Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
4
Capítulo 1 Entendendo a deficiência
A CIF contém uma classificação de fatores ambientais que descreve o mundo no qual pessoas com diferentes níveis de
funcionalidade devem viver e agir. Esses fatores podem ser facilitadores ou grandes barreiras. Os fatores ambientais
incluem: produtos e tecnologias, o ambiente natural e o construído, suporte e relacionamentos, atitudes, e serviços,
sistemas, e políticas públicas.
A CIF também reconhece fatores pessoais, tais como motivação e auto-estima, que podem influenciar o quanto uma
pessoa participa da vida em sociedade. Porém, esses fatores ainda não foram conceitualizados ou classificados. Ela
também distingue entre as capacidades de uma pessoa de desempenhar ações e o desempenho efetivo daquelas ações
na vida real, uma diferença sutil que ajuda a esclarecer o efeito do meio ambiente e como o desempenho poderia ser
melhorado com a modificação do ambiente.
A CIF é universal porque cobre toda a funcionalidade humana e trata a deficiência como um contínuo ao invés de cate-
gorizar as pessoas com deficiência como um grupo separado: a deficiência é uma questão de mais ou menos, e não de
sim ou não. Porém, a elaboração de políticas públicas e a entrega de serviços pode requerer que sejam estabelecidos
limites para a gravidade da incapacidade, limitações para realizar ou restrição à participação em certas atividades.
Ela é útil para uma ampla variedade de finalidades – pesquisa, fiscalização e informação – relacionadas à descrição
e mensuração da saúde e da deficiência, incluindo: avaliar a funcionalidade individual, estabelecimento de metas,
tratamento, e monitoração; mensuração dos resultados finais e avaliação de serviços; determinar a elegibilidade para
receber benefícios da previdência social; e desenvolver pesquisas sobre saúde e deficiência.
5
Relatório Mundial sobre a Deficiência
6
Capítulo 1 Entendendo a deficiência
7
Relatório Mundial sobre a Deficiência
comparecendo à escola pela primeira vez, mais (48, 49). As pessoas que enfrentam problemas de
pessoas com deficiência participando de fóruns saúde mental ou deficiências intelectuais pare-
comunitários, e mais pessoas trazendo seus filhos cem ser mais desprovidas em muitos cenários do
deficientes para vacinação e reabilitação (43). que aquelas que enfrentam deficiências físicas ou
sensoriais (50). As pessoas com deficiências mais
A diversidade da deficiência graves costumam enfrentar desvantagens maio-
res, conforme demonstrado por evidências que
A experiência de deficiências resultante da cobrem das áreas rurais da Guatemala (51) aos
interação de problemas de saúde, fatores pesso- dados sobre emprego da Europa (52). Por outro
ais, e fatores ambientais varia muito. As pessoas lado, a riqueza e o status social podem ajudar
com deficiência são diferentes e heterogêneas, a superar as limitações para realizar, e as res-
enquanto que os pontos de vista estereotipados trições para participar de certas atividades (52).
da deficiência enfatizam os usuários de cadeiras
de rodas e alguns poucos outros grupos “clás- Prevenção
sicos” tais como os cegos e os surdos (44). A
deficiência afeta seja a criança recém-nascida A prevenção dos problemas de saúde associados
com uma condição congênita tal como parali- às deficiências é uma questão de desenvolvi-
sia cerebral, seja o jovem soldado que perde sua mento. A atenção a fatores ambientais – incluindo
perna ao pisar numa mina terrestre, a mulher de nutrição, doenças passíveis de prevenção, água
meia idade que sofre de artrite severa, ou o idoso potável e saneamento, segurança nas estradas e
que sofre de demência, entre muitas outras pes- nos locais de trabalho – podem reduzir enorme-
soas. Os problemas de saúde podem ser visíveis mente a incidência dos problemas de saúde que
ou invisíveis; temporários ou de longo prazo; geram deficiências (53).
estáticos, episódicos, ou em degeneração; dolo- Uma abordagem de saúde pública distingue:
rosos ou inconsequentes. Observem que muitas ■■ Prevenção primária – ações para evitar ou
das pessoas com deficiência não consideram a remover a causa de um problema de saúde
si mesmas enfermas (45). Por exemplo, 40% das em um indivíduo ou uma população antes
pessoas com alguma deficiência grave ou pro- do seu surgimento. Ela inclui a promoção
funda e que responderam à Pesquisa Nacional de da saúde e proteção específica (por exemplo,
Saúde da Austrália 2007–2008 classificaram sua educação sobre o HIV) (54).
saúde como boa, muito boa, ou excelente (46). ■■ Prevenção secundária – ações para detectar
As generalizações sobre as “incapacidades” um problema de saúde em um estágio inicial
ou sobre as “pessoas com deficiência” podem em um indivíduo ou uma população, facili-
enganar. As pessoas com deficiência possuem tando a cura, ou reduzindo ou prevenindo
diversos fatores pessoais com diferenças em sua difusão, reduzindo ou prevenindo
termos de gênero, idade, status sócio-econô- seus efeitos de longo prazo (por exemplo,
mico, sexualidade, etnia, ou herança cultural. apoiando as mulheres com deficiência inte-
Cada uma delas tem suas preferências e respos- lectual para que tenham acesso a exames de
tas pessoais para lidar com a deficiência (47). câncer de mama) (55).
Embora a deficiência seja associada a privações, ■■ Prevenção terciária – ações para reduzir o
nem todas as pessoas com deficiência são igual- impacto de uma doença já estabelecida res-
mente desprovidas. Mulheres com deficiências taurando-se a função e reduzindo as com-
enfrentam, além da deficiência, as desvantagens plicações associadas à doença (por exemplo,
associadas ao sexo, e podem ter menores chan- reabilitação para crianças com músculo-
ces de se casar do que mulheres não-deficientes -esquelética) (56).
8
Capítulo 1 Entendendo a deficiência
9
Relatório Mundial sobre a Deficiência
10
Capítulo 1 Entendendo a deficiência
A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) declara que as pessoas com
deficiência têm o mesmo direito à proteção social. As redes de segurança são um tipo de intervenção para prover
proteção social direcionada à vulnerabilidade e a pobreza.
Muitos países oferecem redes de segurança para pessoas com deficiência mais pobres e suas famílias, seja através de
programas específicos direcionados para pessoas com deficiência, ou mais comumente através de programas gerais
de assistência social.
Embora faltem evidências sistemáticas, as evidências casuais sugerem que as pessoas com deficiência podem enfrentar
barreiras para acessar as redes de segurança quando, por exemplo, as informações são inadequadas ou inacessíveis, as
agências de bem-estar social são fisicamente inacessíveis, ou as características de desenho dos programas não levam em
consideração as necessidades específicas das pessoas com deficiência. Assim, medidas especiais podem ser necessárias
para garantir que as redes de segurança incluam as pessoas com deficiência. Por exemplo:
■■ As informações sobre os programas devem ser acessíveis e alcançar os destinatários pretendidos. Isso pode exigir
campanhas direcionadas;
■■ os representantes designados pelas pessoas com deficiência devem ter permissão para realizar muitas das transações
necessárias para acessar os programas;
■■ as agências de bem-estar social, assim como o sistema de transporte, precisam ser acessíveis;
■■ os critérios de elegibilidade dos programas talvez precisem incluir especificamente os deficientes;
■■ os mecanismos de teste dos meios talvez precisem levar em consideração os custos extras da deficiência;
■■ as transferências em dinheiro poderiam prover pagamentos superiores aos beneficiários com deficiências para
ajudar com os custos extras de se viver com uma deficiência;
■■ as transferências condicionais em dinheiro talvez precisem ser ajustadas às circunstâncias específicas das crianças
com deficiência;
■■ os programas ocupacionais podem introduzir cotas e serem sensíveis à deficiência;
■■ as medidas de convocação para o trabalho devem ser sensíveis à deficiência.
Alguns países, tais como Albânia, Bangladesh, Brasil, China, Romênia, e a Federação Russa também possuem programas
específicos direcionados para as pessoas com deficiência. O desenho desses programas varia muito. Em alguns casos
eles cobrem todas as pessoas com deficiência, em outros casos as pessoas são testados segundo os meios disponíveis,
ou os programas são direcionados as crianças com deficiência.
A administração dos benefícios para pessoas com deficiência requer uma avaliação da deficiência. Muitos processos
formais de avaliação ainda usam predominantemente critérios médicos, embora tenha havido uma mudança para a
adoção de uma abordagem mais ampla para a avaliação focando o funcionamento e usando o modelo da Classificação
Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. Mais pesquisas são necessárias para compreendermos melhor
o que funciona com relação à avaliação da deficiência e para identificar as boas práticas.
Os indícios sobre o impacto das redes de segurança sobre as pessoas com deficiência são limitados. Embora elas possam
melhorar a saúde e o status econômico, está menos claro se o acesso à educação também melhora sua condição. Para que
as redes de segurança sejam eficazes em proteger pessoas com deficiência, muitos outros programas públicos precisam ser
implementados, tais como saúde, reabilitação, educação e treinamento e acesso ambiental. Mais pesquisas são necessárias
para compreendermos melhor o que funciona ao provermos redes de segurança para pessoas com deficiência e suas famílias.
Fonte (89, 90).
11
Relatório Mundial sobre a Deficiência
85–87). A pobreza pode aumentar a probabili- como liberdade” (91), promovendo a compreen-
dade de que uma pessoa com um problema de são de que a pobreza das pessoas com deficiên-
saúde já existente se torne deficiente, por exem- cia – e de outros povos excluídos – compreende
plo, devido a um ambiente sem acessibilidade ou a exclusão social e a perda de poder, e não
à falta de acesso aos devidos serviços de saúde e apenas a falta de recursos materiais. Ela enfatiza
reabilitação (88) (ver Quadro 1.3). a diversidade das aspirações e escolhas que as
A abordagem de habilidades de Amartya diferentes pessoas com deficiência podem pos-
Sen (91,92) oferece uma base teórica útil para suir nas diferentes culturas (95). Ela também
compreender o desenvolvimento, o que pode soluciona o paradoxo que muitas pessoas com
ser particularmente valioso para o campo dos deficiência expressam, de que possuem uma
direitos humanos entre pessoas com deficiência boa qualidade de vida (96), talvez porque elas
(93) e é compatível tanto com o CIF (94) quanto tenham sido bem sucedidas em se adaptar à sua
com o modelo social de deficiência (76). Ele vai situação. Como Sen tem dito, isso não significa
além das tradicionais medidas econômicas tais que não seja necessário pensar no que pode ser
como PIB, ou conceitos de utilidade, para enfa- objetivamente avaliado, como suas necessida-
tizar os direitos humanos e o “desenvolvimento des não atendidas.
12
Capítulo 1 Entendendo a deficiência
A abordagem das habilidades também ajuda de lidar com a deficiência em todos os programas
a compreender as obrigações que os estados têm e não como uma questão temática individual.
para com os indivíduos para garantir que eles Além disso, seu Artigo 32 é o único artigo de um
prosperem, desenvolvam atividades pessoais, tratado internacional sobre direitos humanos a
e realizem seu potencial como seres humanos promover medidas para a cooperação interna-
(97). A CDPD especifica essas obrigações para cional que incluam as pessoas com deficiência e
com as pessoas com deficiência, enfatizando o sejam acessíveis a elas.
desenvolvimento e as medidas para promover a Apesar da inter-relação amplamente reco-
participação e o bem-estar das pessoas com defi- nhecida entre deficiência e pobreza, os esforços
ciência no mundo todo. Enfatiza a necessidade para promover o desenvolvimento e a redução
13
Relatório Mundial sobre a Deficiência
da pobreza nem sempre incluíram adequada- Este relatório mundial sobre a deficiência
mente as deficiências (76, 98–100). A deficiência fornece um guia para melhorar a saúde e o bem-
não é citada explicitamente nos oito Objetivos -estar das pessoas com deficiência. Ele procura
de Desenvolvimento do Milênio (MDGs), ou prover conceitos claros e as melhores evidências
nas 21 metas, ou nos 60 indicadores para reali- disponíveis para apontar as lacunas do conheci-
zar os objetivos (ver Quadro 1.4). mento e enfatizar a necessidade de mais pesqui-
As pessoas com deficiência podem se bene- sas e políticas públicas. As histórias de sucesso
ficiar dos projetos de desenvolvimento; os exem- são relembradas, assim como as histórias de fra-
plos deste Relatório mostram que a situação das casso e rejeição. O objetivo último do Relatório
pessoas com deficiência nos países de baixa renda e do CDPD é permitir que todas as pessoas
pode ser melhorada. Mas a deficiência precisa com deficiência desfrute das mesmas escolhas e
ter maior prioridade, as iniciativas bem sucedi- oportunidades na vida atualmente apenas dis-
das precisam ser aprofundadas, e é necessária poníveis para uma minoria, minimizando os
uma resposta mais coerente. Além disso, pes- impactos adversos da deficiência, e eliminando
soas com deficiência precisam ser incluídas nos a discriminação e o preconceito.
esforços de desenvolvimento, tanto como bene- As habilidades das pessoas dependem das
ficiárias quanto na elaboração, implementação, condições externas, que podem ser modificadas
e monitoração das intervenções (104). Apesar do pela ação governamental. Em linha com a CDPD,
papel da CBR (ver Quadro 1.5), e muitas outras este Relatório mostra como as habilidades das
iniciativas promissoras de diferentes países ou pessoas com deficiência podem ser expandidas,
das ONGs nacionais e internacionais, a remoção seu bem-estar, capacidade de agir, e liberdade
sistemática de barreiras e o desenvolvimento podem ser melhorados, e seus direitos humanos
social não têm ocorrido, e a deficiência ainda podem se tornar uma realidade.
costuma ser considerada como um componente
médico do desenvolvimento (104).
Referências
1. Zola IK. Toward the necessary universalizing of a disability policy. The Milbank Quarterly, 1989,67:Suppl 2 Pt 2401-428.
doi:10.2307/3350151 PMID:2534158
2. FergusonPM. Mapping the family: disability studies and the exploration of parental response to disability. In:AlbrechtG,
Seelman KD, Bury M, eds. Handbook of Disability Studies. Thousand Oaks, Sage, 2001:373–395.
3. Mishra AK, Gupta R. Disability index: a measure of deprivation among the disabled. Economic and Political Weekly,
2006,41:4026-4029.
4. Lee R. The demographic transition: three centuries of fundamental change. The Journal of Economic Perspectives,
2003,17:167-190. doi:10.1257/089533003772034943
5. Campbell J, Oliver M. Disability politics: understanding our past, changing our future. London, Routledge, 1996.
6. CharltonJ. Nothing about us without us: disability,oppression and empowerment. Berkeley, University of California Press,
1998
7. QuinnG,DegenerT. A survey of international, comparative and regional disability law reform. In: Breslin ML, YeeS, eds.
Disability rights law and policy – international and national perspectives. Ardsley, Transnational, 2002a.
8. Parmenter TR. The present, past and future of the study of intellectual disability: challenges in developing countries. Salud
Pública de México, 2008,50:Suppl 2s124-s131. PMID:18470339
9. Standard rules on the equalization of opportunities of persons with disabilities, New York, United Nations, 2003.
10. Driedger D. The last civil rights movement. London, Hurst, 1989.
11. Barnes C. Disabled people in Britain and discrimination. London, Hurst, 1991.
12. McConachie H et al. Participation of disabled children: how should it be characterised and measured? Disability and
Rehabilitation, 2006,28:1157-1164. doi:10.1080/09638280500534507 PMID:16966237
13. Oliver M. The politics of disablement. Basingstoke, Macmillan and St Martin’s Press, 1990.
14. Thomas C. Female forms: experiencing and understanding disability. Buckingham, Open University Press, 1999.
15. Shakespeare T. Disability rights and wrongs. London, Routledge, 2006.
14