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Ajudas públicas e protecção

dos agricultores: Falsos


problemas e verdadeiros
desafios
Samir Amin e Bernard Founou-
Tchuigoua(1)
12 de julho de 2003

Primeira Edição: Documento preparatório apresentado aquando da Conferência da


Organização Mundial Comércio, em Cancum, Setembro de 2003
Fonte: http://resistir.info
Tradução: ASB - O original encontra-se
em http://www.penserpouragir.org/article.php3?id_article=62
HTML: Fernando Araújo.

O presente documento constitui uma nota de síntese à


atenção dos responsáveis da sociedade civil que acompanham
os debates da OMC, especialmente os relativos à agricultura,
bem como dos funcionários dos países do Sul responsáveis pela
condução dessas negociações. Nele mostraremos:

• que a análise dos verdadeiros desafios com que se


defrontam as sociedades do Sul, assim como o futuro das
suas sociedades rurais, que reúnem mais de metade da
humanidade, ou seja cerca de três mil milhões de seres
humanos, estão excluídos das preocupações da OMC;
• que em contrapartida as questões inscritas na ordem
do dia da OMC foram escolhidas e formuladas para servir
o objectivo de abertura dos mercados do Sul às
exportações agrícolas excedentárias do Norte;
• que o diferendo que opõe os Estados Unidos e a União
Europeia tem como pano de fundo esse objectivo comum
aos países do Norte;
• que as questões retidas pela OMC que parecem ser
de alguma importância para este ou aquele grupo de países
do Sul não passam, na realidade, de problemas
secundários;
• e, por último, que o método que permitiu essa
"selecção" dos problemas, o qual é apresentado envolvido
num discurso com pretensões "científicas", na realidade
não tem qualquer fundamento lógico.

Como contraponto, indicaremos os princípios de uma


estratégia alternativa, à altura dos verdadeiros desafios, que
os países do Sul deveriam adoptar tanto nas suas
"negociações" na OMC como noutras instâncias, contribuindo
assim para a construção de "outra mundialização" que
responda às expectativas dos povos.

O VERDADEIRO DESAFIO: O FUTURO DAS


SOCIEDADES RURAIS DO SUL

Para começar, recorde-se o que designamos pela "nova


questão agrária" com que o mundo contemporâneo se
confronta.

A agricultura capitalista, dirigida pelo princípio da


rentabilidade do capital e localizada quase exclusivamente na
América do Norte, na Europa, no cone sul da América Latina e
na Austrália, emprega apenas algumas dezenas de milhões de
agricultores, que já não são verdadeiramente "camponeses".
Porém, devido à mecanização, de que têm a quase
exclusividade à escala mundial, e à superfície de que cada um
dispõe, a sua produtividade situa-se entre 10 000 e 20 000
quintais de equivalente-cereais por trabalhador e por ano.

Em contrapartida, as agriculturas camponesas reúnem


cerca de metade da humanidade (três mil milhões de seres
humanos). Pelo seu lado, estas agriculturas dividem-se entre
as que, embora muito pouco mecanizadas, beneficiaram da
revolução verde — adubos, pesticidas e sementes
seleccionadas — e cuja produção se situa entre 100 e 500
quintais por trabalhador, e as que são anteriores a essa
revolução e cuja produção se situa apenas em cerca de 10
quintais por pessoa activa.
Em comparação com o que era há meio século, o desvio
entre a produtividade da agricultura melhor equipada e a da
agricultura camponesa pobre tornou-se extraordinariamente
grande. Por outras palavras, os ritmos de evolução da
produtividade na agricultura ultrapassaram amplamente os das
outras actividades, provocando uma redução dos preços
relativos de 5 para 1.

Nestas condições de gigantesca desigualdade entre as


empresas capitalistas agrícolas e a produção camponesa, quais
serão as consequências inevitáveis se se "integrar a
agricultura" no conjunto das regras gerais da "concorrência",
equiparando os produtos agrícolas e alimentares a
"mercadorias como as outras", como passou a ser exigido pela
Organização Mundial do Comércio desde a conferência de Doha
de Novembro de 2001?

Se lhes fosse permitido o acesso às superfícies significativas


de terras de que necessitariam (retirando-o às economias
camponesas e escolhendo evidentemente os melhores solos) e
se tivessem acesso aos mercados de capitais de forma a
poderem equipar-se, cerca de duas dezenas de milhões de
explorações agrícolas modernas suplementares poderiam
produzir o essencial do que os consumidores urbanos solventes
ainda compram à produção camponesa. Mas o que aconteceria
aos milhares de milhões desses produtores camponeses não
competitivos? Seriam inexoravelmente eliminados no curto
prazo histórico de algumas dezenas de anos. Que acontecerá a
esses milhares de milhões de seres humanos, na sua maior
parte já pobres entre os pobres, mas que, bem ou mal, ainda
se alimentam a si mesmos (mal para um terço deles, pois três
quartos das pessoas subalimentadas do mundo são
camponeses)? Numa perspectiva de cinquenta anos, mesmo
na hipótese fantasista de um crescimento contínuo de 7 % por
ano para três quartos da humanidade, nenhum
desenvolvimento industrial mais ou menos competitivo poderia
absorver sequer um terço dessa reserva.

Então que fazer?

É necessário aceitar a manutenção de uma agricultura


camponesa para todo o futuro previsível do século XXI. Não
por razões de nostalgia romântica do passado, mas muito
simplesmente porque a solução do problema passa pela
superação das lógicas do liberalismo. Por conseguinte, é
necessário imaginar políticas de regulamentação das relações
entre o "mercado" e a agricultura camponesa. Ao nível nacional
e regional, tais regulamentações, específicas e adaptadas às
condições locais, devem proteger a produção nacional,
garantindo assim a indispensável segurança alimentar das
nações e neutralizando a arma alimentar (por outras palavras,
é preciso desligar os preços internos dos preços do chamado
mercado mundial), devendo também permitir, através de uma
progressão sem dúvida lenta mas contínua da produtividade da
agricultura camponesa, o controlo da transferência de
populações dos campos para as cidades. Ao nível do que se
chama o mercado mundial, a regulamentação desejável passa
provavelmente por acordos inter-regionais, por exemplo entre
a Europa e a África, o Mundo Árabe, a China e a Índia,
atendendo às exigências de um desenvolvimento que integre
em vez de excluir.

Estas questões fundamentais encontram-se excluídas do


debate da OMC, deslocado integralmente apenas para as
questões das ajudas à agricultura e dos seus efeitos sobre as
condições de uma pretensa "concorrência leal" ("fair
competition") nos mercados mundiais de produtos agrícolas.

O objectivo declarado da OMC é a abertura dos mercados


do Sul às exportações agrícolas do Norte. Ora, as vantagens
absolutas de que beneficiam as agriculturas do Norte (que se
traduzem em termos de gigantescas diferenças de
produtividade) já são tais que, independentemente de
quaisquer ajudas suplementares às exportações, essa abertura
não poderá deixar de agravar de forma drástica os problemas
das populações camponesas em questão, em vez de lhes trazer
no mínimo um princípio de solução. Como contrapartida, a OMC
promete a abertura dos mercados do Norte às exportações
agrícolas do Sul: mesmo que isto se verificasse, o que é de
duvidar, as vantagens que daí poderiam advir não têm
comparação com as devastações causadas em sentido oposto.

A OMC pretende que a opção que faz de se ocupar apenas


das regras do comércio internacional, centrando as
negociações nos subsídios que, segundo ela, teriam um
impacto sobre essas regras, corresponde à sua vocação
explícita, que é tratar do comércio excluindo outros problemas,
como o problema do desenvolvimento. Tal pretensão não é
sustentável. A abertura descontrolada do comércio externo
altera os sistemas produtivos, especialmente os dos parceiros
fracos, e destrói o seu direito ao desenvolvimento e a sua
protecção necessária. Além disso, neste caso, a OMC pratica
uma lógica de "dois pesos e duas medidas", pois ao mesmo
tempo que aceita a legitimidade das políticas dos países
desenvolvidos, introduzindo, como se verá, distinções
artificiais entre os diferentes segmentos dessas políticas,
recusa esse direito aos outros países.

AS AJUDAS À AGRICULTURA NO MUNDO


CONTEMPORÂNEO REAL

As medidas de ajuda à produção agrícola e aos rendimentos


dos agricultores constituem um conjunto aparentemente de
uma extrema complexidade, regido por uma autêntica selva de
textos em que o leigo pode estar certo de se perder. Mas não
deixa de ser um facto que tais conjuntos de medidas —
"nacionais", no caso dos Estados Unidos, do Canadá, do Japão
ou de outros, ou "comunitários", no caso da União Europeia —
constituem políticas relativamente coerentes, ou seja, meios
eficazes para atingir os objectivos que se propõem, não sem
que aqui ou ali o acaso da história e os conflitos de interesses
específicos tenham podido traduzir-se em incoerências
parciais. Pode-se certamente julgar essas políticas, os seus
objectivos, de pontos de vista diferentes, defendê-las ou
criticá-las, mas elas existem. Também se pode discutir a
eficácia dos meios postos em acção para servir esses
objectivos. Mas isso só pode ser feito de forma séria se nos
colocarmos no terreno da economia real, e não no da economia
"liberal" abstracta.

De acordo com a OMC, em 1995 o volume global das


despesas públicas "agrícolas" contabilizadas ascendia a 286 mil
milhões de dólares. Sabe-se também que pelo menos 90 %
dessas despesas são efectuados só pelos países do centro do
sistema mundial, os países da "tríade", Estados Unidos e
Canadá, União Europeia, Japão.
Para os países ricos (por exemplo, para os países membros
da OCDE), esse montante pode parecer considerável. É-o sem
dúvida, de certa maneira, ou seja, se relacionado com o
número de agricultores que dele beneficiam (volume da ajuda
média por exploração agrícola) ou com outros critérios de
medida (ajuda média por hectare cultivado, por tonelada de
cereais ou de carne produzida, etc.). É-o igualmente se
relacionado com o valor das produções específicas visadas ou
mesmo com o valor da produção agrícola no seu conjunto, ou
se relacionado com os rendimentos dos agricultores
beneficiários ou mesmo com os rendimentos dos agricultores
tomados no seu conjunto.

A OMC "classifica" as despesas públicas agrícolas em quatro


tipos, a que chama categorias vermelha, cor de laranja, azul e
verde. O critério desta classificação seria o grau de influência
dessas despesas sobre as produções e sobretudo sobre os
"preços" dos produtos agrícolas (preços de produção, preços
de venda pelos agricultores, preços no consumidor). A OMC
coloca nas categorias vermelha e cor de laranja as despesas
que considera terem impacto nos preços em questão e coloca
nas categorias azul e verde as que o não teriam, de acordo com
os seus critérios. Ao todo, as categorias vermelha e cor de
laranja abrangeriam 124 mil milhões de dólares e as categorias
azul e verde 162 mil milhões de dólares.

Essa classificação é de suma importância, uma vez que as


chamadas medidas de "liberalização" da agricultura,
destinadas a tratar as produções agrícolas como produções
mercantis correntes, apenas se referem às despesas das duas
primeiras categorias, que se considera que devem ser
progressivamente reduzidas segundo um calendário a fixar
pelas negociações da OMC. Por conseguinte, os Estados
continuarão a ser livres de manter, ou mesmo de aumentar, o
volume das suas despesas classificadas nas categorias azul ou
verde, o que de resto já é um facto consumado de há uma
década a esta parte.

Ora, a divisão das despesas em questão entre os dois pares


de categorias opõe indiscutivelmente os Estados Unidos à
União Europeia, Canadá e Japão. Nas categorias vermelha e
cor de laranja situam-se apenas 12% das despesas públicas
dos Estados Unidos que afectam a agricultura, contra 55, 48 e
54 % para a União Europeia, Canadá e Japão,
respectivamente. Por outras palavras, na perspectiva da
liberalização preconizada pela OMC, o esforço essencial deveria
ser feito pela Europa, Japão e Canadá, e não pelos Estados
Unidos.

As próprias definições escolhidas para servirem de base à


classificação foram o resultado de longas "negociações"
conduzidas no âmbito quase secreto da Câmara Internacional
de Comércio (o clube das transnacionais) e de trocas de
opiniões entre a União Europeia e os Estados Unidos que são
muito pouco conhecidas fora do círculo restrito dos funcionários
que nelas participaram. Mas independentemente da densa
opacidade que portanto rodeia essa "classificação", continua a
colocar-se uma questão importante: por que motivo alinharam
os Europeus num "método" que à partida os colocava em
posição de inferioridade em relação ao seu principal parceiro-
concorrente, os Estados Unidos? Pela parte que me toca, a
única explicação que encontro para esse mistério é aquela que
atribuiria a máxima importância à dimensão política das
exigências do "imperialismo colectivo da tríade".

Em todo o caso, o conflito entre os Estados Unidos e a União


Europeia, que ocupa o lugar essencial das discussões da OMC,
não deveria interessar verdadeiramente o Sul: que a abertura
dos seus mercados se faça em benefício principal quer de um
quer de outro dos dois parceiros em questão não altera o efeito
devastador para as economias camponesas do Sul.

O critério em que se fundamenta a classificação da OMC é


insustentável. De facto, tal como escreve Jacques Berthelot
em L'agriculture, talon d'Achille de la mondialisation (A
agricultura, calcanhar de Aquiles da mundialização), as quatro
categorias constituem uma só categoria, chamada a justo título
de categoria "negra", pois só o exame do conjunto de todas as
despesas, colocadas artificialmente numa ou noutra das quatro
categorias da OMC, permite compreender a lógica da política
agrícola prosseguida, os seus objectivos, os interesses que
serve, os seus meios. A sua repartição por "espécies"
pretensamente diferentes é o fruto das pseudo-análises
bizantinas próprias precisamente da economia pura abstracta,
que não têm mais valor que as relativas ao “sexo dos anjos”
ou à “cor do logaritmo”.

Com efeito, todas as despesas têm um impacto evidente


sobre a produção, sobre o seu volume e a sua eficácia, e
portanto sobre os preços. De resto, o seu objectivo é tê-lo, e
têm-no.

Alguns exemplos de despesas classificadas na categoria


verde ilustram perfeitamente esse facto.

A ajuda alimentar às pessoas carenciadas, que é


extremamente importante nos Estados Unidos, representando
mais de 20 mil milhões de dólares, e sem a qual 10 % da
população deste país estaria condenada à fome, cria um
mercado suplementar à produção agrícola, pois sem ela a
procura das pessoas carenciadas tornar-se-ia insolvente. Essa
produção suplementar e os preços a que o Estado a compra
aos agricultores têm obviamente um impacto directo na
agricultura em questão. Pode-se defender a concessão dessa
ajuda — ou, por exemplo, a distribuição gratuita de leite às
crianças das escolas — com os argumentos da solidariedade
social, e mesmo da melhor eficácia económica a prazo de
trabalhadores em bom estado de saúde, mas não se pode
pretender que essa forma de despesa pública não tenha efeitos
sobre a produção e sobre os preços.

Certos subsídios, igualmente classificados na categoria


verde ou na categoria azul, têm por objectivo declarado limitar
a produção, isto é, reduzir a sobreprodução, como é o caso das
compensações pela não exploração de superfícies aráveis
próprias. Outros visam absorver essa sobreprodução, pela
constituição de existências privadas ou públicas compradas a
preços fixos. Tanto uns como outros têm impacto nas
produções e nos preços.

As ajudas aparentemente menos "associadas" às produções


e preços sê-lo-ão realmente? Estamos a pensar nos subsídios
aos agricultores que se destinam a aumentar o nível dos seus
rendimentos, por exemplo para o alinhar pelo dos
trabalhadores urbanos assalariados e das classes médias, e
que são concedidos indirectamente, através de deduções nos
impostos sobre os rendimentos, ou mesmo directamente. As
equações do equilíbrio geral a que os nossos economistas
convencionais se referem constantemente mostram a
determinação conjunta do sistema de distribuição dos
rendimentos e do sistema dos preços relativos, uma vez que
de facto uma redistribuição do rendimento altera a estrutura
da procura. Por conseguinte, a lógica da economia
convencional conduz à conclusão de que as intervenções têm
efectivamente um impacto sobre os preços!

Por conseguinte, os conceitos de "associação" e


"dissociação", que definiriam as diferentes formas de despesas
públicas em questão, por um lado, e as produções e os preços,
por outro, não assentam em nenhuma base sólida, sendo mais
uma criação alquímica da "economia pura" e servindo na
realidade de argumento de circunstância manipulável num
sentido ou noutro, consoante se procura ou não legitimar este
ou aquele objectivo de política económica.

NATUREZA E ALCANCE DAS POLÍTICAS


AGRÍCOLAS DOS PAÍSES DO NORTE

A natureza e o alcance das políticas agrícolas dos países do


Norte, e em especial dos Estados Unidos e da União Europeia,
são abordados pela OMC no estrito quadro definido pelo
impacto que as ajudas às despesas públicas afectadas à
agricultura teriam sobre o comércio mundial dos produtos
agrícolas.

De facto, essas políticas têm uma amplitude


completamente diversa, constituindo o meio pelo qual o Norte
construiu na agricultura, à semelhança do que fez nas outras
actividades económicas, as suas vantagens absolutas sobre os
seus eventuais concorrentes do Sul.

Portanto, neste domínio como nos outros, as vantagens do


Norte são estruturais. Além disso, o próprio sucesso das
políticas agrícolas levadas a cabo na Europa, nomeadamente a
PAC, e nos Estados Unidos está na origem das capacidades
produtivas dos países em questão, que ultrapassam
amplamente o que os seus mercados internos podem absorver.
Em consequência, a União Europeia e os Estados Unidos
tornaram-se actualmente exportadores agressivos das suas
sobreproduções. A vontade de "abrir" os mercados do Sul às
suas exportações agrícolas e alimentares, de que a OMC é o
instrumento, deriva desse objectivo.

É pois neste contexto que devem ser analisados os meios


de um autêntico "dumping" suplementar, que se vêm somar às
vantagens estruturais da agricultura do Norte.

Tais meios são diversos, umas vezes mais visíveis e outras


vezes menos. Contam-se, nomeadamente, entre os primeiros
os subsídios directos às exportações e, entre os segundos, a
liquidação nos mercados internacionais das existências
privadas e públicas constituídas para absorver os excedentes
de produção, a preços marginais discutíveis, mas que se
pretende definir como "preços verdadeiros", os preços do
chamado "mercado mundial".

Pode também tratar-se de meios não declarados, contudo


bem reais, como é o caso da "ajuda alimentar",
frequentemente disfarçada em operações ditas "humanitárias",
a qual contribui para enfraquecer as capacidades da agricultura
local para fazer face aos défices.

Pode-se discutir a “sabedoria” duvidosa da referida opção


dos Estados Unidos e da União Europeia, que os dispensa de
programar as revisões necessárias das suas políticas agrícolas
de modo a deixarem de "sobreproduzir" de forma permanente.
De resto, essa crítica é feita por muitos, mesmo no Norte.

Seja como for, no presente caso, os países do Sul têm o


direito, que dificilmente lhes será negado, de reagir através de
medidas de protecção, mesmo brutais (aumento maciço dos
direitos de entrada, ou inclusivamente contingentação), a
agressões que não são menos brutais. Neste contexto, o caso
do algodão é sem dúvida exemplar.

Poderão esses países, em determinados casos, como o do


défice alimentar estrutural, congratular-se com o dumping do
Norte, que lhes permite cobrir esse défice a baixo custo? Aqui
o perigo reside em que a "facilidade" de que se tira partido
ameaça atrasar irremediavelmente os esforços de correcção
necessários que se impõem no domínio das políticas agrícolas
nacionais.

As políticas agrícolas em conflito — as do Norte tais como


se apresentam e as que o Sul poderia desenvolver (o que a
grande maioria dos países em questão não faz ou faz muito
pouco) — comportam inúmeras vertentes além das que se
incluem nas rubricas "preços (ditos) do mercado mundial",
"pautas aduaneiras" e "subsídios directos à exportação".

Quanto à rubrica dos "preços mundiais", tem sido


recordado com tanta frequência que esses "preços" nada têm
de "preços verdadeiros" que nem valeria a pena voltar a repeti-
lo aqui. Muito pelo contrário, trata-se de preços marginais por
excelência, entre outros motivos porque o comércio mundial
dos produtos agrícolas e alimentares apenas incide sobre uma
pequena fracção das produções (aproximadamente 10 %) e
porque, em consequência, o impacto do conjunto das políticas
agrícolas imprime a esses "preços" o carácter de preços à
margem, não representativos dos custos reais. São produto de
situações circunstanciais variáveis, o que é comprovado pela
sua extrema volatilidade. Mais uma vez, a qualificação de
"preços verdadeiros", com que os liberais e a OMC ornamentam
esses preços, não se baseia realmente em nenhuma análise
científica, permitindo todas as manipulações políticas que se
queiram fazer.

Mas devem ser tidas em conta outras vertentes das


políticas agressivas do Norte. O supermonopólio que as
empresas capitalistas agrícolas se propõem reforçar em seu
proveito a pretexto da "protecção da propriedade intelectual e
industrial", impondo sementes seleccionadas fabricadas pelas
firmas deste sector, deve ser rejeitado activamente em bloco
sobretudo pelos países do Sul. De resto, essa questão constitui
apenas uma das muitas facetas do grande problema da
ecologia e do ambiente. As práticas defendidas pelos liberais
neste domínio vão da pilhagem pura e simples dos
conhecimentos seculares acumulados pelos camponeses do
Sul, à destruição da biodiversidade e ao apoio a opções cujos
perigos a prazo podem ser gigantescos (os OGM, por
exemplo).
Sejamos claros: os Americanos, os Europeus e os outros
têm perfeitamente o direito de elaborar as políticas nacionais
ou comunitárias que desejarem, têm o direito de proteger as
suas indústrias e a sua agricultura, têm o direito de instaurar
os sistemas de redistribuição dos rendimentos que
considerarem ajustados às suas exigências de solidariedade
social. É certo que, nesse espírito, o debate e as lutas políticas
das suas sociedades visam ou poderão visar construções
políticas eventualmente diferentes. Isso está implícito no
elementar conceito de democracia.

Reclamar o desmantelamento dessas políticas em nome de


um liberalismo mítico que nunca existiu nem existirá não tem
rigorosamente qualquer sentido. Vai-se exigir que os países
avançados se ajustem por baixo, sobre níveis de educação, de
formação e de capacidade de investigação e de inovação menos
avançados? Sob pretexto de que a sua vantagem nesses
domínios lhes dá vantagens no comércio mundial?

Apesar de ser a que nos é "recomendada" pelo Banco


Mundial e por outros, provavelmente precisamente por ser
ineficaz, a estratégia dominante, infelizmente escolhida pelos
governos do Sul, de exigir que o Norte "jogue o jogo do
liberalismo", não tem sentido, pois o "verdadeiro liberalismo"
nunca existiu, a não ser como abstracção.

COMPETITIVIDADE DAS EMPRESAS OU


COMPETITIVIDADE DAS NAÇÕES?

REABILITAR O DIREITO À PROTECÇÃO E ÀS


POLÍTICAS NACIONAIS OU REGIONAIS.

O discurso liberal entende por competitividade


exclusivamente a das empresas, quer se trate de explorações
agrícolas, de firmas industriais e comerciais ou de empresas de
serviços, ou quando muito a competitividade dos diferentes
ramos da economia (agricultura cerealífera, indústria
automóvel, etc.), mas ignora o único conceito de
competitividade autêntico, o das Nações (dos seus sistemas
produtivos), a qual determina amplamente (embora não
integralmente) a dos ramos e das empresas. Por conseguinte,
a montante das diferenças de competitividade das empresas
deste ou daquele ramo de actividade, temos as que
diferenciam as Nações. Por ser estática nos seus fundamentos,
a chamada teoria das vantagens comparativas em matéria de
comércio internacional ignora a dinâmica das transformações
que afectam a competitividade das Nações e portanto a sua
posição na hierarquia do sistema mundial.

Ora, a competitividade desigual das Nações é precisamente


o produto dessas "despesas públicas" de todos os tipos que dão
forma ao quadro em que operam os produtores (infra-
estruturas, qualidade da formação, capacidades de inovação
técnica, etc.) assim como o quadro que associa os sistemas de
produção e os sistemas de distribuição dos rendimentos e a
sua redistribuição, sabendo-se que essas duas dimensões do
mundo realmente existente são inseparáveis da mesma forma
que o são a economia e a política (sendo esta entendida como
o conjunto das relações de força entre os diferentes parceiros
sociais e as lutas conduzidas para as transformar).

Examinou-se acima a importância das despesas públicas


relativas à agricultura dos países do Norte. É contudo útil
recordar também que o volume global dessas despesas
públicas parece muito menos considerável se comparado com
as efectuadas noutros domínios. Por exemplo, só por si as
despesas militares directas representam mais do dobro das
ajudas à agricultura, tendo ultrapassado os 600 mil milhões de
dólares (dos quais quase metade cabem aos Estados Unidos),
a que é preciso acrescentar as gigantescas ajudas de que
beneficiam as indústrias de armamento em causa e
indirectamente certas produções civis (em especial
aeronáutica, espacial e informática). São ainda mais
impressionantes os volumes das despesas públicas afectadas
ao conjunto das infra-estruturas com impacto nas condições e
na eficácia da produção em todos os seus segmentos. O mesmo
se passa para os afectados às chamadas despesas sociais
(educação e formação, investigação, saúde, segurança social),
que condicionam em muito grande escala a "competitividade
das Nações".

Em suma, é bem conhecido que o conjunto das despesas


públicas representa hoje em dia uma proporção muito forte do
PIB dos países capitalistas desenvolvidos — não menos de
40 %. Este facto reduz a zero a credibilidade do discurso liberal
baseado numa imaginária economia "sem Estado" ou quase!

É nesse sentido que não há "preços verdadeiros" e outros


que o não seriam: todos os "preços" são reais, traduzem uma
realidade na qual a reprodução económica e a reprodução
social são inseparáveis.

Por sua vez, a competitividade desigual dos sistemas


nacionais (ou no máximo dos sistemas regionais, quando estes
atingem um importante nível de realidade) determina as
relações internacionais e a estrutura da mundialização. Porque
todas as Nações nela participam, não havendo nenhum país
que, na época actual, e já há bastante tempo, esteja "fora da
mundialização", se bem que nem todos beneficiem das
vantagens de posições iguais dentro do sistema. Nesse sentido,
uns são "agressivamente abertos" enquanto outros sofrem
"passivamente a abertura" e, nesse sentido também, no
conjunto das estruturas e das políticas nacionais, torna-se
efectivamente impossível separar as que apenas afectariam as
competitividades dos sistemas produtivos (e portanto dos
ramos e das empresas), sem efeito sobre as relações
internacionais, das que afectariam precisamente essas
relações.

Já na primeira metade século XIX, List tinha compreendido


perfeitamente a natureza do desafio, fazendo a crítica das
"vantagens comparativas" e percebendo que elas são
construídas historicamente e não "determinadas" de uma vez
por todas. A sua proposta ia muito além da "protecção das
indústrias nascentes" e constituía uma primeira expressão do
que desenvolvi, qualificando-o de "estratégia de desconexão",
no sentido não de uma "saída autarcista da mundialização",
mas da construção prioritária de uma política nacional (ou
regional) capaz de melhorar a competitividade do conjunto do
sistema produtivo e de segmentos escolhidos do mesmo e
simultaneamente de definir as estruturas de "protecções" (na
acepção ampla do termo e não exclusivamente pautais) em
relação aos parceiros fortes (e por isso agressivos) do sistema
mundial. Por outras palavras, o combate pela desconexão,
entendida nesse sentido, é o combate por "outra
mundialização" (diferente da preconizada e imposta pelo
liberalismo, o qual apenas pode consolidar e aprofundar as
"vantagens" dos mais poderosos). Por outras palavras, o que
devemos reivindicar, para fazer face ao verdadeiro desafio, é o
direito de fazermos o mesmo que os outros (os poderosos)
sempre fizeram e continuam a fazer, apesar do discurso liberal
que ignora essa realidade, ou seja, o direito à edificação de
políticas nacionais e regionais eficazes e o direito de proteger
essa edificação.

O DISCURSO PSEUDOCIENTÍFICO DA OMC

Por conseguinte, para além da mitologia liberal, os Estados


capitalistas sempre intervieram e continuam a intervir na
regulação da reprodução capitalista, nomeadamente pela
importância das suas "despesas públicas". Essas intervenções
são a tal ponto decisivas que imaginar um sistema económico
capitalista (dito "de mercado") pretensamente "puro", que
existiria por si mesmo, "sem Estado", se prende com uma
mitologia que substitui a análise do capitalismo realmente
existente pela de um sistema imaginário.

O pensamento único dos nossos dias, dito "liberal", assenta


na ideia absurda e mirabolante de que o sistema da "economia
pura de mercado" teria o poder de nos revelar o que são os
"preços verdadeiros" — das produções, por definição todas elas
mercantis, dos "factores da produção" (salários, juros do
capital, taxas de lucro), do câmbio externo —, ou seja, aqueles
"preços" que garantiriam o "equilíbrio geral" numa economia
de mercados desregulamentados generalizados, sem
distorções provocadas pelas intervenções públicas, o que é na
realidade completamente impossível.

Por trás desse discurso pseudocientífico perfila-se um


objectivo, que é legitimado pela sua embalagem ideológica:
desregulamentar, ou seja, dar ao capital (que, por definição,
está no posto de comando da vida económica das sociedades
capitalistas) o poder exclusivo de decisão. Assim este, longe de
expulsar o Estado da cena e de proibir as suas intervenções,
escolhe as que lhe convêm, as que reforçam os seus meios de
dominação da sociedade e maximizam os lucros que recolhe, e
proíbe os outros, ou seja aqueles que reduzem os seus poderes
e dão aos outros actores da vida social a possibilidade de
defender, pelo menos parcialmente, os seus próprios
interesses.

Designadamente, a mitologia dos "preços verdadeiros"


constitui o fundamento das "demonstrações" pseudocientíficas
segundo as quais qualquer "protecção" em matéria de
comércio internacional seria desfavorável à "maximização da
satisfação dos consumidores". O simples termo de "protecção"
torna-se tabu, sinónimo de irracionalidade, ou mesmo de
estupidez. A "demonstração" procede de um método que reduz
as sociedades, nacionais e mundiais, a um universo de
"indivíduos" iguais. Interesses sociais colectivos de grupos, de
classes e nações deixam de existir. Tal como todos os
indivíduos que compõem uma nação são iguais (não há nem
oligopólios, nem trabalhadores, mas apenas "produtores
vendedores"), são-no também todas as nações. Raramente se
terá desprezado a realidade com tanta indiferença,
nomeadamente a desigualdade de "desenvolvimento" das
nações e o facto de todas as sociedades ricas o serem apenas
porque se protegeram e continuam a proteger-se com eficácia.

RESPOSTAS ALTERNATIVAS NECESSÁRIAS

Para além da análise, uma a uma, das questões na ordem


do dia da OMC e da conferência de Cancum, e do seu
tratamento específico, é inevitável uma visão alternativa de
conjunto das políticas agrícolas do Norte e do Sul, e portanto
das trocas comerciais mundiais.

Nas suas condições, e mesmo que isso fizesse sentido, o


que é de duvidar, os países do Sul não têm seguramente meios
para fazer face aos desafios através da imitação das políticas
agrícolas aplicadas no Norte: não têm os meios que lhes
permitam "subsidiar" as suas produções agrícolas e é limitada
a sua própria capacidade de redistribuição dos rendimentos,
devido à modéstia dos níveis desses mesmos rendimentos e
das finanças públicas.

Isso não significa de modo nenhum que não precisem de


ter a sua própria política de desenvolvimento agrícola, tendo
simultaneamente em conta a exigência de acelerar o progresso
da sua produtividade e de dominar as mudanças sociais,
evitando a desintegração dos campos e o crescimento
acelerado das populações a viver em bairros degradados. Tais
políticas deverão igualmente integrar objectivos nacionais, a
começar pela autonomia alimentar ao nível das nações e de
regiões apropriadas.

Evidentemente, as próprias políticas nacionais e/ou


regionais propostas, e os próprios meios da sua protecção,
deverão ser objecto de debates críticos tão transparentes
quanto possível (isto é, que não mascarem, mas mostrem os
interesses que servem), sendo objecto de debate político no
sentido nobre da palavra.

Nessa perspectiva, as diferentes formas de protecção


poderão ser positivas ou prejudiciais. Uma protecção será
prejudicial quando visa proteger actividades ineficazes (de
fraca competitividade), mantendo-as na sua ineficácia, e será
positiva quando protege processos de transformação que
permitam a melhoria da eficácia (ou a redução da ineficácia)
das actividades em questão.

A escolha de uma estratégia, inscrita na lógica do discurso


liberal, que visasse "desmantelar" os sistemas nacionais dos
países dominantes, por forma a reforçar a nossa
competitividade aparente nas trocas comerciais mundiais,
estaria à partida condenada a um evidente e absoluto fracasso,
ao mesmo tempo que certamente careceria de legitimidade.

Em contrapartida, enfrentar o verdadeiro desafio que se


coloca às nações do Sul passa, antes de mais, pela nossa
própria vontade de construir políticas nacionais eficazes e de
impor a sua protecção. É a única estratégia compensadora
possível.

Se o fizerem, os países do Sul têm não só o direito, como


também o dever, de proteger essas políticas recorrendo ao
conjunto mais conveniente de meios eficazes adaptados,
através não apenas da escolha das pautas aduaneiras
necessárias, mas ainda da eventual adopção de medidas
quantitativas (contingentes e outros). Independentemente
desses meios directos, a protecção do desenvolvimento da
economia nacional implica indubitavelmente políticas nacionais
coerentes em toda uma série de domínios, e antes de mais a
gestão da moeda nacional e do câmbio.

Estas ideias com vista a um projecto alternativo (a


"altermundialização") começaram a ganhar aceitação e viram-
se reflectidas nas trocas de opiniões registadas por ocasião da
última Conferência dos Não Alinhados de Kuala Lumpur, em
Fevereiro de 2003.

Portanto, no domínio da gestão económica do sistema


mundial, começam a tomar forma as linhas directrizes de uma
alternativa que o Sul poderia defender colectivamente, dado
que, neste aspecto, são convergentes os interesses de todos
os países que o constituem. Temos nomeadamente:

Começa-se a voltar à ideia de que as transferências


internacionais de capitais devem ser controladas.

Com efeito, a abertura das contas de capitais, impostas


pelo FMI como um dogma novo do "liberalismo", visa um
objectivo apenas: facilitar a transferência maciça de capitais
para os Estados Unidos a fim de cobrir o défice americano
crescente, ele próprio fruto simultâneo das deficiências da
economia dos Estados Unidos e do desenvolvimento da sua
estratégia de controlo militar do planeta.

Os países do Sul não têm nenhum interesse em facilitar


dessa maneira a hemorragia dos seus capitais e eventualmente
as devastações causadas pelos ataques especulativos.

Logo, deve ser posta em causa a submissão a todos os


riscos do "câmbio flexível", consequência lógica das exigências
da abertura das contas de capitais. Em seu lugar, a instituição
de sistemas de organizações regionais que assegurem uma
estabilidade relativa dos câmbios mereceria ser objecto de
investigações e de debates sistemáticos no seio dos Não
Alinhados e dos 77.

De resto, na crise financeira asiática de 1997, a Malásia


tomou a iniciativa de restabelecer o controlo dos câmbios e
ganhou a batalha. O próprio FMI foi forçado a reconhecê-lo.
Está de volta a ideia da regulamentação dos investimentos
estrangeiros.

Indubitavelmente, os países do terceiro mundo não


tencionam, como aconteceu no passado com alguns deles,
fechar as portas a quaisquer investimentos estrangeiros. Pelo
contrário, os investimentos directos são solicitados. Mas as
modalidades de acolhimento são de novo objecto de reflexões
críticas a que alguns meios governamentais do terceiro mundo
não são insensíveis.

Em relação estreita com essa regulamentação, começa a


ser contestada a ideia dos direitos de propriedade intelectual e
industrial que a OMC deseja impor. Percebeu-se que essa ideia,
longe de favorecer a concorrência "transparente" em mercados
abertos, visava pelo contrário reforçar o monopólio das
transnacionais.

A dívida já não é somente sentida como economicamente


insuportável, mas mesmo a sua legitimidade começa a ser
posta em causa.

Surge uma reivindicação que assume como objectivo o


repúdio unilateral das dívidas odiosas e ilegítimas, assim como
a criação de um direito internacional da dívida, digno desse
nome, que ainda continua a não existir.

Com efeito, uma auditoria generalizada das dívidas


permitiria revelar uma quantidade significativa de dívidas
ilegítimas, odiosas e mesmo por vezes devassas. Ora, só os
juros pagos a título da dívida atingiram volumes tais que a
exigência — juridicamente fundamentada — do seu reembolso
anularia de facto a dívida em curso e mostraria claramente que
toda esta operação é uma forma verdadeiramente primitiva de
pilhagem.

Para se chegar a esse ponto, a ideia de que as dívidas


externas deveriam ser regulamentadas por uma legislação
normal e civilizada, tal como se passa com as dívidas internas,
terá de ser objecto de uma campanha integrada na perspectiva
de fazer progredir o direito internacional e de reforçar a sua
legitimidade. Como se sabe, é precisamente porque o direito é
omisso neste domínio que a questão só é regulamentada por
relações de força selvagens. Essas relações permitem então
fazer passar por legítimas dívidas internacionais que, se fossem
internas (ou seja, em que o credor e o devedor pertencem à
mesma nação e estão sujeitos à sua justiça), levariam o
devedor e o credor perante os tribunais por "associação de
malfeitores".

Por último, muitos dos países do Sul começam de novo a


compreender que não podem passar sem uma política nacional
de desenvolvimento agrícola, que tenha em conta
simultaneamente a necessidade de proteger as sociedade
camponesas das consequências devastadoras da sua
desintegração, acelerada sob o efeito da "nova concorrência"
que a OMC quer promover neste domínio, e a necessidade de
preservar a segurança alimentar nacional.

Em conclusão, há que sublinhar a importância da


reconstrução de um quadro institucional que permita recriar a
solidariedade do Sul. Isso reforçaria consideravelmente a sua
capacidade de conduzir os combates necessários tanto no seio
da OMC (uma vez que os Estados do Sul escolheram participar
nesta instância), como das outras instituições de gestão da
mundialização (o FMI em especial). Sem excessivas ilusões
sobre essas instituições, que foram moldadas pelas potências
dominantes expressamente para reforçar os seus meios de
dominação e de maneira nenhuma para dar mais possibilidades
ao desenvolvimento, o qual nunca foi um conceito reconhecido
pela ideologia liberal.

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