais.

Consideramos que, dada a amplitude das questões de natureza teórica e empírica


desencadeadas pela temática apresentada, era imprescindível e vantajoso do pon-
to de vista científico cruzar diferentes olhares disciplinares e patrimónios de estu-
do. Neste sentido, as várias contribuições reunidas neste livro provêm de áreas
como a sociologia, a antropologia, as ciências da comunicação ou a arquitectura. À
multidisciplinaridade das perspectivas procurámos acrescentar uma pluralidade
de contextos empíricos, que, de alguma forma, também retratam a internacionali-
zação do debate científico. Várias cidades, de diferentes continentes, serviram de
mote aos autores para, através de roteiros mais tradicionais ou recorrendo a forma-
tos metodológicos menos comuns, deslindarem a influência do visual e da imagem
na vida metropolitana contemporânea.

6 Alguns autores têm privilegiado a autonomia das narrativas visuais e a sua capacidade de diá-
logo estético com o leitor, razão que justificou, por exemplo, a não inclusão propositada de le-
gendas nas fotografias apresentadas nalguns dos artigos.
INTRODUÇÃO 7

A obra reúne catorze textos organizados em três partes. A primeira parte aco-
lhe contribuições de índole mais teórica, servindo como ponto de partida para um
debate conceptualmente fundamentado sobre a temática da visualidade urbana. A
segunda parte destina-se a diferentes exemplos de pesquisas, que procuram res-
ponder a algumas das questões anteriormente enunciadas. O título desta secção,
“Imaginários, Imagéticas e Ficções Urbanas”, pressupõe uma conexão entre a visi-
bilidade da cidade e a construção social do imaginário urbano. Ancorados em dis-
tintas tradições de estudo e reportando-se a terrenos geográficos e culturais distin-
tos, os contributos apresentados permitem-nos reflectir sobre alguns dos tópicos
mais frequentemente abordados pelos estudos visuais contemporâneos, como se-
jam a arte pública, a vigilância, as tecnologias e os circuitos digitais ou as represen-
tações turísticas. A última secção é aquela que, provavelmente, corresponde à pro-
posta mais inovadora (e eventualmente a mais controversa) desta obra, na medida
em que se configura como um espaço onde a imagem alcança um estatuto retórico
privilegiado. Sabemos até que ponto o ensaio fotográfico é um formato ignorado,
para não dizer menosprezado, pelas ciências sociais. Foi nosso propósito, por isso,
reabilitar este modelo, solicitando contributos de autores que privilegiam a hibri-
dez dos discursos, buscando um diálogo entre o domínio estético e o epistemológi-
co. Os ensaios fotográficos são, assim, testemunhos visuais destes académicos que,
através do diálogo entre a escrita e a imagem, nos oferecem singulares retratos
metropolitanos.
A primeira parte é inaugurada por Ricardo Campos, que aborda a imagem
em meio urbano como estando particularmente vinculada aos processos de cons-
trução identitária e de performance, num contexto social de crescente estetização e
estilização do quotidiano. Tomando como exemplo as culturas juvenis urbanas, o
autor demonstra-nos como a cidade se afirma como um palco para exercícios no
campo da visibilidade, que, em muito, estão conectados a uma rede mais extensa
de circulação de imagens e de imaginários que alimenta as indústrias culturais e
mediáticas. O autor argumenta, por isso, que um meio urbano mergulhado em
imagens, com tendência a complexificar os mecanismos de visualização da exis-
tência e de simbolização visual dos conteúdos culturais, exige actores cada vez ma-
is competentes ao nível do uso dos recursos da visualidade.
Brighenti inicia o seu ensaio por, provocadoramente, se questionar sobre o real
valor das imagens nos estudos urbanos. Dada a abundante, e ainda crescente, litera-
tura sobre a comunicação visual, consumo e desfrute visual da cidade, a importância
das imagens parece ser uma evidência trivial. Mas como devem as imagens ser con-
ceptualizadas? Brighenti invoca correntes recentes nos estudos urbanos, que têm
questionado o papel espectacular das imagens insertas no tecido urbano. Rejeitando
a ideia de que as imagens apenas providenciariam uma conexão frágil e desligada
sobre a qual se desenrolaria a acção social, o autor sugere a integração das noções
de acção, imagem e imaginação num único conceito a que dá o título de imaginac-
ção. Imaginacções possibilita-nos conceptualizar o funcionamento das imagens na
esfera sociomaterial como formas de acção e, simultaneamente, como verdadeiros
territórios sociais.
8 UMA CIDADE DE IMAGENS

O ensaio de Renato do Carmo gira em torno de uma concepção de imagem


enquanto metáfora, recurso estilístico e retórico tantas vezes empregue em ciências
sociais, para pensarmos a realidade social urbana. As imagens permitem, de algu-
ma forma, pensar a cidade nas suas múltiplas facetas e escalas, com a vantagem de
enquadrarem uma linguagem que atravessa fronteiras geográficas e culturais. Ale-
ga o autor que existem distintas narrativas da cidade, que envolvem formas de
olhar a cidade e como tal de a representar (visualmente). Vislumbrá-la de cima ou
de baixo, de frente ou de viés, mobiliza distintos aparatos epistemológicos e teóri-
cos ao serviço de uma visão particular do mundo urbano.
A omnipresença da imagem constitui o alicerce da cidade visual, tal como é
teorizada por Fabio La Rocca, que identifica no panorama urbano uma profusão de
agentes, sistemas e linguagens de natureza visual. A cidade contemporânea é, des-
te modo, entrevista como o terreno por excelência onde se expressa a cultura ocu-
larcêntrica e tecnologicamente complexa dos nossos dias. Os graffiti e a street art, os
outdoors, os cartazes e ecrãs publicitários configuram-se como exemplos deste com-
plexo circuito de produção e de circulação de significado. La Rocca sugere a exis-
tência de uma climatologia urbana, decorrente destas atmosferas urbanas visual-
mente compostas. Sempre subjacente está a ideia de que a cidade proporciona uma
experiência sensorial distinta, apelando fortemente ao consumo e ao prazer visual.
A segunda parte do livro abre com uma entrevista a Michel Maffesoli, con-
duzida por Luciano Spinelli. A abordagem que Maffesoli faz do visual enfatiza,
em consonância com o pensamento do antropólogo Gilbert Durand mas tam-
bém de Durkheim, a continuidade entre a imagem e o imaginário. De acordo com
Maffesoli, ambos são experienciados na expressão colectiva do neotribalismo
contemporâneo, que constituí uma forma de estar junto típica do ser urbano. Mais
especificamente, a imagem não é directamente colectiva, antes representa um
mesocosmos, entre o individual e o colectivo (Maffesoli, 1993). Logo, as imagens
não podem ser compreendidas apenas através de um mero escrutínio de conte-
údo, devendo antes ser apreciadas de ponto de vista da socialidade que as su-
porta e lhe confere sentido.
No texto seguinte, da autoria de James Dickinson, analisam-se os murais pre-
sentes na cidade norte-americana de Filadélfia como expressões pungentes de uma
cultura da violência que a assola. Uma cultura visual fortemente vinculada às roti-
nas e às vivências de quem habita numa cidade onde o crime faz parte do quotidia-
no, convertendo os murais pintados num acervo visual que perpetua a memória de
muitas das vítimas da violência urbana. Dickinson identifica, de acordo com uma
tipologia construída para o efeito, quatro espécies de referências visuais à violência
presentes no espaço público, em função do seu grau de oficialidade e propósito ce-
lebratório. Esta tipologia assinala a existência de distintas modalidades de repre-
sentação imagética da violência.
A relação próxima entre as imagens e o turismo serve de inspiração ao texto
de Sandra Marques. O seu objecto de estudo é a imagem e o imaginário gastronó-
mico da cidade de Calcutá, tal como é construído e entendido por diferentes agen-
tes sociais e, particularmente, pelos turistas. Baseando-se na metodologia do photo-
voice, a investigadora procura examinar as imagens (visuais e textuais) enquanto
INTRODUÇÃO 9

elementos mediadores da experiência turística e das relações entre turistas e anfi-


triões. As representações fotográficas produzidas pelos turistas contribuem para
reflectirmos sobre os modos como as imagéticas da alteridade são fabricadas e dis-
seminadas. A exposição à comida local é também uma exposição ao contacto direc-
to, percebido em certos contextos como perigo de contágio e de contaminação.
Associado geralmente a uma forma de poluição visual e crime, os graffiti têm
vindo a transformar-se nas últimas décadas, dando origem a um movimento co-
nhecido como street art, que começa a ser, paradoxalmente, valorizado por galerias
e instâncias oficiais em diferentes partes do mundo. A street art mais recente de-
monstra como certas imagens ilegais no espaço público urbano também podem in-
fluenciar decisivamente a reputação dos lugares, convertendo-os, neste caso, em
redutos catalogados como artísticos, criativos e na moda. Esta expressão visual ur-
bana é o tópico de análise de Fabrício da Silveira, autor que defende que esta é uma
manifestação que se tem emancipado do seu vínculo físico associado à rua para se
refundar como uma gramática comunicacional multissituada e multimediática. Os
graffiti não se constituem, por isso, como linguagem reduzida exclusivamente ao
suporte urbano, revelando capacidade polimórfica, convivendo com outras esfe-
ras mediáticas e linguagens visuais.
Tomando como caso de estudo as práticas culturais dos jovens, José Simões
propõe-se pensar a cidade a partir dos circuitos digitais. O autor demonstra-nos co-
mo a internet, enquanto veículo de produção e de propagação de práticas e imaginá-
rios, pode contribuir para a construção do espaço vivido pelos jovens na cidade e pa-
ra as configurações imagéticas através das quais a sua cidade é representada virtual-
mente. O espaço urbano não se reduz, por isso, aos lugares, mas prolonga-se através
de redes digitais, que preservam e reconfiguram a própria cidade.
No outro lado do espectro, as imagens, tal como foi sugerido por Brighenti na
primeira parte do livro, também fazem parte dos aparatos de controlo. Catarina
Frois demonstra-nos como as imagens da cidade funcionam como dispositivos ao
serviço do poder. Os programas de vídeovigilância urbana, que começam a dar os
primeiros passos no nosso país, espelham uma representação do espaço público
como um terreno que deve ser fiscalizado e contido pelo poder. O desenvolvimen-
to dos aparatos visuais de registo de imagens contribui, igualmente, para a compo-
sição de uma cidade que é continuamente captada em imagens, através de incontá-
veis pequenas câmaras de videovigilância. Neste sentido, todos somos um pouco
actores de uma narrativa do quotidiano, cuja existência ignoramos e que apenas é
controlada por aqueles que se encontram por detrás destes mecanismos invasivos.
As grandes transformações urbanas têm um impacto severo na paisagem ur-
bana e nas vidas das pessoas que aí residem. Olavo Marques fala-nos das mutações
urbanas ocorridas na cidade de Porto Alegre, nos últimos anos, em prol de uma
ideologia de progresso que arrasta consigo, necessariamente, uma contínua revo-
lução que opera na superfície visível da metrópole. A relação entre o espaço e o
tempo está bem presente numa cidade que vive em torno de empreendimentos de
futuro e que projecta o seu espaço visando encurtar distâncias, comprimindo o
tempo. A construção de uma via rápida de treze quilómetros, que esventrou
10 UMA CIDADE DE IMAGENS

durante anos parte da cidade, atravessando uma vintena de bairros, serve de mote
ao autor para uma reflexão à volta destas questões.
Os ensaios fotográficos, que constituem a terceira parte do livro, são abertos
por Luiz Achutti e Maria de Nazareth Hassen, que nos trazem o registo de uma ci-
dade que poderíamos identificar como atípica, um espaço-tempo sui generis, locali-
zado na área de Rio Grande do Sul, Brasil. Estes autores, através de uma narrativa
escrita e visual, relatam-nos a história de Itapuã, originalmente associada à colónia
de leprosos que aí foi erguida e que, em anos mais recentes, tem assistido a uma
gradual reabilitação da sua imagem, como consequência da importância ecológica
do seu ambiente natural. Um lugar de contrastes e paradoxos, captado pelas objec-
tivas destes autores.
Lorenzo Tripodi percorre várias cidades de diferentes países para construir
uma tese em torno da ideia de uma cidade de telas. Argumenta este autor que as su-
perfícies urbanas se têm convertido em rectângulos animados, que nos oferecem
novos mundos e visões, numa cidade subjugada ao espírito do consumo. É precisa-
mente esse o argumento que se encontra na base do urbanismo vertical analisado,
quando salienta a crescente preponderância da verticalidade para a economia sim-
bólica urbana, para a troca de significados numa cidade cinemática. Encontra-
mo-nos, de alguma forma, perante a supremacia da lógica do ecrã, também identi-
ficada por Fabio La Rocca no seu texto precedente.
Luciano Spinelli parte da ideia de uma cidade polifónica — múltiplas vozes,
que se fundem e que se degladiam no espaço urbano — para nos trazer um retrato
simultaneamente sociológico e pessoal sobre a cidade de Paris. As suas imagens
podem, desta forma, ser interpretadas como mais uma voz, atenta à polifonia da
metrópole pós-moderna. O alvo da sua câmara é o metropolitano de Paris, que liga
diferentes lugares urbanos e acolhe diariamente um fluxo contínuo de pessoas, o
que lhe confere uma atmosfera visual muito particular. Descer às profundezas des-
te espaço é, também, penetrar novos horizontes imagéticos, que podem ser retrata-
dos visualmente.
Numa obra recente, José Machado Pais sugeria que “a vida quotidiana é um
terreno onde se vive a experiência antropológica do olhar, de uma vadiagem de
olhar — teoricamente sensível”, afirmando, consequentemente, que o visual é “um
‘centro polimórfico’ que deve ser interpretado, mas também pode ser meio de in-
terpretação: ‘objecto e método’ de pesquisa” (Pais, 2008: 20). Tomamos estas pala-
vras de empréstimo pois elas condensam, em grande medida, aquilo que nos inspi-
rou no início deste projecto. Permitir a vadiagem do olhar aos cientistas sociais, ofere-
cer-lhes a possibilidade de reflectirem sobre os seus processos e os objectos do seu
mirar. É isto, igualmente, que propomos ao leitor. Que olhe, através (e para além)
das palavras e fotografias aqui reunidas, para o papel que, actualmente, os domíni-
os da visualidade e da visibilidade adquirem no nosso quotidiano.
INTRODUÇÃO 11

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