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UnB | CDS | PPGCDS2098 | Heloisa Brenha Ribeiro | Matrícula 231118880

Amin (2012)
AMIN, Samir. Contemporary imperialism and the agrarian question. Agrarian South: Journal of
Political Economy, v. 1, n. 1, p. 11-26, 2012. https://doi.org/10.1177/227797601200100102

A ntes da era moderna, todas as sociedades eram sociedades camponesas e partilhavam do fato
de não serem regidas pelo capitalismo, isto é, pela lógica de maximizar rendimentos através
das trocas de mercado. Hoje, porém, a produção agrícola está dividida entre dois setores
enormemente desiguais, e um deles planeja um ataque maciço contra o outro. Esses são os termos
com que o intelectual egípcio Samir Amin (1931-2018) descreve o embate entre a agricultura
capitalista e a agricultura camponesa em “Contemporary imperialism and the agrarian question”
(Imperialismo contemporâneo e a questão agrária, em tradução livre) – texto que preparou por
ocasião do lançamento da revista oficial da Agrarian South Network (ASN), em 2012. O autor fez
parte do Conselho Consultivo Internacional da publicação até falecer, seis anos mais tarde, em
decorrência de um câncer.
Formado em economia, estatística e ciências políticas, Amin foi uma das principais vozes das
lutas anticoloniais e anti-imperialistas de sua época, dedicando “a vida a ensinar o Sul a se olhar com
olhos de Sul, e não do Norte” (AGUIAR, 2021, p. 146). Nesse ensaio para a Agrarian South, ele
volta seu olhar crítico para o discurso sobre a “modernização” agrária, que, naquele momento, estava
sendo vocalizado pela Organização Mundial do Comércio (OMC) – mas que também é encampado
por outros “instrumentos de propaganda do imperialismo coletivo” (p. 24), como o Banco Mundial,
agências de cooperação e um número crescente de ONGs financiadas por governos ou pelo capital
filantrópico.
Segundo Amin, a retórica falaciosa desses agentes sobre a questão agrária encadeia-se da
seguinte forma: “Em resposta à crise alimentar global, o regime alimentar corporativo – feito por
governos do Norte, instituições multilaterais, oligopólios agroalimentares e grandes capitais
filantrópicos – tem como objetivo utilizar a arrecadação de impostos públicos para modernizar áreas
do Sul Global de alto potencial agrícola [...] a fim de integrá-las aos mercados globais. Isso, somos
convidados a acreditar, erradicará a pobreza rural e levará ao desenvolvimento econômico nacional
para países pobres do Terceiro Mundo, pondo assim um fim à fome no mundo” (p. 24-25).
Em seguida, o autor desmonta esse argumento, camada por camada. A começar, denunciando
que esse não é um curso novo de ação. Ele começou durante a expansão global do capitalismo no
contexto colonial e continua até hoje, revestido pela ideologia do “moderno”. Mas o que esse
discurso dominante entende por “reforma do sistema de propriedade da terra” e “novos investimentos
na agricultura” não passa de privatização de terras e de subsídios ao agronegócio.O resultado direto
desse processo, de acordo com Amin, seria o colapso da agricultura camponesa em favor da
agricultura capitalista moderna (veja comparação na Tabela 1, na próxima página), com os
camponeses e pequenos agricultores sendo expulsos de suas terras em massa: “O aumento do êxodo
rural deslocará a miséria social do capital para comunidades urbanas novas e existentes [feitas] de
‘pessoas excedentes’, pobres e mal servidas” (p. 26). O que fazer com essas pessoas expulsas do
campo, em uma economia altamente competitiva, que gera um número cada vez menor de
empregos? Para Amin, essa é uma questão que o capitalismo “não pode resolver senão através do
genocídio da metade da humanidade” (p. 16).
Há alternativas a esse quadro sinistro? Certamente que sim. Amin defende a necessidade de
políticas que mantenham os camponeses no campo, promovendo ali inovações tecnológicas em ritmo
consistente com o emprego não rural e não agrícola. Políticas de aumento gradual da produtividade
da agricultura camponesa, baseadas em diferentes estratégias agroecológicas, são um exemplo, bem

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como políticas de incentivo à produção local de alimentos – com vistas a prover soberania alimentar
para o povo, em vez de “segurança alimentar para os outros” (p. 22), via comércio internacional.

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Tabela 1 – Comparação entre agricultura capitalista moderna e agricultura camponesa


Agricultura camponesa
Agricultura capitalista moderna

 Quem Corporações do agronegócio e agricultura familiar rica Agricultura campesina (Sul) e agricultura familiar pobre
pratica? (Sul/Norte)
 Quantos Algumas dezenas de milhões de produtores que não são mais Cerca de 3 bilhões de pessoas, praticamente metade da
são? camponeses humanidade
 Onde América do Norte, Europa, cone sul da América Latina e Principalmente no Sul (América Latina, África, Ásia) mas
pratica? Austrália também no Norte
 Como Sistemas altamente mecanizados e integrados a cadeias de Sistemas diversos, intensivos em mão de obra e pouco
pratica? comércio internacional, pelo princípio da maximização do mecanizados, voltados para o mercado interno e orientados
retorno do capital nas trocas de mercado por princípios como sustentabilidade e soberania alimentar
 Quanto 10.000-20.000 quintais de cereais equivalentes por trabalhador De 10 (Sul) a 100-500 (Norte) quintais de cereais equivalentes
produz? por trabalhador
Fonte: Elaboração própria, a partir de Amin (2012)

A terceira e talvez mais importante linha de ação sugerida por Amin é “a repolitização dos
movimentos sociais” (p. 24, grifo do autor). Segundo ele, “os movimentos sociais escolheram ser
despolitizados porque a velha política – a política da primeira onda – chegou ao fim. Agora cabe aos
movimentos sociais criar novas formas de politização” (p. 24). Ele cita a responsabilidade dos
ativistas dos movimentos de base mas também dos intelectuais públicos, que “devem perceber que
não há possibilidade de mudar o equilíbrio de poder” sem se incorporar organicamente “às lutas
levadas adiante pelos movimentos sociais” (p. 24-25).
Essa consideração de Amin pode ser aplicada à questão agrária e a outras questões de fundo,
especialmente a ecológica, da crise em que nos encontramos. Ao afirmar sem rodeios que a investida
do capital contra os camponeses poderia resultar no genocídio de metade da humanidade, Amin
parece estar usando um argumento hiperbólico, mas não está. Trata-se de um argumento que dialoga
diretamente com o conceito de “necropolítica” (MBEMBE, 2018) e com diversos fenômenos sociais
que estamos presenciando na atualidade. Podemos citar a destruição do emprego em escala global; a
formação sem precedentes de massas de migrantes e refugiados; governos fazendo populações
inteiras de cobaia em experimentos de “imunização de rebanho” durante a pandemia de Covid-19;
sem falar no recrudescimento da doutrina do “ecofacismo”, associado à crise climática e à ascensão
da extrema direita (BIEHL; STAUDENMAIER, 2019; LAWTON, 2019; MOORE, 2022;
CAMPION, 2023).
Todos esses problemas colocam em risco principalmente a vida dos mais pobres, das pessoas
racializadas e de outras minorias que formam a base dos movimentos sociais. Seguindo Amin,
podemos dizer que a tarefa de (re)politizar esses movimentos dependerá também de nossa
capacidade de diagnosticar e formular os problemas atuais junto das pessoas que são mais afetadas
por eles.

Referências:
AGRARIAN SOUTH, The Editors of. Tribute to Samir Amin: The Return of Fascism and the Challenge of
Delinking. agrariansouth.org, 29 mar.2020. Disponível em:
<http://www.agrariansouth.org/2020/03/29/editorial/>. Acesso em 13 jul.2023.
AGUIAR, Pedro. Samir Amin: um intelectual do Sul global. Reoriente, v. 1, n. 1, jan./jun.2021. p. 146-149.
https://revistas.ufrj.br/index.php/reoriente/article/view/45973/24786
BIEHL, Janet; STAUDENMAIER, Peter. Ecofascismo: lecciones sobre la experiencia alemana. Editorial
Virus, 2019.
CAMPION, Kristy. Defining ecofascism: Historical foundations and contemporary interpretations in the
extreme right. Terrorism and political violence, v. 35, n. 4, p. 926-944,
2023.https://doi.org/10.1080/09546553.2021.1987895
LAWTON, Graham. The rise of real eco-fascism. New Scientist, v. 243, n. 3243, p. 24, 2019.
https://doi.org/10.1016/S0262-4079(19)31529-5
MBEMBE, Achille. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. Tradução de
Renata Santini. São Paulo: N-1 edições, 2018.

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MOORE, Sam; ROBERTS, Alex. The rise of ecofascism: climate change and the far right. John Wiley &
Sons, 2022.

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