1907 Identificação As Meninas de Avignon, pintado em 1907. Localização A obra encontra-se no MoMA – Museum of Modern Art, em Nova Iorque. Contexto histórico e Em 1904, Picasso (1881-1973) instala-se definitivamente em Paris, ocupando cultural o espaço de uma antiga fábrica de pianos em Montmartre que havia sido dividida em ateliês. Numa época em que se vive intensamente um espírito de vanguardismo cultural e artístico, aqui se junta nos anos seguintes uma importante comunidade de artistas (Braque, Juan Gris, Gertrude Stein, André Salmon, entre outros), conciliando a boémia com fervorosas discussões estéticas. Nesta «fábrica», que o poeta Max Jacobs batizou de Bateau Lavoir, ocorreria uma das mais significativas revoluções estéticas do início do século XX: aqui foi pintada a obra As Meninas de Avignon a que normalmente se atribui o nascimento de uma nova linguagem artística, o Cubismo. Ao longo da sua vida Picasso ameaçou constantemente a tradição: interrogando as mais diversas culturas e experiências artísticas e apropriando-se do passado para lhe impor as transformações da sua visão, a sua versatilidade criativa, a sua técnica exuberante e a sua capacidade inventiva concederam-lhe o estatuto de um dos artistas mais importantes do século XX. Materiais e técnicas Óleo sobre tela, com 2,43 m x 2,33 m. Picasso afasta-se das normas que presidem habitualmente à representação Análise formal dos nus femininos. A paleta de cor é restrita: as cores quentes, do rosa-pálido ao ocre-vermelho, dominam os corpos das mulheres, enquanto os tons frios, azuis e cinzentos, compõem os panos num violento contraste. As formas são sublinhadas por contornos brancos e negros, acentuando a sua desestruturação. Os corpos são deformados, a mulher sentada à direita está simultaneamente representada de frente e de costas, e é muito clara a influência da arte africana que substitui o orientalismo do século XIX. Análise temática Se o tema é aparentemente simples – cinco mulheres de um bordel na Carrer d’Avinyo, a Rua de Avignon em Barcelona, posam nuas para o artista –, já a sua representação é absolutamente nova: tanto os modelos como o fundo ou os objetos presentes são abruptamente fragmentados em diversas formas geométricas, acentuando o dinamismo da composição, enquanto o espaço pictórico é decomposto, os planos surgem sobrepostos, a profundidade é eliminada e o claro-escuro anulado. Por seu lado, é criada a possibilidade de as figuras serem mostradas a partir de variados ângulos simultaneamente. Toda a obra denota uma intensa pesquisa formal: pernas deslocadas, joelhos torcidos, braços desconjuntados, olhares tresloucados, orelhas deformadas, tudo acontecendo num ambiente de grande agitação de corpos vacilantes e suspensos num espaço sem gravidade. Leitura de significados Pintada com uma exuberância quase anárquica, o tratamento geométrico das figuras e a rejeição do naturalismo aqui patentes foram cruciais para o desenvolvimento da arte moderna: com esta obra foi traçada a rutura definitiva entre a Natureza e a pintura. Sem dúvida, o contacto com a obra de Cézanne presente no Salão de Outono de 1905 e o conhecimento das «máscaras africanas» então expostas no Palace du Trocadéro, em Paris, foram contribuições decisivas para o aprofundamento das suas pesquisas. Unicamente preocupado pelos problemas próprios à pintura – os problemas da forma, do espaço e da cor –, Picasso perde progressivamente o interesse pelo conteúdo do tema até chegar ao desaparecimento absoluto do seu conteúdo narrativo. Tanto como a sua conceção formal, radicalmente inovadora, este é um dos sintomas de modernidade da obra. Assim, as superfícies lisas de cor procedem de Gauguin; a conceção das formas fortemente geometrizadas é «cézanniana»; os rostos das mulheres à direita refletem o impacto das máscaras africanas. A tudo isto há que juntar os fortes movimentos dos corpos e a simultaneidade de diferentes pontos de vista de matriz cubista. As Meninas de Avignon, Pablo Picasso, Museum of Modern Art, Nova Iorque, EUA, 1907. A obra As Meninas de Avignon é uma das mais célebres de Picasso, constituindo o ponto de partida para o Cubismo e para a revolução da arte moderna. Picasso representa cinco mulheres no interior de um bordel, mas a provocação da obra reside muito mais na conceção da forma e da representação das figuras do que propriamente na escolha do tema. Picasso trabalhou centenas de esboços preliminares a partir do inverno de 1906, vindo a completar a obra apenas no verão do ano seguinte. Gradualmente, afasta-se dos traços naturalistas em direção a uma maior estilização das formas, simplificando-as e isolando-as do seu contexto, até abordar o corpo humano e as relações entre as figuras de modo autónomo e descondicionado. O género de pintura, o nu feminino e o retrato de grupo não é inteiramente inovador; o que mais espanta na obra é o tratamento do espaço, totalmente desconstruído, e a perspetiva quase inexistente. A partir de As Meninas de Avignon funda-se uma nova linguagem plástica que tende a recriar na superfície da tela um espaço em três dimensões sem recurso aos procedimentos pictóricos tradicionais. Segundo Guillaume Appolinaire (1880-1918), um dos mais influentes escritores e críticos de arte desta geração, As Meninas de Avignon abriam um novo ciclo artístico que «rejeitando a realidade da visão, tornava possível a realidade do conhecimento».