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Sobre

Bioética
e
Robert M. Veatch
– textos –
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Chanceler:
Dom Dadeus Grings

Reitor:
Ir. Norberto Francisco Rauch

Conselho Editorial:
Antoninho Muza Naime
Antonio Mario Pascual Bianchi
Délcia Enricone
Jayme Paviani
Luiz Antônio de Assis Brasil
Regina Zilberman
Telmo Berthold
Urbano Zilles (presidente)
Vera Lúcia Strube de Lima

Diretor da EDIPUCRS:
Antoninho Muza Naime
Sobre
Bioética
e
Robert M. Veatch
– textos –

Organizador:
Joaquim Clotet

Porto Alegre, 2001


© EDIPUCRS
1ª edição: 2001
Capa: AGEXPP – FAMECOS – PUCRS
Preparação de originais: Eurico Saldanha de Lemos
Revisão: Marília Gerhardt de Oliveira
Editoração e composição:
Suliani – Editografia Ltda.
Impressão e acabamento: Gráfica EPECÊ

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

V394 Sobre bioética e Robert M. Veatch: textos / organizado por Joa-


quim Clotet. – Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001.
43 p.
ISBN: 85–7430–241–4
1. Ética Médica 2. Veatch, Robert M. – Crítica e Interpreta-
ção 3. Veatch, Robert M. – Textos 4. Bioética I. Clotet, Joaquim

CDD 174.2

Ficha Catalográfica elaborada pelo


Setor de Processamento Técnico da BC-PUCRS

Proibida a reprodução total ou parcial desta obra


sem autorização expressa da Editora.

EDIPUCRS
Av. Ipiranga, 6681 – Prédio 33
Caixa Postal 1429
90619-900 – Porto Alegre – RS
Brasil
Fone/fax: (51) 3320.3523
www.pucrs.br/edipucrs/
Sumário

Sobre Robert M. Veatch 6


Jussara de Azambuja Loch

Sobre Medical Ethics: de Robert M. Veatch e colaboradores 9


Joaquim Clotet

Sobre Cross Cultural Perspectives in Medical Ethics: Readings,


de Robert M. Veatch e colaboradores 12
Marcos Nestrovski

Sobre Questões éticas da morte do morrer,


no enfoque de Robert M. Veatch 15
Maria Helena I. Lopes
Carlos Fernando Francisconi

Principles and their alternatives: controversies in theories


of Medical Ethics 21
Robert M. Veatch

Justice and resource allocation 27


Robert M. Veatch

The futility debate: who should set limits


to useless health care? 31
Robert M. Veatch

Justifying randomized clinical trials:


the controversy over equipoise 35
Robert M. Veatch
Sobre Robert M. Veatch

JUSSARA DE AZAMBUJA LOCH

O professor Robert M. Veatch é americano e tem 62 anos de idade. Graduou-


se em Farmácia, em 1961, pela Purdue University e fez seu Mestrado em
Farmacologia na Universidade da Califórnia, no ano seguinte. Em 1963 e 1964,
trabalhou na Universidade de Ibadan, na Nigéria. Voltando para os Estados
Unidos, foi para Boston continuar sua pósgraduação, primeiro na Harvard
Divinity School (B.D.) e, posteriormente, na Harvard University, onde estudou
Religião e Sociedade, com ênfase em Ética Médica, alcançando seu título de
Doutor em Filosofia, em 1971. Em 1999, recebeu o título honorário de Doutor
em Humanidades na Creighton University.
O Dr. Veatch possui extensa experiência profissional, tendo sido
professor na Harvard University Divinity School, de 1968 a 1970, e,
posteriormente, na Columbia University, de 1971 a 1972. Em 1970, foi trabalhar
no Hastings Center, onde permaneceu até 1979, integrando vários grupos de
pesquisa, principalmente sobre os temas da Morte e o Morrer, Ética e Políticas
de Saúde.
Em 1979, transferiu-se para a Georgetown University, onde continua a
lecionar até hoje. Nesta Universidade, tem três áreas de atuação: é professor
de Filosofia, Professor Adjunto dos Departamentos de Medicina Comunitária e
da Família e do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia, além de professor
de Ética Médica junto ao Kennedy Institute of Ethics, do qual foi Diretor entre os
anos de 1989 e 1996.
Na atualidade, o prof. Veatch é editor de três periódicos: The Kennedy
Institute of Ethics Journal, The Journal of Medicine and Philosophy e IRB: a
Review of Human Subjects Research. Já fez parte do conselho editorial de

Sobre Robert M. Veatch 6


várias revistas de Medicina, Ética, Teologia e Filosofia, como The Journal of
Religions Ethics, The Journal of American Medical Association (JAMA), Harvard
Theological Review e Hospital Physician. Foi igualmente editor associado da
Encyclopedia of Bioethics.
É consultor de várias comissões como The Data Safety and Monitoring
Board, National Institute of Child Health, (CHIME Study), do The Data Safety
and Monitoring Committee, National Eye Institute, Age-related eye disease
Study, e do Comitê Consultor do Washington Regional Transplant Consortium.
O professor atua também como membro dos Comitês de Bioética dos
Departamentos de Pediatria e de Ginecologia e Obstetrícia do Georgetown
Hospital e é consultor do Comitê de Bioética da United Methodist Association.
O professor Veatch participou, de 1976 a 1978, da National
Commission for the Protection of Human Subjects of Biomedical and Behavioral
Research e, de 1981 a 1982, da President’s Commission for the Study of Ethical
Problems in Medicine and Biomedical Research. Em 1978, foi distinguido com o
National Book Award, da American Medical Writers Association e figura no
Who’s is who in America.
Sua obra é muito vasta e abrangente. Em menos de três décadas o
prof. Veatch publicou 35 livros, 117 capítulos em livros ou artigos em co-autoria
e mais de 300 artigos em periódicos. Tem publicações em inglês, alemão,
italiano, croata, russo, japonês e português.
Dos seus livros, seis versam sobre Ética Médica, cinco sobre teorias
éticas e éticas aplicadas e quatro sobre a ética relacionada com outras
ciências. Tem duas obras dedicadas à relação médico-paciente e, na área
de Bioética, seu ensino e estudos de casos, o professor Veatch publicou 10
livros, além de mais alguns sobre temas específicos como a morte e o
morrer, tecnologias para o prolongamento da vida, transplantes, diretivas
antecipadas e decisões sub-rogadas.

Sobre Robert M. Veatch 7


Uma boa coletânea de sua obra pode ser encontrada nas bibliotecas
Central e da Faculdade de Medicina da PUCRS, que disponibilizam aos leitores
os seguintes títulos:
 Medical Ethics. Jones & Bartlet Publishers, 1989.
 The patient-physician relation: the patient as partner. Bloomington:
Indiana University Press, 1991.
 Ethical questions in dentistry. Quintessence Publish. Co., 1993.
 Cross-cultural perspectives in medical ethics. 2. ed. Jones &
Bartlett, 2000.
 Source book in Medical Ethics: a documentary history. Georgetown
University Press, 1998.
 Transpantation Ethics. Georgetown University Press, 2000.
 Ethical issues in death and dying. 2. ed. Prentice Hall, 1997.
 The basics of Bioethics. Prentice-Hall, 1999.
 Medical codes and oaths. In: Reich, W. T. Encyclopedia of Bioethics.
v. 3, Simon & Schuster MacMillan, 1995, p. 1419-1435.
 Population policies – strategies of fertility control. In: Reich, W. T.
Encyclopedia of Bioethics. v. 4, Simon & Schuster MacMillan, 1995, p.
2011-2017

Sobre Robert M. Veatch 8


Sobre Medical Ethics:
de Robert M. Veatch e colaboradores

JOAQUIM CLOTET

Na exposição a seguir serão examinados, em primeiro lugar, os problemas da


ética médica; em segundo lugar, descritas algumas características da ética
médica ocidental; em terceiro lugar, feitas algumas considerações sobre a ética
médica de Robert M. Veatch.
Medical Ethics é uma obra realizada sob a coordenação de Robert
M. Veatch e que conta com a participação de onze especialistas além do
próprio coordenador.
1. Os problemas da ética médica. Inicialmente, a ética médica está
associada a problemas ou conflitos. Duas perguntas fundamentais abrem a
reflexão sobre as suas características. A quem interessam os problemas da
ética médica? De onde surgem os problemas da ética médica? Eles interessam
a quem deve tomar decisões nos assuntos envolvidos. Os profissionais da
saúde e os próprios pacientes ou responsáveis são os grandes protagonistas.
Podem ser também consideradas as pessoas que estão interessadas no
conhecimento ou na formação sobre os temas em questão. Os problemas da
ética médica surgem das decisões a serem tomadas, por exemplo, em casos de
aborto, eutanásia, tratamento de pacientes infectados pelo vírus HIV e da
pesquisa em seres humanos; da conveniência ou da inconveniência em dizer a
verdade ao paciente; das vantagens ou das desvantagens em aceitar ou
recusar o tratamento; da quantia de recursos financeiros que deveria ser
dedicada à saúde pelos organismos oficiais e da sua distribuição entre as
pessoas e entidades implicadas.

Sobre Medical Ethics: de Robert M. Veatch e colaboradores 9


2. A ética médica ocidental. Na opinião do autor, os elementos que
entram na composição da ética médica ocidental, considerada de forma geral,
são: os códigos profissionais, as tradições religiosas e o pensamento filosófico
moral não-religioso.
Robert M. Veatch define os códigos como uma série de regras e leis
que podem comportar ações e processos legais. Os códigos admitem
também a possibilidade de serem considerados como orientações ou
diretrizes. Os códigos são documentos de caráter ético e de abrangência
unilateral. Fala-se no texto em acordos, que envolvem reciprocidade, e em
contratos, que pressupõem acordos, nos quais ambas as partes procuram
os maiores benefícios.
3. Algumas considerações. Após a breve síntese expositiva do trabalho
de Robert M. Veatch em Medical Ethics cabem as observações a seguir.
O autor utiliza no texto em estudo o termo intuições significando
opiniões, “reflecting on our moral intuitions” (p. 6) e “different problems about
which intuitions differ” (p. 3). Ambos os termos são sinônimos para o autor?
Tem ele um posicionamento intuicionista no que se refere às proposições
éticas? As proposições éticas são conhecidas como sendo verdadeiras de
modo imediato e sem prova nenhuma? Estaria o nosso autor na linha do
intuicionismo ético de Henry Sidgwick em The Methods of Ethics (1874), de
George Edward Moore em Principia Ethica (1903) e de William David Ross em
The Right and the Good (1930)? Na minha opinião, de acordo com o texto em
questão, o autor utiliza ambos os termos numa linguagem comum e como
sendo sinônimos. Sob o ponto de vista da filosofia moral da linguagem ou da
também denominada ética analítica ou metaética a utilização dos termos
aludidos deveria ser devidamente explicitada.
Na linguagem comum, ética médica e bioética são termos equivalentes
e assim são utilizados pelo autor. “Sometimes the term ‘bioethics’ is used in

Sobre Medical Ethics: de Robert M. Veatch e colaboradores 10


place of medical ethics. The terms are now used almost interchangeably” (p. 6).
Contudo, numa linguagem ou contexto mais esclarecido já não é bem assim.
A ética aplicada é de grande interesse para o autor. Os problemas éticos
decorrentes do exercício e aplicação das ciências da saúde, medicina,
odontologia e enfermagem, entre outras, são temas relevantes em nossa
sociedade. “Ethics is becoming a discipline that is applied to real world problems
such as medicine. Applied ethics takes various rules and principles and integrates
them with detailed knowledge of the relevant facts and customs of a particular
sphere of life such as politics or race relations or the work place. This volume
explores the application of ethics to the sphere of medicine” (p. 6).
Pela exposição e comentários do autor sobre a origem dos problemas
éticos da medicina, o seu posicionamento filosófico moral ou ético não tem a
sua origem nem o seu fundamento na ética deontológica profissional,
geralmente expressa pelos códigos de ética profissional.
A presença do fator religioso na sua teoria e reflexão permite afirmar
que ele é um elemento indissociável do seu modo de conceber e interpretar a
ética. “Ethics is a branch of the disciplines that deal with basic questions of
meaning and value: of philosophy and theology” (p. 3).
O seu interesse pela justiça, em geral, e pela justiça social, em
particular, especialmente no que se refere à alocação e distribuição de recursos
para a saúde, revela-se como um dos temas preferidos pelo autor e que está
presente em muitos dos seus trabalhos.
Estes são alguns aspectos que pautam a ética médica de Robert M.
Veatch. Estariam faltando, no entanto, algumas características mais
significativas, se é que ele as tem. Em caso afirmativo, elas permitiriam
identificá-lo com uma determinada escola ou tradição da história do
pensamento filosófico moral ou ética.

Sobre Medical Ethics: de Robert M. Veatch e colaboradores 11


Sobre
Cross Cultural Perspectives
in Medical Ethics: Readings,
de Robert M. Veatch e colaboradores

MARCOS NESTROVSKI

Nos últimos 40 anos, tem-se assistido a um desdobrar acalorado da questão


ética em Medicina (como, aliás, em todas as relações humanas) e o que se torna
cada vez mais claro é que não existe área médica em que o problema não seja
tocado. Todos nós que somos responsáveis pela execução de cuidados à saúde,
sejam médicos na linha de frente do exercício profissional até os consultores em
saúde do governo, precisam se questionar sobre o que se está fazendo.
Diversos colaboradores desse trabalho, médicos e não-médicos,
apresentam, no conjunto, uma perspectiva internacional multidisciplinar de ética
em Medicina e, habilmente reunidos por Robert Veatch, criam uma atmosfera
na qual podemos todos começar a falar uns com os outros.
O problema com tal aproximação é que tão logo alguém se afasta da
superfície encontra mais questões filosóficas básicas que afrontam
controvérsias emergentes.
Qualquer um que venha a enfrentar dúvidas em ética médica está
situado, ao menos implicitamente, dentro de algum sistema fundamental.
Esta rica e expandida coleção poderá servir tanto como texto ou
como referência para quem se envolva seriamente numa apreciação integral
de casos médicos.
A obra aqui apreciada se compõe de quatro partes.
Na primeira, Veatch apresenta um apanhado sobre o que se constituiu,
até hoje, nas diversas latitudes e cortes históricos, a profissão médica,

Sobre Cross Cultural Perspectives in Medical Ethics: Readings, de Robert...12


começando por Hipócrates, o Juramento, o antes e o depois do auge do
Helenismo (sendo Pitágoras o mais provável mentor intelectual da corrente
Hipocrática) e sua preservação até os nossos dias.
Mostra outras culturas, crenças religiosas, conceitos políticos,
alternativas variadas, que vieram a contribuir, mais ou menos, para o
pensamento médico e ético.
Com tais elementos à mão, na segunda parte, fala do que poderia
justificar uma e não outra atitude.
Qual o contraste entre os códigos antigos e os atuais preceitos
éticos? E por quê? Dados tais termos em que pensar apresenta, então, os
Princípios da Bioética.
Não existem necessariamente regras rígidas que possam vir a ser
aplicadas diretamente sobre problemas individuais. Porém, são princípios
amplos que vêm ajudar a determinar o que pode tornar uma ação “boa” ou uma
ação “má”.
Beneficência, não maleficência, autonomia, veracidade, não matar,
justiça: estas são as apresentações da terceira parte.
Ao abordar temas éticos as pessoas se abrigam fortemente em uma
determinada crença e ordem até nem se dar conta de outros que se alinham a
outras tradições e desenvolvem alternativas igualmente sérias.
As questões que envolvem o relacionamento entre princípios éticos e o
papel de regras na aplicação desses princípios a casos isolados forma todo o
escopo do oitavo capítulo.
Justiça é um tema primordial na concepção filosófica de Veatch,
especialmente quando trata de alocação de recursos escassos, materiais,
escolhas, prioridades.
Sendo um humanista, Veatch vê o Homem inserido em seu Universo
Moral Único, e, como realização individual, soma-se aos outros para constituir a

Sobre Cross Cultural Perspectives in Medical Ethics: Readings, de Robert...13


Sociedade. Isto, porém, não o ofusca quando se trata de analisar o Privado
versus ou a favor do Público.
Veatch tenta nos fazer pensar mais alto e mais amplo.
Como ele mesmo diz “Ética Médica é um corpo de regras composto de
idealismo e praticidade que médicos aceitam como sua norma moral. Sua
finalidade é promover o principal objetivo da profissão médica, servir à
Humanidade e também de assessorar governos na regulamentação da prática
médica. O padrão ético do exercício médico muda conforme a raça, os hábitos,
os costumes e os tempos. Uma ação considerada moral por um povo pode não
ser assim aceita por outros. Por outro lado, condutas antes consideradas como
gravemente errôneas podem vir a não sê-lo em tempos atuais. Ética Médica
não tem um padrão simples e permanente”.

Sobre Cross Cultural Perspectives in Medical Ethics: Readings, de Robert...14


Sobre Questões éticas da morte
e do morrer, no enfoque
de Robert M. Veatch

MARIA HELENA I. LOPES e CARLOS FERNANDO FRANCISCONI

O texto que segue resume as idéias de Robert Veatch presentes em capítulos dos
seus livros citados nas referências bibliográficas. Vale ressaltar que ele escreve
com muita freqüência sobre este tema, sendo autor de um livro especifico (Death,
dying..., 1989) de grande importância para os estudiosos no assunto.

PERSPECTIVA HISTÓRICA

O tema da morte, segundo Veatch, muito tem despertado o interesse


em diferentes épocas, com enfoques diversos, por estudiosos e profissionais
de múltiplas áreas. Dessa forma, se nos reportarmos ao período da
Antigüidade clássica, veremos que os gregos se preocupavam com o
sentido da vida, porém preocupavam-se muito mais com o que ocorria após
a morte. Tanto era importante o significado da existência da vida após a
morte, que Aristóteles e Platão descreveram decisões de terminar a vida em
algumas situações, como, por exemplo, no caso de crianças malformadas.
No entanto, no juramento de Hipócrates há uma censura à eutanásia ativa
quando é dito “eu não darei uma droga fatal, mesmo que o paciente peça e
nem farei sugestão para que isso ocorra”.
No século XX, ocorre um fenômeno médico novo que é o grande
esforço para preservar a vida, o que Darrel Amndsen descreve como o “dever
sem raízes clássicas”.

Sobre Questões éticas da morte e do morrer, no enfoque de Robert...15


Do ponto de vista cultural e religioso, vê-se que, no judaísmo, a vida
deve ser preservada até o momento em que o paciente está moribundo e, no
cristianismo, que, como anterior, defende a sacralidade da vida, condena a
eutanásia ativa, mas reconhece o direito de interromper tratamentos
extraordinários para o prolongamento da vida.
Na década de 1950-60, entram em vigor medidas heróicas para
sustentação da vida, reflexo do impacto das novas tecnologias. Em
contrapartida, surgem os direitos dos pacientes questionando a autoridade dos
médicos para tomar decisões a respeito da preservação da vida.

A MORTE E A ÉPOCA DE MORRER

O tema da morte, que, até determinado momento, era assunto de difícil


abordagem, passou a fazer parte de grandes discussões, que teve a psiquiatra
Elizabeth Kübler Ross como desencadeadora de um significativo movimento
social. Disso resultou um debate sobre duas questões fundamentais: a definição
de morte e a ética da interrupção de tratamentos. A premência para definição
de morte teve como marco a realização do primeiro transplante cardíaco, em
1967, na África do Sul. Isto porque, até aquele momento, prevalecia o conceito
de morte cardiorrespiratória. Quando Christian Barnard executa este
procedimento, um questionamento importante é levantado: qual era a situação
clínica do doador? Como ele poderia estar morto se o seu coração funcionou
por algum tempo no receptor? Para isso e para resolver a difícil situação de
pacientes com quadros neurológicos graves (com quadro clínico de coma
irreversível – coma depassé – como definiam os autores franceses) que
ocupavam muitos leitos em unidades de tratamento intensivo, é criado um
Comitê Interdisciplinar na prestigiosa Universidade de Harvard que propôs a
definição de morte baseada na morte cerebral, que foi adotada a partir desse
momento. Do ponto de vista médico, essa definição gerou menor conflito do que
do ponto de vista social, pois que os critérios médicos foram mais facilmente

Sobre Questões éticas da morte e do morrer, no enfoque de Robert...16


aceitos. Por outro lado, as múltiplas implicações sociais deste diagnóstico
geraram muitos problemas em decorrência das conseqüências advindas da
condição nova que surge no momento em que um paciente recebe o
diagnóstico de morte cerebral. O questionamento maior é quais as condições
em que deve a sociedade tratar uma pessoa como morta? E possível
desencadear pagamentos de seguro, declarar o cônjuge como viúvo, nestas
circunstâncias de morte cerebral?
Mesmo assim, a definição de morte como sendo a de morte cerebral
supriu a necessidade de um conceito operacional para aqueles pacientes com
sofrimento neurológico (coma) grave e irreversível.
Ainda restava a resposta para a segunda questão fundamental sobre
qual é o limite de tratamento que deve ser dispensado a um paciente na
terminalidade da vida. Para um paciente de posse de sua
capacidade/autonomia, é aceito na maioria das culturas ocidentais, que este
tem o direito de recusar um tratamento médico, mesmo partindo-se do princípio
que o mesmo é oferecido para o seu bem. Ou seja: algumas vezes o conceito
de bem para os profissionais da saúde colide com o conceito de bem sob a
perspectiva do paciente.
O grande problema é quando o paciente não tem condições de escolha.
Nos Estados Unidos, os casos conflituosos historicamente foram encaminhados
para decisão judicial e esta tendência permanece até os dias atuais. O primeiro
desses casos, considerado como o “divisor de águas”, foi o caso de Karen
Quinlan (1975), que, durante uma festa com amigos, sofreu uma parada
respiratória seguida de parada cardíaca, sendo recuperada, mas ficando,
porém, com graves seqüelas neurológicas, que não permitiram que ela
recuperasse mais a sua consciência. Após permanecer por anos assistida por
aparelhos sua família solicitou aos médicos a suspensão desses tratamentos, o
que não foi aceito pela equipe médica. O caso foi para os tribunais e, por fim, a
corte decidiu pelo desligamento do respirador artificial, aceitando que, naquela

Sobre Questões éticas da morte e do morrer, no enfoque de Robert...17


situação especifica, o seu pai representava o padrão do melhor interesse da
paciente. Um segundo caso de interesse foi o de Joseph Saikewicz, que era
portador de deficiência mental, leucemia em fase avançada e sem família. Os
médicos solicitaram à Corte de Massachussets a suspensão das transfusões de
sangue e essa decidiu pela interrupção do tratamento. O caso de Claire Conroy,
que possuía uma síndrome cerebral orgânica e que por esta razão passou a ser
alimentada por sonda nasogástrica; por não ter familiares diretos, um sobrinho a
representou, solicitando a suspensão desse tratamento junto à Corte. O caso de
Nancy Cruzan, que após um acidente automobilístico, ficou em estado
vegetativo persistente e, para alimentá-la, foi realizada uma gastrostomia
suscita também uma questão importante no que diz respeito aos limites de
tratamento em pacientes sem esperança de recuperar a consciência: a família
solicita à Corte a interrupção desse tratamento, argumentando que a paciente
não concordaria com essa situação se estivesse com sua capacidade
preservada. Diante da evidência convincente do que seria o desejo da paciente,
a Corte decidiu pela suspensão do tratamento.
Os regulamentos denominados Baby Doe preconizam que
procuradores podem solicitar a suspensão do tratamento em crianças quando
se tratar de casos terminais, se houver com a irreversível ou o tratamento for
considerado como fútil e desumano. No entanto, medidas básicas de conforto e
sustentação da vida devem ser mantidas, tais como hidratação e nutrição.
Na situação do caso de bebê anencefálico, denominado de Baby K, a
Corte deu aos pais o direito de manter seu filho vivo, mesmo contra a vontade
dos médicos.

O IMINENTE COLAPSO DO CONCEITO


DE MORTE CEREBRAL TOTAL

Para Robert Veatch (1993), o conceito de morte cerebral total está em


colapso, demonstrando a sua resistência em aceitar a manutenção dessa definição.

Sobre Questões éticas da morte e do morrer, no enfoque de Robert...18


Seus argumentos são de que esse termo é ambíguo, pois não há distinção de
morte biológica das outras questões sociais, legais e morais. Também não aceita o
que os médicos costumam declarar: que num dia ocorre a morte cerebral e,
posteriormente, ocorre a morte da pessoa. Na sua concepção, “o indivíduo está
morto como um todo, porque o cérebro está morto”, ocorrendo então a morte e
posteriormente, o cessar das funções corporais.
As dúvidas que ocorrem a respeito do conceito de morte cerebral total
são embasadas na dificuldade de estabelecer em que momento ocorre a morte
celular cerebral, visto que, através de técnicas eletroencefalográficas sofisticadas,
pode-se detectar potenciais menores que dois microvolts em ninhos neuronais
isolados, mesmo após a perda das funções nobres cerebrais.
Henry Beecher, conceituado médico que coordenou o Comitê da Harvard
que estabeleceu o conceito de morte cerebral, admite que inserido no mesmo, ele
valorizava que algumas das funções superiores do cérebro que permitem que as
pessoas tenham capacidade de memória, consciência, personalidade, julgamento,
raciocínio, ação, preocupação, individualidade, etc. eram fundamentais para o
funcionamento dos indivíduos. Mas, por outro lado, ele reconhecia que não havia
como, topograficamente localizar tais funções na estrutura cerebral. Ele preconiza o
conceito de morte como sendo a perda irreversível das funções de todo o cérebro,
mesmo com a idéia que essas funções críticas estejam localizadas nas porções
mais altas do encéfalo.
Para aqueles que defendem o conceito de morte cerebral total, a troca pela
perda das funções cerebrais superiores altera o conceito de morte. A crítica segue
com o questionamento de como medir essa irreversibilidade das funções
superiores; qual a tecnologia a ser empregada?
Outra dificuldade apontada por Veatch é a ambigüidade do conceito de
irreversibilidade. Se, para embasar esse conceito de morte usar-se o conceito de
pessoa, aumenta ainda mais a dificuldade, por ser esse um conceito filosoficamente
controverso. Porém o argumento do slippery-slope é o mais difícil de ser

Sobre Questões éticas da morte e do morrer, no enfoque de Robert...19


contestado. Aceitando que a perda das criticas superiores significariam a morte,
quantas dessas funções precisariam ser irreversivelmente perdidas para o
estabelecimento deste diagnóstico? O risco que se corre ao se admitir que em
determinadas circunstâncias poderia haver uma diminuição do rigor operacional
para esta definição, é o único argumento que sensibiliza Veatch.
O contra-argumento à crítica para aceitação da alternativa de morte
baseada nos centros cerebrais superiores é que, do ponto de vista cristão – judaico,
o ser humano vivo é formado por um conjunto de corpo mais mente e se a mente
não existe mais, este ser não pode ser considerado como vivo. Com este contra-
argumento, Veatch acredita que tem o suporte necessário para defender o seu
ponto de vista.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BEAUCHAMP, I.; VEATCH, R. M. Ethical issues in death and dying. Upper


Saddle River (NJ): Prentice Hall, 1996.
JONSTEN, R.; VEATCH; R. M.; WALTERS, L. Source book in bioethics: a
historical perspective. Washington D.C.: Georgetown Univ., 2000.
VEATCH, R. M. Death, dying and the biological revolution: our last quest for
responsibility. New York: Vail-Ballou Press, 1989.

Sobre Questões éticas da morte e do morrer, no enfoque de Robert...20


Principles and their alternatives:
controversies in theories
of Medical Ethics

ROBERT M. VEATCH ∗

ABSTRACT

Principle-based medical ethics has dominated the Western discussion of


ethics in health care for the past 20 years. It has recently been challenged by
other approaches including casuistry, virtue theory, feminist theory, care theory,
and what is sometimes called “deductivism”. This lecture will attempt to spell out
what is at stake and offer a partial defense of principle-based theories (or
principlism) from its critics.
A full ethical analysis of a clinical ethical problem can be seen as taking
places at four levels. At the level of the individual case4, claims about rules and
rights, the normative level, and the metaethical level. Religious and secular
ethics differs primarily at the metaethical level-the level of the meaning and
justification of ethical claims. Much of the action in medical ethics in the past 30
years has taken place at the level of normative theory. lt is here that broad,
abstract systems for making ethical decisions are developed. Normative theory
deals with three general questions: the principles of right action, the theory of
good character traits (virtue theory), and the theory of what counts as a benefit
or a harm (axiology). At a more concrete and specific level, statements of moral
rules or moral rights can be seen as being derived from normative theory. Codes
of professional ethics, patients’ bills of rights, and religious codifications of


Ph.D. Professor of Medical Ethics. Kennedy Institute of Ethics. Georgetown University.
Washington, DC 20057. veatchr@georgetown.edu

Principles and their alternatives:controversies in theories of Medical Ethics...21


proper moral conduct (such as the Vatican declarations and Talmudic laws) are
expressed at this level. Finally, there are judgments at the level of the individual
case-the choices the clinician and others must make at the bedside.
After outlining and explaining this four-level scheme, the lecture wilI
present the major controversies within the part of normative theory called
“principlism” Most medical professional ethics (including Hippocratic ethics) has
been “consequentialist.” They focus exclusively on producing good
consequences and avoiding harmful ones. Hippocratic ethics shares this feature
with classical utilitarianism, but the latter includes the consequences for all
parties while Hippocratic ethics requires the physician to focus exclusively on the
single, isolated patient. That may be part of why the Hippocratic ethic is so
morally deficient that it is increasingly seen as irrelevant. Roman Catholic
medical ethics also has consequentialist features, but in quite different ways.
Other medical ethics focus on moral duties that purport to be obligations
independent of consequences. Much of the challenge to Hippocratic ethics has
come from this group of theories-either secular liberal rights-based theories or from
Protestant and Jewish religious ethics. That is part of why religious ethicists were at
the forefront of the attack on Hippocratism in the last decades of the twentieth
century. While some rights-based ethics remained focused on the rights of the
individual patient, others functioned at a more social level-replacing the social utility
principle with the principle of justice thus providing a way of addressing resource
allocation without simply trying to maximize net good consequences.
In addition to the conflicts within principlism, principle-based approaches
to medical ethics have been challenged from the outside. Other normative-level
theories (virtue theory and axiology) have been pitted against principle-based
approaches. Virtue-based approaches, for example, have been touted as a
return to concern about the good character of health professionals in contrast to
more concern about right action. Narrative theory, feminist theory, and care
theory are all best understood as, at least in part, efforts to promote the virtues.

Principles and their alternatives:controversies in theories of Medical Ethics...22


Some of the challenges come from other levels of ethical analysis. Proponents
of codes and bills of rights favor attempting to reach societal agreement about
lists of rules or rights rather than dealing with more abstract principles or virtues.
Casuistry urges a return to the priority of the most concrete level, the level of the
individual case. Deductivism, on the other hand, claims that principlism is not
abstract enough. It wants to start at the most general level of theory and derive
principles of rules more systematically than some principle-based approaches.
The lecture will show that not all principle-based approaches suffer from
these criticisms and that at least one version of principlism survives unscathed.
Increasingly, these competing approaches are reaching an accommodation.
Principles remain at a central spot in biomedical ethical theory.

PRINCIPIALISMO E SUAS ALTERNATIVAS:


CONTROVÉRSIAS EM TEORIAS DE ÉTICA MÉDICA

Nestes últimos vinte anos, é a Ética Médica baseada em Princípios que


tem predominado nas discussões sobre ética em cuidados com a saúde, pelo
menos no Ocidente.
Agora, porém, têm aparecido contestações, sob a forma de outras
abordagens, como a Teoria Casuísta, a Feminista, a Teoria da Responsabilidade e
aquela que algumas vezes se costuma chamar de Dedutivismo.
Esta palestra vai tentar expressar o que está em jogo e apresentar uma
defesa em favor de teorias que se fundamentam em princípios (Principialismo).
A análise ética completa de um problema clínico se estende por quatro
níveis: (1) o nível do individual; (2) o nível das reivindicações sobre regras e
direitos; (3) o normativo; (4) o metaético.
Ética religiosa e ética secular diferem basicamente no nível metaético: o
nível do significado e da justificação de reivindicações éticas.

Principles and their alternatives:controversies in theories of Medical Ethics...23


Muito do que se fez em ética médica nos últimos trinta anos foram no
nível da Teoria Normativa. Foi aí que se desenvolveram amplos e abstratos
sistemas para apoiar a tomada de decisões éticas.
A teoria Normativa trabalha com três questões genéricas os princípios
da “ação boa”; a teoria dos “bons traços de caráter” (teoria das virtudes); e a
teoria “daquilo que conta como benéfico ou como prejudicial” (axiologia).
De forma mais concreta, mais especifica, afirmações sobre regras
morais – ou direitos morais – podem ser consideradas como tendo origem na
Teoria Normativa.
Nesse nível é que se encontram os Códigos de Ética Profissionais, as
Declarações de Direitos do Paciente e os códigos religiosos sobre condutas morais
apropriadas (por exemplo, as declarações do Vaticano e as leis Talmúdicas).
Finalmente temos os juízos a serem feitos para atender casos
individuais, como as decisões que médicos e outros têm que tomar ao lado do
leito do paciente.
Depois de definir e explicar este esquema de quatro níveis, a palestra
irá expor as mais evidentes controvérsias naquela parte da Teoria Normativa
chamada de “Principialismo”.
Quase toda a ética da profissão médica (incluindo a Ética Hipocrática)
tem sido “conseqüencialista”. Seu interesse único é que se produzam
conseqüências benéficas e que as más sejam evitadas.
Esta faceta a Ética Hipocrática divide com o Utilitarismo Clássico,
porém, enquanto este abrange conseqüências para todos os envolvidos, a Ética
Hipocrática insiste em que os médicos devam concentrar o foco de sua atenção
exclusivamente no paciente.
Talvez seja por isso que a Ética Hipocrática é moralmente tão
deficiente, a ponto de estar se tornando cada vez mais irrelevante.
A Ética Médica Católica Romana também apresenta fortes traços
conseqüencialista, mas de modos diferentes.

Principles and their alternatives:controversies in theories of Medical Ethics...24


Outras formas de Ética Médica se concentram em obrigações morais e
se expressam como sendo obrigações livres das conseqüências.
Muitas das contestações à Ética Hipocrática têm vindo de tais grupos, seja
como teorias liberais apoiadas em direitos ou como expressão de ética religiosa,
Protestante ou Judáica. Daí a presença de eticistas religiosos na primeira linha de
combate ao Hipocratismo como se tem visto nestas últimas décadas.
Eticistas baseados em direitos permaneceram focados só no paciente,
enquanto outros foram evoluindo para um piano que abrangesse mais o social,
substituindo o princípio de Utilidade pelo de Justiça, achando assim um meio
para orientar a alocação de recursos sem assumir como preocupação única a
elevação ao máximo das conseqüências benéficas para um só indivíduo.
E, além dos conflitos internos no Principialismo, também de fora têm
aparecido contestações à Teoria dos Princípios.
Teorias normativas (como Teoria das Virtudes e Axiologia) têm sido
usadas contra abordagens que se valem de princípios.
Virtudes, por exemplo, têm sido mostradas como uma Teoria que traz
de volta a preocupação com o bom caráter dos profissionais da saúde, em
contraste com uma mera consideração de achar uma ação boa ou má.
Teoria dos Eventos; teoria Feminista; Teoria da Responsabilidade; elas
poderão ser melhor entendidas se forem consideradas, ao menos em parte,
como sendo um esforço para promover virtudes.
Há contestações que vêm de outros níveis da análise ética.
Proponentes de Códigos e de Declarações de Direitos se batem para
conseguir atingir o consenso da Sociedade sobre tais Códigos e Declarações
em vez de lidar com princípios abstratos ou com virtudes.
Os Casuístas valorizam mais o retorno a um nível mais concreto, o do
caso individual. Por sua vez, os Dedutivistas argumentam que o Principialismo
não é suficientemente abstrato. Eles querem que se comece pelo mais amplo

Principles and their alternatives:controversies in theories of Medical Ethics...25


de teorização e daí extrair princípios de forma mais sistemática do que certas
abordagens baseadas em Principialismo.
Enfim, a palestra mostrará que não são todas as abordagens
fundamentadas no Principialismo que vêm a sofrer tais críticas e que pelo
menos uma versão deste sobrevive ilesa. Estas abordagens competitivas cada
vez mais tendem a se acomodar.
Princípios permanecem o ponto central em Teoria Ética Biomédica.

Principles and their alternatives:controversies in theories of Medical Ethics...26


Justice and resource allocation


ROBERT M. VEATCH

ABSTRACT

After considering an opening case, the concept of justice will be


contrasted with other kinds of ethical appeals. The Hippocratic ethic will be
characterized as an approach that deals only with benefit and harm to the
isolated patient, which, therefore, cannot deal with problems of justice and
resource allocation. Likewise, the focus on patient autonomy cannot either. For
an ethic to deal with social issues, some consideration of competing moral
claims must be provided.
Two major ethical systems for allocating scarce resources wiIl be
contrasted: one focusing on social utility (maximizing the aggregate net good
from available resources) and the other focusing on justice (striving to create an
end state pattern of distribution of the good). Although social utility is the darling
of the public health community and many health planners, it is flawed not only
because it requires comparison of incommensurable goods, but also because it
fails to take the distribution of goods into account. It fails to consider the needs
of the neediest.
The principle of justice provides an alternative. There are many different
patterns of distribution that justice might promote. Distribution according to need
is the most plausible. These are considered “egalitarian” theories of justice.
Among egalitarian theories two major alternatives must be considered.
The “maximin” theory of John Rawls would permit gross inequalities, but only if
they are necessary to benefit those who are worst off (by giving the elite an


Ph.D. Professor of Medical Ethics. Kennedy Iristitute of Ethics. Georgetown University.
Washington, DC 20057. veatchr@georgetown.edu

Justice and resource allocation 27


incentive to help the worst off). True or “radical” egalitarianism strives for greater
equality of opportunity for equal outcomes (even if the worst off are not as well
off as they would be under the “maximin” approach).
Two final issues need to be addressed to present a full theory of justice.
First, what is the relation of the principle of justice to other principles. Some
would completely subordinate justice to social utility. Others would claim that
competing principles ought to be balanced against each other so that neither
completely dominates. Still others might attempt to give justice an absolute
priority. I will advocate an approach that gives priority of justice over social utility,
but gives other ethical principles (such as autonomy and avoidance of killing) co-
equal status with justice. The result is that justice is one among several
principles that, jointly, take priority over social utility.
Second, we will complete the examination of justice and resource
allocation by asking what the role of the bedside clinician ought to be in
allocating resources. While some would urge the physician to abandon the
exclusive focus on the welfare of the patient, I will advocate giving the clinician
at the bedside an exemption from resource allocation so that he or she can fulfill
special duties to the patient. The corollary will be that, if the clinician does not
place limits on the use of scarce resources, then someone else wiIl. I will
suggest that the patient population (the citizenry) is in the best place to impose
those limits.

JUSTIÇA E ALOCAÇÃO DE RECURSOS

Para iniciar, vamos analisar um caso e a seguir, comparar o conceito de


Justiça com outros conceitos éticos.
A Ética Hipocrática será mostrada como o enfoque que se relaciona
apenas com o Beneficio ou o Prejuízo do paciente em si e que, portanto, não
tem condições de lidar com problemas de Justiça e Alocação de Recursos. Tão

Justice and resource allocation 28


pouco apenas a Autonomia. Para que uma Ética possa lidar com problemas
sociais é necessário considerar-se as reivindicações morais em conflito.
Apresentaremos dois grandes Sistemas Éticos em conflito para a
Alocação de Recursos Escassos: um, o da Utilidade Social (levar ao máximo a
diferença a favor dos benefícios conseguidos pelos recursos disponíveis) e o
outro, centrado em Justiça (esforçando-se para criar, ao final, um padrão estatal
na distribuição dos bens).
Mesmo sendo a menina dos olhos de quem lida com Saúde Pública e
de muitos planejadores da Saúde, a Utilidade Social falha porque requer uma
comparação de benefícios incomensuráveis e porque não leva em consideração
a distribuição destes mesmos benefícios.
Falha porque ignora as necessidades dos mais necessitados.
Uma alternativa é “Justiça como Princípio” pois pode promover diferentes
padrões de distribuição. Distribuir conforme a necessidade é o mais plausível.
São teorias “igualitárias” de Justiça.
Dentre essas, duas grandes alternativas têm que ser avaliadas.
A “maximin”, teoria defendida por John Rawls, admitindo grandes
desigualdades, mas só onde elas sejam necessárias para poder levar
benefícios aos mais carentes (ou seja, dando, aos mais afortunados, incentivos
para ajudar os carentes).
E o verdadeiro igualitarismo, “radical”, que se esforça em garantir
oportunidades iguais para situações iguais (mesmo que os mais carentes não
fiquem tão bem como poderiam ficar sob um enfoque “maximin”).
Finalmente, dois temas têm que ser abordados para a apresentação de
uma teoria geral de Justiça.
Primeiro, qual a relação do Princípio de Justiça com outros Princípios:
pois há quem julgue Utilidade Social prevalente; outros defendem um equilíbrio
entre Princípios antagônicos para não venha a haver prevalência de nenhum: e,
ainda, os que se batem por prioridade absoluta para Justiça.

Justice and resource allocation 29


Advogaremos por Justiça, prioritária sobre Utilidade Social, mas em
igualdade com Autonomia e com Não Matar. Como resultado, Justiça se coloca
junto a outros Princípios que, combinado, têm prevalência sobre Utilidade Social.
Segundo, completaremos as ponderações sobre Justiça inquirindo
sobre o papel que o médico à beira do leito do paciente poderia ter na Alocação
de Recursos.
Não concordamos que ele deva afastar sua atenção do bem-estar do
paciente; pelo contrário, ele deve ser isento de tomar decisões sobre Alocação
de Recursos para que possa concentrar-se em cumprir fielmente suas
obrigações para com o doente.
Mas, para isso há um corolário: não sendo o médico quem vá
estabelecer limites ao uso de Recursos Escassos, alguém outro terá que fazê-lo
e pode-se sugerir que esse alguém seja a população (a cidadania), como sendo
o melhor foro para estabelecer tais limites.

Justice and resource allocation 30


The futility debate: who should set limits
to useless health care?


ROBERT M. VEATCH

ABSTRACT

While some patients must struggle to get life-prolonging medical treatments


stopped, others are demanding such treatments even if their physicians believe the
treatments to be of no value. These interventions, sometimes called “futile care,”
pose new and complex problems in medical ethics. Examining several cases
involving such demands, two kinds of so-called futile care will be identified: care that
cannot produce the effect desired by the patient and care that will produce an effect
valued by the patient but seen as useless by the clinician. While physicians must
have the right to refuse to provide the first type, whether they have such a right in
the second case is more controversial.
Among treatments expected to produce outcomes valued by the patient (or
surrogate) but deemed useless by the clinician, two reasons can be given for limiting
access. The treatments consume scarce medical resources and they force clinicians
to practice medicine in ways that seem unprofessional or inappropriate to them. The
first reason is surely a legitimate basis for Iimiting access, but it is doubtful that the
bedside clinician should be the one setting such limits. If treatments must be
rationed, other people are in a better place to set the limits. Whether physicians
should have the authority to refuse to deliver treatments that they deem to constitute
unprofessional conduct depends on the circumstances.


Ph.D. Professor of Medical Ethics. Kennedy Institute of Ethics. Georgetown University.
Washington, DC 20057. veatchr@georgetown.edu

The futility debate: who should set limits to useless health care? 31
This lecture will argue that health care professionals should have the
right to unilaterally refuse to deliver treatments they deem to serve no useful
purpose unless five conditions are met:
1. The treatment will increase the chance of extending life or providing
some other outcome deemed “fundamental”
2. There is an on-going patient/physician relation
3. The physician is capable of providing the service
4. There is “equitable funding” and no competition for scarce resources
5. No colleague who is capable is willing to take the case
If all of these conditions are met, it should be part of the medical
professional’s responsibility to deliver the care even if he or she deems it
useless, inappropriate, or a violation of professional obligation, the physician’s
covenantal commitment with the state should require that, in exchange for the
monopoly right to practice medicine, such services must be delivered in these
circumstances. In several of the most famous futile care cases all five of these
conditions were met and physicians were required-by law and ethics-to continue
treating even though doing so violated personal conscience.

FUTILIDADE – CONTROVÉRSIAS:
QUEM DEVERIA IMPOR LIMITES AO TRATAMENTO INÚTIL

Enquanto uns têm que implorar para que cessem as medidas


terapêuticas que os mantêm vivos, outros pacientes exigem continuação,
mesmo que os médicos estejam convictos de sua inutilidade.
Essas “continuações”, muitas vezes denominadas de “Tratamento
Fútil”, impõe novos e complexos problemas em Ética Médica.
Se examinarmos vários desses casos, poderemos identificar duas
classes do assim chamado Tratamento Fútil: um, o tratamento que não chega a

The futility debate: who should set limits to useless health care? 32
alcançar o efeito desejado; o outro, que produz um efeito que só é valorizado
pelo doente, mas que o médico reconhece como sendo inútil.
Admitamos que, no primeiro caso, o médico teria que ter o direito de
recusar-se a prescrevê-lo; já, na segunda circunstância, tal direito para o
médico é controverso.
Nestes casos (2ª circunstância) a limitação de medidas terapêuticas
poderia ser fundamentada sobre duas justificativas:
Primeira, os tratamentos irão consumir recursos médicos escassos;
segunda, obrigam os profissionais a fazer uma medicina improvisada
e inapropriada.
A primeira razão tem, seguramente, uma base legítima, mas, no que se
refere à segunda, é controvertido que o médico que esteja atendendo um
doente venha a ser o próprio agente limitador. Se for preciso racionar um
tratamento, outras pessoas estão em melhor posição para determiná-lo. Só em
circunstâncias especiais é que o próprio médico deveria ter essa autoridade
para recusar tratamento se este lhe parecesse uma conduta não-profissional.
Nessa palestra, discutiremos o direito do profissional em recusar tratamento que
ele julgue inútil, por não apresentar as seguintes cinco condições:
1. O tratamento irá condicionar a possibilidade de prolongar a vida ou
de criar outra situação julgada “fundamental”;
2. Existe uma continuada relação médico-paciente;
3. O médico é apto para tal serviço;
4. Existe “provisão eqüitativa” e ausência de competição por
recursos escassos;
5. Nenhum outro colega habilitado queira assumir o caso.
Se todas essas condições estiverem presentes, passa a ser do médico
a responsabilidade pelos cuidados necessários, mesmo que ele os julgue
inefetivos, não apropriados, ou uma violação de sua consciência profissional.

The futility debate: who should set limits to useless health care? 33
O convênio do Médico com o Estado, onde este lhe outorga o
monopólio do exercício da Medicina, deveria exigir dele que em tais
circunstâncias não poderia haver recusa em prestar seus serviços.
Em muitos dos mais famosos casos relatados como Tralamento Fútil,
as cinco condições mencionadas estavam todas presentes e os médicos
foram determinados – por lei e ética – a continuar o tratamento, mesmo que,
assim o fazendo, se sentissem violentados em sua consciência pessoal.

The futility debate: who should set limits to useless health care? 34
Justifying randomized clinical trials: the
controversy over equipoise

ROBERT M. VEATCH ∗

ABSTRACT

Clinicians wishing to recruit patients as subjects in clinical trial face a


dilemma: they are duty-bound to choose what is best for their patients, yet a
randomized trial exposes subjects to a therapy chosen at random.
Traditionally, this dilemma has been resolved by appeal to the equipoise
of individual clinicians or clinical community. An offer of randomization is moral if
the individual clinician (or better) the clinical community sees the risks and
benefits of the standard treatment and the experimental alternative as equally
attractive. However, we now realize that this justification fails because subjects
may hold rational preferences for one of the treatments even if the clinician or
the clinical community finds the two options equally attractive. This lecture will
propose the “indifference of subjects” as an alternative moral foundation for
justifying randomization. This means that even if the clinician or clinical
community is in equipoise, randomization is normally unethical if the potential
subject has a rational preference for one of the options. With certain exceptions,
patients should be given their preferred treatment when they have a rationally
formed preference. On the other hand, if after being adequately informed, the
subject is indifferent between the two options, randomization may be ethical
even if the clinician or clinical community are not in equipoise.


Ph.D. Professor of Medical Ethics. Kennedy Institute of Ethics. Georgetown University.
Washington, DC 20057. veatchr@georgetown.edu

Justifying randomized clinical trials: the controversy over equipoise 35


This justification resolves several problems in the field of the ethics of
randomized clinical trials. (1) It resolves the problem of discrimination against
“pro-innovation” subjects (that subjects who favor the standard treatment are
able to obtain their preferred treatment while those who favor the experimental
treatment are not). (2) It resolves the problem of the inability to complete trials
because of loss of investigator equipoise. (Subjects with idiosyncratic
indifference points can be randomized ethically even if investigators are no
longer indifferent between treatments). The morality of using incentives to
manipulate zones of indifference will also be discussed.

JUSTIFICANDO OS ENSAIOS CLÍNICOS RANDOMIZADOS:


A CONTROVÉRSIA SOBRE A EQUIPOLÊNCIA

Os médicos, quando recrutam pacientes como sujeitos de ensaios


clínicos, defrontam-se com um dilema: eles têm o dever de escolher o que é o
melhor para os seus pacientes, porém um ensaio randomizado expõe os
sujeitos a um tratamento escolhido de forma aleatória.
Tradicionalmente, este dilema tem sido resolvido apelando-se para a
equipolência avaliada por um médico individualmente ou pela comunidade
médica. Uma proposta de aleatorização é moralmente adequada se um médico
individualmente, ou melhor, a comunidade médica, avalia, como igualmente
aceitáveis, os riscos e os benefícios do tratamento padrão e da alternativa
experimental. Entretanto, nós percebemos atualmente que esta justificação é
falha por que os sujeitos da pesquisa podem ter preferências razoáveis por um
dos tratamentos mesmo quando o médico ou a comunidade médica acha que
as duas opções são igualmente aceitáveis.
Esta conferência irá propor a “indiferença dos sujeitos” como uma
fundamentação moral alternativa para a justificativa da aleatorização. Isto significa
que, mesmo que um médico ou a comunidade médica achem as situações

Justifying randomized clinical trials: the controversy over equipoise 36


eqüipolentes, a aleatorização é normalmente inadequada, desde o ponto de vista
ético, se o sujeito potencial tem uma preferência razoável por uma das opções.
Com algumas exceções, deveria ser dado aos pacientes o tratamento que eles
preferirem, quando eles têm uma preferência racionalmente formada. Por outro
lado, se, após ser adequadamente informado, o sujeito é indiferente entre as duas
opções, a aleatorização pode ser eticamente adequada, mesmo quando o médico
ou a comunidade médica não caracterizem a eqüipolência.
Esta justificativa resolve uma série de problemas no campo da ética dos
ensaios clínicos randomizados: (1) Ela resolve o problema da discriminação
contra os sujeitos “pró-inovação” (aqueles sujeitos que se beneficiariam com o
tratamento padrão podem obter o seu tratamento preferido, enquanto aqueles
que se beneficiariam com o tratamento experimental não); (2) Isto resolve o
problema da inabilidade em completar ensaios clínicos devido à perda da
equipolência do investigador (os sujeitos que, por razões pessoais, mantêm-se
indiferentes, podem ser aleatorizados mesmo quando os pesquisadores não
são mais indiferentes entre os tratamentos). A moralidade do uso de incentivos
para manipular zonas de indiferença também serão discutidos.

Justifying randomized clinical trials: the controversy over equipoise 37


SORBI – Sociedade Riograndense de Bioética

Presidente: Joaquim Clotet


Vice-Presidente: José Roberto Goldim
1º Secretário: Délio José Kipper
2º Secretáo: Mariângela Badalotti
1º Tesoureiro: Marcos Nestrovski
2º Tesoureiro: Liliane S. Yurgel

Conselho Fiscal:
Titulares: Carlos Fernando Francisconi
Jussara de Azambuja Loch
Marília Gerhardt de Oliveira
Suplentes: Maria Estelita Gil
Helena Wilhelm de Oliveira
Nilce Maria Ferrari

38

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