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História Contemporânea (Economia e Sociedade)

As Crises

As Crises do Antigo Regime

Percebemos a natureza daquilo que consideramos ser uma crise quando percebemos as mudanças que
ocorrem nas estruturas económicas e sociais. A sociedade de Antigo Regime é caracterizada pelas
estruturas agrícolas com escassa capacidade do ponto de vista tecnológico, ou seja, a agricultura é algo
fundamental. Dentro do setor primário, a agricultura é o principal campo do ponto de vista económico,
seja pela produção de riqueza, seja pelo número de pessoas que estão ligadas a esta atividade. O grosso
da população está envolvida na produção agrícola, sendo que esta está sediada em fatores que não são
diretamente influenciáveis pela atividade humana.
Então, uma sociedade do Antigo Regime está extremamente condicionada por alterações climáticas.
Quando se dá uma crise agrícola devido às condições climatéricas temos imediatamente um problema
de fome. O primeiro sintoma é o aumento dos preços dos produtos de primeira necessidade o que nos
leva a uma segmentação imediata de quem tem mais ou menos poder de compra, sabendo que faamos
de sociedades que têm um poder monetário relativamente baixo. A segunda consequência é o impacto
que isto tem na vida humana, criando uma insuficiência alimentar na população, aumentado a morta-
lidade e reduzindo a natalidade. Podemos observar então morte causada pela fome de forma direta ou
indireta. A queda da população provoca uma diminuição da capacidade produtiva, sendo que a falta
de produto vai impactar de uma forma forte as áreas mais urbanas.

Crise na Área Urbana e Área Rural

Importa intender as diferenças entre o impacto das crises do Antigo Regime em áreas rurais e áreas
urbanas.
Em 1789 dá-se a Queda da Bastilha, um momento de transição irrevogável na história da França e de
toda a Europa. Tudo muda em França de forma equivoca. Os maus anos agrícolas ocorrem em França
desde 1787 e durante todo o decorrer da Revolução Francesa, verificando-se uma década de fome.
Assim, temos capacidade para entender as manifestações de violência coletiva que ocorrem tanto no
espaço urbano como no espaço rural.
O grande medo tem a ver com a manifestação rural. Isto porque há o medo nas sociedades agráricas
de que o espaço rural se feche sobre si mesmo. Dá-se uma ideia de que a comunidade rural se fecha
sobre si mesma e interrompe as lógicas de navegação entre o contexto da produção e o espaço de
consumo. Isto porque ninguém vai vender aquilo que não acha que pode precisar amanhã. A conse-
quência disto é o agravamento da carência alimentar em espaços que dependem tendencialmente da-
quilo que vem de fora.
Devido a esta ideia as cidades do século XIX mudam transversalmente antes e depois da Primavera
dos Povos. O grosso das grandes capitais europeias são fruto de uma reorganização dos espaços com
áreas administrativas, residenciais, agrícolas, que tinham como intuito compartimentar as áreas urba-
nas para salvaguardar as estruturas de poder. As cidades tendem a ter a capacidade de interligar carac-
teres diferenciados de cada uma das realidades. Porém, a produção da cidade não consegue manter o
sustento da sua população.

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➢ Uma das características da contemporaneidade é o crescimento das áreas urbanas com uma
mutação das características da malha urbana, criando uma maior dependência por parte da po-
pulação urbana em relação às áreas exteriores.
Durante a Revolução Francesa, em 1787, até ao final do século encontramos um gradual encerramento
das áreas rurais o que tem como consequência a crise de subsistência nas áreas urbanas e consequen-
temente os fenómenos de violência.

Uma crise do Antigo Regime caracteriza-se por ser motivada por fatores
alheiros à intervenção do individuo, pondo em causa a subsistência humana
e a recuperação é lenta.

As Crises Contemporâneas

O que é o Capitalismo?

O capitalismo assenta na otimização do capital por isso tem a ver com a maximização do lucro, na
ideia de aumentar capital. Se o objetivo é a otimização do lucro podemos encontrar o capitalismo
diretamente associado às atividades económicas, rurais financeiras, etc. O princípio elementar da or-
ganização capitalista é tendencialmente a segmentação entre quem tem o capital e quem produz.
A inovação da nação tem muito a ver com a produção de produtos de luxo dedicados aos extratos mais
elevados, isto porque queria-se mostrar sinais exteriores de poder. Por exemplo, a França vai vender
porcelanas, carruagens e cristais, entre outras coisas. As manufaturas do Senhor Colbert animavam
milhares de pessoas. A indústria tal como a conhecemos hoje só surge depois da Revolução Francesa,
sendo que esta ideia não corresponde há estrutura de grandes manufaturas aplicada em França.
Surge com isto o problema de como podemos organizar um número grande de pessoas do mesmo
contexto. É necessário que haja uma disciplina rígida, não havendo horários de trabalho nem direitos
de trabalho. A ideia de infância e de que esta carece de um tratamento diferente é apenas uma ideia
ultra contemporânea.

As Crises no Capitalismo

Então, a ideia do sistema capitalista organiza-se em função da maximização do lucro com o objetivo
de aumentar a capacidade produtiva. No século XIX a maior expressão disto é a indústria.
A crise capitalista considerada “clássica” é a Crise de 1929 que dá origem à Grande Depressão. Não é
a queda da bolsa que dá origem à crise isto porque existem causas profundas que têm um grande
impacto no colapso da bolsa e na futura depressão. Não havia uma guerra militar nestes anos, porém
encontramos uma catástrofe que começa no contexto norte americano e que se expande nas correlações
da economia americana, muito pouco escapou.
O primeiro sintoma desta crise foi a queda do preço dos produtos industriais que se dá em função da
retração da procura, devido à diminuição do poder de compra. Se há uma retração coletiva de consu-
mos em termos sociais as empresas têm menor retorno da sua atividade, havendo assim um desfasa-
mento entre os ritmos da procura e o a oferta oferece. Para se resolver este problema é necessário
promover um equilíbrio que deve aproximar a oferta daquilo que a procura permite, sendo que isto

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significa reduzir a produção. A redução da produção leva à libertação de mão de obra que parte das
indústrias com o objetivo de reajustar a capacidade produtora. O impacto social desta medida é a subida
do desemprego.
O New Deal teve a grande preocupação de trazer uma alteração substantiva à estrutura do mercado
laboral e é devido a isto que surge aquilo que nós conhecemos como subsídio de desemprego. Esta
medida tem uma função social e económica absolutamente relevante porque independentemente do
individuo ter uma maior ou menor capacidade de consumo, esta não é perdida por completo. Assim,
com o New Deal o presidente tinha como objetivo garantir que a procura se mantenha de forma que
seja possível relançar a produção e a oferta.
Encontramos então os seguintes fatores, nas crises do capitalismo, que se interligam:
➢ A queda dos preços dos produtos industriais;
➢ O aumento da oferta face à procura;
➢ As tentativas de redução da oferta;
➢ O desemprego.
A crise de 1929 subverte a ordem de valores, sendo que encontramos aqui princípios que se substan-
tivam a partir de 1930. Começa a ser normalizado o facto de que há uma parte da liquidez que sim-
plesmente desaparece, sendo que isto tem a ver com as ligações estreitas entre o sistema financeiro e
as empresas. Isto leva-nos à ideia dos sistemas de créditos partilhados e de que qualquer pessoa pode
investir na bolsa, tornando-a assim o mais apelativa e democrática possível. Foi por isto que a queda
de bolsa foi tão transversal a todas as classes e não parou nas fronteiras dos EUA.
Uma das características da Bolsa de Nova Iorque era a ideia de que esta era uma forma fácil de ganhar
dinheiro, então devido a isto ela também tem uma drenagem de capitais que sai da europa, especial-
mente dos países que faziam parte da Tríplice Entende. Os Estados Unidos funcionam como reserva
para os investimentos europeus e como salvaguarda dos bens durante a guerra, sendo que oferecem a
ideia de condições de segurança e de liquidez.
A Crise de 1929 também esteve ligada à especulação. O aumento da especulação é uma das caracte-
rísticas que encontramos no caos da Bolsa de Nova Iorque entre 1924 e 1929. Esta especulação esteve
primeiramente ligada aos lucros imobiliários com a ideia de que a riqueza poderia ser para todos. Isto
nunca foi travado porque a acreditava-se que o Estado deveria ver esta atividade, mas não intervir nela.

Liberdade de Produção

No Antigo Regime, nos contextos urbanos, as indústrias estão organizadas em corporações. Para pra-
ticar um ofício teria de se ser aceite na corporação, fazer uma formação, passar em avaliação e fazer-
se novas provas para ser mestre, só assim se poderia ser responsável por uma oficina própria. Porém,
a criação de uma oficina dependia da corporação. Ou seja, a oficina só abria se a corporação conside-
rasse que o alargamento da estrutura produtiva seria necessário, se não fosse preciso isto seria preju-
dicial à corporação e por isso a oficina não poderia abrir. Portanto, o princípio de liberdade individual
na atividade económica não existe numa sociedade de Antigo Regime num contexto urbano. A ideia
de propriedade privada não existe porque há uma ligação direta entre o poder régio e a propriedade. O
pensamento de que uma propriedade é indubitavelmente minha é algo que resulta da afirmação do
sistema liberal. Isto funciona com a ideia do liberalismo porque se não houver uma certeza de que a
propriedade é minha, se ela me pode ser subtraída a qualquer momento, não me vou empenhar para a
fazer crescer, para a tornar produtiva, etc. Assim, com a difusão do pensamento liberal dá-se uma

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mudança qualitativa no entendimento de propriedade e no facto de que esta não pode ser retirada pelo
Estado.
O sistema capitalista não é inventado no final do século XVIII ou no início do século XIX, os princípios
elementares já existem e estes têm uma maior capacidade de expansão porque o ambiente gerado pelo
liberalismo vai permitir condições que até então não existiam, nomeadamente:
➢ Liberdade de produção;
➢ Propriedade própria;
➢ Papel do Estado, uma ideia extremamente distinta em cada país.

A Contemporaneidade no Tempo e no Espaço

O Fenómeno de Urbanização

Uma das características da contemporaneidade, ou seja, uma das características económicas e sociais
que se desenvolvem desde meados do século XVIII, é a mudança de perceção do tempo e da relação
do homem com este. Há também uma mudança na capacidade de relação do individuo e das sociedades
com o espaço, isto porque há uma capacidade operativa de deslocação do individuo e de mercadorias.
Este mundo de perceções diferenciadas é um mundo que surge na contemporaneidade em função da
capacidade que temos de conhecer, ter informação e interagir com o outro. Ou seja, o tempo acelera
do ponto de vista económico porque se dão mudanças substantivas ao nível dos transportes.

A Evolução dos Meios de Transporte

Numa sociedade de Antigo Regime o transporte marítimo e fluvial é a grande fonte de movimento de
pessoas e mercadorias. Assim, há maior capacidade de circulação comercial em espaços e contextos
geográficos que se caracterizam pela ligação ao mar. Por exemplo, a Inglaterra tem uma capacidade
de mobilização de mercadorias distinta de França por causa da sua elevada capacidade naval devido a
ser uma ilha. Assim, a Bretanha apresenta um mercado interior muito mais dinamizado face à França.
A Inglaterra apresenta-se como uma ilha, tendo por este motivo a totalidade das costas banhadas por
água, o que permite a navegação marítima. Simultaneamente também tem uma rede fluvial interna que
será alargada através da construção de canais fluviais. A primeira fase da revolução dos transportes na
Inglaterra não se caracteriza pelos caminhos de ferro, mas pelos canais fluviais. Estes pretendem alar-
gar a capacidade de comércio dentro do território inglês, dando origem áquilo que conhecemos como
mercado interno.
O mercado interno caracteriza-se pela totalidade de território ter capacidade de interagir economica-
mente entre si. Esta estrutura e entendimento da economia não existe numa sociedade de Antigo Re-
gime porque não há uma capacidade de transporte. Assim, esta antiga economia caracterizava-se por
uma estrutura tendencialmente centrada em si mesma. Isto porque a capacidade de transporte estabe-
lece o limite da capacidade operativa dos agentes económicos porque a tendência dos produtores é
produzir para quem está mais próximo.
No final do século XVIII temos economias que não são apenas agrícolas, mas também estão orientadas
para a produção e o abastecimento dos mercados que lhe estão mais próximos, sendo que existem
outros tipos de economias, mas o que sustenta o grosso da população europeia é isto. A mudança das

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estruturas de transporte, seja por canais fluviais ou caminhos de ferro, vai permitir a deslocação da
produção para locais onde esta pode ser consumida por preços mais elevados, mais interessantes para
o produtor. Se os produtos forem transportados para locais com mais consumidores e falta de produção
estes são valorizados. A relação com o espaço é de uma capacidade mobilizadora, isto porque é possí-
vel colocar produtos no mercado nacional e no mercado externo. Apesar disto, existem regiões dos
países, as do litoral, que continuam a ter uma maior capacidade de comunicação com o espaço exterior
invés do interior.
Esta mudança é algo que demora anos, sendo que uma das características do período de transição é a
coexistência de crises de natureza distinta. Não há nada que seja automático, as economias do Antigo
Regime não desaparecem para dar lugar a economias industriais. O que vemos são alterações graduais
feitas de forma lenta, mas substantiva, em algumas estruturas económicas que pretendem entender a
propriedade fundiária rústica, alterando os seus padrões de cultura e a sua relação com a mão de obra.
Este processo ocorre em simultâneo com as alterações na indústria.

As Mudanças na Agricultura

No Antigo Regime a agricultura aproxima os proprietários porque eles partilham dos mesmos proble-
mas, sendo que isto vai dar origem a um entendimento da propriedade com uma lógica comunitária.
Numa sociedade de Antigo Regime todos os proprietários são obrigados a ceder o direito de passagem
e a prestar o direito de pastagem. Este princípio é concebido em função dos interesses de todos porque
a capacidade agrícola do Antigo Regime está ligada fertilização dos solos que só pode ser atingida
através da ação animal. Um dos grandes desafios da produção agrícola era a conciliação entre a agri-
cultura e a produção animal, isto porque sem animais a produtividade agrícola reduz de forma rápida.
Assim, o sistema de agricultura adotado assenta na divisão da propriedade e também no pousio. Ou
seja, a propriedade é dividia em parcelas, sendo que uma destas tem de parar de produzir para fazer
pastagem de gados, não só os do proprietário, mas de todos os outros. Este é o entendimento agrário
de uma propriedade de Antigo Regime porque a vivência quotidiana da atividade agrícola e da criação
de gado beneficia da partilha de propriedades, diluindo assim o princípio da propriedade privada.
As primeiras alterações expressivas deste paradigma ocorreram na Inglaterra durante o período da
Reforma, sendo que aquelas que têm maior relevância e efeitos continuados são as mudanças na pro-
priedade a partir do século XVIII. Isto está associado às enclosures, ou seja, o processo de vedação da
propriedade que pode ser comum ou privada. As vedações das propriedades significam que cada indi-
viduo reserva o direito de dar à sua terra a utilidade que entende. Por exemplo, se a tendência trans-
versal for a cultura de cereais, se eu me quiser dedicar a outro tipo de atividade, como a produção anil,
eu não preciso de levar os meus gados para lado nenhum e também não tenho de deixar que os gados
dos outros utilizem a minha terra. O princípio da vedação da propriedade significava individualizar a
propriedade em relação à função que se lhe quer dar. Vedar a propriedade privada implica autorização
do parlamento e significa o reconhecimento de que aquilo que eu pretendo com a minha terra só a mi
me diz respeito. É a isto que chamamos enclosure particular.
Existem outros tipos de enclosures que estão ligadas a terras comuns e baldios. Estas terras servem
para a produção de gado, recolha de alimento, para a caça e para o aproveitamento florestal, sendo que
se considera que estes terrenos comunais não têm aptidão agrícola. Assim, estes tendem a funcionar
como uma espécie de dispensa para a comunidade. Os terrenos comunais vão ter muita polémica no
século XIX devido ao princípio liberal que diz que a produtividade está ligada ao proprietário e quanto
mais próximo está o individuo da sua propriedade mais produtiva esta será. Isto faz com que a ideia
de uma terra comunal se evidencie como uma espécie de anacronismo. Os autores liberais entendem

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que as terras comunais estão ligadas aos tempos mais primitivos. Esta ideia tende a ser absorvida no
século XIX na Inglaterra onde o fator elementar para isto acontecer tem a ver com a subida do preço
da lã. A subida do preço da lã favorece o crescimento do número de cabeças de gado e a ideia de que
não precisamos da terra para nos sustentar, podendo aumentar os rendimentos da propriedade através
da diversificação da cultura. Por exemplo, se em vez da produção de cereais eu apostar em criar gado
estou a reduzir os custos e a diversificar as minhas formas de rendimento, coisas que a indústria precisa.
Para praticar esta atividade não é preciso uma terra fértil só é preciso um sítio com pasto, assim o
aumento do preço da lã permite a valorização das terras que não são agrícolas, mas podem ser usadas
para criação animal.
Toda esta ideia nos leva à segunda parte das enclosures: a adquirição de baldios que só pode ser auto-
rizada pelo parlamento inglês porque isto muda o direito agrário da Inglaterra e significa retirar o
sustento de uma sociedade. Os baldios deixam de pertencer às comunidades para pertencer a uma ou
um conjunto restrito de pessoas. Um pequeno proprietário rural precisa de pequenos terrenos comuns
para ter animais, a capacidade de ser proprietário é maior ou menos em relação à possibilidade de
aceder a espaço complementar. Se isto não for possível a relação com a propriedade altera-se.
Ao longo do século XVIII e XIX vemos a constante alteração do princípio da propriedade fundiária
na rústica na Inglaterra que tende a beneficiar a grande propriedade, sendo que esta tende a absorver a
propriedade mais pequena e a propriedade comunal. A terra torna-se perfeitamente individualizada,
deixando de haver direito de pastagem e de passagem devido ao perfil de individualidade da proprie-
dade. Esta adquire uma nova função que não tem de estar diretamente ligada à subsistência de quem
vive da terra. Não há uma grande preocupação de subsistência, há uma preocupação de produzir aquilo
que tem valor no mercado para os grandes proprietários. Há uma mudança estruturante no entendi-
mento da atividade agrícola e pecuária na relação entre si.
O parlamento inglês permite a aprovação sucessiva das leis de aquisição de terras e vedação das mes-
mas porque há uma ligação entre os interessados e quem os representa no parlamento.

A Mudança da Sociedade

O processo de vedação da propriedade que se torna privada provoca um êxodo rural. A propriedade
privada altera-se, liberta mão de obra de terrenos comunais que tendencialmente deixam de o ser. Isto
significa uma mudança para parte da população que é obrigada a sair do espaço rural e que vem integrar
o fenómeno de urbanização inglês. Tradicionalmente diz-se que as enclosures tiveram um impacto na
diminuição da comunidade rural inglesa, sendo que se dá uma rutura nas vivências quotidianas desta
população rural que é obrigada a deslocar-se para o perímetro urbano. Esta deslocação não se faz para
as grandes cidades, mas sim para cidades mais intermédias, sendo que este fluxo faz crescer as áreas
onde cresce uma indústria. Se é verdade que as grandes cidades portuárias crescem não é menos ver-
dade que as grandes cidades industriais também crescem. Este fluxo interno tende então a repartir-se
em várias áreas.

O Perfil da População Rural e o seu Impacto nas Áreas Urbanas

A população rural tende a ser autossuficiente, isto porque não podia deixar de o ser. Esta tinha de ter
aptidão para a complementaridade do ponto de vista da sua atividade económica, sendo apta em vários
domínios. Esta população virá a ser muito mal recebida nas áreas urbanas porque estabelece uma mu-
dança na relação entre o enquadramento vigente que funciona como uma espécie de subversão da
ordem.

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Este é um processo de longa duração. O confronte entre as tradições e as ruturas causadas pela neces-
sidade é encontrado nas sociedades contemporâneas. O fascismo é pessoalmente apelativo aos artesãos
que foram deserdados do fortuno, do progresso e da modernidade. Todos os fascismos criticam a mo-
dernidade e a origem disto está aqui neste processo de rutura que põe em causa uma sociedade que
tinha as suas regras. O corporativismo do fascismo faz apelo a uma realidade antiga.
Estas pessoas que vêm de outras áreas e que têm experiências diversas farão aquilo que for necessário
para viver. A população rural vai ter um papel que vai entrar em rutura na sociedade do século XVIII.
Agora, para ter sapatos, basta ir ao vizinho ao fundo da rua que me faz os sapatos por muito mais
barato do que os sapateiros das corporações. A rutura surge na Inglaterra no contexto urbano por força
das circunstâncias.

Qual é o Papel do Estado Neste Processo de Mudança Interna?

O Estado inglês vai estar dividido entre setores que são importantes. A agricultura, em especial a ce-
realífera, merece ao governo inglês um papel especial, sendo que a legislação vigente do ponto de vista
alfandegário valorizava os cereais ingleses acima das importações. As leis dos cereais preveem o be-
nefício dos cereais nacionais. Não deixa de haver entrada de cereal estrangeiro no mercado inglês,
falamos de direitos que são variáveis em função da disponibilidade interna cerealífera. Isto serve para
garantir que os cereais ingleses são mais baratos do que os cereais exóticos em condições de estabili-
dade. Os direitos baixam quando as colheitas internas são inferiores à produção desejada. Esta lei
vigora até à Fome Irlandesa, em 1846.

A Primeira Revolução Industrial

A Mudança da Indústria na Inglaterra

No final do século XVIII, a India era a maior produtora de panos de algodão, sendo que no século XIX
passa a ser a Inglaterra. Esta mudança acontece pela mudança de padrões do consumo no mercado
indiano e no Império Otomano.

Os Panos de Lã

A mudança industrial que se dá na Inglaterra resulta de uma decisão do parlamento inglês. Os produ-
tores de lã não querem a comercialização dos panos de algodão indianos no mercado inglês, então o
parlamento determina que os panos de algodão, atendendo à concorrência dos panos de lã, não podem
ser vendidos no mercado inglês. A Companhia das Índias Orientais pode trazer os panos da India e
comercializá-los na Europa, mas não no mercado inglês. A última revindicação dos produtores de
panos de lã é que os panos de algodão não podem sequer estrar em espaço inglês, não podendo também
ser produzidos neste. O debate que ocorre neste contexto é árduo, porque o que está em causa é a
liberdade de produção, sendo que o Parlamento vai acabar por determinar a capacidade destes panos
serem produzidos em território inglês. Com isto temos então uma elevação do pano de algodão inglês
ao nível do pano de lã inglês.
Isto permite o nascimento de um novo tipo de indústria que está vocacionada para colmatar as lacunas
observadas no mercado interno inglês. Os estratos sociais mais baixos não têm capacidade financeira
para adquirir os panos de lã, então adquirem os panos de algodão indiano, quando estes deixam de
poder entrar no país, gera-se um vazio no mercado. Surgem então novas indústrias de lã na Inglaterra.

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Primeira Revolução Industrial

Estas indústrias têm condições adversas, sendo que esta primeira Revolução Industrial se caracteriza
como a dos artesãos, devido a haver pessoas vocacionadas que vão agilizar a produção do algodão
devido a este ser uma fibra vegetal que tem mais resistência. A produção do algodão vai ser a primeira
industrializada, porque devido a esta fibra ser resistente, pode ser bem usada em teares mecânicos. Isto
vai ser a experiência para industrializar o fabrico dos têxteis.
Estamos na presença de uma nova forma de indústria que vai recorrer à mudança tecnológica para
permitir a redução dos custos. As indústrias da primeira revolução industrial têm a ver com unidades
fabris de pequena produção. A matéria-prima é importada de longe, criando muitos custos, isto porque
não há nenhuma região europeia que seja capaz de produzir algodão. O algodão virá da Índia e das
colónias americanas, sendo que o abastecimento será pontualmente interrompido com a Primeira
Guerra da Independência. O estabelecimento de relações entre a Inglaterra e os EUA vai permitir re-
solver a fome do algodão. As duas partes do conflito aproximam-se com facilidade para a resolução
deste problema devido a existir uma dependência mútua: por um lado a dependência de Inglaterra face
ao algodão das colónias do Sul dos EUA, por outro a dependência da economia do novo país face aos
mercados europeus.
Uma das características da revolução industrial é o pacto colonial. Isto porque a diferenciação de eco-
nomias tendencialmente industriais e economias tendencialmente agrícolas resulta da articulação eco-
nómica dos contextos imperiais, fazendo com que sejam geradas economias de plantação.
➢ Economia agrícola – aquela cujo propósito essencial é a produção e o abastecimento interno;
➢ Economia de plantação – significa que se subtrai a subsistência e dedicasse à criação de produto
e para isto vai precisar de matéria-prima e de colocar produto no mercado internacional.
As economias industrializadas tornam-se dependentes do mercado externo, seja para produção, seja
para matéria-prima ou colocação de produto no mercado. A economia de plantação significa basica-
mente a subalternização dos contextos coloniais em relação às metrópoles e esta atinge um especial
nível de especificidade atendendo ao surgimento de novos interesses na metrópole. Estes são os inte-
resses industriais aos quais se ligam interesses alimentares que são tradicionais. O objetivo disto é a
uniformização das produções, havendo uma perda de diversidade de culturas e a subalternização da
população nativa do espaço colonial numa dinâmica económica assente na monetarização.
A economia de plantação tem a característica de induzir à reconstituição do espaço económico mundial
aos interesses da metrópole assim como induzir uma nova relação entre as autoridades coloniais e as
populações residentes nas colónias e nativas desses mesmo espaço. Significa ainda alterar os novos
padrões de consumo.
O crescimento da indústria na Inglaterra obrigou à proibição do maior produtor de panos de algodão
que eles produzissem. Assim, a India para de produzir para consumir aquilo que a Inglaterra produz
com o seu algodão a quilómetros de distância. Isto tem a ver com a afirmação de uma nova industria,
uma industria contemporânea.

O Investimento

Esta primeira fase da revolução industrial assenta na energia hídrica. Não parece associada a uma
especial intenção pelas autoridades públicas surgindo atendendo às necessidades de um mercado, surge

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perto das zonas da produção, emprega poucas pessoas e a sua principal preocupação é encontrar ma-
téria-prima ao mais baixo preço possível.
Esta primeira indústria ligada aos lanifícios não encontra interesse na banca inglesa porque esta não
quer saber de uma nova atividade que pode não ser imediatamente lucrativa. Assim, a banca inglesa
está especialmente vocacionada para o crédito a longo prazo, especialmente em investimentos que têm
destinos exóticos. Estamos a falar de uma banca que está dividida em caraterísticas diferentes:
➢ A City está destina a assegurar as necessidades de investimento além-mar, ou seja, o comércio
do Império ou outras partes de interesse para a economia inglesa;
➢ O resto da banca está especialmente vocacionada para as necessidades dos investimentos agrí-
colas, estando ligada à garantia da terra.
A banca inglesa é especialmente conservadora e não arrisca.
Esta banca não vai suportar o esforço financeiro das novas atividades industriais que precisam agora
de ser genuinamente diferentes. O princípio elementar desta diferença é a ideia do Capitalismo Indus-
trial, sendo que as margens de lucro têm de ser alargadas para que a indústria consiga subsistir com o
objetivo do alargamento da capacidade produtiva. Então, esta indústria está obrigada a baixar todos s
custos para aumentar margens de lucro porque não tem acesso ao crédito e tem de vender barato,
porque o mercado não tem a capacidade de pagar produtos caros.

As Dificuldades Industriais na Primeira Revolução

A fonte de energia destas empresas era a energia hídrica, ou seja, estamos no período anterior ao uso
do carvão. A energia hídrica cria o problema de a indústria ter de estar localizada perto de fluxos de
água e, por isso, a sua localização estaria condicionada. Uma das questões em causa é que, na prática,
estas indústrias teriam que obedecer a uma localização associada às indústrias têxteis. Seria por este
motivo que a revolução que vai surgir com o vapor vai ser tão importante. O vapor já era conhecido
há muito tempo, mas no século XVIII a novidade seria a capacidade que este tinha para manter um
fluxo de energia contínuo. Na época, as fontes de energia tradicionais eram a energia hídrica, eólica,
solar e de tração animal. Contudo, nenhum destes tipos de energia era contínuo porque dependia da
natureza ou do esforço limitado dos animais e, por isso, a produtividade estaria ligada a uma utilização
bem aproveitada destas fontes energéticas.
A indústria tradicional debate-se com problemas de acesso à energia e com as formas de produzir.
Quando falamos de manufaturas entendemos como um processo de produção que estaria associado ao
trabalho manual do princípio até ao fim, sendo desta forma uma individualização do produto sem
divisão de tarefas. Contudo, as novas indústrias vão quebrar as formas tradicionais de produção, sendo
este acontecimento da autoria dos próprios artesãos tradicionais que teriam o objetivo de produzir mais
em menos tempo, levando-nos ao capitalismo tradicional. Desta forma, estaríamos perante uma mu-
dança estruturante na produção do têxtil de algodão, sendo que o resto das indústrias poderiam acom-
panhar se o desejassem.
O Ludismo resiste a esta mudança. Este foi um movimento de trabalhadores ingleses, ativo no início
do século XIX, do ramo de fiação e tecelagem, que se notabilizou pela destruição das máquinas como
forma de protesto.

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O Bloqueio Continental

O Bloqueio Continental é apresentado nos decretos de Berlim, sendo que é necessário perceber o im-
pacto da expansão napoleónica e a forma como esta afetaria a Inglaterra. A sanção foi feita como forma
de diminuir a capacidade de reação do adversário. Este bloqueio significa a posição francesa a nível
terrestre, sendo esta uma potência terrestre, opondo-se a uma potência marítima, a Inglaterra, cujo
grosso da atividade económica se relaciona com o acesso aos mercados externos, sejam eles coloniais
ou não.
O Bloqueio estabelece a incapacidade dos navios e tripulações inglesas atracarem nos portos de sobe-
rania francesa e seus aliados. A questão seria saber quais eram as forças que a França conseguiria
angariar de forma a acompanhar o encerramento do espaço económico europeu às companhias ingle-
sas. Podemos comparar este bloqueio aos anteriores atos de navegação.
A consequência de tudo isto acabaria por ser imediata. Normalmente avaliamos a eficácia do bloqueio
atendendo á quebra do Império Napoleónico com a queda da França e, por esse motivo, pensamos que
este não teve sucesso, algo que não é verdade. O bloqueio teve um impacto em Inglaterra e acabaria
por provocar uma crise capitalista ao cortar os acessos aos mercados de escoamento e, desta forma,
levou ao excesso de produção e consequentemente à falência de empresas, ao desemprego e à descon-
fiança nas instituições políticas. Tudo isto leva a uma desvalorização do preço do produto. O que
Napoleão queria criar na inimiga Inglaterra seria um processo de interrupção das cadeias de abasteci-
mento e exportação.
Entre 1806 e 1815, vemos uma instabilidade social em que as estruturas financeiras inglesas ameaçam
a ruína, tendo como consequência a intensificação entre os fluxos ingleses e coloniais ou extraeuro-
peus. A forma de sobreviver ao bloqueio corresponde a uma tendenciosa retirada de Inglaterra face ao
continente europeu, criando um maior interesse no continente americano, nomeadamente no Canadá e
nos EUA. Assim, a Inglaterra concebe o espaço do Novo Mundo como a sua área de intervenção.
O bloqueio vai ter o seu maior impacto entre 1807 e 1810. Napoleão apresenta aos estados europeus
uma lógica de crescimento transversal, criando uma capacidade de mobilização através de França. O
Império Russo, a Santa Sé e Portugal rompem com esta aliança do bloqueio. O caso português seria
especial por acabaria por aceitar participar no bloqueio sem nunca o cumprirem, isto porque não o
poderia fazer. Portugal tinha uma dependência de Inglaterra e, por outro lado, a Inglaterra não tinha
Portugal como destaque no combate a Napoleão. Desta forma, Portugal acompanha a tendência euro-
peia, aceitando o bloqueio.
O impacto do bloqueio em Inglaterra tem afeitos continuados. Mesmo depois do fim deste e da queda
de Napoleão, encontramos uma reorientação do ponto de vista estruturante dos estratos sociais e dos
fluxos de investimento da Inglaterra. O bloqueio teve impactos internos, seja do ponto de vista social
ou económico, sendo um dos grandes fatores para a criação do Ludismo que teve uma especial impor-
tância na consciência de classe que subjaz a afirmação do operariado. O operariado está rigorosamente
centrado, sendo pessoas que entram todas à mesma hora nas fábricas, partilham as mesmas dificulda-
des e trabalham dia e noite. O contexto fabril quebra e origina uma nova realidade que mostra que se
pode trabalhar de forma continua. Os acidentes laborais são muito comuns e podem ser incapacitantes
ou mortais e estes operários estão sujeitos a fórmulas diferenciadas no que diz respeito ao acesso a
dinheiro.

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Segunda Fase da Primeira Revolução Industrial

A segunda fase da Revolução Industrial está associada ao desenvolvimento da metalurgia, não a in-
dústria do ferro, mas a reformulação da capacidade produtiva do ferro. Dá-se o aumento da capacidade
produtiva. A grande revolução está não no surgimento de um produto novo, está sim na capacidade de
promover o mercado com o ferro a mais baixo custo.

A Indústria do Ferro

A indústria do ferro está inerentemente ligada ao vapor, uma fonte de energia que alimenta uma estru-
tura industrial e que tem um efeito multiplicador. O ferro tem um efeito multiplicador atendendo à
panóplia de utilizações e o seu impacto na sociedade e na economia. Convém nunca desvanecer o
impacto do algodão na sociedade e na economia também. A indústria do ferro vai ter uma abordagem
que é indutor de sucessivas alterações. O aumento da produção e a diminuição de custos associados ao
mesmo permite que o ferro seja utilizado para finalidades que não chegavam lhe chegavam anterior-
mente.
O primeiro cliente do ferro é a agricultura, depois dá-se uma revolução na construção civil, na cons-
trução naval, nos objetos quotidianos e no desenvolvimento de objetos que têm um caracter útil. Isto
vai impulsionar uma nova leva no domínio das obras publicas o que significa que o ferro vai invadir e
penetrar diferentes áreas e domínios da vivencia quotidiana das sociedades ocidentais, sendo que ele
próprio vai impulsionar a segunda fase da revolução dos transportes. A primeira fase tem a ver com os
canais fluviais e a segunda com os caminhos de ferro. Dá-se uma abrangência exponencial na utiliza-
ção do ferro, havendo um desenvolvimento nos transportes e nas indústrias. Temos uma revolução
agrícola que antecede uma revolução industrial, sendo que a segunda fase desta revolução industrial
vai criar mudanças, seja no domínio da agricultura, seja no domínio dos transportes, tendo isto conse-
quências estruturantes.

Posição da Inglaterra no Domínio do Comércio Externo

O governo inglês é favorável à liberdade de comércio e produção interna se, e quando, esta liberdade
não põe em causa alguns setores da indústria chave, como a indústria dos lanifícios. A Inglaterra é o
primeiro país a advogar o livre-câmbio. O livre cambismo quer dizer decréscimo de direitos alfande-
gários. Ou seja, o livre cambio sujeita o comércio externo, produto que entra e sai, a pagar impostos.
Pretende-se com a orientação económica do país que, se o direito pago pelos produtos na entrada do
mercado nacional for superior, a produção nacional vai aumentar. Isto porque para entrar na fronteira
o produto aumenta de valor, todos os produtos que saem vão todos eles pagar direitos alfandegários.
O produto inglês quando sai do país paga impostos para sair e, quando entra nos mercados, paga tam-
bém direitos para entrar. Se a Inglaterra praticar direitos elevados as outras economias fazem também.
Há então uma reciprocidade nos mercados então.
Deverá a economia inglesa manter alguns pilares que permitem a defesa de alguns setores chave, ou
deverá, pelo contrário, ter todo o inter esse em aderir a uma lógica que esteja centrada nos interesses
da indústria? Será que é mais importante a produção agrícola ou o aumento do PIB gerado pela indus-
trialização e pelo setor financeiro, naval e seguro associados? → Deste debate resulta a ideia de afir-
mação da política livre cambista, sendo que resulta na ideia de que não se consegue manter lógicas de
proteção.

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A Inglaterra vigora e vai vigorar, até 1846, um regime que permite uma lei de compensações, ou seja,
existe uma diminuição dos direitos alfandegários nos cereais exóticos se e quando a produção cerealí-
fera interna é maior. Isto permite a coexistência de cereais nacionais ou exóticos, mas anula o princípio
da concorrência. Podemos assim perceber que os direitos alfandegários são maiores se a produção
cerealífera inglesa for mais alargada.
Ainda sobre o mercado, devemos falar sobre o aparecimento das máquinas. O que se sabe é que as
máquinas industriais apareceram e foram-se desenvolvendo em Inglaterra, sendo que este país, de
forma a proteger-se, iria proibir os industriais ingleses de as venderem a outros países. Contudo, o
plano inglês não corre bem já que as máquinas não saiam do país, mas os seus fabricantes acabavam
por abandonar Inglaterra para conseguirem trabalhar e construir estas máquinas noutros países, como
foi o caso da França e da Alemanha. Seria por isto que iria surgir a dúvida de se saber se as pessoas
deveriam deixar o país ou se a Inglaterra deveria tentar lucrar com a venda das máquinas, sendo que
acabam por escolher a segunda opção.

Condições de Vida na Inglaterra

No início do século XIX aplica-se a Lei de Bronze onde, para o bem da indústria e dos próprios ope-
rários, o salário deveria ser o mais baixo possível. Isto porque estamos na presença de populações que
em larga medida tinham enraizados os hábitos que provêm da esfera rural. Quanto maior fosse o nível
de vida dos operários maior seria a incapacidade que teriam de lidar com o dinheiro que faziam. Se os
salários fossem baixos, a indústria conseguiria gastar menos com os produtos e ter uma maior margem
para desenvolver do ponto de vista capitalista, o que significa uma vantagem multiplicadora para as
indústrias. A aplicação desta lei e a sua ideia esbatem com a necessidade de fixar e controlar os preços
dos alimentos, sendo a questão fundamental como é que isso se faz, principalmente através das mu-
danças no mercado dos alimentos.
Em 1846, temos a Grande Fome na Irlanda e ainda graves problemas em Inglaterra no domínio dos
abastecimentos. Em 1847, vemos a emergência da Guerra Civil e, em 1848, começa a Primavera dos
Povos. Estes movimentos são motivados pelas graves crises de subsistência com maus anos agrícolas,
à semelhança do que tínhamos encontrando nos anos anteriores à revolução francesa e no período
subsequente.
Em 1846, a questão que se coloca ao governo inglês é saber se a proteção aos cereais poderá ou não
manter-se como benefício à economia e sociedade inglesa, dependendo da situação. A tendência de-
mográfica na Europa é de crescimento, menos na Irlanda que perde demografia devido à morte e à
imigração. A Grande Fome na Irlanda resulta das condições de elevada humidade que são dificilmente
compatíveis com a preservação dos alimentos, especialmente da batata. Para isto contribui largamente,
não uma questão de raiz económica, mas sim de perceção social. A capacidade dos solos aráveis na
Irlanda é relativamente escassa e as terras mais férteis estão sobretudo associadas a unionistas, os
grandes proprietários ingleses. Temos aqui uma estrutura de sociedade que, do ponto de vista da sua
organização fundiária, está segmentada. Isto resulta no facto de as populações estarem no mesmo sítio
debatendo-se com realidades diversas, porque uns são mais atingidos pela insuficiência alimenta e
outros menos. O que se passa na Irlanda tem muito a ver com a capacidade de reação dos irlandeses.
A própria Inglaterra vai sofrer o impacto destas condições, por isso os níveis de subsistência interna
vão baixar. A Inglaterra vai tornar-se num destino de preferência para a imigração dos irlandeses. Esta
grande fome constitui um desarranjo económico, social e demográfico que traz problemas à Inglaterra

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porque os imigrantes irlandeses estão disponíveis a fazer tudo aquilo que poderem, trabalhando nas
fábricas a qualquer preço e viver em qualquer sítio.
A indústria, nesta primeira fase, vai desenvolver-se e as estruturas urbanas têm dificuldade a dar res-
postas a isto. O operário vai trabalhar em condições difíceis e vai viver em condições que são as pos-
síveis atendendo que as estruturas urbanas têm de dar resposta à necessidade de alojamento para grande
número de pessoas em muito pouco tempo. Então, o desenvolvimento das cidades industriais faz-se
de forma gradual. As pessoas vivem em contextos insulares que propiciam a ausência de asseio, ou
seja, existem faltas de condições de higiene, de vida do ponto de vista moral. Isto tem um impacto na
formação moral das novas gerações. Tem-se a ideia de que os campos são puros e dignos, versus a
cidade que é escura e insalubre. A indústria contemporânea é também vista como a nova forma de
escravatura. Agora, os escravos já não são de uma pessoa, agora o homem livre é escravo de uma
máquina e isto tudo funciona com a emergência de uma visão holística entre campos, que são bons e
luminosos, versus a expressão escura, húmida, fria e impessoal da cidade.
Qual é a solução para a insuficiência de comida na Inglaterra e o seu impacto social? → A imigração
para o Novo Mundo. Os irlandeses que migram para os EUA, na primeira metade do século XVIII,
têm um perfil diverso daqueles que migram na segunda metade. Isto seja pelo nível de alfabetização
ou pela proveniência. Esta emigração funciona como uma “válvula de escape” e um alivia da pressão
na sociedade porque reduz o número de descontentes, mas nada resolve porque os pobres continuam
a sê-lo. Para além disto, a emigração para o Novo Mundo mobiliza apenas pessoas com uma certa
capacidade financeira.

O papel da Inglaterra no Comércio

1846 é considerado o ano de viragem na orientação alfandegária da Inglaterra. Através da abolição das
chamadas leis dos cereais que, decididamente tornam a Inglaterra numa potência livre cambista. O fim
da lei do milho estabelece o fim da proteção à agricultura cerealífera inglesa. Tendencialmente, vamos
encontrar um setor primário agrícola britânico aberto à concorrência dos cereais que vêm do exterior.
A Inglaterra transforma-se no primeiro mercado de cereais da Europa, ou seja, funciona como a placa
giratória dos vários contextos de produção de cereais. Existiam vários grandes produtores cerealíferos
como o Império Russo, a França e as regiões do Báltico. Assim, a Inglaterra vai interferir com a geo-
grafia económica da época. As produções de cereais estão inseridas nos grandes impérios: Russo, Aus-
tro-húngaro e Alemão. A Inglaterra adquire assim uma nova expressão, a de centrar em si um mercado
tendencialmente definidor do preço dos cereais transacionados pela Europa, independentemente do
local onde estes são produzidos.
A Inglaterra torna-se numa potência livre cambista, havendo uma diminuição das tarifas de entrada e
saída de produtos do país. Assim, representa os valores do livre-câmbio, até 1914, o início da grande
guerra. A redução das tarifas alfandegárias não significa que não emergem outras formas de controlo
dos fluxos comerciais que entram no território inglês. A partir dos anos 90 do século XIX, o mundo
muda e emergem outras tarifas que condicionam, por exemplo, o comércio dos gados portugueses no
mercado inglês.
A ideia de que a Inglaterra assume, entre 1846 e 1870, uma dimensão iminentemente industrial signi-
fica uma mudança exponencial na relação com outras economias. A divisão do trabalho que Adam
Smith previa não se reflete apenas numa dimensão nacional, naturalmente o produto transformado será
mais caro que o produto agrícola. Isto significa que o comércio externo inglês encontra mais vantagens
do que o comércio externo de uma potência que tenha o perfil eminentemente agrário.

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A ideia era a de reduzir as disparidades entre as economias agrícolas e as economias industrializadas.


Na prática, isto significa a necessidade dos outros, ou desenvolverem as suas exportações de forma
tradicional para as tornar apetecíveis à Inglaterra, ou então produzir lógicas para introduzir práticas de
diminuição da produção industrial inglesa. A Inglaterra é a primeira a industrializar-se e a tornar-se
livre-cambista, não significa que fosse a única, seria no início do século XVIII, mas já não o era no
século XIX.
Vamos encontrar uma transformação gradual no caso de França, havendo um grande debate em torno
deste país sore se se terá industrializado ou não. Encontramos também Estados na Confederação Alemã
que acompanham a industrialização relativamente rápida, em relação a outros Estados que se vão man-
ter ligados à produção agrícola. Quando a Inglaterra se transforma na primeira potência livre cambista
esta não tem o monopólio da industrialização. O desenvolvimento industrial no continente europeu
pode ser explicado pelo Bloqueio Continental porque este bloqueou fluxos comerciais e abre espaço
para o desenvolvimento de indústrias locais que não voltam a desaparecer. Isto seria mais visível no
contexto da Confederação Germânica do que na França. Vai haver uma grande divergência na forma
das repúblicas se entenderem.

As Inovações Trazidas Pelo Vapor

O vapor traz inovações porque permite que as indústrias se concentrem em qualquer lado, ao contrário
do que acontece na primeira fase da revolução industrial onde estas tinham de estar ligadas a uma fonte
hídrica. Este também permite uma associação estreita entre a indústria movida a vapor e as fontes de
produção do mesmo como: a lenha, o carvão vegetal e o carvão mineral, sendo este último preferível.
O que vemos uma vez mais é a indústria a autonomizar-se, por um lado, e a crescer do ponto de vista
da dependência, por outro.
O vapor traz novas necessidades e permite mais possibilidades. Algumas indústrias deslocam-se para
perto dos mercados consumidores, sendo que estas novas formas de produção industrial vão alargar a
necessidade constante de carvão mineral. A Inglaterra é rica nesta matéria, sendo que antes deste de-
senvolvimento era bastante dependente da matéria-prima vinda da Suécia, continuando e alargando a
suas importações. Não menos importante, vai desenvolver as suas importações do espaço colonial,
sobretudo das colónias que serão, no futuro, os Estados Unidos.
As necessidades de importação de matéria-prima vão ter como consequência a mudança de ligação
entre a Inglaterra e as colónias no que respeita à forma como o minério de ferro chega ao mercado
metropolitano. Devido ao Pacto Colonial, as colónias estão vocacionadas na recolha de materiais e não
na produção industrial. O desenvolvimento industrial na Inglaterra cria a necessidade de mudar as
ligações com as colónias, ou seja, o minério do ferro passa a ser transformado na colónia antes de ir
para a metrópole. Isto acontece para que o transporte transatlântico seja mais fácil. Estas são alterações
à lógica primordial da relação entre a metrópole e a colónia. A Inglaterra é aqui rica em carvão e
minério de ferro, desenvolvendo uma mudança substantiva e qualificativa neste domínio.

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A França

A Economia Agrícola Francesa

Durante muito tempo discutiu-se sobre se terá havido uma revolução industrial em França. Há segura-
mente um processo industrial que se desenvolve com normas diferentes do caso inglês. A França seria
o país mais populoso da Europa, nos finais do século XVIII, e teia uma tradição manufatureira insta-
lada devido ao Colbertismo. O setor primário francês, no que diz respeito à produção agrícola, é espe-
cialmente forte e, deste ponto de vista, a França tende a seguir a autossuficiência, em particular nos
cereais. O setor agrícola francês tinha um dinamismo que começa no contexto nacional e que se ex-
pande para além das fronteiras, sendo este o maior mercado mundial de vinhos na época, funcionando
como uma espécie de bitola para estabelecer a excelência do produto.
A França, sendo uma economia agrícola, durante o período imediatamente anterior à revolução, vai
ter um decréscimo da sua produção agrícola que assenta sobretudo nas dificuldades relacionadas com
as alterações climáticas. O que ocorre entre 1789 e 1799 é uma tensão constante entre a economia e o
setor financeiro francês, persistindo a pergunta de como é que a monarquia ia sobrevivendo a um
esvaziamento da capacidade fiscal.
➢ Como é que se supera a insolvência do Estado francês?
➢ Como é que se vão encontrar fontes de financiamento internas?
➢ Como é que o Estado pode desenvolver novas fontes de financiamento?

A Visão Fisiocrata

A segunda metade do século XVIII, seria marcada pela fisiocracia em França que é anunciada por
Quesney, com a sua visão económica assente na necessidade de circulação. Para Quesney, a saúde do
organismo assenta na circulação, sendo que a circulação constitui a necessidade de investimento. Por-
tanto, a forma de promover o desenvolvimento económico de qualquer contexto faz-se através da cir-
culação constante de mercadorias, entre elas os cereais. Este é princípio fisiocrata que é a favor da
circulação das matérias-primas fundamentais. Esta teoria choca com a organização interna da França
do ponto de vista económico porque encontramos sucessivas demarcações entre as regiões concelhias.
Por exemplo, o trigo que é produzido num sítio tem de pagar direitos para sair de lá, sendo que isto é
feito porque as câmaras precisam de dinheiro para se financiar e porque é uma forma de garantir a
subsistência dos mercados locais. Em França, não encontramos apenas um mercado, mas sim vários.
A circulação entre estes não é imediata porque tem de cumprir regulações que permitem o financia-
mento das populações e das autoridades locais. Quesney concede um modelo que permite impulsionar
a circulação livre de cereais, mas não desonerada, como maneira de estabilizar o preço, garantir ren-
dimentos aos produtores e permitir que haja oferta nos mercados de maior procura: as cidades. → As
cidades estão dependentes do que vem de fora.
O fisiocratismo vai refundar o sistema de ordens. Isto ocorre no princípio do direito da propriedade
privada com uma exceção, a propriedade da igreja, o que vai dar origem a um dos grandes processos
de desamortização. Entendesse por propriedade privada o direito de dispor daquilo que se afere pelo
direito do trabalho e da herança. Isto é tão importante porque, na visão fisiocrata, o desenvolvimento
da propriedade depende da garantia ao proprietário de que aquilo que é seu lhe pertence efetivamente.
Isto porque, só aplicamos os nossos recursos para produzir mais se tivermos a certeza de que aquilo
que temos é nosso. Há uma segmentação entre a estrutura económica e a capacidade de intervir por
parte dos poderes públicos.

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Isto leva-nos a um problema da Primeira Fase da Revolução Francesa: para que servem os impostos?
O novo Estado, que é profundamente debatido até à Constituição de 1791, é um Estado que deve
prestar contas aos contribuintes. Ou seja, o Estado não pode cobrar os impostos sem que exista noção
de necessidade prévia para este efeito. O novo Estado francês tem de estabelecer a relação aquilo que
recebe e o serviço que presta. A primeira noção deste é garantir a segurança da propriedade privada,
sendo que a diferença entre barbárie e civilização reside na forma como é tratada a propriedade privada
que é a base económica e social da propriedade pública. O Estado tem que estabelecer as suas neces-
sidades e fazê-las coincidir às suas funções e, em função disto, cobrar impostos legítimos para investir
na sociedade.
A outra questão de fundo prende-se com a intervenção possível. Se cabe ao Estado garantir a proprie-
dade em que circunstâncias pode este direito ser quebrado? Isto só acontece numa natureza excecional
que ocorre através do conceito de necessidade pública. O encobrimento do direito de propriedade ca-
rece de justificação quando este incumprimenta garantir a felicidade dos povos. Ou seja, o direito à
felicidade é justa posição entre as dimensões material, plural e espiritual do individuo, é o direito de
bem-estar numa perspetiva holística. Promover a felicidade dos povos é promover as condições de
vida, instrução e assistência. Portanto, o novo Estado liberal, no caso francês, adquire uma panóplia
de funções que crescem conforme a necessidade da população. É o Estado que serve a população e
não o contrário. Promover a felicidade dos povos justifica a nacionalização de propriedades para ne-
cessidade pública. O direito de propriedade incorpora de forma rápida e isto dá origem a como se
aplica o direito de expropriação.

Nacionalização dos Bens da Igreja

A Constituição de 1791 concede um Estado novo, mas o problema da França mantêm-se, a insolvência.
A ideia do perigo, com a revolução, significa a reação instintiva de pôr os próprios bens a salvo. A
alteração da ordem política significa a instabilidade e a fuga de capitais. Em França, temos uma situa-
ção de insolvência que vai ser arrastada pelo agravamento de saída de capitais do país, porque a alte-
ração da ordem pública interrompe o funcionamento dos canais de financiamento. Esta revolução in-
terrompe o funcionamento das instituições, havendo dificuldades na forma como Paris interage com o
espaço limite e na forma como cada um dos centros urbanos vai atender às lógicas de financiamento
habitual.
Existe um fator adicional a esta situação, o grande medo que marca a primeira fase da Revolução
Francesa. Esta é a reação das populações rurais aos tributos que os nobres impõem por causa do au-
mento dos impostos. O Estado entende que tem de haver um aumento de imposto para lidar com a
perda. A reação dos proprietários em relação a isto é o aumento dos tributos da população rendeira. A
decisão do Estado central reflete-se no convívio que se torna ainda mais difícil no espaço rural. A
reação é o ataque aos arquivos, o ataque aos símbolos senhoriais e a interrupção do pagamento dos
tributos e da venda da mercadoria ao exterior. Isto cria uma valorização exponencial dos bens de co-
mida o que traz fome e o aumento da violência urbana. Há um aumento da pobreza urbana e uma lógica
defensiva das comunidades rurais. Estas últimas passam a ver tudo o que está do lado de fora como
um adversário, quanto mais não seja porque têm consciência de que agirão contra a propriedade das
ordens privilegiadas e contra o direito que estas tinham de lhes impor tributos. → Primavera de 1789.
A insolvência resolve-se através da extinção das ordens religiosas. Assume-se que as ordens religiosas
configuram um fator contrário ao desejado desenvolvimento da economia nacional. Isto porque os
religiosos são pessoas que estão em idade ativa que, em vez de se inscreverem na atividade económica,
estão segmentadas em comunidades específicas. Mais do que isto, estas ordens religiosas, que não

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pagam impostos, são grandes proprietários rurais detentores de uma superfície considerável, sendo que
o Estado não vê o retorno desta atividade. Há a ideia de que as ordens religiosas funcionam como um
polo de atração de gente na idade ativa que adquirem uma expressão parasitária, ou seja, não contri-
buem para a riqueza nacional.
A ordens religiosas devem-se extinguir e quando isto acontece os seus haveres revertem para o Estado.
Portanto, temos um processo de transferência massiva de propriedade e entidade externa para o Estado
francês. Este vai também observar a igreja católica segundo o primado secular de que o clero regular
termina e o clero secular deve ficar sujeito à autoridade do Estado. Ninguém nega a existência e perti-
nência da função do sacerdote que acompanha as comunidades, é ineludível a função social do sacer-
dote, não sendo posta em causa por nenhuma das fases da Revolução Francesa. O que se põe em causa
é o caráter tendencialmente autónomo da igreja católica enquanto instituição e a existência de um
Estado dentro do Estado. Assim, a forma de garantir que a igreja católica age no âmbito das premissas
da revolução passa por subtrair a sua independência financeira. Ou seja, esta deixa de poder financiar
dos seus bens e fica sujeita ao pagamento de um ordenado sendo os padres servidores como quaisquer
outros funcionários.
Para se ser padre em França, a partir de 1790, é preciso jurar os preceitos da Constituição Civil do
Clero que obriga o respeito dos sacerdotes pelos princípios constitucionais. O clero tem de jurar fide-
lidade ao Estado francês, agindo nos seus termos e sendo funcionários públicos oferendo de um ren-
dimento mensal. Do ponto de vista da estrutura fundiária do Estado, estas medidas têm um impacto
multiplicador porque as ordens religiosas deixam de existir e as suas propriedades revertem para o
Estado, sendo que a igreja católica fica na dependência do Estado francês que as administra.

Processo de Desamortização

Dá-se início ao processo de desamortização. Ou seja, há uma primeira transferência de propriedade de


uma entidade privada para o Estado e depois outros processos de transferência do Estado para os pri-
vados que comprarem, ou seja, aqueles que têm capacidade financeira. Este processo tem vários obje-
tivos:
➢ Objetivo financeiro – assegura imediatamente a liquidez, reduzindo a divida pública francesa
através de compras dos títulos de divida.
➢ Objetivo económico – os liberais franceses estavam convictos que a mesma propriedade tinha
um desempenho diferente consoante a pessoa que a possuía. Ou seja, para eles seria inevitável
que quem gastasse dinheiro a comprar uma terra faria o que precisava para recuperar o capital
investido, só poderia fazer isso através da produção da propriedade. Com isto pretende-se au-
mentar a produção agrícola, a capacidade de investimento na terra, estimular o desenvolvi-
mento de novas práticas, quebrar as lógicas rotineiras que estavam associadas às ordens religi-
osas.
➢ Objetivo social – a desamortização permite o acesso à terra aqueles que não a têm. Um dos
problemas que ocorre no século XVIII é que o acesso à propriedade é difícil porque tudo tinha
donos. Isto significa uma grande pressão sob a propriedade francesa e sob os solos aráveis. Os
objetivos sociais acalentam a possibilidade de criar uma nova classe de proprietários rurais:
aqueles que resultam da desamortização e que se tornam proprietários por causa da revolução.
Pretende-se que a nova classe de proprietários rurais tenha uma estrutura mental fora do padrão do que
se encontra nas áreas rurais, quer-se acabar com a pessoa conservadora construindo a ideia de que os

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proprietários devem ser gratos e obrigados à causa da revolução. Mais do que isto falamos de propri-
etários que o serão segundo uma lógica perfeita com redução do peso dos laços feudálicos em França.
Durante a Revolução Francesa vamos encontrar um apego e vontade/obsessão com a racionalidade das
formas administrativas, estabelecendo-se departamentos rigorosamente iguais e uniformização de pe-
sos e medidas. A vontade milimétrica de tornar tudo igual vem do princípio da igualdade perante a lei.
Não basta apenas proclamar os princípios, sendo que as uniformidades administrativas e económicas
resultam da vontade do Estado francês de se apresentar da mesma maneira para qualquer cidadão in-
dependentemente do sítio onde este esteja. Portanto, o cidadão tem de ser igual perante a lei, por isso
é fundamental que o Estado assegure essa igualdade. O Estado liberal é burocrático porque já não
estamos na presença de um estado afastado, como no absolutismo. Este, seja onde for, sente necessi-
dade de saber o que se passa. Na prática, isto significa criar estruturas administrativas para garantir a
igualdade.
Concluindo, cria-se uma classe de proprietários tendencialmente progressista abrindo, num contexto
rural, uma frecha de apoio à mudança política em França. A desamortização francesa tem como ime-
diata consequência uma mudança transversal no espaço rural francês, se a revolução é parisiense, as
consequências vão ter impacto em toda a França.

Transformação na Propriedade

O princípio da enfiteuse era um sistema de arrendamento que arrendava a propriedade por 3 vidas,
sendo que deste arrendamento resulta a transferência do domínio útil da terra para quem se compro-
mete a cumprir o contrato. Isto significa que o dono da terra tem o controlo sobre a mesma, mas não o
controlo útil. Existe a enfiteuse e a subenfiteuse, ou seja, quem faz um contrato de enfiteuse pode
arrendar a terra a outra pessoa. Isto quer dizer que na Europa a propriedade rural entende-se por um
dono → arrendatário por 3 vidas → subarrendatário.
Este é o regime que rege a propriedade desde a Idade Média até à contemporaneidade e que se vai
debater na Europa. O proprietário não pode vender a terra porque este tem de ser arrendada e a pessoa
que arrenda também não tem dinheiro para comprar a terra. Isto dá origem ao problema da remissão
de foros, sendo algo altamente debatido. Uma vez que quem te contratos enfiteuses e subenfiteuses vai
reclamar ao Estado francês a remissão de foros. A remissão dos foros vai ser atendida em agosto de
1799 e constitui a segunda fase do processo de transformação da propriedade. Esta tem efeitos diversos
porque aquilo que a Assembleia Constituinte dirá é que quem tem vínculos enfiteuses pode resgatá-
los pagando uma indeminização ao proprietário. O valor destas indeminizações manteve-se indefinido
de uma maneira propositada até ao Período do Terror. Neste contexto, após o assassinato do rei, em
1793, depois da lógica de nacionalização que se opera no contexto da económica francesa motivada
pela guerra, o Comité de Salvação Pública vai determinar a inexistência de indeminizações. Isto sig-
nifica que, entre 1789 e 1793, a estrutura da propriedade rústica em França altera-se por duas vias:
➢ Processo de desamortização;
➢ Panóplia de pequenos proprietários rurais que já não tem de resgatar os foros.
A consequência disto é que a população agrícola se consolida, temos uma mudança social ligada à
propriedade rústica, havendo uma diversificação e um aumento de proprietários rurais. No período
revolucionário há um alargamento dos proprietários rurais em França emergindo pequenos e grandes
proprietários.

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Uma das consequências da revolução e da revolução militar seria o promover das atividades económi-
cas em França. Ou seja, o comércio que estava associado ao tráfico atlântico perde expressão porque,
devido à guerra, a França tende a perder contacto com o seu espaço colonial. Isto reflete-se numa
espécie de repressão da atividade económica nas partes associadas ao Atlântico e à concentração da
atividade no espaço interior.

A Violência em França e os seus Impactos

O princípio da Nação em Armas é um conceito que emerge nesta realidade revolucionária. Isto signi-
fica a mobilização geral da população para o combate contra o adversário francês, com a ideia de que
aos homens incumbe combater, às mulheres acompanhar os feridos e às crianças o trabalho nas estru-
turas industriais. A causa da guerra transforma-se numa causa iminentemente nacional.
A França vai reinventar a guerra no seu sentido mais imediato porque não tem um exército capaz de
responder às ofensivas austríacas. O exército adquire a função de uma lógica de conceção do cidadão
por via da meritocracia, da capacidade de entrega e competência à causa. O princípio da Nação em
Armas e da mobilização global entende-se como um processo que pretende instaurar uma disciplina
interna. A primeira fase do avanço francês vai ser feita por homens ou mulheres, algo que tende a ser
considerado uma perversão na atividade militar.
Há um papel importante por parte da mulher, a partir de 1793, não na frente de batalha, mas entre a
frente e a retaguarda. Isto tem a ver com o sistema reprodutivo e com a capacidade de se garantir que
a França sobrevive, sendo que para isto acontecer é necessário que haja franceses. Isto tem a ver com
a capacidade de se espalhar a lógica da revolução além-fronteiras. A revolução traz a ideia de que cabe
ao revolucionários franceses, não apenas os interesses da própria França, mas também dos outros po-
vos, adquirindo uma expressão transnacional.
Em 1793, a capacidade de resposta externa significa a subordinação da economia francesa ao Estado,
sendo que isto é feito através da nacionalização das indústrias consideradas fundamentais: madeira,
armas e têxteis. Significa ainda a nacionalização do comércio externo, ou seja, ninguém pode importar
ou exportar sem a autorização do Estado, não havendo vendas ao exterior diretamente. Com isto pre-
tende-se salvaguardar a moeda, impedindo a saída de divisas e géneros que sejam considerados im-
portantes para o esforço de guerra, sejam estes de expressão militar ou de abastecimento do exército.
Esta medida também se aplica às atividades financeiras, sendo que a Comissão tem de gerir todos os
recursos financeiros públicos e privados.
Este é o momento da institucionalização do terror que tem a ver com a necessidade de enquadrar a
expressão violenta que ocorre sobretudo nas áreas urbanas, em especial em Paris, a partir de 1792. São
constituídas milícias que vão percorrer os estabelecimentos prisionais de Paris, entrando e analisando
os papeis todos. Isto é feito para que os que estão detidos à espera de julgamento possam ter um destino
definido. A justiça popular chega e faz-se através da execução de quem se considera culpado ou da
absolvição. Esta realidade tem um impacto terrível na população de Paris porque as execuções são
publicas devido a um processo de pedagogia social. Isto significa a demonstração do poder do povo,
daqueles que defendem as ideias de revolução e que, por esse motivo, questionam a atuação do Estado
tal como ele se encontra na sua fundação. Assim, vai nascer a justiça revolucionária que assenta no
pressuposto do julgamento imediato, com a ideia de que é preciso salvaguardar imediatamente a revo-
lução dos inimigos internos (açabarcadores, contrabandistas e pessoas que fazem contrafação da mo-
eda) e adversários externos. Este é um período em que existe uma visão muito dada ao exercício da

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conspiração devido há ideia de que há uma infiltração externa no contexto da sociedade francesa. Esta
visão vem acompanhada de uma violência imediata.
Todos aqueles que não juraram a Constituição Civil do Clero como sacerdotes que se mantêm na
clandestinidade e o clero refratário são considerados traidores, assim como os nobres e toda a sua
família. Os emigrados são todos aqueles que saem de França e que se opõe às ideias da revolução,
tendo a sua propriedade confiscada. Os familiares dos emigrados são considerados igualmente traido-
res. A forma de eliminar estas pessoas assenta na execução publica através da guilhotina. Existem
guilhotinas em todas as sedes de departamentos e as execuções são momentos em que toda a gente é
chamada, utilizadas como uma medida de pedagogia. Sabemos que milhares de pessoas foram execu-
tadas neste contexto. Esta é a expressão maior da violência que vai consumir os seus próprios prota-
gonistas.
Com o terror a Convenção procura nacionalizar a economia, tentar refundar a religião cívica, reorientar
a sociedade e reeducá-la no seu todo. Temos o desenvolvimento das escolas e o interesse manifesto
nos currículos escolares porque entendesse que é na escola e no exército que se aprende a ser cidadão.
A ideia de reeducação transversal faz-se por várias vias. Aquilo que se pretende é que a fórmula do
ponto de vista racional seja mais avançada.
A partir de 1795, encontramos uma alteração manifesta no contexto francês. Alguns autores dizem que
a guilhotina molhada veio a ser substituída pela guilhotina seca. Há uma ideia de que a violência atin-
giu a sua expressão máxima e tornou-se tão banal que a França precisa de uma nova etapa. Dá-se uma
ideia de uma nova forma de regime que tem a ver sobretudo com as novas estruturas industriais e
sociais. Vamos encontrar uma forte contenção da contrarrevolução ligada ao absolutismo, mas emer-
gem também novas ameaças que ressoltam do pensamento de que a revolução afinal não o foi. Ou
seja, a conspiração dos iguais e as suas emanações subsequentes traz o ideal de que a revolução só se
vai dar no contexto da abolição do fator orientador da sociedade: a propriedade privada. Isto significa
a formação do ideário comunista e da ideia de que o Estado tem de garantir a igualdade, reformulando
as estruturas económicas que vão ameaçar a evolução política, económica e social francesa. O Diretó-
rio vai reagir pela via da repressão com a guilhotina molhada, tendo em conta a necessidade de reprimir
ideais que são considerados subversivos e dissolventes.

Chegada ao Poder de Napoleão Bonaparte

Napoleão Bonaparte corporiza a Revolução Francesa e o seu trajeto. Ele corporiza a ideia de que qual-
quer pessoa pode chegar a qualquer lado, sendo que este vem de Córsega, um território que questiona
a soberania francesa. Ele mostra que a Nação é dos indivíduos que a compõe independentemente de
onde nasceram, desde que se considerem francesas e subscrevam os princípios da revolução fazem
parte da nação. A figura napoleónica emerge com a modernidade política que assenta na visão econó-
mica e social do Bloqueio Continental.
Napoleão propõe a constituição de um mercado europeu centrado na França e nos aliados da mesma
com uma revitalização plena da Europa excluindo o Reino Unido por via do protecionismo aplica para
escapar à superioridade industrial inglesa. Pretende-se com isto o desenvolvimento industrial em
França e das áreas com que esta tem contacto direto. Este modelo económico significa, sem que se
ponha em causa a ascendência da agricultura em contexto francês, o desenvolvimento da indústria no
sentido moderno do termo e do mercado europeu.

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O Napoleão vai empenhar-se na Confederação do Reno que tinha como objetivo articular entre as
diferenças economias alemãs e francesas. Estas economias vão todas beneficiar do código de comércio
promulgado, em 1804, que tem a ver com a necessidade de regulamentação a atividade comercial. Isto
é profundamente inovador em alguns setores, nomeadamente no que respeita à criação de sociedades
por cotas e ao desenvolvimento das economias anónima, realidades mal vistas no comércio inglês. O
código administrativo aplicado à França vai ter uma ampla expressão, inspirando em todo o contexto
controlado pela mesma. Isto tem a ver com uma reorganização do espaço e de uma hierarquia de po-
deres que seja favorável ao desenvolvimento económicos e comercial. Estas estruturas e lógicas supe-
ram largamente o período napoleónico.
Uma das características do entendimento napoleónico tem a ver com a revitalização dos cursos de água
da Europa, a ideia de que os rios são grandes vias de comunicação da produção europeia. A Convenção
do Reno engloba todos os estados que são atravessados pelo rio Reno com o objetivo de garantir uma
administração conjunta, desonerada de tarifas, garantindo a navegabilidade do rio. Esta ideia vai man-
ter-se igual depois de 1815. Pretende-se garantir a operacionalidade dos circuitos comerciais internos
da Europa através de uma lógica integrada em função da força militar da França. Este pensamento está
associado a outros:
➢ O cuidado da formação de quadros técnicos;
➢ A criação de escolas politécnicas.
Pretende-se a criação de um sistema de ensino que assegure as necessidades de desenvolvimento liadas
à indústria. A criação de instituições politécnicas vai ser a origem da engenharia civil, do processo de
autonomização da engenharia face à dimensão militar. Nos politécnicos estudam-se as ciências exatas
cuja valorização acompanhas as humanidades. Este sistema de ensino vai generalizar-se na Europa.
Isto dá origem a uma mão de obra qualificada que vai estar na base da Segunda Revolução Industrial
que ocorre no contexto alemão, belga e francês, os herdeiros diretos deste sistema de ensino.
O problema de Napoleão é o facto de este não controlar os mares, percebendo que não o fará vai querer
substituir a via marítima pela via terrestre. Há a ideia de um orientalismo que está associado à gover-
nação de Napoleão, mais interessados do ponto do vista geopolítico na Eurásia do que na América.
Recentra-se a esfera económica e social de França na Europa e na Eurásia. Mantêm-se aquilo que se
pode manter atendendo á relevância da capacidade produtiva no domínio do açúcar, ainda que haja
uma relação difícil de França com as colónias.

França Pós Napoleónica

Esta é uma nova França que não termina em 1815. Esta França tinha problemas sociais especialmente
relevantes com a manutenção de uma opinião republicana que cresce ao longo das crises endógenas e
que é promotora da participação do cidadão com uma maior influência do Estado na vida política e
económica. Tem também uma opinião interna ultrarrealista que advoga a volta aos princípios antigos
desonerando as ideias de fraternidade, liberdade e igualdade. A monarquia constitucional está entre
duas tendências que vão ditar o seu desenvolvimento.
Uma das preocupações de Luís XIX vai ser desurbanizar a França. Isto porque há uma grande concen-
tração de pessoas na cidade, sendo que isto potência movimentos polares de largo espectro. O objetivo
é reduzir a densidade urbana reconfigurando a França segunda a premissa da ruralidade. Emerge a
ideia de uma dicotomia entre a França urbana, a revolucionária, e a França rural, a verdadeira. Isto faz-
se através da lei do arado, uma nova formulação da expressão anterior. Esta é uma legislação que veio

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de Napoleão com o objetivo de não permitir a maior concentração de terra. Quer-se reconfigurar a
França de maneira que não se permita um regresso àquilo que existia antes de 1789. Esta lei explica
que o limite da terra não pode ser superior aquilo que o seu proprietário consegue trabalhar diretamente
com o arado. A França quer ser favorável ao pequeno e médio proprietário rural. O proprietário e os
agricultores são aqueles que não abandonam a pátria, são os primeiros defensores da Nação. Ou seja,
estes constituem o grosso da França conservadora, funcionando como uma espécie de substrato que
garante a pureza francesa.
É indiscutível que a França tem de se desenvolver em termos industriais e reduzir a disparidade indus-
trial nas diferentes regiões. Encontramos o norte ligado à indústria mineira de grande dimensão e que
acompanha as novas tecnologias, sendo estas regiões servidas por carvão de elevada capacidade. Esta
característica não é transversal à maior parte do território, não havendo o mesmo acesso a esta matéria.
A França vai caracterizar uma diversidade muito grande de fontes de energia, sendo que encontramos
até muito tarde o recurso da energia hídrica e o desenvolvimento desta. Vamos encontrar disparidades
e não uniformização da atividade industrial francesa, sendo estas aperfeiçoadas.
A França debate-se com o problema da inexistência do mercado nacional. Para os revolucionários e
Convenção esta questão resolve-se pela aplicação de uma fórmula de verificação dos stocks e das
colheitas através de comissários que expropriam em nome da República francesa aquilo que os produ-
tores tinham. Isto é incompatível com o modelo liberal. O grande desafio de França, entre 1815 e até
ao final da primeira metade do século, é como pode transformar o espaço económico num espaço que
permite a interação das diferentes regiões (canais ou linhas férreas?). Numa primeira fase é aplicado o
modelo inglês através das companhias privadas. Portanto, a companhia privada não é algo que corres-
ponda à capacidade da França, sendo este modelo substituído por um modelo público-privado. Esta
posição vai ser virtuosa. A transformação do mercado francês significa a alteração substantiva da
frança ao nível da engenharia e finança europeia. A França vai caracterizar-se pela sua autoridade na
engenharia e no desenvolvimento de caminhos de ferro em toda a Europa, mas também no seu finan-
ciamento. A preferência do investimento inglês está no Novo Mundo.

A Segunda Revolução Industrial

A França

As indústrias que se desenvolvem em França estão ligadas à metalurgia e assim a França será um dos
contextos da chamada Segunda Revolução Industrial. Se a primeira revolução está ligada aos artesãos,
homens das corporações de ofícios que se vão especializar na produção dos panos de algodão, esta
segunda é mais exigente e nasce em contextos de adversidade. Os franceses vão aumentar a capacidade
produtiva, seja no domínio do ferro seja na siderurgia. O aço nunca seria mais barato que o ferro, mas
existe uma capacidade para alargar a sua produção a custos mais baixos do que antes se praticava.
Esta revolução industrial leva à segunda revolução dos transportes e da construção civil, sendo que o
aço se torna mais comum e passa a ser aplicado no domínio da navegação, algo que anteriormente
tinha acontecido com o ferro. No decorrer do século XIX vemos o crescimento das estruturas do trans-
porte marítimo que estão exclusivamente vocacionadas na deslocação de bens e pessoas. O aço vai
renovar as formas de comunicação terrestre e naval e vai alterar as estruturas citadinas, ou seja, permite
uma construção em altura que, até então, não era possível, como os arranha-céus. O aço também vai

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ter um impacto na agricultura, criando uma nova fase da sua revolução ao ter impacto na produção
agrícola e na criação animal, com aumentos e ganhos decrescentes.
A segunda revolução industrial, da qual a França seria uma das promulgadoras, está também associada
à indústria química que vai criar uma panóplia de novos produtos. Esta seria uma indústria exigente
na sua origem e que requer um elevado nível de investigação científica em campos como o farmacêu-
tico, fertilizantes, corantes artificiais e a produção de borracha. Isto vai ter um impacto imediato na
capacidade da indústria de se autonomizar em determinadas áreas como seria a da borracha, que ori-
ginalmente tinha sido uma das grandes prioridades da Inglaterra nas suas colónias. Quanto aos coran-
tes, vamos ver que ocorre uma diminuição na capacidade dos corantes naturais. Portanto, temos como
consequência a ideia de autonomizar o quando possível as indústrias europeias de fornecedores extra-
europeus. Existe uma tendência para a associação das empresas que produzem bens distintos, mas que
por via da sua compatibilidade tendem a aproximar-se. As indústrias francesas que se desenvolvem na
segunda metade do século XIX são tendencialmente maiores que as indústrias inglesas, sendo que a
indústria cirúrgica e química seriam as maiores.
A França continua a ter um setor agrícola fortíssimo, sendo que uma das suas características vai ser a
interação que este tem com o setor industrial. A indústria química tinha de se subjugar à indústria
alimentar, como por exemplo, a conservação dos alimentos. A indústria alimentar tem um papel im-
portante no contexto militar e civil. Vai desenvolver coisas importantes como a alimentação para bebés
que antes era feita através de papas de pão, não sendo equilibrada. Vai-se criar comida de bebé, algo
que revoluciona o quotidiano das populações e reduz a mortalidade. Contudo, o acesso a estas mudan-
ças não é transversal a todos, encontrando-se assim recursos diferenciados nas demais regiões. Isto
significa que a lógica da modernidade vai entrar em contextos diversos consoante a maior ou menor
capacidade de exportação interna e externa das novas indústrias. Quem tem maior poder de compra
absorve primeiro estas novidades, havendo uma expansão de cima para baixo e simultaneamente das
áreas urbanas, por estarem mais expostas, para o interior.
A perfumaria e os cosméticos ligavam tanto a indústria alimentar como a química. A França vai revo-
lucionar a maneira como usavam o perfume, havendo a capacidade de se alargar a produção do mesmo
e diversificar a utilização de matérias-primas através do desenvolvimento da cosmética. Na indústria
francesa vamos encontrar um traço distinto, a capacidade que esta tem para incorporar as indústrias de
luxo que já existiam em França antes da industrialização. A industrialização significa a possibilidade
que os produtos de luxo possam ser adquiridos por pessoas que tenham escasso ou mesmo médio poder
de compra. Estas indústrias de luxo vão desenvolver-se por duas vias:
➢ A produção de produtos possível de ser adquirido, mas a preço elevado;
➢ A indústria que vai manter uma forte mão de obra, estabelecendo uma correlação direta entre
esta e a produção exclusiva, como forma de prevalência dos métodos ancestrais de produção.
o A ourivesaria é outro dos ramos onde encontramos uma produção segmentada em vá-
rios domínios.
A França vai ser simultaneamente um país rural e industrial. Existe uma indústria que acompanha
padrões que são diferentes da indústria inglesa. Aquilo que encontramos aqui é uma diversificação
sem uma subordinação do setor agrícola ao setor industrial. Na verdade, temos o setor industrial a
consolidar a relevância do setor agrícola. Este seria um processo longo, sendo que encontramos na
Europa do século XIX lógicas industriais absolutamente fulgurantes, como o caso Belga.

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A Bélgica

A independência da Bélgica aconteceu como consequência da cris de 1830. É necessário entender a


forma como este novo estado surge e evolui do ponto de vista económico e social. A crise do final da
época de 1820 e a necessidade de representação dá origem a uma vontade expressa de uma autonomia.
Podemos dizer que a formação da Bélgica é algo que vem revolucionar as fronteiras da Europa pós
1815. Importa-nos entender que o novo Estado belga não deixa de ser considerado como algo tenden-
cionalmente aquém do normal. Era um Estado de pequenas dimensões e pouca população, forçado ao
abrigo do Tratado de Londres de 1839 a ser neutral. Isto significa que a Bélgica tem um exército e
forças de segurança internas, mas está impossibilitada de recorrer à força militar para reagir a terceiros,
sendo que estes terceiros também não podem violar a ideia de neutralidade tendo como garantes a
Holanda, a Prússia, a França e a Inglaterra. A Holanda e a Bélgica são obrigadas à neutralidade porque
funcionam como uma espécie de retaguarda da Inglaterra, agem como uma salvaguarda da área de
influência e da integridade territorial inglesa.
O novo Estado tem, por isso, condicionantes naquilo que se considera ser a capacidade de afirmação
da soberania porque são pequenos e não podem crescer, tendo alguns elementos de soberania que lhes
foram negados. A consequência disto seria a industrialização como forma de garantir a prevalência
belga na Europa. Todos os belgas, assim considerados na sua proclamação em 1830, tinham a perfeita
noção que os polacos existem e já foram um reino e agora não o são. Para garantir a prevalência deste
novo estado com pequenas dimensões têm de utilizar a capacidade industrial.
A Societe General era uma instituição bancária utilizada como instrumento de financiamento líquido,
ou seja, o Estado belga vai usar esta instituição para induzir ao desenvolvimento no setor agrícola e
industrial. O papel desta instituição vai ser acrescido numa nova estrutura financeira, o Banco da Bél-
gica, que abre em 1835. Estas duas instituições vão desenvolver um sistema de crédito diversificado.
À Bélgica não interessa apenas as grandes indústrias, interessa todas. Interessa também a prestação de
serviços de navegação, transformando os seus portos em áreas de inter land de características deseja-
das. Vai-se aumentar a produção agrícola e a beterraba vai suscitar uma revolução na indústria agrícola.
Em geral, a Bélgica vai desenvolver-se muito rapidamente e, em 1840, é um país industrializado que
tem capacidade de impor a sua industrialização por via da venda ao exterior. O garante desta exporta-
ção da produção é a banca belga que vai ter um papel importante ao inovar na forma agregada de
funcionar. Esta vai identificar possibilidades de investimento para as empresas belgas no exterior per-
mitindo a sua atuação em cadeia. A Bélgica vai crescer exponencialmente dentro e fora do seu território
por via das suas estruturas bancárias.

A Confederação Germânica

A Alemanha vai tornar-se numa das potências associadas à Segunda Revolução Industrial. O Império
alemão mostra como a afirmação de uma nova potência estaria associada ao desenvolvimento da in-
dústria moderna. Vemos um desenvolvimento industrial precoce em alguns Estados alemães que
acompanhavam a primeira fase da revolução industrial e isso mostra o desenvolvimento que leva a um
processo de mudança.
A Hungria vai ser elevada a um estatuto de autogoverno o que mostra a capacidade que tem para se
desenvolver economicamente de forma autónoma. A Confederação Germânica era constituída pelo

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Império Austríaco e algumas cidades-estado agrícolas. Assim, temos um contexto que do ponto de
vista económico é muito heterogéneo.

A Entrada da Prússia

Uma das características do período napoleónico seria a necessidade de alguns Estados, como a Prússia,
de promover uma alteração endógena em termos económicos. Isto mostra o impacto que a derrota da
Prússia contra a França teve e que levou a alterações internas na sua estrutura. Vai-se dar o fim da
distinção de nobre e não nobre já que a Prússia uniformiza o estatuto de propriedade e, a partir de1807,
são promulgadas medidas que visam a extinção da servidão. A Prússia estabelece uniformização dos
pesos e medidas, assim como a obrigatoriedade de instrução para todos quantos acedem ao mercado
laboral. Dá-se também a extinção das corporações de ofícios.
Em, 1815 a Prússia entra para a Confederação Germânica ganhando assim uma consolidação imperial
que permite que se afirme na confederação. Temos uma Prússia eminentemente agrícola e com rele-
vância militar, como se fosse um grande campo cerealífero. A verdade é que o Império Alemão vai ter
sérios problemas no que diz respeito à manutenção da respetiva estrutura fundiária a Leste. A Prússia
tinha terras alemãs e eslavas que eram habitadas por população eslava, sendo que esta tinha um papel
fundamental na manutenção das propriedades rurais.
As terras polacas estavam atribuídas à Prússia, ao Império Russo e Austríaco. Estas terras e os seus
proprietários foram sujeitos à venda forçada. A ideia seria que a Prússia recebia os territórios e os
proprietários polacos tinham de os vender para assim saírem e criarem espaço para o crescimento
alemão, aumentando a capacidade operativa alemã. Contudo, isto não vai ser bem-sucedido no decor-
rer da primeira metade do século XIX, porque vai existir a necessidade de mão de obra depois da
extinção da escravatura, sendo que a que estava disponível era de pessoas do Leste. Desta forma, o
que encontramos aqui é uma dificuldade em aumentar a soberania alemã na zona Leste devido à difi-
culdade que os alemães têm em ambientar-se ao seu contexto.
Vemos aqui uma sociedade agrícola e agrária com profundas assimetrias. Vamos ter consequências do
fim da sociedade nobre e não nobre com o aparecimento de uma pequena e média classe rural. Esta
realidade conflui com uma visão identitária da Prússia que seria a de um campo e uma sociedade rural
assente em valores militares, onde a industrialização não era bem-vinda porque esta implica o desen-
volvimento das fábricas que implica o crescimento do proletariado. O dilema da Prússia tinha maiori-
tariamente a ver com a evolução da Baviera, onde o desenvolvimento de uma indústria traz novos
fatores como o operariado, que não seria fácil de controlar.

A Criação da Zollverein

A Prússia não vai basear a sua indústria no setor têxtil e sim no setor de extração mineira com uma
lógica integral. Esta indústria vai ser considerada como fundamental para garantir a independência do
reino da Prússia e para a sua afirmação no contexto Europeu, assim como para a modernização militar.
Desta forma, vemos que a Prússia vai ceder à indústria, apesar de não concordar com uniões alfande-
gárias no espaço da Confederação achando que a garantia dos seus interesses seria permanecer de fora.
Contudo, acaba por entrar nestas uniões chegando a ser líder de uma liga que absorve as demais, de-
nominada de Zollverein. Esta liga teria sido negociada nos primeiros anos da década de 30, é assinada
em 1833 e entra em vigor a 1 de janeiro de 1834.
Todos os Estados que integram a Zollverein deixam de cobrar tarifas alfandegárias no comércio entre
si. Existe apenas uma tarifa única com a criação de uma alfândega para o espaço que se encontra fora

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da união. Ou seja, os Estados que fazem de fronteira passam a cobrar uma só tarifa de entrada e saída
que seria estabelecida previamente em função das necessidades de cada Estado. Devido a alguns Es-
tados deixarem de ter alfândega, então as receitas de entrada e saída de tributos são repartidas. A sua
partilha era realizada de acordo com a demografia de cada Estado. A Prússia sai favorecida nesta re-
distribuição de rendimentos devido a ter o maior contingente demográfico. Esta lógica de aproximação
por via do comércio induz à criação de lógicas participadas de todos os Estados para construir uma
rede ferroviária que seria o espaço alemão. Existia uma lógica de integração comercial que tem im-
pacto no desenvolvimento da economia e que induz à criação de um mercado.
Os alemães eram falantes de língua alemã que transportam a sua cultura, a partir de 1833 esta lógica
nacional avança do ponto de vista comercial e económico. Nenhum dos Estados deste grupo abdicou
da sua soberania nacional permanecendo todos com representação externa diplomática independente.
A Prússia protagoniza a união alfandegária e tinha o objetivo político de assumir a liderança do espaço
alemão versus o Império Austríaco. O Império Austríaco, na sua essência, é híbrido pois seria consti-
tuído por alemães e não alemães → o Imperador da Áustria era também rei da Boémia e de uma Hun-
gria que não era alemã. O que encontramos é uma lógica de uniformização do ponto de visa comercial
e económico que radica no reconhecimento de uma unidade que teria em comum a nacionalidade alemã
independentemente do estado em que as pessoas se encontram.
A Áustria vai ficar fora disto porque reivindica para si a terra que é alemã e a que não é. Entre 1864 e
1866, o Império Austríaco faz sucessivas tentativas para aceder ao Zollverein. Para a Prússia isto era
um problema porque a dimensão territorial da Áustria iria significar que esta perderia o controlo e
centralidade do Zollverein. Em 1846, existem fortes dificuldades internas no contexto europeu que vão
crescer no ano seguinte e, em 1848, rebenta a Primavera dos Povos que vai ser dramática para o Im-
pério Austro-húngaro que se apoiava na Rússia. Este foi um processo de natureza económica e social
e subjaz motivações de natureza política. Este período foi marcado por uma tentativa de combate pela
unificação da Alemanha.

Crescimento da Prússia

A Prússia vinha a crescer com o Zollverein, com a Guerra dos Ducados e com a Guerra Austro-Prus-
siana (Áustria vs. Prússia e reino da Itália). A Guerra dos Ducados foi travada em 1864 entre a Dina-
marca, por um lado, e a Prúsia e o Império Austríaco, por outro, agindo em nome da liga alemã. A
guerra começou devido à luta pelo controlo dos ducados de Eslésvico e Holsácia.
A Guerra Austro-Prussiana foi travada pelo Império Austríaco e pelo reino da Prússia, em 1866, re-
sultando no domínio prussiano sob os territórios germânicos. A conclusão da unificação alemã decorre
ao mesmo tempo que a unificação italiana. Estes seriam processos independentes, mas com pontos de
contacto que se apoiam invariavelmente contra a Áustria. Iria aparecer um sistema Bismarckiano que
permite o aumento territorial da Prússia em ambas as guerras.
Uma das consequências da vitória da Prússia nesta guerra contra a Áustria foi o fim da Confederação
Germânica. Em 1866, a Confederação Germânica deixa de existir para convergir com a Confederação
Germânica do Norte presidida pela Prússia. Tudo isto é um balão de ensaio para o que vamos encontrar
em 1871.

O Novo Império Alemão

A ideia da criação de um novo império alemão, em 1871, surge por via da fragilização do império
austríaco e, por outro lado, o fim e derrocada do império francês. A França seria obrigada a pagar

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indeminizações de guerra num valor astronómico à Prússia pelas perdas causadas. Além do mais, ve-
mos que a França não seria livre de pagar quando quisesse, tendo um esquema de pagamento a longo
prazo durante o qual esta tinha de ficar militarmente ocupada.
Em 1871, vamos encontrar não apenas um novo império alemão, mas também uma nova realidade
económica e industrial. Este seria, do ponto de vista externo, competitivo com base em princípios do
sistema nacional desenvolvido em 1844. Do ponto de vista da organização económica, o que observa-
mos é a formação de um grande mercado que agora seria nacional.
O Império Alemão vai, a partir de 1879, ser uma potência protecionista, até 1914. Além disso, este
império vai ser uma das grandes potências comerciais no fim do século XIX e início do século XX.
Isto acontece devido:
➢ Anulação da concorrência interna no mercado alemão;
➢ Constituição de empresas associadas a uma nova forma capitalista vista no contexto belga e
francês;
➢ Criação de entendimentos entre indústrias do mesmo ramo sobre o montante do preço praticado
no mercado interno e externo.
Vão ser criadas empresas que operam pela via de aquisição e fusão, sendo que estas vão poder adquirir
uma escala que não era vista noutros locais. Além disso, teriam uma capacidade de afirmação no es-
paço nacional que não se põe em causa por que o sistema de cartelização anula a concorrência e estão
protegidas, devido às elevadas tarifas alfandegárias. As empresas do espaço alemão vão vender a pre-
ços altos no seu próprio território e a preços baixos no exterior, neutralizando a concorrência externa,
ao contrário do que vemos na Inglaterra. O operariado alemão vai ser inserido numa política de salários
altos, já que esta seria a primeira potência industrial do final do século XIX na Europa tendo-se a ideia
de que não se consegue uma grande indústria sem o operariado.
O Império alemão vai ser caracterizado pela ideia de espaço vital. Este conceito revela aquilo que se
considerava ser essencial para garantir a vivencia do Estado, tendo inclusive uma relevância econó-
mica. O império alemão consegue afirmar-se no espaço externo e põe a concorrência em causa. Vemos
assim que a Inglaterra seria a primeira potência comercial do mundo e a Alemanha a primeira potência
industrial da Europa.

A Europa e o Mundo no Século XIX e Início do Século XX

As Crises

A Prússia e os estados associados à Zollverein, a partir de 1879, deixam de ser livre-cambistas. Por
outro lado, a França, em 1880, adota uma lógica protecionista e, consequentemente nos anos de 1890,
vai ocorrer uma revogação dos tratados de comércio e navegação.
Recuando um pouco, realça-se a crise em 1874 que se prolonga até ao rebentar da Primeira Guerra
Mundial. Este período fica conhecido como o Advento da Paz Armada. Este foi um período da história
política da Europa caracterizado pelo forte desenvolvimento da indústria bélica das grandes potências
juntamento com as crescentes tensões nas relações internacionais. As continuas tensões entre os esta-
dos por causa dos conflitos nacionalistas e imperialistas fizeram com que cada estado destinasse um
grande volume de investimento do capital estatal no setor armamentista. A indústria bélica aumentou
consideravelmente os seus recursos produzindo novas tecnologias para a guerra. Além disso, quase

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todas as nações europeias adotaram o serviço militar obrigatório, incentivando o sentimento naciona-
lista. Estes gastos militares resultaram num processo de falência nacional.
Em 1863, vamos assistir ao crash da bolsa de Viena. Isto significa uma alteração no sistema financeiro.
A Alemanha não fica imune a este acontecimento e é por isto que o protecionismo alemão vai ter tanta
importância. Esta era a razão pela qual teríamos uma espécie de associação alfandegária com o con-
trolo sobre o mercado, pois o protecionismo não serve apenas para financiar o Estado alemão, mas
também para controlar quais as mercadorias que entram e saem. O protecionismo serve para financiar
as exportações alemãs no exterior.

Países Retardatários

Uma das características do desenvolvimento industrial e social do século XIX está relacionado com a
emergência dos retardatários. Estes são o país cujas características induzem, numa primeira fase, ao
protagonismo industrial, seja porque não têm as indústrias de carvão, minério de ferro e mão de obra
qualificada como os belgas, os franceses e os alemães. Encontramos uma panóplia de países e econo-
mias que vão evoluir de uma forma subjaz à capacidade de desenvolvimento industrial como seria a
Suécia, a Suíça, a Áustria e a Hungria.

A Suécia

Falamos de economias, no caso da Suécia, que se avultam com uma grande matéria-prima porque parte
das produções ingleses são feitas com o ferro importado da Suécia. Esta não consegue acompanhar a
Primeira Revolução Industrial, não tendo acesso facilitado ao carvão ou cobre e, é por isso, que o ferro
produzido na Suécia é tendencialmente caro. Significa que o desenvolvimento industrial deste país
decorre nos finais do século XIX, estando inscrito numa matriz com capacidade de impor as economias
de produção industrial e desenvolver uma elevada qualificação.
Normalmente, os países da Europa, como os escandinavos, conduzem uma concentração demográfica
devido à sua natureza e condições climáticas. Estamos num período em que a alfabetização seria im-
portante, tendo esta influência no estabelecimento de uma coesão política nacional. Podemos ver ob-
servar isto, por exemplo, no facto de que nenhum finlandês se podia casar se não fosse alfabetizado.
Esta era uma medida forçada para que não houvesse dúvidas de que é necessário as pessoas saberem
ler e escrever. Estes países vão desenvolver níveis de alfabetização superiores ao resto da Europa. Isto
significa que a mão de obra destes locais tenderia a ter um nível superior no que diz respeito à sua
qualificação.
A Suécia vai aproveitar a modernização do setor agrícola e industrial para que consiga vender deter-
minadas matérias-primas que tendencialmente viriam a ser transformadas. A Suécia, à semelhança de
outras economias nórdicas, vai caracterizar-se por se manter ligada ao comércio externo assente numa
perspetiva de neutralidade.

A Suíça

No caso de outras economias de pequena escala, como a Suíça, encontramos uma otimização à seme-
lhança do que encontrámos na Suécia. A Suíça tinha uma utilização em larga escala dos recursos hí-
dricos para a produção industrial. Este país viria a desenvolver as indústrias de nova leva como a
indústria química e engenheira, inovando também novas matérias das indústrias tradicionais. Em certa
parte, na Suíça encontramos um especial entendimento de um mercado onde se encontra estratificada
a ideia da prevalência de formas de produção tradicionais com a elevada corporação de mão de obra.

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Por isso, encontramos uma espécie de lógica de produção diferenciada que tem como propósito garan-
tir a possibilidade de afetar os diferentes mercados consumidores, em função do seu poder de compra,
mas sem perder a excelência de qualidade. Até hoje, os maiores produtores mundiais de cacau não têm
capacidade de transformar o cacau no produto final, o chocolate. O mercado de cacau está razoavel-
mente cartelizado e, por isso, os produtores têm a capacidade de alargar as suas fontes de rendimento.
A Suíça tem uma capacidade produtiva que assenta em indústrias base e que leva à otimização destas
mesmas indústrias de elevada expressão, como a indústria farmacêutica e agrícola. Vamos observar
guerras comerciais, no final do século XIX, entre a Suíça e a França, sendo que a Suíça não tem difi-
culdades em afirmar lógicas económicas. Existem outros retardatários na Europa, como seria o caso
do Império Austríaco que se considera um dos grandes paradoxos, do ponto de vista económico, da
Europa.

O Império Austríaco

O Império Austro-Húngaro tem amplas áreas de cultura arável, vindo desde a atual Polónia até às
costas do Mar Mediterrâneo, sendo que a Polónia e a Hungria tinham uma capacidade de produção
especialmente relevante.
A guerra entre a Áustria e a Prússia significa uma mudança substantiva com a Áustria a ser emblemá-
tica nas lógicas tradicionais e na capacidade de afirmação externa. Esta potência tende a afirmar-se
segundo um prisma tradicional, porém, a grandeza do império é simultaneamente a sua força e fragi-
lidade. Esta fragilidade tem a ver com as diferenças endógenas, sendo que o império, desde o fim do
século XIX, tem graves problemas internos que resultam da articulação entre as diferentes partes. Po-
demos ver, por exemplo, que Viena tinha dificuldades em perceber o que se passava no resto do terri-
tório imperial. A questão fundamental era como se iria administrar, do ponto de vista económico, um
império que, não obstante ter uma grande dimensão, induz a estádios de instabilidade latente e endé-
mica que tende a explodir quando menos se espera. A ideia seria que no dia em que todos falassem
alemão, então a situação estaria resolvida.
A Primavera dos Povos vem dar a conhecer que as medidas tomadas não tinham efeito, ou seja, a
Primavera dos Povos é antes de mais uma fragilidade do império. Desta forma, temos uma espécie de
erupção de sucessivas levas de revoltas em Viena, onde se pretende uma abertura. Fora de Viena,
encontramos a emergência, como um todo, da Hungria que se iria rebelar contra a Áustria. Depois de
1867, ano de formação do Império Austro-Húngaro, dá-se uma mudança intrínseca do império que
veio a ser reconhecido como um compromisso dual, formando a ligação entre estas duas potências.
Isto significa para a Áustria uma mudança no perfil de entendimento das atividades económicas.
A Hungria passa a ter a facilidade de se governar a si mesma com um parlamento próprio e leis que
apenas se lhe aplicam. Há por isso uma segmentação plena entre o que é a Áustria e a Hungria. Isto
estava acompanhado de uma única imposição → do ponto de vista económico a Hungria seria emi-
nentemente agrícola, dando espaço para que a Áustria e a Hungria tenham uma união aduaneira.
Do ponto de vista externo, o Império Austro-Húngaro vai ter dificuldades em acompanhar a expansão
das economias alemã, francesa e belga. O grande problema da economia é que primeiro existe uma
fragilidade nos sistemas financeiros e no mercado interno com o consequente impacto dos produtos
estrangeiros no seu mercado.

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Os Estados Unidos da América

Existem economias extraeuropeias que se industrializam no século XIX. A industrialização os EUA


acompanham o próprio Estado, sendo que podemos encontrar as suas origens na economia colonial.
Os estados do Norte têm um cariz eminentemente industrial e os estados do Sul uma expressão sobre-
tudo de natureza agrícola ligada à economia de plantação para os mercados de exportação. Estes fatores
laborais vão-se manter até à guerra civil americana.
Os EUA têm uma dimensão de escala que mais nenhum país europeu tem, exceto a Rússia. Têm tam-
bém uma carência estrutural de mão de obra, seja na sua dimensão em 1793, seja na sua dimensão do
final do século XIX. Têm também uma carência estrutural de capitais. Os Estados Unidos mostram-se
favoráveis a que qualquer pessoa possa ser qualquer coisa, isto é um polo de atração para emigrantes
com poder de compra suficiente para um investimento num contexto extraeuropeu. Durante a primeira
metade do século XIX, os emigrantes são sobretudo de elevada qualificação, com mão de obra espe-
cializada, pessoas que têm tendencialmente recursos financeiros que não são compatíveis com os es-
forços que a Europa representa. Ou seja, a Europa tem uma taxa demográfica que se reflete nos recur-
sos naturais, sendo que é difícil aceder a propriedade, a concorrência e a pressão é maior. Para quem
tem recursos a investir e aspirações de ser mais, os EUA representam a oportunidade que a Europa não
permite. Emigram pessoas que provêm sobretudo do norte da Europa como suecos, alemãs e ingleses.
Nomeadamente, também vemos emigrantes irlandeses por motivos adversos, sendo que os Estados
Unidos da América vão funcionar como um refúgio neste contexto.

A Economia Americana

As características associadas às diferentes aptidões económicas de cada estado vão dar origem a di-
vergências profundas. Os EUA são razoavelmente híbridos, não tende uma natureza feudal e tentar
uma aproximação entre as partes, sendo que isto é difícil faxe às tendências económicas. Os estados
do Norte pretendem um mercado protegido, precisando de tecnologia e mão de obra, mas não gostam
muito de concorrência. Os estados do Sul, que vivem da exportação para os mercados europeus, que-
rem uma lógica livre cambista porque quanto maior for a capacidade de exportação maior será a capa-
cidade económica. Na prática, entre 1820 e 1840, a política alfandegária americana tende a ser uma
espécie de livre-cambismo mitigado, ou seja, é tão pouco protecionista que quase parece livre cam-
bista.

A Industrialização

A carência de mão de obra dará origem, nos estados do Norte, a processos de industrialização precoce,
sendo que isto é particularmente visível no setor agrícola. A mecanização da agricultura na Europa
arrasta-se atendendo à existência de elevada mão de obra, isto porque entre o contingente grande de
pessoas e a máquina prefere-se as pessoas. Para aplicar a mecanização na agricultura é preciso haver
condições e uma grande necessidade devido à carência de mão de obra. Isto ocorre nos Estados Unidos
que mecaniza o seu setor agrícola de forma precoce devido à falta de gente. A consequência desta
tendência económica vai aferir-se na queda gradual dos preços dos cereais e seguramente, a partir dos
anos 40, a economia Norte Americana é notada na Europa, não apenas como fornecedor de matérias-
primas (algodão), mas também pelo aumento da presença do trigo americano que se torna cada vez
mais barato.
O trigo americano tem uma capacidade exponencial de concorrer com os trigos produzidos na Europa.
Isto porque as dimensões de escala são diferentes, os solos são férteis. Falamos aqui de uma

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concorrência entre setores agrícolas, o Norte americano e o europeu. Os produtos e mercados europeus
tendem a perder o que vai dar origem a um movimento favorável ao protecionismo da Europa. Ou seja,
o perigo americano tem a ver com o trigo americano, produzido em larga escala de forma diferente.
Este é vendo na Europa a um preço inferior que os trigos europeus, sendo que só se pode resistir a isto
através da aplicação de tarifas alfandegárias crescentes.

Os mercados Norte americanos

A industrialização americana não é objetivamente visível a quem está de fora. A indústria americana
vai crescer, mas se olharmos para os índices de exportação aquilo que os EUA exportam acompanha
aquilo que exportavam no início do século. A produção da indústria norte americana dirige-se para o
mercado interno que é grande e vai crescendo. Os europeus têm, durante a primeira metade do século
XIX, uma perceção distinta da realidade económica americana que cresce com base numa lógica dual.
Ou seja, a Europa só percebe uma parte. A outra parte está centrada nas necessidades internas e na
busca de mercados que sejam libertos da concorrência europeia.
Uma das grandes preocupações dos EUA é assegurar uma frota baleeira, alargando os pontos estraté-
gicos para este e, nesse caso, não parece estranho que a América faça uma iniciativa de forçar a abertura
do Japão. A frota americana aporta no Japão e explica ao Imperador que um ano depois iriam voltar
com intensões de fazer comércio. Isto marca um ponto de viragem numa das lógicas tradicionais da
expansão Norte americana. Tendencialmente, os americanos gostam de se expandir para o Pacífico. A
partir de 1855, o Japão torna-se um dos contextos de expansão da economia Norte americana e, quando
se abre, não se abre apenas aos EUA, tendo o objetivo expresso de não ficar sobre a dependência
exclusivamente de uma única potência. Significa isto o aumento da correlação entre as margens do
pacífico, incrementado as diferenciações internas.
A expansão da indústria e a conquista de novos mercados externos significa um momento de confronto
entre a agricultura americana, cujos destinatários são sobretudo os mercados europeus, e a indústria,
cujos destinatários são o mercado interno e a Ásia.

Guerra de Sucessão Americana e o seu Impacto

A Guerra de Sucessão Americana é a primeira guerra dita moderna/industrial. Esta nova tendência
bélica é anunciada com a Guerra da Crimeia (1863-1864) que tem elevadíssimas baixas. É o início de
uma nova tendência em termos bélicos onde se evidencia a capacidade destrutiva. A Guerra de Suces-
são Americana anunciou o que vai ser a Grande Guerra em termos de armamentos utilizados e de
capacidade destrutiva. O Sul tinha os melhores generais e o Norte tinha a melhor indústria, ganhando
assim com a sua capacidade industrial destrutiva. Uma das questões essenciais durante a guerra é que
esta tem, atendendo à natureza da mesma, impacto na capacidade multiplicadora da indústria Norte
americana. A guerra vai funcionar como um estímulo para a reorganização da indústria que aumenta
a sua capacidade produtora, primeiro em determinados setores que criavam necessidades geradas pela
guerra. Esta vai ter impacto na forma como a indústria americana do Norte se comporta, dando-se um
êxodo, depois da guerra civil americana, para as zonas industriais. Antes, a indústria está direcionada
para mercados externos onde não há europeus ou para o mercado interno, depois da guerra o compor-
tamento altera-se. Começa a fazer-se concorrência com a indústria europeia nos mercados europeus.
Entre 1865 e 1870, a tendência do Sul é para a perda da capacidade produtiva dos grandes proprietários
rurais naturalmente como consequência imediata da abolição da escravatura. A extinção da escravatura
significa que as fórmulas tradicionais de produção deixam de existir. Os grandes proprietários são

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obrigados a vendas as suas plantações que transitam para os capitais do Norte. A terra é comprada a
muito baixo preço e a consequência disto é uma alteração substantiva na forma como ela se organiza.
A grande dimensão da propriedade vai dar lugar ao surgimento de parcelas que são arrendadas a quem
as queira explorar → estas parcelas têm de assegurar a produção de um determinado bem. Portanto,
arrendamos a terra e o contrato é explicito na produção. Para além disto, temos de vender aquilo que
produzidos à pessoa que nos arrendou a terra com preços que estão tabulados.
As grandes propriedades do Sul que produziam algodão vão continuar a fazê-lo, mas de forma distinta.
Vemos uma aglutinação total dos campos americanos face aos padrões da indústria e dos capitais do
Norte. Uma das consequências disto é a emergência de um racismo que vai ser alimentado sobretudo
nos estados em que existiu uma transferência massiva da propriedade a baixo custo, o que dá origem
ao empobrecimento substantivo de grande parte da população. Isto traz uma nova etapa que vem acom-
panhada pelo facto de que a escravatura foi extinta, mas as políticas de sangue mantêm-se porque
continua a haver cidadãos de primeira e segunda. A escapatória dos antigos escravos serão os estados
do Norte, até deixarem de o ser. Esta população, que sai dos estados do Sul, está disponível a fazer
qualquer coisa a qualquer preço por isso, o operariado dos estados do Norte não vê com bons olhos a
concorrência que tem. Portanto, as pessoas que deixaram de ser escravas não têm, em larga medida,
acolhimento no Norte, sendo que depois regressam para o Sul. A sociedade Norte americana fica as-
sente em focos de pressão permanente entre o operariado norte americano, as comunidades imigrantes
e a população afro americana que deixou de ser escrava, mas não é bem acolhida.

A Influência dos Estados Unidos

A existência de uma abundante mão de obra significa que podemos produzir o mesmo artigo com
menos tecnologia, assim encontramos um avanço na indústria em alguns setores e um retrocesso nou-
tros. Em 1870, a Europa confronta-se com a capacidade produtiva dos EUA, que já não são apenas os
grandes produtores de cereais e de matérias-primas estratégicas. Antes de 1870, os Estados Unidos já
o seriam, mas estava tudo no mercado interno e agora partem para a concorrência com os produtores
europeus, aumentando as tarifas alfandegárias. Este período marca o início do protecionismo ameri-
cano que se vai acentuar em 1913.
A capacidade de escala dos EUA significa o surgimento de empresas de grande dimensão com estru-
turas complexas. Esta seria uma complexidade que faz com que as empresas, não de forma imediata,
sejam acompanhadas pelo poder público. Na europa, o estado, independentemente da sua natureza,
tem séticos e encontramos uma organização pública que antecede, condiciona e acompanha a atividade
económica. No caso dos EUA, o estado seria recente e não tem capacidade de agir.
Os Estados Unidos da América serão os maiores produtores de aço e lideram o setor químico. Vemos
aqui a preocupação para que a economia não seja controlada pelas grandes empresas emancipadas do
Estado. Estava a vigorar o princípio de Free Banking que estava associado ao condicionamento de uma
estrutura bancária restrita ao estado em que estava sediada. Desta forma, não encontramos, no século
XIX, a possibilidade de uma estrutura bancária fora do estado. A consequência desta estrutura finan-
ceira seria o desenvolvimento da economia americana assente no crédito a curto prazo, já que estamos
a falar de uma banca com um curto raio de ação, onde não se pode permitir um longo tempo de mobi-
lização de capital. Nos EUA existe uma disparidade da capacidade da indústria em crescer e nas res-
trições que são aplicadas ao setor bancário. Vai-se manter até tarde ainda o debate sobre a natureza do
setor monetário onde se questiona se seria capitalista ou não e qual seria a lógica do setor.

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O Japão

A Abertura do Japão

Em 1913, num contexto de grave crise financeira, o governo optou pela criação de uma entidade que
seria constituída por organismos públicos e privados. Os EUA tendem a assumir várias realidades em
simultâneo e não seriam os únicos a crescer na Europa, temos o caso do Japão, que tinha uma relação
distante com o espaço exterior, mas não estava isolado. A partir de 1854, o Japão acompanha as ex-
pectativas dos EUA superando-as, ou seja, abre os portos a todas as nações. Os japoneses tinham uma
atividade agrícola centrada na mão de obra em forma de cultura tradicional com solos aráveis. Além
disso, tinha estruturas industriais baseadas na lógica de manufatura tradicional que era acompanha por
uma lógica de organização política descentralizada.
O Japão, ao longo dos anos 60, vai modernizar-se devido a motivos endógenos. A China vai cami-
nhando para um retalhamento associado à construção de caminhos de ferro. O Japão percebe que o
percurso a assumir tem de ser completamente distinto para poder lidar com as potências ocidentais.
O Japão vai aplicar uma lógica diferenciada cimentada na ideia de que não existem potências sem
recurso à indústria moderna. Para garantir a sobrevivência do país era necessário a industrialização
que corresponde a uma viragem dramática para a sociedade japonesa e uma mudança radical com o
afastamento das elites. Esta mudança assenta numa reforma de propriedade com a extinção da antiga
nobreza. Tudo isto vai estar ligado a um modelo de taxa fixa que pretende alargar a produtividade do
setor primário japonês para estimular os novos proprietários que terão renda fixa a pagar.

As Mudanças no Japão e as Zaibutsu

A mudança na estrutura pretende alargar a capacidade de alimentação da população japonesa de forma


a conseguir aumentar a população. Além do mais, queriam melhorar os estudos para não terem uma
população analfabeta. Vamos encontrar duas dimensões com a importação de mão de obra qualificada
e a exportação desta para ser formada. A ideia era acompanhar os centros onde a industrialização era
mais avançada com o objetivo de modernizar as estruturas, sendo que todas as indústrias eram do
Estado.
Vai haver um processo de ocidentalização no Japão para que o país seja mais respeitado na Europa. O
Japão vai criar a indústria mais sofisticada que havia na época com capitais próprios e com duas espe-
cificidades:
➢ Uma estrutura fundiária sem intervenção estrangeira, sendo assim os estrangeiros podem in-
vestir em tudo, mas não podem ter propriedade.
➢ A aquisição de capitais estrangeiros que se fazia acompanhar por parceiros japoneses fazendo
com que os japoneses não fiquem sobre as ordens dos estrangeiros.
Era importante gerar uma classe industrial japonesa na qual assenta uma interligação estreita com es-
tado. Desta forma surgem as Zaibutsu, empresas pré-existentes ligadas ao comércio externo e que
poderiam ter capitais japoneses unicamente ou estes serem acompanhados de capitais estrangeiros. A
parte japonesa era chamada a assumir o controlo de indústrias que não eram consideradas relevantes
do ponto de vista interno e, portanto, as indústrias sensíveis ficavam na mão do estado japonês. Quando
às que não seriam sensíveis, estas transitam, por via de uma venda, para capitais privados de grupos
económicos japoneses. O Estado manda nas Zaibutsu. Falamos aqui de empresas de grande dimensão
que se poderiam regular. O estado permite que estas tenham o controlo do mercado interno e vai

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proporcionar condições para o desenvolvimento das empresas que alcançam os objetivos que o estado
propõe.
Contudo, o Japão teria problemas, como seria o facto de estes não serem abundantes em combustível,
tendo assim dificuldades de abastecimento do ponto de vista alimentar. Não parece estranho que o
desenvolvimento das indústrias induza a necessidade de evolução do Japão que rapidamente se torna
numa potência com interesses regionais que se expande para fora na procura de capacidade alimentar,
matérias-primas e combustíveis.
O Japão vai conseguir uma boa frota naval e vai buscar conselhos no domínio público ao Reino Unido.
Esta vai ser uma potência que rapidamente, e por vias de necessidade de desenvolvimento industrial,
se torna expansionista. O ponto alto seria a guerra entre o Japão e a Rússia (1904-1905) que vai ser
amplamente noticiada pelos meios de comunicação. O Japão acaba por vencer afirmando-se como uma
nova potência capaz de derrotar os colossos. Isto faz imergir um novo perigo na Europa que seria o
perigo amarelo, ou seja, a ameaça vinda da Ásia na altura em que as potências europeias eram contes-
tadas no espaço extraeuropeu por parte das novas potências.
A partir de 1905, as potências ocidentais olham para o Japão de uma forma diferente. O imperialismo
condiciona os estados que não são tão fortes. Isto não tem a ver com os europeus versus as outras
potências nem com a necessidade de expansão territorial. Quando se fala da constituição de impérios
no fim do século XIX convém atender que estas novas fórmulas significam a criação de espaços suce-
dâneos na Europa.

A Inglaterra

As Dificuldades da Inglaterra

Atendendo que o mundo muda a questão que nos pode inquietar é saber o que se passa com a Inglaterra,
a pioneira da Primeira e Segunda Fase da Revolução Industrial, grande potência marítima e comercial.
A Inglaterra, a partir de 1870, vai estar numa situação de razoável desfasamento em relação às outras
potências. A vintena, anos entre 1850 e 1870, vem abrir um fosso na capacidade industrial inglesa. A
Inglaterra será, até 1945, a maior potência de certos setores industriais nos quais se tinha afirmado. A
questão que se coloca à Inglaterra é a dificuldade em aceder e acompanhar as novas tecnologias devido
a vários motivos. Há um esgotamento de recursos naturais o que cria uma dificuldade acrescida, um
aumento dos custos e produção e, por extensão, a perda e vantagem face a outros concorrentes. Existe
outra questão muito importante que tem a ver com a formação de quadros técnicos na Inglaterra no
século XIX. A Inglaterra não teve capacidade de produzir uma mão de obra qualificada para quadros
técnicos, por isso, a Inglaterra fica tendencialmente um passo atrás nas indústrias da Segunda Revolu-
ção Industrial. Vai adotá-la, porém esta adoção tende a acompanhar as tendências dos outros e não a
liderar.

A Atividade Financeira Inglesa

A Inglaterra faz uma revisão da sua política monetária nos anos 70 criando com sucesso o padrão ouro.
Este implica que o valor da libra esterlina tenha paridade com o ouro. A questão que se coloca em
1873 é saber qual será o setor que pode sustentar a economia inglesa. Isto porque para haver moderni-
zação na Inglaterra as indústrias têm de recorrer ao crédito, tendo de haver uma lógica de aproximação
a uma nova indústria. Por outro lado, a Inglaterra debate sobre qual é o verdadeiro impacto de descer

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as taxas de juro da moeda porque, primeira a libre é a moeda de reserva e esta tem um sustento inter-
nacional que confere à Inglaterra o lugar de primeira potência financeira do mundo. A questão que se
coloca aqui é saber o que é mais relevante → o estatuto de potência financeira ou o estatuto de potência
industrial. A decisão será feita no sentido da manutenção da força da libra. Temos por certo que a
indústria inglesa vai continuar a crescer, porém, não vai crescer ao nível de outras potências como o
Império Alemão e os EUA. A indústria inglesa não deixa de crescer, só não tem o mesmo nível de
crescimento e capacidade de afirmação no mercado externo.
A força da Inglaterra tem a ver com a sua atividade financeira que se centra, sobretudo, no contexto
extraeuropeu, no espaço colonial. Até 1914, a tendência que encontramos na Inglaterra é para o défice
descer na balança, apesar de esta importar mais do que exporta. Assim, o défice é compensado nas
atividades financeiras como os expressos de navegação, as companhias de seguro e os invisíveis, ou
seja, a amortização dos créditos de longo prazo que a Inglaterra, por via da praça financeira, faz aos
outros países. Temos uma alteração substantiva no perímetro das atividades financeiras e das fontes
de riqueza na Inglaterra. Esta é a primeira praça financeira do mundo.

As Colónias Inglesas

A força inglesa reside no seu sistema imperial e colonial. Os sistemas imperiais são anteriores a Berlim,
mas isto altera-se na conferência porque se avalia a interpretação do espaço colonial. O espaço colonial
passa a servir como uma duplicação das metrópoles, exportando a mão de obra excedente e funcio-
nando como uma válvula de escape. Ou seja, não se pode permitir que os saldos positivos demográficos
saiam das metrópoles para se dirigirem a outras áreas que não sejam de soberania nacional. Pretende-
se conceder uma extensão da Europa fora da Europa. Isto implica a formação de um novo modelo
económico em que a metrópole encontra nas colónias um mercado para excedentes de produtos. As
pessoas que vão consumir esta mercadoria são pessoas provenientes da metrópole. Isto impõe uma
lógica integradora dos contextos coloniais ao abrigo de uma nova visão transversal do sistema imperial
com a tendencial subordinação acrescida das populações nativas. As metrópoles querem impérios para
terem mercados associados às respetivas economias.

Conferência de Berlim

A Conferência de Berlim tem como objetivo inicial mediar as negociações do tratado entre Portugal e
a Inglaterra a propósito das fronteiras do Norte de Angola. Consequentemente, países como a Bélgica,
a França e a Itália contestam este tratado, dando origem a um encontro internacional para se falar
acerca do estatuto do continente africano.
Berlim não tem imediatamente interesse no espaço colonial, assumindo-se como um espaço neutro
para que outros possam debater as suas diferenças. Há uma discordância estratégica entre aquilo que
o Chanceler alemão pensa e o que a indústria aspirava. A indústria queria ter colónias, mas o Chanceler
achava que as fronteiras que interessam à Alemanha são apenas as do mundo civilizado. Para ele era
bom que as nações europeias tenham colónias, isto porque estas eram uma fonte constante de despesa
e um foco de instabilidade. Para o império alemão o que interessa é o espaço europeu, seja na Europa
ou fora dela, desde que ele seja salvaguardado pelas potências com as quais o império possa fazer
comércio sem despesa. Ele acredita que se a indústria quer ter colónias tem de as pagar. Isto significa
que Bismark entra na Conferência de Berlim com uma disposição que vai mudar ao longo desta por
pressão da praça de Hamburgo e dos agentes económicos alemães.

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O mapa que é concebido em Berlim estipula áreas de crescimento das potências face ao cumprimento
de requisitos. É feita uma aproximação científica ao continente africano que corresponde a um reco-
nhecimento do mesmo seja na sua diversidade demográfica, recursos naturais ou no desenvolvimento
das populações autóctones. Do ponto de vista dos contextos europeus, não faz sentido que potências
com escassa capacidade de fornecimento tenham soberania em África porque não podem desenvolver
o continente e cumprir a civilização.
O discurso belga vai fazer crescer a ideia de estados primitivos e estados moribundos. África é um
espaço que se mantêm sobre a forma primitiva, sendo obrigação das potências industriais de o desen-
volver. A Bélgica advoga um desenvolvimento colonial assente no caminho de ferro, no desenvolvi-
mento da indústria, na civilização das populações. Os europeus, de forma genérica, não reconhecem
às sociedades africanas capacidade de se organizarem de forma diferente da Europa. Entende-se que é
obrigação das sociedades europeias ditas avançadas de promover o bem-estar das populações indíge-
nas. Estamos a falar de um discurso colonial que assenta numa lógica tripartida:
➢ A lógica científica;
➢ A modernização por via dos caminhos de ferro;
➢ Lógicas higienistas.
Este discurso vai ter especial eco durante a Conferência de Berlim. Virá a ser advogado pela Bélgica
que, por estranho que pareça, está presente, mas não se apresenta como potência colonial. O Estado
Livre do Congo não é uma colónia, sendo que este está associado a uma sociedade por cotas que é
detida pelo rei da Bélgica. O reconhecimento do Congo pressupõe que este não pode ter tarifas alfan-
degárias que entravem o comércio, ele é largamente administrado por entidades particulares que asse-
guram as funções do Estado. Esta é uma entidade que substitui o estado cobrando impostos, desenvol-
vendo o território do ponto de vista económico, emitindo dinheiro, tendo exércitos, soberania sobre os
solos e águas, podendo ter o monopólio de atividades económicas. Há uma manifesta diferença entre
o discurso oficial e a prática. O que sabemos é que a prática é substantivamente diversa, sendo que só
há dois territórios que perdem população em África na segunda metade do século XIX e um deles é o
Estado Livre do Congo. Há uma diferença substantiva entre as intensões oficiais e o impacto destas
políticas atendendo ao estatuto que era reconhecido às populações e sociedades africanas.
Em 1884 e 1885, foram ouvidas as potências interessadas em saber aquilo que se passava no mundo.
Os EUA estavam presentes porque a Libéria era um estado independente, mas era um protetorado
americano. Existem duas posições em relação ao futuro do continente africano:
➢ Posição clássica – tem a ver com o direito histórico das potências que reclamam a soberania
por terem chegado primeiro. Esta é uma ideia confortável aos espanhóis, ingleses e portugue-
ses.
➢ Posição da capacidade transformadora – a ideia de serem as nações progressivas a terem a
capacidade de se instalar. Esta ideia prossupõe de uma espécie de sucessão, ou seja, quem tem
capacidade de evoluir fica, quem não vai, a ideia do darwinismo social. As potências que de-
vem ficar são aquelas que têm a capacidade de resistência por via da adaptação. Do ponto de
vista social, significa que as potências antigas devem ceder o espaço às outras.
Aquilo que vem a ser advogado pela Inglaterra é a expressão máximo: a proposta da ocupação efetiva
do território. Esta dizia que o território deve incumbir a quem tiver possibilidade de o ocupar na tota-
lidade, isto significa que o reconhecimento de uma colónia pressuponha a existência da população, de
um sistema económico articulado, a capacidade de controlo do espaço do ponto de vista de segurança

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e administração. Assim como significa a integração das populações autóctones no sistema social e uma
forma efetiva. Esta é a visão da Inglaterra, uma visão arrasadora que deixa toda a gente em Estado de
choque porque, com a exceção da Inglaterra, mais nenhuma potência tinha capacidade para cumprir
isto.
O que sai da ata final na Conferência de Berlim é uma posição intermédia. Assume-se que o critério
para a ocupação territorial em África tem um carácter gradualista, assente na ocupação efetiva do ter-
ritório do litoral para o centro. Primeiro há uma fase de avanço do centro que tem de ser proporcional
ao avanço do litoral. Isto significa uma lógica acumulativa que tem de ter deslocação de pessoas. A
maioria do continente africano tinha população, mas queria-se população oriunda de outros contextos.
A Inglaterra tinha capacidade de mobilizar a população indiana que vai ser importante no desenvolvi-
mento das linhas ferroviárias em África. Importa aumentar a população e transformar as pessoas que
lá estão, dando origem à lógica do indigenato. Este é um corpo jurídico que acompanha uma série de
indivíduos que não tem formação, é tratado como se fosse uma criança porque não tem capacidade
para perceber o que é melhor ou pior par ele. Por isso é que é preciso um estatuto que induza a educação
do indígena e a formação deste, isto assenta no princípio do trabalho obrigatório. O trabalho também
era obrigatório na Europa, mas não era exatamente igual porque na Europa o pobre que não trabalha é
considerado preguiçoso. No continente africano o desapego ao trabalho é, em larga medida, explicado
por características raciais. Esta ideia de inverter a natureza de determinadas comunidades e populações
assumindo que estas têm um estado de desenvolvimento inferior conforme, não apenas à sua circuns-
tância, mas à sua biologia também. Temos aqui um discurso compósito. Esta lógica vai ser transversal
aos sistemas imperiais, porém é distinta. Isto porque ingleses, franceses e alemães terá uma capacidade
de imposição que outras potências não têm.

A Paz Armada

A visão da Conferência de Berlim sobre os sistemas imperiais vai dominar. Isto porque se pretende
cumprir o imposto, existindo um cutelo ao pescoço das potências para o fazerem. O sistema imperial
vai ter como consequência a manutenção de um foco de conflitos latentes até 1914. O sistema colonial
não é a razão imediata para a Primeira Guerra Mundial, mas contribui para a mudança das relações.
Em cima do protecionismo, da concorrência industrial e do nacionalismo económico, encontramos
agora o surgimento de conflitos com base na expansão territorial das potências europeias em África.
Na Europa é visível a afirmação do nacionalismo associado ao culto do militarismo e da pátria, assim
como a emergência do ideário nacionalista. Este é o período da paz armada. Primeiro dá-se o aumento
dos orçamentos de defesa dos estados europeus e depois as mudanças das leis no recrutamento militar.
Portanto, o número de países em que havia recrutamento militar obrigatório, que não são todos, cresce
ao longo dos anos. Isto dá origem a uma escalada entre a França e o Império Alemão porque o segundo
mencionado vai alargar o número de anos de serviço militar obrigatório em função do que existe em
França. A escalada tem várias fórmulas. Outra fórmula tem a ver com o anúncio das leis navais de
Guilherme II. O que este vai fazer é anunciar que o Império Alemão, que é uma grande potência ter-
restre do ponto de vista militar, quer-se tornar uma potência marítima por excelência em disputa clara
com a hegemonia britânica. Isto vai fazer-se através da renovação da frota. A questão que aqui que
coloca é que a Inglaterra tem uma maior frota, mas a Alemanha tem uma frota mais avançada, para
grande irritação de Churchill. A rivalidade tem múltiplas perspetivas, sendo que ela assenta sobretudo
na instabilidade económica e no aumento da concorrência entre as potências europeias, seja no con-
texto europeu ou extraeuropeu. O militarismo surge em função do pressuposto de que a pátria está em
crise. Os alemães não eram mais militaristas nem mais nacionalistas do que os franceses ou ingleses.

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Isto tem a ver com a lógica de uma elite militar que é acompanhada por uma propaganda que tem a
ver com assumir que o nosso adversário nos vai atacar.

O Final do Século XIX

A lógica no final do século XIX assenta-se na necessidade de salvaguardar os comércios europeus com
o aumento das tarifas alfandegárias. Altera-se o entendimento de soberania nacional, estendendo-se
para o mundo extraeuropeu que funciona como um meio para as metrópoles crescerem fora do seu
espaço colonial. Transforma as terras extraeuropeias em terras europeias por excelência.

A China

A Guerra dos Boxers é uma reação nacionalista chinesa frente aos estrangeiros presentes no seu terri-
tório. Esta guerra obriga a uma convergência entre todas as potências contra o movimento nacionalista
chinês para garantir a salvaguarda deste espaço em termos comerciais e de afirmação política. Esta foi
uma revolta anti estrangeira, anti colonial e anti cristã na China entre 1899 e 1901, no final da Dinastia
Qing, feita pela Sociedade dos Punhos Justos e Harmoniosos, conhecidos como os Boxers. Em 1898,
a norte da China experienciou vários desastres naturais, incluindo as inundações e seca do Rio Amarelo
que os Boxers atribuíram à influência estrangeira e cristã.
Uma aliança de oito nações com tropas norte americanas, austro-húngaras, britânicas, francesas, ale-
mãs, italianas, japonesas e russas entram na China. Seguiu-se a pilhagem da capital e dos campos
circundantes, juntamente com a execução sumária dos suspeitos de serem Boxers. O Protocolo Boxer,
de 7 de setembro de 1901, previa a execução de funcionários do governo que apoiavam o grupo re-
belde, provisões para topas estrangeiras serem estacionadas em Pequim e 450 milhões de taéis em
prata, mais do que a receita fiscal anual do governo, a ser paga como indeminização ao longo dos
seguintes 39 anos às oito potências envolvidas. Isto enfraqueceu ainda mais o controle da Dinastia
Qing sob a China e levou a grandes reformas governamentais consequentemente.

Os Balcãs

Existem tensões nos Balcãs onde encontramos uma fricção nas fronteiras do Império Austro-húngaro.
Isto acontece devido á correlação estreita com a afinidade étnica, económica e cultural com o reino da
Sérvia, que se torna independente em 1878, e com o Império Russo. Atendendo às dinâmicas do ori-
ente, a aspiração política do Império Russo é chegar às águas quentes do Mar Negro para ser uma
potência marítima o ano todo.
O nacionalismo sérvio é considerado um bastião rotativo da aspiração russa. Tem como objetivo a
associação, num mesmo estado, de todos os indivíduos que se vêm na mesma dimensão étnica, lin-
guística e religiosa com capacidade económica para formarem uma nação. Procura reunir todos os
lados do sul dos Balcãs sob um laço político que tem como consequência o intuito de enfraquecer um
dos inimigos do Império Russo, o Império Austro-Húngaro. Encontramos uma vontade de contestação
que se dirige para o contexto do Império Austro-Húngaro que é essencialmente cosmopolita, ou seja,
abarca diversas realidades. A ideia é a criação de um grande reino que aglutina os Balcãs sob uma
nova potência, criando estados satélites do Império Russo como a Sérvia, a Bulgária e a Roménia. A
grande preocupação do Império Austro-Húngaro converge-se em manter a estabilidade nas fronteiras,
que é quase nula.
A vontade do Império Russo é a de moldar a geografia política da Europa em função do objetivo
económico, isto é, a ideia de expansão por via da criação de estados aliados e assim estados satélites.

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Movimento Anarquista e a Carbonária

A organização Carbonária surge inicialmente no contexto italiano, sendo uma organização secreta.
Tem presente rituais de iniciação, liturgia específica cujo quadro de referências é evocativo da repre-
sentação florestal. São associados em choças tendo uma hierarquia que, de alguma maneira, se refaz
em função daquilo que é a maçonaria, sendo que a maçonaria não é carbonária. A Maçonaria é uma
instituição secreta associada a homens cultos e ricos que evoluiu de forma diferente na Inglaterra e em
França. A Carbonária é uma instituição que se vai firmar em objetivos políticos estritos, uma organi-
zação secreta que tem um carácter defensivo. Defende a proclamação da República e a unificação da
Itália no início do século XIX. São todos bem vidos a juntarem-se desde que deem a vida pela causa.
A Carbonária tem uma organização por células de forma defensiva, isto é, os membros de uma choça
tratam-se por primos, não têm de conhecer os primos da outra choça porque se algum vez forem presos
não têm nada a dizer. Esta é uma organização com um carácter horizontal, fazendo parte todos os
patriotas. Não é preciso saber ler nem pagar cotas, logo afirma-se na presença de uma causa que trans-
cende a vontade individual, não é algo elitista. Tem um peso no final do século XIX, principalmente
no Mediterrâneo.
A Carbonária nega a ação direta do sistema político representativo, isto é, queimam-se etapas, não
respeitam as instituições que são consideradas fora dos interesses do individuo e da coletividade. Ou
seja, falamos aqui de uma incorporação política de elementos anarquistas que teve um impacto grande
no final do século XIX. O Anarquismo recuso o Estado e tudo o que ele significa, recusando também
o individualismo e as regras.
Existem diferenças entre o comunismo e o anarquismo. O que encontramos no Manifesto Comunista,
escrito na sequência da Primavera dos Povos, tem em conta a situação do proletariado inglês. As dife-
renciações sobre o princípio da propriedade privada, que começaram a dar sinais na Revolução Fran-
cesa, quando na Conspiração dos Iguais se diz que não há uma revolução efetiva enquanto não existir
uma revolução económica. O comunismo e o anarquismo, no final do século XIX, vão desenvolver
conceções distintas de organização económica que assentam na extinção da propriedade. Para os anar-
quistas não deve existir propriedade privada e para os comunistas também não.
Os anarquistas negam o sistema de organização política e económica, atendendo à negação do paupe-
rismo da segunda metade do século XIX. O pauperismo é a pobreza da pobreza que afetam as camadas
mais desfavorecidas das sociedades industrializadas ou das sociedades, que não sendo industrializadas,
se inserem num sistema internacional que tende a um condicionamento com estratos mais baixos. O
impacto disto é a afirmação no espaço político extrainstitucional daqueles que não têm direito de voto.
O crescimento feito pela pretensa a uma instituição secreta que repugnam o voto e a ação do Estado.
Podem fazer tudo exceto votar. A ação direta é a política do terror que pode ser disseminado ou espe-
cífico, ou seja, o atentado pode ser dirigido a uma pessoa ou a um grupo. Estas pessoas pretendem uma
alteração efetiva que leve a um ideário de justiça social que permita a realização do individuo, isto
porque o estado condiciona, agride e violenta a natureza humana. O anarquismo quer o fim do Estado
de forma imediata.
A visão comunista preconiza uma reeducação da sociedade feita pelo fortalecimento do Estado que,
quando for de todos, não terá necessidade de existir. Este é um processo que implica um longo mo-
mento de reeducação da sociedade que só pode ser feito pelo Estado, assim o individual é esquecido
em favorecimento de um todo.

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A Primeira Guerra Mundial

A Constituição de Alianças

Em finais do século XIX temos o advento de uma guerra económica assente na expansão territorial e
no confronto de grandes potências, associada à salvaguarda do espaço económico restrito. Uma das
etapas desta escalada tem a ver com a evolução dos Balcãs, atendendo à primeira guerra entre a Itália
e Império Otomano, em 1911, e depois às chamadas Guerras Balcãs. Nestes países a grande guerra
começa antes de 1914. Então, temos na prática a sucessão de 3 guerras que significam uma maior
pressão sobre a região dos Balcãs.
Também sabemos que o Mediterrâneo está pressionado pela partilha de Marrocos, sendo que este fica
repartido entre Espanha e França, o que vai trazer à evidência a expressão da incomodidade alemã. A
resolução da questão marroquina não será definida e, em 1911, a Crise de Agadir vem, uma vez mais,
trazer atenção às pretensões de Guilherme II e à capacidade operativa da Entente Cordial.

Tríplice Aliança

Uma das características deste período avulta na constituição de alianças. Seguramente encontramos a
Tríplice Aliança, que é antiga e está estabilizada, agregando tendencialmente na mesma órbita os ali-
ados da Prússia. A aliança que o Império Alemão faz assenta na Prússia, no Império Austríaco e no
Reino da Itália. Há uma indisponibilidade por parte do Império Alemão de entrar em guerra com o
Império Russo. Esta aliança vai manter-se até 1914. Porém, ela está muito lesada desde 1904 por causa
de um acordo secreto feito entre a França e a Itália, no qual esta segunda se compromete a não atacar
a França no caso de beligerância.
O que associa estas 3 potências tem a ver, primeiro, com a capacidade operativa de controlo de espaço
económico na Europa. Segundo, falamos de uma aliança que se assenta na superioridade alemã em
relação aos outros aliados. Mais do que isto, o Império Alemão não só constitui o centro do sistema de
alianças como também age em prol deste sistema para o isolamento da França. Aqui vemos a visão
germânica que é absolutamente essencial para garantir a paz na Europa e o isolamento e contenção da
França.
Dá-se uma mudança substantiva, a partir de 1890, que resulta das discrepâncias entre Bismark e Gui-
lherme II. Para o primeiro, o que interessa são as fronteiras do mundo civilizado, para Guilherme II
não faz sentido que o maior império da Europa não tenha uma capacidade operativa extraeuropeia que
seja proporcional. A partir de 1890, o objetivo de Guilherme II é a ascensão do Império Alemão e a
revisão das políticas coloniais das pequenas nações que têm espaço extraeuropeu. Assim, a partir do
início do século XX vamos encontrar o confronte entre os grandes e pequenos. Para a Alemanha não
existe diferença entre Portugal e a Bélgica porque são ambos países pequenos. Assim, os pequenos da
Europa não devem ter uma dimensão extraeuropeia que vá além daquilo que era a sua forma na Europa.

Tríplice Entente

A ideia de que o Império Alemão está cercado é corroborada pela resposta francesa ao isolamento
diplomático que a Alemanha lhe aplica. Faz-se uma aliança entre a Rússia e a França. O regime político
mais avançado em termos da sua organização consegue a proeza de surpreender tudo e todos através
de um sistema ofensivo que estabelece com o Império Czarista. Este tem tendências ligadas a uma
lógica absoluta e uma correlação estreita entre a expressão política e a dimensão religiosa. Agora, se a
França for atacada a Rússia ataca e vice-versa. Na prática, o que encontramos é o estabelecimento de

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uma correlação que vai fazer emergir duras potências economicamente distintas, mas que estão pro-
fundamente ligadas devido à aplicação de capitais franceses na Rússia no final do século XIX. Outra
coisa que estas têm em comum é ficarem sujeitas a uma subalternização social imposta pelo império
alemão. Isto é apenas um dos lados da aliança que se vai defrontar contra a Tríplice Aliança na guerra.
O outro lado da aliança tem a ver com a ligação entre a França e a Inglaterra, que não tem nada a ver
com a dinâmica estabelecida entre a França e a Rússia. Isto é negociado em 1904, sendo uma comu-
nhão de boas vontades assente em alguns princípios. O Reino Unido vai reservar-se invariavelmente
no direito de ter liberdade de ação em caso de conflito. A Tríplice Entente só se forma oficialmente
em 1907.
Esta aliança também resolve problemas que havia entre as potências. Temos, por exemplo, o caso das
tensões entre a Inglaterra e a Rússia no âmbito da expansão na Ásia Central que seria resolvido em
1907. Isto porque o Império Persa acaba dividido em 3 partes: controlo inglês, controlo russo e uma
parte que fica como objetivo de levar a Pérsia à redução da sua capacidade de soberania. A concertação
de forças em presença do contexto europeu, em 1914, resulta na capacidade das 3 grandes potências,
França, Rússia e Reino Unido, de estabelecer uma lógica comum com a resolução de problemas entre
si. Estamos a falar de uma aliança que é organicamente instável, com economias que são distintas e
potências cuja natureza é instável.

A Grande Guerra

O Início do Conflito

No caso da Tríplice Aliança encontramos uma lógica de aliança que se centra na capacidade operativa
estrita do império alemão. Esta lógica é preparada, sendo que temos uma guerra que se caracteriza pela
hierarquização de grandes potências e de potências satélites que se tornam fundamentais, como a Sér-
via. Não podemos confundir o assassinato de Francisco Fernandes com o início da guerra. Não é in-
comum que figuras de relevância tenham morte violenta. O Arquiduque Francisco Fernandes faz uma
viagem que foi desaconselhada pelo rei da Sérvia, mas ele insiste em fazê-la e morre na sequência da
mesma. No desenvolvimento político e militar dos Balcãs, atendendo à época, este caso não é anormal.
Resta saber porque é que um mês depois o Império Austro-Húngaro apresenta um ultimato à Sérvia,
sendo este concebido de maneira que, do ponto de vista constitucional, a Sérvia não o possa aceitar. A
Sérvia está exausta pelas guerras balcânicas e a última coisa que precisa é de entrar outra vez em
guerra, ainda por mais com o Império Austro-Húngaro.
A Áustria não pode ir para a guerra sem estabelecer um diálogo com a Hungria. A Hungria não tem
qualquer dúvida de que se a Áustria atacar a Sérvia, a Hungria vai ser atacada pela Rússia. O processo
de discussão sobre o que vai acontecer à Sérvia acontece em Viena. Este vai ter em causa saber até
que ponto é que o Império Austro-Húngaro pode controlar o espaço económico da Sérvia. A Hungria
tem de ser arrastada para esta guerra, isto obriga a uma alteração do compromisso dual, isto é, vai-se
permitir que a Hungria tenha capacidade de defesa, a construção de um exército na sua plenitude e a
utilização de todo o tipo de armas. A Hungria diz que acompanha a Áustria no esforço de guerra se
este esforço resultar na capacidade de se tornar independente no fim da guerra. O início da guerra
corresponde a uma mudança estruturante no equilíbrio da força das potências centrais.
A Itália fica neutral nesta guerra e quem avança é o Império Austro-Húngaro e a Alemanha em face
daquilo que se considera ser a reação da Sérvia contra o estado de direito do império austríaco. Quem

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reage é a Rússia, sendo que esta vai segmentar entre a responsabilidade dos regicidas e a responsabi-
lidade efetiva da Sérvia. O ataque da Áustria sobre a Sérvia dá origem à mobilização parcial da Rússia,
sendo que isto é considerado um ato de guerra, o que faz a Alemanha reagir, o que faz a França reagir
através de mobilização igual. O início da grande guerra colabora num conjunto e equívocos. Esta
guerra muda de regional para Europeia no espaço de um mês e, em 1914, torna-se uma guerra mundial
com as declarações do Japão ao Império Alemão.

O Desenrolar do Conflito

Haverá a generalização deste conflito no início de agosto de 1914 por causa do funcionamento das
alianças, sendo que estas não abrangem diretamente o reino da Sérvia. Portanto, a Sérvia, à semelhança
de Portugal e da China, é uma potência satélite que está associada ao alinhamento.
Em agosto, o mundo vai mudar com as declarações de guerra que trazem alterações imediatas no sis-
tema de troca. O impacto imediato da guerra é a alteração da distribuição do produto. Isto resulta da
circunstância de que existem outras prioridades atentado à necessidade de mobilização de exércitos o
que faz com que as lógicas produtivas se alterem. Independentemente estando num país neutral ou
não, o contexto geográfico, seja ele europeu, africano, asiático ou americana, altera-se devido às su-
cessivas declarações de guerra que encontramos entre 28 de julho, dia em que o Reino Unido declara
guerra ao império alemão, e 4 de agosto, dia da declaração de guerra do Japão ao Império alemão.
O século XIX termina em 1914. Isto porque as estruturas, sejam elas económicas ou sociais, cessão
para dar lugar a uma nova realidade que assenta no pressuposto que a guerra seria curta. Uma guerra
que foi preparada pelos aparatos industriais das principais potências onde destacamos a Alemanha,
que se prepara para a guerra com capacidades de resistência em larga escala em relação ao fenómeno
beligerante. Estes fazem isto através do estudo de mecanismos de racionamento. Sabemos que antes
da guerra, em Universidades em Munique, se desenvolvem estudos de quantidade de calorias que uma
pessoa adulta tem de consumir e o que é preciso para sobreviver. Portanto, sabemos que existem estu-
dos prévios que, de alguma maneira, vêm ao encontro da realidade alemã → uma sociedade onde existe
baixo poder de compra, salários altos e preços altos. O poder de compra dos alemães é baixo, os seus
consumos são baixos, o impacto da guerra na Alemanha vai ter um efeito de menor expressão em
relação a outras sociedades.
A Alemanha reage com centralidade na Tríplice Aliança, pois tem de suportar o seu esforço de guerra
e ajudar os restantes aliados. O Império Alemão tenta a neutralização da África, querendo transformar
o continente num santuário onde a guerra não entra, usando o argumento de que a beligerância na
Europa não deixa de parte as obrigações das potências europeias para com os africanos, devendo assim
manter a ideia de civilização destas populações. Contudo, a Inglaterra vai refutar esta ideia dizendo
que esta seria uma guerra total e que, se os europeus estavam em guerra, este seria um conflito trans-
versal ao continente. A Alemanha não esperava que a guerra saísse da Europa, mas a Inglaterra não
estava predisposta à participação ativa numa contenda militar na Europa, pois a última vez que o fez,
teria sido nas campanhas napoleónicas.

Entrada da Inglaterra na Guerra

A Inglaterra não se via obrigada a participar no conflito se um dos seus aliados realizasse um ataque.
Nas vésperas da guerra, a frota naval alemã cerca a frota francesa e obriga a cedências no território
africano, sendo que a Inglaterra reserva a sua insatisfação em relação ao cerco e dissuade a Alemanha
de qualquer ataque. Contudo, o Reino Unido não interfere no que seriam as negociações. Assim, a

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França acaba por ceder não havendo uma firmeza da relação entre os dois aliados. O que leva o Reino
Unido a participar militarmente na guerra é o facto de Guilherme II agir em duas frentes distintas,
tendo muito pouco tempo para neutralizar os adversários ocidentais (França), sendo que o Império
russo tinha um exército bastante forte. A fronteira entre a Alemanha e a França não era a forma mais
imediata de surpreender, sendo um ataque previsível, assim estes decidem atacar pelo norte de França.
Para isto tem de atravessar potências que são neutrais. → Potências que por vontade expressa ou alheia
não participam na guerra, os neutrais na Conferência de Haia de1907, continuam a ter obrigações, pois
ser neutral significa a equidistância fácil a cada um dos beligerantes. Assim, devem promover ativa-
mente a ausência de atos de guerra no seu território, sendo que este território não pode ser usado como
forma de atacar terceiros. A neutralidade do país não significa que ele não tenha capacidade de res-
posta, pois tem exército e marinha. A sua integridade física e de território tem de ser respeitada. Para
o Império alemão a neutralidade não significava isto e 1914. Atacar a França pelo Norte significa
violar o espaço territorial do Luxemburgo e da Bélgica, potências neutrais. No Tratado de Londres de
1839, a Bélgica é obrigada a ser um país neutral, sendo que esta neutralidade assenta num compromisso
assumido entre os Países Baixos, a França, a Inglaterra e a Prússia. Portanto, ao abrigo do tratado, as
potências europeias reconhecem a independência e a natureza neutral da Bélgica. Portanto, a Alemanha
desrespeita, segundo a Inglaterra e a França, de forma grosseira os tratados que tinha sido subscritos e
assinados pelas potências sob a alegação de que a guerra não é com a Bélgica. Os alemães defendem-
se dizendo que a única coisa que queriam era atravessar a Bélgica para fazer guerra à França. A resis-
tência belga vai ser grande e como resposta a isto da Alemanha vai ser a violência, fazendo ataques
com uso excessivo de força contra agentes que não são reconhecidos como sendo das forças armadas
(crime de guerra nas Conferências de Haia → diferenciação entre civil e militar). Isto torna-se evidente
quando a Alemanha faz ataques que seriam dispensáveis a património, escolas, responsáveis munici-
pais, etc. No início da guerra geram-se logo princípios de desumanização dos alemães que, muito ra-
pidamente, passam a ser convertidos em adversários que não respeitam as leis da guerra, utilizando
violência desmesurada. Esta ideia sobre o exercício máximo da violência sob uma entidade que era
neutral obriga o Reino Unido a juntar-se à guerra.
Existem outras questões subjacentes, nomeadamente o facto de as costas da Bélgica serem as costas
do Reino Unido. A Bélgica é neutral para salvaguardar a geoestratégia das várias potências, entre as
quais a Inglaterra. Esta estava disponível para negociar com os alemães uma forma de pacificação da
escalada europeia, mesmo que isto significasse a reformulação de fronteira em África ou na Europa.
O Reino Unido apenas não estava disponível para reformar o seu espaço vital → este é um termo
utilizado na altura que quer dizer tudo aquilo que é indispensável ao estado independente que se loca-
lize dentro ou fora das fronteiras.
A Inglaterra não estava preparada para o esforço de guerra, sendo que a sal capacidade beligerante
estava feita para interagir no contexto extraeuropeu (Ásia ou África), não tendo mecanismos de recruta
militar. Assim, a primeira vaga é de voluntariados, homens que se alistam para combater na Europa na
necessidade de mobilização da opinião pública inglesa. Esta mobilização aumenta a necessidade de
desumanização do adversário e a informação de guerra leva-nos, muito rapidamente, à propaganda de
guerra. No fim do século XIX, o movimento pacifista vai promover a ideia de que a guerra seria algo
arcaico e próprio de sociedades que não são civilizadas. O que faz sentido é a estabilidade onde se
promove o desenvolvimento científico, económico e social. A paz assentava na remoção de contin-
gentes militares, diminuição de recrutamento, a valorização social em termos integrais, a mulher como
educadora, uma europa federada no sentido da arbitragem em conflitos económicos com o objetivo de
subtrair peso às tensões europeias.

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➢ Movimento internacionalista – suponha a agregação dos operariados europeus e a ideia de que


o operariado não pega em armas para combater. Isto acaba em 1914. A visão transnacional e
supranacional cessa indubitavelmente a partir do início das hostilidades.
No começo, a Inglaterra assume-se como uma das potências pacifistas, isto porque é-lhe comodo este
movimento para justificar o seu desinteresse na participação militar europeia. O ataque à Bélgica e ao
Luxemburgo faz com que o conceito de pacifista passe a ser desconfortável. O confronto entre a In-
glaterra e a Alemanha ia ser necessário, fosse no território europeu ou fora dele, sendo que o reino
unido estava mais preparado para combater no cenário em África. Assim, no verão de 1914, dá-se um
avanço inglês sob as colónias alemãs. A Inglaterra não combate logo na Europa porque para isto tem
de recrutar um exército, estando longe de estar preparada.

A Guerra das Trincheiras

Os altos comandos franceses e ingleses têm formulas e entendimentos de guerra diferentes. A Ingla-
terra opta por uma guerra mais distanciada, sendo que esta terá várias etapas:
1. Guerra de Movimento (1914) – fase caracterizada por uma rapidez da Alemanha que a França,
a Bélgica e a Inglaterra não conseguem acompanhar. Em setembro de 1914, a guerra já estaria
a parar e em novembro para.
2. Guerra das Trincheiras (1915-1917) – faz com que os homens vivam como ratos porque esta-
vam debaixo do chão e em fronteiras fortificadas que se separam da fronteira inimiga unica-
mente através da terra de ninguém. A guerra de trincheira era sobretudo noturna e estava asso-
ciada à capacidade de artilharia.
3. Fase Final (1918)
A Rússia vai ter uma resposta muito rápida à guerra, algo que os impérios alemães e austro-húngaros
não esperavam ou queriam porque isto implicava a abertura de duas frentes de batalha com caracterís-
ticas distintas. Uma frente ocidental, com maior estabilidade, e uma frente a leste com maior dina-
mismo. O império russo, ainda que militarmente forte, tem uma série de incapacidades bélicas no seu
armamento. É o maior exército, mas não consegue avançar precisando de mais gente para combater as
poucas pessoas com boas armas. Isto vai fazer com que tenhamos guerras que duram meses com um
número de mortes elevadíssimos. O estabelecimento da guerra tanto a ocidente como a leste tem como
consequência o elevado número de baixas, seja por morte ou incapacidade. O próprio movimento de
tropas causa isto.
A guerra das trincheiras não estava prevista ou programada, sendo que esta resulta da incapacidade
das duas partes de avançarem uma sobre a outra. A guerra fica estacionada. Aqui a trincheira surge
como modo de defesa onde não havia.
A Grande Guerra traz a emergência da incapacidade eterna física e psíquica. Na trincheira os homens
vivem como ratos, debaixo do chão, raramente avistando a trincheira do oponente. Isto significa que a
guerra muda de ritmo. Esta era uma guerra sobretudo noturna que invertia os dias e as noites. As
trincheiras são lugares inseguros, onde as condições de vida são más e não é preciso disparo de um
adversário para morrer. Isto porque falamos de trincheiras que se mantêm na Europa desde o inverno
de 1914 até ao inverno de 1918. Em larga medida falamos de invernos que foram excecionalmente
frios, húmidos e chuvosos em que os combatentes e as forças em presença suportam o insuportável.
Portanto, há múltiplas formas de morrer na trincheira. Formam-se logísticas de dar assistência a estes

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homens da linha da frente, mas não é possível dar refeições quentes na trincheira. Então, os homens
ficam um período na linha da frente e depois são rodados para a segunda linha para recuperarem forças.
Estamos a falar de um esforço de elevadíssimo desgaste que vai obrigar a lógicas de mobilização
crescentes. Como se mantém um esforço de guerra? → os estados autoritários obrigam as pessoas a
irem, num regime representativo com expressão considerável de sufrágio a declaração de guerra as-
senta na aprovação previa do acordo rotativo, ou seja, a população tem de achar que a guerra é neces-
sária. Nos regimes liberais de natureza representativa, as sociedades vão ser bombardeadas com pro-
paganda, sendo este utilizado como meio de persuasão. Os impérios alemão e austro-húngaro fazem a
mesma propaganda. Esta é, portanto, uma guerra de sociedades.
A partir de 1914, a grande prioridade dos estados envolvidos nesta beligerância é fazer os homens
chegar à frente de batalha, alimentá-los e protegê-los do frio. As práticas de abastecimento comuns
irão ser substituídas rapidamente. Esta guerra seria a forma de retomar a ascensão social com a ideia
de que os negócios deverão decorrer normalmente. A França aplica um modelo protecionista como
salvaguarda dos seus interesses. A Inglaterra vai apostar no setor comercial. Vemos que o padrão ouro
vai fragilizar o sistema financeiro britânico durante a guerra, sendo que este é suspenso até ao seu final.
A Primeira Guerra Mundial seria uma guerra industrial, económica e financeira, para além de militar
e naval.

A Economia de Guerra

Relações entre a Inglaterra e os EUA

A guerra significa o fim do padrão ouro tal como a Inglaterra o tinha estabelecido. As economias vão
evoluir de forma diferente. No caso da Tríplice Entente, vamos encontrar em Inglaterra a vontade
expressa de não pôr em causa o sistema financeiro. Ou seja, a Inglaterra fará o que for possível para
que, do ponto de vista financeiro e monetário, a sua posição não seja posta em causa. Vai haver um
aumento significativo da divida pública interna e, em 1917, a Inglaterra vai ser obrigada a contrair
empréstimos no exterior. Estes têm como objetivo assegurar a liquidez aos seus aliados, porque o custo
de guerra e o seu financiamento vai assentar na subida da divida pública interna.
A Inglaterra pretende não ficar na dependência financeira de terceiros, sendo estes terceiros a economia
norte americana e a praça financeira de Wall Street. Isto traz problemas e dificuldades nos conceitos
de neutralidade. Os EUA vão assumir, do ponto de vista da neutralidade, que estão em situação de ter
relações comerciais com as duas partes em conflito. Relações estas que não deverão ter condiciona-
mentos, sendo que isto traz tensão constante entre os EUA, por um lado, e a França e a Inglaterra, por
outro. As relações entre os aliados atlânticos vão ser especialmente tensas porque a França e a Ingla-
terra estabelecem pontos de segurança no Canal da Mancha e no Mar do Norte para garantir que todos
os navios de países neutrais estão a cumprir aquilo que está acordado nas Conferências de Haia e no
Tratado de Londres de 1908, em relação ao contrabando. Com contrabando estes referem-se à venda
de quaisquer substâncias ou equipamentos que contribuam para o esforço de guerra. O contrabando é
um contingente que alarga ao longo da guerra porque é muito relativo, sendo que muitas coisas podem
contribuir para o esforço de guerra. Na prática, a Inglaterra e a França vão condicionar a capacidade
que a economia norte americana tem de se expandir durante a guerra.
Os EUA não gostam dos seus navios serem parados, fiscalizados, das cargas serem apresadas, dos
agentes comerciais norte americanos integrarem listas negras. Estes afirmam que não estão em guerra

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com a os impérios alemão, austro-húngaro e otomano. Assim, a França e a Inglaterra não podem impor
restrições aquilo que os EUA assumem ser a normalidade do seu tráfego comercia. Devido a isto, os
EUA vão reagir de forma desfavorável às tentativas sucessivas da banca inglesa contratualizar fundos
financeiros para financiar a guerra. Se os americanos eram neutrais para uma coisa seriam neutrais
para a outra.
A ideia do presidente Wilson vai ser a da equidistância norte americana que vai ser agravada pelas
restrições de comércio, por isso os poderes públicos americanos não vão permitir fundos financeiros
aos ingleses. A banca inglesa, por vontade expressa do governo inglês, vai tentar persuadir a banca
dos Estados Unidos que de facto investir na guerra é um bom negócio. Se não houver dinheiro, não há
capacidade operativa e não há guerra. Uma das características desta relação difícil entre Europa e EUA
tem a ver com a circunstância de que os EUA têm escassa capacidade de controlar o setor financeiro.
Naturalmente, a banca norte americana vê com bons olhos este investimento e, os EUA vê-se na con-
tingência de prestar apoio às potências da Tríplice Entente ainda que não quisesse fazê-lo. O governo
diz que são neutrais e que querem comércio com ambas as partes, mas a banca financia dos esforços
de guerra da Entente.

A Rússia

A Entente tem problemas, como a dificuldade do Reino Unido de manter o esforço de guerra na Eu-
ropa, mas aparecem novas situações. O elo mais fraco da Entente são as dificuldades financeiras e
económicas do Império russo. Se o objetivo dos alemães é o reposicionamento territorial com os Mon-
tes Urais e o Calcazu, a Entente não podia perder a capacidade bélica dos russos, sendo estes insubsti-
tuíveis. Isto traz problemas, sendo o primeiro o facto de nas vésperas da Grande Guerra o império
russo está fortemente pressionado em função da divida pública externa. A ideia de que a Rússia passa
o século XIX numa estrutura feudalista não é bem verdade. Isto porque existe uma lógica de industri-
alização em certos pontos do território que decorre com a aplicação de capitais estrangeiros. Atendendo
à natureza do território, vamos encontrar uma lógica de expansão industrial que afeta as indústrias das
duas fases da revolução. Se forem indústrias pesadas estas estão assentes em capitais estrangeiros,
portanto, a Rússia funciona como uma espécie de El Dorado para o investimento a longo prazo. Isto
tem consequências para a estrutura económica russa que se altera, mas esta mudança não se reflete no
padrão de vida das populações. Em suma, a Rússia está esmagada pelo preço da divida pública externa
e é assim que entra na guerra. O esforço de guerra significa a mobilização da Rússia e uma distribuição
no mercado laboral, atendendo que quem pode combater o vai fazer e quem não pode ter de assegurar
as lógicas tradicionais de funcionamento. A Rússia tem problemas económicos grandes que provocam
contestação em 1905, havendo uma revolta de subsistência por comida que é fortemente esmagada por
ordem do Czar. Esta tensão interna vai ter efeito durante a guerra.
Naturalmente que a guerra traz outras questões para a Rússia, como a propriedade. A abolição da
servidão na Rússia tem um grande problema para os poderes económicos russos, criando fluxos mi-
gratórios internos, sendo que estes êxodos rurais punham em causa a capacidade produtiva da Rússia
(maior produtor de cereais no século XIX e XX). A Rússia é o grande produtor mundial com base na
sua estrutura laboral, sendo que os EUA ombreiam com ela devido à mecanização. A Rússia mantém-
se como grande produtor de cereais não permitindo a mobilidade interna, sendo que isto é feito através
da instituição das Mir. As Mir são uma partilha de solo arável, estes solos são do Estado e nunca
deixam de o ser, mas são repartidos em parcelas e atribuídos a agregados familiares desde que a tota-
lidade dos membros resida naquele espaço. Se alguma pessoa membro do agregado sair da regiam em
que se encontra, então a distribuição da terra vai ser revista em função dos membros que permanecem.

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Estas terras são sempre públicas e estas comunidades estão em autogestão, trabalhando a terra como
se fosse deles durante o período curto que lhes é dado para não haver vínculos sob a terra fundiária.
As ligações são revistas para que não se permita que exista um sentimento de pertença dos cultivadores
em relação à terra. Cumprindo estas regras as comunidades vivem em autonomia plena, cultivando e
vendendo o que querem. A emergência da lógica soviete funda-se nesta experiência de autogestão das
comunidades em torno de recursos que não lhes pertenciam porque eram do Estado.
As Mir não resolvem a questão. A Rússia continua a ter elevada disparidade no que diz respeito à
capacidade produtiva e ao acesso à propriedade. Isto dá origem ao Movimento Terra e Paz que segu-
ramente será uma das primeiras demonstrações do populismo, estando ligado à ideia de vinculação
entre quem trabalha a terra e quem detém a propriedade. Este movimento vai ser desenvolvido por
uma visão niilista no século XIX que é particularmente violenta e vai trazer uma elevada instabilidade.
A guerra tem como consequência uma elevada pressão sob a produção agrícola, criando uma elevada
ligação entre os centros de produção, que têm falta de pessoas, e as pessoas, que carecem de serem
alimentadas, seja aquelas que estão na frente de batalha seja as que estão nas áreas urbanas. Os abas-
tecimentos nas áreas urbanas rareiam, havendo uma diminuição de residentes no contexto urbano na
Rússia. Isto traz problemas acrescidos por causa da localização das indústrias. Se a Rússia é insubsti-
tuível para travar o avanço alemão é também uma situação vulnerável do ponto de vista económico,
financeiro e social.
Czar Nicolau faz saber aos seus alados que ou bem que a aliança militar tem uma extensão de natureza
económica ou financeira ou então a Rússia é forçada a sair da guerra. A aliança da Entente tem segu-
ramente uma natureza militar que corresponde à convergência de objetivos estratégicos que permite
impedir a agressão do império alemão. Se não há Rússia na aliança a possibilidade da França e Ingla-
terra de travarem as potências centrais é muito escassa. A Rússia é imprescindível e, nessa medida, a
aliança entre as potências da Entente tem de se complexificar para incorporar a tendência económica
e financeira. Se querem a Rússia têm de pagar o esforço de guerra.

A Importância das Colónias

Em 1916, dá-se a constituição do Comando Interaliado, a ideia de que para se fazer uma intervenção
bélica tem de se fazer corresponder as lógicas no domínio económico e financeiro. Assim, estas po-
tências coligadas para combater as potências centrais, nas aquisições externas, não funcionam como
inimigos, mas sim como aliados. Isto porque ao agirem cada um por si estavam a prejudicar-se porque
alimentavam a concorrência. Pretende-se então a constituição de lógicas conjuntas de aquisição ao
exterior, acesso a créditos, interação dos recursos navais e mercantes cuja administração fica a cargo
da Inglaterra com o objetivo de fazer baixar os preços de tudo aquilo que as potências da Entente
precisam.
Este comando induz ainda as lógicas reforçadas no que diz respeito à produção industrial. Ou seja, a
ideia de aproximação das indústrias. Neste domínio é necessário reforçar o papel dos impérios inglês,
francês e da Common Wealth. Entre 1914 e 1918, encontramos o desenvolvimento destes impérios em
prol das necessidades metropolitanas beligerantes. O período de guerra é, por definição, um período
em que o pacto colonial não faz sentido porque as metrópoles precisam de uma produção industrial
crescente quando têm mais dificuldade a assegurar no seu espaço. Do ponto de vista económico e
industrial, as colónias reorganizam-se em função das necessidades das suas metrópoles. A metrópole
precisa que a colónia se desenvolva do ponto de vista industrial, dos saldos positivos da balança

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comercial e da sua autonomia económica, algo que não acontecia antes. É por isto que, no final da
Grande Guerra, o mundo muda e as estruturas económicas coloniais equiparam-se.

União Sul Africana

Dentro do espaço inglês importa observar a relevância da União Sul Africana, sendo este o maior
produtor de ouro da época. Assim, a União Sul Africana é uma espécie de caixa-forte do Reino Unido.
A Inglaterra toma medidas preventivas que significam o reposicionamento de recursos monetários em
contexto que eles não possam ser afetados pelas potências adversárias, o que virá a dar protagonismo
à União Sul Africana. Este é um território sob autogestão feita pelos ingleses. Tem um estatuto seme-
lhante à Austrália e Nova Zelândia. A União quer expandir-se e tornar-se a principal potência de
África, desfasando os vínculos com a metrópole, sendo que é ela que tem o ouro. Assume-se uma
perspetiva especifica que tem a ver com a afirmação desta grande potência em África.

Índia

Outra lógica de subalternização é a Índia, sendo que esta surge como um contribuinte sob múltiplas
formas para o esforço inglês. Temos um contingente muito considerável de indianos que se deslocam
para a Europa, sendo associados a todo o tipo de atividades que são indispensáveis para garantir a
fluidez de transporte entre as frentes e a retaguarda. Os indianos têm um claro envolvimento no esforço
de guerra inglês e isto resulta da necessidade de ver reconhecido o contributo da Índia, para que as
suas aspirações desde os anos 80 de autogestão sejam cumpridas. Os indianos querem que a mudança
feita no estatuto da África do Sul aconteça na Índia. A Inglaterra não vai permitir isto esta mantem-se
como a joia da coroa. A Índia vai ter um papel essencial para garantir, do ponto de vista económico e
industrial, as movimentações inglesas na Ásia. Esta vai ter um papel fundamental porque o desenvol-
vimento da indústria na Índia permite, antes de mais, a ideia de que ela se garante a si própria. Os anos
de guerra funcionam como um período em que a economia indiana demonstra que é capaz de se tornar
autónoma e independente e, por sua vez, requerer o estatuto de autonomia e culminar a sua indepen-
dência.
Na prática os sistemas imperiais entram em declínio por causa da fragilidade das potências europeias
durante a guerra. Isto também vai ser visto no império francês, não tendo tanta expressão porque este
tem menor ascendência. Não é menos verdade que temos marroquinos, argelinos, tunisinos a combater
incorporados nas tropas francesas. O que encontramos é um desenvolvimento e envolvimento em larga
medida. Existem diversas tendências culturais na guerra e não se pode trazer contingentes de popula-
ções muçulmanas e esperar que elas combatam sem a necessária reserva pelos seus hábitos.

As Relações entre Potências e as Saídas e Entradas na Guerra

Relações entre Aliados

Uma das características da interação entre potências aliadas tem a ver com nenhuma delas poder fazer
paz em separado. Ou seja, é verdade que o Reino Unido e a França sustentam o esforço de guerra, do
ponto de vista financeiro, do Império Russo. Isto significa que este último não pode fazer paz em
separado e tem de se manter na guerra até ao fim. Franceses e ingleses vão agir no contexto externo
de forma interligada no que toca à aquisição de produtos agrícolas e matérias-primas. Se não existe
um padrão ouro então as compras ao exterior têm de ser feitas em ouro. Entenda-se que, por este
motivo, as dividas públicas tendem a crescer. A partir de 1917, a contração de empréstimos ao exterior

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obriga a uma pressão muito maior sobre a França e a Inglaterra. Para garantir os seus haveres em ouro,
a Inglaterra vai contratualizar nos EUA a cedência das posições que tinha em várias empresas para que
possa trazer a américa aquilo que precisa. Uma das consequências da Grande Guerra vai ser a nacio-
nalização das estruturas económicas do Novo Mundo. Quando se fala de banca inglesa que, durante
todo o século XIX, faz empréstimos a longo prazo para a transformação de estruturas económicas e
ferroviárias, no contexto da Grande Guerra, atendendo à necessidade de garantir reservas de ouro es-
cassas, vai haver uma tendência da banca londrina de cedência das suas posições nas empresas do
Novo Mundo. Isto tem como consequência a formação de uma nova estrutura económica com menor
participação dos capitais europeus e, seguramente, dos ingleses.

Entradas dos Norte Americanos

A guerra muda de feição com a declaração de guerra dos EUA às potências centrais, sendo que esta se
deve, antes de mais, à pressão das estruturas industriais norte americanas e ao impacto que tem, do
ponto de vista económico, os condicionamentos da sua posição neutral. O que é que induz a mudança
de posicionamento norte americana é a declaração de guerra submarina total, em 1917. Isto significa
que o Atlântico passa a ser intransitável devido aos alemães. Portanto, é verdade que as potências da
Tríplice Entente apertam o cerco das potências centrais e do Império Alemão que vai reagir com a
ideia da aplicação da guerra submarina, o que põe em causa os interesses de capacidade operativa dos
EUA. Os Estados Unidos, na figura do presidente Wilson, vão justificar a não intervenção na guerra
com base na natureza intrínseca da Tríplice Entente. Isto é, não se permitem participar numa aliança
com o Império Russo, que consideram de natureza autocrática e, por essa razão, seria algo contrana-
tura.
Há problemas específicos no caso dos EUA e do continente americano. Estes vêm na circunstância de
estrarmos perante sociedades cosmopolitas que são a expressão da realidade europeia. Uma das ques-
tões que se colocam durante a guerra é saber o que é mais importante para a sociedade americana: a
sua ascendência na Europa ou a sua pretensa aos contextos em que se insere. Isto porque o continente
americano é o principal recetor da imigração europeia durante o século XIX. Falamos de uma lógica
cosmopolita que permite aos imigrantes reconstituir no novo espaço os ambientes de onde são prove-
nientes. A questão que se coloca é saber o que é mais importante: ser descendente alemão ou viver nos
Estados Unidos e ser americano. Isto porque, no início da guerra, emergem posições diferentes entre
comunidades de origem distinta. É importante saber até que ponto é que o fator da guerra europeia
pode criar uma guerra civil nos Estados do Novo Mundo. Por isto é que a neutralidade é adotada. As
potências europeias concentram-se na exploração de rivalidades no continente americano com o obje-
tivo de trazer estas comunidades para uma guerra que consideravam ser europeia e não mundial.
Os ingleses lançam uma declaração, em 1916, que tem como objetivo seduzir a praça de Wall Street
mostrando a possibilidade da criação do Estado de Israel. Da mesma maneira que a Inglaterra vai
pressionar o governo norte americano fazendo divulgar propaganda muito polémica, o México também
vai disseminar propaganda endereçada pelo Império Alemão, no sentido de convidar os mexicanos a
fazerem parte do esboço da guerra das potências centrais, para que este pudesse recuperar os territórios
que tinham sido perdidos para os EUA. Este programa é apresentado pelos ingleses ao governo norte
americano que não o vai levar com seriedade. Existem sucessivas tentativas do presidente Wilson de
manter a paz, sendo que este se posiciona de uma forma equidistante com a ideia da celebração de uma
paz sem vencidos nem vencedores. Esta ideia causa o escárnio das potências europeias envolvidas na
guerra. No contexto de beligerância, em que existem batalhas gigantes, é impensável para qualquer
uma das potências que não vão existir vencidos e vencedores. Uma das imagens mais imediatas para

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as potências europeias em relação aos EUA é que este se está a aproveitar da fragilidade dos belige-
rantes para crescer do ponto de vista económico. O presidente Wilson vai ombrear com a posição da
Santa Sé de promover uma ideia de paz sem condições. A relativa tranquilidade interna, principalmente
em função da ascendência da opinião pública favorável às potências da Tríplice Entente. A opinião
pública americana fica dividida entre descendentes alemães e ingleses, sendo que esta vai ser forte-
mente persuadida pela propaganda, no sentido de ser favorável, em caso de guerra, à Tríplice Entente.
A ideia de entrada na guerra vai ser corroborada por uma mudança no posicionamento político da
Rússia. A Primeira Revolução Russa altera o posicionamento do regime, em 1917, tendente à mudança
de um regime de natureza democrática para uma lógica representativa que procurava aproximar o Im-
pério Russo dos aliados ocidentais. Neste contexto, os EUA permitem-se alterar o seu posicionamento
face à guerra e declarar estado de guerra às potências centrais. Há uma diferença entre a declaração de
guerra e a chegada dos exércitos americanos à Europa. A diferença é que os americanos estão fresqui-
nhos que nem uma alface e não sabem o que é o contexto de beligerância na Europa. O contingente
norte americano é constituído por pessoas cujo contacto com a guerra é tendencialmente distante. Os
EUA não têm experiência de guerra e a sua capacidade beligerante não vai muito além da totalidade
dos outros contingentes.
Pode-se dizer que, do ponto de vista económico e financeiro, os EUA abrem o crédito aos seus aliados
e dinamizam as estruturas económicas de forma a corresponder às necessidades dos aliados europeus.
Esta é a principal diferente o que resulta numa mudança de tendência na frente de combate. Na frente
leste sabemos que os impérios centrais pressionam especialmente, sendo que o império russo faz uma
grande ofensiva em 1917 que corre bem e depois corre mal. O ano de 1917 vai ser favorável para os
impérios centrais atendendo à sua capacidade de consolidar a posição sobre a Roménia e infligir uma
derrota pesada à Rússia.

A Revolução Bolchevique e a Saída da Rússia

No final de 1917, a Segunda Revolta Russa muda tudo. A visão bolchevique é de que a guerra é rele-
vante para fazer a derrocada do sistema capitalista. A posição imediata das novas autoridades é que a
Rússia Bolchevique não deve obedecer aos compromissos com as potências capitalistas. A Rússia sai
da guerra para salvaguardar os seus interesses e prosseguir os seus objetivos. Isto significa a celebração
de dois tratados alemães, o primeiro com a Rússia e o segundo com a Roménia.
O primeiro tratado com a Rússia Bolchevique significa a alteração das fronteiras a leste de novas
identidades políticas nacionais, as quais a Rússia bolchevique deveria reconhecer. Isto significa a cri-
ação de um cordão sanitário entre o Império Alemão e a nova realidade socialista, a ideia de que esta
nova realidade tem de ficar afastada para reduzir o impacto de difusão. Não menos importante, a ideia
de transformação da Rússia em contribuinte ativo para o esforço de guerra das potências centrais. Esta
é relevante no Tratado de Brest-Litovski. A Rússia deixa de ser oponente e passa a ser potência que
contribui de forma direta para o esforço de guerra. Este tratado será o modelo para o Tratado de Buca-
reste celebrado com as mesmas características, ou seja, a submissão do antigo oponente às necessida-
des económicas dos alemães e dos seus aliados.
Em 1917, face à declaração de guerra dos EUA, o Império Alemão vai criar uma nova lógica adminis-
trativa do esforço de guerra que acompanha e otimiza aquilo que tínhamos observado em 1916 do
concelho interaliado. Há uma substituição dos comandos militares alemães e faz-se um plano com a
constituição de uma estrutura do ponto de vista industrial e agrícola. Esta lógica vai abranger todas as
economias das potências centrais: Império Alemão, Húngaro, Otomano, Búlgaro. Em 1917, as

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potências centrais vêm-se a conceber uma nova Europa, uma lógica de guerra total que tem a ver com
a integração das estruturas económicas de cada um dos blocos que participal na Tríplice Aliança.

O Fim da Guerra

O Armistício

A Grande Guerra vai induzir a uma estruturação da ordem económica das principais potências belige-
rantes. No caso da Tríplice Entente, encontramos uma lógica que se faz desde o início. Quanto à ca-
pacidade do império alemão vemos uma lógica de integração económica, normal numa guerra indus-
trial. Isto significa que a capacidade operativa do império alemão dura enquanto durar a sua capacidade
económica e que ao colapsar leva a Alemanha à derrota. As potências ocidentais tinham um espaço
extraeuropeu e os impérios centrais não o possuíam o que fazia com que não tivessem uma zona de
recuo fora da Europa caso fosse necessário.
A Alemanha era a grande força económica do seu lado da guerra, mas vai ter dificuldades em confron-
tar a capacidade operativa da situação económica dos EUA. Vamos ver um desgaste da guerra nos
aliados do Império Alemão que vão, em setembro e outubro de 1918, assinar a paz em separado. O
sucessor do Imperador Francisco José (Áustria) tentou acabar com a guerra mesmo que isto signifi-
casse a desobrigação ao cumprimento dos pressupostos que tinha com a Tríplice Aliança. Sendo assim,
entre setembro e outubro de 1918, a Alemanha fica sozinha e o desgaste externo vai-se juntar a uma
erosão das instituições que leva a uma mudança política, fazendo cair o império e levando ao advento
da nova república, a República de Weimar. Desta forma, a Alemanha, que vai aparecer a liderar as
negociações com os adversários, não seria a mesma que esteve na base das opções diplomáticas que
levaram à Grande Guerra.
O alto comando militar alemão via, com alta probabilidade, uma vitória militar, mas, no decorrer do
século XX, aparecem inúmeros mitos sobre o exército alemão. Um deles é o facto da Alemanha ter
sido traída pelos oficiais que se recusaram a combater, criando um contexto de necessidade de paz. A
Alemanha vai passar a República e vai negocia o armistício, assinado a 11 de novembro de 1918.
Normalmente, damos enfase ao Tratado de Versalhes esquecendo a natureza do armistício que funci-
ona como um instrumento para acabar as hostilidades. O armistício não acaba com a guerra, mas in-
terrompe a batalha implicando o cumprimento de cláusulas que não significam a existência da paz. No
decorrer da assinatura do armistício não temos soldados estrangeiros na Alemanha e os soldados ale-
mães regressam a casa, sendo recebidos em grande festa. Contudo, isto não seria um momento de
festejo para a Alemanha, já que fica logo estabelecido que deveriam transferir os territórios ocupados
da mesma maneira que os encontraram. Ou seja, fica estipulado que a Alemanha deve contribuir para
a restauração dos territórios afetados pela guerra.
Com este armistício os EUA querem imediatamente a liquidação do problema, nomeadamente o pro-
blema populacional que, durante o conflito, tirou a vida a 10 milhões de pessoas com os países mais
afetados a serem a Rússia, a França e a Alemanha. Desta forma, os EUA querem a liquidação o quanto
possível do problema com larga escala, já que as sociedades europeias tinham o que se denomina de
demografia escavada, porque entre velos e novos temos um fosse devido à morte na guerra. Quando
ao problema de destruição vemos que isto não afetou todo o continente europeu, mas sim os países
que foram palco da guerra e os homens que se encontram a negociar em Versalhes sabiam bem a
diferença entre vencedores e vencidos. Quanto à Rússia, podemos ver que não entrou nas negociações

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pois, no tratado que teria assinado em 1917, acaba por se demarcar de tudo o que era relacionado com
a guerra.

As Negociações de Paz

Entre novembro de 1918 e julho de 1919, as negociações entre vencedores são difíceis devido ao re-
conhecimento individual que cada um pretendia. O facto de existir um primeiro alinhamento de potên-
cias significa que existe uma hierarquização destas. Mesmo que a Sérvia não seja considerada uma
potência principal vai-se juntar à França, Inglaterra, Itália, Japão e aos EUA que não fazem parte dos
aliados. Neste contexto, o Japão e o Brasil vinham deixar claro que, tendo dado contributos diretos à
guerra, deveriam ser reconhecidos como estando ao nível das outras potências. Os EUA participam
nas negociações e o presidente Wilson vai a Marrocos onde faz declarações sobre a liberdade dos
povos. Os EUA aproveitam a fragilidade dos aliados para impor a sua capacidade operativa de desen-
volvimento económico ao longo do continente europeu.
Nas negociações de paz vai existir a ideia de que a Alemanha devia ser neutralizada e que, sem esse
fator, não poderia haver paz na Europa. A nova Alemanha não deveria ter distinção da Suíça. O tratado
impunha:
➢ A Alemanha deveria recuar as fronteiras do contexto alemão. A ideia da pequena Alemanha
surge e isto significa a existência de duas pequenas Alemanhas, porque a Áustria considera ser
uma pequena Alemanha. Mais à frente a Alemanha Nazi usa este ponto para justificar a ane-
xação da Áustria.
➢ A Alemanha fica proibida de ter uniões alfandegárias porque não pode expandir o seu espaço
vital, sendo obrigada à cedência de todas as patentes registadas em nome de indivíduos ou
empresas alemãs.
➢ A Alemanha é obrigada a devolver os territórios conquistados durante a guerra.
➢ A Alemanha é obrigada a deixar qualquer um navegar nos seus rios e perde o seu espaço aéreo.
➢ As forças de segurança alemãs são extintas e a Alemanha é obrigada a entregar a sua marinha
de guerra e parte da marinha mercante. Os últimos mortos da guerra foram os marinheiros que
estavam a destruir os navios para não os terem de entregar, contudo os aliados matam-nos.
➢ A Alemanha era obrigada à interdição da produção industrial em determinados setores, naque-
les que a tornavam beligerante aos olhos das potências europeias.
➢ A Alemanha fica responsável pelo pagamento das reparações de guerra que deveria ser calcu-
lado por uma comissão que apresenta contas em 1921, sendo que, em 1919, a Alemanha tem
de assinar o cumprimento do pagamento sem saber quanto seria.

O Pós Grande Guerra

Tratado de Versalhes

Os vencedores reúnem-se em França para discutir o destino da Europa e as negociações duram até
1923. O primeiro tratado diz respeito à Alemanha, pretendendo-se, na primeira parte, uma organização
internacional, a Sociedade das Nações, e na segunda parte fala-se das sanções económicas, militares e
marítimas aplicadas à Alemanha. Quando se fala no final da Primeira Guerra e das cláusulas aplicadas
à Alemanha tem de se ter em conta que as indeminizações de guerra são apenas uma parte. Estas
negociações entre os países vencedores são simultaneamente um desacordo. O Tratado de Versalhes

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não vai ser retificado pelos EUA, apesar de eles o negociarem. Estes reservam o direito de celebrar a
paz em separado com todas as potências perdedoras. Portanto, há um tratado dos vencedores com os
vencidos e depois um tratado dos Estados Unidos com os vencidos.

Relação entre os Vencedores

Importa perceber qual é a relação entre os vencedores, sendo esta especialmente tensa. Entre dezembro
de 1918 e junho de 1919, percebemos que há uma clara dissensão entre os vencedores extraeuropeus
e os europeus. Temos também uma dissensão entre os países que foram mais afetados e os menos
afetados pela guerra. A França, a Itália, a Bélgica, a Grécia e Portugal vêm solicitar o perdão das
dividas contraídas durante o período de guerra às potências aliadas. Chama-se a isto um tributo de
sangue. Na prática, aquilo que estes países queriam vai ser simples. As potências europeias pretendem
a constituição de uma ordem pós-guerra que cumpra os requisitos que foram abordados em 1916.
Atendendo ao nível de destruição massiva de alguns países, estes perdem o perdão dos créditos con-
traídos durante a guerra. Os EUA dirão que não. Para eles as dividas contraídas na banca americana, a
partir do mundo em que estes entram na guerra, podem ser consideradas inexistentes, mas as dívidas
entre 1914 e 1917 têm de ser pagas.
O que encontramos é uma situação verdadeiramente paradoxal porque a maior parte dos países vence-
dores está, do ponto de vista económico, em piores condições do que a nova Alemanha. A recuperação
económica da Europa vai impulsionar necessariamente a economia alemã. Neste sentido, os europeus
vêm defender a ideia de que caberá aos vencidos a comparticipação ativa no âmbito das reparações de
guerra. Isto porque as potências estão encurraladas entre a necessidade de reconstrução e o cumpri-
mento da divida publica externa. Durante o período de guerra as dividas publicas externas crescem de
forma contida e, a partir de 1918, estas explodem porque a lógica que foi aplicada aos créditos é a de
que estes têm de começar a ser pagos aquando do final do conflito. Então, temos uma curva que cresce
de forma moderada até 1918 e, a partir daqui, vemos uma escalada fulgurante. Esta escalada corres-
ponde às necessidades de reconstrução e de pagamento de dividas que, neste contexto, a Alemanha e
os países perdedores devem pagar.
Neste contexto, importa sublinhar a natureza dos pagamentos que a Alemanha vai fazer. Os países com
mais industrialização pretendem que a Alemanha e os vencidos paguem as dividas de forma a não pôr
em causa os preços do pós-guerra. Se os alemães tiverem de pagar uma divida muito elevada em di-
nheiro, na prática a única coisa que têm de fazer é produzir muito do que podem. Se tiverem de vender
muito, inundam o mercado como faziam antes da guerra, sendo que isto vai corresponder a um au-
mento da concorrência em relação a países como a Inglaterra. A emergência de um grande produtor
na Europa vem transformar a capacidade de escoamento que a economia norte americana adquire,
sendo que uma das características desta são os ganhos de produtividade. Quererão os Estados Unidos
ou a Inglaterra encontrar na Alemanha um parceiro ou um concorrente? → cada um deles quer u par-
ceiro para investir os capitais, para desenvolver atividade económica, sendo que isto significa que a
Alemanha não pode ficar isolada, mas também não pode ficar em condição de pôr em causa estas duas
potências industriais. Estes países preferem que o pagamento das indeminizações de guerra seja feito
em produtos para que se possa controlar a entrada destes no mercado e para que o preço não ponha em
causa a evolução das economias norte americana e inglesa.
Os italianos, belgas, franceses e gregos pretendem exatamente o contrário. O que é virtuoso para os
países com elevada destruição é que haja elevada concorrência no mercado porque isto vai significar
a redução dos preços. Importa que o pagamento seja feito em dinheiro para estes países porque o limita
as aquisições que este país tem de fazer, sendo que as dividas obrigam à mobilização financeira em

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larga escala. Portanto, estes países não se vêm na circunstância de beneficiar com a desgraça daqueles
que foram mais destruídos. Assim, à mesa de negociações de Versalhes temos duas posições radical-
mente distintas.
Existe um fator acrescido, os chamados novos estados (Ex: Polónia, Hungria). Existe esta realidade
em termos geográficos de natureza política que são países que emergem, porém, caracterizam-se pela
sua profunda fragilidade económica. Estes países têm uma fragilidade económica porque a sua criação
quer logo dizer que absorver parte das dividas públicas das realidades a que pertenciam. Estamos a
falar de países que foram sujeitos à ocupação e subordinação como o caso da Roménia, e estão endi-
vidados. Para além disto, estas nações são economias agrícolas. O seu impacto vem da ideia de que a
sua fragilidade está condicionada ao aumento dos preços dos géneros agrícolas no mercado europeu.
A fome continua e é elevada. Para além disto, temos o grande impacto da gripe espanhola que mata
mais gente do que a guerra.

A Alemanha no Pós-Guerra

A Alemanha é sujeita a uma vasta panóplia de alterações que correspondem à perda de soberania
terrestre, aérea e fluvial. Esta perde a sua frota naval de guerra e é obrigada a entregar a frota mercante,
em parte. São aplicadas restrições à indústria alemão, estando proibida de produzir certos produtos não
podendo produzir mais do que um certo contingente. Os corpos de segurança interna desaparecem, os
corpos e academias militares fecham e a Alemanha não poderia ter renovação do exército tornando-
se, a prazo, uma potência neutral. É aplicado um contingente que não pode exceder 100 000 homens
para o exército alemão e não poderiam renovar os soldados o que quer dizer que há dificuldade em
repor os efetivos e, quando o último soldado e general se reformarem, a Alemanha deixa de ter exér-
cito.
A Alemanha não retifica as fronteiras a leste com a Polónia, havendo uma guerra que os polacos ga-
nham com a ajuda dos franceses. A França funciona, entre as guerras, como o garante da estrutura
política que sai dos acordos.
Sabemos que o Tratado de Versalhes é negociado entre os vencedores com necessidades diferentes. A
França a Bélgica, a Itália, a Grécia e Portugal terão um posicionamento distinto em relação às repara-
ções de guerra do que a Inglaterra e os EUA. A consequência disto é o facto de os EUA não retificarem
o tratado. Depois disto, a lógia do pagamento das indeminizações assume um formato híbrido entre a
necessidade no seu sentido imediato e o controlo dos mercados de géneros industriais, produtos agrí-
colas e tudo o que seja estratégico. Os países vencidos, que já estavam a pagar por causa do armistício,
são obrigados a pagar indeminizações de guerra de forma híbrida para terem menos produção e paga-
rem as construções pós-guerra em dinheiro aos vencedores. Os vencidos não têm direito a crédito
externo, sendo que este é escasso e fica reservado aos vencedores.
A Alemanha assina o tratado a custo e, no contexto endógeno, espalha-se a visão da Alemanha traída
pelas potências. Esta ideia vai campear no contexto interno alemão e vai ajudar à criação de uma
perceção agonizada do tratamento da Alemanha no pós-guerra. Os homens voltam a casa e são rece-
bidos como heróis, já que a população não tem ideia de que perdeu a guerra. Entre novembro de 1918
e junho de 1919, existe a perceção de que a Alemanha está a ser persuadida pelas potências ocidentais
e sujeito a algo que degrada drasticamente as condições de vida.

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Os Desmobilizados

Não menos importante devemos falar da natureza dos desmobilizados, sendo isto algo transversal a
todos os países. Os desmobilizados configuram o regresso à vida civil, regresso este que traz uma nova
etapa de desequilíbrio do ponto de vista da estrutura económica. Isto porque a economia está feita com
uma fórmula de guerra e a guerra deixa de existir. Há uma reorientação das lógicas de produção das
economias. Aquilo que era necessário durante a guerra já não é ou já não se pode produzir. Estamos
perante uma sociedade onde há uma excedência de mão de obra devido a isto. Durante a guerra, as
mulheres passam a assumir funções na indústria que antes eram assumidas por homens que agora
estavam mobilizados. Há um alargamento do raio de ação da mulher na indústria onde, até então, o
seu papel era escasso ou inexistente, como a indústria do armamento. Estas mulheres são obrigadas a
recuar quando a guerra termina. Quando se fala da grande afirmação da mulher durante a guerra é
verdade, mas importa não esquecer o que lhes acontece quando a guerra termina. Isto acontece na
Primeira e na Segunda Guerra porque há uma redefinição dos papeis sociais. O papel que é reservado
à mulher no pós Primeira Guerra é o de assumir aquilo que só as mulheres podem fazer, assegurando
a descendência devido à grande mortalidade. As mulheres passam a ser mal vistas no contexto do
trabalho no pós-guerra. A estrutura familiar muda com o ressurgir de cânones que são reinventados,
espera-se que a mulher fique em casa a tomar conta dos filhos, sendo que aquelas que o podem fazer
é que tem um padrão social mais elevado. A visão estratificada do papel social que se aplica é a ex-
portação de um modelo que afere às classes médias e altas da sociedade porque dá jeito as mulheres
voltarem para casa para dar espaço aos homens. Emerge, assim, a figura da dona de casa. Esta é uma
visão que assenta na redefinição dos papeis sociais do pós-guerra.
Estas sociedades são especialmente violentas por vários motivos. Isto porque quem regressa a casa
sobrevive ao inominável, ninguém que volta da guerra é o mesmo que era antes. Estas sociedades vão
desenvolver lógicas violentas endógenas que são fruto da violência externa, os homens voltam e vão
agir da mesma maneira que agiam na guerra.

A Sociedade do Pós-Guerra

A guerra redefiniu a sociedade no desrespeito pelas instituições. Os fascismos que emergem em toda
a Europa são, antes de mais, um elogio ao homem comum. Estas ideologias políticas são antissistema
porque beneficiam da emergência daqueles que fizeram a vitória da guerra, mas que, até então, não
tinham capacidade de decisão. O fascismo assenta na visão exponenciada pelo nacionalismo. Entre o
nacional-socialismo e o fascismo há características que são transversais e que têm a ver com a natureza
iliberal. A Alemanha é um Estado totalitário desde o início e na Itália vemos um caminho chegado ao
totalitarismo.
A norma liberal não consegue dar resposta aos problemas, portanto temos dois tipos de evolução.
Temos a evolução, no sentido do alargamento das liberdades, em regimes liberais como a França e a
Inglaterra atendendo à necessidade de absorver a massa grande que não pode ser ignorada e controlada,
por isso tem de ser integrada. O sufrágio universal nos EUA não significa que parte grande da popu-
lação vota. Uma das consequências do pós-guerra nos EUA é um grande aumento das tensões raciais.
Este é um dos períodos onde se revitaliza os KKK, a ideia de que a América é branca. Na prática, o
que encontramos é o ressurgimento de tensões internas atendendo à necessidade de controlar as mino-
rias independentemente da sua ascendência e da sua cor.

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As novas sociedades do pós-guerra são violentas e uma das características desta violência é condicio-
nar atividade pública, com uma lógica de intervenção económica, política e social diferente. O mundo
muda porque as pessoas que o fazem mudam. Esta mudança significa a elevação de níveis de violência
interna. O pós-guerra é violento na Europa e fora dela. Emerge a ideia de que a guerra tem um caráter
purificador, a ideia de que a guerra é uma forma de fortalecer as sociedades porque os fracos não
sobrevivem à guerra, nem no conflito nem na retaguarda.

O Nacionalismo

A sociedade do pós-guerra será certamente mais forte e terá necessariamente de ser ouvida numa ideia
de nação fortalecida. A ideia de saída do nacionalismo no pós-guerra é fortificada, um nacionalismo
feito pelos sobreviventes a quem a pátria deve. No caso da Itália e da Alemanha, esta lógica de resis-
tência vai manter-se no pós-guerra. Na Alemanha por causa das reparações de guerra e no caso da
Itália por causa da incapacidade do reconhecimento italiano que estava acordado no Tratado de Lon-
dres.
A Itália é menosprezada na sua posição do pós-guerra. Os EUA não reconhecem tratados que não
tivessem sido formados pelos próprios, portanto estes não reconhecem o alargamento territorial da
Itália e consideram que este território deverá reverter para a criação do reino da Jugoslávia. A França
fica isolada e o Reino Unido considera que as intenções da Itália eram sobretudo de alargamento do
seu território. O presidente italiano abandona a mesa das negociações e o presidente Wilson publica
uma carta na imprensa italiana, em italiano, a explicar o porquê da Itália não ter direito às suas reivin-
dicações territoriais. Isto é considerado um insulto que vai dar força ao fascismo italiano, à marcha
sobre Roma e aos camisas pretas.
Tanto na Alemanha como na Itália, por motivos diferentes, as instituições económicas liberais vão
sucumbir por via da necessidade do fortalecimento do Estado. O Estado que apresenta todos os cida-
dãos que constituem um coletivo, tratando-se de um Estado equidistante face ao interesse nacional, de
forma a salvaguardar o mesmo do demérito dos interesses particulares.

A Alemanha

A República vai sobreviver na Alemanha devido às dificuldades imediatas do pós-guerra, sendo que a
fórmula possível para ultrapassar isto é a redução do valor da moeda que vai dar origem a uma híper
inflação. A tendência económica é de expansão, em 1919, e depois de quebra. Os EUA e o Reino
Unido aplicam medidas deflacionistas com um elevadíssimo peso em termos sociais. Os demais países
optam por lógicas de inflação controlada que, muito rapidamente, escapa o controlo. Temos híper
inflação também na Áustria, na Polónia e na Rússia.
Em 1921, a Alemanha é notificada do montante geral de reparações de guerra → 31 mil milhões de
marcos pagos até 1989. A Alemanha declara que é incapaz de pagar. Gera-se um impasse e este vai
ser quebrado pelo incumprimento da Alemanha às clausulas do armistício. A França e a Bélgica vão
justificar a intervenção do Ruhn com base no incumprimento dos alemães das clausulas do armistício.
O Ruhn é o coração cirúrgico da Alemanha, o objetivo de franceses e belgas é a ocupação militar para
garantir a captação dos fundos para que a Alemanha pague o que deve. Pretende-se que este território
seja administrado pelas potências estrangeiras para garantir o pagamento das reparações de guerra.
Imediatamente a seguir, ocorre uma guerra e um lock out, onde os trabalhadores paralisam o Ruhn. Os
trabalhadores não trabalham e os empregadores não abrem as fábricas. Isto vai dar origem a um clima
de elevadíssima tensão que resulta, antes de mais, da ideia de que não se concretiza de que algures os

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trabalhadores vão ter de ceder. Dá-se então uma deslocação maciça de trabalhadores franceses e belgas
para reabrir o Ruhn. Em 1922, o mundo está à beira da guerra. A Alemanha não aceita as indemniza-
ções de guerra e a Inglaterra e os EUA não vêm isto com bons olhos. Pode-se muito bem considerar
que a Grande Guerra acaba, mas a paz não chega.
A Conferência de Genova é uma negociação feita no sentido de aplicação de novos princípios para a
adoção do padrão ouro e a redefinição das dividas de guerra aplicadas aos vencidos. As dividas aos
vencidos quando mexem, em 1922, 1924 e 1929, significam sempre a alteração das dividas dos ven-
cedores europeus aos credores norte americanos das dividas que tinham sido contraídas durante a
guerra. O EUA propõe uma redefinição da divida das reparações de guerra. A França, a Bélgica e a
Itália vão obrigar os americanos a diminuir as suas dividas. Os dois assuntos acompanham-se de mão
dada. Só conseguimos perceber as indeminizações de guerra se tivermos em conta as dividas dos ven-
cedores aos aliados.

O Novo Sistema Monetário

O novo modelo de sistema monetário significa a redefinição do padrão ouro. Isto é fundamental, mas
não é possível da mesma forma que existia antes de 1914. Os problemas são escassez de ouro, a ideia
de que as economias têm fraco encaixe metálico, havendo um problema particularmente sério que tem
a ver com a natureza compósita dos EUA. Os EUA acumulam mais de metade das reservas de ouro
mundiais, o dólar é a segunda moeda mais cotada, porque eles têm tudo para vender e tudo para com-
prar. A economia americana cresce entre 1914 e 1917 e ainda mais cresce a partir daí. O problema é
que a atividade económica tem necessariamente de assentar no movimento entre a oferta e a procura.
Portanto, os EUA têm aquilo que as potências europeias ou que a americana latina precisa. Porém, o
fim da guerra faz cessar a lógica de cooperação entre Estados. A partir do final da guerra, não há
crédito, há medidas de emergência que atuam sobretudo nos estados danubianos onde pessoas comem
terra porque não têm mais nada para comer. Monta-se uma lógica de apoio alimentar de emergência
para tentar reduzir o impacto da fome. Mas não há crédito. Isto significa um aumento das tarifas alfan-
degárias de forma generalizada. Os EUA têm receio das moedas desvalorizadas europeias, sobem as
tarifas generalizadas. Os estados europeus, que precisam de tarifas financeiras, sobem as tarifas que
são a principal maneira de rendimento dos Estados.
A bolsa de Nova Iorque afunda em 1920 porque a economia norte americana estava aquecida por causa
do por causa do acesso aos mercados europeus. O fim da guerra na Europa tem como consequência o
repartimento parcial dos capitais europeus que estavam aplicados nos EUA. Os EUA têm menor ca-
pacidade de exportar porque os Estados europeus não têm como comprar. A consequência disto é uma
crise em Wall Street que vai ter como consequência a falência do setor agrícola americano, Os agri-
cultores endividaram-se durante a guerra para dar subsistência aos europeus, aumentado os meios.
Quando acaba a guerra têm meios a mais e uma divida para pagar que não se vai pagar porque os
europeus não têm dinheiro para pagar. Os géneros agrícolas descem de preço e a economia americana
afunda.
O sistema monetário internacional tem o ouro como eixo fundamental do sistema, sendo que a con-
vertibilidade só se faz face à barra. Esta é uma forma de garantir a estabilidade da moeda e, por exten-
são a estabilidade dos preços.

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