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POLÍTICAS PÚBLICAS, LEGISLAÇÃO

E SAÚDE MENTAL NO BRASIL


1 - Evolução das Políticas de Saúde no Brasil

Desde o Descobrimento do Brasil até a chegada da Família Real Portuguesa, em


1808, nunca houve nenhum tipo de sistema que fosse voltado para a saúde da
população que vivia no país.

Os médicos eram muito poucos, geralmente filhos de famílias abastadas ou


nobres, que iam estudar na Europa e voltavam como “doutores”.

Havia ainda os boticários, que faziam o papel de “médicos”, em geral


prescrevendo receitas, e os “barbeiros-doutores”, que, além de cuidar de seu
ofício tradicional – a barbearia – também eram responsáveis por realizar
funções “médicas”.

Mas, em geral, esses profissionais e praticantes atendiam a população mais


abastada e branca. Para os pobres, negros escravos e índios, o que restava
eram as práticas tradicionais, desenvolvidas pelos curandeiros, benzedeiros,
pajés etc.

Mesmo com a chegada da Família Real, essa situação pouco mudou. Algumas
estratégias sanitárias foram desenvolvidas, mas eram direcionadas
principalmente para a corte.

Esse cenário continuou até o final do séc. XIX e contribuiu amplamente para
que as práticas tradicionais ficassem tão arraigadas na nossa sociedade que até
hoje grande parte da população recorre a elas com muita frequência.

No final do séc. XIX, o Brasil foi assolado por fortes epidemias e a situação
chegou a um ponto tão crítico que começou a interferir na economia do país.
Os navios que garantiam nosso comércio internacional não queriam ou mesmo
não podiam mais aportar nas costas brasileiras. Com o comércio comprometido,
nosso sistema primário-exportador corria o risco de ser seriamente abalado.

Na busca de soluções para a questão, o governo decidiu, pela primeira vez,


desenvolver uma política específica para sanear as cidades portuárias. O
médico sanitarista Osvaldo Cruz foi convidado a ser o responsável por definir e
desenvolver as estratégias dessa política e iniciou suas campanhas sanitárias
que, embora muito polêmicas, foram bem-sucedidas.

Assim, do ponto de vista histórico, as políticas de saúde no Brasil têm início


com as campanhas sanitárias de Osvaldo Cruz, desenvolvidas principalmente no
começo do século XX.

Quando estoura a grave crive internacional de 1929, a demanda pelos produtos


primários da América Latina – incluindo o Brasil, naturalmente – é reduzida de
forma considerável.

Assim, a região se vê obrigada a estruturar e desenvolver novos processos


produtivos capazes de suprir as necessidades internas, passando a voltar seus
esforços para a construção e consolidação de um processo de industrialização
capaz de proporcionar o desenvolvimento econômico.

A partir dos anos 1930, com a intensificação do trabalho urbano e no sentido


de favorecer o impulso ao processo de industrialização, o governo, entre tantas
outras ações, desenvolve uma nova política de saúde, agora assistencial,
ligando a saúde à previdência e transformando-a em direito do trabalhador
formal.

Dessa forma, nesse novo momento das políticas de saúde no Brasil, as


estratégias são novamente pensadas como um dos instrumentos necessários
para a solução de uma importante questão econômica.
Apesar de muitos percalços durante esse processo, a área da saúde no Brasil
seguiu essa direção e se consolidou, nas décadas seguintes, como política
assistencial voltada especialmente aos trabalhadores.

Essa premissa de “saúde como direito do trabalhador” perdurou no Brasil até o


surgimento do Sistema Único de Saúde (SUS), na década de 1980, e sua
regulamentação, em 1990.

O SUS surge a partir das várias lutas e movimentos que ganharam ampla força
a partir do final dos anos 1970 e que culminaram na realização da VIII
Conferência Nacional de Saúde, em 1986, momento de maior expressão da
Reforma Sanitária Brasileira.

Somente a partir do SUS a saúde passa a ser universalizada, ou seja, passa a


ser direito de todos, não só dos trabalhadores. Tal direito, inclusive, ganha
aspecto jurídico-formal, na medida em que passa a ser assegurado pela
Constituição Federal de 1988.

2 - SUS: Organização, Princípios e Diretrizes

Um dos princicipais objetivos do SUS é identificar todos aqueles fatores


condicionantes da saúde dos grupos populacionais de cada parte do país e,
somente a partir daí, determinar a politica que será desenvolvida com objetivo
de reduzir os riscos de doenças e agravos à saúde e promover a saúde, tanto
das pessoas individualmente quanto da população em geral.

Além disso, o SUS também tem o importante objetivo/ atribuição de garantir


assistência a todos os indivíduos através de ações que envolvam a promoção, a
proteção e a recuperação da sua saúde.
Do ponto de vista constitucional, a organização do SUS é baseada nas
seguintes diretrizes:

 Descentralização: responsabilidade político-administrativa direcionada para


os estados e, especialmente, para os municípios, mas tendo como base a
direção única em cada uma das três esferas de governo;

 Atendimento integral: desenvolvimento de ações integradas, que incluam


as ações curativas, mas priorizando as ações preventivas;

 Participação da comunidade: ações e serviços de saúde submetidas ao


controle social.

Em plena concordância com essas diretrizes constitucionais, o SUS deve ser


submetido, ainda, aos seguintes princípios doutrinários:

- Universalização: princípio que se relaciona ao direito universal à saúde,


garantindo acesso a todos os serviços em todos níveis;

- Integralidade: princípio que se relaciona com a diretriz do atendimento


integral, garantindo todas as ações de saúde (desde as ações de promoção até
às de recuperação);

- Equidade: princípio que determina que o acesso e os serviços devem ser


oferecidos de forma igualitária, mas com pleno respeito às diferenças.

Além desses, os outros princípios do SUS são:

- Preservação da autonomia: total defesa da integridade das pessoas, tanto


física quanto mental;
- Direito à informação: as informações sobre sua saúde são direito de cada
indivíduo;

- Divulgação de informações: as informações sobre o potencial dos serviços,


suas característiscas e sua utilização devem estar acessíveis a todos;

- Orientação de base epidemiológica: as prioridades, os recursos e as


ações programáticas devem ser orientadas e distribuídas com base em estudos
epidemiológicos;

- Regionalização e hierarquização: os serviços devem ser divididos em


níveis hierárquicos e oferecidos em rede regionalizada;

- Capacidade de resolução: os serviços têm que ser resolutivos em todos os


níveis de atenção;

- Integração de ações intersetoriais: as ações de saúde, meio ambiente e


saneamento, entre outras, devem ser integradas em nível executivo;

- Organização responsável: os serviços públicos devem ser organizados de


maneira tal que não permita desperdícios, gastos injustificados e oneração
inadequada de custos.

3 - SUS: Modelos de Atenção

3.1 – Atenção Primária à Saúde

Desde a Conferência de Alma Ata (Conferência Internacional Sobre Cuidados


Primários de Saúde), realizada pela OMS em 1978, as discussões acerca dos
processos de organização da saúde têm, em quase todo o mundo, se
fundamentado em torno da Atenção Básica (ou atenção primária) à Saúde.
Desde então, muitos países, incluindo o Brasil, passaram a reorganizar seus
sistemas de saúde a partir de estratégias que têm a atenção primária como
pilar.

No caso brasileiro, dez anos depois de Alma Ata o sistema de saúde (SUS)
entrou na Constituição Federal, tendo sido desenvolvido com base em muitos
dos princípios determinados na Conferência.

A Declaração de Alma Ata determina os cuidados primários de saúde como as


ações fundamentais da atenção primária à saúde. Tais cuidados primários,
também chamados de ações primárias ou ações básicas, devem representar o
eixo central do sistema de saúde de qualquer país.

São ações que se constituem em métodos e técnicas práticas, com


fundamentação científica, socialmente admissíveis e precisam estar disponíveis
para todos a um custo acessível para o país.

Além disso, precisam funcionar como o primeiro nível de contato dos indivíduos
com seu sistema de saúde e devem ser oferecidos próximo dos locais onde as
populações vivem e trabalham.

A declaração de Ala Ata também determina diretrizes essenciais para a garantia


da organização adequada e efetiva das ações de atenção primária. Por
exemplo:

- Abrange não apenas o setor saúde: é necessariamente intersetorial e


interdisciplinar;

- Abrange as ações de promoção, prevenção, cura e reabilitação, de acordo


com a situação de saúde das comunidades;
- Implica na participação da comunidade, favorecendo o exercício do controle
social;

- Relaciona o entendimento da saúde às características socioculturais,


econômicas e políticas do país e de suas comunidades;

- Engloba obrigatoriamente as seguintes ações: educação em saúde,


alimentação e nutrição, água e saneamento, atenção materno-infantil,
planejamento familiar, imunização, prevenção e controle de endemias,
tratamento de doenças e lesões comuns e distribuição de medicamentos
essenciais.

Todos esses princípios de Alma Ata são adotados pelo Brasil na construção e
também na organização do SUS, que tem a atenção primária como eixo
direcionador central.

A atenção primária, que é diferente sob vários aspectos da atenção secundária


(orientada principalmente para o diagnóstico e tratamento) e da terciária
(voltada principalmente para o tratamento das complicações, com intervenções
de longo prazo), é a porta de entrada do SUS que, por sua vez, envolve uma
saúde organizada de forma necessariamente universalizada, integralizada e
equitativa.

Nessa lógica, a melhoria continuada da situação de saúde da população seria o


resultado esperado.

3.2 - Estratégia de Saúde da Família: algumas considerações


No ano de 1994, foi implantado pelo Ministério da Saúde no Brasil o Programa
Saúde da Família, como uma das propostas para consolidar o acesso
universalizado à saúde.

O objetivo principal da implantação do programa foi funcionar como estratégia


de reorientação e reorganização do modelo assistencial, favorecendo a busca
de maior racionalidade nos outros níveis assistenciais, no que se refere à
utilização.

Assim, o programa se voltou para a busca da consolidação dos princípios do


SUS através da atenção primária.

Desde sua implantação, as propostas e ações do programa têm sido


amplificadas e, de maneira geral, têm conseguido produzir impactos bem
positivos nos indicadores de saúde mais relevantes relacionados às populações
assistidas pelas equipes do programa (equipes de saúde da família).

Na medida em que representou um nítido redirecionamento das prioridades de


ação em saúde e em que essa perspectiva de atenção foi se consolidando, o
programa logo alcançou o status de estratégia.

Foi então denominado de Estratégia de Saúde da Família (ESF), desenvolvida a


partir da implantação de equipes interdisciplinares em unidades básicas de
saúde.

As formas de atenção das equipes são caracterizadas especialmente por


serviços e ações de promoção da saúde, educação permanente, prevenção e
manutenção da saúde, embora possam também abranger ações de
recuperação e reabilitação das doenças e agravos mais constantes.

Cabe destacar aqui o potencial da ESF no estímulo à organização comunitária.


Pode, assim, ser grande favorecedora do controle social da saúde e tem
funcionado, em grande medida, como operacionalizadora da tão importante
intersetorialidade.

Assim, apresenta-se como uma das mais relevantes estratégias do sistema de


saúde brasileiro.

4 - SUS: Legislação

O desenho do aspecto legal do sistema nacional de saúde teve ampla


relevância para sua construção e estruturação e continua sendo muito relevante
para seu processo de operacionalidade.

Considerando essa configuração jurídico-formal do SUS, o primeiro elemento


que precisa ser ressaltado é o capítulo da saúde da Constituição Federal de
1988.

4.1 – O Capítulo da Saúde na Constituição Federal

A formalização do capítulo da saúde da Constituição se configurou como um


gigantesco avanço e uma das mais importantes conquistas do setor, na medida
em que deu voz ativa e oficializada a todo pensamento reformista dos atores
envolvidos (profissionais da saúde, intelectuais, movimentos populares etc.),
fato sem precedentes no histórico da saúde no Brasil.

No que diz respeito ao capítulo da saúde do texto constitucional, há três


componentes essenciais, que realmente merecem destaque e a seguir
voltaremos para eles a nossa atenção:

Em primeiro lugar, deve-se ressaltar o ineditismo da explícita declaração de que


a saúde é direito de todos, fato que imprime a marca da universalidade ao
sistema. O texto também imprime claramente o caráter igualitário ao sistema e
deixa muito claro que a garantia do direito à saúde é dever do Estado.
Em segundo lugar, ressalta-se a oficialização da associação da garantia da
saúde com a garantia de outras dimensões sociais. Isto significa que prevaleceu
o entendimento de um conceito amplo e abrangente para a saúde.

O texto constitucional afirma explicitamente que o equacionamento das


questões da saúde depende de soluções sociais, políticas e econômicas, além
das questões específicas do setor.

Dessa forma, abre caminhos para a garantia dos esforços e ações intersetoriais.
Ainda amplia as responsabilidades do Estado e da sociedade nessa direção.

Finalmente, em terceiro lugar, destaca-se o estabelecimento bastante claro de


um formato para a organização do sistema de saúde, configurado a partir da
inclusão de seus componentes, objetivos, diretrizes etc., criando, assim, o
Sistema Único de Saúde (SUS).

Além do capítulo da saúde da Constituição Federal, outros elementos jurídico-


formais que precisam ser destacados são as Leis Orgânicas da Saúde e as
Normas Operacionais, instrumentos legais essenciais para o efetivo
desenvolvimento e funcionamento do SUS.

4.2 – Lei 8.080/90

A denominada Lei Orgânica da Saúde, de número 8.080, é o instrumento de


regulamentação do SUS. Promulgada em setembro de 1990, essa lei dispõe sobre a
organização e o funcionamento da saúde. Regula as ações e serviços de saúde no
país, discorrendo sobre os requisitos para a promoção, proteção e recuperação da
saúde.
Ao entrar em vigor, já inclui e determina os princípios, objetivos e atribuições do
sistema de saúde e estabelece o arranjo da participação privada, recursos humanos
e financiamento do SUS.

Nos anos seguintes, passou também a incluir outras determinações, como a de


certos subsistemas (de atenção à saúde indígena, de atendimento a internação
domiciliar etc.).

4.3 – Lei 8.142/90

Promulgada alguns meses depois da Lei 8.080/90, em dezembro de 1990, essa lei
especificou as determinações relativas à forma da participação popular na gestão do
SUS, caracterizando a formação e funcionamento dos Conselhos de Saúde e das
Conferências de Saúde, nos três níveis de governo.

A lei estabeleceu o formato das transferências dos recursos financeiros da saúde


entre as esferas de governo.

4.4 – Normas Operacionais

As normas operacionais se constituem em dispositivos voltados para determinar


aquelas estratégias e ações táticas necessárias para conduzir a operacionalidade do
SUS. São elas:

a) Normas Operacionais Básicas (NOBs)

As NOBs 91 e 93 foram os instrumentos desenvolvidos, em 1991 e 1993,


respectivamente, logo após o início da entrada em vigor do SUS. O caráter
recente do sistema demandava apontamentos norteadores de suas dimensões.

Assim, essas normas surgiram para determinar os aspectos voltados para o


reordenamento do novo modelo de atenção à saúde.
Suas principais definições incluíam o papel de cada esfera de governo, as
funções de estados e municípios (agora gestores, não só prestadores), os
métodos para o exercício do controle social e os procedimentos e fluxos de
financiamento do sistema (aumento das transferências fundo a fundo).

No ano de 1996, outra NOB foi elaborada e implementada, a NOB-96, com o


objetivo de articular e estabelecer o exercício pleno da função de gestor da
atenção à saúde de sua população por parte do poder público municipal e do
Distrito Federal.

Em consequência, também redefine o papel dos estados, Distrito Federal e


União. Além disso, regulamenta o procedimento de habilitação de municípios,
estados e Distrito Federal para as duas novas formas de gestão criadas por ela:
plena da atenção básica e plena da atenção municipal.

b) Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS)

A NOAS foi implementada no período de 2001 a 2002 para instrumentalizar o


alcance de três objetivos principais:

 Ampliação das responsabilidades dos municípios na atenção básica;


 Determinar e organizar a proposta de regionalização da assistência;
 Renovar os critérios para habilitação de estados e municípios visando à
intensificação da capacidade de gestão do sistema.

4.5 – Outros Instrumentos Legais

Além desses instrumentos da legislação do SUS já destacados, naturalmente ao


longo dos anos foram elaborados e implementados muitos outros que vêm
conformando o desenho e o funcionamento do sistema. Entre eles, podem-se
citar os seguintes:
- A Portaria GM/MS/94, que cria códigos e estabelece condições de cobrança
para o Programa de Saúde da Família – PSF e do Programa de Agentes
Comunitários de Saúde – PACS;

- A Portaria 3.916/98, que institui a Política Nacional de Medicamentos;

- A Lei 9.782/99, que cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA);

- A Portaria 1.395/99, que aprova a Política Nacional de Saúde do Idoso;

- A Lei 9.961/00, que cria a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS);

- A Lei 10.216/01, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas


portadoras de transtornos mentais e redireciona o Modelo Assistencial em
Saúde Mental;

- A Portaria GM/MS 1.679/02, que institui, no âmbito do Sistema Único de


Saúde, a Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador - RENAST,
a ser desenvolvida de forma articulada entre o Ministério da Saúde, as
Secretarias de Saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

- A Lei 10.708/03, que institui o auxílio-reabilitação psicossocial para pacientes


acometidos de transtornos mentais egressos de internações;

- A Resolução 399/06, que divulga o Pacto pela Saúde;

- O Decreto 7.508/11, que regulamenta a Lei Orgânica da Saúde nº 8080/90.


5 - Pacto pela Saúde

Em fevereiro de 2006, através da Portaria 399, foi divulgado o documento


Pacto pela Saúde, voltado para estimular o desenvolvimento de ações
inovadoras tanto nos processos quanto nas práticas de gestão na saúde.

Esse documento se configura como a pactuação, entre as instâncias federal,


estadual e municipal de gestão da saúde, de um conjunto de reformas
institucionais entendidas como fundamentais para fomentar a melhoria dos
serviços e garantir a universalidade do acesso.

O pacto, como estratégia de consolidação do SUS, engloba as negociações


entre os gestores baseadas em compromissos direcionados para a garantia da
operacionalização do SUS, no que se refere à busca das soluções necessárias
para as questões políticas, técnicas e administrativas.

A implantação desta proposta se dá através da adesão de municípios, estados e


União ao Termo de Compromisso de Gestão (TCG), que exige,
necessariamente, permanente cooperação entre os gestores, além de adequada
negociação local, regional, estadual e federal.

Isso implica na impossibilidade de a adesão ser isolada ou unilateral. O termo


também substitui os processos de habilitação de estados e municípios.

Com o Pacto pela Saúde, foram estabelecidas novas formas de transferências


fundo a fundo dos recursos, baseadas em um modelo que favorece maior
autonomia dos gestores no que se refere à aplicação desses recursos.

O Pacto pela Saúde institui três componentes considerados essenciais para o


fortalecimento do sistema, na medida em que devem ter a capacidade de
impulsionar as transformações necessárias: o Pacto pela Vida, o Pacto em
Defesa do SUS e o Pacto de Gestão do SUS.
5.1 - Pacto pela Vida

O Pacto pela Vida tem como objetivo central intensificar no SUS o processo da
gestão por resultados.

Nesse sentido, ordena a implementação de metas e compromissos sanitários


entendidos como prioritários – compromissos esses que devem ser pactuados
de modo tripartite pelos gestores das esferas Federal, estadual e municipal.

As prioridades estaduais, regionais ou municipais, partindo de pactuações


locais, podem ser associadas às nacionais.

5.2 - Pacto em Defesa do SUS

É o componente do Pacto pela Saúde que objetiva indicar os compromissos


pactuados entre os gestores referentes à consolidação da Reforma Sanitária
Brasileira.

O documento estrutura as ações voltadas para a configuração e garantia do


SUS como, de fato, política pública. Indica explicitamente um movimento de
repolitização da saúde, através de ações de mobilização social, ultrapassando,
então, as fronteiras do setor.

5.3 - Pacto de Gestão do SUS

É o componente que se volta para a valorização das trocas solidárias entre os


gestores, determinando diretrizes para a gestão e as responsabilidades de cada
esfera de governo, favorecendo, assim, a consolidação da gestão.
6 - Políticas de Assistência Social no Brasil

De maneira geral, o reconhecimento da assistência social como um direito dos


cidadãos e principalmente como dever do Estado foi bastante tardio no Brasil,
tendo acontecido de fato somente a partir da promulgação da Constituição
Federal de 1988, que incluiu a assistência social como política de Estado e
direito de todos.

Os primórdios da assistência social no país se fundamentam basicamente em


ações caritativas e de filantropia.

O desenvolvimento de tais ações, feito principalmente por entidades religiosas,


era estimulado pelo dever moral ou por outros interesses, fossem individuais ou
de clientelismo. Assim, não havia nenhum tipo de ligação com a
obrigatoriedade estatal.

Tudo isso acabou criando e fomentando amplamente a percepção de que a


assistência social é uma ajuda, uma dádiva e, portanto, não um direito. Até
mesmo depois da Constituição de 1988 essa percepção ainda é bastante forte
na sociedade brasileira.

No período final do governo Vargas, mais precisamente em 1942, a Legião


Brasileira de Assistência (LBA) foi fundada através da iniciativa privada, com o
intuito específico de prestar assistência àquelas famílias que tiveram que ceder
seus chefes para combater na Itália, durante a II Guerra Mundial.

Na medida em que o comando da instituição passou a ser assumido pela então


Primeira-Dama, surge nesse contexto a primeira iniciativa de responsabilidade
por parte do governo para com a assistência social, mas por outro lado reforça
a premissa da filantropia, da “boa vontade”, ou seja, a noção de direito não
aparece em nenhum momento.
Na realidade, somente a partir da Constituição Federal de 1988 desponta um
novo entendimento, uma nova concepção para a assistência social.

Mesmo assim, a real concretização desse entendimento ocorre


fundamentalmente no ponto de vista jurídico-formal, porque, no contexto do
ideário da sociedade, essa concepção, embora tenha avançado bastante, ainda
está em processo de construção.

De qualquer forma, cabe destacar os instrumentos legais que vêm sendo


elaborados e oficializados ao longo dos últimos anos no sentido de consolidar o
papel do Estado na concretização das políticas de assistência social no Brasil.

Só para citar alguns exemplos:

 Em 1993 foi instituída a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS (Lei


8.742), voltada para a regulamentação da assistência enquanto uma real
política social;

 Em 2004, foi editada a Política Nacional de Assistência Social (PNAS),


que confirma a assistência social como um dos alicerces essenciais do
campo da seguridade social;

 Em 2005, foi criado o Sistema Único de Assistência Social, o SUAS, que


concretiza o conteúdo da LOAS;

 Em 2006, foi aprovada a Norma Operacional Básica de Recursos


Humanos (NOB/RH), que define as estratégias para a operacionalidade
do SUAS.

Tais instrumentos legais têm sido, de fato, capazes de garantir um novo


patamar para a assistência social e de favorecer a importante mudança de seu
entendimento, procurando afastar de vez as suas ações atuais daquelas
práticas comuns no passado.

No entanto, ainda há um caminho muito longo a ser percorrido pela assistência


social no Brasil, tanto no que se refere ao seu entendimento quanto, e
principalmente, no que se refere à maior efetividade e abrangência de suas
ações.

7 - Reforma Psiquiátrica no Brasil

7.1 - O Início da Saúde Mental no Brasil

No que se refere ao nosso caso de interesse, o brasileiro, o início da instituição


da saúde mental – aqui entendida como psiquiatria – ocorre a partir da
chegada, em 1808, da Família Real Portuguesa, momento no qual são aqui
construídos os primeiros asilos que tinham o objetivo de funcionar como locus
para o “depósito” de doentes mentais.

Na verdade, também usavam os mesmos asilos para o “depósito” de


indigentes, criminosos ou quaisquer outros indivíduos considerados indesejados
ou perigosos, da mesma forma que os doentes mentais eram considerados e,
portanto, tinham que ser, de alguma forma, removidos do convívio com a
sociedade.

Assim, pode-se constatar que as primeiras ações desenvolvidas para os doentes


mentais, longe de focar no tratamento para sua condição, concentravam-se em
afastar o louco da sociedade, no sentido de garantir que esta permanecesse
protegida de sua presença e, consequentemente, de seus atos considerados
imprevisíveis, desconcertantes e ameaçadores.

Os locais de enclausuramento – os asilos – passaram a ser chamados também


de hospícios e manicômios.
O modelo dos manicômios se intensifica ainda mais no Brasil a partir do fim da
II Guerra Mundial, agora com forte grande presença do setor privado. Então,
nos anos 1960, através da fundação do Instituto Nacional de Previdência Social
(INPS), o setor público incorpora de vez esse formato hospitalocêntrico dos
manicômios para o tratamento dos indivíduos diagnosticados como loucos.

No entanto, apesar da força desse modelo predominante, ainda nos anos 1960,
começam a surgir novas propostas de abordagens ao doente mental, que
abrangiam seu retorno ao convívio familiar e transformações profundas no
modelo tanto das técnicas quanto dos centros específicos de tratamento.

Tais propostas, com sentido oposto ao modelo predominante, eram alicerçadas


no trabalho do médico italiano Franco Besaglia, importante crítico do modelo
vigente.

Todo esse novo pensamento e suas proposições acabaram por influenciar


ampla e irreversivelmente a área da Psiquiatria em todo o mundo.

No caso brasileiro, estimularam e iniciaram novas e fortes discussões


relacionadas ao cuidado em saúde mental, pautadas principalmente em
propostas para fomentar o retorno do portador de transtorno mental à
sociedade, a partir da forte diminuição e até mesmo do encerramento total das
internações, a chamada desinstitucionalização.

Todas essas discussões e orientações favoreceram a consolidação das


propostas que levaram, nos anos que se seguiram, à Reforma Psiquiátrica
Brasileira.
7.2 – A Primeira Fase da Reforma Psiquiátrica no Brasil

Para a maioria dos autores, o final dos anos 1970 é o momento histórico em
que ocorre o início da chamada primeira fase da Reforma Psiquiátrica no Brasil.

Sendo mais precisos, essa primeira fase da reforma vai de 1978 até 1991 e tem
como traço principal a intensa e ampla crítica ao modelo instituído, surgindo ao
mesmo tempo em que também surgem e se intensificam os movimentos que
desencadearam a Reforma Sanitária Brasileira.

Conforme destaca Moura (2011, p.2) em suas considerações sobre o tema:

O Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM),


formado por trabalhadores integrantes do movimento
sanitário, associações de familiares, sindicalistas, membros de
associações de profissionais e pessoas com longo histórico de
internações psiquiátricas, surge neste ano [1978].

É sobretudo este Movimento que passa a protagonizar e a


construir a partir deste período a denúncia da violência dos
manicômios, da mercantilização da loucura, da hegemonia de
uma rede privada de assistência e a construir coletivamente
uma crítica ao chamado saber psiquiátrico e ao modelo
hospitalocêntrico na assistência às pessoas com transtornos
mentais (MOURA, J.A. História da assistência à saúde mental
no Brasil: da Reforma Psiquiátrica à construção dos
mecanismos de atenção psicossocial. Psicologado, jun,
2011).

Na década seguinte, são realizados inúmeros encontros com o intuito de


discutir propostas de oposição ao padrão hospitalocêntrico, que acabaram por
produzir os pilares centrais das discussões da I Conferência Nacional de Saúde
Mental, em 1987.

No mesmo ano, também acontece em Bauru (SP) o II Congresso Nacional do


MTSM, que teve como característica de maior relevância o fato de possibilitar a
efetivação realmente concreta do Movimento de Luta Antimanicomial.
O momento de conjugação máxima de todo esse processo foi a criação, em
1989, de um projeto de lei, em seguida encaminhado ao Congresso Nacional,
voltado para a determinação dos direitos dos portadores de transtornos
mentais, que propõe claramente a total, mas gradativa e acompanhada,
eliminação dos hospícios no Brasil.

Tal projeto, no entanto, só seria transformado em lei – chamada de Lei Paulo


Delgado – em 2001, mas com importantes alterações.

8 - Análise do Modelo Assistencial de Saúde Mental no Brasil

No Brasil, a chamada segunda fase da Reforma Psiquiátrica se inicia no ano de


1992 e se encontra em processo até os dias atuais, principalmente porque, de
fato, ainda há muito a ser completado e até mesmo conquistado.

A característica mais marcante e relevante desta fase é a elaboração,


desenvolvimento e implantação de uma rede de serviços de atenção extra-
hospitalares.

8.1 – A Segunda Fase da Reforma Psiquiátrica no Brasil

Muito antes de se transformar definitivamente em lei, o projeto de lei Paulo


Delgado teve uma relevância tão grande que foi capaz de imprimir amplo e
renovado andamento ao processo da Reforma Psiquiátrica.

A partir de 1992, sob sua inspiração, os movimentos sociais conquistam a


aprovação dos primeiros instrumentos legais voltados especificamente para a
implantação de uma rede de atenção em saúde mental, organizada
integralmente de forma a permitir a gradativa substituição dos leitos
psiquiátricos.
Embora esses instrumentos legais fossem estaduais (mesmo que de vários
estados) e, assim, não tivessem alcance nacional, esse período acaba marcando
o início de um maior e melhor delineamento para o desenho da política do
Ministério da Saúde na área da saúde mental.

Ao longo dos anos 1990, ocorre a II Conferência Nacional de Saúde Mental e,


ainda nesse período, as primeiras normas federais instituídas para regulamentar
o método de implantação de serviços de atenção diária, bem como para
fiscalizar e classificar os hospitais psiquiátricos, finalmente são oficializadas.

As normas nacionais de regulamentação se pautaram fortemente nas boas


experiências adquiridas com os primeiros Núcleos de Atenção Psicossocial
(NAPS), Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e Hospitais-dia (HDs).

Os Centros de Atenção Diária (CADs) e os Centros de Convivência e Cultura são


outros serviços extra-hospitalares que também ganharam forma a partir do
Movimento de Luta Antimanicomial.

Os NAPS/CAPS são legalmente criados a partir da Portaria GM 224/92 que,


fundamentada nas diretrizes da Lei Orgânica da Saúde, regulamentou o
funcionamento e operação de todos os serviços de saúde mental.

A Portaria define os NAPS/CAPS como “unidades de saúde locais/ regionalizadas


que contam com uma população adscrita definida pelo nível local e que
oferecem atendimento de cuidados intermediários entre o regime ambulatorial
e a internação hospitalar” (BRASIL, 1992).

Ficou ainda determinado pela Portaria que os NAPS/CAPS podem funcionar


como porta de entrada da rede de serviços em saúde mental e que também
têm a função de atender pacientes que tenham sido referenciados de outros
serviços de saúde, de urgência psiquiátrica ou que sejam originados de alta de
internação em hospitais.
Mesmo assim, cabe observar que o principal instrumento legal da Reforma
Psiquiátrica, a Lei Paulo Delgado (número 10.216), só teve sua sanção
efetivada alguns anos depois, em 2001, e ainda por cima com relevantes
alterações.

A referida lei, que “dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas


portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em
saúde mental” (BRASIL, 2001), representa uma preciosa conquista sob diversos
aspectos, especialmente na garantia dos serviços de base comunitária como
eixo central da atenção em saúde mental.

No entanto, não determina explicitamente os mecanismos para a desejada e


buscada eliminação progressiva dos manicômios.

O ano de 2001 ficou ainda marcado pela realização da III Conferência Nacional
de Saúde Mental que, ainda sob o embalo da Lei 10.216, contribuiu para
efetivamente garantir maior evidência e vigor à política nacional de saúde
mental. Sobre isso, Moura (2011, p.4) ressaltou que:

No relatório final da III Conferência, é inequívoco o consenso


em torno das propostas da Reforma Psiquiátrica, e são
pactuados os princípios, diretrizes e estratégias para a
mudança da atenção em saúde mental no Brasil.

Dessa forma, esse evento consolida a Reforma Psiquiátrica


como política de governo, confere aos CAPS o valor estratégico
para a mudança do modelo de assistência, defende a
construção de uma política de saúde mental para os usuários
de álcool e outras drogas, e estabelece o controle social como
a garantia do avanço da Reforma Psiquiátrica no país (MOURA,
J.A. História da assistência à saúde mental no Brasil: da
Reforma Psiquiátrica à construção dos mecanismos de atenção
psicossocial. Psicologado, jun, 2011).

Nos últimos anos, o Ministério da Saúde têm voltado a atenção para propostas
de reorganização da assistência psiquiátrica hospitalar no âmbito do SUS, e o
governo federal tem avançado em ações específicas para a atenção dos
usuários de álcool e drogas.
No cenário atual, mesmo com toda a evolução e com todas as importantes
conquistas, ainda há muito a ser feito e discutido para que se consiga alcançar
efetivamente a garantia de todos os direitos relativos à atenção dos indivíduos
portadores de transtornos mentais.

Referências Bibliográficas

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