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Heather Graham

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Cameron 1

Heather Graha m
Amantes e Inimigos
Série Cameron 01

Veemente e orgulhosa, Kiernan é uma mulher leal, leal ao sul e a um estilo de vida que agora vê
desaparecer. Mas também é uma mulher apaixonada na infância pelo primogênito de uma
grande plantação da Virgínia que decidiu unir ao norte e lutar contra os seus, quando o país se
partiu em dois. E ela decidiu esquecê-lo, brigar contra ele e odiar para sempre. Valente, teimoso
e enormemente atraente, o coronel Jesse Cameron viu agora o uniforme azul do exército ianque.
Também é o homem que entregou há tempos atrás seu coração a uma jovem bonita e rebelde.
Mas isso foi antes que a guerra mudasse tudo, antes que seu país se partisse em dois, antes que
ela jurasse esquecê-lo, brigar contra ele e odiar para sempre. A guerra os separou, mas um
destino cruel os uniu de novo. São inimigos e, entretanto, não podem evitar que a atração e a
paixão renasça de novo.

Disp em Esp: Elloras Digital


Envio do arquivo: Lisa de Weerd
Revisão Inicial: Cris Reinbold
Revisão Final: Lisa de Weerd
Formatação: Greicy
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Comentário da Revisora Cris Reinbold: Tudo começa em meados de 1859, onde a Guerra
Secessão teve início e onde duas pessoas com ideias tão diferentes se encontram e travam uma
batalha paralela a guerra por seus ideais e convicções tentando fazer o amor superar.

Comentário da Revisora Lisa: Esse livro me fez lembrar de minhas aulas de história e as
perguntas capciosas. Qual o estopim da guerra? Não motivo, a razão, as circunstâncias. E também
responde a pergunta que praticamente todo mundo já fez: porque os EUA é desenvolvido e o
Brasil subdesenvolvido se os dois foram colônias? Muito simples, prestem atenção nas diferenças
do sul e do norte e vejam aonde se encaixam cada um. A parte histórica está soberba, adorei.
Agora quanto ao romance. Pelo-amor-de-Deus! Que vontade de dar um tiro e estourar os
miolos da vaca mimada da mocinha. Parecia mais uma criança fazendo birra. Toda vez que as
coisas não eram do jeito dela, dizia: Eu te odeio Jesse. Nunca ouvi tanto te odeio em um livro. Se
não fosse o Jesse, um verdadeiro herói nessa história, podia se jogar o livro na privada. Se a autora
resolvesse dar um J.R.Ward e transformá-la em cinzas certamente não precisaria ressuscitá-la,
pelo menos não pra mim.
Mas enfim, todo livro que mexe com nossas emoções vale a pena ler, nem que seja para
discordar da revisora.

Prefácio
Kiernan

Diria que o mundo de Kiernan partiu em dois.


Uma parte era azul e a outra era cinza.
Desde que começou a desmoronar, tudo mudou. Tudo o que havia de belo na vida começou
a desaparecer. Um estilo de vida cheio de charme, inteligência e agradável esplendor morreu. Eles
continuavam agarrado a tudo aquilo, mas já não existia. O mundo estava dividido e as famílias
estavam quebradas; como a família Cameron.
Alguns deles usavam azul e outros, de cinza.
Um foi seu amigo de infância lá nas planícies da Virgínia. Kiernan e ele percorreram juntos
os campos e receberam os presentes juntos. Contaram seus respectivos sonhos durante os dias
longos e indolentes que passavam deitados junto a mananciais prazenteiros e transbordantes, sob
um céu azul pálido.
E o outro dos irmãos Cameron foi seu herói. Quando menina o adorava. Quando se tornou
mulher o amou. E quando o mundo mudou, odiou com tanta veemência, desespero e paixão como
o amou. Ela tinha seus princípios, suas lealdades.
Mas o amou durante tanto tempo...
Até mesmo quando esteve de pé diante do altar com outro homem e prometeu amá-lo,

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respeitá-lo e permanecer a seu lado até que a morte os separasse, ela amou-o.
Quase tanto como odiou.
Disse que odiava o dia que se afastou dele.
Mas aquele dia estava destinado a voltar a entrar em sua vida, como Kiernan compreendeu
depois.
Jesse. Jesse Cameron.
Que vestia azul.

Começou no final da tarde daquele dia de outono, em 1861, quando a brisa já era fresca,
quando as montanhas pareciam menos íngreme.
Apareceram em silhueta contra as belas cores outonais do pôr do sol. Eram como uma
enorme onda que se levantou, caiu e voltou a emergir. Pareciam ondular e serpentear sob o sol do
entardecer. Um pedaço de metal, um cinto, ou uma espada, recebeu um raio de luz que
evanescente e cintilou e brilhou. Avançavam em silêncio; de repente apareciam como uma
serpente que se retorcia, e no momento seguinte, perdiam entre as sombras. Quando
desapareciam era como se a paz e a tranquilidade da noite que começava a cair sobre as
montanhas Blue Ridge negasse a possibilidade de sua existência. Aqui, aonde o crepúsculo
chegava tão belo e docemente, onde os últimos raios do sol e a crescente escuridão caíam sobre
os carvalhos e os campos ondulados de cor verde e âmbar, aqui no Montemarte, não era possível
que eles existissem.
Mas existiam.
E chegaram. Homens a pé e mais homens a cavalo. Filas e filas de soldados.
Kiernan Miller, junto aos velho carvalhos do jardim de verão de Montemarte, podia vê-los na
colina longínqua. Sob a luz tênue era difícil distinguir de que cor vestiam. Mas, enquanto os
olhava, sentiu que o pânico e o desespero cresciam em seu interior. De repente levou a mão à
garganta, como se pudesse engolir o desespero.
Ela sabia que os confederados se retiraram das proximidades da cidade de Harpers Ferry.
Pilhado os depósitos de munições e se retiraram. Ainda estavam perto; isso também sabia, mas
não eram muitos, assim que aqueles homens que se dirigiam lenta e decididamente para ela
tinham que ser ianques.
Assim que se aproximaram viu os uniformes azuis e o característico estandarte federal. Era o
exército da União, não eram desertores nem mercenários.
Só podia ter uma razão para que cavalgassem para Montemarte.
Reduzi-la a cinzas.
Kiernan ficou muito quieta; , apenas seus belos e brilhantes olhos verdes deixavam
transparecer a intensidade de sua angústia. A brisa noturna balançava seus cabelos cacheados de
cor dourada e mel. Sua silhueta esbelta se erguia tão firme como os velhos carvalhos. Em tempos
melhores, seria o epítome da elegância, pois a brisa acariciava também seu bonito vestido com
botões brancos sobre uma longa saia azul prateada e um corpete baixo com mangas curtas de
renda. Era um vestido bonito, copiado diretamente das páginas da revista Lady Godey's. Kiernan

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não sabia por que ainda se incomodava em mudar para o jantar; talvez porque ela foi jogada em
um mundo novo e lutava para se agarrar às tradições que conhecia tão bem.
Os ianques estavam chegando.
Eu queria gritar e fugir para algum lugar. Queria poder contar com algum dos numerosos
pretendentes que conheceu em sua vida. E queria que um deles se elevasse, a levantasse em seus
braços e prometesse que tudo ficaria bem, que a cuidaria e a protegeria.
Mas não havia nenhum lugar para aonde fugir e ninguém para quem correr. De dentro da
casa, as crianças já deviam ter visto os homens. Eles viriam para ela. Devia pensar no que dizer.
Duvidava que pudesse salvar a casa; a União sofreu com a eficácia das armas Miller. Mesmo assim
tinha que salvar os seus e os escravos que dependiam dela.
Os ianques estavam chegando...
À frente ia uma unidade de cavalaria, seguida da infantaria, pôde distinguir Kiernan. Devia
ter uma centena de soldados.
De repente, enquanto se aproximava mais e mais, a unidade se dividiu. Uma metade
avançou para ela e a outra metade para a propriedade Freemont, ao pé da colina.
—Kiernan! Os ianques! Pelo amor de Deus, os ianques!
Ela se virou. Patricia, sua cunhada de doze anos, estava de pé na varanda de entrada
segurando a saia com os dedos.
Era surpreendente como Patrícia Miller estava encantadora. Ela também estava vestida para
o jantar. O cabelo loiro caía em uma única trança sobre as costas e usava um vestido de musselina
estampado de flores de um ligeiro tom lilás. Aparecia emoldurada pela casa, uma mansão luxuosa
e elegante que era tão bonito e acolhedora sob a luz do crepúsculo.
Montemarte se erguia sobre uma colina nos subúrbios de Harpers Ferry. Tal como outras
famílias na área, Os Miller fizeram fortuna com a produção e fabricação de armas e Montemarte
era o símbolo dessa riqueza. Não era a residência de uma plantação, mas uma mansão magnífica.
Havia estábulos para os cavalos, que uma vez foram o orgulho da família Miller. Havia hortas para
alimentar aos que ali residiam e havia jardins que rendiam comemoração à beleza, mas não havia
campos que gerassem ganhos; somente a casa com suas clássicas colunas gregas, o estábulo e
edifícios adjacentes.
—Kiernan...
— Eu sei, eu sei!! —disse Kiernan em voz baixa— Chegam os ianques.
Ergueu os ombros com um suspiro e superou a última tentação de tornar a chorar. Recolheu
a saia e correu para a varanda.
—Patricia, vão incendiar a casa.
—Não! Não podem! O que devemos fazer? Para onde vamos?—Perguntou Patricia, com
seus enormes olhos castanhos cheios de lágrimas.
Apesar de sua beleza, Montemarte era apenas uma casa, disse Kiernan. Seu lar, sim, mas
mesmo assim não era mais que uma construção de tijolo e madeira, argamassa e gesso. No
entanto, eles não estavam completamente desamparados. Kiernan poderia levar as crianças Miller
para a casa de seu pai lá na península, nas planícies da Virgínia, onde os ianques não ousaria ir por

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medo de enfrentar Stonewall Jackson ou o general Lee.


Ela sabia por que a menina estava tão desesperada. A guerra tinha apenas começado, mas
havia perdido quase toda sua família. Se não fosse pelo precipitado casamento de Kiernan com o
irmão de Patricia, nem sequer ela estaria agora com as crianças.
—Não se preocupe — disse a Patricia— Nós estaremos a salvo, aconteça o que acontecer.
—Não é verdade! —Replicou uma voz.
Kiernan rapidamente olhou para cima e encontrou os olhos de Jacob Miller, o irmão gêmeo
de Patricia. Tinha os olhos castanhos e o cabelo muito loiro como sua irmã, já era muito alto e
caminhava muito ereto, carregando o velho rifle de seu pai. Olhava com uma dor e uma sabedoria
que não deveria experimentar alguém tão jovem.
—Estão acontecendo coisas horríveis por toda parte, Kiernan. Muitas coisas horríveis. É
melhor encontrar um lugar onde Patricia e você possam se esconder. —Reprimiu um soluço—
Trícia ainda é pequena, mas quando os ianques virem você...
—Jacob — disse Kiernan, e abaixou a cabeça para esconder um sorriso.
Ele estava pronto para defender sua honra até a morte. Kiernan ouvira as mesmas histórias
que ele sobre a invasão do exército da União, mas não podia acreditar que aqueles cinquenta
homens que cavalgavam com tal disciplina pretendessem desonrar uma mulher sozinha.
— Não vai acontecer nada. Eles pela fábrica de armas Miller. Temo que seja por vingança,
nada mais.
—Kiernan...
Ela pôs uma mão sobre o rifle e o afastou.
—Jacob Miller, você não pode enfrentar sozinho toda uma unidade de cavalaria da União.
Em memória de seus pais e de Anthony, devo me assegurar de que cresça e viva até chegar a
velhice. Entendeu?
—Queimarão tudo.
—Sim, certamente.
—E você quer entregar o imóvel sem lutar?
—Não, Jacob. —Kiernan sorriu aos dois irmãos com tristeza— O que quero é que
dificultemos todo o possível a noite. Um de vocês vai sentar-se na biblioteca e ler um livro. Os
outros irão garantir que Janey comece a fazer o jantar. Eu vou ficar e encontrar com eles na
varanda e quando ordenarem que vamos, iremos. Mas tranquilamente, em nosso próprio ritmo e
com muita dignidade.
Jacob ainda parecia disposto a atirar. Meu Deus, até então os gêmeos sempre a
obedeceram! Pensou Kiernan, e rezou para que Jacob não escolhesse esse momento para desafiá-
la.
—Jacob, por favor, pelo amor de Deus, me ajude. Juro que neste momento não suportaria
ver mais sangue. Eles não têm intenção de fazer mal.
— A única coisa que os ianques querem é prejudicar os sulistas! —Replicou Jacob
reprimindo um soluço. Não era mais que um menino. Não queria que fizessem mal.
Tampouco queria ser um covarde. Agora era o homem da casa e um homem deve defender

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o que é dele.
—Isso não é verdade — disse Kiernan.
Mas já nem sequer ela estava convencida. A guerra mudou tudo. Devastou a terra, dividiu às
famílias.
Houve um tempo em que eles, as pessoas do Sul, acreditaram que os do Norte permitiriam a
secessão, que os deixariam empreender um caminho por conta própria.
Isso foi há muito tempo .
Também houve um tempo que todos acreditaram que para os soldados sulistas bastariam
algumas semanas para derrotar o norte.
Isso também foi há muito tempo. Não importava o quão brilhantes fossem os generais
sulitas, nem o quão valentes fossem seus homens; não importava a galhardia com que montavam
seus cavalos e seguravam suas espadas. Na realidade, tudo começou naquele dia longínquo nas
proximidades de Harpers Ferry, quando John Brown tentou tomar o arsenal. O velho fanático foi
detido e julgado. Cometeu traição e assassinato, e foi condenado à forca.
E o dia que o enforcaram, prometeu a todos que a terra se tingiria de vermelho.
—Ninguém vai fazer mal. Abaixe o rifle.
—Eu quero tê-lo à mão — replicou Jacob, teimoso. Mas se virou para afastá-lo. Graças a
Deus, pensou Kiernan, ele não estragaria sua vida por um desejo imprudente de heroísmo.
—Obrigada — disse com um sorriso.
Mas os ianques continuavam se aproximando.
—Entrem! —ordenou aos meninos— Rápido, agora!
Não queria que percebessem o tremor de sua voz. Entrelaçou as mãos com força. Tampouco
queria que vissem que tremiam.
De repente, Janey apareceu a seu lado na varanda. Gordinha, envelhecida e com a
ansiedade refletida em seus olhos negro azeviche.
—Senhorita Kiernan! Chegam os ianques!
—Eu sei, Janey — disse ela, surpreendida pela tranquilidade de seu tom de voz— Volta a
entrar e comece a preparar o jantar.
—O jantar estará pronto em um minuto, senhorita Kiernan. É que não me ouviu? Os...
—Sim, sim, chegam os ianques. Entrem os três. Esta sempre foi uma casa digna. Seguiremos
com nossa vida. Eu receberei os... às visitas. Vocês entrem e sigam com as suas.
Os três a olharam como se ela tivesse enlouquecido. Mas então Patrícia, bendita menina,
levantou o nariz pequeno, se virou e voltou para casa com uma atitude régia. No final de um
momento Jacob a seguiu.
— Bem, isto não tem pé nem cabeça!—Disse Janey.
Kiernan seguia muito rígida na varanda e Janey enxugou uma lágrima.
—Eu digo que não tem nem pé nem cabeça. Você quer que vá fazer o jantar, para que eles
possam queimar o jantar também! O que você deveria fazer é sair daqui, menina, isso é o que
deveria fazer! Assim que eles a tiverem em suas mãos não se contentarão apenas em queimar a
casa!

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—Janey, não me acontecerá nada. É evidente que esses não são mercenários. Olhe como
marcham. Não vão ...
—Pode ser que não a violem — disse Janey rudemente— mas você é o último adulto que
resta da família Miller! E depois do dano que fizeram as armas Miller, vá, talvez queiram enviá-la a
um desses campos de prisioneiros do Norte e pelo que ouvi, não são lugares onde as pessoas
esteja muito confortável!
—Não seja ridícula, Janey — ela disse com calma.— No Norte não fazem essas coisas
horríveis às mulheres.
Entretanto, assaltou certa inquietação. Não faziam, verdade? Não estava segura, mas não
importava. Tinha que manter-se firme.
—Eu não contaria com isso, senhorita Kiernan!
Janey e ela eram boas amigas, embora Janey ainda tivesse a condição de escrava. Anthony
deu-lhe a liberdade em seu testamento, mas ainda havia um monte de papelada para que a
liberdade fosse um fato. Não importava. Janey nunca a abandonaria. Não agora, quando
necessitavam tanto uma da outra.
Kiernan levantou sua voz ligeiramente e usou aquele tom que aprendeu durante tantos anos
em sua casa:
—Janey, eu disse que entre.
Janey enxugou outra lágrima e foi para casa.
— Dá-me força, Senhor! Estes ossos estão muito velhos para ir até uma cidade do Norte
coberta de neve e cuidar de um ama boba que estará no cárcere! — Ela deteve na soleira, fungou
o nariz e entrou— Não entendo por que preparar um jantar se ninguém colocara o dente! O jantar
desta noite será carvão, sim senhor!
A porta se fechou de uma portada.
Kiernan ficou na varanda e sentiu que a brisa a envolvia, despenteava seu cabelo e revolvia a
saia. O inimigo estava se aproximando.
Como as ondas ondulantes de um profundo oceano azul, os soldados se aproximavam
implacáveis, incontroláveis. E ela os esperava imóvel, em silêncio, com o coração desbocado e a
respiração alterada apesar de seu empenho por aparentar tranquilidade.
Os ianques se aproximavam para reduzir sua casa a cinzas. Ninguém os ajudaria. Aquele
seria um ato de represália por cada rifle fabricado pela família com quem ela se aliou por
casamento: Os Miller.
Kiernan se perguntou por que ficou. Por que não optou por fugir. Era impossível que
pudesse detê-los.
Então soube que ficava por seus princípios, pela Virginia, pela Confederação e por ela
mesma, por sua alma. Não podia dobrar diante do inimigo, nem agora nem nunca. Não podia fugir
nem tampouco render-se.
Observou o movimento das tropas inimigas. Os cavalos que iam na frente da formação
começaram a subir a colina onde ela estava. Seu coração disparou. Mas ela permaneceu imóvel.
Depois de um instante, apareceu diante dela um belo baio montado por um cavaleiro de

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feições severas; sua barba e seu bigode negros não conseguiam ocultar sua expressão de desdém.
—Você deve ser a senhora Miller.
—Sim — disse Kiernan.
—Eu sou o capitão Hugh Norris e aconselho que saia daqui agora mesmo. Tenho ordens para
incendiar a casa.
—Ordens de quem? —Replicou ela.
— Bem, ordens do general...
—Seu general não tem jurisdição aqui.
—Senhora, a União está aqui. Seus confederados a abandonaram. E eu vou queimar esta
casa até os alicerces, então é melhor você tirar sua seus familiares e seus criados. Senhora, você
não saberá o que é o mau cheiro até que não tenha cheirado carne queimada!
Kiernan se esforçou para continuar imóvel, olhando fixamente para o homem e decidida a
não ceder a suas exigências.
—Então deve me conceder tempo, senhor.
— Eu vou pôr fogo dentro de dez minutos, senhora Miller. —Parecia muito satisfeito.
Obviamente gostava de seu trabalho.
— Eu não sei, senhor. Eu acho que causaria impressão muito ruim se soubesse que os
oficiais da União incendeiam as casas quando as mulheres e crianças ainda estão dentro. Tudo
que você tem que fazer é dar tempo, senhor.
Norris a olhou furioso. Seu cavalo não parava de pular, frente e para trás, na frente da
escada da varanda. De repente, fincou ligeiramente os calcanhares nos flancos do animal e de um
salto o fez subir na varanda, muito perto de onde ela estava. Kiernan levantou o queixo sem dar
um passo atrás, face os ameaçadores cascos do cavalo.
—Senhora, deixe-me dizer algo. Os dias das grandes e refinadas beldades sulistas
terminaram. Aproxima-se o momento no qual você já não se atreverá falar assim a um homem!
Então, tome seu tempo. Eu não vou atear fogo em você. Vou apenas arrasta-la para fora daqui.
Desse modo parecerá que o maltrapilho ianque salvou sua pele, embora você pretendesses
suicidar-se!
—Eu não acredito senhor — disse Kiernan. Na verdade, não estava em seu juízo! O que ia
fazer? O que podia fazer?
Necessitava que a resgatassem. Necessitava que a cavalaria sulista completo aparecesse
galopando, com Jeb Stuart à frente. Necessitava de um cavaleiro, um herói vestido de caqui e
cinza.
—Sargento! Procure um pouco de lenha! —Ordenou Norris.
Um de seus homens desmontou de um salto. Chamou por sua vez outros que rapidamente
se juntou a ele. Acumularam ramos seco e lascas, mesclaram-nas com a palha seca que levavam e
as colocaram em todas as articulações da estrutura que sustentava a varanda. Kiernan os olhava
incapaz de detê-los, mas tão furiosa que desejava lançar contra os soldados, tirar os olhos com as
unhas e arrancar o cabelo com as mãos.
Entretanto, conseguiu seguir quieta e em silencio na varanda, condenando aquela ação.

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—Maldição! —Bramou Norris. de repente fez com que seu cavalo baixasse os degraus e se
colocou em frente a seus homens— Soldados! Preparados para acender as tochas!
Kiernan permaneceu imóvel enquanto as acendiam.
—Preparados para incendiar a casa!
Não podiam queimá-la se ela estava ali, disso estava convencida! Aqueles homens de azul a
olharam inquietos dirigira a vista para seu superior e logo depois de novo para ela.
Começaram a avançar.
Um grito ressonou enérgico, cortante e carregado de autoridade.
— Alto!
Atrás dos soldados, pelo caminho que saía da cidade e subia do vale, o mesmo que seguiam
os ianques, apareceu um cavaleiro.
Cavalgava sem disciplina. Montava com ousadia e habilidade de alguém nascido e criado em
um cavalo. Cavalgava como se conhecesse todas as colinas, as montanhas e os vales. Montava
como se conhecesse os músculos e o coração de seu animal.
O cavalo prateado corria, levantando pó e grama, sem que o cavaleiro prestasse atenção a
sua velocidade. Cobriu a distância em muito pouco tempo.
—Alto Norris!
A ordem ressonou com inconfundível autoridade, e para ouvi-la, uma leve e familiar
inquietação revolveu o sangue de Kiernan.
O capitão Hugh Norris amaldiçoou em voz baixa e cavalgou ao encontro do cavaleiro que se
aproximava.
Um homem que também vestia de azul.
Era um azul escuro muito escuro; o azul do exército da União. Ele usava o uniforme da
cavalaria adornado com galões dourados. Usava um chapéu azul puxado na testa e coroado com
uma grande pluma.
Ele parou a menos de trinta metros da casa quando Hugh Norris se interpôs em seu
caminho. O recém-chegado pôs um pedaço de papel sob o nariz do capitão. Seguidamente
discutiram em voz baixa. Os soldados esperavam inquietos com as tochas acesas. Todos voltaram
seus olhos para Kiernan e ela percebeu que poucos daqueles homens desfrutavam queimando
casas.
Nem sequer aqueles em cujos olhos se refletia a morte da que foram testemunhas. Todos
esperava como fazia ela.
Alguém chegou e deteu a destruição de sua casa e de seu mundo.
Um ianque. Um homem de azul.
Kiernan começava a temer que não fosse um ianque qualquer.
Os dois homens se separaram.
—Apaguem as tochas! —Ordenou o recém-chegado com um tom indômito e imperioso.
Obedeceram imediatamente. Os homens enterraram no chão as tochas acesas.
O recém-chegado cavalgou até a varanda em seus arreios prateados. Jogou para atrás seu
chapéu de plumas e seus olhos de um azul metálico se encontraram com os dela.

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A inquietação que se apoderou na base da espinha de Kiernan se espalhou por todo o corpo.
Seu coração deixou escapar um batimento e depois golpeou com força a parede de seu peito.
Chegou um ianque...
Não um ianque qualquer.
Era Jesse Cameron. O ianque a quem ela conhecia toda sua vida. O ianque a quem mais
desprezava. Aquele a quem uma vez amou. Aquele que naquele momento desencadeava uma
tormenta em seu coração e em sua mente.
Passou muito tempo desde a última vez que o viu. Muito, muito tempo desde que ela jogou
seu coração a seus pés. Desde que ele ignorou todas suas súplicas... Desde que ele empreendeu o
caminho do Norte, vestido de azul.
Não tinha mudado.
Ou talvez sim. Seus olhos eram tão duro como de costume, mas parecia mais sábio,
expressavam desânimo e certa crueldade. Havia algumas pequenas rugas ao redor de seus olhos.
Mas sobre tudo sua mandíbula era mais firme. Estava perfeitamente barbeado, o qual realçava a
dureza de seus rasgos e seu rosto anguloso. Seu rosto era pétreo, mas mesmo assim atraente, pois
os arcos escuros das sobrancelhas e a extraordinária cor de seus olhos suavizavam a rigidez de
suas feições. Sua exuberante boca transbordava sensualidade, mas naquele momento, olhando
para ela, era sombria e tensa.
—Olá, Kiernan.
Não queria admitir que o conhecia. Não, não queria recordar que o conhecia. Não queria
recordar a última vez que o viu e, sobre tudo, negava a admitir que estivesse vendo.
Naquele momento ele era o vencedor e ela, o inimigo, e aquilo supunha uma ameaça para
seu futuro incerto.
Não o cumprimentou. Ele deu de ombros, mas ela tinha certeza de que seus olhos brilhavam
e que sua aspereza se suavizou de certo modo.
—Senhora Miller, a partir deste momento tomo posse desta propriedade para convertê-la
em meu quartel geral, em um hospital e um centro cirúrgico se for necessário. Por favor, informe
sua família.
Kiernan apertou os dentes com firmeza.
Ela percebeu de que ele cavalgou até ali para salvar sua casa, para impedir que a mansão
fosse reduzida a cinzas. Ela pediu em suas orações um herói vestido de cinza.
Mas quem salvava a casa era um homem vestido de azul.
Qualquer coisa antes de aceitar sua ajuda, pensou, e levantou o queixo.
—O capitão Norris tem intenção de incendiar este lugar, capitão Cameron. Temo que você
tem que instalar seu quartel geral em outro lugar.
Ele a olhou. Desmontou e subiu a escada para a varanda. Ele parou a poucos centímetros
dela. Era alto, media quase um metro e noventa, e sob seu uniforme da cavalaria e o voo de sua
capa apontavam ombros fortes. Era perigoso. Jesse sempre foi perigoso.
Tão perigoso como a eletricidade que parecia percorrer o ar naquele momento, por tê-lo tão
perto, tão vital, tão magnético. Kiernan sentiu um calor repentino e acreditou que acendeu uma

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faísca na brisa que penetrava entre ambos.


Jesse sempre criava esse tipo de tensão.
Falou em voz baixa, tanto que era impossível que os outros soldados que continuavam ao
redor da casa olhando ouvissem.
— Tento salvar sua casa e seu pescoço, senhora Miller — disse bruscamente.
—Meu pescoço não foi ameaçado, capitão Cameron — replicou.
—Continue falando, senhora Miller, e será! —Prometeu ele— Agora cale-se e a casa seguirá
em pé.
— Você realmente pretende ocupá-la?—Sim.
—Então preferiria que a queimassem.
— Tenho certeza disso, Kiernan. O senso comum nunca foi um de seus pontos fortes. E o
que dizer do jovem Jacob Miller e sua irmã?
—Jacob tampouco vai querer um ianque vira-casaca como você vivendo em sua casa,
capitão Cameron.
—Você preferiria que a incendiassem?
—Sim.
Finalmente, ele sorriu e depois riu. Ria tanto que ela desejou lançar-se contra ele e golpeá-
lo, apesar da presença dos soldados. Ele se virou e desceu os degraus.
De repente, Kiernan sentiu medo. Montemarte não era dela, pertencia a Jacob e a Patricia.
Na realidade, ela não tinha direito de provocar sua destruição de uma forma tão imprudente. Mas
mesmo assim, não podia engolir o orgulho.
—Capitão Cameron! —Gritou secamente. Ele se deteve com as costas erguida e firme—
Você vai a... Você vai queimá-la agora?
Ele se virou para olhar para ela, pôs o pé esquerdo em um degrau e apoiou o cotovelo no
joelho.
—Senhora Miller, provavelmente eu deveria. Mas lamento decepcioná-la. Temo que agora
não possa incendiá-la. Tive que me valer de ameaças e lisonjas para conseguir que o general me
cedesse este lugar. Saiba que os Miller não são muito populares entre os homens da União. Entre
eles há muitos cujos amigos e familiares foram vítimas das armas Miller. Tenho certeza que
adorariam testemunhar a destruição total da propriedade e da família Miller
— Seria difícil, neste momento, considerando que a maioria dos Miller estão mortos graças
ao exército da União.
—Asseguro que também morreram várias centenas de homens da União nas mãos do
exército confederado.
—Estavam em território da Virgínia!
Ele encolheu os ombros e quando voltou a falar foi como se momentaneamente tivesse
deixado de fingir.
—Eu não comecei a guerra, Kiernan.
—Mas estamos em lados opostos.
— Então, lute comigo!—Desafiou-a em voz baixa— Mas eu me instalarei aqui com meu

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destacamento. Pegue os pequenos tem sob sua responsabilidade e fuja para sua casa. Ali estará a
salvo durante um tempo. Provavelmente não poderei salvar tudo o que há na mansão, mas ao
menos a manterei em pé.
— Eu não quero nenhum favor de você—disse ela com virulência— E arderia no inferno
antes de sair fugindo de um bando de ianques mal educados.
Jesse arqueou as sobrancelhas, surpreso.
— Você vai ficar?
Kiernan ergueu o queixo.
—Stonewall Jackson virá com seu exército e expulsará a todos — ameaçou— Acredito que
esperarei que ele chegue. Talvez desta forma impedirei que seus homens saqueiem
completamente a casa.
—Ninguém pediu que ficasse senhora Miller.
—Vai ordenar a seus homens que joguem a mim e as crianças pela força?
—Céus, não, senhora Miller. Estamos em guerra, e consegui que esses homens me sigam ao
campo de batalha. Mas sou um superior pormenorizado; nem em sonhos ordenaria que fossem
atrás de você.
— Então eu vou ficar.
— Ou talvez não. Eu não disse que não vá atrás de você, em pessoa.
—Miúda demonstração de bravura, capitão Cameron! —Disse ela com um marcado acento
sulista carregado de sarcasmo.
—Vá para casa, Kiernan — disse ele em voz baixa.
Ela odiava aquele tom de voz, odiava que a impregnasse daquele calor intenso, que a
iluminava por dentro e por fora, e agitando suas lembranças.
— Agora, esta é a minha casa,— declarou— E Jackson voltará. Ou Lee. Algum general sulista
virá recuperar de novo esta terra e forçá-lo a fugir.
—Isso é altamente possível, Kiernan. — Ele olhou para ela e encolheu os ombros.— Tudo
bem. Fique. Mas eu confiscarei a casa. Mantenha-se alerta.
—Que eu esteja alerta, senhor? Eu vigiarei você de perto. Assegurarei de que proporcione os
prisioneiros rebeldes os mesmos cuidados que o seus feridos.
Os olhos de Jesse brilharam de raiva. Conhecia e sabia como cravar uma faca na espinha.
Conhecia sua paixão pela medicina. Insinuar que não trataria os prisioneiros rebeldes da mesma
forma, era como um tapa.
Mas além daquele fulgor nos olhos, não expressou a menor emoção. Olhou e arqueou uma
sobrancelha, e aquela capacidade de controle a enfureceu, como sempre.
Jesse deu um passo à frente e falou em um tom mais ameaçador ainda. Tinha tão perto que
podia aspirar seu aroma. Não a tocou, mas mesmo assim ela captou sua paixão e também a raiva e
a sensualidade de suas palavras. Palavras de advertência.
—Acreditei que fugiria senhora Miller, como já fez em outra ocasião. Não me importa que
fique. Eu adorarei. Foi você quem jurou que jamais aceitaria viver um ianque, lembra?
— Não vou tolerar viver com você!—Replicou ela imediatamente— Sobreviverei, mal que

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apesar. Eu vou lutar por cada metro de terra. E o Sul vencerá.


— Talvez as batalhas, mas nunca a guerra— disse ele, e por um instante, Kiernan se
perguntou se falavam da luta entre suas nações ou do conflito que eles enfrentavam.
Ele a olhou por alguns segundos. O vento agitou os cabelos de Kiernan, que de repente
sentiu muito frio. Era a única forma de não atribuir seus tremores àquele olhar metálico e ardente.
—Os confederados voltarão! —Gritou.
— É muito provável que assim aconteça— respondeu ele.
Por um momento, seus olhos encontraram os de Jesse, naquele ardor e aquela tensão;
impregnados deles, perturbados por eles. Separavam muitas coisas; muito ódio, muita paixão,
muitas descargas cintilantes e destruidoras como relâmpagos.
—Mas até que seus rebeldes voltem senhora Miller, o trato será o mesmo para todos.
Tirou o chapéu e se inclinou diante dela com fingida galanteria. Então ele virou-se, desceu e
começou a dar ordens a seus homens.
Kiernan virou-se, irrompeu na casa e tropeçou com Patricia na soleira.
—Incendiarão a casa, Kiernan? —Perguntou angustiada.
—Não! Não!
—Então, o quê? —Inquiriu Jacob que entrou em vestíbulo da cozinha.
—Usarão como quartel geral.
—Como quartel geral! Um lugar onde planejam como matar mais dos nossos? —Perguntou
Jacob.
Kiernan balançou a cabeça. Como ela odiava Jesse! Naquele momento desejava que não
houvesse tornado a aparecer!
Pediu ao céu um herói vestido de cinza. Rezou para que a casa se mantivesse em pé.
E a casa se salvou, graças a um inimigo vestido de azul! Um inimigo que ela conhecia muito
bem desde muito tempo.
—O capitão Cameron é... médico — disse ela.
—Cameron! —Exclamou Jacob.
—Sim — respondeu Kiernan— É Jesse. Jesse impediu que queimassem a casa. Mas tem a
intenção de ocupá-la.
Jacob ficou olhando-a e depois virou-se sem dizer mais. Kiernan ouviu que saía pela porta
dos fundos. Patrícia continuou a observar atentamente por alguns segundos, em seguida, virou-se
e correu atrás de seu irmão.
Kiernan subiu a escada.
De momento os gêmeos teriam que cuidar de si mesmos. Ela precisava de tempo.
Necessitava tempo desesperadamente.
Jesse havia chegado.
Kiernan abriu de um golpe a porta de seu quarto, deitou sobre a cama e escondeu o rosto no
travesseiro. Queria tramar, planejar, raciocinar, mas um único pensamento ocupava seu cérebro:
Jesse estava aqui. Jesse estava aqui.
Ela o odiava tanto ... E, entretanto nunca deixou de amá-lo. Mesmo quando esteve diante do

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altar e jurou amar, respeitar e cuidar de outro homem, nunca deixou de amá-lo.
Mas não tanto como odiou quando optou pelo azul enquanto toda sua família se vestiu de
cinza.
Enquanto ela lutava para defender a vida que sempre conheceram, pela Virginia, pelo amor,
pela honra e pela família.
Kiernan se virou e olhou para o teto.
Se ao menos tivesse sido Daniel Cameron quem tivesse acudido... O irmão que vestia de
cinza. Não passou tanto tempo desde que todos usavam o uniforme azul. Os dois irmãos Cameron
chegaram a Harpers Ferry durante a revolta de John Brown.
Quando Jesse chegou para resgatá-la.
Antes, quando o mundo ainda parecia cordato.
Muitas coisas tinham acontecido desde então!

PRIMEIRA PARTE
O cadáver do Jonh Brown

Capítulo 1

Harpers Ferry, Virgínia.


16 de outubro de 1859, meia-noite.

—Soou um tiro!
Kiernan sentou na cama. Lacey Donahue, com seu cabelo escuro coberto com um gorro de
dormir, aproximou uma vela aos pés de sua cama e inclinou sobre ela, angustiada.
Meio adormecida, Kiernan tentou compreender o que estava acontecendo.
—Um tiro? Quem foi?
—Não sei! —murmurou Lacey.
—Quando? Onde?
—Não sei, mas sei que ouvi! —Insistiu Lacey.
—Lacey, eu não ouvi nada — disse Kiernan para acalmá-la.
Sua gordinha anfitriã se aconchegou aos pés da cama e Kiernan se deu conta que Lacey
precisava de companhia.
— Alguma coisa acontece na rua. Eu acordei e vi as pessoas fora! —disse Lacey.
—Lacey, fora onde? A rua é pública — começou a dizer Kiernan, mas Lacey a interrompeu
nervosa.
—Não, querida! Há estranhos armados rondando por aí. Não, espera, não rondam, movem-
se às escondidas. Por Deus, Kiernan, tente entender o que quero dizer. Ali fora há pessoas que não
têm direito de estar lá!
Kiernan pulou da cama, correu para a janela e puxou as cortinas. Olhava ao longe, para a

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esquerda, via Potomac e os trilhos da ferrovia que ia até Maryland. Um pouco mais perto,
distinguiam os edifícios da fábrica de armas. A lua já saia e seu pálido reflexo iluminava a rua.
—Eu não vejo nada — disse.
—Afaste-se! —advertiu Lacey— Não deixe que a vejam!
Kiernan escondeu um sorriso e se afastou. Olhou para o exterior e pensou em como a
cativavam a noite e a beleza das montanhas e os vales daquele lugar, onde confluíam os rios
Potomac e Shenandoah. Havia uma bonita lenda sobre Shenandoah, a donzela a índia que amou
tanto e tão intensamente seu valente Potomac; suas lágrimas formaram aqueles rios quando
ambos se separaram.
A casa de Kiernan estava na península, junto ao rio James nas planícies da Virgínia, não
muito longe do assentamento original de Jamestown. Virginia era um estado muito grande e para
chegar até Harpers Ferry fazia uma longa viagem de sete dias a cavalo. Mas era uma bela região.
Ela aproveitou durante todo o trajeto. Percorreu as planícies que se estendiam pelas margens do
rio James até Williamsburg; depois até Richmond, Fredericksburg e o resto do caminho até chegar
onde o estado limitava com Maryland e onde teria que olhar para o sul para que Washington
ficasse de frente. Kiernan adorava a península onde estava sua casa. Mas ao chegar à noite,
quando a luz da lua descia brandamente sobre a cidade, com as montanhas Blue Ridge elevando
ao redor e as correntes fluindo entre elas, parecia que não podia haver um lugar mais belo.
Nem mais tranquilo, como aquela noite.
Pareceu que Lacey estava somente um pouco nervosa. Seu marido, Thomas, estava viajando
com o pai de Kiernan e com Andrew Miller e seu filho, Anthony Miller. Foram em busca de um
terreno mais ao sul para construir uma segunda fábrica. O arsenal federal estava em Harpers Ferry
e Andrew Miller queria que a produção continuasse ali, mas também queria expandir e explorar
novas possibilidades. E desejava fazer longe do olhar sempre vigilante do governo federal.
A situação política não era fácil naquele momento.
Os sulistas alegaram que se o presidente Abraham Lincoln fosse eleito presidente haveria
guerra. O descontentamento se estendia por todo o país. Se efetivamente explodisse a guerra,
Harpers Ferry se converteria em um lugar estratégico para o governo, devido ao arsenal.
Kiernan era fascinada pela política. Sabia que não deveria ser assim; sua tia Fiona disse que
era impróprio para uma dama e que teria consequências no futuro. Seu pai também a repreendeu,
embora principalmente fizesse para não contradizer tia Fiona.
Mas Kiernan era filha única e à medida que crescia se tornava na melhor amiga e
colaboradora de seu pai. Exceto durante o tempo que passou no colégio privado para senhoritas
de lady Ellen. Ela sabia muito bem como pensava seu pai e acreditava que ele estava certo quando
advertiu seu amigo Andrew Miller que na realidade ninguém sabia o que faria na Virginia
finalmente.
—Embora a Carolina do Sul seja um dos estados que reclama seus direitos com mais
veemência — falou seu pai durante o jantar— a maioria dos fundadores da pátria eram
virginianos! Washington, Jefferson, Madison, Monroe... todos virginianos. Patrick Henry também
era virginiano. Demônios, Virginia é o coração e a alma deste país. A secessão de um estado é

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inimaginável!
—Se escolherem Lincoln — replicou Andrew— a Carolina do Sul se tornará independente. E
assim que esta se separar da União, asseguro que suas irmãs no algodão, o tabaco e os estados
escravagistas seguirão seu exemplo. Lembre-se do que digo.
Kiernan se perguntava se isso seria assim ou se os protestos simplesmente eram parte do
clima político do momento. O verdadeiro problema estava nas terras do selvagem Oeste. Os
abolicionistas estavam estendendo o conflito para o oeste, para o Missouri, para Nebraska e para
o Kansas... “O sangrenta Kansas”, como era chamado por causa das matanças. No Oeste já iniciou
uma guerra. Os defensores da escravidão e os abolicionistas se enfrentavam com tanta crueldade,
que aquilo se tornou em uma sucessão de assaltos e assassinatos mais que em batalhas. Os
partidários da escravidão também provocavam distúrbios. Todo mundo estava tentando atrair
novos estados à sua causa.
Estava acontecendo coisas horríveis, verdadeiramente horríveis, até o ponto de que algumas
historias sobre os índios pareciam minúcias. Entre os escravocratas e os partidários de que
Nebraska fosse um estado abolicionista, a guerra já era uma realidade. As cidades foram atacadas.
Assassinaram homens desarmados, mulheres e crianças. Entre os partidários da abolição
sobressaía um nome: John Brown. Mesmo na Virgínia chegaram rumores sobre ele. Sobre como
conduziu seus seguidores através do Missouri, como tirou pela força homens indefesos de suas
casas e os esquartejou ali mesmo, na presença de seus seres queridos. Eram atos de represália,
conforme disse.
Mas na opinião de Kiernan eram assassinatos, assassinatos horríveis e desumanos. Graças a
Deus, na Virgínia não aconteciam essas coisas, nem sequer naquela remota zona ocidental das
montanhas. Ela acreditava firmemente que todo aquele que matasse pessoas, fosse no Kansas ou
no Missouri, devia ser processado.
Kiernan sabia que não só no Oeste havia problemas. Uma mulher chamada Harriet Beecher
Stowe tinha escrito um livro chamado A cabana do Tio Tom, no qual descrevia um proprietário
que maltratava seus escravos como o ser humano a ser mais cruel que se possa imaginar.
Mas Kiernan queria gritar aos jornais que nem sempre era assim! A maioria dos proprietários
de escravos que ela conhecia eram boas pessoas, dispostas a melhorar suas condições de vida e a
ocupar de que recebessem uma formação religiosa adequada. Certamente havia alguns homens
cruéis, mas nenhum de seus conhecidos era tão mau como Simon Legree!
A maioria dos sulistas nem sequer tinha escravos. Na realidade, o problema tinha a ver com
a economia. O Sul era um território algodoeiro e os escravos eram necessários para trabalhar nas
plantações. Mas isso não significava que todo mundo gostava desta situação. O próprio Jefferson
deixou escrito na Declaração de Independência que desejava a liberdade para todos os homens,
incluídos os escravos, mas ele também os tinha. Outros estadistas o convenceram que a
Declaração nunca obteria a aprovação do Congresso Continental se contivesse essa cláusula, pela
mesma razão que o Sul seguia necessitando de escravos por causa da economia.
Mas tal como via Kiernan, em última análise, a questão não radicava em se amo ou ama
eram pessoas boas ou más. A questão era a liberdade. Ela nem sequer podia imaginar ser

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propriedade de outra pessoa. Seu pai era um homem maravilhoso. Não havia senhor mais
benévolo nem mais compreensivo. Mas era um virginiano da velha escola, filho, neto e bisneto de
fazendeiros. Ela não compartilhava seu ponto de vista sobre a escravidão, nem o de seus vizinhos
ou seus sócios nos negócios.
Kiernan não sabia o que opinava Lacey Donahue sobre a questão, mas ela e seu marido
Thomas não tinham escravos. Na verdade, nem sequer havia criados que vivessem na casa. Lacey
era atendida por uma donzela irlandesa que vinha todas as manhãs e Thomas tinha um estagiário
e um secretário que iam todos os dias a seu escritório de advogado, habilitado no andar de baixo
de sua residência de três andares na rua principal da cidade.
Naquela noite, as mulheres estavam sozinhas na casa. Provavelmente por isso Lacey se
assustava com o menor ruído e temia que houvesse gente perambulando pela rua. Era uma
mulher encantadora. Não teve filhos e vivia dedicada a seu marido. Pelo que Kiernan sabia, Lacey
e ele nunca se separaram até esse dia, mas Thomas, Andrew Miller e o pai de Kiernan estavam
planejando o investimento na nova loja de armas.
Também sabia que Andrew Miller e seu pai estavam interessados em uma aliança de outro
tipo: seu casamento com Anthony. Kiernan gostava muito de Anthony, gostava sinceramente. Ele
era alto e muito magro, tinha cabelos louros, olhos castanho-avermelhado e as maneiras mais
charmosa e requintada que se poderia imaginar. Ele era um homem dedicado a seu pai e a
Virgínia. Era inteligente, divertido e um dançarino excelente; sempre estava disposto a ir a um
piquenique com ela ou uma corrida de cavalo com um amigo.
Talvez Kiernan amasse Anthony. Ambos compartilhavam muitas coisas e passavam muito
bem juntos. Mas por motivos que nem ela mesma entendia, continuava esperando e adiando seu
casamento. Não importava absolutamente paquerar com ele e adorava dançar e estar a seu lado,
embora...
Kiernan havia sonhado com o amor como algo diferente, algo que provocaria um
estremecimento em todo o corpo e despertaria nela um grande nervosismo ao saber que ia ver o
homem que amava e sentiria uma febril onda de paixão sempre que o tivesse perto.
Umas sensações que Kiernan tentava relegar aos lugares mais recônditos de seu coração e
de sua mente, mas que ressurgiam por mais que se esforçasse.
Queria que o amor fizesse sentir o mesmo que um dia sentiu por Jesse Cameron.
Mas fazia tanto tempo aquilo! Quando era pequena pensava que o mundo girava em torno
de Jesse. Nunca viu um homem que montasse melhor. Nunca existiu um homem que disparasse
melhor ou que burlasse de uma garota com tanta elegância.

Jesse era dez anos mais velho que ela. Kiernan acabava de deixar as bonecas de lado quando
ele voltou de West Point vestido pela primeira vez de uniforme. Não havia ninguém tão fascinante
como Jesse com aquele uniforme. Ninguém a impressionou nunca daquele modo. Sempre se
mostrava cordial quando a via; seus cintilantes olhos azuis estavam carregados de ironia e afeto
quando a saudava com seu marcado acento da Virginia: “Muito bem, senhorita Mackay. Juro que
cada dia que passa está mais encantadora”. Ele zombava dela, naturalmente. Jesse sempre estava

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rodeado de garotas, de belezas do Sul... e do Norte.


Ou pelo menos zombou até agora, pensou. Não se viam muito frequentemente. Assim que
Jesse saiu de West Point foi estudar medicina, e depois ia muito frequentemente para
Washington. Por sua parte, ela passava muito tempo com seu pai e com Anthony Miller.
Agora Kiernan tinha que recordar a si mesmo que seus sentimentos por Jesse eram um amor
infantil e nada mais. Suas famílias se conheciam há muitos anos. Daniel, o irmão de Jesse, foi um
de seus melhores amigos. Ele mesmo confessou que Jesse estava acostumado a rir
frequentemente das travessuras que ela fazia, dizendo que era uma “diabinha caprichosa” e que
todos os homens deveriam andar com cuidado quando ela estivesse perto.
Claro que na realidade ela nunca foi uma “diabinha caprichosa”. Jesse exagerava. Kiernan
somente respondia às brincadeiras que lhe passavam os outros. Um dia na escola, Tristan Tombey
tentou chamar sua atenção derramando um tinteiro no seu cabelo. Ela simplesmente se vingou de
Tristan. É verdade que flertou com ele, que brincou com ele, que sorriu e tocou a fibra sensível.
Mas o fez porque era a única maneira de colocar o tinteiro entre seus suspensórios; seu corpo e
toda a roupa que usava ficaram completamente impregnados de tinta. Esse dia, Jesse voltava para
casa pelo caminho que passava em frente ao pátio do colégio, justo quando Tristan começou a
montar um escândalo.
Jesse começou a rir, mas também deteve seu cavalo e insistiu em acompanhá-la para casa.
—Senhorita Mackay, é uma pequena coquete desavergonhada e compadeço do pobre
jovem que se apaixone por você! — disse Jesse muito sério.
Então ele a levou para casa e, apesar dos irados de Kiernan, contou entre risadas toda a
história para seu pai. Ela ganhou uma boa reprimenda, naturalmente, mas Jesse permaneceu
achando engraçado. Quando se foi pegou seu queixo e aqueles olhos cintilantes prenderam em
seu interior como uma labareda.
—Tenha cuidado, senhorita Mackay, você é jovem demais para pôr em prática esse talento
que tem para faceirice. Algum dia, talvez haja algum pobre coitado que se a presente para a
batalha.
—Um galante cavalheiro sulista? —Replicou ela em tom ligeiramente zombador— Como
você? Como ferir uma dama? Ah, não, desculpe! Uma menina!
—Não todos os homens são galantes cavalheiros sulitas — advertiu ele. Depois despenteou
um pouco seu cabelo e se foi.
Ela ficou furiosa.
Mas de todos os modos sonhou com ele, seus olhos azuis e sua voz profunda, rude e
zombeteira.
Embora Jesse nem sempre brincasse. Em uma ocasião anterior, Kiernan decidiu ir nadar em
um dos córregos. No caminho encontrou com a pequena Cissy Wade, uma das escravas do velho
Evan Turner, e, sem parar para pensar, disse para a menina gorducha que a olhava aterrorizada,
que fosse com ela. Quando voltaram, Kiernan presenciou atônita como Evan Turner se enfurecia
com a menina. Então explicou com calma que foi culpa dela, mas o velho golpeou Cissy com uma
bengala e advertiu a Kiernan que, por mais rica que fosse, receberia o mesmo castigo se não saísse

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correndo. Os agricultores pobres precisavam de todos os escravos que tinham.


Entretanto, Kiernan não saiu correndo. Ficou para ver como Turner golpeava Cissy. Então
compreendeu por que seu pai sempre chamava de lixo branco aquele homem, embora aquilo não
fizesse com que se sentisse melhor. Quando ouviu como Cissy gritava correu para procurar ajuda,
apesar de que sabia que quando encontrasse seu pai ele já não poderia fazer nada pela menina.
Quando chegou ao atalho que conduzia até sua casa esteve a ponto de se chocar com Jesse,
que ia montado em um daqueles preciosos cavalos de corrida negros dos Cameron. Ele
desmontou e a apanhou antes que pudesse sair correndo.
—Kiernan! O que há agora? Quem você obrigou a fazer o quê?
A Kiernan não importou se Jesse zombava. Seus olhos se encheram de lágrimas. Ele a
agarrou pelos ombros e a sacudiu para que se tranquilizasse.
—Levei Cissy para nadar. Só até lá abaixo, à corrente, e somente durante uma hora. E ele
está batendo nela! O velho Turner está batendo com uma bengala, Jesse, vai matá-la!
Jesse deu um passo atrás com uma expressão de cansaço nos olhos.
—Kiernan, Cissy é propriedade de Turner. Segundo a lei pode bater.
—Ele a matará!
—Kiernan, deveria ter pensado na situação de Cissy antes de pedir que a acompanhasse.
—Eu só queria que se divertisse um pouco. Ela trabalha muito. Sempre parece muito
cansada. Não queria fazer mal. Eu nunca faria mal! Oh, como eu gostaria de arrancar o cabelo
desse homem!
—Quando tiver alguns anos mais, senhorita Mackay, provavelmente tentará — disse ele
mais animado, e depois acrescentou— Tudo bem, tudo bem. Agora vá para casa. Farei o que
puder.
Kiernan não foi para casa. Seguiu Jesse até a fazenda e se escondeu atrás de alguns arbustos.
Ele desmontou e arrebatou a bengala de Turner. O velho virou-se. Apesar de Jesse ter apenas
vinte anos era muito alto e de ombros largos e Turner não estava disposto a brigar com ele. Mas
mesmo assim disse:
—Não tem direito, menino, não tem nenhum direito! Embora seja um desses ricos Cameron!
—Vai matar essa menina a golpes, Turner! —Admoestou Jesse.
—É minha e queria escapar.
—Ela não queria escapar e você sabe! —Disse Jesse, indignado.
Turner baixou a voz e os dois homens seguiram discutindo.
No final, Jesse tirou um maço de notas e no final de um momento Cissy, aturdida e em
silêncio embora ainda choramingando, montou no cavalo de Jesse.
Ele a comprou de Turner. Uma semana depois, os Cameron ficaram com o resto da família: a
mãe, o pai (um velho temporário) e o irmão pequeno.
Talvez tenha sido então que ela começou realmente a se apaixonar por ele.
Entretanto, Jesse ainda seguia fazendo ficar enfurecida. A tratava como uma menina!
Quando seu pai organizou um baile para apresentá-la à sociedade, Kiernan acreditou que
Jesse estava longe com os soldados ou em Washington, ou combatendo os índios no Oeste. Para

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Kiernan, aquela foi uma noite maravilhosa. Usava um espartilho extremamente apertado e um
vestido que parecia feito de um milhão de pontos. Pela primeira vez, seu pai a permitia vestir
como uma adulta; usava um delicado traje comprido com um busto muito, muito atrevido e o
cabelo ondulado e elegantemente recolhido sobre a cabeça. Sentia muito bonita e muito mais
velha e... algo mais. Sentia-se muito segura de si mesmo como mulher e aproveitou flertando,
rindo e dançando como nunca antes em sua vida. Os jovens se formavam redemoinhos a seu
redor; era maravilhoso. Kiernan sabia que nunca devia fazer sofrer realmente um jovem
pretendente, mas ser encantadoramente coquete se considerava correto, e não podia evitar
desfrutar de seu poder.
Embora desfrutasse até que viu Jesse. Estava apoiado na porta olhando-a e ela percebeu que
ele estava há bastante tempo olhando. Tinha uma expressão divertida nos olhos e um meio sorriso
que incomodava muito Kiernan.
Foi então que se aproximou para pedir uma dança e praticamente a levou em voltas, apesar
que ela prometeu dançar com outro.
— Bem, senhorita Mackay, você está se tornando na beleza que prometia ser quando
menina! —declarou.
Mas inclusive quando se inclinou e roçou a mão com um beijo, em seu olhar azul seguia
brilhando uma faísca de diversão. Aquele beijo fez com que se ruborizasse e teve vontade de lhe
dar um chute, embora sentisse palpitações no peito justo ao lado do coração.
—E a quem pretende deslumbrar esta noite? —Perguntou ele.
—O mundo inteiro, Jesse Cameron — respondeu ela com voz melodiosa.
Quando ele riu novamente e a soltou, ela pisou, supostamente sem querer, nos dedos dos
seu pés com seus sapatos de dança novos.

Jesse podia ir! Superou Jesse Cameron, venceu aquela espécie de amor, disse firmemente
Kiernan naquela noite de 1859 em Harpers Ferry. Jesse já não a intimidava. Ela cresceu e adquiriu
suas próprias convicções, assim provavelmente, agora mais que nunca, ele a considerava “uma
diabinha caprichosa”.
Jesse podia ser divertido e educado, pensou. Inclusive podia ser encantador, quando queria.
Sempre falava com franqueza, expressava suas opiniões sem rodeios e nunca importou o mínimo
o que opinasse as pessoas. Kiernan teve que admitir que Jesse era incapaz de dobrar nem de
transigir. Se ela se casasse com ele, certamente nunca aceitaria seus conselhos como fazia
Anthony.
Tampouco toleraria a menor indecisão. Se Jesse pedia algo, tinha que ser tudo ou nada.
Anthony era um homem muito mais civilizado.
Na realidade, Jesse não era nada comparado com Anthony.
Era o que sentia por Jesse o que Kiernan recordava. A excitação de tê-lo por perto, aquela
confusão incontrolável e estimulante, os calafrios, os tremores. Era esse sentimento o que sentia
falta com Anthony. Não era culpa dele. Já não era uma garota e logicamente já não sentia esse
tipo de coisas.

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—Kiernan, olhe! Novamente, há alguém à espreita!—Gritou Lacey.


Ela deixou de prestar atenção e quando voltou a olhar quem quer que estivesse rondando,
se é que tinha alguém, desapareceu.
— Lacey, desculpe. Eu não vejo ninguém.
—É que não se fixa!
—Está bem, está bem. A partir de agora estarei atenta, prometo.
No final de um momento ambos ouviram o assobio do trem noturno. Era quase uma e meia.
—Acaba de passar o trem da meia-noite. Tudo está tranquilo — disse Kiernan.
Lacey estremeceu visivelmente.
—Digo, alguma coisa está acontecendo esta noite.
Kiernan sentiu um profundo calafrio. Embora não tivesse visto nada, de repente acreditou
que talvez os medos de Lacey não fossem infundados.
Ela olhou e depois voltou à vista para a janela; pestanejou convencida de ter percebido
alguma coisa que se movia entre os edifícios em penumbra. Umas ligeiras espetadas de
inquietação percorreram sua coluna vertebral de cima abaixo. Lacey tinha razão, acontecia alguma
coisa.
Mas era algo que não as afetava, pensou. Seguro que na casa de Lacey estavam a salvo.
Ela se voltou para sua anfitriã.
—Há alguma arma na casa, Lacey?
Lacey negou lentamente com a cabeça e Kiernan esteve a ponto de voltar a rir. Estavam
sozinhas porque os homens saíram para procurar um lugar para uma nova fábrica de armas, mas
na casa não havia nenhuma.
—Oh, Kiernan, acha que estamos em perigo?
—Claro que não! — Respondeu— Talvez ali abaixo esteja celebrando uma reunião noturna
ou talvez seja só uma inspeção ou algo parecido.
— Então por que eles estão se escondendo? E por que eu ouvi um tiro?
Kiernan encolheu os ombros. Queria tranquilizar Lacey, mas a essas alturas ela tampouco
estava convencida de que nada estava acontecendo. Tinha a impressão que as pessoas iam às
escondidas lá embaixo ou se moviam de uma forma que simplesmente não era normal.
— Tenho certeza que nós não corremos perigo — disse a Lacey.
No fim, por que ia ser de outro modo? Aquela era uma cidade grande e duas mulheres sós
certamente não supunham nenhuma ameaça. Lacey e Thomas viviam com comodidade, mas não
eram particularmente ricos, de modo que na casa não havia grandes tesouros.
Mas quem fosse que tivesse irrompido em Harpers Ferry, não ia a procura de riqueza nem
de dinheiro. Kiernan sabia igual sabia que alguma coisa estava acontecendo.
—Por que não descemos e tomamos um copo de xerez? —Propôs.
— De baixo, não podemos ver a cidade— respondeu Lacey.
Kiernan sorriu.
—Então vamos subir o xerez até aqui, o que acha?
Lacey gostou da ideia. As duas mulheres acenderam o candelabro que tinha junto à cama de

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Kiernan e desceram rapidamente a uma salinha contigua ao escritório de Thomas, em busca do


xerez.
“Devemos parecer dois fantasmas”, pensou Kiernan. Ela usava uma camisola de algodão
branco, que flutuava com cada passo, e Lacey vestia uma camisola azul clara, uma cor que era um
pouco fantasmal no meio da escuridão. Harpers Ferry tinha suas próprias histórias de fantasmas.
Dizia que na casa do velho Harper, podia ver frequentemente um fantasma na janela. Diziam que
era a senhora Harper, que vigiava o ouro que seu marido enterrou no pátio, supostamente. Outros
afirmavam que era George Washington, que planejou que o arsenal se edificasse ali e de vez em
quando voltasse a rondar pelas ruas, para vigiar seus interesses.
E naturalmente estavam os índios Potomac e Shenandoah, que seguiam derramando
lágrimas.
Voltaram juntas ao quarto de hospedes e Kiernan serviu um copo de xerez para cada uma.
Sentaram em alguns cadeiras de balanço de ambos os lados da janela e se dispuseram a ficar de
guarda enquanto tomavam a bebida. Lacey parecia bastante satisfeita, fosse porque se convenceu
de que estavam a salvo, ou porque desfrutava daquela pequena festa improvisada.
Kiernan estava cada vez mais inquieta. Ali fora, perto da estação de bombeiros, junto aos
edifícios da loja de armas, havia movimento. E a escuridão se desvanecia rapidamente.
Contemplou o exterior, o céu, as montanhas e os rios, e pensou que as luzes rosadas do
amanhecer não demorariam em refletir delicadamente sobre a água.
Lacey estava falando de uma festa que foi recentemente em Washington, e comentava
maravilhada a rapidez com que o trem a levou até a capital. Kiernan tomou outro gole de xerez.
Mas quando começava a relaxar ouviu baterem com grande estrondo na porta de abaixo.
Lacey e ela saltaram da cadeira simultaneamente e se olharam.
—O que vamos fazer? —Gritou Lacey.
— Ignorar!—Propôs Kiernan.
—E se for alguém que pretende nos ajudar?
—E se for alguém que pretende nos fazer mal?
Elas continuaram se olhando mutuamente com os olhos arregalados.
Em seguida, elas ouviram um estrondo enorme quando a porta de vidro do escritório
embaixo desabou em frangalhos. Lacey gritou, mas Kiernan conseguiu reprimir um grito. Não
convinha que soubessem que estavam ali, quem quer que fosse.
—Lacey, necessitamos de algo, qualquer coisa! Como é que não há nenhuma arma na casa?
—Eu não sei, não sei; nesta casa nunca precisamos de uma — replicou Lacey, retorcendo as
mãos.
Kiernan se deu conta que gritar com a pobre Lacey não serviria de nada. Estava tão
aterrorizada quanto ela.
Então ouviram passos que subiam pela escada.
Kiernan viu um guarda-sol em um canto do quarto. Correu para pega-lo, embora se
perguntasse para que demônio serviria aquilo. Mas não podia ficar ali quieta e aceitar o que
acontecesse, sem mais. Não podia permitir que ninguém entrasse e machucasse a pobre Lacey.

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Tinha que lutar.


Com um guarda-sol!
Ouviram que de repente abriam a porta do quarto de Lacey no outro extremo do corredor e,
depois, os passos que se aproximavam.
—Se esconda! —Sussurrou Kiernan a Lacey.
—Aonde? —Perguntou ela.
Ali não havia aonde se esconder. O quarto era agradável, confortável e aconchegante graças
ao toque pessoal de Lacey, mas pequeno e com poucos móveis. Havia uma cama, um armário, as
duas cadeiras de balanço estofadas e uma mesinha de cabeceira.
—Se coloque debaixo da cama! —Aconselhou Kiernan, mas então percebeu de que as
formas arredondadas de Lacey não cabiam naquele espaço.
—Se esconda você, Kiernan Mackay — disse Lacey. Foi uma ordem heroica, pois por cima de
seu pescoço de rendas, Kiernan viu seu pulso acelerado.
—Eu nunca a deixaria sozinha — começou a dizer, mas então a porta se abriu bruscamente e
suas palavras se tornaram irrelevantes.
Diante delas estavam dois homens e ambos estavam armados. Um deles apontou com um
Colt ao coração de Lacey e o mais alto dos dois, um homem negro com barba, ameaçou Kiernan
com um rifle.
Seu coração deu um tombo, assustado, mas ela se esforçou em aparentar altivez e
indignação.
—Em nome de Deus! Quais de vocês e como se atrevem a irromper em uma residência
privada para ameaçar mulheres indefesas? — Gritou com uma veemência que a surpreendeu.
Tinha as mãos úmidas. Nunca esteve tão assustada em toda sua vida.
—Somos soldados da liberdade, senhorita — disse o homem branco, que era o menor dos
dois— E você é Kiernan Mackay, a filha de John Mackay, um proprietário de escravos.
—Eu sou Kiernan Mackay — admitiu com frieza— E vocês...
—Nós somos a revolução que começou esta noite. A nação se elevará aqui, esta mesma
noite.
Enquanto se esforçava em digerir aquelas palavras, Kiernan percebeu que aquele homem
falava da rebelião dos escravos.
Sabia que no Caribe e na América do sul ocorreu o mesmo. Os escravos se rebelaram contra
seus senhores e foi uma carnificina horrível. Algumas pessoas, crianças inclusive, foram
esquartejadas em suas próprias camas.
Mas não podia acreditar que isso acontecesse ali. Certamente não na casa de Lacey, pois
Thomas sempre deixou claro que jamais seria proprietário de outro ser humano.
—Não têm direito de entrar aqui! —disse— Que revolução! Poderia ter ferido alguém com
sua tentativa imprudente.
—À senhora Donahue não pretendemos fazer nenhum mal.
Aquelas palavras conseguiram assustar ainda mais Kiernan. Aquele homem conhecia as
duas! Sabia que aquela era a casa de Lacey e sabia de antemão que Kiernan estava ali. Fosse o que

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fosse aquilo, estava bem organizado.


—Mas você virá conosco, senhorita Mackay.
—Não — disse ela categoricamente.
Lacey interpôs seu robusto corpo entre Kiernan e os homens que estavam na soleira.
—Não se aproximem desta dama, rufiões! Não posso sequer imaginar o que eles pretendem
fazer com uma jovem ...
—Nada má senhora — assegurou o homem negro — Nós estamos aqui por ordem de John
Brown e ele obedece às ordens do Senhor. Mas a guerra começou e a senhorita Mackay virá
conosco como... refém de John Brown.
John Brown. Kiernan notou como fervia o sangue e depois gelava. John Brown esquartejou
as pessoas sem a menor piedade. Era um fanático que acreditava cometer esses assassinatos em
nome de Deus. Desejava com todas suas forças desprezar aqueles homens, mas estava muito
assustada. Certo que John Brown não declarou guerra contra mulheres e crianças!
—Não pretendemos machucá-la— disse o homem branco— Se nos acompanhar
pacificamente...
Ela tampouco queria que fizessem mal. Mas se fosse com eles, o que aconteceria?
Kiernan negou lentamente com a cabeça.
—Não, eu não posso ir com vocês. Não estou vestida.
—Isso é verdade! —disse Lacey— Não podem tirar uma jovem à rua assim!
Lacey tentava ganhar tempo porque Kiernan tentava ganhar tempo. Mas no que podia se
beneficiar? Se eles tinham intenção de fazer mal, ela não ia permitir sem lutar. Ainda tinha o
guarda-sol e o agarrou fortemente com ambas as mãos. Mas do que servia um guarda-sol contra
as armas?
—Senhorita Mackay, você virá conosco agora. Se continuar resistindo, a atarei como um
peru de Natal e Caín... — o homem baixo assinalou a seu companheiro negro e alto— a carregará
no ombro.
Kiernan pensou que não podia deixar que a amarassem. Se quisesse ter alguma possibilidade
de fugir, não devia estar imobilizada.
—Tudo bem. Descerei a escada — disse.
—Esperem! —Gritou Lacey— Se Kiernan vai terão que me levar também.
Então Caín, o homem negro, disse com veemência:
—Não, senhora Donahue, não queremos você!
—Lacey, por favor, fique aqui — disse Kiernan olhando fixamente e rezando para que
compreendesse que ela estaria melhor sozinha.
—Mas Kiernan...
—Lacey, por favor.
Lacey deu um passo atrás e franziu a boca, indignada. Está suportando bastante bem,
pensou Kiernan. Melhor que eu.
—Senhorita Mackay — disse Caín e afastou educadamente para deixá-la passar.
Ela obedeceu e começou a andar ao lado daquele homem. Ainda tenho o guarda-sol e vou

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maravilhosamente vestida com esta ampla camisola branca de algodão e esta pequena sombrinha
azul, pensou para si. Nem sequer usava sapatos.
—Bem — disse cortesmente.
Adiantou e começou a baixar os degraus. Possivelmente poderia correr se conseguisse sair
da casa antes deles. Aparentemente aqueles homens sabiam muitas coisas, mas era impossível
que conhecessem a cidade como ela, seus becos ou onde estavam os atalhos que conduziam
diretamente às montanhas. Kiernan andava depressa, mas eles estavam logo atrás.
Entrou na sala. A crescente luz do amanhecer iluminava o atiçador que havia junto ao fogo.
Uma arma muito melhor que um guarda-sol! Pensou.
Mas tampouco servia para parar uma bala.
Cruzou com pressa o salão para o escritório. Os pedaços de vidro cobriam o chão da entrada.
Kiernan parou.
—Cavalheiros, já que não me permite calçar sapatos, antes de seguir adiante agradeceria
muito que retirassem os vidros.
—O quê? —Gritou o homem branco em tom agressivo.
—Meus pés — disse Kiernan tranquilamente— Se querem convencer ao resto do mundo,
não deveriam ter reféns que sangrem e sofram.
—Não há nenhuma necessidade de que a moça se machucar— disse Caín.
O outro encolheu os ombros.
—Maldição!
Os dois se colocaram a seu lado para recolher os vidros quebrados. Kiernan esperou até que
se abaixaram; então deu a volta e atravessou correndo a sala para a porta da varanda dos fundos.
Ouviu que amaldiçoavam a suas costas. Ao chegar à porta de trás viu que o fecho estava
quebrado. Ela também amaldiçoou, abriu e saiu correndo.
Deteve um momento nos degraus, sopesando suas opções. Estava no centro da cidade,
rodeada pelos escarpados. A capela católica ficava praticamente em cima e o escarpado que subia
até Jefferson Rock e o cemitério estava justo mais acima. Kiernan conhecia bem a área e sabia
que escondido entre a vegetação havia um caminho estreito que chegava até a cúpula.
Podia descer os degraus de um salto, rodear a casa a toda pressa e chegar até a rua.
Ou podia correr até o caminho que subia pela colina e tentar esconder entre a vegetação
que se agarrava tenazmente a aquela encosta intrincado e poeirento.
Os passos se aproximavam.
Kiernan pegou o guarda-sol e cruzou o pátio como uma exalação, embora sentisse uma dor
que recordou que ia descalça. Chegou no caminho estreito que subia pela ladeira e começou a
subir, confiando ficar oculta durante a ascensão. Pegou-se aos arbustos, usando-os para apoiar as
mãos e os pés, e avançou tão rápido como pôde.
—Começou a subir! —gritou um deles.
— Pare ou eu atiro!—Ameaçou seu companheiro.
Seria sério aquela ameaça? Kiernan intuiu que aqueles dois homens receberam ordens de
levá-la com vida. continuou subindo.

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No ar fresco do amanhecer ressonou um impropério.


Então, alguém começou a segui-la e a subir atrás dela.
—Kiernan!
Gritavam seu nome da rua. Ouviu o som de cascos de cavalos. Alguém a chamava com uma
voz rouca e potente.
Mas ainda a perseguiam.
—Matarei essa cadela! —Ouviu.
Kiernan subia quase mecanicamente enquanto seu desespero ia aumentando.
—Suba Kiernan, suba!
Esse conselho foi completamente desnecessário. Tudo que eu podia fazer era rezar para que
o cavaleiro que havia lá abaixo na rua tivesse desmontado e perseguisse a seu perseguidor.
Acelerou a respiração e seu coração pulsava desbocado. Mas estava ganhando terreno, disso
estava certa. Se ela pudesse chegar ao topo, poderia correr até a igreja. Talvez conseguisse
despertar o padre Costello, ou talvez já estivesse levantado e rezando. Provavelmente poderia
refugiar-se na igreja.
Ao chegar à cúpula prendeu a camisola em um ramo. Quase sem fôlego, Kiernan parou para
desenredá-la.
De repente, mãos seguraram seus ombros e a jogaram no chão. Ela gritou e lutou com
ferocidade quando viu que tinha em cima o homem branco de lábios severos. Quando voltou a
gritar pegou na boca com a mão aberta e ela tentou morder. O homem levantou o punho e
Kiernan soube que em um instante cairia sobre sua mandíbula.
Mas não foi assim.
Em vez disso, o homem arregalou os olhos. Ela mal percebeu que uma mão enluvada de pele
segurou com força o punho do homem, nem de que havia alguém atrás dele. O cavaleiro, alto e
feroz, levou seu perseguidor a rastros.
Kiernan ouviu o desagradável som de um golpe que impactava contra o corpo do homem.
Mas voltou a gritar, porque o terreno onde se achava cedeu durante a briga. Não pôde
segurar-se e começou a cair pelo precipício, sobre as rochas escarpadas.
—Kiernan!
Ela o viu apenas um momento. Alto e vestido de uniforme, meio escondido entre as sombras
e segurando seu atacante.
Ele empurrou o homem e tomou impulso para chegar rodando até onde estava ela.
Cobriu com seu corpo e seu peso os impulsionou a ambos para a esquerda, de volta ao
caminho. Caíram juntos, rodando sem parar até o pátio da casa de Lacey.
Quando se detiveram, ela estava em cima. Ela tossiu, meio atordoada, e tentou levantar-se.
Depois baixou o olhar para aqueles olhos imensamente azuis.
—Jesse! —Exclamou— Jesse Cameron!
Ele sorriu daquele modo indolente e zombador.
—Olá, senhorita Mackay. Passou bastante tempo, não é? Mas a verdade é que nunca se
sabe quando tropeçara com você, né, Kiernan?

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Capítulo 2

—Quando tropeçará comigo? — Repetiu Kiernan.


Era incrível que ele estivesse ali. Ela estava em cima, escarranchada, com aquela camisola
branca com renda e babados que agora estava amassada e rasgada. Tinha as mãos apoiadas sobre
o peito de Jesse e seu cabelo roçava a camisa azul marinho de seu uniforme de cavalaria. Ele
também tinha um aspecto desalinhado e algumas mechas de cabelo negro caíam sobre a testa.
— Oh, Meu deus, é você Jesse!
— Em pessoa — admitiu.
De repente, Kiernan deu uma palmada sobre aquele grande torso.
— Você é um mal educado e um brusco!
Ele colocou as mãos em sua cintura, ergueu-a e a colocou a seu lado. Deveria ter levantado
imediatamente, recriminou Kiernan. Mas Jesse só a afastou para poder ficar de pé. Assim que o
fez, agarrou suas mãos e a puxou para ajudá-la a levantar.
— Kiernan...
— O que você está fazendo aqui? —Ela a repreendeu— Como pode ser que esteja aqui?
— Os passageiros do trem noturno divulgaram a notícia — disse Jesse— Eu estava tomando
um copo de uísque com um general meu amigo e me ordenou que viesse aqui me ocupar dos
feridos. O exército não demorará a chegar.
— O que está acontecendo?
— Kiernan, isso terá que esperar. Agora devo encontrar esse homem.
— Jesse, ele me conhecia e sabia onde eu estava!
— Eu sei.
— Mas, o que...
— Volta a entrar na casa.
Com alguns passos foi recolher seu chapéu que estava no chão.
—E se voltar outra vez? Havia dois homens.
Jesse voltou para seu lado e tirou do coldre na cintura um Colt com seis balas.
— Sabe usar isto?
Ela assentiu. Ele sorriu e acariciou sua bochecha.
—Certamente já deve ter partido Kiernan. Vá para casa e fique lá até eu voltar, ok?
Ela assentiu devagar. Um quente tremor percorreu as extremidades. Esticou os dedos e
voltou a dobrá-los.
Jesse Cameron voltou para sua vida. Apareceu quando mais precisava. Podia ter capturado
aquele homem e, entretanto se jogou sobre ela para salvá-la de uma queda fatal.
A roupa escura escondia entre a vegetação, apesar do sol iniciar sua inevitável ascensão.
Kiernan ouviu um estalo e soube que Jesse encontrou o caminho de volta à cúpula. Mas estava
convencida de que aquele homem partiu há muito tempo, tal como disse. O escarpado chegava
até Jefferson Rock, onde Thomas Jefferson inspecionou a zona, e seguia até o cemitério. Era um

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terreno difícil e íngreme. Mas havia muitos outros caminhos por onde descer, e até mesmo
alguém que não conhecesse a área poderia tê-los descoberto.
Kiernan percebeu que seu rosto se ruborizou e apertou suas mãos contra ele. Jesse. Ele não
deveria estar ali, mas estava. Provavelmente precisava das maneiras de Anthony, mas não foi
necessário para salvar sua vida.
Deu a volta e saiu correndo para a casa. Lacey a estava esperando na porta de trás.
—Kiernan, graças a Deus! O que aconteceu? Quem era esse homem do pátio? Eu estava
prestes a sair com o pau de macarrão, mas você estava em cima dele e ele parecia conhecê-la.
Francamente, Kiernan, não me pareceu um comportamento correto, tanto se conhecia como se
não — disse Lacey, preocupada— Mas enfim, isso agora não importa. Esta sã e salva. Você o
conhece, né, querida?
—Sim. Lacey está acontecendo coisas muito graves. Você também o conhece. Era Jesse,
Jesse Cameron, um de nossos vizinhos.
—O que está fazendo aqui?
— O alarme se espalhou pelo trem noturno. Jesse não me contou tudo, mas um general o
mandou aqui. Logo chegarão os soldados.
— Mas por quê? Ah, certo! Ele é um médico, certo? E ainda está no exército — começou a
dizer Lacey, mas então ficou olhando o revólver que Kiernan levava na mão— Oh, Meu Deus! Não
poderíamos guardar isso em algum lugar?
— Eu acho que prefiro mantê-lo à mão.
— Esses homens não voltarão — afirmou Lacey.
— Como pode ter tanta certeza?
—Veem comigo.
Lacey conduziu Kiernan através da casa até a entrada, junto à porta onde os cacos de vidro
estavam espalhados.
—Olhe — disse assinalando para fora.
Kiernan contemplou a rua. Naquele momento havia uma multidão reunida em frente ao
edifício da loja de armas. Havia homens armados patrulhando as ruas. Alguém tomou o comando
e dava ordens a gritos.
—Agora já se inteiraram todos — murmurou Lacey.
Kiernan ouviu passos no piso de madeira que havia a sua direita e se virou rapidamente. O
senhor Tomlin, um dos vizinhos de Lacey, passou correndo. Levava um rifle e falava com seu filho
de dezesseis anos, Eban, que ia atrás.
—Me dê alguns pregos mais, menino. — Ele parou na frente de Lacey e Kiernan— Não é o
cúmulo, senhoras? Aqui fabricamos armas e justamente quando mais precisamos não há munição
para comprar. Mas que diabos, isso não é problema. Dispararemos com pregos, não?
Ele piscou para Kiernan e ela viu como carregava o rifle com eles.
—Senhor Tomlin — disse em voz baixa— o que está fazendo?
—Há uma revolta nas ruas, senhorita Mackay, não soube?
Então se fixou nela pela primeira vez e viu que sua camisola estava amassada e rasgada, e

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com fibras de grama no cabelo.


—Deus santo, senhorita Mackay, você está bem??
Kiernan assentiu enquanto Lacey respondia por ela.
—Agora está bem! Mas há uma não estava tão bem!
—Eles tentaram levá-la, tentaram levar você também! —Exclamou Eban Tomlin olhando
para Kiernan com espanto.
—Quem mais eles tentaram levar? —Perguntou Kiernan, angustiada.
—Tentaram? Levaram todo tipo de gente. Levaram o prefeito! E o professor armeiro.
Inclusive percorreu oito quilômetros a cavalo para levar o coronel Lewis Washington, um familiar
de George Washington! Conforme disseram, o coronel Lewis tinha coisas que pertenceram a
George, e John Brown as quer — disse Eban muito nervoso— Brown entrou ali fazendo passar por
Isaac Smith, mas em seguida alguém adivinhou quem era!
—Meu Deus! —Suspirou Lacey.
—E pegaram mais gente. Acredito que pelo menos uns vinte reféns, talvez mais.
—Lacey ouviu disparos — disse Kiernan.
—Sim, maldição! —renegou Eban.
O olhar de advertência de seu pai o fez corar.
—Perdoem senhoras. Sim, houve disparos. E isso é o cúmulo, certamente que é. O velho
John Brown quer libertar o mundo, mas quando chega a Harpers Ferry a primeira coisa que faz é
disparar em Hayward Shepherd, o pobre negro livre da estação ferroviária. Suponho que não
queria que desse voz de alarme. Mas então chegou o trem e o deixaram passar; pelo visto, daqui
até Washington e ainda mais à frente, todo mundo soube o que acontece. Será melhor que voltem
para casa, senhoras. Há distúrbios nas ruas. Algumas pessoas se assustaram um pouco, agarraram
uma arma e começaram a disparar contra tudo o que se move.
Kiernan olhou o rifle carregado de pregos e murmurou:
— Sim, eu sei.
Tomlin levou a mão ao chapéu numa saudação.
—Vamos, filho.
Kiernan voltou a entrar em casa. Lacey a seguiu e disse:
—Ficaremos aqui. Já nos inteiramos das notícias. Estou tão contente que queira ficar em
casa!
—Lacey, não vou ficar em casa. Vou vestir o mais rápido possível!
Correu para a cozinha e bombeou um pouco de água para levar até seu quarto. Começou a
subir a escada e ao passar junto a Lacey sorriu.
—Ai, querida! —Gemeu Lacey.
—Não me acontecera nada. Tenho um Colt com balas de verdade e sei usar um revólver.
Lacey continuou a gritar no pé da escada.
—Kiernan, por favor! Só Deus sabe o que realmente está acontecendo!
Kiernan despejou a água no lavatório. Tirou rapidamente a camisola rasgada e colocou uma
regata, meias e anáguas. Hesitou por um segundo, mas depois decidiu que em plena revolução

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devia estar permitido ir sem espartilho. Vestida com roupa interior voltou para o lavatório e se
limpou a toda pressa.
—Kiernan, escuta? Oh! —Exclamou Lacey de repente.
Enquanto enxaguava a boca, Kiernan perguntou o que teria provocado essa súbita
exclamação de Lacey. Então levantou os olhos e ficou gelada.
Jesse voltou. Estava de pé, encostado preguiçosamente na porta e a olhava com um leve
sorriso nos lábios.
Ela corou da cabeça aos pés. O que Jesse acreditava que estava fazendo? Nenhum cavalheiro
que se considerasse como tal se apresentaria diante de uma dama que estivesse se vestindo, nem
a olharia dessa maneira.
Mas Jesse sim. Apesar de estar irritada, sentiu que a embargava uma sensação doce e
excitante. Maldição! Ele continuava sendo um dos homens mais bonitos que viu em sua vida, com
seu cabelo negro azeviche, aqueles olhos travessos e aquele meio sorriso tão sensual.
—Jesse...
— Bem, bem, minha querida — disse ele baixando a voz e arrastando as palavras, enquanto
a contemplava de cima abaixo com seus olhos risonhos e irônicos. Depois a olhou de frente —
Você cresceu enquanto eu estive fora.
Ela deve ter corado até as raízes dos cabelos. Provavelmente tinha motivos para gritar ou
para ficar histérica. Mas aquela perturbadora sensação de perigo que a dominava exigia que
tratasse com desdém. Decidiu que se o que ele queria era que reagisse como uma ingênua, não ia
conseguir.
—Capitão Cameron, se não importa — disse voltando-se para ele com as mãos nos quadris
e um gesto de desaprovação,— agradeceria que esperasse lá baixo até que estar adequadamente
vestida para receber visitas.
Ele começou a rir.
—Kiernan, deve ser o mais decente que vi em vários meses. Afinal você é uma mulher! A
cidade está vivendo um momento histórico e você se preocupa que alguém a veja em calções.
—Eu não uso calções, capitão Cameron.
—Tudo bem, meias então.
—Jesse...
—Desça assim que considerar que está decente. Eu não posso ficar muito tempo. Na
verdade , talvez não possa ficar o suficiente para...
—Não se mova! —Ordenou ela.
Ela cruzou o quarto para o armário e rapidamente encontrou um vestido simples de algodão
com rendas, com um bonito estampado negro. Justo quando o estava pondo, Lacey apareceu na
soleira para repreender Jesse.
—Capitão Cameron, o que acha que está fazendo?
—Senhora Donahue, conheço Kiernan desde que engatinhava em fraldas.
—Capitão Cameron, sou responsável por sua segurança e ela já não usa fraldas.
Kiernan colocou o vestido pela cabeça. Seus olhos se encontraram com os de Jesse e viu

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como brilhavam enquanto respondia tranquilamente a Lacey em voz baixa:


—Não, senhora. Ela já não usa fraldas.
Ficou sem fala durante um momento, enquanto ele seguia olhando-a nos olhos. Ele também
ficou calado. Ela sentiu que uma descarga elétrica que percorria o ar e os envolvia, como um
relâmpago invisível. Nem sequer Lacey falou para quebrar a tensão que havia entre eles.
Então, Kiernan descobriu que podia se mover. Aproximou de Jesse, olhou de frente e ficou
de costas para Lacey.
—Você seria tão amável de fechar, querida?
Rapidamente, Lacey começou a fechar a longa fileira de pequenas pérolas que formavam a
abotoadura do vestido, enquanto Kiernan seguia olhando fixamente para Jesse.
—Deduzo que não encontrou aquele homem, Jesse.
—Não, temo que tenha se reunido com seus companheiros.
—Companheiros?
—Na rua, as pessoas dizem que John Brown reuniu um grupo de cerca de vinte homens.
—E o que aconteceu com o outro?
—Eu não o vi Kiernan. Teria gostado de não ter soltado esse, mas...
Jesse abaixou a voz.
“Ele está preocupado”, pensou ela.
—Podia pegar ele ou você. Eu escolhi você — disse frivolamente.
—Oh! —Suspirou Lacey.
Era verdade, é obvio. Se Jesse não a tivesse agarrado, ela teria caído sobre as rochas em vez
de rolar pelo caminho. Mas ele disse de um modo que parecia...
— Ele teve que me impedir de cair, Lacey — disse Kiernan com toda a dignidade que era
capaz de expressar.
—OH! —Repetiu Lacey, que entendeu.
Mas Jesse não ia permitir que Kiernan entendesse nada e aqueles olhos ardentes como
labaredas a examinaram com um ar zombador e um sorriso claramente sensual.
—Definitivamente, você cresceu — disse— Está refinada e elegante.
Mas então estragou aquele cavalheiresco completo aproximando dela para tirar um ramo do
seu cabelo.
—E está quase domesticada.
Ela agarrou o ramo da mão e então sorriu, esforçando por se controlar. Sentia um
desassossego que era estimulante. Desejava que aquilo a conduzisse a algum lugar, embora não
soubesse exatamente onde.
Embora o mundo se rebelasse a seu redor.
—Nunca me domesticarão, capitão. Apenas animais são domesticados.
— Eles são, é claro. Vamos ver se eu entendi, Kiernan. Por que uma dama como você é tão ...
indomável?
—Eu não sou um cavalo selvagem, Jesse.
— Para selar os cavalos têm de domá-los, Kiernan. Às vezes as mulheres também necessitam

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que as domem.
—E você domou muitas mulheres? —Perguntou ela.
—Algumas — admitiu-o apoiando descuidadamente no batente da porta. no marco da
porta.
—Bem, capitão Cameron, pois a mim não podem domar, nem dobrar!
—Kiernan, capitão — começou a dizer Lacey, angustiada.
Aparentemente Jesse não estava mesmo ciente da presença de Lacey, que continuava
abotoando o vestido de Kiernan. Ou talvez não se importava, porque começou a rir com
despreocupação.
— Eu não me lembro ter feito nenhuma oferta — disse com sotaque sulino.
Lacey deu um salto.
—Capitão, isto não é absolutamente apropriado.
—Você nunca faz ofertas, nem diz nada concreto — disse Kiernan tão indiferente ou alheia à
presença de Lacey como ele.
Jesse sempre provocava essa reação. Não, provocava em todo mundo. Podia fazer às
pessoas rirem, podia enfurecê-la e podia tranquilizá-la.
E podia provocar um nervosismo e uma tensão que exigiam permanecer alerta.
— Tudo isso nada mais é do que insinuações — disse Kiernan que seguia sorrindo sem
vontade. Tinha desejos de bater nele!
—Capitão Cameron, por favor! —Suplicou Lacey— Devo Protestar! Isto é absolutamente
errado.
— Isso porque qualquer coisa que tenha a ver com Jesse é certo — apontou Kiernan.
—Não, agora protesto eu! —Disse Jesse— Eu posso ser extremamente correto, senhora
Donahue, quando a ocasião requer. Mas Kiernan e eu somos velhos amigos. Na verdade, senhora
Donahue — sussurrou com ar conspirador e aproximando dela para obsequiá-la com seu melhor
sorriso— Até mesmo vi Kiernan nua quando era pequena.
—Por Deus, que coisas, que coisas! —Suspirou Lacey enquanto abotoava o vestido de
Kiernan com mais energia.
—Isso não é verdade! —Espetou Kiernan.
—Oh, sim — assegurou Jesse a Lacey com simpatia— Quando era menina adorava tirar a
roupa e pular dentro do lago.
—É absolutamente desprezível que recorde este tipo de coisas, Jesse — disse Kiernan com
doçura— e tirar em uma conversa!
—Mas se está falando de minhas lembranças mais preciosas! —Protestou ele como se
sentisse ferido.
Kiernan já tinha todos os botões fechados.
— Sério?—Perguntou com ar de superioridade— Lacey estou certa de que durante todo o
ano passado Jesse não pensou em mim nem um só minuto, até que foi atrás de mim.
—Segui para salvá-la — recordou.
—A humildade é uma grande virtude — murmurou ela com evidente sarcasmo.

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Jesse sorriu e replicou:


—As maneiras amáveis e doces de Kiernan são provavelmente sua principal virtude!
—Ai, Senhor, o que está acontecendo aqui, capitão? — Interveio Lacey — é simplesmente
indecoroso. Kiernan está praticamente noiva.
—Noiva? —Jesse arqueou as sobrancelhas surpreso.
Ao ver seu evidente interesse, o coração de Kiernan acelerou.
— Quem é o sortudo? Bah, já sei. Suponho que é o jovem Anthony Miller, o herdeiro da loja
de armas. Bem, aí tem um cachorrinho agradável e bem educado, Kiernan.
—Anthony é a personificação do decoro — afirmou ela, indignada.
—Certamente. Suponho que você o manipula com a ponta do dedo mindinho.
Kiernan pensou que ele estava rindo dela novamente e novamente quis bater nele. Mas
também havia certa tensão em sua voz. Era possível que estivesse com ciúmes?
—Anthony é absolutamente encantador— disse ela com carinho.
—Então, estão noivos? Parabéns.
—Não — esclareceu Kiernan— Nós não estamos noivos ainda.
—Ele está loucamente apaixonado! — Disse Lacey.
—E não me surpreende! — Disse Jesse, ainda rindo.— Ela é bela, elegante... e pronta como
um lince!
Kiernan manteve o sorriso.
—Se me perdoarem... Vou ver pessoalmente qual é a situação na cidade.
Ela se virou, mas ele a pegou pelo braço.
—Kiernan, fique aqui. Vamos para baixo e contarei as duas o que sei.
Sem esperar resposta, começou a descer a escada na frente dela. Kiernan encolheu os
ombros e olhou para Lacey, que estava preocupada porque fracassou completamente como
acompanhante de uma moça inocente.
Kiernan queria dizer que qualquer um teria fracassado se aparecesse Jesse. Entretanto,
estava furiosa consigo mesma, porque ele sempre tinha a habilidade de levá-la aonde queria e
depois retirar-se. Era maior que ela, mais sábio, muito masculino... um varão!
Os tempos mudaram, desejava gritar. “Agora sou adulta e posso brigar minhas batalhas
sozinhas!”
Mas se perguntava se realmente podia ganhar uma batalha contra ele.
Apertou os dentes. Podia... e faria!
Jesse entrou na sala, seguido por Lacey e Kiernan. O ar provocante desapareceu de seus
olhos e de sua atitude e esperou educadamente que as duas mulheres se acomodassem no sofá
de dois lugares. Ele colocou uma cadeira em frente a ambas, colocou ao reverso, sentou
escarranchado e olhou muito sério.
—No momento, o que sei é que John Brown passou meses planejando este ataque. E que
esteve em Sandy Hook, Maryland, para preparar sua estratégia. Devia ter a esperança que muito
mais gente se unisse a sua revolta contra os proprietários de escravos. Suponho que queria que a
revolução começasse aqui, com os escravos rebelando-se contra seus senhores e assassinando-os

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em plena rua. Realmente está convencido que só um banho de sangue pode limpar a terra.
—Meu Deus! —Exclamou Lacey.
Kiernan observou Jesse, tremendo e imaginando aquela cena que havia descrito com tanta
claridade.
— Tem certeza de que as coisas não chegarão tão longe? —Perguntou.
—Não — respondeu ele claramente— Não chegarão até esse ponto. John Brown já se
colocou em seu buraco.
—Já derramou sangue — murmurou Kiernan.
Ele arqueou uma sobrancelha.
—Soube?
— Passou por aqui um vizinho que estava carregando sua espingarda com pregos— disse
Kiernan. Em seguida, exclamou indignada— Que direito tem esse homem de vir a Virgínia! Como
ousa dirigir nossas vidas!
— Ele ousa — murmurou Jesse, e durante um momento deixou de olhá-la. Ele parecia ver
além do futuro que os aguardava.
E o que via o preocupava.
—Pelo visto, as pessoas da cidade encontraram sua própria forma de enfrentar os
acontecimentos — disse Jesse— E um homem já foi assassinado.
—Hayward Shepherd, na estação — disse Lacey com os olhos arregalados— Era um homem
bom e amável.
—Os homens bons são vítimas das maldades de outros — sentenciou Jesse.
—Há mais? —Perguntou Kiernan.
Ela corajosamente sustentou o olhar.
— Sim, eles atiraram em um dos reféns.
—Não! —Murmurou Lacey.
—Temo que sim. Um fazendeiro da cidade chamado Turner foi assassinado.
Ficaram em silencio durante um momento. Depois Lacey explodiu:
—Oh, Meu Deus, Kiernan! E se...
—Lacey estou bem — recordou com carinho.
Em seguida, olhou para Jesse.
— Eles não costumam atirar em mulheres, certo?
— Claro que não— respondeu ele.
Mas Kiernan sentiu um calafrio em seu interior ao olhar para ele. Ela poderia ter sido um dos
reféns.
—Ainda têm... reféns?
—Sim. O prefeito Beckham, entre outros, o coronel Lewis, o senhor Allstadt, e o armeiro.
—O que acontecerá agora? — Perguntou Lacey, angustiada.
Jesse sorriu.
—Que chegará a cavalaria, senhora Donahue — disse levantando-se— Jefferson Davis, o
ministro da Guerra, ordenou ao tenente coronel Robert E. Lee que envie suas tropas. Eles

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Cameron 1

solucionarão as coisas, senhora. Agora preciso ir. Preciso ver algumas pessoas e tenho coisas para
fazer antes de me reunir com os soldados.
— Espere, não vá ainda, capitão Cameron! —Suplicou Lacey levantando de um salto.
Kiernan a estudou de soslaio. Teria jurado que Jesse inquietou profundamente Lacey. Mas
esta sorriu e baixou os olhos para olhar as mãos. Lacey podia estar inquieta, mas também estava
encantada.
E não queria que a deixasse sozinha em meio de todos aqueles acontecimentos.
— Acredite em mim, Donahue, não vai acontecer nada a vocês — disse— John Brown e seus
homens se refugiaram na estação de bombeiros, ao lado da loja de armas. Vocês estão a salvo.
Embora no que se refere a alguns de seus vizinhos armados, eu não tenho tanta certeza. Limitem-
se ficar fora das ruas.
—Mas e se essas pessoas voltarem em busca de Kiernan?
—Já se viram as caras com Kiernan uma vez. Não acredito que queiram voltar a fazer. —
Jesse piscou-lhe sem que Lacey visse e ela teve que voltar a sorrir.
—Café! — pediu Lacey e insistiu— Fique pelo menos para tomar uma xicara de café. Um
café da manhã. Preparo ovos com salsichas e presunto deliciosos. E pães doces de trigo
excelentes. Certamente que dispõe de um pouco de tempo.
Diante da surpresa de Kiernan, Jesse tirou seu relógio de bolso e aceitou.
—Tudo bem, senhora Donahue, tenho uma hora. Mas não mais.
Kiernan levantou para acompanhar Lacey à cozinha.
—Eu ajudo.
—Não! —Exclamou Lacey.
Lacey se preocupou com o sentido de decoro quando estavam no andar de cima, mas agora
estava empenhada em que Jesse ficasse o máximo de tempo possível; embora isso significasse
deixar Kiernan flertando com ele.
Mas assim que Lacey se foi, ela percebeu que Jesse já não tinha vontade de brincar. Foi até
uma das janelas uma das janelas da frente, puxou a cortina e olhou pensativo.
O coração de Kiernan acelerou.
—Jesse, o que acontece? Você mentiu para tranquilizar Lacey? Corremos perigo aqui? Acha
que vai explodir uma autêntica revolta?
Ele se virou para olhá-la e balançou a cabeça lentamente.
—Não, Kiernan, eu não menti. John Brown já não tem possibilidade de receber mais apoio.
Se tivesse já teria seguido adiante com seu plano. Não, temo que o senhor Brown esteja
condenado.
—Esse homem é um assassino — replicou Kiernan acirradamente— Merece ser sentenciado.
Você simpatiza com ele?
Jesse voltou a negar com a cabeça.
— Não, eu não posso tolerar o que ele fez. Se eu fosse um juiz ou júri iria sentenciá-lo à
morte. E se não estiver morto quando os soldados chegarem, estou certo que o enforcarão.
—Então, onde está o problema? —Perguntou Kiernan.

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Ele voltou a olhá-la, a olhá-la fixamente.


— Você sempre foi uma garota muito intuitiva— disse com doçura.
Jesse sentiu uma extraordinária e profunda calidez. Kiernan demonstrou muitas vezes que
era capaz de ler seus pensamentos e mente. Jesse se lembrou de quando voltou para casa de
West Point, decidido a ir para a faculdade de medicina. Quando parou em sua casa para
apresentar seus respeitos a seu pai, ela estava ali, sentada no piano. E quando entrou na sala, ela
levantou o olhar e sorriu.
—Vai dizer a seu pai que prefere ser médico que fazendeiro?
O fato de que Jesse interessasse pela medicina não era uma surpresa para ninguém; sempre
o fascinou. Mas era o filho mais velho do proprietário de uma plantação de algodão e tabaco
muito prósperos. Decidiu ir para a escola de medicina sem deixar a tropa. Queria combinar seu
interesse por essa ciência com o exército e se sentia muito capaz de fazê-lo. Ainda não tinha
falado disso com seu pai, nem com sua irmã, nem sequer a Daniel. Mas quando Kiernan o olhou
naquele dia, soube que o compreendia.
—Muito intuitiva — voltou a murmurar Jesse, sorrindo sem querer— Ou talvez é que
sempre me conheceu muito bem.
Naquele momento, Kiernan desejou intensamente conhecer. Queria conhecê-lo melhor que
ninguém no mundo. Queria levantar, correr para a janela junto a ele e sentir seus braços em volta
dela e que a abraçava com força. Mas tinha medo, embora não sabia por que, das emoções que
lia nos olhos de Jesse, de sua atitude.
—Então, qual é o problema? —Repetiu agarrando-se ao sofá.
— Não tenho certeza, Kiernan. Isso não vai acabar aqui, é o que me assusta, eu acho. Receio
que esses eventos se repitam uma e outra vez. Os confrontos sangrentos entre abolicionistas e
partidários da escravidão não acabou, no Kansas. O clamor pelos direitos dos estados seguirá
adiante e o abismo entre as pessoas aumentará mais e mais, até que afetará à própria terra. Eu
não gosto nada a forma como evolui nosso mundo. Eu gosto de minha vida tal como é. Amo
Cameron Hall, meu irmão, minha irmã, as ladeiras de grama o rio James e...
De repente ele parou e deu de ombros, e ela percebeu que Jesse a permitiu espionar em seu
interior muito além do que ele pretendia.
— Mas nada vai mudar— disse Kiernan em seguida, e depois sorriu— Cameron Hall está há
mais de cem anos em pé! E Daniel ficará aqui sempre. Nós somos pessoas das planícies. Sempre
seremos.
—Você não será se casar com esse homem das montanhas, esse tal Anthony.
Jesse voltou a zombar dela e fez isso porque queria mudar o rumo da conversa.
Mesmo assim ela corou ligeiramente.
—Ainda não decidi se me casarei com Anthony.
—Por que não?
Kiernan levantou-se e atravessou a sala para a outra janela. Desejava obsequia-lo com um
sorriso encantador e dizer que isso não era assunto dele.
Mas a verdade lutava por sair, embora ela não quisesse dizer.

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Não desejava confessar que sempre o esperou. Sempre.


Levantou o queixo, sorriu e decidiu dizer uma meia verdade.
— Eu não tenho certeza de amá-lo.
—Ah. E você ama alguém?— Jesse perguntou baixinho.
Mas de repente pareceu zangado, tanto com ela como consigo mesmo.
—Não importa, não responda.
—Não pensava fazer. Meus sentimentos não são assuntos seus — replicou ela
imediatamente.
—Kiernan, eu...
Jesse deu um passo em sua direção, mas parou. Depois ele voltou a se aproximar e a deixou
atônita quando, repentinamente, a atraiu para si e a abraçou com força. Seus dedos enredaram
em seus cabelos e em sua nuca, e Kiernan estava prestes a dizer que doía, mas então sentiu seu
ardor. Ele baixou os olhos para ela e a olhou intensamente.
—Kiernan, você não entende. O mundo vai mudar e eu tenho medo de decepcioná-lo. Eu
gostaria que você pudesse entender.
Então a olhou, espectador.
—Kiernan!
Sacudiu-a levemente. Ela deixou cair à cabeça para trás e olhou-o nos olhos, sem alarme, a
não ser com surpresa, curiosidade e ímpeto suficiente para contradizer suas palavras.
—Oh, diabos! —Murmurou ele.
Ele tomou seu queixo em suas mãos e ela sentiu a áspera textura da palma e dos dedos,
como uma carícia suave e provocante que roçava a pele. Ele inclinou a cabeça e a beijou.
Aquele beijo que não se parecia com nenhum que já tivessem dado.
Anthony a beijou, acariciou os lábios com a boca. E pareceu bastante agradável. Kiernan
recordou aquela experiência com certo regozijo.
Mas naquele momento soube que aquele toque agradável foi tão morno...
Isto era fogo; um fogo doce e selvagem. Jesse não pediu permissão, não deu a possibilidade
de menor hesitação. Moldou com seus lábios os de Kiernan, reclamando completamente,
imprimindo fogo, ardor e paixão, e exigindo a mesma em troca. Jesse a beijou como um cavalheiro
jamais beijaria uma dama.
Mas Jesse nunca pretendeu ser um cavalheiro. Com ela não.
E com o calor úmido e abrasador daqueles lábios contra os seus, Kiernan não queria ser uma
dama.
Ele a abraçou ainda mais forte. A crinolinas das anáguas levantou por trás quando ela
rendeu seu corpo entre seus braços. Jesse transpassou com a língua a barreira dos lábios e os
dentes de Kiernan, e se moveu de forma perversa pelas escuras e secretas curvas de sua boca.
Parecia chegar até o fundo, até o interior dos cantos mais secretos de sua alma e de seu corpo. A
excitação que havia sentido sempre que ele estava perto aumentou vertiginosamente. Seu
coração retumbava, falhavam as pernas e, naquele momento, esse ardor que formava parte exigia
que deslizasse os braços ao redor do pescoço de Jesse para saborear o beijo, para abrir caminho a

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uma paixão doce e evocadora.


Ele continuou a beijá-la, sua língua brincava com a dela, seus lábios e seu corpo estava tão
perto, tão tenso... Kiernan experimentava sensações descarnadas e excitantes: a elasticidade e a
forma do corpo de Jesse, o roce de sua roupa, e a febre e o desejo que pulsava debaixo. Notou
que se adaptava à silhueta desse corpo. Eram desejos imprudentes e selvagens, que secretamente
penetraram em sua mente e em seu coração e deslizavam através dela como uma serpente, a
serpente que levou Adão e Eva à condenação no Éden.
Jesse...
Seus lábios eram prementes, apertavam contra os seus e fundiam com sua paixão. Sua
língua procurava, aqui e lá.
Oh, se a condenação era isso, que crescessem as chamas! Kiernan abandonaria tudo por ele.
Caminharia nua a seu lado para um campo de flores e pastos verdes, e tombaria ali junto a ele.
Finalmente, Jesse interrompeu o beijo separando os lábios dos dela. Acariciou com um
sussurro e a calidez daquela respiração provocou um tremor ainda mais intenso em seu interior.
—Se ele não for capaz de beija-la assim, não se case.
—O quê?— Ela disse amargamente..
Indignada, Kiernan tentou se afastar. Ela ergueu a mão para bater nele, mas Jesse a agarrou
e soltou uma gargalhada rouca e potente.
— Se ele não pode beijá-la assim, querida, não se case com ele.
—Canalha! —Gritou ela enquanto tentava se liberar.
Mas ele voltou a abraçá-la com força.
— Não pare de procurar o melhor, Kiernan. Você deve obtê-lo. Certifique-se que haja fogo.
Também pode ter gelo, mas vá sempre em busca do extremo, do melhor, do mais intenso. Não
aceite nada que seja morno. Porque você é fogo e gelo, e é o mais intenso e o melhor, Kiernan.
—Kiernan, capitão! —Chamou Lacey, que chegou correndo à porta do salão— O café da
manhã.
Jesse seguia olhando-a fixamente, mas finalmente a soltou.
Com um rápido movimento, Kiernan o esbofeteou com força no rosto.
—Ai! —Gemeu Lacey.
—Você não joga limpo — disse Jesse a Kiernan, enquanto sorria levemente e levava uma
mão à face avermelhada.
—Limpo! Jesse Cameron, você...
— Ei, cuidado, hein, Kiernan. Pensa que a inocente senhora Donahue pode ouvir — advertiu
recuperando imediatamente o tom irônico.
Logo pôs as mãos em seus ombros e a afastou para poder passar.
—Quando quer é capaz de amaldiçoar como uma mula, senhora Donahue.
—E também posso dar um coice como uma mula — replicou ela, furiosa.
— Chega, vocês dois ...—começou Lacey.
—Pode? —Interrompeu Jesse, que de repente voltava a ter as mãos sobre seus ombros— Se
eu fosse você não tentaria isso comigo, senhorita Mackay.

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—Ah, e o que faria Jesse?


—Não gostaria de saber.
—Que cavalheiro você é Jesse.
Ele sorriu.
—As damas não dão coices como mulas, Kiernan.
—E os cavalheiros não...
Kiernan optou por calar. Queria dizer que um cavalheiro honorável nunca teria roubado um
beijo como o que acabava de arrebatar.
—O que é o que não fazem os cavalheiros, Kiernan?
—Eu se fosse você voltaria para território seguro — advertiu ela com doçura.
Ele começou a rir outra vez.
—Tome cuidado comigo, Kiernan. Teste os seus poderes com este encantador e
praticamente noivo seu, mas comigo não. Qualquer coisa que você começar, eu terminarei.
—Já está bem! —Suplicou Lacey— Se pudéssemos simplesmente sentamos e tomar o café
da manhã...
—Não me desafie, Jesse.
—Fiz tortinhas quentes! —Insistiu Lacey.
Jesse soltou Kiernan e se dirigiu para Lacey. Inclinou e a beijou na bochecha.
— Tenho a sensação de que eu sou persona non grata, neste momento, senhora Donahue.
Obrigado pelo convite. Você seja boa e fique a salvo em casa, tudo bem? Eu preciso ir.
—Mas capitão Cameron...
—Kiernan, comportar-se — advertiu com uma severidade repentina, enquanto a olhava por
cima da cabeça de Lacey— Por favor, tome cuidado. Vou deixar a cidade esta noite para me reunir
com as tropas. E asseguro que as ruas são perigosas.
—Essas pessoas são meus vizinhos! —Murmurou Lacey.
—Sim e estou convencido de que as duas estarão a salvo — admitiu Jesse— Mas para que
fique tranquilo, não saiam, de acordo?
Saiu para rua. Kiernan olhou um segundo para Lacey e depois correu atrás dele.
Ainda tinha vontade de dar-lhe um bom chute.
—Capitão! —Gritou.
Surpreso que ela o chamava assim, Jesse virou-se, arqueou uma sobrancelha negro azeviche
e esperou intrigado.
— Você vai voltar, Jesse?
Ele assentiu.
— Eu estarei de volta com os soldados, Kiernan.
—Tome cuidado, Jesse.
Ele sorriu e deu um passo para aproximar. Ela afastou imediatamente.
—Ah, não, capitão! Mantenha a distância. Você não joga limpo.
Jesse balançou a cabeça.
— Não, Kiernan, é você que não joga limpo.

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Sorria, mas ela sabia que estava falando sério.


—O que quer dizer? —Perguntou. Voltava a sentir aquele ardor, aquela confusão e aquelas
sutis ondas de desassossego percorrendo suas veias.
—Kiernan, você sempre quis ditar as normas. E isso não vale.
—Não dizem que na guerra e no amor tudo vale? —Murmurou. Não queria ditar as regras.
Só queria que seu coração permanecesse a salvo.
—Isso é o que me dá medo — disse ele com voz grave e voltou acariciar, só as mãos, e a
olhá-la nos olhos— No amor... e na guerra.
— Eu não entendo.
—E eu não posso explicar. Mas tome cuidado, Kiernan. Voltarei logo.
Beijou-a outra vez, apenas roçou seus lábios com a boca. Ainda assim, ela sentiu uma onda
surpreendentemente quente.
Sustentou o olhar daqueles olhos azuis cobalto durante um segundo, e depois ele partiu.

Capítulo 3

Kiernan passou a manhã inteira esperando em casa. Era óbvio que Jesse colocou Lacey
nervosa, mas parecia também zangada com Kiernan porque, em certo sentido, o obrigou a ir
embora quando ele prometeu ficar e tomar o café da manhã.
—Com o capitão em casa me sentia muito mais segura! —Recriminou Lacey muito alterada
quando se sentaram à mesa do café da manhã.
Nas ruas seguia havendo distúrbios importantes. Mas agora os fatos ocorriam muito mais
longe, junto à loja de armas e o parque de bombeiros, de modo que elas não podiam ver nada.
Ouviram tiros e ainda escutavam muitos gritos. O drama que se desenrolava criou uma tensão
quase palpável no ar, que Kiernan percebia mesmo de casa.
—Não teria nos deixado se acreditasse que havia algum perigo— disse a Lacey para
tranquiliza-la.
Ela aplaudiu.
—Que maravilhosamente romântico! Quer dizer que haveria descumprido seu dever para
acompanhar duas damas?
—Não, Jesse, não — disse Kiernan com certa amargura— Teria empacotado às duas damas e
as teria levado a reboque.
Desejava que ele a tivesse levado a rastros. Não podia suportar continuar sentada e inativa
enquanto aconteciam tantas coisas. A cidade estava em guerra! Não sabia o que podia fazer, mas
sentia que deveria estar fazendo algo.
Lacey suspirou.
—Querida, até que ponto conhece esse jovem?
—Conheço de toda a vida. Crescemos juntos lá nas restingas.
Kiernan estava comendo sua terceira porção de panquecas quentes. Não tinha fome
absolutamente, mas comia comentando o quanto delicioso estava tudo, para agradar Lacey. Ao

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fim, ela a considerava culpada de que o capitão não estivesse devorando boa parte do festim.
—O que acontecerá quando Anthony voltar? —Perguntou Lacey, preocupada.
—O que quer dizer com o que acontecerá? —Perguntou Kiernan.
—Bom, ele... está muito apaixonado por você, querida! E quando vir Jesse Cameron...
—Lacey, ele conhece Jesse Cameron. Você também conhece! — E começou a contar os
dedos.— O viu em meu baile de apresentação, no churrasco de Stacy em Richmond e ah... Sim!
Acredito que coincidira há dois anos em Montemarte, no aniversário da irmã de Anthony.
— Sim, eu o vi lá. Mas parece que você o conhece muito bem.
—Anthony o conhece muito bem — afirmou Kiernan com um divertido sorriso— Todos são
bons amigos: Jesse, seu irmão Daniel, Anthony e alguns mais que estiveram em West Point na
mesma época. De vez em quando se reúnem em Cameron Hall ou em Montemarte.
Lacey se mostrava contrariada.
—É surpreendente que o capitão tropeçasse contigo no momento certo.
—Não acredito que tropeçou comigo — disse Kiernan para tranquilizá-la— Devia saber que
eu estava aqui. Recentemente escrevi a Daniel Cameron, de modo que Jesse sabia que eu estaria
com você em Harpers Ferry enquanto papai, seu marido, Anthony e seu pai estivessem de viagem
de negócios. Inteirou-se do ataque em Washington quando os homens de John Brown assaltaram
o trem noturno, e ordenaram-lhe que viesse atender os feridos. Apesar das aparências, tem seu
peculiar sentido da honra. Ele deve acreditar que é seu dever para com meu pai ocupar-se de meu
bem-estar
— Hmm,— duvidou Lacey.
—E isso o que significa?
—Significa que não há mais cego quanto aquele que não quer ver, mas eu não estou cega,
Kiernan Mackay. Esse homem veio aqui por muito mais que um sentido do dever para com seu
pai.
O coração de Kiernan acelerou e ela sentiu um súbito calor nas faces. Imediatamente
começou a mastigar a panqueca e tomou um gole de café.
—Somos como o cão e gato, Lacey. Certamente você já notou.
—Percebi perfeitamente — disse Lacey, lacônica.
Kiernan encolheu os ombros. Não sabia como explicar a Lacey que talvez, só talvez, estivesse
apaixonada por Jesse. Mas que, embora estivesse não significava nada. Não que Jesse não se
preocupasse com ela; estava convencida que sim. Quando ele a beijou, ela soube que Jesse
conhecia as mulheres. Foi um beijo perito, arrogante e professor. De alguém capaz de despertar
emoções em uma mulher, embora para ele não fosse mais que puro desejo, disso estava certa.
Jesse sabia como seduzir.
Ainda sentia o ardor de sua boca ali onde a beijou. Saboreava e cheirava essa sensação e
desejava mais, sentia fome que alguém explorasse aquele território que sempre esteve proibido.
Mas ele não ofereceu nada. Apenas havia dito que não devia casar-se com Anthony se ele
não fosse capaz de beijá-la dessa maneira. O que Jesse queria?
E quando falou do amor e da guerra, e disse que estava com medo, por que pareceu que

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sofria?
Por que era tudo aquilo assustador? Jesse nunca teve medo de nada. Ainda pertencia à
cavalaria e foi lutar contra os índios nos novos territórios do oeste. Se explodisse a guerra e a
Virgínia ficasse independente, esperaria. Sentiria morrer quando ele partisse, mas ambos eram
virginianos das planícies, fortes e independentes, e amavam com paixão e lealdade sua terra e a
região das restingas.
Talvez ele quisesse saber se estava apaixonada por Anthony. Talvez ainda não estivesse
preparado para sossegar.
Embora também fosse possível que não importasse absolutamente. No final era uma moça
com quem flertar, brincar e praticar as artes da sedução. Possivelmente acreditar que ele estava
esperando que ela crescesse não era mais que um sonho.
Conhecia muito bem os rumores a respeito da considerável quantidade de aventuras que ele
teve. Jesse era muito atraente. Havia algo em seu olhar. Embora não falasse de sua vida privada,
como fazia a maioria dos homens, havia coisas evidentes.
—O que dirá ao pobre Anthony?
Parecia que para Lacey seu verdadeiro nome fosse “pobre Anthony”.
—Dizer sobre o que? —Perguntou Kiernan com certo cansaço.
—Sobre tudo o que aconteceu. Quando ele souber que aqueles homens horríveis a
ameaçaram se preocupará muito E desgostará muito não estar aqui para salvá-la. Além disso,
ficará com raiva se descobrir que ...
—Mas Lacey, o pobre Anthony não saberá— disse Kiernan— Jessé sairá amanhã com as
tropas e quando Anthony e outros voltarem tudo isto será história. Não contaremos que me
ameaçaram.
—Mas Kiernan, Anthony tem o direito de saber. Todas as pessoas da cidade se vão saber o
que aconteceu aqui! —Lacey agitou o lenço— E seu pai...
Kiernan a olhou sorrindo.
—Lacey, por favor. Não há por que preocupar papai desnecessariamente. Saberão do que
aconteceu aqui, mas também verão que estamos bens e salvas. E eu ainda não estou noiva de
Anthony. Ainda não decidi o que quero fazer.
—Mas seu pai tem que saber! Estavam prestes a levá-la como refém por que...
—Porque meu pai é um homem rico.
—Um proprietário de escravos — corrigiu Lacey.
—Como muitos virginianos — protestou Kiernan.
—Como muitos virginianos ricos. Sabe tão bem como eu que a maioria dos agricultores
pobres não são proprietários de nenhum escravo, jovenzinha. E que nem todos os virginianos ricos
são pelo menos não nos condados do oeste — sublinhou Lacey.
Lacey se opunha à escravidão e Kiernan sabia. Embora não de forma violenta, não com os
métodos de John Brown. Mas a sua maneira discreta, estava absolutamente contra aquela prática.
—Lacey, por favor, não há nenhuma necessidade que papai saiba. Eu estou bem. No final
não me aconteceu nada.

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—Graças à oportuna aparição de Jesse Cameron.


—Sim, graças a sua oportuna aparição — admitiu Kiernan.
Sorriu e começou a lavar os pratos. Lacey decidiu deixar correr... de momento. Mas algumas
horas depois, quando estavam sentadas na sala, ela começou novamente.
—Kiernan, estou muito preocupada.
—Não tem por que. Na realidade, não deveria estar absolutamente. Parece que sairei para
passear um momento — disse Kiernan repentinamente.
Queria sair e descobrir o que estava acontecendo. Não queria continuar ali sentada
esperando nem um minuto mais.
—Mas não pode sair lá fora! Prometeu ao capitão Cameron que não faria isso!
—Eu não prometi nada a ninguém e não devo lealdade ao capitão Cameron! —Replicou.
—Mas Kiernan...
—Lacey, tenho o Colt de Jesse e sei como usá-lo. Já não aguento mais não saber o que está
acontecendo por lá.
Levantou, apertou as bochechas de Lacey com o polegar e o índice e apertou um pouco. A
boca de Lacey formou uma grande O e deixou escapar um som; mas Kiernan plantou um beijo na
testa e ela já não pôde continuar protestando.
—Não se preocupe não me acontecerá nada. Serei prudente e sei atirar. Além disso, a
pistola está carregada com munição de verdade... e pelo visto é mais do que tem muitas pessoas.
Dispôs a pegar a arma. Lacey a chamou, mas ela se apoderou do revólver, que estava sobre
o suporte. Sentia ligeiramente culpada por desobedecer Lacey, mas não podia evitar.
Acontecimentos decisivos estavam acontecendo e devia conhecer.
—Voltarei logo! — Gritou e correu para a rua. Levantou o olhar e viu que o sol começava a
esconder. Assim faltavam algumas horas para que a escuridão cobrisse tudo.
Diante da casa não havia ninguém, mas mais abaixo, à esquerda, havia uma multidão
reunida na rua em frente ao quartel dos bombeiros, aparentemente fora do alcance das balas. O
edifício estava rodeado por membros do exército, os que por sua vez rodeados pelos habitantes
de Harpers Ferry.
Tudo parecia sob controle e tranquilo, mas mesmo assim, diria que a cidade estava dentro
de uma atmosfera densa e carregada de tensão.
As pessoas comentavam que os cidadãos enfrentaram John Brown até que este não teve
mais remédio que refugiar no quartel dos bombeiros.
Kiernan corria pela rua quando percebeu que punham uma mão em seu ombro;
sobressaltou e virou-se. Era o doutor Bruce Whelan, com o cabelo grisalho, um bigode macilento e
olhos cinza pérola que a olhavam com expressão severa.
—Doutor Whelan...
—Encarregaram-me de vigia-la jovenzinha — resmungou.
—O quê?
—O capitão Cameron esteve socorrendo os feridos. —E assinalou com a mão— Os vizinhos
carregaram suas armas com o material de refugo que encontraram e há feridos de todo tipo.

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Houve muitos mortos hoje, jovenzinha. Muitos mortos.


—Jesse não tem direito a... —começou.
—Sim ele tem. Ele me disse que a encontrou em uma situação um tanto problemática,
Kiernan Mackay.
Ela ficou sem palavras. Se o doutor Whelan sabia o que aconteceu na noite anterior, seu pai
também saberia. E nunca mais estaria disposto a deixá-la sozinha. Anthony e seu pai não voltariam
a deixá-la sozinha e ela adorava sua independência.
—Não aconteceu nenhuma catástrofe...
—Pode ser que neste preciso momento você corra um grave perigo! —Replicou o doutor—
Jesse me disse que se arrumou muito bem sozinha, mas diabos, menina! Nem sequer um homem
pode enfrentar uma bala. E agora John Brown retém seus reféns no quartel de bombeiros. O
coronel Lewis Washington está ali dentro! Dizem que John Brown queria a espada que Federico o
Grande deu a George Washington e a pistola que deu Lafayette, assim que levaram esse
cavalheiro bom e valente. E seu vizinho o senhor Allstadt e seu filho adolescente! Você podia se
encontrar entre eles!
Kiernan apertou os dentes. Jesse devia ter descrito com bastante exagero como fugiu do
homem que a perseguia.
—Mas estou perfeitamente bem.
—Entretanto, deveria afastar-se da rua .
—A cidade inteira está na rua, doutor Whelan!
—Toda a cidade está aqui, é verdade. Mas estão acontecendo coisas que não estão bem!
Kiernan, o senhor Beckham foi assassinado.
Ela pensou no amável prefeito e lançou um gemido. Era um homem tão bom!
—E deve saber jovenzinha, que quando matou o prefeito Beckham, uma multidão
enfurecida entrou no hotel Wager e apanhou um dos amotinados. Levaram a rastros até a ponte e
dispararam em ambos os lados da cabeça. A metade dos loucos que há nesta cidade ainda
continua crivando o cadáver com as balas.
—Meu Deus — sussurrou Kiernan.
—Vá para casa, Kiernan.
—Irei em seguida, eu prometo.
—Mas há mais, jovenzinha. Chegaram diversas unidades da tropa e houve tiros por toda
parte. A princípio, parece que os rebeldes eram cerca de vinte. Alguns foram feridos e mortos. A
outros dispararam quando tentavam cruzar o rio e fugir. Hoje não é um bom dia para andar por aí.
E sei o que digo.
—Já sei doutor Whelan. De verdade que sei.
Ele tentou olhá-la com severidade, mas depois encolheu os ombros.
—Suponho que não vou conseguir que você volte para casa se eu tampouco fizer. Assim
tome cuidado e volte antes que escureça. Diabos, espero que cheguem alguns reforços antes que
apareçam as tropas federais e solucionem do jeito deles. Ele a olhou por um momento.
Olhou-a fixamente um momento.

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—É uma lástima que o capitão Cameron não esteja aqui. Parece que ele a faria voltar para
casa. —Sorriu e depois começou a rir — ele a carregaria no ombro e a levaria até ali.
Voltou a sorrir e seguiu seu caminho. Parou para rir outra vez, embora soasse como um
cacarejo... e, em seguida, desceu a rua.
Kiernan percebeu que os tiros pararam, e seguiu adiante a toda pressa.
Jesse não estava ali, mas ninguém ia dizer o que poderia ou não fazer.

Jesse Cameron estava muito mais perto do que pensava Kiernan.


O coronel Baylor, de uma das companhias da tropa, conseguiu controlar a situação o melhor
que pode. As negociações entre os cidadãos e os rebeldes entrincheirados no quartel de
bombeiros não foram muito bem. Dois dos homens de John Brown foram baleados quando
hasteavam uma bandeira branca em sinal de rendição. Um veio rastejando até a casa, mas o outro
foi morto e esquartejado pela população.
Mas alguém pediu um médico e Jesse era do exército regular. Por isso o enviaram ali,
acompanhado de um dos subordinados de Baylor, chamado Sinn.
O edifício de bombeiros era uma estrutura de tijolo de uns dez metros por nove. As portas
eram de madeira sólida e as reforçou com fitas de seda. Jesse e Sinn se aproximaram do edifício,
protegidos por uma bandeira branca de paz. As portas se abriram um segundo e os deixaram
entrar.
Jesse esteve com a cavalaria no Kansas e passou anos ouvindo falar das aventuras do velho
Brown de Ossawatomie, mas não o conhecia.
Ao vê-lo ficou impressionado e se comoveu quase de um modo físico o fogo que ardia nos
olhos do ancião. Nunca viu nada parecido. Brown tinha o rosto abatido, envelhecido e enrugado;
com uma personalidade forte, uma longa barba e sobrancelhas grossas. Mas aquele olhar intenso
era marcante. Jesse estava convencido de que ele era um assassino, um assassino cruel.
Mas ele tinha certeza que nunca antes viu um homem tão sinceramente convencido de que
cometia os assassinatos por ordem divina.
—Chegou à cavalaria — afirmou Brown.
Jesse negou com a cabeça.
—Sou médico. Vim examinar seus feridos.
—Pois dê uma olhada no menino.
O menino estava no chão, à esquerda, longe da entrada e das velhas máquinas contra
incêndios. Jesse assentiu e se aproximou dele
Era um jovem bonito de apenas vinte anos. Assim que Jesse se agachou a seu lado, soube
que o rapaz ia morrer. Tinha uma ferida de bala no ventre; era grave. Não havia forma humana de
salvá-lo.
Sinn se dispôs a comunicar a Brown à mensagem do coronel Baylor, mas Brown observava
Jesse com seus olhos ardentes.
—É meu filho, Oliver.
Jesse assentiu de novo. O jovem olhou para seu pai com olhos cheios de dor.

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—Dói pai, por que não me dispara?


— Você vai se recuperar — disse Brown.
Jesse ficou tenso. Teria jurado que apesar de sua irada resposta, aquele homem estava
profundamente preocupado com o garoto.
Abriu sua maleta e encontrou uma atadura para cobrir de algum modo aquela ferida mortal.
Os olhos do garoto o observavam. Tirou uma seringa e uma ampola de morfina. Pelo menos podia
aliviar sua dor. Injetou a agulha sob a pele do moço e administrou a droga.
—Obrigado, senhor — murmurou o jovem com o olhar molhado pelo pranto.
Fechou os olhos e voltou a gemer.
—Se tiver que morrer faça como um homem! — Bramou Brown repentinamente.
Jesse fulminou o velho com o olhar. Observavam-se mutuamente durante um minuto que
pareceu eterno. Brown captou a repulsa na expressão de Jesse.
Embora parecesse lamentar a dureza de suas palavras, seus olhos continuavam cuspindo
fogo. Ele não se importava de dar a vida por sua causa, ou a de seus próprios filhos.
Sinn disse a Brown que era culpado do assassinato do prefeito Beckham, que estava
desarmado.
Brown dirigiu a Sinn:
—Isso, senhor, foi algo lamentável.
Jesse já fez tudo o que podia. Então viu que os reféns e outros feridos estavam agrupados na
parte de trás do edifício de bombeiros.
Reconheceu o coronel Washington imediatamente. O militar, alto e ereto, fez um gesto.
Jesse quadrou e Washington devolveu a saudação.
— Logo voltaremos a nos ver, senhor — disse Jesse.
Washington respondeu, com um meio sorriso:
— Ou aqui ou no inferno, capitão!
A negociação entre Brown e Sinn não prosperou.
— Capitão! Você está pronto, senhor?
— Um momento.
Jesse examinou outros, embora pouco pudesse fazer por eles dado as circunstâncias.
Enfaixou os que pôde, entalou algumas extremidades, extraiu um prego do músculo de um braço
e aconselhou os outros que não se movessem até que recebessem cuidados médicos adequados.
—Um homem não precisa estar são para que o enforquem — disse amargamente um dos
rebeldes.
—Enforcar? —Perguntou um fazendeiro a quem Jesse esteve atendendo.
— Claro, por traição— responderam.
Ele arregalou os olhos e olhou para o velho John Brown.
—Isto foi traição, senhor?
—Claro que foi — respondeu John Brown.
—Maldição, eu não queria cometer traição! Eu só queria libertar os escravos. —E agarrou
Jesse pelo braço— Eu só queria libertar os escravos. Isso era a única coisa que pretendíamos.

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Jesse assentiu e pensou que, de todos os modos, aquele homem não chegaria vivo à forca.
—Compreendo perfeitamente o que quer dizer.
Poderia dizer que pessoas inocentes foram assassinadas, mas decidiu não dizer. Ele era um
médico, não um juiz, e se John Brown achava que sabia quais eram os planos de Deus, Jesse não
tinha a menor ideia.
—Capitão... —Sinn chamava.
De repente, ele fechou sua maleta, levantou e se reuniu com Sinn na porta. Ambos saíram
do edifício de bombeiros.
Jesse sentiu o peso do olhar de velho John Brown e se virou.
Efetivamente, o homem estava olhando com seus olhos penetrantes.
Um calafrio percorreu a espinha de Jesse. Não tinha medo de John Brown, mas temia que
esse homem pressagiasse uma espécie de fatalidade.
A pesada porta fechou-se atrás deles e Jesse voltou para informar a Baylor, acompanhado
por Sinn.
Em seguida, voltar a ser livre para atravessar uma cidade que tinha enlouquecido

Kiernan viu Eban perto da multidão e a rodeou até chegar a seu lado.
—Eban, o que está acontecendo?
—Alguns reféns escaparam — respondeu ele.
—Oh, que alegria! —exclamou ela e depois perguntou em voz baixa— houve algum outro...?
— Eles não mataram ninguém mais. Mas deveria ter visto o que fizeram com Daingerfield
Newby.
—Quem?
—Era um negro livre. Ouvi dizer que se uniu a John Brown porque por muito que tentasse
ganhar dinheiro para comprar sua família, seu senhor subia o preço constantemente. O pobre
homem disparou com Deus sabe o que e o abandonaram ali no beco. —Eban assinalou um pouco
mais à frente, para a colina— Pelo visto deixaram que os porcos acabassem com ele.
—Oh! —Exclamou Kiernan.
Sentia-se mal. Mas algo a atraía para aquele lugar; possivelmente parecia incrível que
pessoas que ela conhecia tão bem se deixaram levar por uma violência tão atroz. Subiu em direção
à colina pelo beco, mas de repente parou horrorizada.
A ruela estava vermelha de sangue. Havia sangue no chão e salpicado no muro.
Os porcos estavam cavando o chão. Kiernan retrocedeu, enjoada.
Daingerfield Newby nunca compraria sua mulher e seus filhos.
—Senhorita Mackay! —Eban apareceu por trás— Se encontra bem?
Ela assentiu. Junto a seus pés havia restos de pregos calcinados e se agachou para recolher
um. Os cidadãos dispararam contra aquele pobre homem. Olhou fixamente para Eban, que
imediatamente ficou à defensiva.
—Senhorita Mackay, por favor! Os homens de John Brown mataram o senhor Turner,
simplesmente porque tinha escravos. Queriam que todos os escravos da região se rebelassem

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contra nós. Pretendiam nos matar enquanto dormíamos! Mas nós os detivemos. Lutamos contra
eles sem nada e os encurralamos nesse quartel de bombeiros. Apanharemos. Mas para Turner já é
muito tarde. Puseram uma pistola na cabeça, apertaram o gatilho e o assassinaram. E mataram
Hayward! Supõe que são bons e caridosos e que querem os negros, mas vêm aqui e eles mesmos
matam com tiro um negro livre. É um terror, senhorita Mackay, terror de verdade. Defendemos-
nos, não temos feito nada mais. Só nos defender.
Kiernan assentiu de novo. A quem devia culpar por aquela loucura? John Brown? Mas, pelo
visto, John Brown acreditava que Deus falava em seu ouvido e ditava suas ordens.
— Brown ainda está no quartel dos bombeiros? —Perguntou.
—Sim, senhorita Mackay. — Eban tirou o chapéu.— E ainda tem reféns. Ninguém sabe o que
pretende fazer. A tropa falou com ele. Se for atacado, talvez assassine os cativos. Neste momento
estamos num impasse e esperamos notícias de Washington e do exército federal.
Kiernan estremeceu e de repente teve muito medo. Pelo visto chamaram muitas unidades
militares. As pessoas formavam redemoinhos nas ruas e seguiam ouvindo tiros e gritos horríveis.
E ainda havia sangue naquela espantosa rua.
Estava com medo, o mesmo medo que falou Jesse referindo a si mesmo.
“Nós não começamos esta tragédia”, pensou, tentando não imaginar o cadáver mutilado do
negro livre. John Brown entrou na cidade provocando o terror de cidadãos pacíficos. Mas John
Brown não começou o debate sobre a escravidão. Ela não podia culpá-lo disso.
Mas podia culpar por ter ido até a Virgínia, junto com todo esse horror e derramamento de
sangue.
— Desculpe-me, senhorita Mackay — disse Eban— vou ver o que ocorre.
Enquanto obscurecia e o sol começava a ocultar irremediavelmente, Kiernan ficou junto à
multidão. Ouviu dizer que havia um destacamento de fuzileiros navais na periferia da cidade e que
o coronel Robert E. Lee não demoraria em assumir o comando da tropa.
Perguntou se Jesse estaria com Lee.
Voltou a ouvir tiros perto da estação de bombeiros. As pessoas começaram a empurrar e
antes que Kiernan desse conta aproximaram ao trancos do edifício de bombeiros.
De repente esteve a ponto de tropeçar com o cadáver de um homem; recebeu tantos tiros
que devia ter o corpo cheio de chumbo. Tanto o rosto como o resto eram totalmente
irreconhecíveis.
À medida que a multidão ia aproximando voltaram a empurrá-la e Kiernan quase caiu em
cima daquele homem. Baixou o olhar, viu aqueles buracos sem vida onde antes estavam os olhos e
começou a gritar em pânico. O cadáver recebeu outro tiro. Um jovem fazendeiro apontava seu
rifle para ele, ignorando a multidão ao redor do cadáver.
—Não! —Gritou outra vez Kiernan, que teve que separar daqueles horríveis olhos cegos.
Repentinamente braços robustos a agarraram. Olhou para cima, com o horror gravado no
rosto.
Uns profundos olhos azuis a olhavam com severidade. Jesse. Jesse não estava com Lee.
Estava ali.

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Com ela.
Chegou para resgatá-la, outra vez.
Apesar da indignação com a que ele a olhava abraçou-o pelo pescoço.
—Jesse — murmurou.
— Deixe-me passar!—Ordenou ele e a multidão se afastou. Seus passos poderosos os
levaram imediatamente através da multidão até seu cavalo que esperava.
Colocou-a sobre o animal e depois montou atrás dela de um salto. No final de poucos
segundos, baixavam a rua a meio galope e o vento limpo soprava contra suas faces apagando o
aroma de sangue e a tragédia.
O calor dos braços que a rodeavam moderou o frio que penetrava em seu interior.

Capítulo 4

Jesse não a levou de volta para a casa de Lacey. Aquele cavalo bem treinado atravessou
rapidamente a cidade de Harpers Ferry e subiu a colina para Bolivar Heights em alta velocidade..
Ela não tinha medo, com Jesse não.
Enquanto cavalgavam notou o calor de seu torso musculoso contra suas costas e pareceu
que os acontecimentos dos dois dias anteriores se desvaneciam. Nada podia acontecer agora que
os braços de Jesse a rodeavam.
Ele não parou na cidade de Bolivar, mas sim subiu até os bosques que coroavam uma das
colinas. Esporeou o cavalo até a cúpula, onde enormes árvores contemplavam de uma grande
distancia a pequena brecha do terreno onde Shenandoah se encontrava com Potomac, e onde o
velho Harper lançou um serviço de balsa através do rio. A populosa cidade parecia pequena dali e
também os edifícios pareciam pequenos, como de brinquedo.
Jesse saltou do cavalo e se dispôs a ajudá-la. Ela colocou as mãos em seus ombros e caiu em
seus braços. Estava tremendo e ele continuou abraçando-a com força.
—Oh, Jesse, lá abaixo estão ocorrendo coisas horríveis!
Ele acariciou seu cabelo delicadamente.
— Está tudo bem. Tudo acabará em breve. É uma tempestade em um copo de água.
Ele acariciou seu rosto, olhando em seus olhos, e depois a fez girar sobre si mesmo para que
pudesse ver a distância que os separava daquela cúpula. De novo as cidades e as pessoas pareciam
brinquedos. Distinguiam as correntes de água branca dos dois rios que se encontravam.
—O dia de hoje terminará. Shenandoah e Potomac seguirão derramando suas lágrimas e as
montanhas voltarão a ser bonitas.
Ele a rodeava com seus braços, com os dedos entrelaçados em sua cintura e sobre seu
ventre. Deve ter notado que ela deixou de tremer.
Seu tom de voz mudou repentinamente e a fez voltar para tê-la de novo de frente.
— Eu lhe disse para não sair de casa!
—Maldição, Jesse, você não é meu pai!
Ele xingou baixinho e ela colocou as mãos em seus braços. Ela se afastou dele, separando

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daquela presencia alta e musculosa, uma presença que de repente parecia ameaçadora.
— Se tivesse ficado em casa, não teria sido exposta a tudo isto!
—Mas Jesse, há tantas pessoas lá em baixo! Muitas pessoas que conheço estão disparando
chumbo e sucata contra o cadáver de um homem!
—E com sorte não atirarão uns nos outros — disse Jesse.
Mais uma vez se aproximou. Estavam no topo da montanha e não poderia afastar-se.
—Jesse...
—Pequena insensata! — Ele disse carinhosamente— Podiam se ferir!
—Podiam ter ferido a cidade inteira.
—Feriram muitos! Assassinaram o prefeito; atiraram quando ia desarmado.
—Jesse...
Estava realmente indignado. Mas ele voltou a dar um passo em direção a ela, segurou a
parte superior dos braços com os dedos e a atraiu para si. Kiernan já não pôde pensar em nenhum
outro argumento. Ele cravou nela seus ardentes olhos azuis cobalto. Nesse momento Kiernan
sentiu que seu coração revoava como as asas de uma mariposa contra suas costelas, enquanto os
joelhos fraquejavam. Estava tão indignada como ele e essa indignação a debilitava.
—Jesse... —começou a dizer, mas ele a beijou na boca e sossegou aquele sussurro.
Foi uma carícia violenta e premente ao mesmo tempo, como um fogo puxador e cegador,
que roubava tanto a respiração como a prudência. Com os dedos entrelaçados sobre o peito de
Jesse, Kiernan cedeu a sua fascinante pressão e separou os lábios. A febre ardente e sedutora
daquele beijo a dominou. Roçou a boca, e percorreu todo seu corpo com a pausada cadência do
néctar ou a lava. Parecia que todos seus sentidos se despertaram. A pele ardia ao menor roce de
sua mão. Sentia a dureza daquele corpo que apertava contra o seu, mas igual àquela febre que
queimava suas entranhas, era muito quente, vibrante e vivo. Quanto mais abraçava a ele, mais
notava essa febre que ameaçava consumir a ambos. Mas quando provou sua língua e o ardor
daquele tato que deveria considerar proibido, ela foi seduzida e sentiu uma vontade ainda maior
de seguir em frente.
Ele separou a boca de seus lábios e voltou a acariciá-los, separou e os roçou brandamente
com a boca aberta, com mais e mais paixão. A cabeça de Kiernan começou a girar. Não deveria
estar ali com ele. Deveria sentir-se chocada, horrorizada.
Havia uma outra pessoa em sua vida.
Alguém com quem as coisas nunca foram assim.
Mesmo assim tinha que se afastar, tinha que parar.
—Jesse...
Seu nome era apenas um sussurro na brisa, mas ele ouviu. Subitamente, amaldiçoou
baixinho e deixou-a. Diante da surpresa de Kiernan, praticamente a empurrou. Afastou e apoiou o
pé numa rocha, o cotovelo no joelho, e contemplou o vale.
Ela ainda tinha na boca a umidade de seus lábios. Ainda sentia aquela carícia. Ele parecia
novamente indignado.
—Maldição, Kiernan! — Ele se virou para encará-la. — Se fizesse de vez em quando o que te

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pedem!
— Jesse, você não tem direito ...
—Seu pai não está aqui, e seu precioso e querido Anthony tampouco. Onde diabos está?
Ela ruborizou, sentiu raiva e uma vertigem crescente. Nunca, nunca devia ter permitido que
Jesse a tocasse. Ele era tão imprevisível como as chamas no bosque; explodia de paixão, explodia
de ira.
—Já sabe onde Anthony está— começou a dizer com toda a formalidade que era capaz.
—Não importa, não importa — disse ele, de repente, e novamente se aproximou.— Limite-
se a me escutar e fica em casa, diabos. Longe da agitação das ruas! Fará isto? Olhe o que
conseguiu que acontecesse.
—Eu?
—Kiernan...
Ela revirou os olhos e tentou atingi-lo. Ele agarrou seu punho, olharam-se com paixão e
sorriu levemente com relutância..
—A levarei para Lacey.
— Eu prefiro caminhar!
— É uma longa caminhada.
— Eu prefiro uma longa caminhada.
Ele assentiu.
—Perdão.
Antes que ela percebesse, ele a ergueu e colocou em seu enorme cavalo, Pegasus. E ele
montou atrás, a rodeando com seus braços.
Esporeou Pegasus e o animal os levou até o pé da colina.
O aborrecimento de Kiernan evaporou com o calor dos braços que a rodeavam. Quando ele
a deixou em frente à casa de Lacey, só sentia desolação e perda. Ele desmontou para ajudá-la a
descer e então soube que ia deixá-la. Deveria estar escandalizada e horrorizada que a tivesse
beijado assim, que a tivesse acariciado desse modo, mas não estava. Foi simplesmente algo que
aconteceu. Foi algo doce, honesto e correto, e ela se negava a sentir envergonhada por isso.
—Não saia — disse Jesse secamente.
Ela sorriu e deixou cair os olhos.
—Capitão Cameron, eu sou meu próprio guardião.
—Kiernan...
—Mas escolho ficar em casa — disse em seguida— Oh, Jesse! As pessoas estão se
comportando de um modo horrível!
—Sim —ele se limitou a dizer— É verdade. —Voltou a montar Pegasus e a olhou— As coisas
podem piorar e está anoitecendo. Assim por favor...
Ela fez uma pomposa reverência, virou-se e correu para o interior da casa.
Haviam varrido os vidros quebrados, mas na porta de vidro do escritório havia um grande
buraco. Kiernan decidiu tampá-lo com uma lona e tranquilizar Lacey. Precisava mitigar o
sentimento de culpa por abandoná-la.

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Ao abrir a porta ouviu uma voz tensa.


—Quem esta aí?
—Sou eu, Lacey. Voltei.
—Ah, bem a tempo!
Lacey apareceu na soleira com uma vela na mão para dissipar as escuras sombras da noite.
—Graças a Deus! Começava a ficar muito angustiada!
— Tudo está bem, Lacey. Bem, não realmente. Vamos para a sala e contarei isso.
Lacey assentiu com os olhos arregalados e entrou na sala seguido por Kiernan. Esta contou o
ocorrido na cidade, mas fez com muita precaução, suavizando a violência. Apesar disso, Lacey
ficou aterrorizada e muito nervosa.
Insistiu em servir a Kiernan uma xícara de chá e depois começou a preparar o jantar. Kiernan
foi ao armário das ferramentas, onde encontrou uma lona, martelo e pregos e se dispôs a fazer
um acerto provisório na porta.
As duas mulheres jantaram em silêncio, conscientes em todo momento do drama que se
desenvolvia na rua.
—Não disse o capitão que voltaria? —perguntou Lacey, inquieta.
—Possivelmente possa voltar. Ou talvez não.
—Ele deveria protegê-la— insistiu Lacey.
Kiernan sorriu com relutância.
—Não, Lacey, já não se lembra? É o pobre Anthony quem deveria me proteger.
Lacey se ruborizou com bom humor.
—Não importa. Deus, que vontade tenho que esta noite se acabe!
—Não acredito que a agulha de crochê sirva de nada hoje — murmurou Kiernan.
Sabia que nada permitiria passar uma noite tranquila. Estava dividida entre o horror das
cenas que viu e o mágico pulsar que voltava para seus lábios quando pensava em Jesse.
Aquele foi um beijo proibido, por causa de Anthony..
—E se jogarmos cartas?
—Os corações? —propôs Kiernan.
—Não, Por Deus! Pôquer — gritou Lacey, e Kiernan começou a rir.
—Lacey! Que decadente! Não escandalizaria seu marido?
Lacey inspirou.
—E o que me diz de seu pai, jovenzinha? Você também sabe jogar.
— Eu cresci com meu pai— recordou com um amplo sorriso— Pegue as cartas, senhora
Donahue. Já que está disposta, apostaremos alguns centavos.
—Feito! —Falou Lacey.
O jogo as ajudou há matar o tempo. Havia algo emocionante naquele jogo que se
considerava proibido às damas. Ambas manteriam sempre em segredo ter passado a noite assim.
Foi ficando tarde. Jesse não voltou.
Finalmente, Lacey bocejou e reconheceu que estava exausta.
—Mas como conseguirei dormir? —Perguntou.

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—Não acontecera nada — assegurou Kiernan.


Mas Lacey seguia nervosa e Kiernan propôs que colocassem as camisolas e se deitassem
juntas. Lacey adorou a ideia.
—Dormiremos com o senhor Colt de Jesse justo ao lado da cama — disse Kiernan
alegremente.
—A cama de seu quarto é ampla e confortável. Estaremos muito confortáveis! —
acrescentou Lacey.
Mas quando se instalaram, voltou a se queixar:
—Serei incapaz de dormir!
Entretanto, diante do assombro de Kiernan, assim que se meteram na cama, Lacey fechou os
olhos placidamente como se fosse um bebê. Em troca ela não conseguia dormir, mas pensou que
era porque ainda era cedo. Ou porque estava assustada. Naquela madrugada esteve a ponto de
ser sequestrada e poderiam ter sido perfeitamente uma dos reféns que seguiam nas mãos de John
Brown.
Pensou que Brown, encurralado naquele buraco com seus poucos seguidores, devia estar
desesperado nesse momento. Provavelmente era consciente que sua grande revolução não iria
ocorrer. Não conseguiu arrastar o país a uma grande sublevação.
O exército dos Estados Unidos iria atrás dele e pela manhã teria que enfrentar às armas.
Assassinaria seus reféns por desespero?
Ou terminaria o derramamento de sangue? Kiernan fervorosamente esperava essa
possibilidade.
Perguntava que aspecto teria John Brown e se realmente era capaz de encontrar
argumentos para converter o assassinato em uma cruzada. Mas então se lembrou da cabana do
tio Tom e como ficou furiosa quando leu o livro.
Teve que admitir uma vez mais que havia pessoas verdadeiramente cruéis, que tratavam
muito melhor seus cavalos e seus cães que seus escravos. Revolveu na cama pensando nisso. De
repente, Lacey inspirou profundamente, virou-se e exalou um ronco comprido.
Aquilo terminou com seus esforços para dormir.
Levantou-se e foi comprovar a janela. Ficou assombrada ao ver dois homens em baixo.
Ambos eram altos, mas entre as sombras da noite não podia vê-los. Durante um momento
conteve a respiração.
Então, um deles deu um passo para frente e recolheu uma pedra do chão. Ele olhou para
cima e jogou-o contra o vidro. Justo antes que ela se afastasse. Kiernan voltou a respirar, sorrindo.
O rosto parecia para ela familiar.
Jesse estava de volta.
A pedra atingiu o vidro. Kiernan olhou para baixo.
Então os dois levantaram o rosto. Jesse estava com seu irmão Daniel e ambos vestiam o
uniforme da cavalaria dos Estados Unidos. Os dois usavam seus bonitos chapéus de plumas e
sorriam de orelha a orelha. Pareciam-se muito. Daniel, assim como Jesse, tinha o cabelo escuro
como ébano e os olhos azuis cobalto da família Cameron. Também suas feições eram parecidas,

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atraentes e bem definidas. E a boca carnuda e sensual. Mas Daniel era um pouco mais jovem que
Jesse e não tinha as costas tão largas. Suas maneiras eram mais suaves, extremamente
cavalheirescas. Era um bom amigo de Kiernan e o amava, enquanto que Jesse... Ah, Jesse!
—Chis — colocou o dedo sobre os lábios e quando viu que Daniel também tinha uma
pedrinha e estava a ponto de lançá-lo para ela, disse que não com a cabeça.
Abriu a janela de par em par e sussurrou acima:
—Basta de pedras!
—Então desce e nos deixe entrar! —Pediu Daniel— Faz bastante frio.
—Faz um frio do demônio — corrigiu Jesse com um olhar divertido.
Kiernan deu uma olhada a Lacey e viu que seguia dormindo sonoramente.
Fez um gesto aos irmãos Cameron para indicar que desceria em seguida. Daniel sorriu e
levantou o polegar. Nos lábios de Jesse desenhou aquele agradável sorriso.
Kiernan saiu do quarto, desceu correndo a escada para a porta de trás e a abriu de par em
par.
Daniel estava justo do outro lado. Agarrou-a nos braços e a fez girar enquanto avançava pelo
estreito corredor.
—Santo céu, Kiernan! —Disse em brincadeira antes de deixá-la no chão— Cada vez que a
vejo está mais bonita, mais adulta, mais refinada e mais elegante. Mais...
—Voluptuosa? —Completou Jesse.
Imediatamente, Kiernan o olhou. Ele apoiou na porta de entrada claramente divertido com o
comentário.
Observou de cima abaixo e aquele olhar a turvou imediatamente.
Seus olhos despertavam nela sensações indecentes.
Sim, ele sempre gostou de zombar dela. Mas aquela tarde não. Ela percebeu que Jesse foi
preso em seu próprio fogo e que essa era a razão pela qual se zangou tanto com ela.
Seus olhos se encontraram e ambos aguentaram o olhar. Kiernan soube que ambos sabiam.
—Sim, voluptuosa— corroborou Daniel e começou a rir— Nos perdoe senhorita Mackay —
disse. Deu um passo atrás, tirou o chapéu e o levou a peito— N Nós soldados temos os nossos
defeitos, porque passamos muito tempo nas estradas.
Finalmente Kiernan afastou os olhos de Jesse.
—Muito tempo nas estradas, é claro! Jesse veio diretamente de um bar de Washington. E
você?
—Eu estava em uma festa na casa de um amigo, quando chegou um mensageiro da parte de
Jeb Stuart.
Stuart era um jovem e bonito comandante da cavalaria e bom amigo dos dois irmãos
Cameron.
—Ele já sabia que Jesse foi enviado aqui e que estava preocupado com você desde que se
inteirou dos distúrbios.
—É o que imaginei —disse Kiernan olhando a ambos— Farão parte das tropas que
enfrentarão John Brown pela manhã? Christa se angustiará muito.

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Christa era a irmã de ambos e um ano mais nova que Kiernan; era a última descendente
direto do clã Cameron. De pequena corria sempre atrás de Daniel, como Kiernan; os três
estiveram sempre muito unidos.
Embora um pouco intimidados por Jesse, apesar que Daniel negasse. Agora os irmãos eram
unha e carne; professavam uma inquebrável amizade e lealdade.
—Não terá um pouco de torta de maçã, verdade? E um pouco de café para uma alma morta
de frio?
—Pois sim que temos torta de maçã, —respondeu Kiernan a Daniel— E prepararei o café.
Mas não tente esquivar de minhas perguntas, Daniel Cameron.
Deu a volta e foi para a cozinha seguida dos dois irmãos. Ambos se sentaram e estiraram
suas longas pernas sob a mesa, enquanto ela preparava o café e colocava a torta, pratos e os
guardanapos bordados de Lacey diante deles.
— O que vai acontecer pela manhã? —Perguntou com teimosia.
—Exigirão que John Brown que se renda — respondeu Jesse com franqueza.
—E se não fizer?
Jesse encolheu os ombros e foi cortando pedaços de torta, enquanto ela colocava a seu lado.
—Atacaremos o quartel de bombeiros, suponho.
—E isso não é perigoso? Os dois farão? Sinceramente não há razão para que arrisquem a
vida desse modo. Eu digo que...
—E eu disse que hoje não saísse de casa — interrompeu Jesse de repente, agitando a faca da
torta em frente a seu nariz.
—A cidade inteira estava nas ruas, Jesse — disse ela.
—A cidade inteira. —Daniel riu— Até mesmo o doutor Whalen. Disse que viu você na rua e
que ouviu dizer que Jesse já tinha colocado as mãos em cima de você.
Rapidamente Kiernan baixou o olhar.
—Certamente que fez — admitiu com suavidade.
—Conforme me disseram, Whalen era partidário de que a atassem como um peru, a
carregassem sobre o ombro e levassem a fogueira. Eu não era tão rude, muito menos—
prosseguiu Jesse.
—Não faltou muito! —Replicou Kiernan.
Jesse a olhou arqueando uma sobrancelha e ela sentiu um quente rubor em todo o corpo.
—Detecto certa tensão por aqui? —Perguntou Daniel.
—Não! —Exclamaram Jesse e Kiernan juntos.
—Ah, perdão! —Disse Daniel com um sorriso.
— Eu não fui rude absolutamente.
Kiernan levantou de um salto para vigiar o café, mas de repente notou uma garra de aço no
braço.
—Desta vez — disse ele em voz baixa.
—Desta vez? —Kiernan levantou uma sobrancelha.
Sentia que entre eles estava formando uma tormenta. Captava a tensão doce e quente que

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havia no ar. Queria brigar com ele. Queria discutir e lutar.


E tocar.
— Ei, o café está fervendo!—Gritou Daniel.
Os olhos de Jesse seguiam abrasando. Soltou o braço devagar e ela por fim deixou de olhar e
correu pelo café.
Daniel não parou de falar enquanto comia a torta.
Kiernan e Jesse beberam o café, escutando e se olhando mutuamente com receio.
Felizmente, Daniel não precisava de ajuda para manter uma conversa.
Jesse se levantou de repente.
— Nós temos que voltar.
Daniel concordou com relutância.
—Sim. — Ele se levantou, ergueu Kiernan na ponta dos pés e a beijou na bochecha. Depois
voltou a abraçá-la forte e suplicou— Kiernan, por favor, amanhã não saia até que tudo tenha
terminado.
—Ficará em casa —disse Jesse, cortante— Garanto isso.
—Ah, sim? —Desafiou Kiernan com voz doce.
—Sim. Porque amanhã estarei por aqui. E me encarregarei disso, embora tenha que carregá-
la como um saco de batatas.
—Cavalheiro, sua galanteria é tão irresistível! —Respondeu Kiernan com seu acento sulino.
—Digo o que penso.
—Não acredito que fosse tão arrogante se meu pai estivesse aqui!
Ele arqueou a sobrancelha e sorriu.
—Kiernan, eu sou o mesmo diante de qualquer um e você sabe. —deteve um segundo e
sorriu mais amplamente— Incluído o santo Anthony!
Ele se virou e começou a sair. Daniel sorriu e seguiu-o. Kiernan correu pelo corredor atrás
deles até a porta de atrás.
—Tome cuidado, por favor! —Suplicou a Daniel na varanda.
Seus cavalos estavam amarrados sob uma árvore, junto do caminho que subia à colina,
protegidos pela encosta.
Ele parou.
— Eu prometo.
Jesse chegou junto a seu cavalo e montou com destreza. O animal se aproximou trotando
até a escada e sorriu de cima.
—Eu também devo tomar cuidado, senhorita Mackay?
—Claro Jesse —disse com frieza— Lamentaria sinceramente que ocorresse algo a você. Pela
Christa
—Só pela Christa?
— Você é um bom vizinho— disse ela com doçura.
Ele começou a rir e inclinou do lombo do cavalo para pegar sua mão.
Beijou-a ligeiramente.

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—Que doce e honorável senhorita Mackay! —Soltou a mão e espetou com firmeza— Agora,
por favor, assegure de manter seu doce e honorável traseiro dentro da casa!
—Jesse, querido, tem as maneiras de um orangotango. Alguém deveria dar-lhe com o
chicote! —Replicou com suavidade.
— Eu estou falando sério, Kiernan.
—Eu também.
—Se sair saberei, eu juro.
—É uma promessa ou uma advertência?
—Uma ameaça... e tome a assim— avisou.
Então ele sorriu e levou a mão ao chapéu saudando.
O enorme cavalo relinchou e ele entrou na noite.
—Jesse, tome cuidado! —Murmurou ela com carinho. Era muito tarde. Ele partiu e nunca
ouviu suas palavras.
De pé junto a eles, Daniel seguia olhando sob a luz da lua. Encolheu os ombros com o olhar
risonho.
—Ele é assim — disse sem explicações ou desculpas, é claro.
—Sim, é. Daniel! Tome cuidado os dois.
—Tomaremos — prometeu.
Voltou a abraçá-la e depois montou de um salto. Estava tão cômodo no lombo de um cavalo
como seu irmão. Ele ergueu o chapéu e acenou.
—Guarde alguma coisa de bom para jantar amanhã à noite, de acordo?
—Eu prometo isso! — Então ela gritou— Daniel!
—Sim?
—Que Jesse e você voltem o mais breve possível!
—Voltaremos.
Ele saudou e desapareceu na noite atrás de seu irmão.
Kiernan sentiu um forte calafrio e entrou em casa a toda pressa. Não conseguia estar
tranquila essa noite. De repente sentiu muito sozinha. O calor desapareceu quando começou a
escurecer e agora fazia muito frio.
E tinha medo, como Jesse.
Do amor e da guerra.

Capítulo 5

Jesse estava cavalgando por uns dois minutos quando Daniel se colocou a seu lado e o olhou
disposto a dizer alguma coisa.
Pela forma como haviam se despedido de Kiernan, pensou.
Não, pela forma como ele se despediu de Kiernan.
Certamente foi uma sorte que Daniel não estivesse por ali durante o dia, concluiu Jesse. De
outro modo não teria deixado de fazer perguntas.

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Mas então percebeu que Daniel pretendia falar de irmão para irmão, fosse o que fosse.
— Está muito silencioso, Jess — disse.
— Isso parece —murmurou ele.
Sabia perfeitamente que ele não ficaria satisfeito com uma resposta como essa.
—Por amanhã por John Brown? Ou por Kiernan?
Jesse olhou-o um segundo e descobriu inquietação nos olhos de seu irmão. Talvez viu muitas
mais coisas das que ele acreditava ao longo dos anos. Talvez tenha havido mais do que ele tinha
visto.
A quem pretendia enganar? Kiernan sempre teve alguma coisa. Já quando criança, seus
olhos eram extraordinários: os olhos verdes rebelde, desafiadores, sorridentes e corajosos.
E agora tinha uma forma especial de andar. Jesse recordava sentir muita lástima pelo pai de
Kiernan, porque ela se tornou muito rapidamente na típica menina insolente das restingas. Ela era
bonita e capaz de roubar o coração e enfeitiçar a alma e o corpo. Mas também era muito
orgulhosa e teimosa, e jamais permitiria que ninguém dominasse seus pensamentos.
Jogava e brincava, mas sempre dentro dos limites da decência. Naturalmente gostava de ser
o centro das atenções e era capaz de flertar com qualquer cavalheiro, mas certamente não era só
uma criatura doce e ingênua. Tinha opiniões próprias sobre a vida e sobre qual era seu papel nela
e nunca importou em proclamar.
Jesse achava que a conhecia muito bem, porque a observou durante anos em Cameron Hall.
Divertiu muito observando-a quando criança. Sempre se saía com a sua. Às vezes era doce, às
vezes amável, mas sempre orgulhosa e atenta ao mundo que a rodeava. Não demorou pôr a prova
seu poder e em seguida, percebeu que era uma mulher que pertencia a uma sociedade em que as
mulheres nasceram para ser reverenciadas. Tampouco demorou para entender os negócios de seu
pai, mas continuava gostando de dançar, cavalgar e deixar a um lado seu verniz de ingênua
feminilidade se fosse necessário para recuperá-lo quando lhe convinha. A sua maneira era uma
pequena bruxa, pensou Jesse. Mas era toda uma mulher, com a mente de um lince e um coração
de aço.
Jesse também se divertiu bastante vendo-a crescer. Mas no baile de sua apresentação à
sociedade estava impressionante; tanto que ficou sem fôlego. Talvez foi naquela noite, quando ele
percebeu que sempre a esteve esperando.
Anthony Miller parecia perfeito para ela. Era filho da família perfeita — sulina, aristocrática,
rica— E, além disso, era um cavalheiro. Anthony Miller era bonito e podia ser encantador.
Começou a cobri-la de elogios e estar sempre a seu lado disposto a cumprir os seus menores
desejos.
Jesse tinha que reconhecer que gostava de Anthony Miller; não tinha absolutamente nada
errado. Em Montemarte o ensinaram a aperfeiçoar todas as habilidades que se supunha que um
jovem devia dominar. Era cordial, correto, um filho leal e um jovem educado segundo o código
ético e os adequados ingredientes do cavalheirismo sulino.
Mas, simplesmente, não era adequado para Kiernan. Em questão de meses ela o teria
dominado.

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Jesse sorriu quando percebeu que ele se considerava o único homem adequado para
Kiernan. Quando a via brincando com outros jovens sempre pensou que só ele era apropriado
para ela. O único que a amaria e a compreenderia, o único que permitiria a ela ganhar alguma vez,
mas também o único que a conhecia o bastante como para não ceder sempre que ela desejasse,
não quando precisasse de uma mão firme.
Jesse sentiu tomado por uma vaga inquietação. Até esse dia nunca foi consciente de como
eram intensos seus sentimentos. Até que a acariciou no topo do escarpado sob a brisa que os
envolvia e sentiu a descarga do desejo que invadia a ambos, não soube.
Não soube que a avidez com que a desejava, nem que o desejo podia crescer até limites
inimagináveis. Sim, ele era o indicado para domesticá-la, para dominar seu ardor e as chamas e
ver como se consumiam transformados em beleza.
Ele era o homem adequado para ela...
Salvo que em breve deixaria de ser adequado para ela. Kiernan acreditava nas coisas
apaixonadamente, em seu sentido da lealdade, do bem e do mal.
Talvez ele estivesse errado sobre o que proporcionaria o futuro. O Congresso estava há anos
dividido e enfrentado com muitas questões. A Carolina do Sul já quis sua independência em uma
ocasião anterior e o velho Andy Jackson teve que ir até lá e deixar claro que a união era uma
união.
Mas talvez não estivesse enganado. Pode que o pesadelo que sentia, de que estava gerando
parte do destino e efetivamente explodisse uma tormenta que nenhum homem poderia parar.
Jesse não podia perdoar os atos de um fanático como John Brown, mas era difícil não considerar
algumas coisas que ele havia dito.
John Brown ia morrer de uma forma ou outra. Mas aquilo não acabaria ali, em Harpers
Ferry.
Havia certas coisas que não podia dizer a Kiernan. Podia tentar convencê-la de que Anthony
não era adequado para ela, que não era o suficientemente duro nem forte, maldição, que afinal
não estava apaixonado o suficiente. Mas tampouco Jesse tinha nada a oferecer, nada que ela
desejasse.
Anthony também se rendeu a seus encantos, pensou Jesse. Poucos homens eram imunes a
Kiernan. Sua delicada costa mereceria provar a vara de nogueira pelo que estava fazendo a
Anthony Miller. Jesse estava convencido que ela não amava Anthony. Mas Anthony era tudo o que
supunha que ela devia desejar. Era um perfeito cavalheiro sulino e estava claro que ela estava
brincando com ele.
Estava esperando, pensou Jesse com certo sarcasmo. No passado quando vivia em sua casa,
houve momentos nos quais esteve convencido que enquanto ele a observava, ela o observava
também. Houve momentos em que ele acreditava firmemente que foram feitos um para o outro,
eles nasceram para estar juntos. E talvez houvesse algo mais profundo. Sentiu ao acariciá-la,
comprovou-o ao beijá-la. Era algo tão doce, eletrizante e etéreo que devia ser mais antigo que o
próprio tempo.
Jesse tirou o chapéu pensando nessas coisas e inconscientemente levantou os ombros e

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ergueu em seus arreios. Era um engano, um engano fatal pensar em Kiernan desse modo. Naquele
momento o mundo dava muitas voltas. Seu mundo girava sobre um eixo instável, um eixo muito
precário. Tinha muito medo de que tudo o que conhecia e amava estivesse se encaminhando para
seu final. Não estava seguro de onde se posicionaria, mas cada vez era mais consciente de que
logo teria que escolher um lado. Teria que escolher de acordo com sua consciência. Muitas
pessoas a quem queria muito o odiariam por essa escolha. Jesse teria que aprender a viver com
seu ódio.
Mas um homem não podia trair a si mesmo e viver tendo traído seu coração e sua alma. Era
algo impossível.
Talvez Kiernan seria quem o odiaria com maior intensidade quando ele tomasse sua decisão.
Para Kiernan não existia meio termo.
Mas, mesmo assim, talvez as coisas evoluíssem de forma diferente de como ele imaginava.
Talvez a Carolina do Sul não votasse a favor da secessão. Talvez nenhum outro estado sulista
quereria seguir seus passos. Diabos, a Virgínia era o berço dos cinco primeiros presidentes dos
Estados Unidos. Melhor Virgínia não se cindiria da União. Havia alguns condados do oeste do
estado que não tinham nenhuma intenção de cindir-se.
— Então?— Disse Daniel.
—Então, o quê?
—O que o preocupa? A situação ou a garota?
—Ambas — disse Jesse, lacônico.
Daniel ficou em silêncio por um momento e então disse com desdém:
—Me parece que entre vocês dois está cozinhando alguma coisa há muito tempo, muito
tempo. Parece que...
—Me parece que não é assunto seu, irmão — disse Jesse em um ligeiro tom de repreensão.
Daniel riu.
—Conheço os dois a vida toda. Você e eu compartilhamos o mesmo sangue e ela e eu
compartilhamos muitas ideias, então acho que tenho o direito de falar.
—Você acha — apontou Jesse com ironia.
Daniel sorriu.
— Faça alguma coisa! Se case com ela antes que ela decida casar-se com Anthony Miller.
Jesse suspirou com exasperação.
—Não posso me casar com ela.
— Por que não, o inferno?
—Não a faria feliz.
—Ah, e Anthony Miller a fará feliz? Muito bem, que diabos, assim será se você diz.
— Ela não deveria casar-se com Anthony Miller. Não o ama — disse Jesse com franqueza.
—Muitas pessoas se casam com quem não amam —afirmou Daniel— E a algumas vão
completamente bem. Talvez ocorra o mesmo com Kiernan. Miller e ela têm tudo para que saia
bem: a mesma procedência social, os mesmos princípios. Como vocês dois
—Sim — murmurou Jesse—, como nós dois.

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Mas por seu tom de voz não parecia tão convencido. Não sabia como explicar a Daniel o que
sentia, porque eles também compartilhavam o mesmo berço. Deveriam compartilhar os
princípios. Jesse olhou para seu irmão disposto a dizer tudo o que pudesse.
—Daniel, haverá uma guerra.
—Não haverá uma guerra, Jesse. Um confronto na melhor das hipóteses. Depois de hoje, o
velho John Brown não estará em muito boa forma. Alguns de seus homens estão mortos e outros,
feridos. Não haverá uma grande batalha. Se não se render, acabarão com ele em questão de
minutos.
Sim entre os homens do velho John Brown havia doentes e feridos. Ele viu o jovem Oliver
Brown e não podia esquecer as palavras que disse seu pai: “Morre como um homem”. Ele foi capaz
de ver a luz, de acordo. O velho John Brown viu a luz.
— Brown é aterrorizante—disse Jesse em voz alta— Acredito que é o homem mais
assustador que conheci em minha vida!
—Maldição, Jesse, esse homem conseguiu te impressionar!—Daniel ficou um momento em
silêncio olhando-o— Diabo, Jesse, não acredita que esse velho fanático deveria ter saído bem!
Jesse sacudiu a cabeça enfaticamente.
—Não, não acredito. O que sei é que ele cometeu assassinatos em Kansas e que cometeu
assassinatos aqui. Demônio, eu não sou nem juiz nem júri, mas certamente o que ele fez aqui
pode ser considerado traição.
Jesse pensou nos jovens partidários de Brown que, aparentemente, perceberam de repente
que o que estavam fazendo podia ser considerado traição.
—Simplesmente não sei como descrevê-lo, Daniel. Há uma luz em seus olhos. Ele sabe que
vai morrer e sabe que seu filho vai morrer. Mas é como se tivesse em uma missão divina.
—É um fanático e merece a forca.
—Eu seria o primeiro em dizer que merece — admitiu Jesse e depois soprou devagar— Mas
deveria conhecer esse velho, Daniel. É assustador, eu juro.
—Nunca o vi temer alguma coisa, Jess — assinalou Daniel.
Jesse sorriu.
—Então nunca viu a realidade, irmão. Todo homem tem medo alguma vez em sua vida. Eu
não tenho medo de lutar corpo a corpo em uma batalha e acho que não tenho medo da morte.
Mas eu senti medo.
—Do quê?
—De coisas que não posso tocar, coisas que estão fora de meu alcance, coisas que nem
sequer posso compreender. De coisas que não posso intervir e de coisas que não posso evitar que
aconteçam.
Daniel olhou para ele. Por um momento, pensou que seu irmão Jesse ia fazer uma piada.
Mas então, enquanto Daniel o olhava nos olhos, percebeu que seu irmão sabia exatamente do que
estava falando.
—Só o tempo dirá Jesse.
—Sim, suponho.

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Ambos eram parecidos em muitos aspectos. Cresceram em Cameron Hall, onde incumbiram-
lhes os mesmos conceitos sobre o certo e o errado. Ambos tinham um profundo sentido de ética,
de lealdade e de honra. E ambos os poriam em prática.
Mas talvez tomassem caminhos completamente diferentes.
—Aconteça o que acontecer, Jesse, somos do mesmo sangue.
Daniel diminuiu seu ritmo e estendeu a mão sobre o abismo que os separava. Jesse apertou
a mão de seu irmão.
—O mesmo sangue, Daniel, aconteça o que acontecer.
—Façamos um pacto.
—Um pacto.
Apertaram as mãos no caminho, com firmeza, se olhando nos olhos. Então Daniel sorriu.
Ainda não tinha chegado a um impasse.
—Jesse, está terrivelmente sombrio esta noite.
—Foi um dia sombrio — pensou em Kiernan e sua voz suavizou— em sua maior parte.
—Sabe o que você precisa? Uma bebida!—Declarou Daniel, convencido.
Jesse sorriu fracamente.
— Talvez você esteja certo, caramba. O que eu preciso é de uma bebida.
—E dado que oficialmente ambos estamos de licença, seria uma boa ideia passar o resto da
noite bebendo — disse Daniel e esporeou seu cavalo para acelerar a marcha.

Foi um peculiar acumulo de circunstâncias que os levou até Harpers Ferry. Tão peculiar
como o que levou o tenente coronel Robert E. Lee, ser seu instrutor em West Point, e o tenente
Jeb Stuart, seu amigo em West Point e seu companheiro no exército, a uma situação de que
estava encarregado a marinha dos Estados Unidos. O presidente Buchanan só dispunha de uma
unidade naval no comando de Israel Green quando a notícia da revolta chegou a Washington.
Green veio imediatamente de Washington em frente de suas tropas.
Jeb estava em casa de alguns parentes no norte da Virginia, o chamaram de secretaria da
Guerra. Jeb tentou um novo sistema para segurar o sabre no cinto. Ele estava interessado em
vender a patente e o governo interessado em comprar. Jeb estava esperando a decisão quando as
coisas aconteceram muito rapidamente e foi enviado para Arlington Hall para trazer de volta o
coronel Lee.
Já havia enviado Jesse na noite anterior. O velho general Winfield Scott soube que algo
acontecia e embora naquele momento só tratasse de rumores — Brown estava escondido sob o
pseudônimo de "Smith"—, o veterano combatente intuiu que o pior estava por chegar. Por outro
lado, Daniel estava com Jeb naquele momento. Stuart se ofereceu como voluntário para ajudar
Lee e Daniel se ofereceu como voluntário para ajudar Stuart.
Agora os dois irmãos cavalgavam para o hotel Wager para tomar uma bebida. Dado que
nenhum dos dois estava oficialmente destinado àquela unidade, ambos tinham liberdade para se
alojar onde quisessem e escolheram esse hotel. Deviam reunir com Lee e Jeb às seis da manhã do
dia seguinte.

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Cameron 1

Quando chegaram ao hotel Wager descobriram que o bar era cenário de um inflamado
debate sobre a situação.
—E se tomamos a bebida em cima? —Propôs Jesse a seu irmão.
—Parece bom.
Deixaram os cavalos no estábulo e Jesse foi direto para o quarto. Daniel comprou uma
garrafa de uísque Kentucky e a levou para cima. Ambos compartilharam a bebida enquanto Daniel
informava a Jesse da situação em Cameron Hall.
O casarão da fazenda das restingas pertencia agora a Jesse, por ser o primogênito. Mas a
propriedade também incluía uma vasta extensão de terra onde havia muitas outras construções
elegantes, das quais compartilhavam a responsabilidade. Os três membros da família, Jesse,
Daniel e Christa tinham um acordo tácito segundo o qual se um deles se casasse, teria o direito de
estabelecer domicílio nos terrenos da propriedade.
Jesse pensava que, na realidade, Daniel conhecia a terra muito melhor que ele. Sentia um
pouco mais próximo. Jesse amava Cameron Hall e a história de sua família, mas talvez não tanto
como Daniel.
Nesse momento se perguntou novamente se poderia cedê-la algum dia. Ninguém pediu que
fizesse. Ainda.
Depois de um tempo os irmãos ficaram em silêncio. Em um silêncio confortável. Daniel,
então, bocejou.
— Eu ainda não entendo, Jess.
— O que você não entendeu?
—Você e Kiernan. Por que não a coloca simplesmente em seu cavalo e a leva?
Já o fez, disse Jesse; tinha feito exatamente isso àquela mesma tarde. Podia ter cavalgado
com ela até o infinito. Podia tê-la beijado e ter deixado que esse beijo se transformado em algo
mais. Se alguma vez voltasse a beijá-la, pensou, tornaria em algo mais. Ele não era Anthony Miller,
não era tão cavalheiro como ele e certamente estava seguro de que entre Kiernan e ele os
convencionalismos não tinham nenhum sentido.
—Quero que seja ela quem escolhe — disse Jesse.
Daniel bufou.
—Entre Anthony Miller e você?
—Anthony Miller não tem nada de errado — se ouviu dizer Jesse.
Sob o luar que banhava o quarto quase parecia sorrir.
—Eu gosto de Anthony Miller—disse Daniel— Mas repito: que escolha o quê?
Jesse sorriu. Ele tomou um gole de uísque e devolveu a garrafa a Daniel.
—Obrigado, irmão —e aspirou profundamente— Maldição, em breve terão que escolher
muitas coisas. Vamos dormir. Logo amanhecerá.

Amanheceu.
Às sete e meia as tropas de assalto estavam estacionadas em frente ao edifício de
bombeiros. Lee, de acordo com o regulamento e protocolo, ofereceu às unidades da tropa que

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realizassem a primeira carga contra a posição de Brown. Os comandos da tropa declinaram a


oferta. Muitos de seus membros eram pais de família. As tropas federais cobravam por arriscar a
vida.
Israel Green, como oficial da Marinha no comando, disse a Lee, em um tom muito formal e
cerimonioso, que seus homens estariam orgulhosos em iniciar o ataque. A John Brown ofereceram
uma última oportunidade para se render. Jeb Stuart transmitiu a Brown às condições de Lee.
Jesse acompanhava Jeb Stuart quando este informou os ditos termos a Brown. Jeb leu as
ordens do coronel, que certificavam em primeiro lugar que a autoridade de Lee provinha do
presidente Buchanan dos Estados Unidos. Logo exigiam a libertação dos reféns e terminava
advertindo a Brown que ele não tinha saída. Se eles se rendessem e deixasse a sala de armas, o
coronel Lee iria protegê-los até receber novas ordens do presidente. Se Brown não se rendesse,
Lee não poderia garantir sua segurança.
Velho John Brown abriu a porta alguns centímetros e disse a Jeb que queria recuperar a
liberdade para conduzir seus seguidores de volta a Maryland, através do rio.
Ouviu um clamor procedente dos reféns que havia no interior.
—Obriguem Lee a modificar suas condições! —Gritou alguém.
Então ouviu outro grito entre os prisioneiros.
—Não se preocupem conosco! Atirem!
Jesse sorriu. Reconheceu a voz do coronel Lewis Washington. O espírito da revolução
continuava vivo, pensou.
Não pôde ouvir o que aconteceu depois, mas Stuart e Brown ficaram um momento
conversando. Finalmente, Brown declarou:
—Tenente, pelo que vejo não conseguimos entrar num acordo. Vocês nos superam em
número, mas também sabe que nós, os soldados, não temos medo de morrer. Estou disposto a
morrer por um tiro ou enforcado.
—É sua resposta definitiva, capitão? —Perguntou Jeb.
Por um instante houve silêncio. Um sol radioso começou a espreitar no céu da manhã. Jesse
ouviu os pássaros piar e cantar.
Olhou a seu redor. Seu antigo instrutor em West Point, o galante e indomável Robert Lee,
estava a certa distância, junto a um pilar de um dos edifícios.
Ele não estava armado. Ele acreditava que era uma situação que não implicaria
consequências significativas e que os fuzileiros navais resolveriam com rapidez e eficácia.
Era somente isso. Lee tinha razão. Por que Jesse insistia em dar mais importância?
—Sim — disse simplesmente Brown.
Stuart se afastou e agitou o chapéu. Era o sinal combinado para que Israel Green enviasse
seus soldados armados somente com suas baionetas, para evitar o risco de ferir os reféns.
Os marines começaram a bater com marretas nas pesadas portas. A madeira se moveu,
rangeu e estilhaçou, mas não cedeu. Deram ordem para deter e montou um aríete. Os homens
abriram uma brecha irregular nas portas e irromperam por ela. Jesse entrou atrás deles.
Tudo acabou muito rapidamente. Os marines entraram segurando suas baionetas prateadas.

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Assim que o coronel Washington deu boas vindas e assinalou Brown, Green avançou contra ele e o
derrubou.
Os rebeldes varreram com seus disparos o quartel de bombeiros. Um marinhe agarrou o
estômago e caiu junto à soleira. O edifício começou a encher de fumaça. Um grupo de soldados
ocupou rapidamente todo o interior e um dos assaltantes foi assassinado imediatamente. Outro,
ferido, foi arrastado para fora.
O coronel Lewis colocou as luvas antes de abandonar o edifício dos bombeiros. Jesse ia
atrás; estava ajudando um dos reféns a sair, quando Washington saudou um amigo.
—Lewis, companheiro, como você está?
—Faminto como um cão e seco como um corno cheio de pólvora.
Jesse ouviu as palavras do desalinhado Washington e voltou a sorrir comovido pelo espírito
e o orgulho daquele homem.
Esta é a grandeza que nós criamos aqui na Virginia, disse. Nós criamos esta raça de homens!
Ele percebeu que isso era parte do que ele tinha medo de perder.
Saíram mais algumas pessoas, mas Jesse não podia atender os que estavam ilesos e
pudessem andar. Seu primeiro dever era lidar primeiro com os civis, depois os marinhe... e em
seguida os rebeldes.

Mais tarde, Jesse soube por Jeb Stuart que mudaram John Brown para um quarto do Wager.
Stuart, o senador Mason, o governador da Virginia Henry Wise, um congressista de Ohio, o coronel
Washington e o congressista Faulkner da Virginia se reuniram ali para interrogar Lee.
Segundo Jeb, estiveram fazendo perguntas durante horas. John Brown não queria incriminar
ninguém, mas foi absolutamente sincero com respeito a si mesmo e a seus propósitos. Disse que
unicamente pretendia libertar os escravos, que não queria fazer mal a ninguém mais. Quando
recordaram que morreram pessoas inocentes, assegurou que não conhecia nenhum homem ou
mulher de bem tivesse sido ferido. Jeb reconheceu que Brown era um homem extraordinário. Um
fanático, um homem condenado, mas também muito mais.
Enquanto interrogavam Brown, Jesse fez o pôde pelos feridos. Outro dos filhos de John
Brown, um garoto chamado Watson, esteve agonizando por toda tarde. Não podia fazer nada por
ele, mas devido a sua participação nos fatos, também submeteram Watson a um interrogatório
interminável.
Atirado na grama havia um moço chamado Anderson esperando a morte. Quando o garoto
ainda respirava, um homem passou a seu lado e comentou cruelmente que estava custando muito
a morrer. Mas finalmente sua morte silenciou as vozes de seus algozes.
Por fim cavaram uma vala e enterraram as vítimas, exceto o cadáver de Anderson. Doutores
de Winchester o reclamaram. Jesse apertou os dentes quando se soube que o menino havia sido
jogado de cabeça em um barril e, em seguida, apertando com tal força que sangue, ossos e
tendões se tornaram em uma massa uniforme.
O mau não era que o corpo de um moço que nem sequer compreendia que estava
comprometido em uma traição fosse destinado à pesquisa médica. O que parecia horrível era que

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um ser humano pudesse ser maltratado desse modo e o privassem de uma morte digna.
Aquilo para Jesse foi o golpe final. Fez tudo que pôde. Examinou aos feridos, entrou com as
tropas de assalto e atendeu novamente os feridos
Não queria saber nada mais de Harpers Ferry. Aquele lugar, que sempre pareceu plácido e
bonito, nunca mais voltaria a ser como antes. Houve algo nos maus trato ao cadáver de Anderson
que para Jesse foi à gota d’água. Quando eles levaram o barril rolando e ele chegou muito tarde
para poder intervir de alguma forma, foi como se algo rompesse em seu interior. Isso
desencadeou uma tempestade com uma força que nunca tinha imaginado.
Ele montou em seu cavalo. Provavelmente deveria ter procurado Daniel, mas não sabia onde
seu irmão estava. Estava zangado, mas não tinha forma de canalizar sua ira.
Curiosamente, sentia como se o tivessem ferido, mas não sabia por que se sentia assim.
Em suma, Jesse era como uma tempestade preste a explodir.
Aquele era o melhor momento para se manter longe, muito longe, de Kiernan.
Mas não ficou, e logo percebeu que cavalgava para a casa de Lacey.

Kiernan não esperava ver Jesse tão cedo aquele dia. Ela se aventurou a sair à rua assim que
soube que tudo terminou, que haviam tomado o quartel de bombeiros e que John Brown estava
na prisão. Mas não foi muito longe. Viu o que as pessoas fizeram aos feridos e aos cadáveres dos
rebeldes no dia anterior. Embora horrorizasse que em Harpers Ferry tivessem morrido pessoas
inocentes por culpa dos rebeldes, não podia evitar que a afetassem alguns dos atos de represália.
Ela era uma dama da Virgínia, disse a si mesmo aquela manhã, ao se ver refletida no
espelho. Era delicada, sensível e vulnerável, e supunha que não devia estar exposta a nada errado.
Mas sabia que não era delicada absolutamente e nunca permitiu ser muito vulnerável. O que
aconteceu foi simplesmente horrível e não queria ver nada mais.
Ela estava sentada na sala lendo um exemplar da imprensa de Maryland, quando ouviu uma
batida forte na porta dos fundos. Sobressaltou e ficou um momento alerta e em silêncio. Não
esqueceu que tentaram sequestrá-la e leva-la como refém, e não era imune a certa sensação de
inquietação diante de qualquer indício de perigo, mas os sequestradores não batem na porta, não
de forma tão violenta certamente. Lacey atreveu-se a sair quando tudo já estava calmo, para
saber das últimas notícias sobre o que acontecia no hotel.
Kiernan levantou, correu para a porta e a abriu de par em par já que os golpes ameaçavam
fazendo saltar as dobradiças.
Ali estava Jesse. Ele usava o chapéu de plumas caído descuidadamente na testa e a capa
regulamentar do uniforme, que chegava até os joelhos, jogada sobre os ombros.
—Jesse! —Murmurou ela e deu um passo atrás.
Mal podia ver seus olhos, ocultos sob a sombra da aba do chapéu. Mas captou uma enorme
tensão em seu interior, uma energia ainda maior do que Jesse irradiava normalmente.
—Não esperava você nem Daniel, ainda. Francamente, não preparei nada. Mas, sinto muito,
entre. Não pretendia ser mal educada. Certamente há algo para beber e...
Sua poderosa presença cruzou a soleira. Ele tirou o chapéu e por fim ela pôde ver seus olhos.

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Eram escuros e pareciam dominados por um torvelinho de emoções.


—Não preciso beber nada.
—Então...
—Veem comigo — disse simplesmente.
Kiernan olhou-o e percebeu que o humor dele era perigoso. Moveu a cabeça com incerteza.
—Jesse, Lacey não está aqui. Foi...
—Deixe uma nota — ordenou ele.
Ela deveria ter dito que fosse ao diabo por se atrever a dar ordens. Nenhuma dama jamais
faria algo assim, mas ela nunca teve a intenção de ser a dama perfeita com Jesse.
—Jesse, deveria mandá-lo diretamente ao inferno! —Sussurrou baixinho.
Ele colocou a mão na porta e se aproximou dela. Seu rosto estava apenas a uns centímetros.
—Mas não fará não é?
Apesar de sua arrogância havia certo desespero em suas palavras.
Kiernan percebeu, pela primeira vez, que Jesse precisava dela realmente, como adulta.
Como mulher.
Levantou o queixo.
— Eu vou com você, Jesse—disse— Desta vez.
Ele não sorriu, nem pareceu notar o sarcasmo. Deu absolutamente por certo que ela iria
com ele. Mas Kiernan sabia que ela precisava estar com ele, do mesmo modo.
—Agora mesmo volto — murmurou.
Escreveu na cozinha uma nota para Lacey, dizendo unicamente que estava com Jesse. Subiu
correndo a seu quarto para pegar uma capa e voltou a descer a toda pressa.
Jesse continuava junto à porta traseira, caminhando de um lado a outro pelo pequeno
vestíbulo como se fosse um leão enjaulado. Kiernan sentiu um intenso calafrio. Finalmente, ele
parou de girar, sem perceber que ela tinha retornado, e contemplou o pátio e brilho dourado e
cinza de crepúsculo outonal. Os suaves raios do sol da tarde refletiam sobre as rochas e as
piçarras1 das montanhas. Olhava, pensou Kiernan, mas não via.
—Jesse — disse baixinho.
Imediatamente, seu olhar azul e profundo voltou-se para ela. Ele abriu a porta e continuou a
observá-la enquanto saía da casa. Sem dizer nada.
Seu esbelto cavalo esperava no pátio. Jesse a subiu no animal e depois montou atrás com
descuidada destreza. Ela pensou que dado seu estado de ânimo, levaria de novo a galope, mas
saíram do pátio ao passo e em seguida ele parou.
— O que há, Jesse?
— Eu não sei para onde ir— reconheceu com total frustração.
Kiernan sabia que devia ficar calada, completamente em silêncio. O estado anímico de Jesse
não podia ser bom para nenhum dos dois.
Mas algo desse ânimo selvagem, imprudente e inclusive atormentado estava penetrando em
seu coração, em seu corpo e em sua alma como os ventos escuros de uma tempestade.
1 Piçarra : Terra misturada com areia e pedras; cascalho ; 2. Pedra ou pedreira de xisto.

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— Vá para o oeste, nas margens do rio — disse ela.


Atravessaram em silêncio a cidade e baixaram até o caminho que margeava a água.
Passaram junto ao velho moinho e seguiram cavalgando até que estiveram a vários quilômetros da
cidade. Ouviam as correntes da água limpa que formavam as correnteza, mas a vegetação e as
árvores que cresciam na faixa de terra entre o rio e a estrada, impedindo-os de vê-las.
— Vire aqui— aconselhou Kiernan.
Se eu tivesse dito não, Jesse possivelmente não teria visto o atalho estreito e cheio de mato
que chegava até a água. Mas ele não questionou sua decisão. Sabia que estavam perto de
Montemarte, a casa dos Miller.
Praticamente em cima da água havia uma pequena cabana de pesca de madeira, com um
cais construído sobre as rochas. Sob a tênue luz do entardecer, o abrigo mal era visível.
Kiernan notou que Jesse hesitava, captou uma virulência ainda maior que crescia em suas
vísceras.
—É de Anthony? —Perguntou secamente.
—De seu pai — respondeu ela com franqueza.
Jesse veio a ela em busca de um lugar aonde ir e ela foi suficientemente generosa para
oferecer esse tranquilo refúgio.
Jesse esporeou o cavalo para que avançasse. Desmontou junto à cabana e a ajudou a descer.
Ela deslizou em seus braços, mas ele a soltou em seguida e desceu para o rio, junto à choça. As
águas estavam baixas. Apoiou sua bota negra sobre uma pedra e contemplou o constante fluir da
corrente.
Kiernan entrou na cabana sem prestar atenção. Ali não havia quase nada. Reabilitavam-na
todos os verões, depois que as águas subissem e retirassem. Havia uma lareira, um fogão para
fazer café e uma frigideira para fritar o pescado que tivessem conseguido. Havia uma mesa tosca,
quatro cadeiras e um catre no extremo oposto do quarto. Um suporte com uma reserva disponível
de uísque e tabaco e alguns copos.
Anthony e ela foram os últimos em ir ali, pensou Kiernan, final do verão, não há muito
tempo. Num plácido entardecer, enquanto os outros homens discutiam política, Anthony os
abandonou para ensiná-la a pescar.
Foi agradável. Nada excitante, simplesmente uma forma de passar uma tarde agradável.
Kiernan agarrou uma cadeira e subiu em cima para pegar o uísque. Talvez Jesse quisesse um
copo quando entrasse na cabana.
Mas assim que subiu na cadeira, a porta se abriu.
Jesse estava na soleira. O agônico reflexo alaranjado da tarde realçava sua silhueta sob a aba
da capa azul marinho e o chapéu de plumas.
Na penumbra crescente, com o fluir febril das águas que alimentavam a correnteza a suas
costas, Kiernan captou sua temeridade, sua energia e dinamismo com uma certeza que nunca
havia sentido. Deixou de procurar os copos e limpou as mãos na saia olhando-o, sentindo a paixão,
o fogo e a ansiedade que havia em seu interior. Kiernan tinha a boca seca. Seu coração pulsava
com força. Parecia que o sangue fluía por suas veias com a mesma fúria e rapidez com as que as

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águas rodeavam e saltavam sobre as rochas.


Ela percebeu que Jesse não queria uma bebida.
Queria ela.

Capítulo 6

De repente, Jesse fechou com força, foi até ela com passos largos e parou na frente da
cadeira. Kiernan não disse nada e olhou no fundo daqueles olhos azuis cobalto.
Supôs que ele teria muito a dizer que ia falar e ouvir, que acalmaria a angústia que tomou
sua alma. Pensou que ambos compartilhariam muitas palavras.
Mas não houve nenhuma. Ele a agarrou e a rodeou com seus braços. A energia, a paixão e o
calor de seus braços eram tão fortes que, instintivamente, também o abraçou e, por um longo
instante, Jesse apoiou a cabeça em seu peito. Realmente se acalmava, pensou.
Mas a sua era uma ferocidade que não desejava ser acalmada.
Enlaçou as mãos ao redor de sua cintura e a levantou da cadeira. Ela deslizou devagar,
insinuante, agarrada a seu corpo. Voltou a sentir todas as coisas que sentiu naquele abraço
anterior. Sentiu seu corpo, a força daquela penetrante corrente de paixão. Sentiu a poderosa
fortaleza de seu torso, a dureza de suas coxas. A demanda impaciente de seus quadris e o
insaciável ímpeto daquilo que jazia entre sua virilha.
Seus lábios famintos acariciaram sua boca. Ele não pretendia seduzi-la lentamente, não
havia nada deliberado nesse beijo. O roce de seus lábios a consumiu. Não pretendia entrar
sutilmente; afundou a língua entre os lábios e os dentes e exigiu a doçura de sua boca.
Os braços de Jesse a sustentavam de uma forma mágica, com fogo, ardor e veemência, com
algo que penetrou profundamente no corpo e exigiu uma resposta.
Ele se afastou e baixou os olhos para olhá-la sob as sombras que projetava o sol do
crepúsculo. Durante um instante muito, muito longo, ela não se moveu. Ambos se olharam,
prisioneiros da turbulenta e temerária excitação que crescia violentamente entre eles. As
sensações devoravam Kiernan: fome, ansiedade e sentimentos escuros e proibidos.
Ela já os imaginou antes. Já saboreou aquelas maravilhosas e dolorosas pontadas entre seus
braços. Ele começou a beijá-la outra vez.
Ela fechou os olhos e deslizou os braços ao redor de seu pescoço. Ao receber seu beijo,
descobriu uma sede e um desejo novo que estremeceram seus lábios. Estava aprendendo muito
depressa o que devia fazer com os lábios. Uma sensualidade instintiva crescia e florescia em seu
interior, ali na cabana de madeira, no entardecer de um dia banhado em sangue, escuro como o
carmesim do sol poente. Seus lábios se encontraram uma e outra vez; as bocas abertas, os beijos
famintos e úmidos, beijos que uniam seus lábios e seus corpos, que provocavam o ardor abrasador
daquele toque suave que acendia um fogo intenso no coração de um desejo incontrolado.
Kiernan sabia em todo momento o que estava fazendo. Sabia ante que ele afastasse os
lábios de sua boca para beijar os lóbulos e as faces, deslizasse provocativamente pela coluna
estilizada de seu pescoço, para deter sobre seu pulso e seguir explorando sua clavícula.

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Jesse fez cair a capa no chão ao acariciar suavemente seus ombros com os dedos. Seus
lábios percorreram novamente a pele nua do pescoço.
As coisas que fez com a língua...
Ela sentiu desfalecer; aquela carícia já havia penetrado em seu corpo. Um torvelinho de
sensações a dominou e a fez tremer. O calor era tão doce como o néctar que saía que a acariciava
por fora e por dentro. Concentrou tanto naquela maravilhosa sensação que mal percebeu que
Jesse tinha descoberto em suas costas os colchetes e os botões de seu vestido de algodão. Nem
que o estava perdendo pouco a pouco, quando o fez cair abaixo de sua cintura.
Seus dedos levantaram o delicado tecido da regata e Jesse apertou os lábios na pele que que
até então ele cobria. Com a mesma calidez úmida tocou a seda fina que se adaptava à perfeita
taça de seu seio. Acariciou e mimou a pele que havia sob o tecido úmido, ali onde se erguia um
mamilo endurecido.
Aquela sensação de êxtase abrasador se movia como um raio. Acariciou o seio e, igual a seu
beijo, acariciou muito mais. Expandiu como os raios de sol no verão, desceu em espiral até seu
estômago e mais à frente, penetrando naqueles lugares íntimos entre suas coxas... lugares
proibidos.
—Oh, Jesse!
Finalmente, ela sussurrou seu nome, não em sinal de protesto, mas maravilhada. Se
descobriu entre seus braços, abraçada com força à malha áspera de sua capa de cavalaria. Quando
ele a levou para cama, não o evitou.
Não se importou o pó que sobre a manta de lã e no colchão que havia debaixo.
Provavelmente no quarto fazia frio, mas ela não notou. Nada importava. Como qualquer outra
jovem, Kiernan pensou frequentemente nessa primeira vez. Pensou, considerado e imaginado
frases floridas e cavalheiras sob a suave luz de velas e com o aroma de rosas no ar.
Mas nada daquilo importava, não importava absolutamente.
Nem sequer importava que as palavras de Deus não os tivesse abençoado como homem e
mulher.
Ela estava com Jesse e confiava nele tanto quanto o queria. Possivelmente aí residia a beleza
daquele encontro na fria e gasta cabana do bosque.
Quando ele viu o pó, colocou-a de pé, tirou a capa dos ombros e colocou-a objeto sobre o
catre com o suave forro para cima. Então voltou para ela e de novo voltou a ficar quieto; Kiernan
percebeu que ele também estava tremendo.
Quando afastou um cacho dos ombros, ela observou o leve movimento de seus dedos. Jesse
afundou o rosto em seu cabelo e aos poucos ela voltava a estar entre seus braços, saboreando seu
beijo, provando a doçura, o mistério e as sensações fascinantes que anunciava.
Ele descobriu mais colchetes e ela notou que o vestido caía a seus pés em um suspiro,
deixando com o corpete, uma regata fina, as anáguas e meias.
Jesse era um amante experiente, pensou. Apesar do ardor e da precipitação estava
familiarizado com a complexidade de seu traje. Era capaz de beijá-la, incitá-la e atormentá-la sem
separar os lábios de sua pele. As anáguas caíram enrugadas ao chão. A suavidade da regata

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rasgada e a malha que rangia sobre sua pele nua eram tão sensuais como sua carícia. Kiernan
seguia fascinada por sua boca e por aquela umidade abrasadora quando ele desatou os laços do
corpete e o jogou longe.
Os ombros e os seios nus ficaram expostos diante de seus olhos.
Então, ele parou um instante para contemplá-la. Na penumbra, seu olhar lançava labaredas
que incitavam e inflamavam tanto seu desejo como seu acanhamento, uma necessidade de se
deixar ver e ocultar-se ao mesmo tempo. Mas antes que ela pudesse reagir ao fogo que ardia em
seus olhos, estava de volta em seus braços.
Finalmente houve palavras, palavras que acariciavam sua pele em quentes sussurros. Que
diziam que era preciosa. Palavras de poesia...
E palavras de puro desejo.
Kiernan se viu de novo empurrada, arrojada, terna e brutalmente sobre o forro acetinado
da capa. Ele deitou rapidamente a seu lado. O roce de seus dedos e a calidez de sua língua
percorreram o montículo dos seus seios, explorando os contornos e a pele de cor mel, e avivando
de rubor carmesim naqueles picos que esticavam instantaneamente com sua carícia.
Ela sabia que aquele beijo podia penetrá-la profundamente. Naquele momento arrasava o
caminho com tanto ardor que negava sua consciência. Só sentia desejo. Quando ele desfez o laço
de suas calças, ela arqueou contra a palma de sua mão. Um rubor — levemente rosa na penumbra
da cabana— tingiu suas faces. Mas ouviu o timbre grave de sua risada de prazer e quando seus
lábios voltaram a se encontrar, os sussurros de Jesse mitigaram essa vergonha.
Estava há tanto tempo desejando-a... esperou e sabia; sempre soube que, como os
vendavais do verão que varriam as restingas, algum dia chegariam a isso.
Despojou da roupa interior e tirou seus sapatos.
Tirou as meias de uma forma tão erótica... Ela nunca havia imaginado que a roupa pudesse
ser removida assim. Os dedos acariciavam suas coxas com a ligeireza de uma pluma e subiam para
o coração da chama.
Sob essa luz, seus ombros apareciam largos e bronzeados, peito salpicado de tufos de cabelo
preto. Era muito musculoso, mas também magro, com o estômago firme e os quadris estreitos.
E com aquela escura cavidade entre suas coxas tão apaixonada.
Só pode vê-lo completamente por alguns segundos, porque ele se colocou sobre ela e
separou suas coxas. Kiernan lançou um grito sufocado quando seu sexo a tocou, duro como o aço,
mas ardente como o fogo ao contato de sua pele. Apesar do leve sorriso em seus lábios, seu rosto
continuava muito tenso. Voltou a olhá-la fixamente. Ela sentiu que ele estremecia e soube que,
por muito que a desejasse, Jesse se retiraria nesse mesmo instante se ela assim quisesse.
De repente o sol se ocultou ainda mais. Uma luz escarlate penetrou na cabana e varreu as
sombras. A pele de Jesse se tornou vermelha; ela levantou uma mão e viu que também estava
apanhada naquele intenso reflexo.
Como o reflexo do sangue.
Kiernan começou a tremer e de repente teve muito medo. Mas não tinha medo de Jesse.
Desejava abraça-lo com mais força que nunca.

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—Jesse — murmurou.
— Isso não está certo— disse ele—. Eu não deveria estar aqui com você. Eu não devia tê-la
arrastado. Eu nunca deveria te tocar. Neste momento, seu pai teria todo o direito de me apontar
no coração com um rifle.
Ela pestanejou e afastou aquela imagem provocada pela luz vermelha. Deixou de tremer.
Sua alma estava em chamas, seu corpo ardia. Desejava acariciar sua pele, passar os dedos sobre a
musculatura de seus ombros largos, conhecer as ondulações de seu ventre, apertar os lábios
contra seu peito. Acima de tudo, queria acalmar o desejo que sentia por dentro. Ela queria
preencher aquele vazio.
Ergueu-se, acariciou sua face e disse uma verdade que nunca acreditou que se atreveria a
dizer.
—Eu amo você, Jesse.
Ele deixou escapar uma praga e ela foi arrastada novamente por seu abraço. Sentiu o ardor
de seus beijos e como em seu interior começava a crescer e a estender o fogo e a paixão. Ele
desfrutou com fome de seus seios.
Ela também o saboreou faminta. Retrocedia e voltava a apertar os lábios contra seus ombros
e seu pescoço, riscando suaves e úmidos desenhos sobre os músculos tensos de seu torso.
De repente ele se moveu em cima dela. Empurrou com o joelho, separou as coxas e a
obrigou a abrir ainda mais com o peso de seu corpo. Kiernan sentiu de novo o roce erótico de suas
mãos. Os dedos a tocavam e a exploravam com maior audácia. Notou que a acariciava
intimamente naquele lugar onde ela acreditava sentir o espiral do ardor com maior intensidade.
Um grito rasgou seus lábios e se revolveu contra ele. Mas Jesse seguiu acariciando-a, mais
profunda, mais intimamente.
Seduzindo-a...
Desabou uma tempestade em seu interior e ela se balançava e se ondulava com suas
carícias. Uma faísca acendeu em seu interior e, com cada carícia, ele avivava aquele fogo mais e
mais. Jesse voltou a mover e ela acreditou que a partiria com seu corpo. Incrível, inconcebível,
exigia mais e dava mais. Seguia beijando na parte superior das coxas.
Tinha que protestar sabia que devia protestar; como sabia que suas faces estavam coradas.
Tentou sussurrar seu nome, mas não pôde pronunciá-lo.
Não podia protestar. As sensações eram muito intensas; a ânsia, muito grande.
Então, Jesse foi mais à frente em sua ousadia e ela sentiu a cálida umidade de seu beijo, de
sua língua, na parte mais íntima de sua pele virginal. Nada, nem o vento, nem o fogo, nem o gelo
do inverno, poderiam provocar jamais essa sensação. Ofegou e tentou se defender, mas ele
entrelaçou seus dedos com os dela.
O êxtase era tão doce que era angustiante. Ela não aguentava mais. Sentia-se fraca,
atordoada, estava tremendo e sabia que tinha que alcançar a explosão prometida, ou morreria em
breve por causa da intensidade e o desejo.
Foi então que ele a tomou, justamente quando precisava dele desesperadamente. A dor foi
rápido e eletrizante. Ela gritou, atônita, e cravou as unhas na pele dele.

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Mas imediatamente desapareceu!


Esteve vazia e agora estava cheia. Seus beijos a sustentaram enquanto a força de seu corpo
entrava em seu interior, muito dentro, profundamente. Uma espada de veludo a partiu em duas e
mergulhou na agonia e na certeza de que não poderia suportar aquela invasão.
Mas seu beijo, sua carícia, esse movimento suave e arrebatador... Tudo veio para dar vida
aos seus sentimentos e a suas sensações. A agonia cedeu e um êxtase crescente e doce voltou a
impor. Ele se moveu muito devagar, penetrou nela até que a fez gritar e depois levantou-se de
novo. Em seguida se moveu outra vez, devagar, cruelmente devagar...
Até que ela se apertou contra ele. Até que a necessidade que sentia em seu interior foi tão
intensa e tão forte que não pôde suportar sua ausência. Oh, como crescia essa necessidade! De
novo ele a mimou, beijou-a nos seios enquanto se movia. Ela se arqueou, se agarrando a ele e
retorcendo.
De repente seus braços a rodearam com força e Kiernan soube que Jesse já não esperaria
mais. Ela se arqueou e ele aproveitou de bom grado esse desejo; deixou-se cair sobre ela,
profunda, dura e rapidamente, com um ritmo que se acelerava com cada pulsação. Ela perdeu a
noção de tudo o que a rodeava. Ouvia a água batendo contra as rochas e aquele som a invadiu.
Sentia fome, desejo, ânsia. Necessitava tudo o que recebia, mas o prolongava e não sabia por que
o fazia. A doçura e o êxtase a embargaram, até que pensou que morreria por isso, que explodiria,
enquanto ele seguia movendo.
Então, Kiernan acreditou morrer, acreditou que seus sentidos explodiam. Uma
entristecedora explosão de luz a rodeou, o sol lançou seus raios e pareceu que milhares de
estrelas ardiam e se refletiam sobre ela ao mesmo tempo. Não podia mover, pois as estrelas
desapareceram e o mundo inteiro se obscureceu durante um instante quando recuperou a visão,
cascatas de estrelas caíram sobre ela. Seu corpo irradiava calor e um néctar doce e quente se
estendeu por seus membros, até que seu corpo foi sacudido por tremores.
Então sentiu Jesse. Sobre ela, terrivelmente tenso, com os músculos contraídos e tensos,
voltava a entrar nela com um ímpeto profundo. Em seu interior crescia um fogo suave que a
enchia. Assombrada, descobriu que aquilo provocava uma nova onda de prazer em seu corpo,
como pequenas e maravilhosas réplicas do esplendor.
Jesse apoiou um segundo seu peso sobre ela e depois se afastou de um lado. Enlaçou-a com
seus braços e a atraiu para si. Ela descansou a face contra sua pele suada e brilhante de seu peito
e deixou cair os cílios sobre os olhos. Nunca sentiu tão exausta.
Nunca experimentou algo tão maravilhoso.
Jesse acariciava seus cabelos em silêncio. Kiernan tampouco podia falar porque não sabia o
que dizer. Uma coisa era ter compartilhado algo tão absolutamente íntimo no calor do momento,
mas agora recordar tudo aquilo fazia a fez corar. De repente, enquanto o frio da noite caía sobre
ela e a escuridão começava a substituir as múltiplas cores do pôr do sol, Kiernan percebeu que não
deveria ter feito. Aquilo horrorizaria seu pai e é claro horrorizaria a qualquer homem ou mulher de
seu mundo.
Ela nem sequer beijou Anthony de verdade.

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Anthony nunca teria pensado em fazer amor desse modo. Não seria apropriado. Se ela se
casasse com Anthony, provavelmente passariam anos juntos sem conhecer um ao outro tão
intimamente como ela conhecia Jesse agora.
Entretanto, aquilo não podia ser incorreto. Ela amava Jesse. Ela disse. Ele deu a
oportunidade de parar o que acontecia a eles.
O ar fresco provocou um calafrio.
— Você está com frio? — Perguntou Jesse.
— Muito — sussurrou ela.
Ele a abraçou mais estreitamente e beijou a testa dela, em seguida, impulsionando seu
corpo rolou por cima dela e ficou de pé num salto. Nu e confortável em sua nudez aproximou da
lareira e se agachou.
—Há ramos seco — ele murmurou.
Voltou para pegar a mecha2 que levava na calça e em poucos minutos conseguiu acender um
fogo acolhedor. Sem esperar que o calor da lareira a reconfortasse, Kiernan agasalhou com sua
capa azul de cavalaria. Não estava certa se envergonhava de seu comportamento, mas era incapaz
de sentir tão confortável diante de Jesse como ele estava diante dela. Quando ele se aproximou
de novo, ela estava sentada olhando com certo nervosismo.
Ele sorriu. Seu cabelo negro estava completamente despenteado; algumas mechas cor
ébano caíam sobre a testa. Parecia mais jovem que o homem que a levou até ali naquele
arrebatamento. Sorria de um modo malicioso e travesso, mas também cheio de humor e ternura.
—Quando entrei vi que pegava o licor. Precisa de uma bebida agora?
—Sim. Não... quero dizer, não preciso de uma bebida. Na realidade não deveria beber
uísque. As damas não... —Sua voz apagou. Depois levantou os olhos para olhar— Oh, Jesse, as
damas não fazem o que eu fiz aqui hoje, não é? Nunca.
Ele encontrou um copo, limpou a borda com cuidado e depois serviu o uísque. Bebeu um
bom gole e depois fui sentar ao lado dela. Atraiu-a para si e falou enquanto acariciava-lhe a testa
com o rosto áspero.
—Só as grandes damas podem amar tão profundamente e tão bem — disse, e ofereceu-lhe
o uísque.
Ela tomou um gole, tossiu, engasgou e ele aplaudiu suas costas sorrindo.
—Não! Não ria de mim, por favor! — Implorou ela.
—Kiernan, eu nunca riria de você. Por Deus, querida, hoje foi o dia mais lindo de toda minha
vida e estarei eternamente grato por isso.
Parecia sincero e ela descobriu que não podia continuar olhando-o. Fixou em suas mãos;
eram largas e bronzeadas. Tinha as palmas curtidas de cavalgar constantemente, mas os dedos
eram longos, precisos e entregue a sua vocação de médico; mãos muito escuras que contrastavam
com a brancura das suas.
Aqueles dedos entrelaçaram com os seus.
—Acredito que isto esteve gerando durante toda nossa vida.
2 Torcida; pavio; 2. Rastilho; 3. Morrão (para comunicar fogo). Ou seja alguma coisa com que eles faziam fogo naquela época...

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—Eu estou praticamente noiva de outro homem.


—Ah, sim. Pobre Anthony — disse Jesse friamente.
Ela não gostou de seu tom de voz. Ele levantou e foi procurar as ceroulas e calças com faixa
amarela. Colocou-os, aproximou-se do fogo e atiçou o fogo. As chamas refletiram em seu peito.
Ela atreveu a observá-lo um instante. Saboreou aqueles tons dourado e laranja que dançavam
sobre sua pele. A sua maneira, tão viril, Jesse era um homem belo, atlético e forte. A sustentou em
seus braços, apertou-a contra sua pele e deu tanto... Kiernan não tinha experiência e, entretanto
estava intuitivamente convencida que foi seduzida por um homem peculiar, e o que ela havia
sentido era parte de algum tipo de magia. E sem Jesse, talvez jamais voltasse a sentir essa magia.
Ela nunca seria capaz de compartilhar essa experiência com outro homem que não fosse
Jesse. Nunca. Talvez já soubesse sempre.
—Não há razão para ser grosseiro com Anthony — murmurou envolvendo-se ainda mais
com a capa, como se fosse um refúgio de respeitabilidade.
—Não —disse ele com certa amargura— Não há razão para ser grosseiro com Anthony.
—Jesse, eu estive vários meses sem ver você e de repente...
—E de repente voltei para sua vida — ele a interrompeu com uma voz reflexiva.
—Você veio para me buscar esta tarde — começou a dizer ela, mas não terminou.
Ele se aproximou de novo da cama, apoiou um joelho no chão diante dela e pegou sua mão.
—Sim, fui para trazê-la comigo em um arrebatamento, como o vento. E você veio comigo —
murmurou afastando o cabelo.
Ela sorriu.
—Sim, eu vim com você.
Kiernan afastou a capa para acariciar uma mecha rebelde de cabelo negro que caía sobre a
testa dele e o punha para trás. Não queria voltar a falar de Anthony. Não queria ouvir nem
pronunciar palavras que pudessem enfraquecer a proximidade entre eles Não queria romper a
magia.
Não queria que houvesse nada no mundo, exceto a noite e eles dois.
Certamente, para ela, Anthony já fazia parte do passado. Jesse apesar seu caráter temerário
e teimoso e mesmo apesar daquela selvageria que às vezes aninhava em seu coração, era um
homem extremamente honrado. Não havia dúvida que ele se casaria com ela. Mas isso fazia parte
do futuro. Primeiro teria que conversar com Anthony, com gentileza. E depois com seu pai.
Possivelmente fosse difícil convencê-lo. Pareceria escandaloso que ela tivesse intimidade com um
homem, quando estava prestes a comprometer-se com outro. Mas tudo seria resolvido. Era uma
questão de diplomacia.
Entretanto, ela não queria diplomacia nesse momento. Não queria que nada estragasse a
lembrança desta noite.
— Jesse, o que aconteceu? Por que você estava tão alterado?
— Eu não tinha o direito de ir atrás de você. Realmente não tinha.
— Mas o que há de errado?
Ele deu de ombros e se pôs ao seu lado. Sentou sobre as pernas dobradas e a abraçou.

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—E o que me parece certo? —Murmurou.


—John Brown está preso. Acabou.
—Não acabou. Não vê? Nunca terminará realmente e nada voltará a ser como antes.
—Não sei do que está falando.
—Você só viu uma parte do que está fazendo as pessoas. Não viu tudo. —levantou outra
vez, aproximou da lareira e observou as chamas— Kiernan, no Oeste vi coisas horríveis. Os índios
fizeram coisas horríveis aos homens brancos, embora algumas delas haviam aprendido com os
brancos. Aqui vi coisas igualmente terríveis. Não somente atiraram nas pessoas, Kiernan.
Maltrataram. Aqui cometeram atrocidades.
Entendia, embora ao mesmo tempo não entendesse. Ela também sentia uma vaga sensação
de horror, mas a Jesse parecia mais profunda; algo que comovia interiormente e que Kiernan não
podia compreender, ou que aparentemente referia a algo que ele sabia e ela não.
—Jesse, John Brown atacou essas pessoas. Atirou no prefeito, um dos homens mais
agradáveis e bondosos que conheci. As pessoas simplesmente reagiram.
—Sim, mas por toda parte houve gente que reagiu miseravelmente contra outras pessoas —
murmurou ele.
—Jesse, está me assustando. Eu não entendo.
—Isso é o que me dá medo. Você nunca me entenderá.
—Pois me esclareça o que quer dizer!
Ele negou com um gesto da cabeça.
—Nem eu mesmo sei o que digo Kiernan.
Mas de repente ela soube. Levantou de um salto com a capa sobre os ombros e olhou sem
pestanejar, com dureza.
—John Brown é um fanático — afirmou categoricamente, olhando para seu rosto.— Como
Lincoln. Se ele ganhar as eleições, o país se dividirá. Dividirá em dois.
—Isso não sabe Kiernan.
—Sim. Eu sei. Pelos direitos que têm os estados e pela economia. E porque tememos por
nosso modo de vida e eles pelo deles.
—Uma nação não pode se dividir Kiernan.
De repente ela sentiu medo, mais medo do que acreditou que sentiria. Teve tudo nas mãos.
Teve Jesse. Fez amor com ele. Ela não deveria ter permitido, mas Kiernan nunca foi convencional
nem Jesse sequer. Foi muito bonito e o seu futuro parecia brilhante, tão belo como as estrelas
brilhantes que a acariciaram depois que ele a tocasse.
Entretanto, agora tudo se afastava dela. Era como se tivesse tido água na palma da mão e
depois, de repente, tivesse separado os dedos. Tudo escorria.
—Jesse, você é virginiano!
Ele ficou tenso.
—Não pode dividi-la, Kiernan. Simplesmente não pode.
Ela se virou e se afastou. As lágrimas que retinha sob as pestanas quase não a deixavam ver,
mas percorreu a cabana com o olhar procurando suas roupas espalhadas.

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Não podia fechar o corpete sozinha. Precisava de sua ajuda, mas não suportava aceitá-la.
De repente ele estava atrás.
—Não me toque! —Gritou.
—É muito tarde para isso — sussurrou ele, com certa ironia na voz.
—Me deixe!
Ela tentou fugir, mas ele já havia recolhido as fitas. Kiernan puxou para se livrar, mas Jesse
puxou mais forte e ricocheteou contra ele.
—Fique quieta!
Ela não teve escolha senão deixá-lo terminar de fechar. Mas assim que acabou, voltou a
soltar-se e correu em busca do resto da roupa. Sabia que ele a olhava, mas ela não queria olhá-lo.
Finalmente teve que fazer.
—Eu vou, Jesse.
—Quando eu estiver pronto.
— Eu vou voltar a pé.
— Não, você vem comigo.
— Jesse...
— Você veio comigo e eu a levarei de volta.
Finalmente, sem deixar de olhá-la nos olhos, recolheu a camisa do chão. Ela esteve a ponto
de ceder àquele olhar, mas se esforçou para construir uma fúria maior.
Como ele poderia argumentar contra os direitos dos estados do Sul? Como poderia falar
contra seu pai, seu irmão, seu modo de vida?
Aquilo não tinha importância, disse. Não podia ter.
Mas tinha. Kiernan sentiu como se uma multidão a arrastasse até as rochas do rio. As
pessoas já falavam de guerra.
Se a guerra explodisse, Jesse estaria no lado errado?
Ele colocou a camisa nas calças, sentou e calçou as botas.
Depois, com uma careta zombadora pegou o chapéu, colocou-o e recolheu a capa.
A capa sobre a qual deitaram juntos.
Ela se virou e caminhou em direção à porta. Jesse a agarrou pelo braço e a obrigou a voltar.
—Acreditei que havia dito que me amava.
—Eu não posso amar um traidor.
—Eu não sou um traidor.
—Está no lado errado.
—Não existem os malditos lados!
—Então, jura! —Espetou de repente— Jura que estará no lado correto.
—Qual é o lado correto, Kiernan? Diga-me, por favor, me diga?
Ela ficou quieta, olhando-o. Queria começar a chorar e jogar em seus braços. Queria
esquecer tudo e deitar junto ao fogo a seu lado. Queria ver as chamas sobre sua pele nua
enquanto voltavam a fazer amor.
Queria que ele a amasse e que fosse o homem que ela sempre quis. O homem que vivia a

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vida que ela conhecia tão bem... a de um virginiano.


Queria que ficasse com ela, sem que nada mais importasse.
—Meu lado é o lado adequado, Jesse — disse com firmeza.
Queria que desse razão, que prometesse que sempre estaria do seu lado.
Mas ele ficou calado, desafiando com seus olhos azuis cobalto. Kiernan novamente virou-se,
a ponto de chorar. Mas ele voltou a apanhá-la e a obrigou olhar.
—Kiernan, se case comigo. Vai ser minha esposa. Tem que ser.
—Eu não tenho que fazer nada, Jesse Cameron.
—Acha que pode voltar correndo para Anthony depois disto?
—Eu não preciso correr para lugar nenhum, Jesse. Mas Anthony é leal ao mesmo que eu.
Ele lançou uma maldição. Pela última vez a apertou com força. Ela tentou escapar, mas ele
agarrou seu queixo, elevou o rosto e voltou a beijá-la. Beijou-a com rudeza e paixão até que a
obrigou a responder.
Jesse afastou e elevou a cabeça.
—Não brinque bobamente com nossas vidas, Kiernan! —Advertiu.
Ela libertou de seu abraço e saiu correndo. Ele a seguiu e suas mãos apanharam sua cintura
antes que pudesse escapar. Com pouco tempo para amaldiçoar, Kiernan estava de volta em seu
cavalo e ele montado atrás.
—Aonde me leva agora? —Perguntou.
—Para casa!
Desta vez não foi a passo. Jesse deixou que o cavalo desafogasse e o faminto animal galopou
para Harpers Ferry.
Esporeou seus arreios até a entrada da casa de Lacey. Kiernan ainda furiosa desceu por seus
próprios meios.
—Kiernan!
Ela parou e se virou. Jesse tinha que mudar de opinião aliar-se com a Virginia. Teria que fazê-
lo entender que ele devia.
Então ele desmontou de um salto e se aproximou dela. Mas repentinamente um gesto de
picardia modificou suas feições atraentes.
—O quê?
Kiernan recuou, com medo que ele voltasse a tocá-la.
E ele fez. Atraiu-a para si em sua resistência. Ela ficou rígida e repetiu:
—O quê? Maldição!
Jesse falou com uma voz rouca, grave.
—Adverti que não se casasse se ele não soubesse beija-la como eu. Agora posso assegurar
que com ele nunca terá nada parecido com esta noite. Nem dentro de mil anos, Kiernan.
Ela se soltou e levantou a mão para esbofeteá-lo. Ele a agarrou e riu baixinho..
—Kiernan...
— Vá para o inferno, Jesse.
Largou a mão dele, virou-se e caminhou em direção à casa.

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—Kiernan, eu não posso mudar minha consciência!


Ela seguiu andando e respondeu gritando:
—E eu não posso mudar a minha!
Notou seu silêncio, a tensão que dominava.
Então ouviu o som dos cascos de seu cavalo se afastando e virou-se.
—Jesse! —sussurrou angustiada.
Mas era tarde demais. Ele foi embora.
Ela ficou lá em desespero. O vento da noite levantou de repente, um vento frio.
Muito frio.
Tão frio como o mundo sem Jesse.

Capítulo 7

Kiernan não voltou a ver Jesse naquela noite; nem Daniel retornou. Ela ouviu falar de uma
revolta de escravos em Pleasant Valley e que Jesse e Daniel foram para lá com Lee e Stuart.
Na cidade ainda estava respirando certo nervosismo se por acaso os escravos na região se
rebelaram contra seus senhores, já fosse tarde demais para se juntar a causa de John Brown.
Kiernan sabia que ela também tinha motivos para estar preocupada, mas estava muito obcecada
com seu conflito pessoal interno para se deixar levar por temores que poderia ser infundado.
Ela passou a tarde tentando com todas suas forças se acalmar. Esforçou-se para desfrutar o
jantar preparado por Lacey preparou se por acaso os Cameron voltassem. Mas a verdade é que
era difícil ficar lá sentada com sua anfitriã. O mero feito de ser educada foi mais difícil que nunca.
Sua mente não deixou de girar nem um minuto e, assim que pôde, se desculpou dizendo que
estava exausta e subiu para seu quarto. Ela esfregou o rosto, que parecia queimar de vergonha
como estremecia de pura fascinação. Repassou até o menor detalhe tudo o que aconteceu e
começou a perguntar como podia ter sido tão atrevida. Então ela disse a si mesma que foi Jesse,
que ela amava Jesse.
No final, por mais que se admoestou, começou a sentir um arrepio suave em seu interior e
soube que havia algo que podia estar certa. Desejava estar com ele outra vez, mas também estava
indignada e furiosa, porque aparentemente Jesse vivia em um plano diferente da realidade. Ela
percebeu que havia dito que o amava, mas que ele não respondeu essas mesmas palavras em
nenhum momento.
Jesse disse que se casaria com ela. Não. Disse que ela devia se casar com ele! Por uma
questão de honra, pensou com amargura. Talvez a educação que ele recebeu tinha mais peso do
que estava disposto a admitir. Mas jamais se casaria com Jesse porque ele o considerasse
necessário depois do que aconteceu entre eles. Só se casaria se a amasse.
E se ele amasse a Virgínia.
Kiernan se perguntou se aquele sentimento apaixonado por sua terra era um equívoco. Não
era bom se preocupar tanto com política. Essa não era uma característica digna de admiração em
uma mulher, tal como seu pai a advertiu frequentemente. Mas Anthony e ela compartilhavam as

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mesmas paixões. Não importava que ela tivesse uma opinião, porque ele a compartilhava de
coração. Não podia casar com Anthony, sabia e provavelmente sempre soube. Não enquanto
Jesse estivesse presente em sua vida.
De repente sentiu um calor enorme que provocou um tremor renovado e diferente. O que
aconteceria se não houvesse... complicações pelo acontecido? Kiernan era virgem até aquela
tarde, mas não era uma ingênua. Possivelmente agora mesmo estava esperando um filho de Jesse.
Então comprovou surpreendida que aquela ideia não produziu nem horror, nem vergonha;
pelo contrário, sentia emocionada e soube que adoraria ter um filho de Jesse.
Porque ela amava Jesse.
E talvez, se estivesse grávida, seria capaz de esquecer as diferenças que parecia
intransponíveis agora. Abraçou o travesseiro. Foi até a janela perguntando se ele voltaria a
aparecer. Mas Jesse não retornou e o frio da noite a envolveu. Fechou a janela, se afastou e voltou
de novo para cama abraçada ao travesseiro.
Por fim, adormeceu.
Aquele dia acabou em um tumulto, mas os sonhos daquela noite foram extremamente
doces.
Acabava de abrir os olhos quando ouviu que Lacey, muito nervosa, a chamava.
—Kiernan, desce! Temos companhia!
Kiernan deu um salto com as mãos trêmulas. Era Jesse, estava certa; e Daniel. Eles haviam
retornado para o café da manhã.
Lavou-se depressa e procurou entre seus vestidos. Decidiu por um verde pálido com uma
saia com um longo voo e também um casaco verde de veludo. Ele tinha mangas elegantes até os
cotovelos e um colete ajustado que ficava muito bem. Teve que brigar um pouco com o espartilho,
porque Lacey não estava e ela se sentia bastante desajeitada por culpa de um repentino
nervosismo. Como o receberia hoje? Sentiria diferente ao vê-lo?
Sim, nunca mais seria a mesma coisa.
Pelo menos, desta vez estava vestida. Agarrou a escova para tentar que seu cabelo tivesse
um aspecto digno e elegante, mas não tinha tempo e além disso suas mãos tremiam. Ela escovou
os cabelos e, em seguida, o recolheu com um singelo coque na nuca. Os raios de sol refletiam em
sua cabeleira cor mel, que emitia brilhos dourados. Olhou no espelho e colocou um pouco de
carmim nos lábios. Suas faces já ardiam. Seus olhos, imprudentes e nervosos, brilhavam com o
esplendor das esmeraldas.
Não devia ruborizar desse modo!
Estava furiosa com ele, disse a si mesmo, e tinha que continuar furiosa com ele.
Retocou o penteado pela última vez. Deu a volta, acompanhada pelo redemoinho de sua
saia, e se dirigiu para a escada. Esforçou em andar devagar e desceu com elogiável decoro.
Tinha o coração desbocado. Jesse estava de volta..
Mas Jesse não havia voltado. . Quando ele chegou ao patamar em frente a sala seu coração
bateu com força contra seu peito.
—Kiernan!

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Era Anthony quem chamava por seu nome; Anthony, seu pai, o pai dela e o marido de Lacey
voltaram juntos naquela manhã.
Seu pai, que ela amava de todo meu coração. Aqueles olhos cinza como a bruma a olharam
úmidos de emoção e em suas faces enrugadas e curtidas apareceu um agradável sorriso de afeto.
Kiernan soube imediatamente que ele se inteirou dos acontecimentos em Harpers Ferry e que
esteve terrivelmente preocupado com ela.
—Papai! —Sussurrou.
Embora na realidade quem desejasse ver era Jesse correu para seu pai.
Mas não conseguiu alcançá-lo. Anthony voltou a pronunciar o nome dela, se adiantou e foi
em direção a ela, de repente ela se encontrou seus braços.
—Kiernan, Oh, querida Kiernan! Você está aqui, está bem, não está ferida!
Ela olhou para ele. Anthony Miller era um homem bonito, com cabelos dourados que tinha
tendência a enrolar. Seus olhos eram de um tom delicado parecido a mogno. Suas feições eram
finas e bem desenhadas.
Sua preocupação por ela era sincera e profunda. Leu na angústia que contraía o rosto e ardia
em seus olhos. Teria afastado dele se não fosse por um súbito e devastador sentimento de culpa.
Não podia se casar com ele, ela sabia, mas não queria magoá-lo.
Apoiou as mãos em seus braços, sorriu e tocou seu rosto para tranquilizá-lo.
—Estou bem, Anthony. Perfeitamente bem.
Nunca até então, quando estava prestes a magoa-lo, não tinha percebido o quão profundo
era seu sentimento por ela.
—Por Deus, outra vez a porta! —Murmurou Lacey enquanto ia ver quem chamava.
Anthony não soltou Kiernan.
Ele a abraçou mais forte, a pressionando contra seu peito. Descansou seu queixo em sua
cabeça e começou a embalá-la e acariciar seu cabelo com os dedos, ela notou que ele estava
tremendo. Era a própria imagem da ternura.
Foi então quando ouviu a voz de Jesse.
—Perdão. Parece que interrompemos.
Kiernan afastou imediatamente. Primeiro olhou para Anthony e depois se virou para ver
Jesse e Daniel. Ele estava saudando seu pai, mas com os olhos fixos nela como ardentes esferas
azuis que a censuravam.
Maldito! Deveria entender que não podia ser cruel com Anthony!
—Jesse, meu filho, você não interrompe nunca! —Disse o pai de Kiernan. Apertou a mão e
deu-lhe uma palmada nas costas.
—Ainda não fui capaz de cumprimentar a minha filha, por causa do amor destes jovens, mas
você sempre é bem-vindo.
—É claro — disse Jesse satisfeito e sorriu a Kiernan, que estava expectante— O amor destes
jovens. Que comovedor!
Ela queria estrangulá-lo. Ele estava apertando a mão de seu pai e olhando-a.
De repente, Lacey voltou a entrar na sala carregada com uma bandeja de prata e copos de

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cristal.
— Meu melhor licor de amora, senhores. E senhora! — Dedicou a Kiernan um sorriso largo e
brilhante.— Devemos comemorar que estamos todos bem e reunidos sob meu teto!
—Bem dito! —Aplaudiu Daniel rindo. Rapidamente pegou um copo.
Kiernan não tinha certeza de como ou quando tinha feito, mas finalmente se separou de
Anthony. Abraçou com força seu pai e soube que estava encantada em vê-lo, de coração.
Mas então se encontrou em uma posição incômoda, ao lado de Jesse. Este inclinou a cabeça
e sussurrou no ouvido:
— Já lhe disse que você não se casará com ele?
Ela levantou o queixo sorrindo e tentou aparentar tanta naturalidade como Jesse.
—Mas, capitão Cameron, se nem sequer comecei a pensar nessas coisas!
— Talvez você devesse. Logo.
— Talvez você deve cuidar de seus assuntos, capitão. Na minha opinião são muito confusos.
— Talvez eu devesse pedir sua mão a seu pai. Talvez nós dois deveríamos despir nossas
almas diante dele... Além de outra coisa que recentemente despiram.
Ela se virou e encontrou ironia em seus olhos.
E advertência.
—Você não se atreverá.
—Kiernan, eu me atrevo a tudo, já sabe.
—Mas não fará, por favor. Por meu bem.
De repente, ele inspirou, olhou-a e ela soube que deu no alvo. Jesse se atrevia, contudo, mas
reagia de forma distinta quando ela pedia.
No momento estava a salvo.
A salvo? Mas se ela o amava!
E ela o odiava pelo lado que escolheu.
Lacey não demorou em acomodar todo mundo. John Mackay, Thomas Donahue, Andrew e
Anthony Miller queriam conhecer os detalhes do que aconteceu durante sua ausência.
— Foi muito angustiante saber das coisas que aconteciam aqui enquanto estávamos nas
montanhas — disse John Mackay— Foi muito angustiante. Os rumores eram muito contraditórios.
Logo toda a cidade estava em chamas, e no minuto seguinte, foi apenas um pequeno incidente.
Filha — disse para Kiernan meneando a cabeça— não voltarei a deixá-la sozinha, nunca mais.
—Pai, estou bem.
—Graças ao capitão Cameron — murmurou Lacey. Kiernan ficou gelada. A anfitriã levantou
os olhos e deu conta de que todo mundo a estava olhando— Oh, sinto muito! — Disse afobada.
—Lacey Donahue, do que você está falando? —Perguntou John Mackay.
Ele ficou olhando para seu rosto e ela parecia estar a ponto de voltar a chorar. John voltou
para Kiernan.
—Jovenzinha, do que ela está falando?
E sem esperar a resposta de Kiernan, encarou Jesse.
— Meu jovem, em nome de seu falecido pai e meu melhor amigo, eu exijo uma resposta.

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Jesse deu de ombros e olhou para Kiernan para lhe dar a oportunidade para responder.
—Pai, não foi nada, sério. Alguns desses canalhas surpreenderam Lacey e a mim e decidiram
que eu seria uma boa refém.
—Senhor! —Exclamou Anthony, horrorizado.
—Mas não aconteceu nada! —Insistiu Kiernan—Jesse apareceu e fugiram. Não foi nada, de
verdade.
—Como que nada! Enfim, jovenzinha, espero que agradeça adequadamente a Jesse.
—John — murmurou Jesse. De novo tinha os olhos em Kiernan, que não gostou
absolutamente nem da ironia nem do sinal de perigo que havia em seu olhar— Asseguro que
Kiernan agradeceu-me muito bem.
Maldito! O rosto de Kiernan ardia, mas decidiu responder ao fogo com fogo. Sorriu
docemente para seu pai.
—É obvio pai, agradeci muito. No fim Jesse se comportou com um incrível... Cavalheiro.
—Não há palavras para descrever a energia, o valor e... A paixão de sua filha, senhor!
Ah, se ao menos pudesse colocar algo em sua cabeça!
Mas de repente Anthony se levantou e dirigiu a Jesse.
—Capitão estou em dívida contigo! Sempre estarei! —Declarou com voz trêmula pela
emoção.
Jesse olhou para Anthony e durante um instantes Kiernan acreditou que responderia com
algum comentário mordaz.
Mas não fez.
“Em dívida, certamente, — pensou Jesse— Anthony, pobre infeliz, você não me deve nada.
Eu me apropriei do que mais queria, em sua própria casa, e agora nos dois estamos à mercê de seu
jogo”.
Apoiou as costas, deu um gole em sua bebida e respondeu com naturalidade:
—Kiernan e eu somos velhos amigos, Anthony. Eu somente cheguei no momento adequado.
—inclinou para frente e seus olhos voltaram a encontrar com os dela— Talvez no final o céu teve
piedade do senhor Brown, que de outro modo teria tido que enfrentar Kiernan.
Sorriu para suavizar a agressividade, e a verdade! De suas palavras.
—Talvez se tivesse apanhado Kiernan não teríamos que atacar o lugar. Ela teria lhe dado um
bronca e ordenado sua entrega imediata!
John Mackay começou a rir, mas Anthony parecia desconcertado. Kiernan perfurou Jesse
com o olhar e Lacey apressou a encher os copos outra vez.
O pai de Kiernan ficou sério.
— Ainda assim, Jesse Cameron, estamos verdadeiramente em dívida para com você. Tudo
terminou bem aqui, mas vocês jovens não devem esquecer a revolta de Nat Turner nas restingas,
de 1831. Assassinaram cinquenta pessoas, arrastaram de suas camas e as mataram. Mulheres e
crianças. Demos graças a Deus porque aqui não aconteceu nada parecido.
Todos ficaram calados. Kiernan olhou de esguelha a Jesse e ele a observou muito sério.
“Jesse estou agradecida por tudo! — pensou— E te amo”.

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Mas não tinha maneira de expressar seus pensamentos. Nem queria fazer, ele estava se
afastando dela e todas as coisas que deveriam professar amor.
Seus olhos sombrios não deixaram de olhá-la durante toda a conversa.
Embora o convidaram para jantar, Jesse não aceitou. Levou a mão ao chapéu e desejou a
todos um bom dia.
Kiernan teve de se contentar em vê-lo partir. Notou que lhe roçavam o ombro. Era Anthony,
que a rodeou com o braço.
— Meu Deus, Kiernan, você está a salvo!— Sussurrou, emocionado— Desde que soube não
tenho feito mais que rezar por isso, dia e noite. Ofereci minha vida em troca da sua, mas não tinha
maneira de fazer isto.
Eu não posso me casar com você, Anthony, pensou. As palavras estavam em seu coração e
em seus lábios.
Mas não podia dizer não nesse momento. Esforçou por sorrir e, sentindo morrer, voltou a
entrar em casa com Anthony.
Daniel Cameron ainda estava lá. Contou que durante sua viagem a Pleasant Valley, na noite
anterior, não haviam vistos sinais de revolta.
—Só alguns agricultores meio adormecidos, alguns escravos que John Brown assustava mais
do que nos preocupava.
—Assim realmente tudo terminou — disse John Mackay, satisfeito.
—Tudo exceto o julgamento e o enforcamento — disse Daniel.
Enquanto os homens seguiam conversando, Kiernan percebeu que Daniel a observava
atentamente.
Alegou que estava cansada e afastou deles a toda pressa para subir a refugiar em seu
quarto.
Na manhã seguinte soube que Jesse foi chamado em Washington.

Kiernan não vê-lo novamente até que o julgamento de John Brown, que começou em 27 de
outubro.
No dia seguinte a sua captura, Brown foi levado para Charles Town, a poucos quilômetros de
Harpers Ferry. Ele e outros quatro prisioneiros rebeldes foram julgados nos dia 25 e no dia
seguinte, acusados de traição contra o Estado de Virgínia, de conspirar em favor da rebelião dos
escravos e de assassinato. Todos os réus se declararam inocentes e solicitaram serem julgados
separadamente.
O primeiro julgamento foi o de Brown.
John Mackay tinha decidido assistir, assim como Anthony e Andrew Miller e Thomas
Donahue. Todos franziram a testa quando Kiernan disse que queria assistir, embora ela estivesse
convencida de não querer ir. Mas sabia que Jesse estaria ali. Estava certa que a acusação pediria
que se apresentasse se por acaso fosse necessário que atestasse.
Anthony seguia sendo muito atento com Kiernan. Ela percebeu que gostava dele como um
amigo muito querido e muito importante, alguém que nunca iria prejudicar se pudesse evitar.

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Chegaria um dia que encontraria o modo de falar com ele. Mas até o momento conseguiu escapar
de sua intenção de propor compromisso. Quando ele a pressionava, ela se desculpava dizendo que
ainda não completou sua formação.
—Kiernan — disse educadamente uma noite— já não somos tão jovens.
Não queria dizer nós, mas sim, ela. Por alguma razão, os homens podiam se casar com a
idade que quisessem. Anthony recordava de forma discreta e muito acertada, como sempre, que
já tinha completado dezoito anos, uma idade em que a maioria das mulheres de sua classe social
estavam casada.
—Nesse caso, Anthony, deveria procurar em outra parte.
— Falaremos sobre isso mais tarde — respondeu ele imediatamente— Não tenha pressa,
Kiernan faça como quiser. Desse modo honrará ainda mais minha casa.
— Anthony, não estou certa...
— Eu não poderia amar nenhuma outra mulher.
— Anthony — replicou impulsivamente— não está certa de amá-lo.
— Mas eu te amo. O suficiente pelos dois. Kiernan, nada do que diga poderá me dissuadir.
“Nem sequer que me deitei com outro homem? —perguntou em silêncio— Ou que amo
outro homem? De que sempre amei?”
Sabia que devia dizer a verdade, mas não sabia como fazer sem feri-lo.
Assim que entraram no tribunal de Charles Town soube que deveria ter sido mais decidida.
Ela foi acompanhada por Antônio, e quando olhou para outro extremo da sala descobriu que Jesse
já tinha chegado e que observava que entrava de braço dado a Anthony.
Parecia incrível que a tivesse localizado tão rapidamente. A sala estava abarrotada.
Havia um alvoroço enorme, mas o juiz Parker deu a ordem que começasse o julgamento.
John Brown ainda estava convalescente de suas feridas e o trouxeram na maca. Kiernan
observou, procurando algo naquele nome que confirmasse o que ouviu. E não a decepcionou. Os
olhos daquele ancião ardiam e, enquanto avançava pela sala, ela sentiu uma estranha inquietação.
O prisioneiro acabava de entrar quando um de seus advogados defensores pronunciou uma
alegação por escrito em seu favor. Leu um telegrama de A. H. Lewis de Ohio no qual afirmava que
na família de John Brown havia vários casos de loucura. Por isso pedia clemência.
Kiernan pensou que era um estratagema defensivo interessante que podia salvar sua vida.
Mas John Brown não estava disposto a admitir. Levantou-se na maca com notável dignidade,
ficou de pé e negou que estivesse louco.
Não queria que o enviassem a um manicômio, nem que o mantivessem com vida. Em todo
momento foi consciente do que estava fazendo e acreditava que agiu corretamente.
Enquanto o observava, Kiernan surpreendeu sentindo pena dele. Brown a aterrorizava e
ainda tinha pena dele. Ela não poderia admirá-lo, mas admirava sua convicção.
Ao longo do dia foram lidos em voz alta as provas de sua traição de novo e de novo, e ela
ficou cada vez mais convencida de que realmente Brown se considerava um servo de Deus.
Lamentava o derramamento de sangue, mas acreditava que a terra reclamava aquele sangue.
Kiernan abandonou a sala muito confusa naquele primeiro dia do julgamento. Mas, apesar

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dessa confusão, desejava ver Jesse.


Ela o viu mais cedo do que o esperado. Topou com ele quando saía do tribunal com
Anthony. Jesse recuou e tirou o chapéu para cumprimentá-los.
— Kiernan, Anthony. Prazer em vê-los.
Sua voz tinha uma ponta de sarcasmo e quando a olhou, seus olhos brilharam com uma
ironia especial.
Anthony apertou sua mão e cumprimentou-o calorosamente. Imediatamente apareceram o
pai de Kiernan, Andrew Miller e Thomas Donahue, começaram a conversar. Antes que ela dessa
conta, Jesse foi convidado para jantar.
Bem, queria vê-lo. Mas não diante de tantas pessoas e com o julgamento como único tema
de conversa.
Kiernan prendeu a respiração e esperou para ver se Jesse declinava o convite.
Não fez.
—Eu adorarei sua companhia — voltou para ela— e é obvio a presença de uma dama tão
delicada.
Encontraram duas horas mais tarde no restaurante do hotel onde estavam hospedados. Por
mais vontade que tivesse de ver Jesse a sós, Kiernan se viu obrigada a se comportar com
amabilidade durante a conversa que mantiveram na saída do julgamento. Tentou participar de
forma apropriada e esforçou em conservar a calma e o recato, para não levantar as suspeitas de
seu pai. Mas, assim que pôde, desculpou e saiu disparada para seu quarto. Aproveitou o pouco
tempo que tinha até o jantar para tomar um banho e lavar o cabelo com um xampu aromático.
Utilizou uma toalha com raivosa energia para secar a cabeleira de cor mel e depois colocou um
elegante vestido em tons pêssego e amarelo, com mangas compridas, com babados de linho
branco, baixou correndo ao salão, onde esperava encontrar Jesse antes que os outros chegassem.
Muitas pessoas vieram à cidade para assistir o julgamento, aquele lugar parecia uma casa de
loucos. Kiernan procurou ansiosamente entre a multidão, mas não viu Jesse. O maître do
restaurante, com seu smoking, foi o seu encontro e informou com uma reverência que o capitão
Cameron tinha reservado uma sala para o jantar.
Ao chegar à soleira viu Jesse de pé junto a uma cadeira, apreciando uma bebida. Ele vestia
seu uniforme de gala e estava escuro, bonito, charmoso. Ao vê-lo, seu coração deixou de pulsar.
Ele percebeu sua presença e se virou. Seus olhos se encontraram e por um instante Kiernan
sentiu uma necessidade insuportável de se jogar em seus braços. Um segundo mais e suas pernas
e sua alma teriam se deslocado para ele.
—Ah, Cameron, Kiernan, estão aqui. Jesse, devo dizer que teve uma fantástica ideia ao
reservar esta sala para nós!
Ela não se moveu. Encolheu o coração e suas pernas não saíram correndo. Anthony estava
atrás e apoiava as mãos em seus ombros com carinho. Jesse não deixava de olhá-la, mas dirigiu a
Anthony com toda naturalidade.
—Supus que haveria muitas pessoas e me ocorreu reservar esta sala.
Então entraram o pai de Kiernan, Andrew e Thomas. Kiernan se sentou entre Anthony e seu

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pai, em frente a Jesse.


—Bem, Jesse — começou John Mackay enquanto desdobrava o guardanapo e o punha nos
joelhos com um pomposo gesto— O que diz da jornada do julgamento de hoje? Brown poderia ter
aproveitado a apelação de demência, Por Deus! Se alguma vez vi um louco, é ele.
—Certamente é um fanático, senhor. Mas não estou tão certo que isso o converta em um
louco.
—Bah!! —Exclamou Andrew Miller, aborrecido.— Ele é louco. É perigoso. E um idiota.
Acredita que o Senhor fala em seu ouvido! Bem, pois me deixem dizer que o Senhor não vê assim.
Na Bíblia o bom Deus disse: “Escravos, obedecei vossos senhores”. Não é verdade capitão
Cameron?
Kiernan observou Jesse e rezou para que não criasse problemas durante o jantar.
Ele encolheu os ombros.
—Eu receio que não estudei o suficiente a Bíblia, senhor Miller
— O que você está dizendo? — perguntou Andrew Miller com o rosto congestionado— Não
acha que John Brown será enforcado... ou que não mereça?
—Sim, sim, o enforcarão — respondeu Jesse— E de acordo com todas as leis merece.
Andrew se tranquilizou. O marido de Lacey, Thomas, parecia terrivelmente desconfortável.
Era amigo de Andrew e um firme defensor dos direitos dos estados, mas pessoalmente não
acreditava na escravidão.
Jesse inclinou para frente.
—Cavalheiros, contamos com a presença de uma dama na mesa. Proponho que deixemos de
falar de política durante o jantar.
Kiernan se incomodou muito quando seu pai rugiu:
—Kiernan? Mas Jesse, você conhece minha filha tanto como outros!
Jesse a olhou sorrindo.
—Provavelmente mais — manifestou satisfeito..
—Então já sabe que não incomoda absolutamente que fale de política.
—Bom — murmurou Kiernan com doçura— isso deve ser pelas pessoas que frequento! —E
deu um chute a seu pai, que reagiu com um grito e deu-lhe um olhar de advertência, mas ela
continuou sorrindo carinhosamente.— Faça um favor, pai. Esqueçamo-nos de tudo isto durante
um momento.
Tinham muitos assuntos de que falar: suas terras, do exército, da viagem que os sócios
fizeram nas montanhas. A refeição que serviram era muito boa, mas Kiernan apenas a provou.
Quando trouxeram o café em um elegante serviço de prata estava já muito nervosa. Mas o jantar
acabaria logo e possivelmente então teria a oportunidade de falar com Jesse.
Mas não foi assim. Jesse logo que provou o café. Levantou e se desculpou dizendo que ficou
de tomar uma bebida com um velho amigo do exército e fez uma cavalheira reverência a Kiernan e
desejou boa noite.
O julgamento durou dois dias e meio mais. Kiernan assistiu até o fim. Escutou John Brown e
escutou as testemunhas. Estava impressionada. O que aconteceu foi horrível; John Brown

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cometeu diversos assassinatos. Apresentou com centenas de armas para armar os escravos.
Centenas de pessoas teriam sido assassinadas brutalmente e a sangue frio se tivesse conseguido
organizar uma revolta.
Mesmo assim, aquele homem tinha algo. Não poderiam esquecer facilmente.
Em 31 de outubro se pronunciaram os argumentos finais.. Há uma e meia da tarde o caso foi
para o júri.
Deliberaram durante quarenta e cinco minutos e proclamaram o veredicto: John Brown era
culpado das três acusações. O velho Ossawatomie Brown seria pendurado pelo pescoço até
morrer. Kiernan acreditou que a multidão que tão frequentemente ameaçou e insultou aquele
homem nas escadas do palácio de justiça explodiria em gritos e vivas.
Mas houve um silêncio sepulcral.
O próprio Brown ajustou as tábuas de sua maca e deitou em cima.
Kiernan olhou para o outro extremo da sala. Jesse afastou os olhos de Brown para pousá-los
nela. Parecia triste... não, afetado, quase angustiado. Sentiu que a acariciava com o olhar. Mas
estavam rodeados de gente. Em questão de segundos ambos se perderam entre a multidão.
—Tudo terminou filha. Vamos — disse seu pai. Pegou-a pelo braço e a tirou dali.
Kiernan sabia que Jesse voltaria para Washington assim que terminasse o julgamento, mas
tinha que vê-lo uma última vez a sós.
Não sabia quando voltaria a vê-lo.
Jesse jantaria de novo com eles como cada noite, mas estar sentada à mesa, na presença de
outros haviam sido uma tortura para Kiernan, que teria evitado essa situação, se pudesse. Por
mais educado que fosse Jesse, por mais cuidadosas que fossem suas palavras, ainda se recusava a
mentir sobre suas convicções a respeito da situação política. Havia vezes nas quais seus
comentários eram quase uma traição ao estilo de vida dos presentes, uma traição para um
virginiano das planícies.
Quando não criava tensão na mesa, observava ela e Anthony com aquela careta triste e um
olhar afligido e sarcástico.
Kiernan escolheu cuidadosamente seu traje para o jantar dessa última noite. Decidiu por um
vestido comprido com ligeiras anáguas cobertas pela saia e um corpete de veludo azul turquesa.
As mangas e o decote tinham um discreto cós de pele que a protegia do frio noturno. Recolheu o
cabelo em um coque, mas deixou soltos alguns cachos de ouro avermelhado que realçavam seu
rosto. Afastou alguns passados do espelho de seu quarto do hotel e contemplou sua imagem.
Anthony tinha razão. Estava mais velha. Seus olhos pareciam muito velhos. Mas sua
aparência se satisfazia bastante. O vestido era bonito e deixava descoberto boa parte do busto e
dos ombros, sem ser muito atrevido. A cor era perfeita para ela e o traje, muito adequado para
passar uma noite com seu pai e seus amigos.
E também era perfeita para lembrar a Jesse que era uma mulher adulta, uma mulher com
que fez amor.
Decidiu que aquela noite não incomodava ir ao jantar. Ia aproveitar qualquer oportunidade
para dizer que precisava vê-lo a sós.

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Desceu correndo ao reservado que compartilhavam todas as noites. Teve uma decepção ao
ver que seu pai e Andrew já estavam sentados. Thomas Donahue entrou imediatamente atrás
dela. Com um sorriso no rosto bronzeado e amigável, ele parou para dizer que era uma visão
maravilhosa para seus olhos velhos e cansados. Ela sorriu de volta. Thomas era adorável.
Anthony beijou-a levemente sobre o rosto e puxou-lhe a cadeira.
— Eu me pergunto onde esta Jesse...
—Há muitos comandos militares por aqui — disse Anthony, sem saber que defendia seu rival
— talvez o reteram.
O garçom entrou com uma nota em uma bandeja de prata. John pegou o papel e o amassou
com a mão.
—O rapaz chegará tarde. Diz que peçamos e comecemos; ele virá assim que puder.
Kiernan deu um salto na cadeira. Estava tão nervosa que já não aguentava mais. Tinha que
ver Jesse.
Todos os olhares se dirigiram para ela.
—Faz um pouco de frio — disse a seu pai com muita cerimônia— Se me desculparem,
cavalheiros...
Mas Anthony também se levantou.
—Se necessitar de um xale, Kiernan, estarei encantado de trazê-lo.
—Oh, obrigada Anthony, mas não estou certa de ter deixado a estola que quero em meu
quarto. Talvez esteja no sofá junto à recepção. Fique por favor. —Observou com um de seus
sorrisos mais encantadores e acrescentou— Sério, cavalheiros, continuem falando sem mim. Só
demorarei alguns minutos.
Nos olhos azuis de seu pai apareceu imediatamente o brilho de suspeita, mas Kiernan
ignorou. Saiu da sala e cruzou a toda pressa o salão contínuo.
Sabia que quando voltasse tinha que levar um xale, de maneira que subiu ao seu quarto a
toda velocidade e pegou a estola que estava aos pés da cama, justo onde sabia que a encontraria.
Depois desceu correndo a escada principal e saiu na enorme galeria.
Fora reinava o silêncio. Todas as conversas tinham lugar no interior. A noite estava fria e
bonita. Esquadrinhou a rua envolta na escuridão da noite. Jesse estava hospedado em outro hotel,
e deveria chegar do norte.
Mas quando viria?
Deu uma olhada do outro lado da rua, para as cavalariças, e seguindo um impulso repentino,
baixou os quatro degraus da varanda e cruzou correndo.
Para sua surpresa o viu aparecer por uma lateral do estábulo. Havia vegetação por toda
parte e poderia não tê-lo reconhecido entre as sombras, mas conhecia muito bem... essa forma de
andar, a inclinação do chapéu.
—Jesse!
Gritou seu nome e então ele a viu. Sem parar para pensar o que fazia, Kiernan começou a
correr para ele.
Jogou-se em seus braços, apertou os lábios contra sua boca com uma faminta avidez e

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acreditou morrer ao sentir o doce ardor do beijo que ele devolveu. Sua língua encheu a boca e sua
paixão tirou a respiração e a prudência. Quando a estreitou contra ele ouviu os batimentos de
seus corações batendo como as asas de uma águia. Sentiu o afresco da noite e o calor
desenfreado que crescia entre eles. Soltou-a devagar e quando teve de novo os pés no chão,
olhou-a nos olhos. Ela corou e baixou o rosto..
—Onde está o pobre Anthony? — Ele perguntou.
—Em... no restaurante.
—Disse que não vai se casar com ele?
—Eu tentei.
—Tentou?
— Às vezes ele é muito teimoso.
—Diga simplesmente que vai se casar comigo.
Ela levantou o rosto procurando seus olhos e rodeou o botão de sua capa com os dedos.
— Mas eu não vou me casar com você, Jesse. Não, até que veja as coisas da maneira
correta.
—A sua maneira? —Inquiriu ele em voz muito baixa e arqueando uma sobrancelha.
Então ele se inclinou e beijou-a no canto da boca. Ele correu com leveza e suavidade a língua
sobre seus lábios, deslizou-a entre seus dentes e, em seguida, beijou-a ternamente. Ela se apertou
contra ele, saboreando seu calor e o puro prazer de acariciar.
—Sua maneira é a correta? —Repetiu ele.
—Sim, minha maneira — murmurou ela— Oh, Jesse...
De repente ele a afastou bruscamente.
—E agora o quê, Kiernan? Flertará e atormentará o pobre Anthony até que eu aceite sua
forma de pensar?
Kiernan entreabriu os olhos com uma expressão irada.
—Quem disse que o estou atormentando, Jesse? Deus bendito, eu acho que ele é mais
homem do que você!
De repente, ele a agarrou com tanta força que mal podia respirar.
—Em que sentido, Kiernan? É mais homem quando a beija, quando a acaricia? Decidiu pôr a
prova sua melhor arma com Anthony também?
—Me solte ianque arrogante! —Replicou ela— Como se atreve a insinuar essas coisas!
Anthony é muito nobre...
—Anthony está muito louco de amor, Kiernan — disse sem rodeios— Não esteve fazendo
amor em cantos escuros. Permite que faça dançar seu desejo e não pede nada em troca além de
um de seus fascinantes sorrisos. Mas eu não sou Anthony, Kiernan. Eu te amo, mas meu cérebro é
meu e não posso mudar o que considero correto ou incorreto por você, nem por ninguém.
Entendeu?
Ela entendeu que foi rejeitada ... e também sua maneira de vida. Por algo que podia, ou não,
acontecer no futuro.
Tentou escapar dele, dilacerada pela dor.

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— Não me toque nunca mais, Jesse Cameron!


— Tocar em você? Bem, senhorita Mackay, me corrija se eu estiver errado, mas eu podia
jurar que que foi você quem cruzou a rua a toda velocidade para se jogar em meus braços.
—Que grosseria, que grande grosseria de sua parte dizer desse modo.
— É também porque eu não sou um idiota como Anthony.
Uma vez mais a abraçou muito forte, tanto que Kiernan sentiu o quente sussurro de seu
fôlego tão perto que notou a excitação de seu corpo. Que penetrava nela, avivando, perturbando.
— Kiernan, eu te amo. Eu sou o homem que você precisa, o único capaz de compreendê-la e
amá-la. Mas não me dominará. Entendeu? Eu lhe daria tudo que posso, mas há certas coisas que
eu não posso dar. Quando você estiver pronta para aceitar-me como sou, então acho, vem
procurar-me. — Então ele deu um sorriso amargo, aflito e com uma careta irônica, com a qual
zombava de si mesmo tanto como dela— Se tiver sorte, estarei esperando.
—Oh! —Gritou ela, mas ele a agarrava com muita força para poder bater nele— É um
bastardo!
—Eu sei.
Ele beijou-a novamente de um modo intenso, apaixonado e sugestivo. Beijou-a tão longa e
profundamente, que acreditou que a violou ali mesmo, em plena rua. Beijou-a até que cortou a
respiração até que as pernas deixaram de sustentá-la, até que o ardente fogo do desejo a possuiu
de um modo implacável.
E então a soltou.
—Até então, pequena — advertiu com aspereza— deixe de me atormentar!
Levou a mão ao chapéu a modo de saudação e seguiu seu caminho. Kiernan ficou ali
olhando, atônita.
Por um segundo, ela sentiu como se a tivesse golpeado na cabeça ... não, no coração.
Mas então seu orgulho veio em resgate e rapidamente o deixou atrás. Quando estava de
costa, disse em tom gélido:
—Por favor, comunique a meu pai que me retirei porque não me encontrava bem.
Ele a agarrou pelo braço e a obrigou a virar-se. Tinha os olhos brilhantes e sorria com
ternura.
—Não. Não acreditará que ficou doente de repente. Simplesmente você não é das que
sofrem enjoos, Kiernan.
—Muito bem! —Replicou ela— Então, jantemos!
Voltou a adiantar e se deteve uma só vez para virar-se.
—Não me espere Jesse. Meus princípios são firmes.
Cruzou a rua antes que ele e jantaram. A conversa foi fluída e educada e todos os presentes
haveriam dito que foi um jantar agradável entre amigos.
Depois acabou. Jesse se levantou, desejou boa noite aos homens e disse que voltava para
Washington nessa mesma noite.
Deteve em frente à Kiernan. Levou sua mão aos lábios e a olhou nos olhos.
—Boa noite, Kiernan — disse em voz baixa— Foi um prazer.

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—Certamente foi, capitão — respondeu ela com dignidade régia. Retirou a mão, sustentou o
olhar e disse simplesmente— Adeus, capitão.
Ele assentiu, baixou a aba de seu chapéu de plumas e saiu da sala a passos largos.
No final de alguns minutos, Kiernan ouviu o som dos cascos de seu cavalo, que se afastava
da cidade.
E de sua vida.

Capítulo 8

Jesse sabia que Kiernan não assistiria o enforcamento. Não permitiriam, e embora fizessem,
ela não iria. Não tinha nenhuma possibilidade de vê-la ali.
E não devia vê-la. Ambos expuseram claramente suas posições. Ele não podia transigir. Se a
visse, desejaria, insistiria para que esquecesse Anthony, que se casasse com ele e o apoiasse como
devia fazer uma esposa. E aceitasse o que ele decidisse fazer no futuro.
Pediu que se casasse com ele. Mas não podia obrigá-la. Embora quisesse raptá-la mais de mil
vezes e obrigá-la a dobrar a sua vontade, sabia que aquilo nunca daria certo. De algum modo,
Anthony se sentiria obrigado por sua honra a desafiá-lo e ele não queria fazer mal a Anthony.
Mas ela não amava Anthony. Jesse sabia que estava apaixonada por ele. Ela o havia dito.
Nunca teve intenção de tocá-la. Mas quando a viu de pé sobre a cadeira olhando-o naquela
cabana junto ao rio, teve a sensação de que sempre quis tocá-la.
Talvez já estivesse apaixonado antes desse dia. Mas ao vê-la sob a luz resplandecente
daquela cabana, ao ver seu cabelo dourado e o brilho esmeralda de seus olhos, ao sentir a
suavidade de sua pele e aspirar seu aroma, soube que estaria presa a ela para sempre. Jesse podia
afirmar que não era como Anthony, mas era mentira. Durante o dia, o enfeitiçava, como
enfeitiçava Anthony, e de noite inflamava seus sonhos.
Não tinha nenhum direito sobre ela; sabia que sua consciência se interpunha entre ambos.
Mas sua arrogância o levou a acreditar que Kiernan não seria capaz de permanecer afastada dele,
que depois de ter estado juntos uma vez, o amaria mais do que qualquer crença ou ideal.
Ele estava errado.
Mesmo assim, voltou para Charles Town. Quando chegou a data fixada para enforcar John
Brown, estava em Washington e desfrutava de uma longa licença. De modo que decidiu ir até ali.
Esteve presente no princípio do drama que envolvia o velho John Brown. Portanto, também
presenciaria o final.
Era 2 de dezembro de 1859. O dia estava frio, mas claro.
Após o julgamento havia estabelecido que certas restrições em Charles Town. Muitos
temiam que nos subúrbios da cidade estivesse maquinando um plano de fuga, por isso distribuiu
um decreto avisando que os forasteiros que tentassem entrar em Charles Town seriam presos. Só
os militares estavam autorizados a aproximar do lugar da execução.
Mas aquilo não afastou os civis das ruas de Charles Town, nem impediu de seguir os
acontecimentos de tão perto quanto podiam. As pessoas foram em massa para ver John Brown

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pendurando na forca.
Jesse entrou sozinho na cidade com seu passe militar, no lombo de Pegasus, e se manteve
afastado da agitação geral. Entre muitos dos congregados respirava um estranho ambiente de
celebração, junto a certo sentimento sombrio. John Brown cometeu assassinatos e traição, mas
durante o julgamento se comportou corretamente. Jesse intuiu que se converteria em um mártir
para o Norte. Inclusive o governador Wise, quando perguntaram sobre o assalto, declarou: “ É o
homem mais corajoso que eu já conheci “.
—Cameron!
Jesse ficou surpreso ao ouvir seu nome Jesse e quando virou-se viu Anthony Miller. Miller ia
acompanhado de sua unidade da milícia local, mas se separou deles e cavalgou até onde estava
Jesse. Estendeu a mão com um amplo sorriso no rosto
— Você veio para a execução, certo?
Jesse apertou sua mão e depois deu de ombros.
—Suponho que vim ver o desenlace.
—E é um desenlace diabolicamente bom — disse Anthony resolutamente.
Jesse não tinha resposta para isso, mas Anthony não parecia precisar.
—Vieram ver um monte de pessoas interessantes. Por aí andam de alguns dos nossos
estimados senadores. E aquele que está com o regimento Richmond Grays é um ator. Eu o vi atuar
e é excelente. Chama Boots ou algo parecido. Booth, isso. John Booth. Se alguma vez tiver a
oportunidade, deve ir vê-lo atuar. Sim, há um monte de gente interessante aqui reunida.
—Há algum de meus vizinhos? —Perguntou Jesse. Queria saber a respeito de Kiernan. Ela
não assistiria o enforcamento, mas talvez estivesse na cidade e não pôde evitar de perguntar.
—Refere-se a John Mackay?
Referia a Kiernan Mackay.
—Sim.
Anthony encolheu os ombros.
—Não, não acredito que John venha. —jogou o chapéu para trás— Kiernan se foi; mantém
sua ideia de que deve seguir estudando. Nunca entenderei por que uma moça como ela necessita
de mais formação. Eu só quero me casar e acabar de uma vez. Suponho que não pode entender
até que ponto. Mas ela colocou na cabeça em partir para Europa por uma temporada. Diz que em
Londres há uma boa escola de senhoritas. — Ele balançou a cabeça, magoado e confuso.— John
está na costa, se despedindo dela.
Jesse assentiu. Seu coração deu um salto e o sentiu na garganta depois, caiu e bateu contra
as paredes do seu peito.
De modo que não estava com Anthony. Ela sabia o que fazia. Ia para o outro lado do oceano
para contemplar as coisas à distância.
—Quando voltará?
—Suponho que dentro de um ano.
Um ano. Muitas coisas podiam acontecer em um ano.
— Desculpe — disse Anthony— minhas tropas estão ali. Se quiser se unir a nós será bem-

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vindo. Mais tarde celebrará um jantar na casa do meu pai.


—Obrigado, mas tenho que voltar para Washington esta noite — respondeu Jesse.
Não era capaz de assistir uma festa depois de uma execução. Independentemente de que
aquele homem merecesse morrer, era um modo horrível de acontecer.
Entretanto, compreendia os sentimentos das pessoas. John Brown os atacou. Irrompeu em
Harpers Ferry para provocar uma insurreição. Quando perseguiu os proprietários de escravos no
oeste, assassinou a sangue frio; tirou a rastros aqueles homens de seus dormitórios e os matou
com sua espada diante de seus seres queridos. Em Kansas e no Missouri houve enfrentamentos
horríveis. John Brown não mostrou a menor compaixão. Era lógico que merecesse a morte.
Entretanto, Jesse acreditava firmemente no que Brown defendia: a liberdade para todos os
homens.
—Você não será um desses...? —Começou a dizer Anthony— Não será uma dessas pessoas
que opinam que John Brown deveria ser libertado, certo?
Jesse olhou para ele.
— Ele quebrou a lei— disse— Cometeu assassinato e traição. Não, Anthony, eu não sou dos
que pensam isso.
Anthony sorriu, envergonhado.
— Desculpe. Não pretendia dizer que fosse um desses abolicionistas liberais. Demônios,
você também tem escravos em Cameron Hall.
Sim, tinha, pensou Jesse. Alguns. Cameron Hall continuava funcionando como uma
plantação e ele compreendiam a situação econômica do Sul tão bem como qualquer um.
Entretanto, eles libertaram um grupo de escravos. Daniel, Christa e ele discutiram o assunto
com seu pai anos atrás. Decidiram que não comprariam mais escravos nos leilões. Se um escravo
se casava com uma escrava de outra plantação comprariam à esposa ou o filho. Também
estabeleceram um sistema para que os homens e as mulheres ganhassem sua liberdade,
confiando em que quereriam ficar como trabalhadores assalariados.
Mas Jesse sabia que aquilo não era mais que um pacto. Só era um pacto e ele se sentia
culpado por isso. Washington e Jefferson haviam assinado o mesmo pacto. Ambos defendiam a
liberdade para os escravos. Jefferson desejava libertar os escravos quando redigiu a Declaração de
Independência.
Mas achou que nunca conseguiria a unidade dos estados se tentasse fazer algo assim.
Depois de todos esses anos, a situação não melhorou.
— Fiquei muito feliz em vê-lo, Jesse—disse Anthony— Não se esqueça, você é sempre bem-
vindo.
—Obrigado, Anthony.
Anthony levantou outra vez o chapéu e se foi. Jesse ficou olhando enquanto se afastava.
Sentiu o sol no rosto e olhou para cima para ouvir o buliçoso movimento das montarias da
cavalaria. As tropas eram muito disciplinadas inclusive em meio daquele grande alvoroço.
Sua mente voou para Kiernan.
Ela se foi, pensou. Kiernan foi para um lugar onde ele não podia alcançá-la. Era melhor.

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Sob os raios do sol, Jesse esperou. Estava paralisado.


À hora prevista, John Brown apareceu. Chegou num carro puxado por cavalos e com as mãos
atadas nas costas. Avançou em silêncio, sentado, muito erguido e com uma dignidade serena.
Ia sentado sobre seu próprio ataúde.
Desceu da carreta muito solene e foi para o cadafalso com a mesma atitude.
Entre os militares ali reunidos fez silêncio. O xerife John W. Campbell colocou um capuz de
linho branco sobre a cabeça do prisioneiro e, em seguida, passou a corda em seu pescoço. O
carcereiro pediu a Brown que ficasse sobre a tampa.
—Você terá que guiar —disse Brown com voz firme— Porque não vejo nada.
O carcereiro fez e ajustou a corda.
—Seja rápido — disse Brown.
Um golpe com um machado fez com a que a tampa saltasse e com um som horrível o corpo
caiu pelo buraco.
John Brown estava morto.
O silêncio era absoluto. De repente, a voz de um militar o quebrou.
—Morte a todos os inimigos da Virgínia! A todos os inimigos da União! A todos os inimigos
da raça humana!
Jesse não sentia essa euforia. Mas, de acordo com o procedimento legal, John Brown foi
enforcado em uma preciosa manhã de inverno.
Brown disse que tinha apenas uma palavra no momento de sua execução, mas Jesse não
poderia esquecer algumas das coisas que este homem havia dito e escrito antes, especialmente a
frase que tinha escrito para um dos seus guardas, pouco antes da data do enforcamento.
“Os crimes desta terra culpada não serão purgados a não ser com sangue.”
John Brown estava morto. Aquilo era o final.
Aquilo não era mais que o princípio.
Jesse deu a volta em seu cavalo.
Seu coração se dirigiu ao norte.

SEGUNDA PARTE
Uma casa dividida

Capítulo 9

Cercanias de Cameron Hall, planícies da Virginia,


20 de dezembro de 1860

Kiernan contemplava Cameron Hall do alto de uma colina arborizada, do lombo de sua égua
malhada de cinza.
O sol acabava de sair. As gotas de orvalho brilhavam entre os pastos como um tapete de

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diamantes. A residência principal levantava majestosamente sobre suas colunas no centro de uma
imaculada parcela da propriedade. Atrás da casa havia um magnífico jardim, que no verão
enchiam de aroma das rosas. Era uma das mansões mais antigas das planícies da Virgínia; a
estrutura original foi construída pouco depois do massacre dos índios em 1622. Os antepassados
de Jesse —Kiernan não sabia com segurança quantas gerações atrás— colocaram com muito
carinho o primeiro tijolo, que levava seus nomes gravado. Ela foi construída com gosto requintado
e um profundo afeto por sua nova terra.
A casa suportou bem o passar do tempo e seguia sendo uma das mansões mais bonitas das
plantações nas margens do rio James.
Cameron Hall tinha uma galeria enorme e quando o tempo estava bom, as portas dos dois
lados da casa se abriram para que o ar fresco do rio atravessasse aquele enorme corredor e
chegasse até o interior da casa. A varanda se tornava uma extensão do corredor, aberta,
acolhedora e acariciada pela brisa.
Logo após a Revolução foram acrescentaram duas grandes alas a casa, que se estendiam
elegantemente de ambos os lados. A cozinha, o defumador, o tanque, os fornos, o estábulo e a
zona dos escravos se prolongavam da parte direita do edifício em direção ao precipício, onde
Kiernan observava naquele momento a febril atividade da plantação. Perto de onde ela estava,
montada em seu cavalo, junto a um arvoredo à margem do rio, estava o cemitério familiar. Os
Cameron jaziam ali desde que lorde Cameron, que construiu, e sua amada Jassy foram enterrados
por seus herdeiros. Naquele terreno tinha agora um belo monumento, circundado por um portão
de ferro forjado, com anjos, virgens e belas imagens esculpidas de Cristo. Era um cemitério bonito
e diferente que simbolizava a prosperidade da saga.
Desse lugar, Kiernan podia ver as encosta de grama que desciam do lado esquerdo da casa e
os muitos campos que ficava para além, campos do cultivo sobre o qual se edificou o Sul: de
algodão e tabaco.
Era a residência mais refinada e prestigiosa que alguém podia desejar. Os herdeiros de
Cameron Hall sempre tiveram fama de homens exemplares entre os notáveis do estado, os
consideravam um bom partido para suas filhas. Qualquer mulher desejaria um lar como aquele.
De seu posto de observação no topo do monte, Kiernan pensou que representava todo o
majestoso, refinado e belo que havia no mundo. Como sentiu saudades daquele lugar durante o
ano que passou no exterior! Percebendo que sentia mais amor por Cameron Hall do que por seu
lar, sentiu uma pontada de vergonha. Sua também era uma bela casa, construída de tijolo,
morteiro e pedra, e era também elegante e confortável. Mas tinha apenas cinquenta anos. Não
sobreviveu passagem dos séculos como Cameron Hall. Não tinha a personalidade de outras
residências da margem do rio James. Não parecia que vivesse, respirasse e fosse mais uma peça
daquele mundo.
Kiernan respirou profundamente. O ar transportava o doce aroma do pão assado à primeira
hora da manhã e do presunto defumado. Esse dia corria uma brisa muito fria que subia do rio, mas
não importava. Conhecia a névoa e o frio do inverno, como conhecia a umidade e o calor do
verão. Aquela era sua casa. Permaneceu afastada dela durante uma longa temporada e naquela

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manhã não estava muito certa porque tinha se atormentado por tanto tempo.
No início, pareceu que partir era a única forma de evitar um casamento com Anthony sem
ser abertamente cruel.
Também era uma forma de escapar de Jesse. Quando partiu, ele estava em Washington e
pareceu que estava muito perto. Sabia que Jesse desejou aquele destino quando saiu de West
Point, para não estar longe de casa. Na época seu pai ainda vivia, um homem que dedicou sua vida
ao exército.
Depois, Jesse foi para oeste com a cavalaria e também passou uma temporada lutando no
México, durante o final da campanha contra os índios.
Da mesma forma, passou algum tempo no “sangrento Kansas”, quando o governo tentou
encontrar a forma de deter aquele horror. Naquela época, Kiernan sabia muitas coisas sobre sua
vida. Daniel e ela escreviam com frequência. Ele sentia a necessidade de contar as coisas por
escrito e gostava de acompanhar o que estava acontecendo em casa. Naquelas cartas, Kiernan
sempre procurava informação sobre Jesse e sempre sabia o que estava fazendo.
E agora também sabia.
O ano que passou na Europa foi um período difícil deste lado do Atlântico, um período
terrível e tenso. Quando estava em Londres, Kiernan procurava com avidez todas as notícias que
podia encontrar a respeito dos estados. Leu dezenas de artigos políticos.
Velho John Brown se tornou um mártir. Os abolicionistas do Norte se uniram para garantir
que sua morte nunca fosse esquecida. Cantavam “O cadáver de John Brown continua se
revolvendo em seu túmulo”. E A cabana de tio Tom de Harriet Beecher seguia avivando as chamas
da ira.
Mas o pior acontecimento foi à eleição de Abraham Lincoln. Um fato que o Sul
simplesmente não conseguia digerir. Antes que Lincoln fosse eleito, Kiernan estava confiante que
o clima político se tranquilizaria e que as diversas facções do país conseguiriam conviver apesar de
suas diferenças, como fez na Revolução. Mas assim que soube do resultado voltou para casa.
Chegou justo quando surgiram notícias de que a Carolina do Sul se preparava para votar uma
convenção sobre a questão da secessão.
Outros estados seguiram seu exemplo, como Florida, Mississipi e Tennessee, por citar só
alguns. A sensação era que a Carolina do Sul se tornaria independente. Igual ao outros estados.
Mas, aparentemente, no momento a Virgínia mantinha a espera dos acontecimentos.
Prudente, precavida, digna, a Virgínia terra natal de muitos dos fundadores do país, esperava.
No entanto, muitos jovens da Virgínia não foram tão cautelosos e havia homens maduros
que organizavam milícias por toda parte. Os que eram ricos compravam cavalos, adquiriam
uniformes e armas. Recrutavam os pobres para que servissem sob suas ordens.
Se no final houvesse uma guerra estariam preparados.
Entre os notáveis sulistas havia muitos que foram recrutados ou eram sargentos do Exército
dos Estados Unidos, incluindo Robert E. Lee e Jeb Stuart, entre outros.
E os irmãos Cameron.
Daniel escreveu dizendo que esteve pensando em renunciar seu posto, mas nem Jesse nem

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ele o fez ainda. Poucos homens renunciaram. Estava por ver quantos fariam. E é claro, ficava por
ver o que fariam a Carolina do Norte e outros estados.
O sol continuou a subir no céu enquanto Kiernan seguia montada em sua égua e
contemplava a vista que tinha a seus pés. Voltou para casa assim que soube da eleição do
presidente. Desde que seu navio deixou o cais, em Londres, sentia um nervosismo crescente.
Durante todo o trajeto esteve perguntando por que partiu de casa em um momento tão crucial.
Londres pareceu fascinante e a academia para senhoritas foi muito agradável, mas do momento
em que chegou percebeu que a escola ficava pequena. Aquela foi uma etapa de espera para ela,
um tempo de reflexão.
E um tempo para sonhar, visto que não conseguiu deixa para trás Jesse. Quando em
novembro anterior descobriu que não estava grávida se sentiu decepcionada. Uma situação desse
tipo teria agido a seu favor, certamente que sim, pensou com uma ameaça de sorriso nos lábios.
Se tivesse sido necessário, seu pai teria obrigado Jesse a avançar para o altar na ponta da pistola.
Mas não foi necessário.
Como conseguiu dormir pelas noites, quando não fazia outra coisa que pensar nele? Pensava
em Jesse constantemente e revivia tudo o que aconteceu entre eles. Em Londres conheceu muitos
jovens, alguns aristocratas e outros muito ricos. Representou o papel que toda jovenzinha devia
interpretar segundo as normas estabelecidas, e tentou deixar de amar Jesse e se apaixonar por
outro. Ao ver que muitas de suas amigas se casavam seguindo a vontade de seus pais, agradeceu
enormemente a tolerância do seu. Mas tudo aquilo não tinha nenhuma importância. Ela não
precisava de um homem rico, pois seu pai já era. E não se impressionavam com os títulos
nobiliários; na realidade sentia muito mais carinho por Anthony e Daniel que por qualquer jovem
que conheceu nos salões londrinos ou que escolheu como acompanhantes para alguma noite
teatral em Londres.
Disse que possivelmente Jesse tinha razão a respeito dela. Tinha gostado flertar se encantou
que os jovens viesse em turba para seu lado rendidos por seu suave acento da Virgínia, que
ficassem sem fala quando conversavam com ela e que se ruborizassem quando tentavam
corresponder com alguma galanteria. Pensava que foi divertido pôr a prova seus poderes.
Salvo que todas as noites voltavam para seu pequeno quarto da escola e sofria uma intensa
dor em vez de se sentir triunfante. Aqueles jogos já nunca voltariam a ser inocentes como foram
no passado. Kiernan atormentava os outros porque se atormentava a si mesma.
Tinha muito medo de sofrer aquele tormento até o dia da sua morte. Uma tortura que Jesse
provocou.
Ela suspirou levemente e ouviu o som da sua respiração, misturada com a brisa.
E agora o quê? O que podia fazer? Continuar apaixonada por Jesse, rejeitar definitivamente
Anthony e rezar para que encontrasse outra mulher?
Abandonar seus princípios?
Não. Nunca poderia renunciar sua paixão por este lugar, por esta terra certamente, Jesse
tampouco seria capaz de fazer.
Agora que os acontecimentos se encaminhavam para um ponto crítico, Jesse teria que

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mudar seu coração e sua mente. Talvez Cameron Hall estivesse em perigo, assim como todas as
coisas que ele amava.

— Bem, bem. A que devemos este imenso prazer?


Kiernan esteve a ponto de dar um salto em sua sela quando ouviu aquela voz rouca.
Rapidamente virou-se e seu coração ricocheteou contra sua caixa torácica por causa da surpresa.
Era Jesse. Soube muito antes de ver. Reconheceria sua voz em qualquer lugar, a ouviu milhares de
vezes em sonhos, havia sentido aquele sussurro sensual que percorria sua espinha durante as frias
e intermináveis noites, enquanto lutava com todas suas forças contra uma lembrança que jurou
esquecer.
Olhou-o no rosto. Perguntou como se aproximou tão silenciosamente, ou talvez
simplesmente esteve tão perdida em seus pensamentos que seus sentidos a traiu.
Ele desmontou de seu cavalo Pegasus, esbelto e enorme, e se mantinha a certa distância.
Jesse criou Pegasus em Cameron Hall e o levou quando se uniu à cavalaria. Era um animal muito
bem treinado, mas nenhum cavalo que medisse quase um metro setenta podia atravessar os
arbustos sem fazer ruído.
Nem Jesse, mas lá estava ele, não havia dúvida, praticamente em cima dela. Alto, atraente,
de pé e imóvel sobre a grama alta. A brisa balançava seu cabelo e brincava com a gola
desabotoada de sua camisa branca de algodão. Ele estava vestido com roupas civis, com calças
beges e botas pretas, Vestido como o senhor de Cameron Hall. Seu cabelo tinha um extraordinário
tom escuro e o azul de seus olhos, inclusive a essa distância, parecia extraordinário. Sustentava as
rédeas de Pegasus com os pés apoiados firmemente no chão, as pernas separadas com a postura
própria de um cavaleiro e um ligeiro sorriso nos lábios.
— Então você voltou para casa — disse calmamente.
—E você também.
Com uma queda de olhos e um sorriso largo, ergueu os olhos para ela novamente.
—Supõe que eu não deveria estar aqui?
—Eu... eu acreditava que estava em Washington.
—Por favor, não permita que a grosseria de minha presença danifique sua visita. Minha irmã
está esperando você?
Kiernan negou com a cabeça.
—Ninguém me espera.
Não mudou e, entretanto estava mudada, pensou Jesse. Parecia mais refinada do que
nunca. Provavelmente sua roupa de montaria era a última moda francesa. O traje de veludo verde
era muito entalhado, mas a aba bicuda do boné de plumas verde contribuía com feminilidade e
elegância ao conjunto. Sob a jaqueta apertada, ela usava uma blusa de renda que somava à
delicada feminilidade do traje, apesar do corte tão masculino.
Ficava muito bem nela. Montada no lombo da égua malhada, era a própria imagem da
elegância e beleza. Estava deslumbrante. Seus olhos rivalizavam com o reflexo esmeralda dos
pastos banhados pelo orvalho. Seu cabelo, recolhido em tranças grossas presas na nuca, absorvia

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as cores do sol e brilhava com esplendor. Parecia mais velha e talvez mais sábia, porque em seu
olhar havia uma peculiar tristeza.
Ao vê-la, Jesse sentiu a dor que ele acreditava enterrada renascer novamente. Apertou e
estendeu os dedos e sentiu invadido por um calor como o que transmite o sol quando toca a pele
nua no verão. Sentia uma sensação agridoce ao vê-la; tê-la ali diante, recordar o que significou
acariciá-la.
Embora, provavelmente, não havia nenhuma diferença entre as mulheres, disse. Certamente
às escuras todas eram iguais.
Mas isso não era verdade absolutamente. Nenhuma mulher sentia como Kiernan, nem
sequer na escuridão. Nenhuma mulher tinha o mesmo aroma doce, nenhuma sussurrava nem
suspirava como ela.
De repente, tomado por uma raiva sombria, Jesse desejou de coração que estivesse casada
com Anthony. Se tivesse feito, ao menos poderia tê-la apagado de seus sonhos e de sua vida.
—O que está fazendo aqui, Kiernan? —Perguntou de repente com agressividade.
Ela se ergueu sobre seus arreios.
— Eu também me alegro em vê-lo, Jesse — respondeu com frieza.— Está invadindo minha
propriedade, meu Deus, suas maneiras não melhoraram — começou a dizer ela, mas ele soltou as
rédeas e se aproximou com algumas pernadas. Ela quis retroceder, mas ele já havia pego as
rédeas. Reteve à égua e a agarrou-a sem dar tempo para reagir.
—Jesse, o que acha que está...?
Mas ficou calada, porque sabia o que estava fazendo. A puxou para baixo e a tomou entre
seus braços. Todo o frio do inverno se dissipou imediatamente quando a agasalhou com aquele
intenso abraço. Beijou-a enérgica e grosseiramente, envolvendo com todo o calor de seu corpo e
com a lembrança daquele esplendor.
Sua mão percorreu com doçura seu queixo, explorando a estrutura de seus ossos e a textura
de sua pele. Mas a olhava de um modo selvagem enquanto acariciava suavemente sua face com o
polegar, e apertava seu corpo contra ela, duro como uma pedra. Kiernan ficou presa entre o
homem e o cavalo, a gastos daquela energia desatada.
—Deus, como eu senti falta de você! —Murmurou Jesse— Não pode imaginar quanto. Toda
vez que eu fui a um baile, e ouvir o farfalhar da seda rezei para que ao virar-me você estivesse ali.
E todas as malditas noites que eu fiquei acordado pensando em você; inclusive quando dormia,
sua presença invadia meus sonhos. Cada vez que acariciei o cabelo de uma mulher, pareceu
áspero ao tato porque não era o seu; não era da cor do fogo, nem tinha o brilho de cetim, nem a
suavidade do veludo e a seda. As palavras a meia voz não eram as mesmas, é uma bruxa!
Maldição. Mil vezes maldição!
Ela olhou em seus olhos e sentiu o calor e o ódio que havia dentro.
E sentiu muito mais. Sentiu a necessidade de seu toque. Sentiu a ansiedade e a tensão do
corpo que se abraçava a ela. E quando ele aproximou bruscamente a boca de seus lábios outra
vez, ela os abriu instintivamente e respondeu com uma doce lembrança que varreu aquele tempo
que os separou.

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Estava de volta em seus braços. Nada mais importava.


Kiernan afastou consciente do fogo que acendeu entre eles. O desejo que permaneceu
adormecido enquanto esteve longe dele, voltava para a superfície de seu ser. Era como se seu
coração pulsasse por ele, como se cada vez que respirasse fosse por ele, como se suas pernas
ardessem por ele e como se as chamas que queimavam suas entranhas a partissem pela metade.
Necessitava desesperadamente estar com ele.
Umedeceu os lábios e enfrentou seu olhar apaixonado. Tentou recuperar o fôlego e depois a
voz para sussurrar:
—Onde podemos ir?
Ele sorriu de orelha a orelha e Kiernan percebeu que ele tinha feito a mesma pergunta há
um ano atrás.
E ela o levou até seu refúgio.
— Eu vou lhe mostrar — respondeu Jesse baixinho.
Eles deixaram os cavalos em um pasto no topo do morro e ele pegou a mão dela e a levou
rapidamente para baixo da encosta. Parecia que apenas alguns segundos se passaram quando
passou correndo junto ao cemitério e penetraram na densa folhagem que tinha na beira do rio à
esquerda do embarcadouro. Penetraram entre os arbustos e as árvores e chegaram a um
arvoredo onde se elevava um elegante caramanchão branco, uma casinha de verão. Estava
rodeada por uma galeria, igual à mansão. Era de forma octogonal e suas portas de vidro gravado
acolhiam a brisa procedentes do rio quando estavam abertas, mas mantinha o calor do interior
contra os rigores do inverno. Kiernan conhecia aquele lugar, já que tinha ido ali frequentemente
quando era menina.
Jesse abriu as duas folhas da porta que permaneciam fechadas durante o frio mês de
dezembro. Conduziu-a ao interior, voltou a fechar e se apoiou no batente. Esteve um bom
momento olhando-a; de repente, Kiernan teve medo do motivo pelo qual a levou até ali, mas ao
mesmo tempo se sentiu invadida por um crescente prazer e irresistível. Ele estava extremamente
atraente. O branco da camisa que usava contrastava com o tom bronzeado de seu rosto e seu
pescoço. A malha simples de algodão realçava a silhueta de seus ombros, do peito e os braços.
Talvez tivesse mais rugas no rosto, pensou Kiernan, esculpidas mais profundamente ao redor dos
olhos. Mas pareceu mais bonito do que nunca; sereno, zombeteiro, exigente. Ambos estava mais
velhos e Jesse era cada vez mais sensual.
E mais teimoso, pensou ela por um instante.
Logo estaria entre seus braços. E agora que voltou para casa. Permaneceriam juntos.
—Jesse...
Ele lançou uma maldição ininteligível com um matiz de angústia e voltou a aproximar dela.
—Não, maldição não quero falar!
Tirou o chapeuzinho e, antes que ela pudesse deter, tirou as forquilhas. Soltou seu cabelo e
voltou a acariciá-la com os lábios e a boca, com um ardor que excluía toda decência e despertou
apaixonadas chamas do desejo. Era correto amar tão profunda e desesperadamente? Kiernan não
sabia só sabia que entre seus braços esquecia sua alma, que ansiava acariciar sua boca com os

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lábios, que rendia diante do êxtase puro de seus beijos, apalpando, procurando e acariciando uma
e outra vez.
No caramanchão não havia cadeiras, nem cama, nem divã. Mas sobre uma mesa de ferro
forjado havia uma toalha. Jesse a pegou estendeu no chão e depois voltou para seu lado.
Nem sequer o fogo mais ardente do desejo podia mitigar o frio que fazia naquela casinha de
verão. De modo que ele não tentou tirar a roupa.
Agarrou-a no colo, levou-a até a toalha e a estendeu em cima, enquanto a olhava nos olhos
com o brilho esmeralda do desejo e entrelaçava os dedos sobre sua nuca jogando com seus
cabelos ébano. Quando já estava deitada no chão, sentiu outra vez a umidade de um beijo, quente
e acalorado, que acariciava e separava seus lábios; uma língua que procurava, dentes que
pressionavam docemente o lábio inferior e outra vez aquela língua que encontrava com a sua
justo onde suas bocas abriam, até que finalmente ambos fecharam os lábios abraçando o desejo
insólito do beijo.
O corpo de Kiernan seguia apertado e preso pelo veludo que lhe dava calor, um calor que se
mesclava com o crescente ardor de seu corpo que desejava aquelas carícias. Carícias que surgiram
com muita doçura. Ele desabotoou sua jaqueta de veludo e seus seios surgiram transbordantes
entre uma espuma de roupa íntima de seda e renda. Desatou a blusa e o laço que segurava as
meias. As mãos de Jesse vagavam livremente sob as camadas de tecido. Começou a deslocar
sensualmente a palma por debaixo do veludo da saia, para acariciar a pele nua da coxa, da
nádega, do quadril. Com cada carícia ela notava o toque quente de veludo. Uma crescente espera
se deslizou por seu corpo, primeiro doce e depois grosseiramente erótica, enquanto ele não
deixava de beijá-la e de acariciá-la. Sempre ali, pego a sua pele. Separava os lábios, era
unicamente para rodear e subir até o pináculo rosado de seus seios com sua boca sedutora. Sua
língua brincava com o mamilo apertado e em seguida voltava a envolvê-lo com os lábios para
sugar com força, provocando extraordinárias ondas de calor úmido e suave que atravessavam o
corpo de Kiernan e a empapavam de um desejo que se concentrava intensamente naquele ponto
entre suas coxas.
Ele descobriu esse ponto com suas carícias. Com uma precisão audaz e devastadora,
acariciou ali onde mais ansiava que fizesse. Centrou naquele ardor insólito e naquele doce néctar
e a acariciou até que sua garganta não pôde reprimir os suspiros e ela começou a balançar ao
ritmo de sua mão. Tinha a saia de veludo por cima do quadril e naquele momento notou a dureza
pétrea de sua ereção que a inflamava de erotismo ao roçar contra seu ventre nu; ela baixou a mão
para tocar. Rodeou com os dedos aquela dureza ereta, ardente de força vital e esteve a ponto de
afastar, assombrada pelo poder abrasador, pela força e a pulsação daquele vigor tão masculino.
Apertou os dedos e os manteve ali. Ele voltou a capturar seus lábios com um beijo e a brincar
perversamente com eles. Ela, fascinada, explorou aquele aço vivente, tremendo enquanto o
acariciava e o tocava, descobrindo o ninho de pelo da virilha, as suaves bolsas em seu interior e de
novo a abrasadora vara de seu sexo. Os gritos roucos e os suspiros de Jesse a guiaram, até que
repentinamente se colocou sobre ela e respondeu à súplica que sentia nas vísceras, com a
investida dura e impetuosa de uma lança que a penetrou profundamente, até o fundo de seu ser,

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como se acariciasse ao mesmo tempo o útero e coração.


Um incêndio eclodiu.
Apesar de rajadas de vento de inverno rodeassem a casinha de verão, o frio desapareceu do
interior. Todos os sonhos de Kiernan na longínqua Inglaterra obtiveram resposta: as noites de
solidão, o tempo de espera e os intermináveis dias durante os quais o desejo permaneceu
adormecido, porque o homem que alimentava o fogo desse desejo foi negado..., por sua própria
escolha.
Mas agora o tempo havia melhorado e o mundo foi eclipsado. Kiernan apenas viu o rosto,
não ouvindo as palavras de sua boca. Mas ali estava de novo, a mercê do ritmo de suas paixões,
prisioneira do desesperado e embriagador desejo que ascendeu entre eles. Onde estava a
disciplina, onde estava à consciência, a honra? E, meu Deus, onde foi à compostura?
Quando estava entre seus braços não sabia, nem tampouco importava. A brisa trazia o doce
aroma do rio, misturado com o suave e único perfume que desprendia Kiernan. O corpo de Jesse
seguia movendo constante, deliciosamente, girava e se retorcia, provocando quando se afastava e
gratificando quando voltava mais úmido e brilhante, e renascendo com mais ímpeto em cada
investida. De repente se deu conta que era ela quem emitia aqueles gemidos, aqueles leves gritos
de prazer e que aquilo a impulsionava a desejá-lo com um frenesi ainda maior, a unir-se a ele, a
fundir totalmente seus corpos. E então, de repente, sentiu aquele maravilhoso estalo. Alcançou o
delicioso topo e ela ficou intumescida, embriagada, abrasada pelo prazer que estendia por todo
seu corpo. Estremeceu ao sentir que a penetrava uma e outra vez. Deixou se levar quando Jesse
voltou a mover, uma vez e outra; depois desabou sobre ela enquanto a doçura que ele desprendia
a impregnava por completo.
Jesse se deixou cair a seu lado e a abraçou. Ficou quieto um momento, mas logo agarrou um
de seus cachos, o aproximou do rosto e inspirou profundamente.
—Oh, Jesse — sussurrou ela.
— Eu me pergunto como pude viver sem você — murmurou ele.
Ela revolveu entre seus braços, encantada de estar agarrada a ele e desfrutar do calor e
ternura que ele oferecia.
—Oh, Jesse, sempre é assim?
Ele a beijou na testa.
—Não, nunca é assim.
—O que vamos fazer? —Perguntou ela.
Para sua decepção, ele afastou-se delicadamente e levantou-se. Abotoou a camisa com
expressão ausente, entrou nos calções e abotoou as calças. Kiernan sentou-se e ajeitou a roupa
com mais dificuldade.
Ele foi para as janelas de onde se podia ver a casa. As majestosas e suntuosas colunas da
varanda mal distinguíveis entre a vegetação. Mas ao aproximar um pouco mais, olhou para o topo
de um dos belos monumentos que estavam dentro do cemitério da família.
— Eu amo este lugar— disse repentina e apaixonadamente— meu Deus, amo este lugar.
Eu amo você, você, Jesse. Kiernan estava prestes a pronunciar as palavras que já havia dito

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em outra ocasião. Sabia que ele também a amava, de modo que disse o mesmo que ele e suas
palavras eram certas também.
—Eu também amo, Jesse — murmurou.
Ele voltou de repente com as mãos nos quadris. Com o cabelo totalmente revolto, tinha o
aspecto do homem que realmente era, mais amadurecido e mais sábio que muitos dos que ela
conhecia, talvez até cansado do mundo. Era terrivelmente atraente, sensual, audaz, sexual, duro...
o autêntico senhor de seu mundo.
—Então, se case comigo — disse Jesse.
Consternada, Kiernan baixou os olhos e começou a tremer. Amava Jesse, queria casar com
ele. Queria viver com ele nesse lugar como à senhora de Cameron Hall, e queria ficar velha
desfrutando de um refresco no verão sentada com ele na varanda, vendo crescer seus filhos.
No princípio não pôde pronunciar a palavra. Depois murmurou:
—E se houver guerra?
—Agora não há guerra.
—Lincoln em breve será presidente.
— Por que diabos você está interessado na política? —Espetou Jesse com certa
agressividade— É indigno de uma mulher.
Ela se levantou sobre os joelhos e replicou elevando a voz:
—Jesse! Você não pensa assim, antes não pensava assim!
—Talvez agora sim — respondeu. Olhou-a fixamente e disse— Case comigo.
Ela levantou e arrumou a saia. Foi para ele, apoiou em seu peito e notou os batimentos de
seu próprio coração. Sim, eu vou me casar com você, não há nada no mundo que eu quero mais!
Tinha as palavras na ponta da língua, desejava dizer.
—Oh, Jesse! —Murmurou desolada e dirigiu-lhe um olhar suplicante— Prometa-me que vai
ficar comigo, você estará sempre do meu lado!
Ele fez uma careta.
—Em seu lado. É seja bom ou mau.
—Jesse, também é seu lado!
Ele sorriu e aproximou os lábios para beijá-la com carinho, enquanto sustentava a cabeça
entre as mãos com muita ternura.
De repente afastou com o cenho franzido. Durante um segundo ela não entendeu o que
acontecia, até que também ouviu o som dos cascos dos cavalos.
—Jesse, Jesse! Maldição, aonde diabo está?
Era a voz de Daniel; parecia nervoso e emocionado. Kiernan deu um passo atrás
rapidamente e afastou o cabelo com os olhos baixos.
Instintivamente, Jesse se colocou diante dela para protegê-la e depois apareceu pela porta
da galeria da casinha de verão.
— Eu estou aqui, Daniel. O que aconteceu?
Assim que se convenceu de que estava relativamente apresentável, Kiernan saiu e ficou ao
lado de Jesse. Daniel aproximava cavalgando entre as árvores; era tão bom cavaleiro como seu

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irmão. Seus olhos azuis cintilavam cheios de vida. Abriu a boca para falar, mas então viu Kiernan.
—Kiernan! Está em casa e está aqui!
Desmontou de um salto e antes que ela desse conta, a abraçou, a fez dar voltas no ar e deu-
lhe um sonoro beijo na boca.. Jesse os observava da soleira, com aquele desconcerto que parecia
sentir cada vez que encontravam, como um personagem muito digno que contempla o reencontro
de seus filhos
—Sim, estou em casa! —Kiernan começou a rir e o abraçou também— Eu disse que voltaria.
—Sim, mas não sabia que tinha chegado.
De repente afastou o olhar e se fixou em Jesse e em seguida outra vez nela. Deve ter notado
que estava um pouco despenteada.
Mas qualquer que fosse o que ele pensava ou soubesse, reservou para si. Antes que ele
pudesse dizer mais, Jesse se aproximou de ambos com algumas pernadas e perguntou:
— Daniel, o que aconteceu? Por que você veio correndo até aqui?
—Oh, Oh, Meu Deus! Já aconteceu!
—O que aconteceu?
—A secessão, Jesse. A secessão! Carolina do Sul acaba de votar a favor da independência da
União.

Capítulo 10

A notícia de que a Carolina do Sul votou a favor da secessão se estendeu pela Virgínia como
um incêndio incontrolado. A decisão foi tomada em 20 de dezembro e, aquela mesma noite, os
sinos de Charleston anunciaram o início de uma nova era para o estado. Na realidade não foi uma
grande surpresa.
Desde a eleição do presidente republicano — Lincoln foi claramente contra a escravidão,—
dificilmente podia esperar outra coisa.
Por todo o território do Sul organizaram outras convenções. Quando chegou o dia de Natal
de 1860 a tensão estava em brasa e agitação crescendo.
Entretanto, tanto Jesse como Kiernan estavam tranquilos. Na Véspera de natal, Kiernan
assistiu à festa natalina em Cameron Hall. Os convidados vinham de vários quilômetros em volta,
incluindo Anthony e sua família. Era a primeira vez que Kiernan via Anthony desde que retornou a
Virginia, quando ela o cumprimentou, se esforçou para ser afetuosa. Anthony não mudou durante
o ano passado. Pelo visto acreditava que a esta altura Kiernan já fez todas suas aventuras de
ânsias femininas. Olhava-a com uma ternura e uma impaciência evidente.
Ela o viu primeiro na galeria exterior. Era uma Véspera de natal fria, mas as portas estavam
totalmente abertas, porque a multidão de convidados que foram à festa criava uma atmosfera
extraordinariamente quente no interior da casa. Em todas as lareiras da majestosa mansão ardia
um fogo resplandecente. Para a ocasião, Cameron Hall foi enfeitada com ramos de azevinho, velas
perfumadas e guirlandas. Junto às lareiras servia ponche quente e um doce aroma de canela
flutuava no ar.

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Kiernan chegou logo acompanhada de seu pai, e Christa e Daniel a receberam com um
caloroso abraço. Jesse a agarrou pelos ombros e a beijou discretamente no rosto enquanto seus
olhares se encontravam. Pouco podia dizer diante dos outros.
Não pode falar desde que Daniel comunicou a notícia da secessão. Daniel, que os
acompanhou de volta a Cameron Hall para contar a Christa, insistiu em levá-la para casa para
informar das novidades a seu pai.
As notícias aumentaram enormemente o nervosismo. O único a quem os acontecimentos
não afetavam era Jesse.
—Na Carolina do Sul insistem em que será uma secessão pacífica — disse Daniel.
—Não será pacífica — respondeu Jesse com tranquilidade.
— Bem, agora cabe aos outros estados escolher o lado — constatou Daniel.
Todos sabiam que o que fizessem os outros estados não importava muito; a única coisa
importante era o que fizesse a Virgínia. Kiernan não teve a oportunidade de falar com Jesse a sós.
O resto dos convidados da festa de Natal chegou imediatamente depois dela.
Era uma ocasião alegre. Em que apesar das especulações e o nervosismo fossem cada vez
mais patentes, continuava sendo a véspera de Natal, um feriado marcante e íntimo. Os convidados
vieram vestidos com seus melhores trajes:: os homens com distintos e elegantes smoking; as
damas com todo tipo de modelos de veludo, seda e pele. Apesar do frio, exibiam seus bustos até
onde a moda o permitia. Violinos e flautas se uniram à música do piano que colocaram no enorme
vestíbulo, que interpretou peça atrás de peça para os bailarinos que parecia não conhecer o
cansaço.
Quando Anthony e sua família chegaram, Kiernan estava na galeria com Christa. Christa, a
última dos Cameron, era uma beleza, herdou os olhos azuis da família e um cabelo negro que
contrastava com uma cútis cremosa e traços delicados e elegantes. Sempre estava disposta a
imitar seus dois irmãos. Christa sussurrou no ouvido de Kiernan que Anthony havia chegado e,
arrastando o voo de sua saia de seda e tafetá, ela mesma foi saudar os Miller. Ali estavam Anthony
e seu pai, acompanhados de Patrícia e Jacob, seus irmãos menores. Kiernan permaneceu em seu
lugar, vendo como os três Cameron se reuniam na galeria e davam boas vindas aos recém
chegados. Os Miller tinham percorrido um longo caminho. Eles haviam sido convidados a
permanecer na propriedade e, provavelmente, ficariam até o Ano Novo.
Anthony se comportou de forma impecável, como sempre. Mas depois de apertar as mãos
de Jesse e Daniel e beijar Christa no rosto, rapidamente passou o olhar entre a multidão até que a
encontrou.
Kiernan ficou imobilizada pela expressão de seus olhos; a situação era um tanto ridícula. A
ternura daquele olhar era quase insuportável. Anthony passou rapidamente entre os bailarinos, os
comensais e os barulhentos convidados para ir a seu lado.
Kiernan sabia que Jesse estava olhando enquanto ele se aproximava e que também a
observava.
Anthony veio até ele e acariciou-lhe os ombros com os dedos trêmulos.
Atraiu-a para si e deu-lhe um beijo absolutamente correto, mas cheio de carinho no rosto.

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resistia a soltá-la.
—Kiernan, senti muitas saudades. Você finalmente voltou para casa? Isso espero. As coisas
estão indo muito depressa. Possivelmente haverá guerra. Já não pode continuar dando voltas pelo
mundo. Tem que ficar em casa... E se casar comigo. Deixe-me anunciar isto neste Natal, Kiernan.
Por favor, me ofereça este presente!
Ela olhou fixamente em seus afetuosos olhos castanhos e notou a tensão naqueles braços
que a retinham.
—Oh, Anthony! —Disse com pena—. Não posso. Simplesmente eu não posso!
Uma sombra de decepção apareceu nos olhos de Anthony. Mas engoliu em seco e
rapidamente voltou a dizer com doçura:
—Voltei a pressioná-la. Perdoe-me.
Kiernan desejava dizer a gritos que ele não tinha por que pedir perdão. Ela sim. Mas não
podia confessar que estava apaixonada por outro homem. Embora talvez devesse fazer; desse
modo tudo terminaria. Mas ela não podia causar mais dor aos olhos que a olhavam sombrios.
Nem sequer enquanto Jesse a estava olhando.
Ou talvez porque Jesse a estava olhando. Talvez Jesse necessitasse que recordasse que havia
outros homens capazes de amá-la; homens que não traíam os seus.
—Eu adoraria dançar, Anthony — disse finalmente. Olhou Jesse por cima do ombro de
Anthony e antes de se afastar em seu braço, dedicou um esplendoroso sorriso.
Estavam no Natal e aquilo era uma festa. Dançou com Anthony, com Andrew e com Jacob, o
irmão mais novo de Anthony. Dançou com seu pai, dançou com Daniel e dançou com muitos
outros convidados. Homens bonitos, jovens virginianos, latifundiários, militares amigos dos
Cameron, vizinhos... homens galhardos e fascinante jovens com quem flertou abertamente.
Jesse também dançou com sua irmã e com Patrícia, a bela irmã de Anthony..
Depois dançou com Elizabeth Nash, a herdeira do aço, de Richmond. Em seguida, dançou
com Charity McCarthy, a viúva de um senador, que seguia residindo em Washington. Vivia muito
perto do lugar em que Jesse estava destinado, pensou Kiernan com amargura.
Jesse dançou outra vez com Charity. Nos braços de um tenente da Virgínia, Kiernan o viu
novamente em companhia de Charity, aquela muito elegante viúva de cabelo castanho.
A mulher ria com a cabeça inclinada para trás, deixando descoberto boa parte dos ombros e
do busto, e o medalhão de diamantes que levava para realçar seus atributos naturais. Jesse a
agarrava pela cintura e seu olhar parecia cativada pelos olhos dela. Também dava a impressão que
nada no mundo importava, salvo aquela refinada mulher que tinha nos braços.
— Eu estou apaixonado.
Sobressaltada, Kiernan voltou para olhar o jovem tenente com quem estava dançando. Era
um rapaz muito bonito, com cabelos loiros, os olhos quentes amendoados e faces que não
precisava barbear. Olhava-a com um doce sorriso.
—Estou apaixonado. Sinceramente, senhorita Mackay, você é a mulher mais bonita que já vi.
Eu posso ousar confiar que vamos nos conhecer melhor?
Kiernan pensou que provavelmente era um ano mais novo que ela. Ficou olhando sem saber

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como reagir e então percebeu que Jesse segurava outra vez o braço da viúva de Washington.
Kiernan deslumbrou o rapaz com um sorriso.
—Eu aprecio muito meus amigos, senhor. E eu ficarei feliz em considerá-lo um deles.
Após alguns minutos, ficou surpresa ao notar uma mão que apertou seu braço e foi
arrastada para os braços de Jesse. Aqueles olhos azuis, tão apaixonados como sempre, tinham um
brilho comprometedor e malicioso e procuravam seu olhar com ar inquisitivo.
—E agora o quê, senhorita Mackay? Outra conquista? Não basta que o jovem senhor Miller
desestabilize cada vez que está perto de você? Terá outro jovem ofegando diante de qualquer
insinuação de uma promessa? Ou passou a considerar que o amor é um esporte?
Kiernan esticou a mão, disposta a esbofeteá-lo. Mas ele a tinha bem presa e suas palavras
foram ágeis e severas.
—Não, cuidado, querida! Imagine o que pensariam todos de repente desse um tapa no
anfitrião no salão de baile. Seu pai ficaria horrorizado e eu seria obrigado a contar a verdade de
nossa relação. Anthony se sentiria ofendido e moralmente obrigado a ir a seu resgate para salvar
sua honra. Não ficaria mais remédio que me desafiar. E eu teria que fazer todo o possível para sair
com vida do duelo e ao mesmo tempo tentar não matar o pobre rapaz. É isso o que quer Kiernan.
Que dois de nós, ou três, ou talvez mais briguemos por você?
Ela seguia querendo esbofeteá-lo. Mas sobre tudo queria chorar. Baixou o olhar e moveu a
cabeça.
—Não. Não, não é isso o que quero. —Voltou a observar com os olhos úmidos— O que eu
quero é você, Jesse.
Ele sorriu, devagar; com um esgar de dor que parecia zombar de si mesmo desenhou em
seus lábios.
—Mas já me teve Kiernan. E me tem ainda.
Atravessaram o salão dando voltas ao som da música uma vez mais. Kiernan sabia aonde a
levava. Foram girando até chegar às portas abertas da entrada e seguiram adiante. Quando saíram
para a varanda, ele tirou sua preciosa casaca para colocar sobre seus ombros. Da zona dos
escravos chegava o som de risadas e canto. Deliciosos aromas procedentes da cozinha e do forno
impregnavam a atmosfera. O ar estava carregado daquele doce aroma de Natal, um aroma de
canela, lavanda, azevinho, ponche, rum, bolo de frutas e de tantas outras fragrâncias especiais.
Kiernan sentiu que voltaria a chorar. Estendeu os braços como se quisesse abraçar aquele
cenário: a varanda, o jardim de inverno, a grama que descia para o rio, o estábulo e outros lugares
da linda propriedade, o cemitério com sua longa história.
—Isto! —Murmurou— Isto é o que quero.
Ele sorriu e sentou no alto da grade que havia no final da varanda e a atraiu para si.
—Isto? A casa? Se for por isso podia ter casado com Daniel faz tempo.
Ela ruborizou.
—Não, não me refiro a casa, embora a adoro. —voltou para ele, muito séria— Jesse, amo
você. E quero a vida que sempre levamos. Quero o rio e quero a terra, e quero muitos anos com
Natais como este. Quero o refinamento...

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—Sabe a quantidade de trabalho que há em uma plantação? —Recordou bruscamente.


Sim, sabia. Supunha trabalhar de sol a sol, independentemente dos escravos que um homem
ou uma tivessem. Significava fiscalizar constantemente uma residência enorme. A lavanderia, as
velas de cera de abelhas, costurar, limpar, fazer compras, colher e estar sempre atenta aos
problemas, solucioná-los e em seguida voltar a começar de novo, uma e outra vez. Mas a Kiernan,
isso nunca importou. Serviu de anfitriã ao lado de seu pai desde que era criança e aprendeu
aquele papel à perfeição.
Tudo aquilo sentiu em momentos como esse, momentos nos quais podia contemplar o rio.
—Eu quero isto — murmurou— Quero você e a mim e isto. Quero ficar velha organizando
festas como esta e sentar nesta varanda. E ver meus netos brincar de correr pela grama. Quero
que me enterrem naquele pequeno cemitério, com uma lápide que diga Cameron.
—Então se case comigo — interrompeu Jesse— Embora não pudesse prometer nada mais,
vejo que está interessada em descansar neste terreno com uma lápide com o nome Cameron.
Ela separou dele e o olhou com severidade.
—Está rindo de mim, Jesse.
—Não — disse ele com doçura— Eu não estou rindo.
Seus olhos tinham um tom escuro, de um azul violáceo. Olhava com uma mistura de ternura
e cordialidade. Durante um instante, ela acreditou que compartilhavam tudo, que ele
compreendia perfeitamente como sentia, que amava as coisas que ela amava e que a amava.
Embora talvez fosse só o instante em si mesmo o que compartilharam. Mas Kiernan sentiu
impulsionada a aproximar mais e a observar com crescente fascinação, enquanto Jesse inclinava e
acariciava sua boca com os lábios, suave, lenta, Oh, tão doce e meigamente...
Separaram, olhando mutuamente.
Foi então quando Kiernan ouviu de repente o som de um homem que pigarreava. Jesse
olhou por cima de sua cabeça e ela voltou, aterrorizada.
Era seu pai. O ardor queimou seu rosto e se perguntou que ele teria visto.
Viu o suficiente. Olhava Jesse com dureza.
—Kiernan, entre em casa — disse em tom autoritário.
—Papai... —começou a protestar.
—Kiernan, seu pai disse que entre em casa — recordou Jesse com firmeza e sem deixar de
olhar para John.
Kiernan nunca havia sentido aterrorizada por seu pai, o amava, o amava com loucura.
Sempre foi um bom pai, generoso e inclusive terno. Afinal, eram uma família e só tinham um ao
outro. Mas naquele momento, aqueles olhos, que estavam acostumados a ser de um azul suave e
amável, eram tão duros como aço.
Ela queria protestar, mas olhou primeiro para Jesse, depois para seu pai e outra vez para
Jesse. Nenhum dos dois parecia prestar a menor atenção.
—Papai, Jesse...
Ambos voltaram a olhá-la e disseram juntos:
—Entre Kiernan.

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Cameron 1

Tremendo e furiosa porque deram a ordem desse modo, apertou os dentes, elevou o queixo
e foi para a entrada, amaldiçoando sua condição de mulher.
Mas deteve justo atrás da porta e tentou escutar o que diziam, enquanto seu coração
pulsava no interior de seu peito.
Primeiro ouviu a voz de Jesse assegurando a John que suas intenções eram absolutamente
honradas. Na verdade, pediu Kiernan que se casasse com ele. Entretanto, ela não aceitou e por
isso não falou ainda com John.
Surpreendentemente, seu pai permanecia em silêncio.
—Senhor Mackay — começou outra vez Jesse— Asseguro...
— Eu sei, Jesse, eu sei. Você recebeu uma boa educação e é honorável. Cinco anos atrás
teria dado minha bênção. Embora tivesse deplorado o tratamento que minha filha deu ao jovem
Miller. Mas, neste momento, não posso culpá-la por seu comportamento, já que se negou a
comprometer com ele. Entretanto, devo dizer Jesse, que se tivesse ido a mim agora, não teria
dado minha bênção.
Kiernan não via Jesse, mas sabia que estava tenso, muito erguido, com as costas rígidas e
que reprimia seu temperamento por respeito a seu pai.
—Não ficará aqui muito tempo, não é? —Perguntou John Mackay em voz baixa.
Jesse estava petrificado.
—Não sei senhor Mackay.
—Suponho que dependerá de onde sopre o vento, não? —Perguntou John.
Jesse seguia impassível.
—Talvez deveria se manter afastado dela até que saibamos — aconselhou John.
—Isso será difícil, senhor — disse Jesse.
—Por quê?
—Porque a amo.
—Certamente — disse John— Nesse caso, devo pedir prudência. Deixe que as coisas sigam
como estão. Vejamos para onde sopra o vento.
—De acordo, senhor Mackay — aceitou Jesse— Permaneceremos atentos ao vento.
Kiernan seguia na soleira quando seu pai entrou atropeladamente. Ficou olhando e arqueou
com energia suas envelhecidas sobrancelhas.
—Hummm! —Exclamou— Devia imaginar que estaria aqui!
Ela olhou nervosa para a varanda, mas seu pai a pegou pelo braço e a arrastou para o salão
onde o baile continuava.
—Devia deixar você na Europa durante um pouco mais de tempo! Não acha, filha?
Advertiram que as mulheres bonitas são problemáticas e você resultou ser!
—Papai! —Gemeu ela.
Piscou os olhos para suavizar suas palavras. Mas quando cessou a música disse:
—Vá se despedir de Christa, Daniel e Jesse. E seja particularmente educada com o jovem
Anthony; seu pai e eu somos sócios. Logo iremos.
—Mas é cedo!

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—Tenho a sensação que já é muito tarde — disse John Mackay com um suspiro de cansaço
— Faça o que peço filha, agora mesmo. Digo a sério, tenha pressa.
Por muito pouco acostumada que estivesse a receber ordens, Kiernan soube que falava a
sério. Iriam embora da festa antes que tivesse começado.
Abraçou e beijou Daniel, lutou para controlar quando despediu e agradeceu a Jesse, e esteve
tão recatada e encantadora como desejava seu pai quando desejou boa noite a Anthony. Sabia
que logo voltaria a ver todos. Seu pai ofereceria um jantar em casa na noite de Reis.
Mas de repente sentiu muito medo. Uma coisa era se manter afastada de Jesse por sua
própria vontade e desejo, mas agora que seu pai estava informado...
Igual a ela, John Mackay também captou em Jesse o desgosto que provocava a situação
política que todos enfrentavam. Ela amava Jesse. Mas seu amor seria mais forte que qualquer
acontecimento que ocorresse no país? Poderia realmente ser inimiga de Jesse algum dia?
Sim podia, pensou Kiernan, e aquele amor fazia com que resultasse ainda mais amargo.
Entretanto, não podia acreditar que Jesse fosse capaz de abandonar sua casa quando
realmente chegasse o momento, e abandonasse, por um equivocado desacordo com a postura
política da Virgínia.
Não queria que ele tivesse que se separar dela. Queria abraça-lo, abraça-lo com todas suas
forças. Por isso, antes de ir procurou Christa. Atreveu a usar sua amiga, a irmã de Jesse, como
confidente.
—Christa, por favor, peça a Jesse que se encontre comigo na casinha de verão amanhã ao
meio dia.
Christa arregalou seus enormes olhos.
—Tudo bem, Kiernan.
—E, por favor...
—Não direi a ninguém, Kiernan. Eu prometo.
Ela sorriu. As duas moças se abraçaram e Kiernan saiu correndo para evitar que seu pai se
zangasse.
Na carruagem, John Mackay a olhou fixamente.
—De modo que sempre foi Jesse Cameron, não é?
—Sim, papai — respondeu ela recatadamente.
—Você o ama ?
—Sim!
—Ama o suficiente?
—O suficiente? —Ruborizou e de repente se encontrou defendendo a postura de Jesse— A
Virgínia ainda não se separou. Não estamos em guerra.
Seu pai fez um gesto de advertência com o dedo.
—Me escute jovenzinha. A Virgínia será independente e haverá guerra, Jesse sabe. Essa é a
única razão pela qual não pressionou. Se não fosse o tipo de homem que é, se não quisesse o
bastante para conhecer seu coração melhor que você mesma, teria vindo me ver há muito tempo.
Por favor, menina, vigia seu coração.

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—Vigiarei meu coração, de acordo.


Mas de todos os modos amanhã se encontraria com ele na casinha de verão. Tinha um
presente de Natal para ele.

Jesse chegou ao caramanchão exatamente ao meio-dia e soube que Kiernan já estava ali,
porque o fogo estava aceso. Viu que a fumaça saía da chaminé e sorriu. Não se preocupava que a
fumaça chamasse a atenção. Sabia que ele estava acostumado a ir ali frequentemente e que sua
família respeitava sua privacidade.
Entrou e pestanejou um segundo, tentando acostumar à penumbra da estadia. A única luz
procedia do fogo que crepitava na lareira. Um reflexo dourado muito pálido banhava o quarto
que, além disso, estava mergulhado na sombra. Então a viu.
Estava apenas a poucos centímetros do fogo, no chão, que não estava nu, mas coberto com
uma pele. Assim como o chão, ela estava coberta por uma pele de raposa branca que envolvia
toda sua figura. Com o cabelo solto e colocado de tal modo que resplandecia sob a luz das chamas,
ondulado e encaracolado sobre aquela pele.
Enquanto ele seguia de pé, ela afastou o manto. Estava nua; nua sobre aquele fundo de pele
desgarradamente suave e sensual.
—Feliz Natal — murmurou.
Seus olhos verdes esmeralda brilhavam como os de um gato, misteriosos, sedutores,
atraentes.
Ele ficou quieto — embora por Deus que não sabia como conseguia— e deixou que seus
olhos a percorressem, para deleitar e saborear, para atacar grosseiramente e adorar aquela
mulher que ele acreditava conhecer tão bem. Conhecia o suave perfume daquele glorioso cabelo
dourado, conhecia seu tato entre os dedos. Conhecia esses olhos, o rosto elegante. Conhecia o
sabor de sua pele, a curva de seus quadris, a plenitude de seus seios. Conhecia a longitude e a
forma de suas coxas, conhecia aquele secreto perfume feminino entre suas pernas. Sabia muitas
coisas dela... mas não tantas como acreditava.
Kiernan se levantou como se quisesse escapar daquela elegante embalagem de pele, como
Vênus emergindo do invólucro de Poseidon. Ela parou diante dele, sensual, excitante, tirando o
fôlego. A audácia de seu gesto ficou oculta atrás do repentino acanhamento de seus olhos que o
olharam com incerteza.
Uma doce pergunta desenhou em seus lábios, lábios plenos, bem formados e úmidos que
esperavam um beijo.
Ela estendeu os braços para ele, desejando. Braços suaves que ao elevar realçaram a beleza
de seus seios de alabastro, tocados pelas diminutas linhas das veias e coroados por mamilos tão
vermelhos como as rosas no inverno. Os olhos de Jesse seguiram contemplando mais abaixo e
detiveram no ninho dourado de suas coxas, na curva de seu quadril.
Um grito, surdo e rouco, saíram dos lábios de Jesse e ela caiu em seus braços. Ele arrancou a
roupa e em minuto estava com ela junto ao fogo.
Abraçaram-se de joelhos. O fogo refletiu em seus corpos, lustrou seus ombros, fez brilhar a

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curva do corpo de Kiernan, seus seios, seus quadris. Seus dedos encontraram e fundiram e depois
seus lábios acariciaram, separaram e voltaram a acariciar.
Logo os corpos estiveram úmidos e molhados pela onda de beijos e carícias que
compartilhavam e trocavam. O fogo seguia refletindo sobre eles.
Esteve brilhando até que ele a pôs de costas sobre a pele e a penetrou com força.
Aquele ardor fez com que o frio do inverno se tornasse em verão.
Depois daquela labareda, o fogo continuou jogando na lareira e dando calor com seu reflexo.

O Mississipi se separou da União em 9 de janeiro; A Florida, no dia 10, e Alabama, 11. Os


quatro estados só necessitavam que a Geórgia se unisse para que o território independente
estendesse da fronteira sul da Carolina do Norte até o Mississipi.
Joseph E. Brown, governador da Geórgia e um defensor da secessão, pediu ao Congresso
para organizar uma convenção. Visitantes procedentes dos estados já independentes
pronunciaram vários discursos no Parlamento.
Em 19 de janeiro, a Geórgia se tornou no quinto estado que se separava da União. Louisiana
se separou no dia 26, e o Texas, em 1 de fevereiro.
No final daquele mês, tanto Daniel como Jesse voltaram a para reincorporar a suas unidades.
A Virgínia não tomou nenhuma iniciativa para abandonar a União. A assembleia tinha proposto a
realização de uma convenção no hotel Willard, em Washington, na esperança de evitar a guerra.
Teve lugar em 4 de fevereiro e recebeu o nome de Convenção de Paz de Washington.
Mas a ausência de delegados do profundo Sul foi notável. Nesse mesmo dia, eles estavam
celebrando sua própria convenção, em Montgomery, Alabama, para formar um novo governo,
uma confederação de estados separatistas. De modo que enquanto no Norte se falava de paz, a
Confederação tornou-se uma realidade. Os delegados confederados apressaram em realizar as
tarefas fundamentais para reafirmar sua união, antes que Abraham Lincoln tomasse posse do
cargo. Em Montgomery, Jefferson Davis — secretário de Guerra do anterior presidente Buchanan,
o homem que estava no comando dessa secretaria quando John Brown atacou Harpers Ferry— foi
eleito para o cargo mais alto da nova Confederação.
A Constituição confederada foi ratificada, e adotou a bandeira de “barras e estrelas”.
Constituiu um exército. Também adotaram as leis dos Estados Unidos, com exceções referidas aos
direitos dos estados e à escravidão. O rio Mississipi foi declarado aberto à navegação e o Texas foi
admitido na Confederação. O governo provisório autorizou empréstimos, contratos e bônus do
tesouro, e se preparou para a guerra.
Grande parte de tudo aquilo acontecia enquanto na Convenção de Paz do hotel Willard de
Washington se mantinha a esperança
Em casa, Kiernan esperava, embora desejasse desesperadamente estar onde desenvolviam
os acontecimentos. Lia todos os jornais que caíam nas mãos e esperava.
No momento, a Virginia seguia em calma e os dois irmãos Cameron permaneciam com seus
regimentos. Kiernan tinha notícias frequentes de Daniel que proclamava encantado sua postura.
“Meu coração está com a nova Confederação — escrevia— com os estados e as pessoas com

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Cameron 1

quem tenho tanto em comum. Considero um sulista, um confederado... um rebelde se quiser! Mas
em primeiro lugar e acima de tudo sou um virginiano e acatarei a vontade do estado que amo com
todo meu coração. De fato — continuava dizendo— acredito que me apropriei do sentimento do
coronel Lee, mas enfim, como já sabe ambos admiramos e ele expressa o que nós sentimos.” A
carta seguia e terminava com um pós-escrito: “ Jesse envia-lhe o seu amor “.
Seu amor... e seu silêncio, pensou Kiernan.
Ao longo do sul eventos muito importantes aconteceram.
Na Florida, as ações bélicas começaram inclusive antes da secessão do estado. A tropa
estava preparada. Em Pensacola tropas federais tinham sido expulsas pela força dos fortes
continentais, desde McRee e Barrancos até o forte Pickens no porto. Em Saint Augustine, tomaram
o forte Marion e tropas do Alabama e Florida faziam outro tanto com os estaleiros da marinha em
Pensacola. Os líderes militares sulistas queriam atacar o forte Pickens, mas também queriam
evitar a guerra, de modo que esperaram.
Por toda a Confederação produziam acontecimentos similares. Na Carolina do Sul, o
brigadeiro Pierre Beauregard vigiava às tropas da União no forte Sumter e temia que Washington
enviasse reforços.
Em todas as partes aumentava a tensão.
Enquanto, Kiernan seguia esperando. Anthony já não a perseguia com suas constantes e
pacientes propostas, porque voltou para casa a toda pressa. Abandonou seu posto na tropa local
porque muitos de seus membros eram partidários da União, como muitos condados do oeste do
estado. Politicamente Anthony era tudo o que Kiernan desejava que fosse Jesse: apaixonado, leal
e firmemente solidário com seus vizinhos produtores de algodão e tabaco.
Anthony não escrevia, embora quando fazia, suas afirmações eram apaixonadas. Seu pai e
ele estavam recrutando gente e adquirindo armas para uma unidade de cavalaria. Estavam muito
ocupados comprando cavalos e comprando uniformes.
Então, em abril de 1861, o tempo de espera de Kiernan chegou a seu fim.
Christa chegou a cavalo para comunicar com grande alegria que seus irmãos voltariam logo
para casa.
—Estou tão contente! Os dois estão autorizados a vir ao meu aniversário. Eu queria dizer a
você quando ouvi. Graças a Deus que Daniel gosta de escrever!
—Sim, graças a Deus — repetiu Kiernan.
—Estou impaciente para vê-los!
—E eu — disse Kiernan com veemência— Eu também!
Christa voltou no final de dois dias. Encontrou Kiernan na varanda e sorriu maliciosa sem
descer do cavalo.
—Acaba de passar por aqui um soldado, um amigo de Jesse que renunciou a seu posto.
—E? —Disse Kiernan com o coração desbocado.
Christa começou a rir.
—Parece que depois de tudo Jesse sabe escrever. Envia uma nota e nela há uma pergunta
para você.

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—Sim?
Christa entregou. Kiernan arqueou uma sobrancelha e depois tirou a carta que havia dentro.
Seus olhos passaram a toda pressa pelos parágrafos carinhosos dirigidos a Christa, as
perguntas sobre sua saúde e seu estado de ânimo e sobre a casa, os criados e o clima.
O último parágrafo se referia a ela.
“Christa, por favor, vá ver-me Kiernan. Peça que se reúna comigo na casinha de verão. No
dia 16 ao anoitecer.”
—E o que respondo? —Perguntou Christa.
Kiernan baixou as pestanas para que Christa não notasse a euforia descontrolada em seus
olhos. Esforçou por dominar; depois levantou o olhar novamente para Christa e sorriu, recatada.
—Diga que estarei lá.
Christa sorriu e dispôs a partir. De repente deteve e voltou atrás.
—Ah, esquecia. Atrás há um pós-escrito. Jesse diz que possivelmente faça frio. Aconselha
que leve peles.
Kiernan sorriu e baixou a cabeça. Juntou as mãos sobre a saia, mas apesar de seus esforços,
a voz tremeu levemente.
—Diga... Diga que levarei peles.
Deu a volta e voltou a entrar em casa correndo, incapaz de olhar nos olhos de Christa nem
um minuto mais.
Levaria as peles. Isso era o que ele queria.
Jesse voltava para casa.

Capítulo 11

Através das portas da galeria do caramanchão, Jesse podia ver as estátuas do cemitério sob
a luz do crepúsculo. Mais à frente, o prado subia em direção à casa; o jardim começava a tirar seu
casaco invernal e voltava a brotar.
Foi um dia lindo.
Abril costumava ser um mês caprichoso na Virgínia. Às vezes, o calor era insuportável nas
terras costeiras. A pesada umidade do verão chegava cedo e as noites eram quentes e abafadiças.
Entretanto, às vezes era exatamente o contrário. O dia podia ser irritantemente frio e até era
possível que caísse uma ligeira garoa, dessa que impregna até os ossos.
Outras vezes era simplesmente maravilhoso; tudo antecipava a promessa da primavera. O
sol brilhava todo o dia, quente e brilhante, lançando uma luz amarela impressionante sobre a
grama macia e tenra que começava a aparecer entre os restolhos. As primeiras flores da
primavera absorviam essa luz e suas cores pareciam mais brilhantes. Mas o calor do sol se
suavizava e moderava com o ar fresco que vinha do rio e era agradável passear, respirar; era fácil
amar a vida. Os potros brincavam e pulavam nos campos e os cavalos árabe levantavam a cauda
até alturas incríveis como se dançassem no prado.
Era um desses dias. Um dia frio, temperado por um sol quente. A noite seria agradável e

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acolhedora. O sopro da brisa estava cheio de sensualidade e Jesse tinha a sensação de que o
envolvia, enquanto esperava na casinha de verão.
Ele se perguntava se ela viria.
Todas as notícias giravam em torno das relações entre a União e a recém criada
Confederação.
A madrugada de 12 de abril, as tropas sulitas de Charleston, sob o comando do general
Beauregard, abriu fogo contra a guarnição da União em forte Sumter, no porto da cidade.
Major Robert Anderson era a maior autoridade de Sumter, além do Capitão Abner
Doubleday, segundo na cadeia de comando. Beauregard instalou baterias de combate em
Charleston, porque a Carolina do Sul via como uma ofensa a presença do exército federal em seu
território soberano. Os federais deram a possibilidade de render, mas Anderson esperava reforços
de Washington e a recusou. Só dispunha de sessenta e seis canhões, muitos dos quais estavam
desmontados, e apenas tinha reserva de pólvora.
Às três e vinte da madrugada, as hostilidades alcançaram o pico. Houve uma última
exigência de rendição, que não foi aceita, e advertiu aos federais que logo receberiam uma chuva
de fogo. E assim foi. Duas horas depois, um projétil confederado penetrou no forte Sumter e
iniciou o bombardeio. As sete, Anderson cedeu a Doubleday a honra de fazer o primeiro disparo
da União e começou a luta desigual.
Durou o dia todo. Ao anoitecer, o bombardeio diminuiu ligeiramente, mas ao chegar o
amanhecer do dia 13 se intensificou novamente. Anderson e Doubleday mantinham seus homens
jogados no chão para evitar que inalassem a fumaça. O navio com reforços que Anderson
esperava chegou, mas a artilharia confederada o reteve no cais.
Pouco depois do meio-dia, um disparo confederado destroçou o mastro da bandeira do
forte. Ao ver cair à bandeira, o coronel separatistas Wigfall chegou a remo até Sumter e exigiu a
rendição do forte. Anderson não tinha meios para lutar e aceitou. Até esse momento não sofreu
nenhuma baixa. A cerimônia de rendição se organizou para o dia seguinte. Anderson pediu
permissão para saudar a bandeira norte americana antes de arriá-la e Beauregard o concedeu. Um
soldado da União morreu ao explodir a quinquagésima das cem salvas de saudação regulamentar.
Em toda Carolina do Sul houve enormes manifestações de júbilo. As forças da União foram
expulsas. Na Virgínia, a situação chegou a um ponto crucial. A assembleia devia decidir naquele
momento o destino do estado. Lincoln fazia uma chamada a filas. A guerra era considerada
iminente. Parecia impossível que Virgínia se elevasse em armas contra seus estados irmãos.
Kiernan viria ao encontro? Voltou a perguntar Jesse na casinha de verão.
Enquanto a dúvida ainda rondava sua mente viu um movimento entre a vegetação e de
repente ela apareceu na clareira, correndo para o caramanchão.
Fechou as portas ao entrar, apoiou nelas e acariciou com aqueles olhos verdes cheios de
vida e brilhantes de excitação. A respiração alterada fazia com que seu busto subisse e baixasse.
Os cachos soltos e os cabelos despenteados caíam sobre seus ombros e nas costas como as ondas
de uma cascata iluminada pelo sol.
Usava uma pele coberta com uma elegante capa dourada que realçava o contorno de seu

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corpo.
—Jesse!
Murmurou seu nome e imediatamente caiu em seus braços. Ele descobriu em seguida que
sob a capa levava unicamente um simples vestido de algodão. Enquanto desfazia o nó da capa,
que caiu lentamente ao chão, sentiu o toque de suas mãos, que desabotoavam sua camisa. Sentiu
seus dedos sobre a pele nua e ficou maravilhado por aquela carícia estremecedora, como chamas
ardentes do desejo que serpenteavam em seu interior.
No futuro, Jesse recordaria aquela noite; recordaria com dolorosa intensidade e tremeria de
novo ao pensar no que teve entre seus braços.
Porque durante todos aqueles anos nos quais se observaram mutuamente, esperando, e
embora ele adivinhasse a beleza em que ela se tornaria ao crescer, nunca imaginou isto.
Sabia que era dela. Ele foi seu primeiro amante, o primeiro em acariciá-la, a ensiná-la. E ela
aprendeu a dar muito. Nunca questionou essa propriedade, simplesmente amou. E nesse amor,
ele descobriu o sentimento mais delicioso e o poder esmagador que ele já tinha conhecido. Ela
era sensual, elegante e bonita. Jesse não imaginou um amor tão grande em toda sua vida.
Kiernan acariciou suas costas, seus dedos brincavam com seus músculos e tendões. Apertou
contra ele, apoiou em seu peito nu a suave curva daquele corpo fascinante e provocador sob o
singelo vestido de algodão. Mordiscou o lábio inferior e depois elevou para encontrar com ele em
um selvagem e doce beijo que acendeu seu sangue e sua virilha com uma força demoníaca jamais
conhecida pelo homem. Jesse a tirou da roupa e a estendeu sobre a mesma pele que no passado
ofereceu um refúgio tão agradável e embriagador.
No futuro Jesse recordaria sem dúvida aquela tarde! Recordaria o toque dos lábios, úmidos e
abrasadores, movendo por seu corpo. Aquela sensação suave, aquele excitante ardor úmido que
percorria seu peito, que brincava com seus mamilos, rodeava e os incitava com os dentes. Sentiu o
toque de seu cabelo atrás de seus lábios tentadores, um veludo suave que provocava um desejo
ainda maior. Ela seguiu amando e tentando com beijos ternos sobre sua pele. Beijos exóticos e
eróticos para baixo, mais abaixo até que, incrivelmente, acariciou com a boca a palpitante
plenitude de seu sexo.
Suavemente a princípio, com beijos tão doces e suaves que pareciam torturas do inferno.
Jesse a agarrou com força, incapaz de suportar o ardor do desejo, mas de repente ela fechou com
energia o círculo daquela delicada carícia e ele sentiu a explosão de desejo mais intensa de toda
sua vida.
Atraiu para si. O sangue ardente fluía e percorria todo seu corpo e então a obrigou a
estender sobre a delicada pele de veludo que havia no chão. Enredou os dedos em seus cabelos e
a cativou com acesos beijos, enquanto rodeava os quadris com suas longas pernas e ele deslizava
em seu interior, entrando profundamente naquele calor oculta e acolhedor.
Quando a doçura do tumultuoso clímax se apoderou de ambos, ele permitiu apenas que a
brisa fresca da noite se aproximasse deles com seu sussurro; voltou de novo para ela com
ferocidade, desejando que chegasse a noite. Sob a crescente escuridão, Jesse penetrou com um
sorriso a neblina daqueles olhos preciosos e começou a fazer amor outra vez.

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Beijou, acariciou e descobriu lugares deliciosamente eróticos nela, as palpitações do


pescoço, o lóbulo de sua orelha. Seu corpo deslizou ao lado de Kiernan e seus beijos adquiriram
um ritmo lento e sedutor sobre a pele nua. Brincou com seus peitos, amou-os meigamente e
exigiu que respondessem. Seu corpo seguia acariciando-a, enquanto voltava a baixar para beijar
atrás do joelho, as coxas suaves e a irresistível calidez das tenras pétalas que se escondiam entre
eles. Ela gritou e ele voltou a acariciá-la, a tocá-la, a sussurrar em ouvido. Mas ela ficou de joelhos
para ir a seu encontro. Buscou-o com os lábios, com os dedos entrelaçados sobre sua nuca e
enredados em seus cabelos. Na quietude daquela noite tranquila, as rajadas do desejo se
converteram em uma tempestade. O êxtase caiu sobre Jesse de forma estremecedora imprevista
e obrigou a entregar por completo. O mundo girou como um torvelinho enquanto ele baixava o
olhar para ela, às pestanas caídas sobre os olhos, o cabelo em que ambos estavam enredados, as
suas delicadas e preciosas feições, ruborizadas e úmidas. Ela abriu os olhos para olhar e ele voltou
a beijá-la antes de deixar cair do seu lado e estreitá-la entre seus braços.
—Oh, Jesse — murmurou ela.
—Tinha medo de que não viesse — disse ele.
—Por quê?
Beijou a frente.
—Não importa. Não falemos disso. Não quero discutir com você.
Embora tentasse abraçá-la mais forte, ela ficou tensa.
—Por que, Jesse?
Ele se apoiou em um cotovelo.
— Porque a guerra é iminente. Certamente você já ouviu o que aconteceu em Fort Sumter.
Ela olhou para ele e piscou.
— Eu sei sobre Fort Sumter. As notícias não falam de outra coisa, Jesse, a assembleia da
Virginia está debatendo a questão da secessão.
—Eu sei — disse ele em voz baixa.
Perguntou o que teria captado ela em seu tom de voz, porque se afastou bruscamente,
tremendo e abraçando o corpo para proteger do repentino calafrio que sentiu assim que se
separaram.
—Jesse, o que acontece? — Ela gritou— Como você pode voltar contra tudo o que...?
—Eu não me voltei contra nada! —Respondeu ele, irritado. Deu um salto para ficar de pé e
ficou olhando-a— Kiernan, para você nunca houve mais que um caminho. Você nunca viu as coisas
como um todo.
—Como um todo? —Replicou ela. Tinha os olhos totalmente abertos e brilhavam de um
modo muito perigoso.
Jesse suspirou.
Queria que a vida seguisse adiante exatamente como sempre. Amava Virginia, amava seu
lar. Nunca seria capaz de explicar até que ponto. Daniel, Christa e ele estavam acostumados a
descer passeando e depositar flores sobre os túmulos de seus pais, e quando seus dois irmãos se
foram, Jesse ficava ali com os olhos fechados, recordando o passado que compartilharam e os

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conflitos que aquela casa superou, os triunfos e os sofrimentos.


Jesse amava o rio James. Adorava ver chegar o barco a vapor e ouvir as canções e os gritos
dos escravos quando carregavam os fardos de algodão no convés dos navios.
Por que demônio Kiernan pensava que ele se voltava contra tudo àquilo que amava? Não
podia entender? Havia coisas mais importantes em jogo que a escravidão e os direitos dos
estados. Todos eram norte-americanos.
—”Uma casa enfrentada consigo mesma não pode sobreviver” — citou em voz baixa.
—O quê?
— É algo que Lincoln disse anos atrás—explicou— Em Illinois, depois que ele foi nomeado
senador.
Por sua reação, Jesse percebeu que que Kiernan não se interessava muito em Abraham
Lincoln.
—É a verdade, Kiernan. Meu Deus, nossa nação existe há apenas um século. Os norte-
americanos expulsaram os ingleses, um dos melhores exércitos do mundo, porque agiram juntos,
porque a Virgínia apoiou Massachusetts.
—E porque tivemos a ajuda dos franceses — murmurou com secura.
—E porque permanecemos juntos —afirmou Jesse— Somos uma nação. E com as terras
agrícolas do Sul e a indústria do Norte podemos chegar a ser muito grande.
—Você quer lutar contra Virgínia.
—Eu quero lutar pela Virgínia.
Ela se levantou de um salto e o encarou, imponentemente linda e digna em sua nudez.
Apertou os dedos, apoiou os punhos nos lados e lançou ao rosto:
—E você fala de uma casa enfrentada consigo mesma, Jesse! Cameron Hall é sua casa. A
Virgínia é sua casa. Faço parte da sua casa! Você não vê? Você é contra a escravidão? A igual a
muitas pessoas! Talvez, no final, consigamos libertar nossos escravos sem necessidade que
fanáticos nos ordenem. Maldição Jesse, você continua tendo escravos. Você tampouco descobriu
como mudar o mundo!
—Meus escravos serão livres! —Replicou ele veementemente. Mas depois moderou sua
fúria para digerir um súbito gosto doloroso e amargo— Kiernan, eu amo a Virginia.
—Então, o que fará se ficar independente?
—Não sei — com franqueza e se aproximou dela. Apesar das horas que acabavam de
compartilhar, Kiernan se afastou. Uma renovada onda de irá invadiu Jesse e a agarrou de novo em
seus braços— Eu te amo, Kiernan!
Ela olhou para ele com olhos cheios de lágrimas.
— Você me ama o suficiente?
—Maldição! —Explodiu ele— E você me ama o suficiente?

Kiernan se afastou de seus braços, se virou e começou procurar a roupa. Recolheu o vestido
e voltou a fazer gesto de partir, mas ele a agarrou pelo braço e a estreitou contra seu peito.
Beijou-a selvagem e docemente. Ela tentou livrar-se, mas ele se negou a soltá-la. Beijou até que

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ela abriu os lábios, até que se rendeu ao menos a essa exigência. Jesse sentiu no pelo do torso a
pressão daqueles suaves seios e o toque dos mamilos endurecidos na pele. Finalmente, ela
afastou a boca e se separou de seus lábios.
— Jesse Deixe-me ir.
— Não. Esta noite não.
— Por favor.
— Não posso. Maldição Kiernan, não me peça que a deixe partir esta noite!
De repente, a força que utilizou contra ele desapareceu. Kiernan apoiou a face em seu peito
e ele notou a umidade de suas lágrimas.
Agarrou-a e a levou de novo para as peles.
Secou as lágrimas com seus beijos e ela voltou para aconchegar-se em seus braços. Fizeram
amor devagar, com ternura. Envoltos numa escuridão que pareceu docemente dolorosa.
Quando finalmente se levantaram, Jesse foi o primeiro a ir. Ele se levantou e a ajudou a
vestir.
—Eu a levarei para casa.
—Conheço o caminho.
—Eu a levarei para casa — insistiu ele.
A subiu em Pegasus, montou atrás e quando chegaram a arvoredo onde tinham preso à
égua, seguiu abraçado a Kiernan enquanto guiava o cavalo.
Quando se aproximaram da casa ela voltou.
—Jesse, deveria me deixar aqui. Meu pai...
—Eu a acompanho até a casa, Kiernan.
Efetivamente, John Mackay estava esperando na varanda da frente. Também era ampla e
bonita, com uma fachada de tijolo e pilares altos e majestosos. John Mackay estava sentado com
uma expressão serena em seu rosto curtido e amigável, com o cachimbo na boca e um copo de
uísque na mão.
—Supunha que a traria para casa, Jesse —disse John— Se não fosse assim teria me
preocupado pela hora.
—Não teria permitido que voltasse sozinha, senhor.
—Sinto muito, papai — começou a dizer Kiernan.
— Está tudo bem.. Sabia que com Jesse estava a salvo.
Qualquer outra pessoa poderia ter pensado que não estava segura em companhia de Jesse,
mas Mackay era um homem peculiar. Embora suspeitasse que sua filha e Jesse fosse amantes, a
vida e a felicidade de Kiernan eram o mais importante para ele. Certamente era um homem
excepcional, produto de uma estirpe excepcional.
—Entrarei para que possam dar boa noite — disse.
Jesse desmontou de Pegasus e a ajudou a descer. Ela se apoiou nele e aceitou o afetuoso
beijo que depositou nos lábios.
Reclinou a cabeça em seu torso.
—Amo você, Kiernan.

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—Eu também te amo, Jesse — disse. Seus olhos esmeralda transbordantes de lágrimas e
ardor se elevaram para olhar— Mas se a Virginia fica independente e você não renunciar seu
posto no exército federal, não voltarei a vê-lo. Jamais.
Desfez de seu abraço e correu para a porta.
Ele não podia fazer nada mais do que vê-la partir.

Na manhã seguinte, Jesse despertou com uma terrível dor de cabeça.


Embora em grande parte fosse culpa sua. Depois de deixar Kiernan, chegou em casa e
passou quase toda a noite na companhia de Daniel e de uma garrafa de bourbon, conversando de
épocas recentes e de épocas passadas. Christa os encontrou no escritório quando despontava a
pálida luz da madrugada. Como boa Cameron, compartilhou com eles um longo gole de uísque e,
em seguida, enviou-os para a cama.
A dor de cabeça era culpa sua. E era endiabradamente intensa e incômoda. Além disso, os
gritos, os chiados e a comoção que havia em frente à casa não ajudavam muito.
Levantou com muita dificuldade da cama com um lençol atado à cintura e cruzou dando
tombos o quarto, até as enormes portas duplas. Davam a um balcão com vistas para a varanda dos
fundos, os jardins e o caminho até o rio. Viu que Daniel estava fora dando boas vindas a dois
cavaleiros. Um deles era Anthony Miller, o que pareceu intensificar o martelar que sentia na
cabeça. O outro era Aaron Peters, um amigo que vivia perto de Williamsburg.
Ambos chegaram a cavalo, dando vozes e gritos de alegria. Daniel os escutou; de repente
tirou o chapéu e o lançou no ar. Emitiu um sonoro grito de guerra, como se estivesse no longínquo
Oeste com os cheyennes ou os sioux.
—Que demônios...? —Resmungou Jesse. Inclusive o som de sua própria voz incomodava.
Colocou os calções e as botas e tirou uma camisa de um armário enorme que havia em um
canto de seu quarto. De repente se deteve. Passou as mãos por cima do móvel e logo deu um
passo atrás para contemplar a estadia.
Era o dormitório principal de Cameron Hall. Não o ocupou até vários anos depois da morte
de seu pai. Era o primogênito e herdou a mansão. Não que não tivesse dado importância durante
todos estes anos, mas Jesse se entregou à profissão médica e ao exército, e Daniel, à cavalaria.
Ambos procediam de uma antiga linhagem de guerreiros. O primeiro Cameron que viveu em
território da Virgínia lutou contra os índios, sobreviveu à matança e viveu o suficiente para fundar
uma dinastia
Os Cameron combateram os piratas e seu avô lutou pelas jovens colônias durante a
Revolução americana.
Jesse deslizou a mão sobre o armário. Ele esteve desde que se lembrava , igual a aquela
cama enorme e as elegantes portas com painéis de vidro que davam para a varanda. Os Cameron
guardaram durante anos e anos os livros de contabilidade naquele escritório.
Jesse umedeceu os lábios e sentiu um suor frio que empapava sua pele. Uma sensação de
perigo se abatia sobre ele.
Colocou a camisa e saiu a toda pressa do quarto. De novo voltou a parar e, embora

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raramente fixasse na galeria de retratos que havia no alto da escada, naquele momento pareceu
que todos e cada um dos Cameron estavam olhando. Parou e examinou os quadros. Lorde Jamie
Cameron e sua adorável e doce prometida, a indômita Jassy. Sua avó Amanda, serena e elegante,
acusada de ser uma espiã dos conservadores, embora permanecesse junto a seu marido até o
final. E Eric Cameron, com um gesto de leve ironia nos lábios e olhos de uma intensidade
extraordinária. Parecia que interrogava Jesse, desafiava-o a manter suas crenças.
E então ali estava seu pai. O retrato foi pintado quando ele era já um ancião com o cabelo
branco como a neve e olhos profundos e assombrosamente azuis. Havia certa sabedoria naquele
olhar que parecia segui-lo. Algo que parecia advertir de que o único rumo que podia tomar era o
que ditava suas próprias convicções.
—Mas trairia a todos! —Sussurrou.
Jesse percebeu que aquele sussurro provocava dor de cabeça. E que se estava falando com
seus antepassados, que estavam mortos há muitos anos, possivelmente estava pior do que
acreditava.
Desceu a escada e atravessou a galeria. O grupo de homens concentrados na varanda havia
aumentado.
Anthony Miller deu um grito e disparou no ar.
—Pelo amor de Deus! —Exclamou Jesse— Alguém pode me dizer o que acontece aqui?
— Sim, caramba! É a secessão, Jesse! O velho Abe Lincoln está mendigando tropas aos
estados do Norte. A Virgínia não vai se levantar em armas contra seus irmãos do sul. A assembleia
votou a favor da independência! Santo céu, Jesse! Nós nos separamos! Estamos fora da União!
Jesse sentiu um espasmo na boca do estômago. Aparentemente, ninguém percebeu seu
desconforto. Todos disparavam suas armas como um bando de loucos e falavam em varrer os
ianques em questão de semanas, se eles decidiam utilizar a força para impor-se.
Ele afundou em uma cadeira de ferro forjado. Christa, que também estava ali sentada,
levantou para servir uma taça de café e o olhou.
—Jesse...
—Obrigado — olhou para o pátio. Inclusive Daniel se comportava como um louco; lançava o
chapéu ao ar e dava gritos como um possesso.
—Jesse, Daniel renunciará a seu posto hoje.
Ele assentiu inexpressivo, e tomou um gole de café.
Christa olhou com seus preciosos olhos castanho e acrescentou rapidamente:
—Há mais notícias. Lincoln enviou um emissário de Washington do outro lado do rio, a
Arlington House.
Arlington House era a residência do coronel Robert E. Lee. A mensagem chegou através de
sua esposa, que era bisneta de George Washington. Seu pai edificou Arlington House e ela possuía
numerosos objetos domésticos valiosos e mobiliários que pertenceram ao primeiro presidente.
Era uma linda e agradável casa onde o coronel Lee criou seus filhos.
Estava construída sobre uma colina de onde se via o rio e a cidade de Washington do outro
lado. Era uma localização estratégica.

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Jesse apoiou no respaldo.


—E? —Perguntou a Christa.
Ela respondeu rapidamente:
—Lincoln estava disposto a oferecer ao coronel Lee o comando das tropas do exército
federal, Jesse. Todo mundo sabe que é um dos melhores soldados no campo de batalha, inclusive
Lincoln. Mas... —Christa se deteve e se levantou na cadeira— Lee rejeitou. Está contra a secessão,
pelo menos isso me disse Daniel. Mas agora que a Virginia se separou da União, Lee apresentou
sua renúncia. Jesse, todo mundo está fazendo o mesmo.
Ele assentiu sem fazer nenhum gesto e depois a olhou com um meio sorriso.
—Christa, por que deixou que nos dois bebêssemos tanto ontem à noite? Por Deus, estou
mal esta manhã!
Levantou, e observou aqueles homens que seguiam uivando em sua propriedade. Um deles
acabava de esmagar uma roseira.
—Me desculpe — murmurou Jesse. Com algumas pernadas voltou para interior e se dirigiu
para a salinha.
Era uma fria manhã de abril e Christa se ocupou de que acendessem a lareira para esquentar
o ambiente.
Jesse se apoiou no suporte, sentindo uma surpreendente indiferença diante do fato
consumado da secessão.
Alguém entrou de repente e Jesse se sobressaltou. Ele se virou e viu o rosto jovem, ansioso e
sufocado de Anthony Miller.
—Oh! Sinto muito, Jesse, não pretendia interrompê-lo. Tem aspecto de querer estar
sozinho. Mas, diabo, deveria sair a celebrar conosco!
Jesse olhou fixamente para Anthony, o júbilo desatado que havia seus olhos. De repente
sentiu invadido pela ira.
—Anthony, houve disparos. Vai haver guerra. Que diabo há para comemorar?
Anthony olhou-o atônito e depois ruborizou.
— Inferno, Jesse, eu nunca pensei que você fosse um covarde.
— Não cometa o erro de pensar agora— aconselhou com secura.
Anthony levou a mão ao chapéu.
—Capitão Cameron, desculpa. Senhor vou deixá-lo com seus pensamentos— Deu a volta,
mas logo parou e olhou para trás— Você a conhece muito bem, Jess. Acha que agora se casará
comigo? Com uma guerra em perspectiva? Espero que ela encontre certo romantismo em tudo
isto. Eu serei seu soldado, que parte para a guerra... bom, que cavalga. É uma unidade de cavalaria
que formamos.
E sorriu com uma expressão encantadoramente juvenil. Devia ficar zangado.
Mas Jesse ainda estava queimando de raiva.
—Se acredito que quem casará contigo, Miller?
— Bem, eu quero dizer sua querida vizinha da região das restingas. A senhorita Mackay,
Kiernan.

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O rosto de Anthony refletia uma ansiedade tão intensa que Jesse voltou à vista para a
lareira.
—Você não quer se casar com ela, Anthony.
Depois de suas palavras fez um silêncio e depois se ouviu a voz irada de Anthony que voltava
a objetar:
— Cameron, eu exijo que você se explique!
Jesse o fulminou com os olhos, que não se intimidou. O que podia dizer aquele ingênuo mal
informado? Que a moça a quem adorava estava apaixonada por Jesse? Mas verdadeiramente ela
seguia tão apaixonada por ele?
—Não há nada para explicar, Anthony. Esquece.
Mas Anthony não estava disposto a esquecer. Ele atravessou a sala com algumas pernadas e
tirou as luvas de equitação, muito nervoso. Quando chegou à lareira, encarou Jesse.
—Capitão Cameron, eu exijo uma explicação!
—E eu digo que não há nada a explicar.
—Colocou-se entre à mulher que amo!
—Eu não a pus em interdição! Simplesmente insinuei que talvez ela não... que
possivelmente não seja a mulher com quem quer se casar!
—Porque significa algo para você? Como você se atreve a questionar sua integridade!
— Eu não fiz nada disso! —Espetou Jesse muito zangado— Se alguém insinuou, Anthony, foi
você.
Anthony soltou um murro. Instintivamente, Jesse se agachou, mas Anthony repetiu o golpe.
Desta vez Jesse se agachou ainda mais, passou por debaixo dele, deu a volta e lançou um direito,
para se defender. Deu totalmente em toda a mandíbula e o jovem Anthony caiu contra o suporte.
Massageou o rosto olhando para Jesse. Este apertou os dentes, aproximou-se e estendeu a
mão.
—Peça que se case contigo. Talvez a guerra mude sua forma de pensar.
Mas Anthony estava muito indignado. Recusou a mão estendida e ficou de pé.
—Suponho que nem sequer nesta guerra estaremos do mesmo lado, não é, Cameron?
—Não penso celebrar um derramamento de sangue. Esta é a única decisão que tomei até
agora.
—Ela não irá contigo, porque não quer — declarou Anthony com agressividade.
Jesse levantou as mãos, indicando claramente que não queria brigar.
Mas a luva de Anthony cruzou seu rosto como uma chicotada.
Surpreso, Jesse tocou a mandíbula e olhou ao jovem como se ele tivesse enlouquecido.
—Que diabos...?
— Eu o desafio para um duelo, senhor, com pistolas. junto à velha capela no cânion, esta
tarde, ao anoitecer.
—O quê?
—Disse...
— Eu sei o que você disse! Por todos os demônio, Anthony, e ninguém luta um duelo com

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pistolas!
—Pode ser espadas então!
Jesse amaldiçoou entre dentes.
—Por Deus, Anthony, não quero te matar.
Anthony mordeu o lábio inferior, como se lamentasse aquele precipitado desafio.
Novamente Jesse tratou de dissuadi-lo.
—Anthony, nesta sala só está você e eu. Ninguém viu o que ocorreu. Não nos enfrentemos
nem com pistolas nem com espadas.
Anthony moveu os lábios como se estivesse a ponto de aceitar, mas logo ficou muito rígido.
—Eu tenho minha honra, senhor!
—Deus do céu! —Exclamou Jesse.
—O que acontece aqui? —Perguntou de repente uma voz suave.
Jesse olhou por cima de Anthony e viu que Christa entrou no quarto seguida de Daniel e os
outros.
—O senhor Cameron e eu acabamos de concordar em nos bater em duelo por um assunto
pessoal e privado.
—O quê? —Perguntou Daniel incrédulo.
—Aaron espero que tenha a amabilidade de ser meu padrinho. Daniel suponho que você
apoiará seu irmão, naturalmente — disse Anthony.
Jesse levantou as mãos, exasperado.
—Que demônios significa esta ânsia de sangue? —Inquiriu.
—Senhor, o verei ao anoitecer —insistiu Anthony— Eu desafiei, portanto você tem direito a
escolher as armas.
—De acordo, por que não traz tudo o que tem? —Propôs Jesse com um sarcástico sotaque
sulista— Vamos fazer isso direito!
—Não é um assunto para tratar à ligeira!
—De acordo, Anthony. Espero ao anoitecer — disse Jesse à contra gosto.
Inclinou diante de Anthony com um elegante gesto de cavalheirismo fingido e depois
levantou o olhar.
—Deus me perdoe, eu não tinha intenção de matar este pobre infeliz! —murmurou.
Anthony avermelhou de ira, mas Jesse ignorou. Diante do olhar de todos os presentes uma
terrível maldição e saiu da sala.

Capítulo 12

Havia poucas pessoas tão animadas pelo voto em favor da secessão como o pai de Kiernan.
John Mackay estava totalmente convencido da justiça da causa sulitas. Quando as colônias
acreditaram que recebiam um trato injusto por parte da Inglaterra proclamaram a independência.
Lutaram em uma revolução e obtiveram a independência. Ele considerava que, naquele momento,
a situação do Sul era muito parecida.

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Kiernan não dormiu toda a noite, mas levantou cedo. Esteve no tanque explicando a Julie
como podia tirar uma mancha de nata de uma das camisas favoritas de seu pai. A carne de vários
cervos e de um porco selvagem devia ficar marinando e em seguida, passar um bom momento no
defumador. Havia muitas coisas que a mantinha ocupada, mas por muito atarefada que estivesse
não podia deixar de pensar em Jesse.
Seu pai estava tão contente que não se lembrou de que ela estava no defumador até entrar
à tarde.
Kiernan ouviu um disparo e olhou ao velho Nate, que estava pendurando um pedaço de
veado. Cruzou correndo o abrigo enquanto secava as mãos no avental e recolhia umas mechas de
cabelo que soltaram do coque que usava na nuca. Levantou os olhos e viu seu pai montado a
cavalo, indo de cima abaixo pelo atalho que comunicava os abrigos da mansão. De repente deteve
e viu Kiernan. Um amplo sorriso iluminou seu rosto envelhecido e devolveu a vida a seus olhos
aquosos.
— Fizeram filha! Votaram a favor de nossa independência! Virginia separou da União!
Voltou a disparar para o ar e uma galinha que estava perto cacarejou aterrorizada. Nate
olhou para Kiernan.
Ela voltou a secar a mão no avental, muito nervosa.
—Somos independentes?
—É claro que sim, jovenzinha! Agora deixemos que os exaltados ianques lancem abruptas
ameaças e divaguem sobre a secessão! O coração da nação, o coração da revolução, é sulino!
Fez girar o cavalo e voltou galopando para casa. Da distância, Kiernan viu que havia alguns
cavaleiros esperando na varanda da frente. Pensou que seus velhos camaradas veio comunicar as
boas notícias. Supôs que iriam a seu escritório para beber e brindar, considerando heróis.
Suspirou em voz baixa e disse a si mesmo que seu pai foi um militar de West Point como
muito outros, e que serviram no México. Sorriu levemente. Estava muito bonito e muito digno
quando vestia o uniforme.
Um uniforme que nunca voltaria a usar.
Mas, Jesse...
Ela percebeu que para Jesse chegou o momento crucial e ficou pálida. Havia dito que não
voltaria vê-lo, mas de repente foi consciente de que era absolutamente necessário que se vissem.
Tinha que convencê-lo de que renunciasse a permanecer no exército da União.
Voltou a prender as mechas de cabelo e esfregou as palmas das mãos no avental. Estava
muito desalinhada. Debaixo do avental levava um singelo vestido de algodão xadrez e uma
anágua, e o defumador deixou seu cabelo molhado e murcho. Certo que cheirava a presunto
caseiro rançoso. Seu coração pulsava desbocado. Quis voltar para casa correndo e banhar antes de
ir a Cameron Hall. Aquele seria um dos momentos mais importantes de sua vida.
—Nate, acaba isto, por favor — disse.
Nate era um dos primeiros negros que seu pai libertou, um trabalhador com talento que
ganhou dinheiro suficiente. Para pagar sua liberdade a John Mackay fazendo arranjos. Mas que
estava confortável na casa, sentia bem com John Mackay, por isso ficou. Naquele momento, o

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olhar de Kiernan, fez um gesto com os olhos como se assombrasse do estranho comportamento
dos cavalheiros e depois assentiu com solenidade. Kiernan sorriu e dirigiu um gesto de despedida.
Mas o sorriso desapareceu assim que começou a correr para a mansão. Seu instinto dizia que não
tinha muito tempo.
No pátio havia meia dúzia de cavalos com as rédeas penduradas e supôs que os homens
entraram para tomar uma bebida para celebrar o acontecimento. Fazia um momento que ouviu os
sinos da igreja e supôs que deviam estar festejando a decisão final da assembleia.
Kiernan começava a subir a escada de tijolo a toda pressa quando ouviu que a chamavam.
—Kiernan!
Voltou e viu Christa montada sobre um cavalo que se aproximava a toda velocidade.
Desmontou de um salto sem se preocupar com sua saia nem com sua dignidade de dama e se
aproximou dela correndo.
— Você tem de vir! Agora!
Kiernan gelou o sangue. Um calafrio sacudiu seu corpo. Algo aconteceu; algo terrível.
—Jesse... —disse em voz alta. Aconteceu um acidente. Estava ferido. Estava morto— Oh,
Meu Deus! Morreu!
—Não está morto! —Tranquilizou Christa em seguida— Ainda não, pelo menos. Kiernan tem
que detê-los!
—Deter quem, para que não façam o quê?
—Jesse e Anthony...
—Anthony?
—Andrew e ele estavam em Williamsburg a negócios quando chegaram à notícia de
Richmond. Ele foi correndo a contar a Daniel. E então Jesse e ele brigaram.
—O quê? O que aconteceu? Por quê?
Christa moveu a cabeça; seus olhos azuis brilhavam.
—Não sei! —gemeu— Nenhum dos dois quer dizer nada! Vão bater em um duelo!
—Em duelo! —Exclamou Kiernan.
—Sim! A princípio acreditei que conseguiria que se envergonhassem e esquecessem. Pensei
que não ia ser sério! Jesse tentou negar a lutar, mas Anthony insistiu em que sua honra ficará
manchada se Jesse não satisfazer sua petição. Nem sequer sei qual é o motivo. Em um primeiro
momento todo mundo estava lançando os chapéus ao ar e no minuto seguinte, entrei em casa e
descobri que Jesse e Anthony tinha chegado às vias de fato. Não posso explicar nada mais,
Kiernan. Devemos ir. Eu não consegui detê-los e Daniel tampouco. Tem que vir comigo e fazer o
que puder!
—Ai, Senhor! —Sussurrou Kiernan, angustiada.
Aquilo era por ela? O que haveria dito Jesse a Anthony? Teria falado de sua relação? Mas
Jesse não faria tal coisa. Então, por quê? Porque Jesse estava convencido que a secessão era um
engano? Não, agora as posições estavam muito definidas. Quaisquer que fossem as opiniões de
Jesse, o sentido de honra de Anthony obrigava a respeitar suas crenças.
Nunca mataria Jesse a não ser que encontrasse no campo de batalha.

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—Vamos, Kiernan!
Kiernan tirou o avental e contemplou o grupo de cavalos que tinha diante. Riley, o enorme
semental de seu pai, estava comendo grama no final do caminho. Christa deu um salto, montou de
novo e estendeu a mão para Kiernan.
—Não a tempo de ir procurar sua égua! Suba comigo!
—Levarei Riley.
Christa arqueou uma sobrancelha. Riley podia ser muito perigoso. Era a glória e o orgulho de
John Mackay, e um animal grande, forte e muito teimoso.
—Quebrará o pescoço! —Advertiu Christa.
—Devo ir em seguida para ali! —Disse Kiernan.
Com um revoo da saia montou Riley de um salto. Era uma amazona suficientemente boa
para dirigir e, embora fosse teimoso, não havia cavalo mais rápido. Muito frequentemente, John
Mackay ganhou dinheiro apostando por ele.
Kiernan olhou Christa.
—Onde estão?
— No desfiladeiro que há nos subúrbios de seu imóvel, lá em baixo, junto à velha igreja que
queimou.
Kiernan assentiu e esporeou Riley, que saiu como uma exalação. Christa gritou alguma coisa
atrás dela, mas não ouviu. Seu coração retumbava tão forte como os cascos de Riley contra a
terra. O ritmo incessante e a energia que fervia nas vísceras daquele gigantesco semental
pareciam somar o estremecimento que instalou no interior de Kiernan. Inclinou sobre o cavalo,
sem fazer caso do vento nem dos arbustos que atravessava com pressa, enquanto dirigia para o
caminho. Se esquivou um carro e irrompeu entre um grupo de pessoas que festejavam os últimos
acontecimentos. Christa seguia muito atrás.
Tinha que alcançá-los. Não podia permitir que nenhum dos dois morresse! E por sua culpa!
Tinha que haver um modo de fazê-los entrar em razão.
Podia recordar que talvez não demoraria disparar um contra o outro no campo de batalha.
Jesse não podia morrer; mas se matasse Anthony, ela não seria capaz de seguir vivendo.
Anthony a amava e estava disposto a morrer por ela. Tudo aquilo era culpa dela porque nunca
disse a verdade. Rejeitou-o várias vezes, mas nunca confessou que não o amava.
Chegou ao caminho que levava ao desfiladeiro e começou a descer, ignorando galhos
invadindo e enredavam nos cachos do cabelo. Seguiu cavalgando... e ouviu um disparo.
Riley também ouviu. Sobressaltado, o animal parou em seco e depois levantou as patas
dianteiras, até ficar quase em posição vertical. Kiernan teve que fazer grandes esforços para não
cair.
—Maldito animal assustadiço! —Gritou desesperada para o cavalo, obstinada o seu pescoço
— Baixa!
Riley obedeceu, mas depois voltou a encabritar e Kiernan saiu voando.
Aterrissou brandamente, mas notou a ardência das lágrimas em seus olhos. Tinha que
chegar a clareira do bosque de onde procedeu o disparo! Mas as consequências de que Riley

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saísse correndo sem arreios seriam muito graves. Seu pai a faria pagar com sangue.
Sangue! Deus bendito ouviu um disparo!
De repente Riley cruzou trotando os arbustos.
Kiernan ficou em pé de um salto e correu atrás dele. Naquele momento ouviu os cascos de
um cavalo que avançava pelo atalho.
—Espere! —Gritou, mas o cavaleiro não ouviu ou não fez conta. Cada vez mais angustiada,
Kiernan correu em perseguição de Riley.
O animal deteve para mordiscar um montículo de grama. Ela agarrou as rédeas. O semental
foi para trás e deu coices; o olhar de seus olhos escuros era selvagem. Mas Kiernan superou o
pânico crescente. Conseguiu dominar o cavalo e montá-lo de novo.
Assim que voltou para atalho, correu até o arvoredo onde estava a velha igreja e puxou com
força as rédeas. Havia alguém estendido no chão e dois homens de lado. Viu que um deles era
Daniel; o outro apenas conhecia, mas recordou que se chamava Aaron.
E o que estava no chão...
Kiernan gritou, desceu de um salto do indômito semental de seu pai e começou a correr por
aquele terreno fresco e sombreado.
O coração, desbocado, pulsava contra seu peito. Era Jesse! Estava morto, o mundo
desmoronaria e ela também desejaria a morte.
Daniel levantou o olhar e viu a expressão de terror nos olhos de Kiernan. Sorriu e ela se
tranquilizou.
—Só é um arranhão — disse imediatamente— Um ligeiro arranhão.

Ela deixou cair sobre os joelhos. Não era Jesse. Jesse não estava por nenhuma parte. O
homem que estava no chão, com a manga e a camisa empapadas de sangue, era Anthony Miller.
—Oh, Meu Deus! —Suspirou Kiernan.
Ele olhou com seus olhos castanhos de gazela e tentou sorrir.
—Kiernan... —E voltou a fechá-los.
—Anthony! —Gritou ela.
—Não se preocupe — disse Daniel em voz baixa— Jesse deu-lhe uma dose de morfina.
—O quê? —Sussurrou ela.
Daniel levantou, a ajudou a ficar em pé, pôs as mãos sobre os ombros e a separou do ferido.
—Não se preocupe Kiernan.
—Jesse...
—Jesse está bem. Cedeu a Anthony o primeiro disparo e depois limitou a fazer um arranhão
no braço. No braço com que disparava. Anthony queria voltar a atirar, mas Jesse disse que logo
teria a oportunidade de lutar. Entretanto, Anthony disse que ainda não se dava por satisfeito.
—E então, o que aconteceu?
Daniel sorriu.
—Eu dei um soberbo murro na mandíbula de Anthony. Ele caiu no chão e Jesse se
aproximou para examinar seu braço, injetou um calmante e nos aconselhou que enfaixássemos

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bem. Anthony se recuperará.


—Oh! —Murmurou ela e voltou correndo para Anthony com a intenção de comprová-lo
pessoalmente. Rasgou o tecido da camisa branca e descobriu que a ferida que empapou sua roupa
já estava limpa e enfaixada.
Então voltou-se para Daniel.
—Jesse o atendeu aqui mesmo?
—Sim — disse Daniel e depois acrescentou em tom zombador— Meu irmão deve ser um dos
poucos homens que levam a maleta de médico para um duelo.
Sua intenção era fazê-la sorrir, mas ela não podia.
—Jesse examinou o braço e deu morfina?
— Sim, depois que eu bati nele. Eu não queria, mas ... tive que fazê-lo; do contrário não teria
permitido que Jesse visse a ferida. E teve que pinçar um pouco para tirar a bala, por isso
administrou a morfina.
—Mas por que deixou assim? Por que não...?
—Porque outra pessoa tinha que se ocupar de Anthony. O irmão de Aaron foi procurar um
carro para levá-lo a Williamsburg, onde um médico poderá voltar a examinar. —Daniel ficou
calado um segundo— E porque Jesse partiu.
Kiernan sentiu como se tivesse sido golpeada no peito e tivesse cruzado o rosto um bofetão.
Ficou imóvel olhando fixamente a Daniel.
—Partiu? O que quer dizer com partiu?
—Partiu, Kiernan. Não sei quando voltará.
—Mas não entendo!
—Kiernan, eu renunciei o meu posto. Escrevi a carta e a enviei. Mas Jesse não vai renunciar.
Mas Jesse não vai renunciar. Decidiu que, em sã consciência não pode fazê-lo.
—Não!
Não estava disposta a derramar as lágrimas que estavam acumulando em seus olhos.
—Onde está?
—Provavelmente em casa.
Com um nó no estômago, Kiernan deu a volta e saltou sobre Riley. Cravou as esporas nos
flancos do cavalo e este pareceu dar um salto no ar; logo, ambos corriam de novo a campo aberto.
Tomou um atalho pela plantação e cruzou fileiras e fileiras de cultivos primaveris. Passou
junto os trabalhadores e seguiu cavalgando contra o vento áspero e com o sol no rosto.
O animal estava sufocado e suarento quando chegaram aos degraus da parte de atrás.
—Jesse! —Gritou enquanto subia a escada.
Jigger, o muito correto mordomo negro dos Cameron, foi a seu encontro na porta da galeria.
—Onde está o capitão Cameron, Jigger?
—Qual deles, senhorita Mackay? —Perguntou educadamente.
—O doutor Cameron! Jesse!
—Fez as malas, senhorita Mackay. Já não voltará para casa. — Jigger deve ter notado que
seu coração deu um tombo além de desencaixar o rosto, porque em seguida acrescentou— Talvez

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ainda o alcance lá em baixo, junto ao cemitério, senhorita Mackay. Disse que ainda tinha que se
despedir de alguns amigos.
Do alto da escada, Kiernan deu a volta e contemplou o prado que descia em declive, o jardim
e mais à frente o cemitério.
Pegasus estava junto a um dos enormes carvalhos que havia do outro lado das portas de
ferro forjado.
Viu que Jesse estava ali, com o chapéu de plumas na mão e a cabeça baixa.
—Jesse! —Uivou.
Baixou correndo a escada e cruzou a extensão de grama; os batimentos de seu coração
retumbavam em seus ouvidos com a força de uma tormenta. Correu e correu, sem deixar de
soluçar.
Quando a viu chegar, Jesse elevou o olhar e sorriu devagar, muito devagar, doce,
melancolicamente e com dolorosa amargura.
—Kiernan. —Seu nome ressonou entre a brisa como uma carícia.
—Jesse!
De repente, Kiernan ficou imóvel. Ele estava em um lado da grade, ela no outro. Seu coração
pulsava. Seu olhar devia deixar descoberta à angústia que sentia.
—Fiz tudo o que pude Kiernan. Deus é testemunha de que não queria fazer-lhe mal. —
encolheu os ombros— Não disse nada sobre nós. Suponho que deve ter adivinhado algo, não sei.
Mas vai se recuperar.
Ela assentiu com brutalidade. Nesse momento não queria falar de Anthony. Sabia que ele
estava bem.
—Jesse, não pode ir.
—Tenho que fazer. —Seu sorriso se tornou irônico— Não quero me bater em duelo com
todos meus amigos e conhecidos.
—Jesse! —Gritou Kiernan, dolorida, angustiada e transbordante de amor.
—Vai me dar um beijo de despedida? —Perguntou ele com carinho.
Realmente ia. O momento crucial chegou. Jesse amava seu lar, mas não o suficiente.
E a amava, mas não o suficiente.
—Jesse, se for daqui agora, eu o odiarei para sempre!
Ele ficou tenso.
—Kiernan, se ficasse agora nunca poderia me amar de verdade, porque nem sequer eu
poderia respeitar a mim mesmo.
— Eu te odeio, Jesse Cameron! Eu juro que odeio com todo meu coração! E o desprezarei
sempre. Nenhum inimigo rebelde detestará com tanta intensidade como eu neste momento!
Ele ficou calado um bom momento. A brisa do rio balançava as árvores. Jesse levantou a
cabeça e contemplou o rio; depois a vegetação e depois a casa.
Finalmente dirigiu um olhar ao túmulo de seu pai e sua mãe pela última vez.
Ele se virou e saiu do cemitério. Foi até o carvalho e agarrou as rédeas de Pegasus. Ele então
se aproximou dela e a estreitou entre seus braços com uma força que impediu qualquer protesto.

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Beijou-a com um ardor que queimou os lábios de Kiernan, que queimou as vísceras, como uma
marca que perduraria em sua memória além da vida. Era uma breve lembrança da doce paixão
que compartilhou.
Jesse estava indo embora. Ela escapou de seu abraço e bateu no peito com as mãos,
tremendo. Com a voz vacilante, espetou:
—Odeio Jesse Cameron! Eu mesma levantei armas contra você se voltar a vê-lo por aqui!
Levantou a mão para voltar a pegar, para arranhar, para ferir do mesmo modo que ele a
feria.
Ele agarrou seu braço.
—Lamento — murmurou. Seus olhos azuis a observavam abstraídos— Porque eu te amarei
pelo resto de minha vida.
Então a soltou, puxou Pegasus e afastou dela.
Kiernan sentiu repentinamente débil e sentou no chão de costas para ele. De repente ouviu
um revoo de seda e o pranto de uma mulher e percebeu que Christa e Daniel os seguiram.
—Adeus, Jesse. Tome cuidado.
—Sou médico, Christa. Tentarei salvar tantas vidas quanto possível — respondeu ele.
Ouvindo estas palavras, Kiernan fechou os olhos com força, mas não conseguiu reprimir as
lágrimas. Ouviu que Christa soluçava discretamente.
Jesse aproximou de seu irmão. Finalmente, Kiernan se voltou. Jesse fez um gesto com a mão
para abraçar aquele lugar, a casa, o rio James, os enormes cais, os campos, o cemitério... e ela.
— Cuidado com o que você faz, Jesse.
—Terei.
Os dois irmãos se fundiram em um abraço. Kiernan viu o rosto de Daniel, duro, com as
mandíbulas escuras para não chorar, quebrado de dor.
Maldito Jesse! Maldito!
Jesse separou de Daniel e voltou a olhá-la mais uma vez.
Ela afastou o rosto e abaixou a cabeça.
Ouviu suas pegadas quando ele retornou a marcha. Escutou o ágil movimento com que
montou de um salto Pegasus e ouviu os cascos do cavalo que afastava.
Com os olhos cegados pelo pranto levantou a cabeça.
— Eu odeio você, Jesse. Eu te amo, Jesse— sussurrou apenas.
Depois de um momento, Christa se aproximou dela e tentou levantá-la. Ela negou com
veemência. Então chegou Daniel, mas ela não ouviu suas palavras.
—Me deixem, por favor! —Suplicou a ambos.
Embora soubesse que Daniel não a deixaria e que permaneceria perto, quando a penumbra
caiu sobre as árvores se sentiu muito sozinha.
Ficou paralisada.
Mas jurou a si mesmo que não permaneceria assim. Que superaria seu amor por Jesse. Que
o odiaria como se odeia um inimigo.
Se ele retornasse algum dia, ela usaria as armas para combatê-lo.

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E enquanto estava ali sentada entre a umidade e a crescente escuridão da noite, com a
cabeça baixa em frente ao velho cemitério, pareceu que seu coração chorava.
Sentiu uma onda de dor e se rendeu diante dela.
De novo voltou à paralisia.
Finalmente, levantou furiosa e disse a si mesmo que sua fortaleza era maior que a dele.
—Vamos — disse Daniel— eu a levarei para casa.
Olhou e secou as últimas lágrimas das bochechas.
—Como pode estar tão tranquilo, Daniel? Ele é um traidor! É um ianque, um maldito ianque.
Ele sorriu amargamente.
—Mas é meu irmão.
—E o que acontece se o encontrar no campo de batalha?
—Seguirá sendo meu irmão! —Replicou Daniel, alterado— E meu inimigo. Inferno, Kiernan.
Eu não gosto nada do que ele fez. Mas eu entendo. Quando os lados estão definidos e não há
território neutro, um homem deve lutar pelo que considera justo. Se não fizer, não é útil para
ninguém. Eu entendo e perdoo.
—Bem, pois eu não entendo — disse Kiernan com total frieza— E jamais perdoarei! —Logo
acrescentou em voz baixa— Jamais.
Deu as costas a Daniel e se dirigiu para casa.
Ele a seguiu.
—Kiernan, eu...
Ela se voltou.
—Obrigada, Daniel, mas não. De agora em diante eu quero me virar por mim mesma.
Secou as mãos na saia de algodão, ergueu os ombros e seguiu andando.
Alguém tinha amarrado a uma argola junto às colunas. Ela desfez o laço e montou.
Então contemplou o rio e depois foi para casa.
Depois partiu muito orgulhosa, muito erguida e completamente sozinha.

Quando chegou em casa, seu pai estava esperando. Sentado no balanço de madeira branca
na varanda, vigiava o atalho.
Ficou tensa. Ele devia estar furioso com ela. Provocou dois homens para que batessem em
duelo. Graças a Deus que Anthony não estava ferido gravemente.
John levantou para vê-la. Baixou a escada e a contemplou montada no cavalo. Examinou seu
rosto cansado e manchado de lágrimas e a ajudou a descer.
—Um mau dia, verdade, menina?
—Oh, papai! —murmurou ela.
Ele olhou para ela e acariciou seus cabelos.
— Eu ouvi, Kiernan. Eu já ouvi tudo.
Ele levou-a escada acima e chamou para que alguém se ocupasse de Riley. Acomodou no
assento, passou um braço pelos ombros e no final de um momento pôs um copo nos lábios.
—Brandy — disse.

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Olhou através das lágrimas.


—Você detesta que eu beba.
—Agora tome um pouco. Deu motivos de sobra para estar zangado contigo, menina. Hoje
mesmo, uma dúzia. Mas não estou e não me ocorreria castigá-la, porque me parece que você já
esta se castigado bastante.
Ela tomou um gole e depois bebeu um pouco mais. Terminou a taça tremendo.
—Tinha razão sobre Jesse.
Ele balançou ligeiramente durante um segundo.
—Eu gosto de Jesse Cameron. Sempre gostei e sempre gostarei.
—Pois eu odeio.
—Sim. Bom, talvez seja melhor.
—Não quero voltar a vê-lo, jamais.
John Mackay não respondeu. Sentou-se com o seu braço ao redor dela, balançando no
balanço.
Enquanto estavam ali sentados fez de noite. Finalmente John disse:
—Bom, Kiernan, o tempo dirá, não acha? A muitos jovens não voltaremos a vê-los. Porque
ter honra é magnífico, mas o sangue e a morte são eternos. E se houver qualquer coisa neste
mundo que eu tenho certeza, Kiernan, é que estamos caminhando para a guerra.
As dobradiças do balanço rangeram e seu pai a abraçou mais forte.
—Haverá uma guerra.

Capítulo 13

Os acontecimentos aconteciam com grande velocidade nos antigos domínios. A Virgínia


aprovou oficialmente a lei de secessão em 17 de abril e uma semana depois, o vice-presidente
confederado, Alexander Stephens, chegou a Richmond para negociar uma aliança militar entre a
Confederação e a Virginia. Stephens expôs a possibilidade que Richmond se tornasse a capital
confederada e os delegados da Virgínia rapidamente aceitaram sua proposta. Em maio, o governo
confederado desmontou suas instalações na antiga capital, Montgomery, e mudou-se para
Richmond. Escolheram a cidade por sua proximidade ao iminente conflito. Entre a cidade de
Washington e o novo centro da Confederação não havia cento e cinquenta quilômetros.
John Mackay, incondicional da Confederação, viu como evoluíam os acontecimentos em seu
estado natal e balançou a cabeça com decepção.
—É um engano — disse a Kiernan— Recorde minhas palavras. Está muito perto do conflito.
O exército da União cruzarão essa centena de quilômetros. Haverá um banho de sangue. Os do
Norte já gritam: “A Richmond!”. Estão decididos que o congresso confederado não se reúna este
mês.
Kiernan escutava sentada à mesa e sorriu com amargura.
—Mas pai eu ouvi dizer que os rapazes do Sul acabarão com os ianques em questão de
semanas. Estou quase certa de que em Richmond não acontecerá nada.

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Ele a olhou com os olhos entreabertos.


— Você é uma das rebeldes mais fervorosas da região.
—Eu sou — declarou ela enquanto deslocava os dedos acima e abaixo pela taça de água com
gesto distraído— Ouvi dizer de alguns dos amigos de Daniel. Esses homens andam procurando
briga, como uns pirralhos. Acreditam que são mais fortes e melhores, que simplesmente vencerão
os ianques e que depois tudo voltará ao normal.
John esticou o braço até o outro extremo da mesa e deu-lhe um tapinha na mão.
—Nós temos os melhores cavaleiros e os melhores atiradores. E os melhores chefes
militares. Como podemos perder?
Mas um de seus melhores homens estava com o Norte
Kiernan jurou que nunca mais voltaria a pensar em Jesse. Estavam em julho e ele já estava
longe muito tempo. Aqueles foram meses tranquilos, meses agradáveis na região planícies.
Aproximava um verão quente e ocioso.
Kiernan seguiu a evolução dos acontecimentos a seu redor e evitou ir a Cameron Hall. Era
muito doloroso estar ali. Naquele estado de ânimo, as noites eram uma tortura para ela. Devido à
dor que Jesse provocou, ela realmente começou a odiá-lo. Rezou para que aquela dor mitigasse.
Inclusive evitou Daniel e Christa.
Mas eram seus amigos e seus vizinhos mais próximos, e não podia manter-se afastada deles
para sempre. Daniel, capitão da cavalaria, levantou recentemente o exército confederado. As
tropas estavam congregando em Manassas Junction, uma importante estação ferroviária, e Daniel
estava com elas.
Anthony também estava com esses soldados, ou estaria logo. O exército ainda estava
organizando e a companhia de Anthony ainda tinha que mudar do oeste do estado.
Kiernan não sabia onde estava Jesse.
Tentava com todas suas forças convencer de que aquilo nada importava. Em alguns
momentos se sentia realmente insensível e desfrutava dessas ocasiões.
O conflito se aproximava.
Alexandria, localizada frente a Washington, na margem oposta do rio Potomac, foi ocupada.
Era o pátio traseiro da União quando os soldados invadiram e ninguém se surpreendeu. A primeira
baixa da União foi ali. O jovem e popular coronel Elmer Ellsworth divisou uma bandeira
confederada no alto do hotel Marshall House e subiu no telhado para retirá-la. Quando descia
pela escada recebeu um disparo mortal do proprietário do estabelecimento. Este morreu de um
disparo realizado por um dos homens de Ellsworth.
Kiernan lamentou a morte do unionista. Conforme leu, foi um homem bonito, cavalheiro e
generoso, e um amigo muito querido de Abe Lincoln. Seu corpo foi velado na capela da Casa
Branca antes de ser transferido para sua terra natal no norte do estado de Nova Iorque para o
enterro.
Ellsworth, como John Brown, tornou-se em um mártir no Norte. Sua morte incitou os
homens a pedir a gritos e a clamar em favor de um maior derramamento de sangue.
Aquilo pareceu muito triste.

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Mas também pareceu muito triste que Robert E. Lee, depois de recusar uma oferta do Norte
e aceitar um posto na Confederação, se viu obrigado a abandonar sua casa. Kiernan imaginava Lee
e sua esposa falando durante toda a noite da decisão que obrigou a partir. Ele devia saber de
antemão que os federais não o permitiriam viver em Arlington House. Desse modo, sua mulher e
seus filhos também foram despojados de suas raízes, como ele. Agora o inimigo perambulava
pelos corredores onde brincavam seus filhos.
Havia tantas coisas que pareciam tristes...
Talvez o duelo entre Jesse e Anthony foi por ela, mas se não fosse pela perspectiva de uma
iminente guerra, nunca teria ocorrido. E se não fosse pela guerra, ela teria se casado com Jesse.
Não teria nenhuma questão de honra. Jesse não teria que dizer adeus a seu irmão e nunca teria
que partir de sua casa.
Mas ela não estava disposta há esbanjar o tempo pensando em Jesse. Em caso de preocupar
com alguém, seria por Anthony.
Foi vê-lo em Williamsburg no dia seguinte ao duelo. Tinha muito carinho, mas teve que
admitir que foi mais por sentimento de culpa que por afeto profundo que a impulsionou a visitá-
lo. Em Williamsburg sentiu-se ainda mais culpada que nunca porque Anthony a tranquilizou
dizendo que ele se encontrava bem; embora sentisse ferido em seu orgulho mais que em qualquer
outra coisa. Voltou a dizer que a amava que se bateriam mil vezes duelo por ela, que morreria por
ela mil vezes.
Mas Jesse, que dizia amá-la também, nem sequer estava disposto a ficar e lutar em seu
próprio estado por ela. Dizia que como médico, desejava salvar vidas, mas também podiam salvar
vidas neste lado do conflito.
Kiernan estava pensado em Jesse, quando Anthony perguntou:
—E bem, Kiernan?
—Bem?
—Agora se casará comigo? Ou pensará nisso pelo menos? Sei que partirei logo, agora que a
Virgínia votou pela secessão. Sairemos para varrer esses meninos de azul. Deixe-me levar a
lembrança de seu amor para a batalha!
—Anthony, eu não...
Pôs um dedo nos lábios.
—Não me diga que não, por favor. Diga-me que pensará. Deixe-me viver com essa
esperança.
Não foi capaz de dizer que não.
Não só Anthony enfrentaria Jesse. Também Daniel enfrentaria Jesse. Irmão contra irmão.
Mas a guerra era isso e, tal como seu pai disse, a guerra se aproximava. Todo mundo falava
disso. Todos pareciam desejá-la. “A Richmond!” Como disse seu pai, o Norte tinha o firme
propósito de esmagar imediatamente a rebelião. Ambas as partes apelavam ao patriotismo.

Uma noite de julho, John Mackay estava sentado à mesa, quando levantou a cabeça, dobrou
a toda pressa o jornal que esteve lendo e franziu o cenho.

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—Escuta! —disse.
No princípio ela não ouviu nada, mas depois ouviram cavalos, cavalos que desciam em
massa ao longo do caminho.
John apressou a levantar e foi para porta seguido de Kiernan. De repente, ela escutou uma
ordem rebelde e o som dos cascos que aproximavam cada vez mais.
—O que é isso? —Perguntou.
—Parece uma companhia rebelde — replicou John sorrindo— Asseguro que não tenho nem
ideia do que fazem em meu jardim.
Saiu para a varanda; Kiernan o seguiu.
Ali em seu jardim, havia efetivamente uma companhia rebelde. Moviam em meio de uma
desordem total e seus cavalos saltavam por toda parte, mas mesmo assim formavam um grupo
muito atraente. Luziam os magníficos uniformes novos do Sul de cor cinza. O uniforme não parecia
que pertencessem ao governo; foi desenhado e tecido especialmente para aquela companhia em
particular. Os rebeldes usavam chapéus de cavalaria, idênticos aos da cavalaria da União, só que
estes eram cinza. Cinza e com uma elegante pluma.
A companhia estava composta por vinte e cinco homens ousados e barulhentos, que
perambulavam pela grama lançando vivas constantemente.
—Em nome de Deus, o que... —começou a dizer John Mackay.
Um cavaleiro separou do tumulto e aproximou a trote. Jogou atrás o chapéu.
—Anthony! —Exclamou Kiernan com um grito afogado.
Ele sorriu de orelha a orelha. Estava fantástico e seus olhos castanhos quentes e brincalhões,
os cachos dourados saindo pelo elegante chapéu de plumas, o bigode perfeitamente desenhado e
a barba cuidadosamente recortada, o faziam terrivelmente atraente. Aquele maravilhoso porte a
cavalo e aquele sorriso, tão sedutor, a comoveram aquela noite como nunca a comoveu. Ela não
amava Anthony. Nunca poderia amar ninguém com a paixão selvagem e desesperada com a que
amou Jesse. Quando ele se apresentou diante dela aquela noite, tão galhardo e gracioso, Kiernan
riu com autêntico deleite, como não ria há tempo.
Desde que Jesse se foi.
—Senhor Mackay! —Gritou Anthony e sorriu novamente Kiernan— Embora as risadas de sua
filha sejam totalmente inapropriadas diante de um grupo tão seleto de soldados da Confederação,
vim para pedir que me conceda sua mão! Não! Desculpe-me retiro o que disse! Vim suplicar que
me conceda sua mão!
John Mackay arqueou uma sobrancelha.
—Verá filho, não é para mim que tem que rogar e suplicar!
Anthony sorriu e desmontou de um salto. Os homens de sua companhia deixaram de andar
daqui para lá e conduziram seus cavalos até um abrigo que havia atrás; mostravam tão
disciplinados como indisciplinados foram tão somente segundos antes.
Anthony aproximou da escada onde estava Kiernan, apoiou a bota no primeiro degrau e
pegou sua mão.
—Íamos a caminho de Manassas Junction e estávamos a ponto de chegar a nosso destino.

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Mas estes magníficos camaradas conhecem a profundidade de meus sentimentos por você. É
obvio que contei que em algumas ocasiões se mostrou cruel. Disse que me rechaçou durante
anos. Mas a última vez que falei contigo, na realidade não me rechaçou. De modo que decidimos
nos desviar só um pouco de nossa rota...
—Só um pouco! —Exclamou Kiernan— Desviou mais de cem quilômetros! Terá que refazer
todo o caminho para voltar para a península!
Anthony voltou a sorrir.
—Sim. Assim seria muito descortês de sua parte que voltasse a me rechaçar.
Subiu até o último degrau e a atraiu para si.
—Kiernan, não há tempo, não tenho tempo. Nem sequer uma noite para passar contigo,
nem um dia para levar a alguma parte, nenhuma casa. Mas tenho um sacerdote (o capitão
Dowling é também o reverendo Dowling de Charles Town), se você aceitar se tornar minha esposa
esta noite, prometo que voltarei para buscá-la. E que levarei a qualquer lugar do mundo que
deseje assim que esta guerra acabar. Levarei seu beijo à batalha e a doce promessa de um futuro
contigo, juro que conduzirei estes valentes cavalheiros a uma vitória segura.
Kiernan olhou fixamente sem reagir durante vários minutos. Voltava a sentir-se paralisada.
“Sim. Sim, se case com ele, se case com Anthony”. Conhecia há muito tempo e sentia
verdadeiro afeto por ele. Além disso, devia porque até certo ponto a manipulou, já que no fundo
de seu coração sabia que amava Jesse.
Ela não amava Anthony, mas ele a amava o suficiente pelo dois, tal como disse uma vez.
Se case com ele, se case com ele, se case com ele, disse a si mesmo. Acabe para sempre com
a esperança de que Jesse volte.
—Anthony — respondeu seu pai em seu lugar— este foi um ato cavalheiro e muito
romântico de sua parte, mas talvez o melhor seria esperar até...
—Sim! —Exclamou Kiernan.
—O quê? —Gritaram juntos Anthony e seu pai.
Kiernan percebeu que Anthony não ousara realmente conceber esperanças. Seu pai, pensou,
a conhecia muito bem.
—Disse que sim!
—Kiernan — disse John franzindo o cenho— isto é muito precipitado.
—Tolice, papai, nos conhecemos há muito tempo. Anthony leva anos me pedindo isso E está
a ponto de ir à frente... —Mas a interromperam os soldados, que gritavam e aclamavam seu
nome.
—Pelo visto estou em minoria — murmurou John. Olhou fixamente a Anthony— Jovem, me
permita um minuto a sós com minha filha.
Levou-a ao interior da casa e fechou a porta do vestíbulo para que pudessem falar em
privado. Apoiou as mãos sobre os ombros.
—Filha, sabe o que está fazendo?
—Sim, papai. Eu sei.
—Você estava apaixonada por Jesse Cameron.

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Ela não pestanejou. Olhou-o nos olhos.


—Eu odeio Jesse Cameron — disse sem rodeios.
—Isso é o que me dá medo — refletiu John— O amor e o ódio estão separados por uma
linha muito fina. Durante todos estes anos jovenzinha, nunca a forcei a se comprometer, nunca
arrumei seu casamento, para que pudesse se apaixonar e se casar com o homem que você
escolhesse.
—Mas se combinasse meu casamento, Anthony teria sido o escolhido — recordou-a.
Ele suspirou.
—Kiernan, não faça.
—Papai, devo fazê-lo!
—Sempre é muito apaixonada, Kiernan, muito imprudente.
—Papai, não me contradiz, por favor. Vai à guerra. Desviou quilômetros e quilômetros de
seu caminho.
—E voltará a ir assim que você diga sim. Não vou impedir isso Kiernan, mas antes me escute.
Se esta noite se casar com ele, ele voltará de novo para sua vida. Então você será sua esposa e
quando vier buscá-la, irá com ele para sua casa. Compartilhará sua cama pelas noites e se ocupará
de sua família. Entende isso?
Ela estremeceu por dentro. As imagens de Cameron Hall foram a sua mente. Sempre sonhou
que seria a senhora da mansão.
—Sim — disse a seu pai.
—De verdade quer fazer isso?
—Sim, com todo meu coração.
John voltou a suspirar levemente e logo abriu a porta. Anthony esperava na varanda, alto e
ereto, investido com a dignidade que conferia seu bonito uniforme. Só os olhos revelavam sua
ansiedade.
—Pelo visto minha filha está entusiasmada com sua decisão, Anthony. Depois de todos estes
anos teremos que celebrar um casamento aqui, esta noite, e sem tempo de retirar os pratos do
jantar. Mas enfim, se for isso o que querem os dois... Venham senhores, venham.
Kiernan ouviu um grito distinto dos que ouviu até então. Anthony soltou um alarido, lançou
o chapéu e a levantou para cima. Ela baixou o olhar para seus olhos e ficou contente.
Embora também estivesse fria e intumescida.
—Tenente Miller, proceda! —Aconselhou um de seus homens. De repente, os soldados
vestidos de cinza entraram em sua casa e ela voltou a encontrar com os pés no chão.
Agora era Anthony quem a contemplava com um olhar rendido.
—Obrigado! —disse ele.
Ela tentou sorrir, mas seus lábios não se moveram. Olhou com gravidade até que seu pai a
agarrou o braço e a levou de novo para dentro.
—Vamos, Anthony.
Kiernan apenas se lembraria da cerimônia. Seu pai, que estava a seu lado, pegou pela mão e
a deslizou na de Anthony. O capitão Dowling, o reverendo Dowling de Charles Town, pronunciou

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as palavras de rigor enquanto os homens de Anthony os contemplavam atrás.


Seu pai tinha escolhido um buquê de narcisos em um vaso, que ela apertou entre os dedos
enquanto escutava aquelas palavras. Anthony teve que dar uma cotovelada para que repetisse os
votos matrimoniais, mas o fez. Repetiu-os com firmeza, embora sentisse tão fria que quase não
sabia o que dizia.
Então voltaram a explodir aqueles mesmos vivas; Jubilee a governanta de seu pai, que foi
como uma mãe para Kiernan começou a chorar. O reverendo Dowling disse que o noivo podia
beijar a noiva e ela se encontrou nos braços de Anthony.
Ele a beijou.
Kiernan, em seguida, soube que tinha cometido um grande erro. Foi um beijo carregado de
amor e de carinho. Foi terno e comedido.
Mas pouco mais. Não foi exigente, nem apaixonado, nem cheio de ardor. Não foi um beijo
que fez o mundo parar de girar, um toque que a acendeu por fora e por dentro. Não alterou o
sangue, nem sentiu nos membros, nem tampouco no centro mais profundo de seu ser. Não era
quente, nem úmido, nem temerário, nem... Não era um beijo de Jesse.
Notou lágrimas em seus olhos, mas jurou que não as derramaria. Obrigou a rodear o
pescoço de Anthony com os braços, para devolver o beijo, para tentar oferecer uma amostra
daquele amor que ele estava disposto a dar.
Os gritos de guerra e o vivas continuaram. Os homens chutavam o chão. Ouviu o estouro de
uma rolha de champanhe. Escapou do beijo e obrigou a seguir olhando nos olhos de Anthony. Ela
realmente não tinha pensado seriamente sobre tudo. Ela não o amava.
Mas jurou que seria uma boa esposa para ele. Seria uma mãe maravilhosa para seu irmão e
sua irmã menores, cuidaria de sua casa enquanto ele estivesse na guerra e aprenderia tudo o que
pudesse sobre seus negócios. Seria boa com ele, seria de verdade. Ocultaria até o dia de sua
morte que amava outro homem.
Jurou que Anthony nunca saberia.
— Kiernan, eu te amo. Se eu morresse hoje, morreria feliz sabendo que você me ama.
Ela tentou que seus lábios desenhassem um sorriso. Seu pai levou uma garrafa de
champanhe e deu boas vindas a Anthony como genro.
Pareceu que seu rosto recebia centenas de beijos quando um a um, os homens de Anthony
passaram diante dela. Beberam o champanhe que seu pai guardava frio na adega e Jubilee
conseguiu bastante tortas, bolos, pão e carne defumada, para conseguir algo parecido com uma
recepção de casamento.
Tudo aconteceu tão rápido. Então, um inquieto soldado raso urgiu à companhia para que se
colocasse em marcha. As tropas saíram em fila até que só Anthony ficou no vestíbulo e tomou
suas mãos.
—Me fez o homem mais feliz da terra — disse.
Voltou a abraçá-la e a beijou outra vez. Ela tentou com toda sua força responder àquele
sentimento e lutou contra as lágrimas que alagavam seus olhos.
—Vá com muito cuidado, Anthony.

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—Eu vou. Virei buscá-la assim que puder. Oh, Kiernan, obrigado! Eu te amo tanto!
Deu um último beijo; depois a soltou, olhou para ele sobre a sua cabeça e lhe agradeceu.
— Cuide dela para mim, senhor.
Kiernan captou o sorriso paterno.
—É o que estive fazendo durante todos estes anos, jovem. Eu acho que eu posso fazer isso
por um tempo mais.
Anthony sorriu e depois se foi.
Seu pai se aproximou por trás e passou o braço por seus ombro, enquanto ambos
contemplavam como Anthony e seus companheiros se afastavam. Eram magníficos, todos eles,
pensou Kiernan. Jovens e elegantes com seus novos chapéus de plumas, e todos eram excelentes
cavaleiros.
Deus os proteja a todos, pensou.
—Esta bem, senhora Miller? —Disse seu pai.
Ela se virou e olhou para ele. Ergueu o queixo. Estava prestes a chorar, mas sabia que tinha
de sorrir.
— Estou feliz, papai. Juro por Deus, eu estou feliz. Eu vou ser boa para ele, eu juro que vou.
John levantou uma sobrancelha.
—A maioria dos homens não quer uma esposa que seja boa com eles, Kiernan. Querem uma
esposa que os ame.
Ela baixou a cabeça rapidamente.
—Papai, eu tenho muito carinho por ele. —Levantou os olhos para ele— Estava tão bonito
esta noite! Não é? Bonito, garboso e maravilhoso!
—Bonito garboso e maravilhoso.
Assim esteve o jovem Anthony Miller, reconheceu John Mackay. Era um rapaz sem mácula.
Gostava de seu novo genro.
Mas ser bonito, garboso e maravilhoso não era tudo. A autêntica medida de um homem
estava em seu interior. Embora um homem não fosse nem melhor nem pior que outro, em grande
parte eram suas qualidades interiores que os convertiam no que era.
Ela seguia apaixonada por Jesse Cameron. John Mackay sabia melhor que ela naquele
momento. E ele também continuava gostando de Jesse. Havia algo especial em Jesse Cameron e
algo especial na forma em que ele e Kiernan se conectavam.
Mas Jesse foi para o exército inimigo e o melhor era que Kiernan aprendesse a esquecer.
John concluiu com certa ironia que Kiernan estava no bom caminho. Agora estava casada,
legalmente casada, comprometida para sempre.
Esperava que ela entendesse.
—Estou cansada, papai. Vou para cama — disse.
Ele observou sua expressão, assentiu e a beijou na rosto. Dedicou um sorriso radiante e foi
correndo. Mas mais tarde, quando passou junto a seu quarto, ele a ouviu soluçando baixinho.
Não era bom sinal em uma noiva que estava há menos de quatro horas casada, pensou.
Suspirou. Anthony Miller era um bom homem. E seria bom com Kiernan. Estaria razoavelmente

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bem, que era o que fazia a maioria das pessoas, por outro lado.
Mas, enquanto estava de pé em frente à porta de seu quarto sentiu pena por ela. Era sua
única filha e a amava com todo seu coração. Rezou para que fosse feliz. Quando Anthony viesse
para ela, quando vivessem juntos, quando estivesse rodeados de filhos, possivelmente então ela
encontraria a felicidade que agora parecia escapar, mas Kiernan nunca teve que arcar com as
consequências de seus atos. Como viu em Manassas.

Em seu hospital de campanha de Bull Run, Jesse estava coberto de sangue até os cotovelos.
Os feridos, os que já morreram e os moribundos foram chegando a uma velocidade
alarmante. Estava extraindo uma bala do ombro de um soldado de artilharia quando de repente
ouviu um grito que ordenava a evacuação imediata.
A bala ainda não saiu. Jesse apertou os dentes e seguiu em seu posto, inclusive quando os
projéteis explodiram praticamente em cima.
—Capitão Cameron! Ouviu? —Perguntou um jovem sargento.
—Ouvi! E prometo filho, que se alguma vez estiver com uma bala no ombro, ocuparei de
tirá-la antes de sair correndo, entendido? —Levantou o olhar e indicou a seus carregadores de
maca— Tirem o resto dos homens daqui e subam nos carros! Depressa!
Deteve um momento e depois prosseguiu seu trabalho. Explodiu outro projétil que
destroçou os nervos, mas se manteve firme. Ouviu como os soldados corriam a seu redor.
A ofensiva começou em Bull Run. Os chefes militares aconselharam a Lincoln que tivesse
paciência, mas a população do Norte estava impaciente para entrar em ação. Ele foi bastante
contundente. Lincoln ordenou que as tropas avançassem às ordens do brigadeiro general Irvin
McDowell.
Mas a estratégia teve dificuldades desde o começo.
O corpo de Jesse entrou em campanha em 16 de julho. O exército de McDowell saiu de
Washington com trinta e cinco mil homens, com os coloristas à frente.
Mas depois passaram dois dias de confusão e desordem, durante os quais avançaram a um
ritmo incrivelmente lento. Ocupou Centreville, Virgínia, uma cidade situada ao nordeste de Bull
Run, um arroio manso e preguiçoso.
Mas atrás daquele arroio estava o general confederado Beauregard e seu exército de vinte e
dois mil rebeldes, dispostos a defender o vital entroncamento ferroviário em Manassas Junction.
O dia de sua chegada, McDowell ordenou uma operação de reconhecimento. Aquilo derivou
em uma escaramuça com duas brigadas confederadas em Blackburns Ford.
O confronto levou à confusão que durou dois dias, os quais McDowell reabasteceu suas
indisciplinadas tropas e desenhou seu plano de combate. Finalmente, às duas da madrugada do
dia 21, McDowell conseguiu que sua coluna de doze mil homens saísse de Centreville e avançasse
em formação por Warrenton Pike.
O plano de McDowell resultou bastante efetivo, pensou Jesse. Mas seus homens seguiam
sem ser um exército, não tinham preparação nem experiência. Desgraçadamente, naquele
momento parecia claro que os confederados conheciam o plano. Beauregard recebeu reforços de

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tropas procedentes do oeste, sob o comando do general confederado Joseph E. Johnston.


A batalha recrudesceu no meio da amanhã, quando um coronel confederado dirigiu seus
soldados contra a força atacante da União. Jesse soube, pelos feridos que foram chegando, que
tanto os reforços que receberam os rebeldes, como as forças da União haviam sido muito pouco
sistemáticos; tanto os generais confederados como os unionistas enviavam homens da asa
reconsiderada a reforçar o debilitado lado esquerdo, em meio de uma enorme confusão.
Um dos carregadores de maca de Jesse, um virginiano do condado de Potomac e veterano
do exército chamado Gordon Gray, disse com pesar que foram seus próprios estrategistas quem
propiciou o triunfo dos rebeldes.
—O coronel Bartow e o general Lee estavam ali, no comando de tudo. Mas os rebeldes eram
tão inexperientes, novatos e desorganizados como a maioria desses novos recrutas que nós temos
aqui. Então apareceu esse excêntrico professor do Instituto Militar da Virgínia... Jackson, Thomas
Jackson. O brigadeiro general Jackson elevou com seus homens. E seguiu resistindo ali acima no
alto da colina. O general Lee tentou reunir seus homens e ouviu gritar: “Olhem! Ali está Jackson,
firme como um muro de pedra! Agrupe ao redor dos virginianos!”. —Gordon moveu pesarosa a
cabeça— E Por Deus que fizeram. Os homens de Jackson que estavam na colina começaram a
perseguir nossos soldados, que não deixaram que corresse após.
Os federais reagruparam e aquela luta selvagem prosseguiu. Continuamente chegavam
feridos ao hospital de campanha. Mas agora, parece, os homens do Norte começavam a devolver
por fim os golpes.
As bombas explodiam uma atrás da outra.
Jesse extraiu limpamente a bala do ombro do soldado e enfaixou a ferida imediatamente. O
menino olhou com olhos que delatavam dor e que brilhavam pela morfina.
— Eu vou viver?
— Você pode até mesmo chegar à idade de cem anos — respondeu Jesse.
O soldado sorriu. Gordon Gray apareceu para ajudar em seu caminho até o carro onde
esperava uma vintena de feridos. O carro se colocou em marcha. Um projétil explodiu sobre suas
cabeças e impactou a poucos centímetros da carreta.
Gordon deixou um lado o tratamento militar.
—Vamos, Jesse!
Imediatamente Jesse abriu com destreza sua maleta e deu ordens necessárias para que
salvassem todo o possível do hospital de campanha. Rapidamente empacotaram as macas, as
ataduras, o material cirúrgico, e carregaram tudo em outro carro que tinham para isso. Pegasus ia
preso na parte traseira. O cavalo veterano de muitas campanhas no longínquo Oeste e
acostumado à guerra esperou as ordens de seu amo.
Jesse montou Pegasus e seguiu o comboio.
Depois passou a formar parte do exército da União em retirada.
Aquilo era uma retirada. Os soldados fugiam da frente de batalha no meio do caos Se
ouviam disparos ao azar.
Diante deles, Jesse via carretas abarrotadas de ingênuos e maltrapilhos civis que viajavam de

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Washington para contemplar como os soldados da Confederação rebelde recebiam seu castigo.
Entretanto, aqueles confederados demonstraram não ser tão fáceis de vencer.
Jesse nunca pensou que seria fácil. Conhecia muitos dos homens que lutavam pelo Sul.
Vendo um carro que havia capotado apertou os dentes.
—Detenha! —Gritou. Desmontou de um salto e correu para a carreta. Havia um civil preso
sob uma roda — Gordon! Veem em seguida. Ajude-me!
Ambos tiraram o homem dos restos. Jesse estava seguro que tinha uma perna quebrada,
mas naquele momento não podia fazer nada. Felizmente, assim que tiraram o homem ficou
inconsciente. Assim não notaria a dor quando a carreta voltasse dando tombos a Washington.
Jesse pensou que seria a última vez que aquele homem iria a uma batalha como simples
espectador. O dia foi nefasto em todos os sentidos. Fechou os olhos e pensou em todos os feridos
que passou por sua barraca.
Estremeceu ao recordar todos aqueles que morreram antes que ele tivesse a possibilidade
de examiná-los. Centenas de homens morreram no campo de batalha esse dia.
Todos eles desejaram a guerra.
De repente, Pegasus parou sem que Jesse ordenasse. O comboio parou e o animal,
disciplinado como era, fez o mesmo.
Cruzaram com outro transporte sanitário e o condutor estava chamando.
—Capitão Cameron! Há outro hospital de campanha mais adiante. De momento está fora do
alcance da artilharia. Um projétil matou o doutor que havia ali, acredita que poderia enfaixar
alguns homens que não poderão retornar a marcha sem um pouco de ajuda?
Jesse assentiu.
—Cabo, traga minha maleta — ordenou a seu subordinado.
Foi andando até a tenda e contemplou consternado caras assustadas e imundas dos homens
que ainda podiam permanecer sentados ou de pé. Contemplou com desespero crescente os que
estavam inconscientes no chão e recostados em maca escassas. Uniformes ainda não estavam
padronizados, de modo que além da habitual casaca azul, havia vários homens com diferentes
trajes.
Aproximou de uma maca onde descansava um corpo coberto com um lençol.
—Ah, esses — disse um soldado que parou a seu lado— esses são rebeldes. Alguém os
trouxe aqui por engano. Acredito que são da cavalaria, mas com a pólvora e o barro que os cobria
pareciam muito com os rapazes da União. Por que não os examina quando terminar?
Jesse sentiu que seu coração pulsava com força. A cavalaria rebelde... os feridos podiam ser
qualquer um de seus conhecidos.
Entretanto, demônios, na cavalaria rebelde também havia centenas de homens que não
conhecia.
No outro extremo da tenda viu dois carregadores de maca que faziam todo o possível para
manter certa ordem no meio do caos, para que os feridos estivessem mais tranquilos e
confortáveis possível.
—Me traga todos os que necessitam de ajuda urgente. Não os selecionem em função dos

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uniforme. Simplesmente traga os feridos mais graves.


—Pretende misturar os rebeldes... —começou a dizer o soldado, molesto.
—Maldição, soldado. Estou aqui para salvar vidas e não vou me dedicar a fazer perguntas
primeiro. Entendeu??
Ninguém protestou. Um dos carregadores de maca aproximou a toda pressa. Jesse começou
a examinar os homens e afetou profundamente descobrir que muitos já estavam mortos. Aquilo
era um pesadelo. Tinha soldados com o estômago destroçado por causa de balas. Soldados cegos
ou com os membros tão mal que Jesse sabia que a única solução era amputar. Mas no momento
dedicou a costurar as feridas. Não tinha tempo para mais. Enfaixou os homens para que eles
pudessem retornar a Washington.
Ele voltou a tempo de ver como o segundo carregador de maca colocava um lençol sobre
um dos rebeldes; o coração acelerou. Tentou com todas suas forças ser imparcial. Mas já não
podia.
Um oficial de cavalaria podia ser seu irmão.
—Está morto, capitão — disse o carregador de maca— Levo todo o dia separando os mortos.
Jesse ignorou.
Aproximou do cadáver amortalhado. Uma intensa sensação de enjoo e temor percorreu seu
corpo. Que não seja Daniel, Meu Deus, por favor. Não pode ser Daniel.
Ele puxou o lençol e soltou um profundo suspiro.
Aquele homem estava morto.
Não era Daniel.
Era Anthony Miller.

Os confederados tinham todo o direito de proclamar sua vitória em Bull Run. As tropas da
União fugiram como recrutas novatos que eram e abandonaram o campo sem lutar.
Mas ambos os lados sofreram muitas baixas. Segundo as estimativas do correspondente de
Harper’s Weekly com o que Jesse falou assim que terminou de ajudar todos os homens que pôde,
o Norte perdeu provavelmente uns quinhentos homens, além dos mil e duzentos feridos. Era
difícil fazer um cálculo exato e provavelmente levaria algum tempo devido a confusão que reinava.
Perto de mil e duzentos homens desapareceram, mas ninguém podia saber se os “desaparecidos”
estavam perdidos ou traumatizados pelas bombas, ou simplesmente desertados agora que sabiam
que a guerra não ia ser uma vitória gloriosa.
O correspondente estava convencido que o Sul também perdeu muitos homens. Talvez
houvesse cerca de quatrocentos mortos e mil e quinhentos feridos, mas não havia tantos
“desaparecidos”. Jesse conseguiu toda a informação que pôde sobre aqueles homens e averiguou
quanto pôde sobre as tropas sulitas. Não conseguiu obter nenhuma notícia sobre seu irmão, mas o
correspondente sabia que alguém comentou que Jeb Stuart conduzia à cavalaria de um modo
admirável, e possivelmente ainda era possível conversar com ele.
Jesse não solicitou permissão de seu superior. Não estava disposto a seguir o procedimento
burocrático para conversar com Stuart, um oficial inimigo, tendo em conta a confusão. Enviou o

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soldado Gibbs à zona onde acabava a batalha com uma bandeira branca e uma mensagem. Gibbs
custou bastante, mas finalmente conseguiu chegar até Stuart e organizar um encontro.
Jesse reuniu com seu antigo camarada da academia sobre uma colina onde lutou o lado
esquerdo. A terra estava coberta de cadáveres. As árvores e a grama foram arrancadas pela chuva
de balas e a artilharia. Stuart, que era um extraordinário cavaleiro, chegou galopando sem medo
nem desconfiança. Jesse foi para ele a passo, já que levava o cadáver de Anthony Miller sobre um
leito de palha preso à cadeira de montar com umas tabuletas.
Os dois soldados — confederado e unionista— se encontraram.
Jeb saudou muito sério.
—Jesse. A situação é terrivelmente triste, mas me alegra ver que está vivo.
—O mesmo digo — acrescentou Jesse— Daniel...
—A companhia de seu irmão estava sobre minhas ordens. Ele está bem. Não sofreu nem um
arranhão.
—Obrigado — disse Jesse.
—Este encontro não pode durar muito — advertiu Jeb.
—Eu sei. Mas descobri o cadáver de um velho amigo entre nossas vítimas e feridos, Jeb.
Suponho que poderia se ocupar de que o devolvam a seu pai para que enterre adequadamente.
Jeb arqueou uma sobrancelha e observou o vulto coberto pelo lençol da maca. Desceu de
um salto de seus arreios, aproximou e retirou o tecido.
Depois levantou o olhar para Jesse.
—Santo Deus — murmurou— Eu não posso devolvê-lo a seu pai, Andrew Miller estava com
as tropas de Johnston. Também o mataram, perto daqui, no início da batalha.
Jesse sentiu um nó na garganta. Pai e filho, ambos em um dia? Os rapazes receberiam dois
cadáveres. O único que ficava agora da família Miller eram o irmão e a irmã pequenos de Anthony,
pensou.
—Deus santo — murmurou Jeb— Terei que entregar esses dois cadáveres a sua esposa.
—Sua esposa? —Perguntou Jesse, muito tenso.
Jeb levantou a vista para ele.
—Não sabia? Anthony se casou com Kiernan Mackay.
—Não — disse Jesse— Eu não sabia.
Notou como lhe atravessavam setas ardendo. Finalmente, ela casou com ele. Não o amava,
mas casou-se com ele.
Estou com ciúmes, pensou Jesse, surpreso. Como demônio posso invejar um homem morto?
Jeb voltava a olhar.
—Foi um bonito gesto por sua parte que viesse até aqui, Jesse. Ocuparei que Anthony
chegue a sua casa. Encarregarei de que Kiernan saiba que foi você quem me devolveu isso.
Jesse negou com a cabeça.
—Não, por favor, não mencione meu nome. Mas transmita a Daniel meus melhores desejos.
Jeb sorriu lentamente, torceu o lábio com uma careta de ironia. Compreendia a situação de
Jesse. O sogro de Jeb era coronel do exército da União e certamente ascenderiam imediatamente

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agora que a guerra estava em marcha.


Jeb sabia o que era ter uma família dividida.
—Encarregar-me-ei que receba suas saudações.
Jesse desceu do cavalo e desatou o pequeno berço.
—Se cuide, Jeb.
“Você também, Jesse”.
Jesse montou e cavalgou pelo atalho tingido de sangue. Nunca havia sentido um peso tão
grande no coração. Não havia devolvido o cadáver de um velho amigo.
Havia devolvido o cadáver de um marido a sua esposa.
A Kiernan.

Capítulo 14

Uma semana depois, Kiernan estava na estação de Harpers Ferry; ainda estava paralisada.
Estava vestida de negro dos pés à cabeça. Agora era viúva e continuava sem poder acreditar que
Anthony tivesse morrido.
Daniel cavalgou até a península para comunicar a notícia.
No princípio estava chocada demais para entender o que estava acontecendo. Da noite que
Anthony se casou com ela e partiu, temia sua volta. Sentia medo de deitar na cama com ele e
tinha certeza que nunca poderia chegar a dar o que deu a Jesse tão profusamente.
E agora...
Depois que comunicassem as notícias a ambos, seu pai a deixou sozinha. John estava imerso
em sua próprio dor pela morte do pai de Anthony. Andrew foi um de seus melhores amigos, além
de seu sócio. Agora aquele bondoso cavalheiro estava morto.
—Era muito velho para ir à guerra! —Lamentou John com um gesto de dor. Mas se deu
conta de que sua filha nem sequer o ouviu. Estava silenciosa, paralisada.
Era verão. Teria que fazer alguma coisa com os cadáveres, Daniel ocupou pessoalmente que
os colocassem em elegantes ataúdes de mogno. Tiveram que enterrá-los logo.
No dia seguinte, o advogado dos Miller se apresentou na porta dos Mackay. Explicou a John
quais eram as circunstâncias.
Pela sua vez John Mackay se sentou com Kiernan e tratou de contar a situação.
Andrew e Anthony estavam mortos. O jovem Jacob Miller e sua irmã Patrícia eram os
herdeiros de Montemarte. Anthony, como sempre um cavalheiro em todos os aspectos, modificou
seu testamento antes de deixar sua casa para ir para a guerra... e de tentar procurar uma esposa.
Kiernan herdou certa quantidade de dinheiro e participações na loja de armas, coisa que naquele
momento a convertia em sócia de seu pai.
Depois da morte de Andrew e Anthony também correspondia a ela cuidar das crianças. .
Kiernan contemplou seu pai com o olhar perdido.
—Entendeu filha? Deve tomar conta deles. Deve proteger sua casa por eles. Kiernan, suas
vidas estão em suas mãos. —Ao ver que não respondia, suspirou— Podemos fazer que os tragam

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para cá. Perderam tudo e para eles será duro que despojem de suas raízes de uma forma tão
cruel. Mas se não se for capaz de dominar a situação...
—Não! —Protestou ela e levantou imediatamente.
A culpa pesava terrivelmente. Apesar de não amor Anthony, casou com ele. Não quis dormir
com ele... e agora estava morto.
O mínimo que podia fazer era se ocupar de sua família. Isso não seria difícil. Conhecia bem
os meninos e gostava deles. Conhecia bastante bem à família Miller, que era excelente.
Embora estivesse muito longe de seu lar. Mas na manhã seguinte, vestida de luto e
acompanhando os ataúdes, estava pronta para viajar até Harpers Ferry e Montemarte. John
Mackay quis acompanhá-la, mas ela insistiu que podia se arrumar sozinha. Telegrafaram a Thomas
e a Lacey Donahue para que fossem buscá-la na estação com as crianças. Ela tinha certeza que
conseguiria.
Desse modo, Kiernan voltou para Harpers Ferry, pouco mais de ano e meio depois que John
Brown tentasse tomar a loja de armas.
Enquanto seguia na estação de trem vestida de negro, olhou a seu redor e descobriu que
aquele lugar mudou radicalmente. Estava praticamente deserto. Um pesado manto de silêncio
cobria as ruas. Só o murmúrio da brisa parecia rompê-lo.
Kiernan ouviu o repicar dos cascos de cavalos e as rodas de uma carruagem. Thomas
Donahue desceu do veículo e correu a seu encontro pela plataforma.
—Kiernan!
Era um cavalheiro amável e imponente que a abraçou entre os braços com carinho.
Ela respondeu aquele intenso abraço e depois o olhou com os olhos arregalados.
—Thomas, o que aconteceu aqui?
—Eu a levarei para casa —disse ele— Conversaremos ali.
E subiu sua bagagem à carreta.
O chefe de estação já recebeu ordens de transportar os ataúdes até a igreja episcopal. O
serviço funerário celebraria na primeira hora da manhã.
Thomas açulou os cavalos e a carruagem entrou em marcha para levá-los até a entrada da
casa. Lacey a recebeu na escada com um carinhoso abraço. Olhou a Kiernan com uma expressão
muito triste, depois ficou a cacarejar como uma galinha velha e a levou para dentro.
—Eu ia pedir trouxeram as crianças aqui, mas depois pensei que devíamos esperar.
Tomemos o chá; depois Thomas acompanhará até ali. As crianças estão bem, é claro. Estão com a
querida Janey em Montemarte e ela estava ocupando-se tanto tempo desses pequenos... enfim,
que todo mundo está bem, mas preocupado por você. Oh, Kiernan! —Tinha os olhos cheios de
lágrimas— É estupendo que tenha vindo!
Voltou a abraçá-la. Kiernan se encontrou perto da lareira ao lado de Thomas, enquanto
Lacey ia à cozinha para preparar o chá.
—Thomas, o que aconteceu? Tudo é tão espantosamente desolador!
Thomas fumava seu cachimbo, contemplando o fogo.
—As coisas foram mal por aqui, sabe? —Encolheu os ombros e torceu o gesto enquanto

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pensava— Vejamos... a votação a favor da secessão foi em abril. Tínhamos um soldado rebelde no
escritório do telégrafo e os rapazes da União no arsenal. É difícil seguir o rastro dos
acontecimentos, mudam tão rapidamente... No dia dezoito entraram as forças sulitas. Antes de ir,
os ianques destruíram tudo o que puderam da loja de armas. Um vizinho, um irlandês chamado
Donovan, pegou um mosquetão para defender o edifício. Quando chegaram os rebeldes quase
lincham o pobre Donovan porque simpatizava com os ianques. O processo foi muito duro aqui,
Kiernan. As famílias estavam divididas por suas ideias: uns a favor do antigo governo; outros a
favor do novo. Foi duro ter os soldados rebeldes na cidade; moços jovens e acanhados em sua
maioria, arrogantes e impressionados por ser tão importantes. Claro que naquele momento todos
os que estavam aqui eram virginianos. Conforme ouvi dizer, somos as pessoas mais tolerantes do
mundo; se os soldados tivessem sido dos estados do golfo, a esta altura Donovan estaria morto .
Harpers Ferry está presa entre dois fogos, digo isso! Vejamos, os rebeldes estiveram aqui uns
meses. Jeb Stuart veio para formar um corpo de cavalaria; um amigo seu que estava com ele
também nos visitou: o jovem Daniel Cameron. Foi tão educado, cavalheiro e bom soldado como
sempre, mas asseguro Kiernan, embora os que estiveram aqui eram nossos rapazes do Sul, foi um
desastre para a cidade. Expulsaram esses soldados fanfarrões e então chegou um bom homem,
um tal de coronel Jackson. Pelo visto distinguiu particularmente em Bull Run e atualmente é geral,
esse que chamam Stonewall. Com ele as coisas melhoraram. Mas a cidade já estava poluída em
certa forma. De repente todo mundo ou era espião ou era suspeito de ser. Existe um mercado
negro e outras coisas desde então. Com todos esses soldados aqui ...bom, as mulheres de moral
duvidosa se multiplicaram.
—Parece que todo mundo partiu! —Murmurou Kiernan.
—Ainda há pessoas, embora não muito. As coisas pioraram. Cada dia ouvia alguém que
gritava: “Os ianques!”. Um dia houve uma chuva de granizo horrível e a tropa saiu da cidade para
enfrentar um suposto ataque. Voltaram todos congelados, molhado e com os uniformes novos
destroçados. A maquinaria da fábrica de rifles foi desmantelada e transferida para Fayettesville, na
Carolina do Sul. A loja de armas dos Miller também desmontou, o mesmo que as oficinas que
antes eram dos federais. Mas os rebeldes deixaram uma boa quantidade de dinheiro em
pagamento por isso. O advogado dos Miller guardou e ocupou de conservá-lo. Mas ainda tem
certo controle do negócio que seu pai, Andrew e eu fundamos há um ano mais ou menos, lá
abaixo no vale. Mais tarde falaremos disso.
Então, ele ficou em silêncio, como um homem velho e Kiernan o encorajou a continuar.
—O que aconteceu depois?
—Vejamos. Jackson partiu e o general Joe Johnston ficou no comando. Mas em quatorze de
junho, rebeldes começaram a explodir coisas. Explodiram a ponte ferroviária e os edifícios do
arsenal e retiraram para o vale. Aos poucos, por volta do final do mês, chegaram tropas de
Mississipi e Maryland e acabaram de destroçar a ponte. Depois, em quatro de julho, houve um
confronto importante. Os ianques disseram que ganharam, os rebeldes que ganharam deles. Mas
ao anoitecer, os ianques dispararam de Maryland Heights, na outra borda do rio, e mataram um
civil. Então a situação se agravou. Patterson, um general da União, foi atrás dos soldados rebeldes

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de Joe Johnston, mas escapou e conseguiu chegar até Bull Run, de onde contra-atacou com o
Beauregard. Patterson se retirou outra vez aqui, a Harpers Ferry. Asseguro isso, Kiernan, embora
esteja demonstrado que os soldados da União fracassam no campo de batalha, não fracassam
quando se trata de roubar! Arrasaram a cidade. levaram tudo o que não estava preso no chão.
Algumas crianças me disseram que inclusive levaram uma lápide do cemitério metodista! —Fez
uma pausa e expirou lentamente. —Bom, agora já se foram. Mas parece que há alguns franco-
atiradores nas colinas, por isso há alguns confederados dando voltas pela cidade, sobre tudo nas
colinas deste lado, para responder seus ataques. Mas a cidade... enfim, ficou mudada. Às vezes
acredito que está ferida de morte.
Kiernan levantou e foi a seu lado, passou um braço ao redor do ombro e apoiou nele a
bochecha.
—Sinto muito, Thomas.
Ele deu-lhe uns tapinhas na mão com ar ausente.
—E eu sinto por você, Kiernan. Alguns dias atrás você era uma recém-casada e de repente
você é uma viúva. Anthony era um jovem excepcional.
—Eu sei.
—Aqui está o chá! —disse Lacey, irrompendo da cozinha. Dirigiu a Kiernan com um sorriso
amargo— Não é muito, mas é tudo o que pude conseguir. O frango frio é bastante bom, Kiernan.
Esses ianques levaram quase todas as criaturas com plumas da cidade, mas quando Janey soube
que vinha enviou este a Thomas. Também quer que saiba que está muito contente que esteja
aqui.
Ter previsto algo assim era muito próprio de Janey, pensou Kiernan. Então recordou
vagamente que Anthony outorgou-lhe a liberdade em seu testamento, embora ficasse muita
papelada para fazer. Disse que se ocuparia disso imediatamente e sentiu um repentino calafrio.
Tinha tanto que...
Tinha Montemarte, a bela casa nas montanhas. Anthony amava profundamente aquela casa.
Era antiga, como Cameron Hall. Era muito bonita e elegante. Foi construída há quase um século.
Agora pertencia a Jacob... um menino de doze anos.
Ela tinha que proteger o patrimônio do menino, devia isso a Anthony.
Também tinha Patrícia e o negócio, as fábricas de armas Miller.
De repente se sentiu cansada. Perguntou se seria suficientemente competente para dirigir
tudo aquilo.
Será competente, disse a si mesmo. Deve ser! Depois de tudo o que fez a esse pobre
homem!
—Kiernan, querida — repetiu Lacey— você está bem? Naturalmente que não. Sempre
esqueço que acabamos de enterrar o pobre Anthony, que seu corpo acaba de receber a
sepultura!
—Não é nada, Lacey — tranquilizou Kiernan. Sorriu.
Thomas e ela se sentaram frente às viandas que Lacey preparou com tanto esforço. Kiernan
fez o possível por fazer justiça à refeição. Acabou quase tudo o que havia no prato, mas o chá

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estava muito quente e muito doce e suspeitou que sua anfitriã acrescentasse uma gota de algo
pouco mais forte.
—Esta tudo bem? —perguntou Lacey.
—Estava tudo fantástico — tranquilizou Kiernan. Ela Sorriu, com a xícara ainda na mão.
—Trarei mais chá! —ofereceu Lacey.
A cidade mudou drasticamente desde a última vez que esteve nela, pensou Kiernan. Quando
John Brown organizou seu ataque, na cidade havia milhares de pessoas. Era um lugar próspero.
Entretanto, agora...
O silêncio era opressivo. À medida que anoitecia tornava-se cada vez mais denso. De dentro
da casa não conseguia ver as luzes piscando. As luzes da rua não estavam acesas e dentro da casa
os abajures também não. Thomas Donahue deve intuir sua pergunta por que explicou em voz
baixa:
—Não podemos ter muita luz. Mantemo-nos às escuras, porque os ianques andam por aí
disparando contra tudo.
—Oh — murmurou Kiernan.
Thomas inclinou para ela.
— Kiernan, vá com muito cuidado.
—Por quê? — Ela perguntou com os olhos arregalados.
— Veja, muitos rebeldes foram armados com armas Miller. Andrew arrumou para tirar da
cidade seus estoque antes que os ianques fossem atrás dele. Agora Andrew e Anthony estão
mortos, mas lá em baixo, no vale, nossos empregados continuam fabricando armas para os
rebeldes a uma velocidade surpreendente. Talvez os ianques ainda tenham em mente atacar a
casa.
—Montemarte?—Perguntou sobressaltada.
—Montemarte — confirmou Thomas.
—Mas isso seria destruir arbitrariamente uma propriedade! —Protestou Kiernan.
Thomas sorriu com amargura.
— Pense em como a guerra está se desenvolvendo, Kiernan. Já houve mais destruição
gratuita de bens. Eu não estou dizendo que vai acontecer, só quero avisá-la para ir com cuidado e
esteja preparada.
Ela ergueu os ombros, mas tinha o coração pesado.
Não queria estar ali. Queria ir para casa com seu pai. Queria confrontar a guerra nas
planícies da Virgínia. Queria saber o que aconteceu com Daniel.
E por muito que desprezasse, queria ter alguma notícia de Jesse.
Mas se casou com Anthony e agora seu lugar era aquele.
— Eu vou conseguir— disse isso Thomas.
Então ela percebeu que sua voz soou um tanto brusca e acariciou-lhe a mão para suavizar o
tom. Mas quando ele a olhou, ela soube que viu que reprimia as lágrimas e que a compreendia.
Thomas jogou a cadeira para trás.
—Acredito que agora deveria acompanhá-la a Montemarte.

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Kiernan levantou-se. Beijou Lacey e prometeu que não demorariam em se ver novamente.
Depois seguiu Thomas até a carruagem.

O caminho até Montemarte não era muito longo, apenas vinte minutos.
Mas aquela noite o trajeto pareceu muito curto. Thomas conduziu a carruagem até a porta
da casa e a ajudou a descer.
Havia uma luz na janela. Estavam muito longe dos franco-atiradores de Maryland Heights.
Thomas a tomou pelo braço e a escoltou ao longo do caminho. Kiernan se perguntava como
as crianças a receberiam. Durante um segundo teve uma desagradável sensação de medo que
oprimiu seu peito e agarrou sua garganta. Era uma completa farsante! A viúva de seu irmão. Ai, se
eles soubessem! Não tinha direito de se casar com ele. Eles saberiam assim que a olhassem nos
olhos. Descobririam sua hipocrisia e a desprezariam por isso.
Diminuiu o passo e contemplou a bonita fachada da casa.
—Kiernan... —disse Thomas, preocupado.
Ela sentiu um tremor nos joelhos, mas seguiu adiante.
Por Deus bendito! Ela estava prestes a se encontrar as crianças!
As crianças intuíam tudo.
Talvez até mesmo sentia que ela estava apaixonada por um soldado ianque, de um homem
que seu irmão desafiou em um duelo, de um homem que atirou contra seu irmão.
Talvez a veriam como a mulher que provocou aquele duelo.
Deus, que covarde, recriminou Kiernan, mas seguiu andando.
Então a porta abriu de repente e viu uma imagem imprecisa e alguém que corria para ela.
Um corpo suave chocou contra o seu. Ele abaixou-se e abriu os braços instintivamente.
Patrícia Miller, que acabava de fazer doze anos, entregou-se totalmente ao abraço de
Kiernan. E ela, com a mesma entrega, estreitou aquela menina que estava vestida de luto .
— Você veio! Você veio para ficar conosco. Jacob disse que não faria que não se sentiria
obrigada a isso porque estava muito pouco tempo casada. Mas eu sabia que viria — Patrícia
afastou um pouco e olhou ardentemente a Kiernan com olhos afetuosos e cheios de lágrimas— Eu
sabia que viria. Sempre soube por que Anthony te amava tanto. Ficará, não é? Não nos
abandonará você também?
Kiernan devolveu o olhar e sentiu uma onda de carinho.
Patrícia era uma menina que perdeu seu pai e seu irmão mais velho no mesmo dia. Estava
ferida, perdida, só e de repente, ali na varanda, devolveu algo a Kiernan... algo que Kiernan
perdeu, ou talvez inclusive algo que nunca teve.
—Sim, claro que ficarei.
—Agora é minha irmã, não é? —Perguntou Patrícia.
—Sim. Agora sou sua irmã. Jacob, você e eu vamos ficar muito bem.
Olhou por cima do ombro de Patrícia. Jacob tinha doze anos como sua irmã gêmea, mas já
tentava parecer um homem e não ia oferecer sua mão, sua confiança, nem seu amor tão
rapidamente. Kiernan não tinha a intenção de forçá-lo a fazer.

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—Olá, Jacob.
Seus olhos castanhos tinham uma expressão séria, como os de Anthony.
—Olá, Kiernan.
O que faltou na recepção de Jacob pôs Janey. A mulher negra também cruzou a soleira.
—Ai, senhorita Kiernan! Que bem tê-la em casa!
Janey deu-lhe um forte abraço.
Em casa.
Mas aquela não era sua casa!
Ela procurou e...
Sim, agora era sua.
Sua casa.

Na manhã seguinte, Kiernan estava sentada ao lado de Jacob e Patricia na igreja Episcopal e
escutava o discurso fúnebre em honra dos cadáveres de Anthony e Andrew Miller.
Quando o reverendo falou da viúva de Anthony, ela percebeu que estava se referindo a ela.
Pela primeira vez foi consciente que independentemente de que houvesse ou não amado
Anthony como devia, perdeu um amigo muito querido. Nunca voltaria a ouvir sua risada, nunca
voltaria a ver aquela sinceridade em seus olhos quentes. Os seus estavam empanados de lágrimas
e um sentimento de dor e perda a comoveu com inusitada intensidade. Anthony estava morto. Os
mortos não ressuscitavam, não aqui na terra. Nunca voltaria a vê-lo.
O reverendo continuou falando o valor e a coragem dos homens que tão rapidamente se
mostraram dispostos a dar sua vida pela grande causa sulina. Os Miller eram muito apreciados no
condado e as palavras do reverendo eram apaixonadas e sinceras. Falou de perder a vida, a
juventude, a beleza e os sonhos, e enquanto falava, Kiernan fechou os olhos e viu Anthony, tal
como viu naquela última noite. Tão magnífico, tão carinhoso, tão entusiasta como dizia o
reverendo, com aquela juventude, galhardia e coragem tão bonita. Entretanto, agora tudo aquilo
desapareceu. Tudo o que restou daquele jovem bom era um corpo mutilado que apodreceria em
uma sepultura.
Talvez fosse porque tomou consciência de que Anthony estava morto ou pela certeza
repentina, profunda, súbita e indubitável de que o derramamento de sangue acabava de começar,
mas de repente, a paralisia desapareceu e uma torrente de lágrimas começaram a cair em silêncio
pelas faces de Kiernan. Por fim era capaz de viver a dor.
Os corpos foram colocados em um distinto carruagem fúnebre puxado por uma mula, que os
levou colina acima até o cemitério. Atrás, na carruagem dos Donahue coberto de tecidos negros
foram Thomas e sua esposa, Kiernan, Jacob e Patrícia. No alto do monte, naquele velho cemitério,
Anthony e seu pai receberiam sepultura junto com seus parentes no jazigo da família.
Pó és e em pó se converterá...
Quando eles chegaram perto dos túmulos, Jacob apertou sua mão com força.
A bandeira confederada que cobria o ataúde de Andrew foi entregue a Patrícia. A que cobria
o de Anthony foi entregue a Kiernan. Ela e sua jovem cunhada se aproximaram para jogar rosas

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em flor sobre os féretros.


Aquelas rosas não demorariam murchar, pensou Kiernan.
Pó és... como os homens que estavam lá em baixo.
O funeral terminou.
Agora só restava superar os convidados que se reuniria em Montemarte. Quando voltaram
para casa, na mesa esperava um lanche muito ligeiro, mas ali havia poucas pessoas.
A guerra despojou Harpers Ferry, a Bolivar e às localidades dos arredores de grande parte de
seus habitantes.
Mesmo assim, Kiernan pensou que devia falar com Janey sobre a refeição muito frugal que
ofereciam a seus convidados.
Janey a olhou com uma expressão entre triste e cansada em seus olhos escuros.
—Senhorita Kiernan, coloquei tudo que podia.
—Janey, se você precisava de ajuda devia tê-la buscado!
Janey ficou calada um minuto.
—Janey...
—Verá, senhorita Kiernan, isto nunca foi uma plantação, não é como a casa das planícies de
onde você vem.
—Claro que não, mas...
—Aqui temos hortas. Há galinhas, uma vaca e alguns porcos. Antes havia dois escravos mais
trabalhando na casa e dez para cuidar do estábulo e da terra.
— Isso é o que eu quero dizer. Se você precisava de ajuda ...
—Isso é o que estou tentando dizer, senhorita Kiernan. Fora da casa só ficaram Jeremiah e
seus filhos David e Tyne, dentro só estou eu. Quando chegaram os soldados da União o senhor
Andrew e o senhor Anthony já não estavam. Todos, menos a família de Jeremiah e eu, deixaram
de trabalhar e se foram— Levantou as mãos com um gesto muito expressivo— O senhor Andrew
nunca tratou mal a ninguém e nunca açoitou ninguém que eu saiba; mas o desejo de liberdade foi
muito forte e simplesmente partiram. Claro que certamente se estivéssemos do outro lado do rio,
em Maryland, a lei os perseguiria todos. Mas isto é a Virgínia e neste estado há uma revolução;
ninguém tentará devolver seus escravos a um homem do Sul, e menos se for o proprietário da
fábrica de armas Miller.
Kieman olhou a Janey e seu coração se afundou. Alguém tinha que cuidar daquela enorme
mansão. Das hortas e do gado... e tinham que comer.
Mas todo mundo partiu, todos menos Janey e um homem chamado Jeremiah e seus filhos.
Como ia se arrumar.
Sentiu que a histeria se apoderava de seu interior. Ela não pertencia a esse lugar, deveria
estar em sua casa. Odiava aqueles caminhos de montanha desertos e os buracos deixados pelos
projéteis nas ruas da cidade, e a escuridão e o abatimento que se apropriaram da região. Odiava
os ianques por matar Anthony e Andrew, e por cima de tudo odiava Jesse.
Tudo aquilo era culpa sua.
Não, não podia odiar, nem sequer podia voltar a pensar nele nunca mais. Não podia permitir

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rezar por sua vida e não se atrevia a reconhecer que agradecia não ter tido notícias de sua morte.
Inspirou e exalou com energia. Ouviu as vozes das visitas sussurrando e falando com afeto
com Jacob e Patrícia. Não eram muitos, de modo a comida seria suficiente. Eles se arrumariam
muito bem ali em Montemarte; ela se ocuparia de que fosse assim.
Tinha motivos para estar agradecida.
—Janey, obrigada por não ter saído correndo.
Janey sorriu. Era uma mulher orgulhosa e atraente.
—Eu sou uma mulher livre, senhorita Kiernan. Eu amo essas crianças como se fossem
minhas e eles me amam também. Por que tinha que sair correndo?
— Obrigada de qualquer forma— disse Kiernan— Para mim é muito necessária. Amanhã irei
dizer o mesmo a Jeremiah. —Depois começou a afastar, mas voltou— Janey parece que
ultimamente esteve um pouco aturdida. Sabe se o senhor Andrew deixou algo estipulado para
Jeremiah em seu testamento?
—Não acredito senhorita Kiernan.
—Então pode dizer a Jeremiah que eu me ocuparei pessoalmente que obtenha a liberdade
legalmente.
Janey sorriu de orelha a orelha.
—Isso ele gostará muitíssimo, é claro que sim.
Para seu desespero, Kiernan percebeu que estava fora de si, a ponto de tornar a chorar.
—Oh, Janey! —Murmurou. De repente, estava entre os braços daquela mulher.
—Tudo ficará bem, senhorita Kiernan. Cuidaremos disso.
Sim, decidiu Kiernan, arrumariam. E não só arrumariam, mas também tinha a intenção de
fazer bem.
Separou-se de Janey.
— Nós vamos fazer muito bem, Janey! Eu sei. Agora temos que terminar o dia, certo?
Ao anoitecer, os últimos convidados, incluídos Thomas e Lacey Donahue, se foram. Jacob
insistiu em subir sozinho para deitar. Kiernan agasalhou Patrícia e ficou com ela até que a pequena
caiu rendida em seus braços. Quando finalmente os braços da menina deixaram de retê-la,
Kiernan conseguiu se levantar. Saiu do quarto de Patrícia e percorreu o corredor até o quarto de
convidados que escolheu para se instalar.
Não iria para o quarto de Anthony. Aquele aposento continha ainda muitos objetos deles:
seus pentes, seus apetrechos de barbear, sua roupa, diplomas, documentos e lembranças.
Passeando entre tudo aquilo, Kiernan praticamente teve a sensação de que estava vivo.
Nunca seria capaz de dormir ali.
Um dia, Jacob seria mais velhos e se casaria. A ele corresponderia o quarto de seu pai,
aquele dormitório principal enorme, com uma sólida cama com dossel onde parecia que
coubessem seis pessoas.
Ela escolheu um quarto de hospede ao sul e com vista para as montanhas da parte de trás.
Era uma paisagem muito relaxante.
Kiernan aproximou da janela, suas mãos tremiam. Apoiada na janela, contemplou a

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penumbra e recordou o dia da partida de Jesse. Desde então, ela foi terrivelmente infeliz. Mas era
muito fácil ser infeliz ali. Vivia em uma casa onde as pessoas se ocupava dela.
Agora, ela sozinha devia se ocupar de tudo.
Decidiu que não podia seguir se preocupando e que já não demoraria a amanhecer. Colocou
uma camisola leve e entrou debaixo da colcha. Sua pele agradeceu o contato fresco e confortável
dos lençóis. A brisa noturna levou o aroma de jasmim. As lágrimas voltavam a arder os olhos, mas
as eliminou com uma piscada e disse que devia dormir. E para sua surpresa, conseguiu.

Oito semanas depois, , Kiernan estava de quatro na horta quando lançou um ligeiro grito de
euforia ao ver as plantas de tomate. Janey estava atrás arrancando aquelas perfeitas esferas
vermelhas, e parou um momento para olhar.
—São lindos! —Exclamou acalorada e logo começou a rir enquanto Janey a olhava e sorria
diante de sua satisfação. Kiernan se dedicou a cuidar da horta com muito carinho e ficava
maravilhava com a perfeição dos frutos que estava criando.
—Nunca em minha vida vi tomates tão bonitos — assegurou Janey.
Kiernan levantou e fez uma reverência.
—Minhas alfaces também são deliciosas — disse a Janey.
Então percebeu que Jacob, que ainda não a aceitou plenamente, a observava da escada
sorrindo.
—Deliciosas? —Perguntou educadamente o menino com um sorriso que recordou muito o
gesto que seu irmão fazia com os lábios.
—Absolutamente — respondeu ela. Arrancou dois tomates de um arbusto e lançou o
primeiro a Jacob— Pegue-o!
O menino tinha muito bons reflexos e o apanhou. Mas de repente seu sorriso desapareceu
igual ao de Kiernan, quando ouviu o som dos cascos de cavalos.
Kiernan virou-se. Aproximavam três cavaleiros, vestidos com o uniforme azul da União.
Deviam ser do décimo regimento de Massachusetts, pensou. Em Harpers Ferry reinava a
tranquilidade, uma tranquilidade mortal, desde que ela chegou. Nenhum exército ocupou a região
e os franco-atiradores de ambos os lados limitavam suas ações ao centro da cidade.
Mas o general da União Nathaniel Banks, a quem inclusive os simpatizantes mais
incondicionais da Confederação consideravam um cavalheiro, decidiu avançar, deixando
unicamente um punhado de soldados em Sandy Hook, do outro lado do rio no território de
Maryland.
A população odiava o décimo regimento de Massachusetts. Perseguiram e disparado às
pessoas e ficaram com todas seus pertences. Kiernan não topou com nenhum daqueles ianques,
mas Lacey contou.
Estava convencida de que aqueles três homens procediam de Sandy Hook. Eram os únicos
ianques que havia na área.
Era muito tarde para pegar uma arma, muito tarde para fazer outra coisa além de ficar ali e
esperar.

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—Kiernan — disse Jacob, inquieto.


—São apenas três. Fique onde está.
—Kiernan, esteve abastecendo muitos homens com a fábrica do vale! —recordou Jacob com
uma sensatez imprópria de sua idade— O que acontecerá se...?
— Se eles realmente quisessem nos atacar teriam vindo mais.
— Se tentarem se aproximar da casa vou matá-los com minhas próprias mãos! —Ameaçou
Jacob.
De repente um dos homens lançou um potente disparo ao ar e depois apontou para eles.
Kiernan, horrorizada, arregalou os olhos e esteve a ponto de gritar e afastar.
O cavaleiro deteve e desmontou de um salto. Ele era um jovem de aproximadamente 20
anos e tinha um rosto cheio de espinhas.
— Tomates, hein? Tudo bem, vamos levá-los. E também todo o resto que tenha os amigos
dos rebeldes confederados.
Deu um passo à frente e pôs uma mão sobre o ombro de Kiernan. Ela a afastou com um ódio
profundo que não sentiu até esse momento.
—Não tocarão nada deste imóvel!
—Levarei estes tomates, tão seguro como o sol nascerá amanhã — disse ele.
Ela ainda tinha um tomate nas mãos. Se ele estava tão interessado em mantê-lo, ele o faria.
Voltou para trás e o lançou na cara dele com tanta força que ela mesma se surpreendeu.
O homem lançou uma maldição e diante da surpresa e horror de Kiernan, tirou a pistola.
Então ouviu um disparo. Instantaneamente, levou à mão a garganta, e aturdida, perguntou
se estava ferida.
Mas não estava.
Era o soldado da União quem estava ferido e se estava caído a seus pés. Enquanto caía
apertava uma mancha de sangue no abdômen que se estendeu até cobrir toda a parte inferior de
seu corpo.

Capítulo 15

Jacob gritou a Kiernan, enquanto os dois companheiros do ianque que foi abatido
respondiam os disparos. Ela se jogou instintivamente ao chão e olhou em volta.
As rajadas de tiros procediam de outros cavaleiros, desta vez com uniforme cinza, que
subiam pela encosta do jardim. Kiernan acreditou distinguir que eram dois.
O tiroteio não durou muito. Quando cessaram os disparos continuou no chão, imóvel e
congelada.
Os três ianques estavam mortos.
Não tinha sentido examinar as feridas, nem comprovar se ainda respiravam. O primeiro
homem jazia com os olhos frágeis abertos e olhando ao céu. O segundo tinha um nítido buraco na
têmpora e o terceiro recebeu um tiro no coração.
Ela olhou para todos; em sua garganta crescia um grito e seu estômago segregava a bílis.

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Levantou o olhar. Jacob estava a seu lado e a ajudou a ficar de pé, enquanto os rebeldes se
aproximavam. O primeiro desmontou de um salto. Era um homem da idade de seu pai, com o
cabelo grisalho, uma barba branca e as feições curtidas.
—Senhora Miller, você está bem?
O tom de voz cortês e trêmulo do homem fez com que se desse conta pela primeira vez que
ambos os lados poderiam tê-la matado. Esteve a ponto de cair no chão, mas sentiu que Jacob a
segurava pelo braço e soube que não podia desmaiar diante do menino. Janey também se
aproximou deles a toda pressa. Patrícia devia ter ouvido os tiros do interior e não demoraria em
aparecer correndo. Jeremiah e seus filhos estavam na parte de atrás dando de comer às galinhas e
escolhendo um frango para o jantar. Mas também havia ouvido o tiroteio.
Não era o momento de cair.
—Estou bem — respondeu ao homem. Voltou a dar uma olhada nos cadáveres que estavam
no chão e depois olhou para o soldado rebelde outra vez— Eu... agradeço. Parece que você
apareceu na hora certa.
O outro rebelde, um pouco mais jovem, também desceu de seu cavalo e examinava os
corpos. Cuspiu algumas fibras do tabaco que estava mastigando e falou com um tom de
repugnância na voz.
— Estes homens não são do exército regular. Há meses que não vejo ninguém de seu
regimento aqui. Eu acho que eles são um grupo de desertores. Nem sequer são mercenários;
simplesmente um bando de velhos desertores.
Ele olhou para seu superior, depois para Kiernan e voltou a cuspir.
—Oh, me desculpe, senhora.
Kiernan levantou os braços em um gesto que indicava que não devia se preocupar.
Que importância tinha que cuspisse um pouco de tabaco se o sangue e as vísceras de um
homem que ainda estava quente estavam espalhadas em seu jardim? O rebelde estava dizendo
alguma coisa com expressão muito séria. Kiernan olhou com curiosidade, tentando entender.
—Embora sejam ianques, a maioria continuam sendo homens, senhora Miller. Meu filho
mais novo está lutando lá no Norte, com a quadragésima sétima brigada de artilheiros de
Maryland, e devo dizer que embora seja um lutador corajoso e se alistou sob a bandeira de Abe
Lincoln, se precisa de refeição ou usa a casa de alguém, já seja do Norte ou do Sul, limparia as
botas antes de entrar e não deixaria de dizer, “por favor” e “muito obrigado”. Foi muito bem
educado, como a maioria das crianças do Norte. Mas você pode topar com a escória de ambos os
lados e foi isso o que aconteceu aqui, jovem. É com estes que você tem que ir com cuidado.
— Então eu agradeço sinceramente por chegar na hora certa. Nem sequer sei seus nomes
para agradecê-los de forma adequada.. —De repente ficou calada um momento— Por outro lado,
vocês me conhecem.
—Claro que a conhecemos — disse e a saudou tirando o chapéu— Você é a nora do velho
Andrew, a esposa de Anthony. E sua fábrica de armas continua mantendo bem equipados muitos
dos rapazes. Qualquer coisa que podemos fazer por você faremos encantados. Eu me chamo
Geary, sargento Angus Geary. Este daqui é T. J. Castleman, um dos melhores atiradores que já vi!

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—Vocês estão instalados aqui? —Perguntou Kiernan— O exército rebelde está de volta?
—Veja senhora, não é que voltemos exatamente, mas tampouco vamos exatamente.
Atribuímos a nós mesmos uma missão muito interessante, a meu parecer: perseguir as forças da
União no vale de Shenandoah. Vamos para cima e para baixo; às vezes às montanhas e às vezes
mais abaixo.
—Estamos com Stonewall, o general Thomas Jackson. O melhor oficial em ambos os lados da
fronteira.
—Bem — disse Kiernan ao sargento Geary, olhando para seu companheiro franco-atirador
—, já que vocês fizeram tanto por mim hoje, eu gostaria de fazer algo por vocês. Podemos
oferecer uma refeição caseira, cavalheiros? —Assim que as palavras saíram de sua boca se deu
conta de que estava os convidando para comer diante de três cadáveres, por isso seguido
murmurou que estava convencida de que ela não seria capaz de comer— Talvez poderíamos
colocar esses homens em uma carroça e eu faria com que Jeremiah os levasse para a cidade, para
que os enviem de volta.
—Não, senhora, não acredito que seja uma boa ideia — disse Castleman— Não se preocupe
absolutamente, o sargento e eu nos ocuparemos desses ianques.
Kiernan abriu a boca, mas não articulou nenhuma palavra. Angus insistiu.
—Sabe senhora Miller? Se os enviarmos de volta, os ianques saberão que os matamos e
também saberão exatamente onde matamos. Precisamos que esses ianques acreditem que você
simplesmente vive por aqui, em um lugar rebelde, tão tranquila e pacificamente como pode. Se
não, cedo ou tarde alguém diga que esta casa tão elegante não deve continuar de pé. —Então
interrompeu e encolheu os ombros— Mas até que chegue esse dia, você tem alguma arma na
casa?
Jacob sorriu e respondeu por ela.
—Você o que acha, sargento? Claro que temos armas em casa, Temos um armário cheio de
algumas das melhores de meu pai, e eu tenho meu próprio rifle, fabricado a mão para mim. E
também tenho uma boa provisão de munições.
—Bem, isso está bem, menino, isso está muito bem. Se voltar a ver outra vez alguns
atrasados como estes, dispare para matar. Mas ouça também o que vou dizer: se vir todo um
exército que avançando para você, se afaste. O exército não tem como objetivo prejudicá-lo. Só
ficarão com algumas coisas da casa. Mas se você atirar neles, eles também atirarão em você. E
embora um só rebelde valha por dez ianques — piscou os olhos a Kiernan— não há forma de que
um rebelde só acabe com uma companhia ou uma brigada inteira. Entendeu senhora Miller?
—Sim — disse Kiernan olhando nos bondosos olhos cinza daquele homem.
Compreendia perfeitamente. Não permitiria que Jacob morresse de forma absurda tentando
acabar ele sozinho com uma unidade do exército.
Compreendia também que havia desertores e mercenários não muito honrados em ambos
os lados, que podiam aparecer por ali. E se o fizessem, eles deveriam atirar bem, porque senão,
não havia muitas oportunidades para morrer.
—Sargento, eu me ocuparei destas florzinhas azuis — disse T. J. Voltou a cuspir um pouco de

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tabaco e depois olhou para Kiernan com a expressão culpado.


Ela fez um gesto de assentimento e esboçou um meio sorriso.
—Por favor, senhor, queremos que aqui se sinta como em casa. Estamos muito agradecidos.
Ele também sorriu. Kiernan pensou que ele tinha a tosca sabedoria de um homem das
montanhas e que isso, somado aos cavalheiros da Virgínia que sabiam tanto de cavalos, armas e
hípica e que conheciam tão bem o terreno, faria que os cidadãos bons e honrados como T. J.
ganhassem a guerra.
—Isso da refeição soa muito bem — disse.
Kiernan não foi capaz de voltar a olhar os cadáveres. Pegou Janey o cotovelo e disse:
— Vamos ver se Jeremias escolheu uma das galinhas. Em seguida, serviremos alguma coisa
imediatamente.

Kiernan não perguntou o que eles fizeram com os corpos dos ianques; realmente não queria
saber. Mas estava segura que teria ocupado de afastá-los convenientemente da casa.
Convencida de que aqueles dois homens não tinham muito tempo, Kiernan ocupou de que
não demorassem mais de uma hora em servir a refeição. A perspectiva de ter companhia a
emocionava. Não é que estivesse privada dela, nem que tivesse estado completamente sozinha.
Thomas e Lacey subiam para vê-la várias vezes e ela descia frequentemente à cidade. O capataz da
fábrica de armas do vale também veio visitá-la e com ele teve sua primeira reunião de negócios.
Mas isto era diferente. Kiernan praticamente não sabia nada da fabricação de armas e
Thomas era um sócio mais competente que seu pai, de modo que principalmente dedicou a
escutar, e pediu a ambos que se assegurassem de que a maioria das vendas fossem ou para o
governo confederado ou para empresas privadas que queriam abastecer às companhias militares
que estivessem organizando por sua conta.
Bull Run, a primeira grande batalha da guerra, tinham mostrado que Virgínia, que tinha
custou muito separar do governo anterior, pagaria caro por sua aliança com o novo. A essas
alturas parecia claro que seu território seria o principal cenário da luta.
Ter o sargento Angus e T. J. em casa permitia tomar parte na guerra pela primeira vez.
Repentinamente, sentiu um desejo desesperado de implicar. Parecia que era a única forma de
sobreviver a tudo aquilo.
Pensou nisso durante o jantar. Não pôde comer nada, mas adorou que Angus e T. J.
desfrutassem de cada bocado que levavam a boca e também da casa, da toalha de linho branco e
os talheres de prata.
Janey negou usar o valioso faqueiro de prata da família e para convencer de que devia pô-la
na mesa aquela noite, Kiernan prometeu que não demoraria em enterrá-la, visto que por aquela
zona havia tantos vagabundos rebeldes como pilantras ianques.
Kiernan confiava tacitamente tanto em T. J. como em Angus.
Estava contente de ter agido desse modo, pois T. J, de um modo muito mais evidente que o
experiente Angus, expressou seu assombro e sua admiração diante da beleza dos objetos
cotidianos que havia na casa: refinada cortinas de renda, as belas mobílias de inspiração inglesa,

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os candelabros de cristal e a elegante baixela. Quando acabou a refeição, ela interpretou para eles
na espineta3 velhas baladas irlandesas e alegres dança da Virginia, Jacob dançou com sua irmã e
depois a doce Patrícia pediu educadamente a T. J. que fosse seu par. Para animar o soldado,
Kiernan fez uma reverência a Angus e dançou com ele.
De repente, Angus ficou muito sério, ao se dar conta que deveria ter partido antes.
Agradeceu a Kiernan e a sua família e prometeu que os protegeria sempre que pudesse.
—Normalmente estamos por aqui perto, no vale — disse olhando diretamente— Se alguma
vez souber de antemão que vai precisar, você pode encontrar-nos nesse velho carvalho negro,
perto das ruínas da antiga propriedade Chagall. Sabe onde?
Ela assentiu sustentando o olhar.
—Fui até ali cavalgando uma vez, faz muito tempo, com Anthony.
—Bem, lembre-se de nós — disse Angus.
Quando os dois rebeldes se foram, Kiernan descobriu encantada que Angus havia esquecido
o chapéu. Depois de avisar os gêmeos e Janey que permanecessem em casa, saiu correndo atrás
dele. Encontrou quando estava a ponto de montar. Era evidente que o sorridente T. J. não
informou a Angus de que ia sem chapéu até o momento de partir.
—Ah, senhora Miller, terei que agradecer outra vez!
Kiernan entregou o chapéu e deu um passo atrás, sorrindo. Protegendo os olhos do sol que
começava a esconder.
—Sou eu quem deve agradecer senhor — Ela o recordou. Voltou a aproximar. Embora não
fosse necessário sussurrar, já que os gêmeos não podiam ouvi-la, sentiu o impulso de falar baixo e
tão perto daqueles cavalheiros como fosse possível— Eu gostaria de fazer algo que me permitisse
sentir realmente satisfeita de mim mesma.
Angus a olhou com severidade.
—Interpretei mal alguma? —Perguntou ela— Não falou do carvalho se por acaso eu pudesse
fornecer algumas informações?
T. J. e Angus trocaram um olhar rápido. Angus baixou os olhos, olhou as mãos e depois para
ela.
—Sim — admitiu—Você não tem nenhuma obrigação a fazer, senhora. Você já cumpriu de
sobra seu dever com a pátria, posto que teve um marido jovem e valente que está morto e
enterrado. E a fábrica de rifles.
—Eu gostaria de ser espiã — disse ela com franqueza.
Angus pestanejou.
—Espionagem é uma atividade perigosa, senhora Miller.
Perigosa, sim. Mas só pensar nisso se sentia viva.
Os espiões varões eram enforcados se capturados. Apertou os dentes. Entretanto, nem
sequer os ianques enforcavam mulheres.
Ainda.
Ela não tinha intenção de que a pegassem. Nem sequer estava segura do que poderia fazer.
3 Espineta é um instrumento musical de cordas beliscadas, dotado de teclado, da família dos cravos.

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Sorriu para Angus, que parecia muito preocupado.


—Angus, provavelmente eu já sou um objetivo devido à fábrica de armas. Não farei nada
grave; não acredito que fosse capaz de fazer nada grave. Além disso, não conheço nenhum ianque
até esse ponto. Mas posso me assegurar de fazer chegar até esse velho carvalho, o mais breve
possível, qualquer informação que tenha.
Angus olhou para T. J. e este encolheu os ombros.
—Necessitamos, sargento — disse com seu acento sulino— Nestas terras há muitos tipos
que estão com os ianques e muitos que simplesmente não demonstram o que sentem de verdade.
Senhora Miller, se você ouvir qualquer coisa que você acha que deveríamos saber não se arrisque,
mas faça fazer um pouco de exercício esses bonitos cavalos que tem e se aproxime do velho
carvalho. Acredito que isso já nos serviria muito, não parece, sargento?
Angus jogou para trás seu chapéu.
—Senhora Miller, estaremos profunda e eternamente agradecidos.
Kiernan sorriu e despediu com a mão quando começaram a marchar.

Não demorou muito tempo para fazer sua primeira viagem ao velho carvalho ao lado das
ruínas da fazenda Chagall.
Não descobriu nenhum segredo importante, mas soube antes que ninguém de algo que todo
mundo saberia dentro de pouco. Isso se devia a Thomas que ouviu certas coisas através dos
empregados da ferrovia. Um coronel da União destruiu parcialmente o silo da ilha da Virgínia para
evitar que os confederados a utilizassem. Fazia muito tempo que suspeitava das simpatias do
proprietário do celeiro, o senhor Herr, pelos federais. No interior do silo havia uma quantidade
bastante importante de grão e Herr ofereceu aos oficiais federais de Maryland.
Thomas contou a Kiernan que membros do terceiro regimento de Wisconsin “controlariam”
todos os homens capazes de trabalhar que ficavam em Harpers Ferry enquanto estes carregavam
grão nos navios, dado que naquele momento já não ficava nenhuma ponte em Potomac.
Teoricamente esses cidadãos receberiam uma remuneração por seu trabalho. Mas Thomas disse
que era muito improvável que ninguém recebesse nenhuma pagamento por isso.
Thomas estava bastante abatido ultimamente. Em sua casa havia buracos de bala por toda
parte, porque as tropas da União disparavam a tudo o que se movia, ou que parecia que se movia
de suas posições em Maryland Heights. Harpers Ferry, que uma vez foi um lugar vibrante estava
se transformando em uma cidade fantasma, onde ninguém se atreveu a sair de casa à noite.
Quando chegou o inverno e anoitecia antes, não houve mais remédio que acender algumas luzes
ao entardecer para rebater a penumbra que podia ser perigosa para todos. Kiernan percebeu que
Thomas amava sua cidade mais que a nenhum governo e que para ele não podia haver nem
vencedores nem vencidos; sua cidade estava morrendo.
Ela fez tudo que podia para anima-lo e depois foi para casa. Embora não soubesse
exatamente por que, voltou dando um desvio. Fazia um dia bonito para cavalgar. Outubro acabava
de começar e as montanhas estavam cobertas com sua vegetação mais bonita. Os rios, perigosos
para quem não conhecesse, também eram bonitos. Nesta época do ano tinha muito fluxo, mas

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havia lugares onde as correntes seguiam dançando sobre as rochas com uma energia fresca e pura
e as folhas seguiam caindo na água, salpicando de uma cor apagada e relaxante.
Sem dar conta, Kiernan parou em frente ao atalho que baixava até a cabana de pesca
construída sobre a água. Esteve a ponto de deixar que o cavalo a levasse por aquele caminho,
porque sentia muita nostalgia. Fazia quase dois anos desde que John Brown atacou Harpers Ferry.
E passou quase dois anos desde que ela levou Jesse até ali.
Mordeu com força o lábio. Ultimamente não pensou muito em Jesse; embora talvez na
realidade nunca deixasse de pensar nele, só o tinha relegado para o fundo da sua mente. Mas de
repente tudo aquilo ressurgiu. Recordou como ele estava preocupado naquele dia, como os
acontecimentos pareciam ter jogado sua alma em mãos do diabo.
E como ele foi até ela.
Ele soube, pensou Kiernan. De alguma forma, Jesse sabia que seu mundo acabaria assim.
Uma casa dividida.
Nem mesmo o amor pode mudar o que tinha acontecido. Angus falou com orgulho de seu
filho ianque. Harpers Ferry estava dividida em dois. A própria Virginia estava dividida. Que mãe
sulina não amaria de qualquer maneira um filho partidário do Norte? Daniel não deixou de amar
seu irmão. E eu te amei tão profundamente... disse pensando em Jesse. Mas aquilo era parte do
passado, como aquele dia de doce tempestade e ternos tormentos que viveu junto ao rio,
também era passado. Seu amor nunca teve uma oportunidade.
Kiernan virou seu cavalo e partiu. Mas estava muito inquieta para ir para casa com as
crianças; possivelmente por isso dirigiu às ruínas da propriedade Chagall e o carvalho que havia.
Desceu do cavalo entre o capim alto e contemplou o imóvel. Certamente foi um dia maravilhoso.
Os restos do caminho de entrada da casa estavam cobertos de mato e grama seca, mas as quatro
colunas dóricas seguiam em pé, chamuscadas, mas desafiando o passar do tempo. Contemplou a
mansão e ouviu o murmúrio de um vento frio que anunciava o inverno. Teve um calafrio e se
envolveu com a capa; depois se dirigiu ao carvalho.
Era uma árvore velha, que um relâmpago devia tê-la partido, mas ainda estava resistindo,
maciça e sólida. No interior daquele tronco largo e retorcido havia um grande buraco... o lugar
perfeito para deixar uma mensagem.
Salvo que ela não tinha nenhum papel nem levava nada com que escrever
Que espião ia ser, pensou.
Ainda estava ali quando ouviu um rangido entre as árvores. Estava a ponto de montar de um
salto no cavalo em pânico e correr como o vento até sua casa, mas imediatamente uma voz a
chamou.
—Senhora Miller!
Ela parou e viu que T. J. saía tranquilamente de entre os arbustos com uma fibra de grama
nos dentes, tão relaxado e calmo como alguém poderia estar em um dia aprazível de outono.
—Olá, senhora. Suponho que tem algo a nos dizer, é assim?
—Na realidade não sei — admitiu-a, mas contou o que sabia sobre os grãos.
Quando terminou, T. J. assentiu.

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—Já tínhamos ouvido alguma coisa. Obrigado por confirmá-lo. Transmitiremos à tropa e
veremos o que pensam sobre isso. Muito obrigado, senhora. Obrigado de verdade. Vai tudo bem?
você e as crianças estão bem?
—Sim, estamos muito bem, obrigada.
Ele assentiu.
— É melhor ir para casa. Eu não gostaria de ser uma mulher sozinha nestes tempos atuais,
mas tampouco me convém que me vejam com você.
Kiernan montou e fez um gesto de despedida. Ele ficou sob o carvalho com a fibra de grama
ainda na boca e a saudou com a mão.
Ela perguntou se teria terminado o tabaco de mascar.

— Kiernan! Kiernan!
No final da tarde de 16 de outubro, Kiernan estava no quintal de trás rindo com Jeremiah. O
jovem David corria ao redor do galinheiro tentando conseguir os ovos de uma galinha
repentinamente indignada.
A gargalhada de Kiernan se apagou assim que ouviu que a chamavam; correu até a parte
dianteira da casa. Para sua surpresa, ali estava Thomas Donahue. E montado no cavalo de sua
carruagem, coisa insólita porque Thomas odiava montar.
—Thomas! O que aconteceu? Desça, e entre. Nós vamos fazer um chá ou café ou alguma
coisa mais forte, em um piscar de olhos, eu prometo.
Thomas negou com a cabeça e não quis desmontar.
—Tenho que avisar a alguns amigos mais. Parece que a milícia da Virgínia não gosta que os
ianques obriguem os cidadãos a carregar o grão. Rumores dizem que o coronel Ashby está a
caminho para acabar com isso.
—Ah, sim? —O coração de Kiernan deu um salto.
—Bom, os ianques perseguem os rebeldes. Supõe que Ashby está lá em cima em Bolivar
Heights. Os ianques vão atrás dele.. Diga às crianças que entrem em casa e fiquem a salvo,
Kiernan. Quem sabe aonde voarão as balas.
—Tudo bem, Thomas, obrigada!
Thomas virou sua montaria e Kiernan chamou Patrícia, Jacob e o outros.
—Vamos descer ao porão por tempo — disse— Patrícia, pega algumas mantas. Jacob, por
que não leva o rifle? Janey olhe o que temos na despensa. Tentaremos convertê-lo em uma
espécie de excursão.
—Isso quer dizer que já não tenho que brigar mais com essa galinha, senhorita Kiernan? —
Perguntou David.
Ela sorriu. David era um torvelinho de energia e muito precoce para seus oito anos.
Trabalhava tão duro como um adulto e era preparado e Patrícia lia muitas vezes para ele. A
menina nunca manifestou sua opinião sobre a escravidão diante de Kiernan e esta se perguntava
frequentemente se os Miller mais jovens tinham alguma opinião a respeito disso. Mas Patrícia,
que também era órfã de pai fazia muito, e adotou David e estava claro que David prosperou graças

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a isso.
—Não, David, já não terá que brigar mais com a galinha— assegurou Kiernan— Mas ajuda
Patrícia e todos desceremos ao porão.
—Senhorita Kiernan...
Tyne, o filho mais velho de Jeremiah, já não era um menino. Tinha quase vinte anos e media
mais de um metro noventa. Tinha a pele cor de mogno e era musculoso, esbelto e muito bonito.
Kiernan imaginava que poderia ter sido um magnífico príncipe africano, porque se movia com um
orgulho que nenhum grilhão podia dobrar.
—Diga Tyne.
Ele baixou a voz.
—Nenhum homem de azul ocorreria fixar em mim e menos ainda um rebelde. Um bom
trabalhador braçal nunca abandona o campo. Você leva os pequenos para o porão. Se me permitir
isso, eu ficarei aqui e cuidarei de tudo.
Kiernan deteve. O menino podia enganá-la e escapar. Mas há meses que podia ter feito. Por
outro lado, ela prometeu liberdade a Jeremiah e a seus filhos.
Assentiu.
—Parece bem, Tyne.
Conduziu o resto de seus tutelados ao porão tal como pediu o rapaz.
Não estavam muito tempo lá em baixo quando ouviram os primeiros disparos, e logo o som
de um canhão.
Enquanto Kiernan se protegia do estrondo da batalha rodeando Patrícia com o braço e
estreitando forte, percebeu que passaram exatamente dois anos desde que John Brown tomou
Harpers Ferry.

Finalmente deixaram de ouvir disparos. Kiernan acabava de levantar quando a porta do


porão se abriu. Olhou para a escada sentindo que o coração oprimia a garganta.
—Senhorita Kiernan...
Então se atreveu a respirar outra vez. Era Tyne.
—Já terminou?
—Isso parece. Faz um momento que não escuto absolutamente nada. Vi alguns soldados
azuis que voltavam para a cidade e para o rio, e os rapazes de cinza parecia retirar-se para Charles
Town. Comportavam como se tivesse ganhado a batalha, por isso é difícil dizer o que realmente
está acontecendo..
—Ninguém se aproximou da casa? —Perguntou Kiernan enquanto corria para a escada.
—Eu não vi ninguém.
Kiernan suspirou lentamente, passou a toda pressa junto a Tyne foi para a parte dianteira da
casa. Rodeou com os dedos um dos pilares. Havia um buraco de bala e estremeceu. Supôs que o
tiroteio se desenvolveria perto dali, mas não imaginou até que ponto.
Distinguiu um corpo lá abaixo, sobre a grama. Desceu da varanda e começou a correr.
Chegou junto ao soldado e caiu de joelhos a seu lado.

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Era um ianque. Estendido de barriga para baixo.


Mordeu o lábio, sabendo que se ele estivesse ferido teria que ajudar.
Ela o virou.
Não seria necessário. Seus olhos sem vida contemplavam o firmamento.
Olhos jovens. Deus, tão jovens... Eram de um azul pálido, como um céu nublado, colocados
em um rosto jovem. Deve ter começado a se barbear.
Tinha um rosto atraente. Um rosto que provavelmente teria conquistado muitas
jovenzinhas, e que suas irmãs deviam adorar.
—Oh, Deus! —Suspirou.
Tyne estava atrás. Ela engoliu em seco. Realmente não podia começar a chorar por um
soldado ianque.
Provocou sua morte? Não, os rebeldes já sabiam o que ocorria com o grão e o celeiro antes
que ela contasse a T. J. Naquele momento os ianques e os rebeldes morriam por toda parte.
Estavam em guerra, pelo amor de Deus! Ela não podia impedir que morressem.
Nem sequer Jesse podia impedi-lo.
Jesse. Jesse podia estar vestido de azul como esse menino, na grama de alguma outra
mulher. Ele era médico, mas nunca manteve a margem da ação. Foi com suas tropas ao oeste
quando devia ter permanecido em um hospital de campanha.
—Temos que... temos que levá-lo para os seus — disse Kiernan.
Não era um desertor; era um jovem valente que morreu em combate.
―Pegue primeiro seu tabaco — aconselho Tyne.
Kiernan não podia se mover.
Tyne agachou e vasculhou entre as roupas encharcadas de sangue do soldado. Encontrou
uma cigarreira de tabaco e um cachimbo e as entregou a Kiernan.
—É um pirralho. Muito jovem para fumar. Seguro que sua mamãe não gostaria.
Kiernan assentiu.
—Trarei a carroça — disse Tyne.
Ela assentiu de novo.
Ficou sentada junto ao ianque morto até que Tyne voltou com Albert, o mulo, preso a
carroça. Levantou o cadáver e o colocou na carreta. Kiernan levantou por fim e aproximou para
olhar aquele soldado morto que não era mais que um garoto.
Em um canto da carreta havia uma manta xadrez. Kiernan cobriu o soldado com delicadeza.
Tyne interrompeu seu silêncio.
—É o inimigo, senhorita Kiernan.
Ela o olhou de esguelha, perguntando até que ponto acreditava assim realmente. Eram os
ianques quem lutava para libertar os negros.
—Meu inimigo, mas não o seu, Tyne.
Ele encolheu os ombros e puxou a manta.
—Vou dizer uma coisa, senhorita Kiernan. Dizem que Abe Lincoln é um homem muito bom.
Alto, amável e mais feio que o pecado, mas um homem muito bom de todos os modos.

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Entretanto, também dizem que embora queira libertar os negros, pretende que vivam em uma
ilha não sei onde, em uma república para negros. Mas eu gosto da Virginia. Alguns desses caras do
Norte não querem que os do Sul peguem os negros por aqui, e está muito bem por sua parte que
não queiram uma coisa assim. Mas alguns desses mesmos estão convencidos de que se
esfregarem contra um negro, saltará um pouco de cor. Têm medo que seja imundície. Talvez eu
seja um escravo com sorte, senhorita Kiernan, porque vivi toda minha vida com brancos que não
pensam que de derem a mão sujarão a sua. Assim que eu estou do seu lado, senhorita Kiernan,
aconteça o que acontecer.
—Obrigada, Tyne.
O rapaz torceu o lábio.
—Eu nunca tive que recolher algodão, senhorita Kiernan. Talvez pensasse uma coisa muito
diferente se fosse um “negro de campo” — disse com ironia.
Ela assentiu. Tyne era um homem orgulhoso. Isso entendia. Ela também tinha seu orgulho.
Kiernan dispôs a subir à carreta.
—Não é preciso que venha, senhorita Kiernan. Já me ocuparei.
—Tyne, você sozinho não pode levá-lo a nenhum lugar. É...
—Senhorita Kiernan — disse sorrindo— um negro nunca quereria devolver um rebelde
morto a seu regimento, não, senhor! Mas se eu devolver este soldado azul, não me acontecerá
nada. Eles são os que lutam por nossa liberdade, recorda?
Ela sorriu, baixou a cabeça e assentiu. Tyne se encarapitou na carroça e pegou o látego.
—Tyne! —Gritou ela.
—Sim, senhorita Kiernan.
—Vá devagar, por favor.
—Sim, senhora, eu vou.
Agitou o látego e colocou a carroça em movimento. Ela ficou um momento olhando e depois
voltou para casa.
Permaneceu um momento sentada no balanço e notou a fresca brisa de outono.
Surpreendia sentir tão tranquila. Estava começando a se adaptar essa vida, disse. Nunca seria
capaz de superar a dor de ver os homens morrerem, mas vivia imersa em uma guerra e estava
sobrevivendo a ela. A cidade que havia lá abaixo sofria constantes tiroteios, mas ela estava
resistindo.
Nenhum lado tinha os efetivos necessários para conquistar Harpers Ferry. As colinas que
rodeavam a cidade faziam com que fosse impossível conquistá-la.
De repente estremeceu ao recordar que Harpers Ferry era uma cidade fantasma.
Independentemente de quem a conquistassem, os cinzas ou os azuis, era uma importante estação
ferroviária e ambos os lados se veriam obrigados a voltar, uma e outra vez.
Kiernan suspirou levemente. Resistiria.
Pensar isso proporcionou uma tranquilidade surpreendente.
Permaneceu tranquila quando Tyne voltou naquela noite e disse que ainda havia ianques na
região e que alguns cidadãos foram presos por esconder rebeldes.

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Ela não tinha ninguém escondido.


Essa noite, assim que dormiu, seus sonhos estavam povoados de homens mortos. Os
ianques que morreram em seu jardim perambulavam como espíritos de irlandeses mortos. Os
pálidos olhos azuis do rapaz que morreu esse dia a perseguiam.
Então virava novamente o corpo vestido de azul do ianque e começou a gritar.
Era o corpo de Jesse.
Levantou sobressaltada e lembrou que Jesse já não era mais parte de sua vida.
Mas permaneceu acordada muito, muito tempo.
Quando voltou a dormir não sonhou. Dormiu até tarde, quase toda a manhã. Depois de
comer deu um passeio a cavalo e quando voltou ficou um momento no estábulo com Tyne,
Jeremiah e David, escovando os cavalos e às mulas e decidindo que animais necessitavam de
ferraduras novas e quais não. Ainda ficavam ianques na área, perto da cidade, embora não sabia
quantos. Entretanto estava muito tranquila. Exercia o controle de sua vida o melhor que podia,
dadas as circunstâncias.

Mas foi nessa mesma noite, nessa bonita noite de outono que parecia tranquila, quando a
enorme coluna azul de soldados apareceu em sua vida.
E Jesse Cameron.
Aquele que escolheu o azul.

INTERLÚDIO
Jesse

Washington, 17 de outubro de 1861

—Jesse, Eu posso falar com você?


Jesse olhou para cima de sua mesa no hospital em Washington. O capitão Allan Quinn do
exército da União, décimo quarto regimento da cavalaria da Virginia do Norte, estava de pé em
sua frente. A primeira coisa que Jesse fez foi tentar recordar que os soldados de Quinn estavam
em suas salas, por isso sua mente repassou rapidamente a lista dos que estavam ali. Conhecia
aquela unidade, cavalgou com a maioria deles quando decidiu se alistar na cavalaria. Muitos
membros do regimento esteve com ele no Oeste.
Assim como estiveram Daniel e Jeb, e alguns dos outros.
Olhou para Quinn e suspirou com alívio. Dois dos rapazes do capitão estavam ali — feriram
em uma batalha—, mas ambos estavam recuperando. Um deles teve que amputar um braço e
aquilo o afetou muito, porque suspeitava que a operação não teria sido necessária se tivesse
tratado dele mais rápido. Mas agora o soldado da cavalaria estava bem e disse a Jesse que
agradecia por ter perdido um braço e não uma perna. Sendo maneta podia cavalgar, mas com
uma perna só, possivelmente não iria tão bem.

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O outro rapaz o feriram na cabeça, mas era uma ferida limpa. À bala somente roçou,
levantando um pouco de cabelo e pele, mas os ossos e o cérebro ficaram milagrosamente
intactos. Ele também estava se recuperando.
Mas não tão bom como poderia se tivesse acesso a um mais rápida e melhor assistência
médica.
Jesse não gostava de estar em Washington. Ele queria um hospital mais perto da ação.
Quando os feridos chegavam suas mãos muitos recebiam cuidados inadequados que não faziam
mais que agravar as feridas. Jesse estava em desacordo com muitos membros de sua profissão
sobre a forma adequada de tratar a feridas. Havia um médico com quem havia trabalhado no
Oeste que demonstrou que utilizar as mesmas esponjas para diferentes feridos aumentava o risco
de infecção Muitos médicos zombaram dessa teoria, mas Jesse tinha observado conscientemente
seus pacientes. As esponjas limpas salvavam vidas; assim como um pouco de álcool dentro e por
fora, poderia ajudar, quando não havia mais nada disponível.
Repentinamente, Jesse teve a sensação que Quinn não foi até ali para falar de seus feridos.
Invadiu uma sensação de inquietação. Quinn o conhecia há muito tempo e sabia muitas coisas de
sua vida.
—Jess.
— O que acontece? Qual é o problema? —perguntou Jesse, tenso— soube alguma coisa de
meu irmão?
Quinn, que tinha a mesma idade que Jesse, provavelmente estava destinado a ser
promovido e fazer parte da cúpula do exército. Ele deu de ombros.
—Não, Jesse, não soube nada de Daniel. Eu nem tenho certeza que haja um problema.
Embora provavelmente haja, eu temo.
Para então Jesse ficou de pé e apertava com força a pluma que tinha na mão.
—Então diga-me que problema poderia haver, ou que problema haverá.
—Há muitas refregas por aí.
—Sim, isso eu sei. Allan vai dizer...
—Jesse, ontem houve uma batalha perto de Harpers Ferry, em Bolivar Heights.
Os dedos de Jesse espremeram a pluma que ainda estava segurando. Kiernan. Kiernan devia
ter estado muito perto dessa batalha.
Notou um suor frio.
—Houve vítimas civis? —Perguntou com aspereza.
—Jesse, não é isso. Ela... a senhora Miller não recebeu nenhuma bala, nem nada parecido.
Jesse deixou cair a pluma e juntou as mãos firmemente nas costas, enquanto um
sentimento de alívio percorreu seu corpo. Ela estava sã e salva.
Kiernan. Maldita Kiernan!
Maldição tentou não pensar nela! Estava tudo acabado entre eles, terminou antes mesmo
de começar.
Ela disse que o odiava que seria seu inimigo mais feroz. E se casou com Anthony, que agora
estava morto.

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Kiernan estava em Montemarte. Jesse sabia por que Christa continuava escrevendo. Christa
era uma confederada convicta, mas nunca deixou de escrever. Não falava da guerra, não julgava e
não tentava convencê-lo. Simplesmente escrevia sobre pessoas, lugares e acontecimentos. Contou
que Kiernan partiu para cuidar de sua cunhada e seu cunhado em Montemarte, perto de Harpers
Ferry. Pensou em escrever para Kiernan e dizer que aquele era um lugar muito perigoso para
viver, mas ela não iria querer saber qualquer coisa sobre ele. Provavelmente nem sequer abriria
uma carta sua.
Kiernan estaria muito melhor se voltasse para sua casa. Harpers Ferry era um lugar crucial
no conflito, e afetaria todas as regiões próximas.
Na realidade já fez. E seu coração pulsava com uma força endiabrada.
Quinn se achava na mesma situação que ele. Também era virginiano. Às vezes aquilo era
terrivelmente confuso. Em alguns estados havia regimentos lutando em ambos os lados. Quinn
frequentou os mesmos círculos sociais que Jesse, por isso sabia que Kiernan Mackay era
importante para ele. Demônios, pensou Jesse com certo cansaço, meio mundo devia ter se
informado daquele duelo absurdo entre Anthony e ele.
Então, ele olhou para o amigo.
— Quinn o que você está dizendo?—Perguntou— Houve uma batalha, mas já terminou. E
Kiernan Miller está bem, não teve feridos civis. Então...?
— Alguma vez você já se encontrou com o capitão Hugh Norris?
Jesse franziu o cenho. Norris ... sim, ele se encontrou com ele em Manassas. Norris era de
Maryland e estava muito ressentido com os numerosos “traidores” de seu próprio estado. Tinha
uma faceta mesquinha que se distinguia há um quilômetro de distância.
—Eu conheço.
—Seu irmão morreu em Bull Run e está convencido de que os Miller foram os responsáveis.
Jesse elevou as sobrancelhas bruscamente.
—Os Miller foram responsáveis pela batalha de Manassas?
Anthony e Andrew teriam gostado de ouvir sobre a importância do seu papel naquele
sucesso, pensou Jesse com sarcasmo.
—Não — disse Allan— Mas Norris acredita que pôde ser uma arma dos Miller que matou
seu irmão, porque este morreu perto do lado esquerdo e as tropas sulinas que havia ali procediam
em sua maioria dos condados do oeste da Virgínia.
—Suponho que cada um pode jogar a culpa em quem quiser — disse Jesse.
Tinha o espinho dorsal cada vez mais duro. Norris andava por ali, Kiernan andava por ali.
Estava a pouco mais de um dia de viagem de trem... se os trens funcionavam. Caso contrário, era
uma viagem muita longa a cavalo.
Quinn continuou:
—Ouvi dizer que alguns companheiros que acabaram de chegar, que Norris tem muita
autoridade ali e que recebeu a autorização para reduzir Montemarte em cinzas, a propriedade dos
Miller. Sei que antes que Anthony morresse você e ele tiveram certas diferenças, mas também sei
que foi vizinho da plantação Mackay. O certo é que Anthony e seu pai morreram. Ali agora só

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estão sua viúva e as crianças e por minha vida que não vejo como Deus pode estar do nosso lado
se jogarmos a viúva e as crianças de sua casa a sangue e fogo. Eu não posso interferir, já que estou
destinado aqui, para proteger a capital. Mas Jesse, você tem mais liberdade de movimentos; o
general Banks está ali e tem bom conceito de você. Talvez você possa fazer alguma.
Jesse tinha a boca seca. Antes do fim da guerra queimariam muitas casas, pensou. Ambos os
lados demonstraram claramente que eram peritos em destruir, com a finalidade de manter os
fornecimentos e os recursos importantes fora do alcance de seus inimigos.
Mas Quinn tinha razão. A esta altura, não havia motivo para queimar uma propriedade e
jogar uma viúva de seu lar.
Embora essa viúva tivesse certo controle sobre as fábricas do Miller.
Precisava convencer alguém disso.
—Obrigado, Quinn — disse simplesmente, depois pegou o chapéu de cima da mesa e
percorreu o corredor a toda pressa. Seu superior imediato era o coronel Sebring, um homem
razoável.
Jesse irrompeu em seu escritório.
—Senhor, preciso estar mais perto do campo de batalha. Agora. E sei perfeitamente onde
desejo estar.
Sebring, surpreso, levantou a vista de sua mesa. Reclinou para trás e arqueou uma espessa
sobrancelha.
—Agora?—Agora, senhor. Solicito permissão para partir dentro de uma hora. Nós
conversamos sobre isso ...
—Ah — disse Sebring— Você soube do incidente em Bolivar Heights. Foi uma refrega, Jesse.
Nada importante. Você é um dos melhores médicos que temos; ninguém faz frente às
circunstâncias da batalha como você, e ninguém trabalha tão bem em condições extremas...
—Por isso precisamente eu não deveria estar em Washington, senhor!
Sebring voltou a reclinar para trás.
—Entendo filho, suponho que você quer confiscar a propriedade Miller... como se chama...?
Montemarte?
Nesse momento foi Jesse quem se surpreendeu. Estava claro que Sebring era um velho
ardiloso. Montemarte era muito conhecida e os Miller também. Mas Jesse nunca teria imaginado
que Sebring estava a par de sua relação com eles.
—O capitão Norris está ali neste momento e tem a intenção de incendiar a propriedade. Eu
não vejo nenhum motivo para fazer isso. As fábricas estão embaixo, no vale. E tampouco me
parece uma política inteligente. Alguns condados da Virginia Ocidental não estão muito satisfeitos
em pertencer à Confederação. Na próxima semana, irá realizar um referendo. Pode ser que
finalmente o estado se torne independente e volte para a União. Mas isso não acontecerá se
formos por aí queimando suas casas, senhor.
Sebring observou Jesse enquanto enrolava o extremo de seu bigode branco como a neve.
— Eu preciso de você aqui, Jesse. Mas talvez seja egoísmo da minha parte. Aqui disponho de
dezenas de médicos civis.

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—Coronel — recordou Jesse, rangendo os dentes,— poderia juntar-me a cavalaria regular,


estaria no meu direito ...
—Vamos jovem, ceda um pouco!
— Eu não posso, senhor. Norris está em Harpers Ferry ou nas proximidades. Eu vou para lá.
O coronel Sebring sorriu.
—Tem razão, tem razão. —ficou calado um momento e depois pegou a pluma para escrever
as ordens— Enviarei os homens mais experientes e mais veteranos da região. E também mandarei
alguns que ainda estão convalescentes, mas podem lutar, mas —se deteve para ameaçar com o
dedo— se for necessário retirar, retiraremos. Entendeu?
—Sim, senhor, eu entendi.
Jesse agarrou as ordens que Sebring entregou e dispôs a partir.
—Espere Jesse — disse o coronel.
Ele se virou.
—Não permita que sua vida privada volte a interferir em sua vida militar.
Jesse deteve.
—Se tivesse deixado que interferisse senhor, estaria do outro lado.
Sebring encolheu os ombros.
—Aí me pegou filho.
Jesse dispôs a partir, mas Sebring o deteve novamente.
—Capitão!
Jesse voltou.
—Tome cuidado com essa moça. Há gente que acredita que poderia estar nos vigiando e
informando tudo o que sabe.
—O quê? —Perguntou Jesse, surpreso.
—Já me ouviu, Jesse. Não a perca de vista. De momento não fuzilamos nenhuma mulher,
que eu saiba, mas quem sabe como pode acabar esta guerra?
Jesse assentiu e saiu a toda pressa antes que Sebring voltasse a impedi-lo.
Perguntava até que ponto Sebring sabia o que ocorreu em Harpers Ferry.
Kiernan podia perfeitamente estar vigiando à União, seria algo muito próprio dela. Mas, pelo
que parecia, a União também a vigiava.
Maldição, estaria muito melhor longe dali; seria muito melhor que simplesmente voltasse
para casa, que voltasse para as planícies da Virgínia.
Mas Jesse sabia que Kiernan não iria para casa. De qualquer forma, a segurança não estava
garantida em nenhuma área da Virgínia. No final, Virgínia fazia fronteira com a capital.
Apoderou dele uma angústia incontrolável e decidiu partir imediatamente.
Também sentia que devia algo a Anthony. Ele não tinha certeza do porquê ... ou talvez sim.
Ele havia possuído à mulher de Anthony.
Mas talvez pudesse salvar a casa de Anthony, por sua família.
E por Kiernan, essa condenada imprudente. Ele tampouco sabia o que faria a União com as
mulheres. Sabia que uma dama da alta sociedade de Washington, a bela viúva Rose Green, estava

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presa. Era suspeita de ter usado seus encantos e seus contatos para conseguir informação para o
general Beauregard, que provocou a derrota em Bull Run.
Dizia que a julgariam por traição. Só havia uma pena para delito de traição... a morte!
—Oh, maldição! —Disse Jesse em voz alta. Voltou com passos largos para sua mesa para
especificar os tratamentos de seus atuais pacientes a seu ajudante e, uns minutos depois, saía do
hospital.
Pegasus e ele fizeram grande parte do trajeto enganchados ao vagão de um comboio
ferroviário que saiu de Union Station. Assim que dispôs de um assento, Jesse apoiou as costas.
Voltaria a ver Kiernan. Seu coração disparou e sentia um fogo abrasador em seu interior.
Parecia que passou muito tempo desde que a viu pela última vez. Nunca esteve separados por um
abismo maior: ela jurou ser sua inimiga e não permitiria ter nenhum tipo de contato com ela.
Jesse não podia fazer outra coisa mais que vigiá-la de longe.
Apertou os dentes. Talvez já não conseguiria chegar a tempo. Talvez quando chegasse já não
restaria mais que cinzas. Talvez ela estivesse a caminho para o Vale de Shenandoah fora de seu
alcance. Ou talvez tenha se dirigido a Richmond, para casa. Ou talvez decidisse ficar.
Espionava?
Vou detê-la se estivesse fazendo, pensou Jesse. Vou deter, para seu próprio bem.
Diabos, o Sul não precisava dela... não naquele momento. Estava indo diabolicamente bem.
Em Manassas Junction, a União aprendeu o que Jesse sabia há muito tempo: que o Sul não
seria fácil de vencer.
Durante as calorosas noites de verão, enquanto atendeu homens e a rapazes feridos ali,
Jesse lembrou a imagem daquele campo de batalha. Não havia nada pior que uma guerra. Homens
saudáveis e honestos foram baleados, esmagado, rasgado, perambulavam esfarrapados e
sangrando; jaziam uns em cima dos outros sobre campos de sangue e pó; mutilados, chorando,
morrendo.
Não, não havia nada pior que a guerra.
Manassas foi à autêntica prova. Após ambos os lados aprenderam a arte da guerra;
aprenderam na vida real aquelas táticas que leram nos manuais das academias militares. Quando
atacar e quando recuar. Como flanquear seu inimigo, como rodear. Como combater um exército
que o supera em número. Como ganhar.
O soldado raso não precisava saber como obtinha. Só devia seguir as ordens e avançar sem
pestanejar para as descargas ensurdecedoras de seu inimigo. E quando a descarga terminava, o
soldado devia saber quando cravar a baioneta em seu inimigo para que morresse, e ele pudesse
seguir com vida.
A arte da guerra era para os generais e os coronéis. No Sul abundavam os militares
brilhantes. Agora o coronel Lee era general; acabavam de colocá-lo no comando de todas as
tropas da Virgínia Ocidental, conforme ouviu Jesse. E Stuart, seu velho amigo, agora era o general
Jeb. A Jackson, aquele perfeito cavalheiro do Instituto Militar da Virgínia, chamavam Stonewall da
batalha de Manassas. Estava claro que o Sul estava em uma posição de força.
Manassas foi uma boa prova, e seguia em marcha. A guerra ainda estava em seu início e os

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homens ainda estavam aperfeiçoando essa arte. Em agosto, nas onduladas colinas do sudoeste de
Springfield, Missouri, lutaram na batalha de Wilson Creek. Como em Manassas, os confederados
venceram claramente. O líder da União morreu e suas tropas se retiraram. Não só haviam
reagrupado; além disso, abandonaram quase todo o estado em mãos dos rebeldes.
Na Virgínia, diversos grupos de resistência se enfrentavam em batalhas e escaramuças. O Sul
ainda não invadiu o Norte, mas Washington foi sitiada pelas tropas. Houve confrontos em vários
lugares. As forças da União atacaram os confederados em Big Bethel e houve refregas no moinho
de Piggot, em Wayne e Blue, entre outros. Estas ações manteve o hospital cheio.
Os rebeldes ia bem. Não necessitavam de nenhuma ajuda de Kiernan.
Jesse desceu do trem em Maryland e cavalgou para encontro do general Banks levando
consigo as ordens que deu o coronel Sebring.
A princípio, Banks franziu o cenho perguntando do que falava Jesse. Depois recordou que
deu permissão a seu capitão para que incendiasse a casa.
—Os Miller são rebeldes acérrimos, capitão Cameron. Fiz o possível para dar à população
civil dos arredores um momento justo e correto, mas os Miller são uma exceção.
—Entretanto, os homens Miller estão mortos, senhor. Os adultos, pelo menos. Ali só vivem
um menino, uma viúva e uma menina. A casa seria perfeita como hospital. Maldição senhor, assim
poderei salvar mais soldados!
Surpreso, Banks olhou fixamente para Jesse. Este perguntou por um minuto se o levariam
diante de um tribunal militar, mas então Banks sorriu.
—Vamos, me convença.
Jesse recordou que Virginia Ocidental talvez se reincorporasse a União e que tratar bem às
pessoas — inclusive rebeldes como os Miller—, podia influir na semana seguinte, quando as
pessoas tivesse a oportunidade de votar. Banks sorriu abertamente e finalmente assentiu e
agarrou sua pluma.
—Convenceu-me, capitão. A casa é sua — franziu o cenho um segundo— mas vigie a...
—Eu sei senhor. Devo vigiar de perto à senhora Miller. Já me avisaram.
E já a conheço, acrescentou para si. Conheço-a muito bem.
Banks atribuiu dois carregadores de maca e uma pequena companhia de escoltas para suas
operações. Mas antes que os homens se congregassem, Jesse, que não podia deixar de pensar na
extrema necessidade de apressar, já se colocou a caminho. Quando alcançou às tropas dos
subúrbios de Harpers Ferry, inteirou de que Norris e seus homens já saíram para Montemarte.
Foi então quando Jesse subiu a toda pressa as colinas e o terreno acidentado, ansioso por
chegar antes que Norris.
O ar não cheirava a fumaça. Era um bom sinal.
Por fim chegou às imediações de Montemarte. Viu soldados vestidos de azul que rodeavam
a casa. Viu Norris a cavalo, gritando ordens.
E viu as tochas acesas, prontas para serem colocadas cuidadosamente em frente a varanda.
Enquanto cavalgava a toda velocidade, também viu Kiernan. Estava de pé na varanda, alta,
esbelta e majestosa, a essência de todas as coisas belas, refinadas e encantadas do mundo, seu

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mundo, do mundo de ambos, do mundo que ambos conheceram. Os raios de sol do crepúsculo
iluminavam os cachos de sua cabeleira, que parecia arder com luz própria e com uma cor intensa,
mais rico e inclusive mais real que os fogos autênticos que ameaçavam sua vida.
Estava esplendidamente vestida, como se ela tivesse vestida para o jantar. Com um vestido
de festa azul cobalto coberto de renda branca, uma saia ampla e um corpete entalhado que
mostrava claramente a elegância de seu pescoço e insinuava apenas a plenitude e a silhueta de
seus seios. Seus olhos eram magníficos, como esmeraldas ardentes e cintilantes. Cada centímetro
de sua pele, de seus ossos e de sua beleza reafirmavam sua atitude desafiante. Enquanto ela
seguia ali de pé, os homens começaram avançar para casa com as tochas acesas.
—Alto! —Rugiu Jesse. inclinou sobre Pegasus e correu ainda mais para chegar à mansão—
Norris detenha! —Bramou.
Finalmente, Norris o viu. Puxou o cavalo para que desse a volta e aproximou de Jesse, mas
então ele já estava quase chegando na casa. Puxou as rédeas e encarou com Norris, que ia
montado em seu cavalo baio.
— Que diabos você pensa que está fazendo? —Perguntou Norris, furioso— Estou autorizado
a...
— Não está mais. Leia isto Norris — disse Jesse e entregou sem mais as ordens.
—Um hospital! —Protestou Norris, irado.
—Este lugar é meu. Compreende? —Disse Jesse.
—Bastardo! —resmungou Norris— Me pagará por isso, Cameron!
Jesse arqueou uma sobrancelha e olhou. Pegasus saltava nervoso.
—Você pensa em se vingar por isso? Por montar um hospital? Que diabos acontece, Norris?
Norris aproximou.
— Eu vou te dizer o que acontece. Este lugar devia arder! E ela deveria arder. Todos eles
devem arder, até que não fiquem mais que cinzas.
—Há crianças aí dentro.
—Que crescerão e se tornarão em rebeldes! E matarão mais soldados dos nossos campo de
batalha.
—Andrew Miller está morto, Norris. E Anthony Miller também. Basta com isso.
—Vá com cuidado, Cameron. Vá com muito cuidado! —Advertiu Norris, furioso.
—Sempre faço Norris. Apaguem as tochas! —Ordenou aos homens. Logo voltou a olhar
fixamente para Norris— E você vá também com cuidado, Norris. Desta vez me encarrego da
missão sanitária, mas pertenci à cavalaria, muito antes de tudo isto. E sei o que faço.
—Está me ameaçando?
—Estou dizendo que sei como me cuidar.
—É amigo dos rebeldes! Ou acaso você é um rebelde? —Perguntou Norris.
— Saiam da minha frente, maldição — espetou Jesse—, antes que me esqueça que estamos
no mesmo lado.
Afastou de Norris e parou justo em frente a varanda.
Ela ainda estava lá, mais imponente do que nunca, como uma princesa que não estava

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disposto a esquecer o seu lugar na vida.


—Olá, Kiernan — disse suavemente.
Ela lançou um olhar gélido e cheio de desprezo. A moça que ele conheceu, a moça que amou
desapareceu há muito tempo, muito tempo.
Agora era uma estranha, distante e fria como o inverno se aproximava.
Em qualquer caso, Kiernan não respondeu. Jesse apertou os dentes e sentiu que ia explodir.
Desejava repreendê-la. Desejava sacudi-la, apagar a fria superioridade de seus olhos e obrigá-la a
entender.
—Senhora Miller, a partir deste momento tomo posse desta propriedade para torná-la em
meu quartel geral, em um hospital e um centro cirúrgico se for necessário. Tenha a amabilidade
de informar sua família.
Ela voltou a lançar um olhar arrepiante, mas finalmente falou:
—O capitão Norris tem intenção de incendiar este lugar, capitão Cameron. Temo que tenha
que instalar sua sede em outro lugar.
Aquilo foi à gota d'água. Jesse sentia desejos fazer algo mais que sacudi-la. Queria levá-la a
rastros, pô-la sobre seus joelhos como se fosse uma criança e dá-lhe umas palmadas para que
entrasse em razão. Esteve a ponto de matar para chegar a tempo e dizia que preferia ver como
sua casa ardia com eles dentro.
Sem perceber do que fazia Jesse desmontou e subiu a escada. Seus dedos ardiam de desejo
por acariciá-la. De algum modo conseguiu reprimir e dizer entre dentes:
—Tentava salvar sua casa e seu pescoço, senhora Miller.
—Meu pescoço não foi ameaçado, capitão Cameron.
—Segue falando, senhora Miller, e será! Agora se cale e a casa seguirá em pé.
Ela ficou olhando e arqueou delicadamente uma sobrancelha.
—Realmente pretende ocupá-la?
—Sim.
Kiernan torceu o lábio.
—Então preferiria que a queimassem.
Jesse teve que recorrer a todos seus poderes de autocontrole para não agarrá-la pelos
ombros e fazê-la entender a gravidade de sua situação. Se esforçou para falar em um tom neutro.
—Estou seguro disso, Kiernan. Seu bom senso nunca foi um de seus pontos fortes. E o que
dizer do jovem Jacob Miller e sua irmã?
—Jacob tampouco quereria um ianque como você vivendo em sua casa, capitão Cameron.
—Você preferiria que a incendiassem?
—Sim.
Ele a olhou e pensou na imprudente velocidade com que chegou até ali, totalmente
desesperado por salvar a casa para ela.
E ela preferia que ardesse em chamas antes de vê-la em suas mãos.
Mas o que fez foi começar a rir. A gargalhadas. Deu-lhe as costas e começou a descer os
degraus.

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—Capitão Cameron!
Jesse deteve. Kiernan baixava correndo a escada atrás dele. Tinha a respiração alterada.
Seus busto subia e descia agitado e por um segundo, ele recordou a sensação de ter essa mulher
entre os braços e o olhar daqueles olhos verdes quando estavam cheios de paixão. Ela continuava
teimosamente altiva.
Mas havia uma greta em baixo dessa couraça. Na realidade não queria que a casa
queimasse. Só queria fazer saber até que ponto o odiava.
—Vai você ... você vai queimá-la agora?
Ele pôs o pé em um degrau e apoiou o cotovelo no joelho com ar indiferente.
—Senhora Miller — disse— provavelmente deveria. Mas me desculpe desapontá-la. Receio
que eu não posso queimá-la. Tive que me valer de ameaças e lisonjas para conseguir que o general
me cedesse este lugar. Você sabe, que os Miller não são muito populares entre os homens da
União. Entre eles há muitos cujos amigos e familiares foram vítimas das armas Miller. Estou seguro
que adorariam presenciar a destruição total da propriedade Miller e da família Miller.
— Seria difícil, neste momento, considerando que a maioria dos Miller estão mortos graças
ao exército da União.
—Asseguro que também morreram várias centenas de homens da União nas mãos do
exército confederado.
—Estavam em território da Virginia! — Ela disse apertando os olhos.
—Eu não comecei a guerra, Kiernan.
—Mas estamos em lados opostos.
Ele sentiu que sua ira desaparecia.
Ele a amava tanto
Mas eram inimigos. Nenhuma das palavras que ela pronunciou expressou com tanta
claridade como o olhar que nesse momento via em seus olhos.
Jesse conseguiu replicar em voz baixa:
—Então lute contra mim! Mas eu me instalarei aqui com meu destacamento. Pegue os
pequenos sob sua reponsabilidade e foge para sua casa. Ali estará a salvo durante um tempo.
Provavelmente não poderei salvar tudo o que há na mansão, mas ao menos a manterei em pé.
—Não quero nenhum favor de você! — Ela espetou. Em seus olhos apareceu aquele fogo,
novamente. Seus seios se elevavam e baixavam ao ritmo descompensado de sua respiração e
seguiu dizendo— E arderia no inferno antes de sair fugindo de um bando de ianques mal
educados!
Jesse teve a sensação de que o coração golpeava as costelas... e na virilha.
— Você vai ficar?
Ela levantou o queixo em um gesto digno da rainha da Inglaterra.
—Stonewall Jackson virá com seu exército e expulsará a todos. Acredito que esperarei que
chegue. Possivelmente desse modo impedirei que seus homens saqueiem completamente a casa.
—Ninguém pediu que ficasse senhora Miller.
—Vai ordenar a seus homens que joguem a mim e as crianças pela força?

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—Céus, não, senhora Miller. Estamos em guerra, e consegui que esses homens me sigam ao
campo de batalha. Mas sou um superior pormenorizado; nem em sonhos ordenaria que fossem
atrás de você.
Ela ignorou seu sarcasmo e fez um gesto de frieza e calculado desafio que quase parecia um
sorriso.
— Então eu vou ficar..
—Melhor não — replicou Jesse com veemência. —Não disse que eu não vá atrás de você,
em pessoa.
—Que demonstração de bravura, capitão Cameron!
— Vá para casa, Kiernan.
—Agora esta é minha casa. E Jackson voltará. Ou Lee. Algum general sulino deverá recuperar
de novo esta terra e o obrigará a fugir.
Provavelmente nisso tinha razão, pensou Jesse. Stonewall voltaria a recuperar a região outra
vez... e outra. Ou voltaria Lee, ou alguém.
Não poderia retê-la por muito tempo. Mas enquanto a União estivesse ali, ele arrumaria
para permanecer ali também.
Jesse observou o orgulho de sua postura altiva, a beleza de seu rosto, o fogo que havia no
interior de seus olhos e a paixão.
E a fúria e o ódio.
Entretanto, só desejava rasgar seu elegante vestido prateado, retê-la sob seu corpo e
aplacar aquele furacão de sua ira com seu abraço. Deitar com ela, deitar com ela outra vez.
Olhou de cima abaixo; logo encolheu os ombros e falou com toda a indiferença que foi
capaz.
—Isso é altamente possível, Kiernan. Tudo bem. Fique. Mas eu confiscarei a casa. Permaneça
alerta.
—Que eu esteja alerta, senhor? —Sua voz rugia de raiva— Eu vigiarei você de perto.
Assegurarei de que proporcione aos prisioneiros rebeldes os mesmos cuidados que aos seus
feridos.
Oh, morria por agarrá-la pelo pescoço! Ela conseguiu chegar à alma, mas Jesse nunca
permitiria que soubesse com que facilidade podia fazer. Aproximou mais...
—Acreditei que fugiria senhora Miller, como já fez em outra ocasião. Não me importa que
fique. Eu adorarei. Foi você quem jurou que jamais toleraria viver com um ianque, lembra?
— Não vou tolerar viver com você! Sobreviverei, apesar!
Ele sorriu levemente, olhando-a.
—Bem, me desafie! Não ganhará Kiernan, com a ajuda de Deus, não ganhará!
—Lutarei contra você por cada palmo de terreno. E o Sul vencerá.
—Possivelmente as batalhas, mas nunca a guerra — respondeu ele imediatamente.
Imediatamente se deu conta de que não falava do grave conflito entre o Norte e o Sul.
Falava deles dois.
De repente a tensão era tão intensa que era praticamente insuportável. Jesse sentiu seu

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ardor, notou o cru desespero, a ira e a determinação de Kiernan.


E notou o chiado daquele fogo que sempre acendeu entre eles. Deus, como desejava! A
lembrança das coisas que uma vez compartilharam apareceu de repente nu diante de seus olhos.
“Mas maldição, voltarei a tê-la novamente!”, jurou em silêncio. Talvez ela não se lembrava.
Foi a esposa de Anthony.
Uma sombria onda de ira irracional se apoderou dele. Advertiu que mantivesse sua vida
privada à margem da militar.
E lá estava ele, indiferente aos soldados ao seu redor, indiferente há aquele dia outonal.
Desejando-a. Desejava tomá-la até conseguir apagar as carícias de um homem morto.
Desejava que recordasse só ele e odiava esse homem por tê-la tocado. Odiava os sentimentos
que comoveram, mas mesmo assim a desejava. Desejava até o ponto de ser capaz de pega-la
entre seus braços nesse mesmo momento e possuí-la, ali sobre a grama, apesar das tropas, apesar
Da... honra.
—Os confederados voltarão! —Gritou ela de repente.
—É muito possível que façam — respondeu ele— Mas até que seus rebeldes voltem senhora
Miller, o trato será o mesmo para todos.
Tirou o chapéu e inclinou diante dela com fingida galanteria, apesar da raiva que continuava
revolvendo as vísceras.
Então ele se virou, ele a deixou e começou a dar ordens aos homens que ainda estavam
esperando. Conseguiu pronunciar as palavras com normalidade, apesar dos pensamentos que se
amontoavam em sua mente.
Maldita Kiernan, maldita, maldita!
Aquilo era uma guerra, indubitavelmente.

TERCEIRA PARTE
Guerra

Capítulo 16

Montemarte
18 de outubro de 1861

Embora assegurasse que ficasse na casa, Kiernan praticamente desapareceu enquanto Jesse
veio se instalar.
A governanta dos Miller o recebeu quando entrou no vestíbulo de Montemarte. A sala
estava na penumbra e a princípio ele não a viu, por isso durante um momento pensou que a luz do
crepúsculo do outono não era boa. Recordava daquele vestíbulo em tempos melhores. Ia da
entrada até a parte de atrás da casa, como a galeria de Cameron Hall. No outro extremo da sala
havia uma elegante espineta e vários móveis de valor. Justo no centro havia uma lareira. Era um

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lugar quente e acolhedor. Durante os bailes e as recepções, os Miller sempre ordenavam que
afastassem os móveis. Os bailarinos, vestidos com seda, cetim e tafetá, deslocavam ao ritmo das
valsas durante todo o baile. Quase podia ouvir o ranger das saias.
— Então você está aqui, ianque.
Aquelas palavras o sobressaltaram. Espionou entre as sombras e viu a mulher. Era alta e de
aparência agradável, ereta, firme e com o cabelo grisalho. Jesse se lembrava dela vagamente.
Desde que a esposa de Andrew morreu pouco depois de dar a luz aos irmãos menores de
Anthony, ela sempre ocupou um lugar importante naquela casa.
Ele a conhecia. Daniel, Christa e ele, havia dado boas vindas ela quando acompanhou seus
jovens tutelados a Cameron Hall.
Ela sabia seu nome, mas aparentemente naquele momento preferia chamá-lo “ianque”.
Jesse apoiou as mãos nos quadris e dirigiu o olhar ao lugar da sala onde estava ela. Janey...
assim se chamava.
—Já veja — disse— Você também preferiria que a casa queimasse.
Olhou e depois moveu a cabeça.
—Não, eu não. Eu gosto de ter um teto sobre a cabeça. Este teto eu gosto. Mas se acreditar
que será bem-vindo aqui, ianque se engana.
Ele encolheu os ombros.
—Tudo bem. Não me dê boas-vindas, mas me escute. Se houver alguma coisa de autêntico
valor...
—Há muito tempo que enterramos a prata, ianque.
—Bem. Mas vê essa bonita espineta aí? Talvez estivesse melhor no sótão.
—Entendi perfeitamente, ianque — assegurou Janey— Me ocuparei de que a levem agora
mesmo.
—Bem.
Jesse dirigiu para a escada. Tinha que encontrar um lugar para dormir e também queria um
quarto com suficiente luz para instalar seu escritório.
Na metade da escada se deu conta de que tinha Janey em seus calcanhares. Parou, voltou e
ela esteve a ponto de tropeçar com ele.
—Eu o guiarei ianque.
—Se desejar...
—Assim poderei advertir onde não pode dormir.
Chegaram ao segundo piso e Janey correu a seu lado.
—Aí não. Este é o quarto do senhor Jacob. —Seguiu avançando pelo corredor— E esse é o
quarto de Patrícia.
Seguiu adiante, mas Jesse parou. Havia uma porta aberta que dava para uma estadia muito
ampla com janelas orientadas a leste, por onde saía o sol. A enorme cama do quarto parecia
confortável e muito tentadora depois do dia tão agitado que teve. Havia uma mesa em frente e
um armário muito espaçoso de um lado, junto a janelas. Era perfeita.
Mas esse era o dormitório principal, pensou Jesse. O dormitório de Anthony? Ou o de

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Andrew?
Foi alguma vez o dormitório de Kiernan? Dormiu alguma vez ali com seu marido?
—Vem ianque? —Perguntou Janey.
Ele ignorou-a e perguntou:
—Este é o quarto da senhora Miller?
Janey fez uma pausa, franziu a testa e hesitou em responder. Finalmente, falou:
—Não, agora mesmo não é o quarto de ninguém. Antes era o dormitório do amo Andrew e
teria sido do amo Anthony se não o tivessem matado. Assim agora aqui não há ninguém. Mas um
dia será o dormitório do amo Jacob...
—Não vou ficar aqui para sempre, Janey — disse Jesse— só enquanto durar.
—Enquanto durar o quê?
—A guerra.
Ela riu entre dentes.
—Não vai reter esta propriedade durante tanto tempo, ianque.
—De acordo. Mas embora percamos este lugar, voltaremos por ele. A União seguirá lutando
por este território. Não ficarei tanto tempo para ver crescer Jacob, casar e trazer sua esposa para
casa... espero — acrescentou em voz baixa— Este quarto servira perfeitamente.
Janey deu a volta e começou a se afastar. Um tanto divertido, Jesse voltou a chamá-la.
—O que quer ianque?
—A senhora Miller aonde dorme?
Janey entreabriu os olhos com perspicácia.
—Para que quer saber, ianque?
—Para não pôr nenhum ferido em sua cama — falou Jesse com secura.
Janey inspirou e exaltou longamente. Assinalou a porta que Jesse tinha ao lado.
—Seu quarto está aí. Assim todos terão seu lugar. Os saudáveis ali no final, no fundo do
corredor, e pode pôr os feridos nos quartos que estão mais perto da escada. Neste piso há mais
cinco. Aquela dali será o suficientemente grande para montar uma sala. Nas outras podem caber
dois ou três homens.
—Obrigado pela informação, Janey.
Novamente ela fez gesto de partir.
—Janey...
—Sim, senhor, amo ianque?
Janey falou com o acento dos jornaleiros e com uma cândida e fingida inocência. Jesse
esteve a ponto de sorrir. Aquela mulher era tão teimosa como sua senhora.
—Onde dormia o amo Anthony?
Janey deteve e pareceu que dissimulava um sorriso
—Por que, ianque? Ele já não dormirá nunca mais, assim não tem que preocupar se puser
algum ferido em sua cama.
—Por curiosidade — admitiu.
Janey assinalou para o outro extremo do corredor, o quarto onde havia dito que havia

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suficiente espaço para instalar a sala, Kiernan não dormia no dormitório que foi de seu marido.
Teria dormido alguma vez em seu quarto? Jesse queria saber, mas já não podia fazer mais
pergunta a Janey. Não, se queria que ela seguisse respondendo.
—Obrigado — disse.
—Não vou cozinhar para ianques — acrescentou ela taxativamente.
—Há um cozinheiro na companhia — respondeu ele.
Janey foi e começou a descer a escada. Mas antes que Jesse entrasse no quarto que tentava
fazer dele, ela voltou.
—Não quero ianques em minha cozinha. Eu cozinharei para os da casa, como sempre. Você
pode comer na mesa se a senhorita Kiernan permitir...
—Não, Janey — corrigiu ele— Eu confisquei a casa e eu janto tarde. Pelo menos as oito,
porque preciso aproveitar todas as horas de luz. Se a senhora Miller quiser jantar a esta hora,
então ela... e as crianças podem me acompanhar.
Janey olhou como se quisesse dar uma patada no chão, mas não fez. Em lugar disso saiu e
Jesse por fim pôde examinar o quarto.

Aparentemente, Kiernan não se interessava brigar com ele pela cozinha. Nem tampouco
discutiu quase nada, durante os dias em que ele tomou posse da mansão Montemarte.
Depois de examinar seu dormitório, Jesse encontrou dois homens negros no andar de baixo
que mudavam a espineta. Um deles era idoso e Jesse não gostou de vê-lo bufando e suando por
causa do móvel pesado. Disse a ambos que esperassem um momento, arregaçou as mangas e os
ajudou a subir o instrumento pela escada, assim como as outras peças grandes.
Não tentava salvar a mobília dos Miller. Simplesmente necessitava de espaço para as macas
que chegariam pela manhã.
Embora não falou muito com aqueles dois homens, notou que seus olhos escuros
observavam enquanto trabalhavam juntos. Inteirou de que eram pai e filho e de que o mais velho
se chamava Jeremiah e o mais jovem, Tyne. Jeremiah estava velho; entretanto, Tyne era jovem e
forte como um boi.
Soube por Tyne que eles eram os únicos que ficaram na propriedade. Eles dois mais um
outro filho, David, e Janey.
Também percebeu que eram leais. Acontecesse o que acontecesse no futuro, eles não
abandonariam Kiernan. Aquilo proporcionou certa sensação de alívio. Irritado, perguntou por que.
No final se todos a abandonavam, Kiernan possivelmente optaria por mudar mais ao sul e ficar a
salvo.
Nem Kiernan nem as crianças jantaram com ele as oito aquela noite.
Entretanto, Janey serviu um guisado de bolo de frango. Era um dos pratos mais saborosos
que comeu desde que a Virgínia se separou da União.
Quando subiu a escada para despir e deitar em sua cama estava exausto, tanto que deveria
ter dormido em seguida.
Mas não o fez.

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Sabia que ela estava ali, justo atrás da parede. Podia sair de seu quarto e irromper no dela,
abraçá-la pela força e...
Não, maldição, ele nunca faria isso, nunca. Era ela quem devia decidir.
Grunhiu e virou-se, perguntando se era o suficientemente forte para permitir que fosse
Kiernan quem decidisse. Disse muitas vezes que se ele optasse pelo Norte o desprezaria.
Ele optou pelo Norte e usava o uniforme azul.
Finalmente, em algum momento da noite, ele dormiu.

Jesse tomou o café da manhã só no salão. Janey serviu um monte de pãezinhos quentes,
enquanto ele lia o último número do Harpers Weekly que levou um novo membro de sua
companhia, um homem que instalou em uma tenda no jardim com outros soldados.
—Onde está a senhora Miller esta manhã? —Perguntou a Janey.
—Foi à cidade, ianque.
—Já vejo.
Jesse a felicitou pelo café e depois foi fiscalizar a instalação da equipe hospitalar no amplo
vestíbulo da entrada. Chegaram macas, ataduras e material cirúrgico dentro do seu saco preto
especial, sem ele se recusava a ir em frente, já que continha todos seus instrumentos de
campanha.
O meio-dia, Montemarte estava totalmente transformado.
A primeira hora da tarde chegou o primeiro paciente de Jesse.
Um soldado de meia idade, que sobreviveu à guerra do México e a um grande número de
conflitos no Oeste, foi transportado pelos membros de sua companhia com a chegada do
crepúsculo. No bosque situado a oeste da casa havia contínuas escaramuças. Logo haveria mais
pacientes.
Jesse não esperava que os serviçais de Montemarte ajudasse, e na realidade tampouco
necessitava. Tinha uma companhia de vinte fortes soldados sob seu comando e dois deles eram
excelentes carregadores de maca.
Mas Tyne estava na varanda quando chegou o soldado ferido e ajudou a levá-lo para sala de
cirurgia que fez no escritório que os Miller tinham ao pé da escada. Sem pensar nisso, Jesse pediu
a Tyne que mantivesse imóvel o homem enquanto examinava sua perna.
Mais tarde, quando extraiu a bala, viu que a fratura era limpa e colocou a tabuleta, ele
percebeu que estava dando ordens para Tyne durante toda a operação e que aquele negro forte
foi, sem dizer uma palavra, um dos melhores ajudantes que teve na sala de operações.
Tampouco esperava nada de Kiernan. Ela assegurou que não partiria; entretanto evitou-o
por completo. Quando por fim terminou de atender seu paciente, lavou-se e desceu ao salão;
Janey informou que a senhorita Kiernan já se retirou a seu quarto, assim como as crianças.
Na manhã seguinte surpreendeu descobrir que Kiernan foi ver seu paciente. Jesse falou com
o veterano que estava acamado e perguntou como passou a noite.
—Bastante bem, capitão, bastante bem.
—Como vai à dor?

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—Continua aí, mas poderia ser pior.


O homem, um soldado entrado em anos e desalinhado, com o cabelo grisalho e uma bonita
barba escura e espaçada, sorriu.
—Doía muitíssimo, mas então despertei e ali, tão claro como a luz do sol, vi esse anjo. Estava
inclinada sobre mim quando abri os olhos e me perguntou como encontrava. Eu respondi que era
tão bonita, que acreditava que morri e estava no céu. Tinha um cabelo como de ouro e fogo, e
olhos mais verdes que os das paisagens da Irlanda que descrevia meu pai! Trouxe um uísque,
engoli isso e depois dormi como um pirralho.
—Uísque?
—Uísque, sim senhor.
Jesse perguntou se estando ele em cama, teria se atrevido a beber alguma que oferecesse
Kiernan; o uísque poderia levar veneno para ratos. Surpreendeu que ela tivesse sido tão simpática
com aquele ianque que estava em sua casa.
Mas talvez guardasse seu ódio para ianques como ele: para os ianques que ela acreditava
que deviam levar as cores da Confederação.
Não pôde pensar nisso muito tempo. Os homens que o coronel Sebring enviava para que
passassem ali a convalescença foram chegando e teve que repassar todos seus expedientes. Ao
chegar à noite a grande sala do primeiro piso já estava cheia.
Mas tinha que ver Kiernan outra vez.
Embora soubesse que andava por ali, já que visitava seus pacientes.
Era como um anjo para todos e cada um deles. Não dizia que na realidade era a mais
teimosa dos rebeldes, mas quando ele dormia, ela levava água a seus feridos ou uísque se
necessitavam. Até mesmo escrevia por eles algumas cartas. Talvez desprezasse Jesse, mas do
mesmo modo que Tyne proporcionava uma ajuda excelente na mesa de operações, Kiernan
estava resultando uma excelente enfermeira.
Uma noite ficou acordado de propósito para surpreendê-la em seu trabalho de enfermeira.
Ouviu seus passos leves que desciam a toda pressa para o vestíbulo. Levantou e saiu sem fazer
ruído no corredor em calções e descalço.
Observou-a enquanto estava com os homens. Havia seis naquele momento. Ela escutava
suas histórias sobre a batalha e respondia que deveriam ter sabido que um rebelde valia por dez
ianques. Não parecia que nenhum dos feridos levasse a mal.
Poderia chamá-los de ratos ou baratas e eles tampouco teriam se ofendido, concluiu Jesse
com ironia. Estava muito bonita enquanto se ocupava deles. Seu sorriso era linfo, seu cabelo
precioso flutuando sobre seus ombros. Realmente parecia um anjo, pois usava uma camisola de
flanela e um roupão muito recatado, e ambos moviam a seus redor com cada um de seus
movimentos, como a túnica branca e as asas do mais doce dos anjos.
Jesse sentiu palpitações na garganta e desejou com todo seu coração saltar sobre ela na
penumbra do corredor e levá-la arrastada no instante que saísse do quarto dos doentes.
Mas não fez. Escondeu entre as sombras da entrada e apertou os dentes enquanto a deixava
passar, sem abordá-la.

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Seu aroma o envolveu.


Voltou para seu quarto suando. Não dormiu. Na manhã seguinte estava esgotado. Arrastou
durante todo o dia e agradeceu que nenhum dos soldados a sob sua responsabilidade necessitasse
de cirurgia nesse dia. A noite seguinte obrigou-se a dormir. Mas acreditou que ouviu a risada de
Kiernan em sonhos e a amaldiçoou em silencio por ter ido longe, longe, muito longe, quando ele
apareceu.

Vários dias depois de sua chegada, sua rotina começou a mudar. Era de noite, tarde, não o
suficientemente tarde como para que Kiernan tivesse iniciado sua ronda noturna, mas suficiente
para que ele já tivesse jantado, fizesse a última visita aos pacientes e retirar-se para seu quarto.
Entretanto não estava na cama. Vestido só com uma camisa branca e os calções do uniforme,
estava repassando os informe que pensava enviar ao coronel Sebring.
A mesa dava para a janela para aproveitar a luz matinal e de costas à entrada da quarto.
Ouviu que abria a porta e supôs que era Janey. Ela se mantinha a certa distância, mas
também se preocupava em atender suas necessidades. Preparava diariamente refeições
substanciosas e explicava a seus homens como deviam usar o tanque para obter o melhor
rendimento dos lençóis e das ataduras. Sabia organizar de forma notável o tempo e o trabalho, e
ele dava conta que estava acostumando a depender dela. Embora afirmasse que só fazia o
possível para manter a casa em ordem para seus legítimos residentes, frequentemente fazia muito
mais do que o estritamente necessário. De noite, via se ele tinha a luz das velas acesa e que seguia
trabalhando, muitas vezes preparava café.
Jesse não levantou os olhos quando ouviu a porta fechar e notou uma presença no quarto.
Não gostava que desse obrigado, para que não parecesse que realmente fazia algo por ele.
—Ponha sobre a mesa, Janey, por favor?
No final de um momento percebeu que estava tudo quieto e que na mesa não havia nada.
Ele franziu a testa, deixou o papel que ele estava escrevendo e, finalmente, se virou.
Janey não estava na soleira. Era o garoto, Jacob. Alto, esbelto, com cachos dourados e
enormes olhos escuros, era uma versão mais jovem de Anthony Miller. Nesse momento parecia
muito com seu irmão, pois levava uma das pistolas especiais dos Miller, de seis balas, e apontava
ao coração de Jesse.
O moço devia saber disparar, pensou Jesse. Tendo em conta a família da qual procedia,
devia saber. Daquela distância podia disparar a queima roupa.
Talvez Jacob Miller não visse ainda suficiente briga para querer apertar o gatilho. Os dedos
tremiam e agarrava a pistola com as duas mãos. Seu rosto, sob a pálida luz do candelabro, estava
branca como cera.
Jesse recostou na cadeira.
— Você realmente quer puxar o gatilho?—Perguntou a Jacob em voz baixa.
O menino ficou calado um momento que Jesse começou a perguntar se teria ouvido.
— Eu quero que deixe minha casa— disse Jacob finalmente— A morte é uma das formas de
ir.

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Jesse olhou para baixo e escondeu um sorriso. Sim, a morte era uma das formas de ir. Não
devia sorrir. Um menino nervoso podia matar com um tiro facilmente, coisa que nem os índios,
nem os unionistas, nem os rebeldes conseguiram.
Jacob estava tremendamente sério.
—Se me disparar deve saber que um de meus homens poderia perder o controle e disparar
também, embora só tenha doze anos.
—Quase treze.
—Uma idade horrível para morrer.
—Você trouxe aqui um montão de ianques! —Recriminou Jacob— Você matou meu irmão!
Jesse perguntou onde ele conseguiu essa informação Jacob. Percebeu que falou em num
sentido geral de quem usa um uniforme azul era o responsável pela morte de Anthony Miller.
—Não... Não me importa se me fuzila uma companhia da União — disse o menino—
enquanto eu encontre um azul pela frente.
—Está bem — disse Jesse— Mas o que acontecerá a Patrícia? E com Kiernan? Assim que eu
me for esta casa estará em chamas.
Jacob piscou uma vez.
—Irão para o leste. Irão para a casa do pai de Kiernan.
Isso era o que ele queria também, pensou Jesse com certo sarcasmo.
—Jacob, se simplesmente...
—Você conhece Kiernan melhor que eu — disse o menino de repente— Provavelmente a
conhece melhor do que conhecia meu irmão.
—Fui vizinho toda a vida, Jacob.
—Você desejava a morte de meu irmão! —Acusou Jacob.
Jesse levantou. Apesar de que Jacob agitava a pistola na frente dele, de repente sentiu muito
zangado de que o menino tivesse pronunciado essas palavras. Ser razoável não estava servindo de
nada.
—Engana-se, Jacob Miller, maldição. Eu nunca desejei a morte de nenhum homem. —
Começou a avançar pelo quarto com as mãos estendidas— Agora me dê essa pistola e volta...
Interrompeu e atirou ao chão contra as pernas de Jacob, porque, para seu assombro, o
menino efetivamente disparou a arma. A bala roçou o ombro e depois impactou em algum lugar
da mesa. O sangue empapou de repente a manga de sua camisa branca, mas sabia que não era
grave. Tinha Jacob debaixo, deitado no chão, e arrancou a pistola.
—Que diabos pretendia conseguir com uma estupidez como essa? —perguntou Jesse,
furioso.
—Eu não queria fazer! —Gemeu Jacob— Juro por Deus que não queria!
De repente, a porta da quarto se abriu de par em par. O cabo O’Malley, um jovem de origem
irlandesa recém-chegado de Manhattan, que essa noite estava de guarda com os pacientes,
apareceu ali com seu rifle, carregado e preparado.
—Capitão Cameron...
—Estou bem, cabo — disse Jesse voltando à cabeça.

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—Mas, capitão...
—Digo que estou bem. Tivemos um pequeno acidente.
O’Malley pareceu avaliar a situação; depois sorriu e dispôs a sair do quarto. Mas outra
recém chegada passou correndo a seu lado e ocupou seu lugar, em pânico.
Kiernan levava seu vestido de anjo, constatou Jesse, o recatado e branco que flutuava e
ondulava a seu redor, que cobria do pescoço até os pés e a convertia na criatura mais sensual que
viu.
Um anjo, efetivamente. Um anjo enviado do inferno para atormentar sem cessar do mesmo
instante que despertava.
Mas por uma vez, em seus resplandecentes olhos verdes não havia mais que medo. Era
medo por sua segurança? Perguntou por um instante.
Então recordou que estava sentado em cima de um de seus tutelados e que devia ser isso o
que a preocupava.
—Jesse, o que... Oh, meu Deus, Jacob!
Kiernan se aproximou correndo, mas Jesse levantou a mão e entreabriu os olhos com um
gesto de advertência. Ela deteve e os olhou a ambos, enquanto mordia o lábio inferior.
—Jesse, não faça mal! —Suplicou— Jesse, por favor, faz por nossa amizade...
—Jesse? E que demônios aconteceu com “capitão Cameron”? —Ele a repreendeu —
Amizade? Que amizade? Eu sou um ianque recorda? Preferiria que esta casa ficasse reduzida a
cinzas antes que eu entrasse nela, recorda? Jacob só tentava ajudá-la, senhora Miller.
De repente, o rosto de Kiernan empalideceu tanto como o Jacob. Jesse ficou de pé e, com a
mão sã, ajudou o garoto a levantar. Ela deixou escapar outra vez um grito entrecortado.
—Seu braço! Deixe-o ir. Deixe-me ver ...
—Senhora Miller, recusar a oferta de seus ternos cuidados me quebra o coração, mas parece
que é exatamente o que vou fazer. Agora, se nos desculpar...
Tinha a Jacob agarrado pelo pescoço da camisa e se dirigiu para a porta.
—Jesse...
Ele se deteve furioso com ela.
—Para você, senhora, sou o capitão Cameron, e se me perdoar este garoto e eu temos que
discutir uns assuntos.
Ela se sobressaltou como se ele tivesse lhe dado um bofetão. Jesse ignorou-a e arrastou
Jacob para o corredor e pela escada até o andar de baixo. Abriu caminho entre as macas que havia
no vestíbulo de entrada e girou à esquerda, para aquele quarto com janelas enormes orientadas a
leste, que foi o escritório dos Miller e que agora era seu consultório. Parou para acender um
abajur. Então percebeu que Kiernan os seguiu.
—Jesse...
—Capitão Cameron!
—Capitão Cameron, pois! —respondeu ela com uma voz que perdeu o tom doce de um anjo.
Ele sorriu. Kiernan era incapaz de fingir durante muito tempo, nem num momento como
aquele.

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— É apenas um menino, ele não queria ...


—É um jovem e sim queria — disse Jesse taxativamente— Fora.
Deixou Jacob no centro da sala, foi diretamente para Kiernan e a obrigou a retroceder. Era
estupendo que ele também tivesse um temperamento ruim.
Porque quando a forçou a recuar, foi muito agradável de tocar o corpo dela, sentir o roce
suave do tecido, notar a curva de seus seios contra seu peito.
—Maldição! Não penso em deixá-lo sozinho aqui, com você! —Gritou enquanto batia no seu
peito com os punhos.
Rapidamente ele a agarrou e a levantou no ar. Durante um instante extremamente intenso
olhou-a nos olhos e Jesse recordou aqueles momentos nos que a pegou desse modo. O fogo da
paixão abrasou a virilha e provocou cãibras nas pernas, mas ela seguiu com o olhar fixo em seus
olhos. Jesse notou o repentino estremecimento que sacudiu o corpo de Kiernan e que fez baixar as
pálpebras.
Quando seu olhar voltou a desafiar estava cheio de raiva.
— Ponha-me no chão ianque, deixe-me...
Ele a deixou no chão. Depositou com firmeza no outro lado da porta, fechou-a no rosto e
trancou.
Voltou enquanto a ouvia golpear a porta com os punhos e chamar, primeiro por seu nome e
depois com qualquer apelativo que ocorresse.
Ele olhou para Jacob, que estava parado no meio da sala, observando com olhos
arregalados.
Então sorriu.
—Bom, por fim estamos sozinhos.
Sentindo certa e doce satisfação, embora seguissem atormentando todos os fogos do
inferno cruzou o quarto até o armário onde guardava outros instrumentos médicos e ataduras.
—Aqui tem, com isto poderá curar-me a ferida do braço. Você fez isso, assim também pode
curar isso.
Parou e olhou para a porta. Era evidente que a casa estava bem construída. Kiernan
continuava amaldiçoando e golpeando a madeira.
Não prestou atenção.
Jacob olhou-o fixamente. Seus olhos dirigiram para a porta, logo voltaram a pousar em
Jesse. Devolveu o olhar, como se quisesse convencer o menino de que não tinha intenção de fazer
caso de Kiernan.
—Agora, quanto a minha ferida. Talvez doa quando limpar. Acredito que beberei alguma
coisa. Sim, aí há uma garrafa de uísque. Quer um gole?
—Isto... eu... ainda não tenho idade — disse Jacob com os olhos em branco.
—Claro que tem. Se tem idade para ir por aí apontando às pessoas com uma pistola,
também tem para beber um gole.
Havia várias garrafas e copos sobre uma mesa de madeira de cerejeira que Jesse aproximou
do escritório para dispor o máximo espaço possível no quarto. Serviu alguns goles de uísque e

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ofereceu ao menino. Tomou o seu de um gole e depois observou como o moço bebia sua taça.
Jacob piscou, mas não tossiu e engoliu todo o líquido âmbar que havia no copo.
—Já bebeu uísque antes — disse Jesse.
—Algumas vezes — reconheceu o menino— Tomei um pouco o dia que a Virginia decidiu
separar da União.
—Hummm — murmurou Jesse— Bem, vejamos se agora sua mão é mais firme.
Colocou água limpa em uma bacia. Rasgou a camisa e examinou a ferida.
—Vejamos, se terá que costurar?
—Costurar? —Disse Jacob engolindo em seco.
—Costurar — disse Jesse— Talvez alguns pontos.
Feriu no braço esquerdo e Jesse deu obrigado por isso, já que necessitava da mão direita.
Limpou com habilidade o sangue da ferida, que provavelmente teria cicatrizado bem sem
necessidade de pontos. Mas pareceu que aquele era um bom momento para que Jacob
aprendesse alguma coisa, algo que poderia ser fundamental no futuro.
Jesse rebuscou em sua maleta e tirou uma agulha e fio de sutura. Arrumou a agulha e a
entregou a Jacob.
—Aqui, começa justo aqui. Só alguns pontos, pequenos limpos. Não se preocupe por
rematá-los. Ainda fica uma mão; eu ajudarei.
—Costurar..., assim sem mais?
—Exato.
—Não precisa de algo para a dor?
—São apenas dois pontos e tomarei outro gole de uísque. Embora não seria boa ideia me
deixar levar muito pelos efeitos do álcool nesta casa, não parece?
Jacob ruborizou. Tinha a agulha na mão. Voltou a procurar os olhos de Jesse com o olhar.
—Já me deram pontos outras vezes. Vamos, costura.
Jacob estava sofrendo muito mais que ele, pensou Jesse quando a agulha penetrou a pele.
Apertou os dentes e abraçou o corpo para mitigar a dor. A agulha penetrou em sua carne e depois
saiu outra vez; logo, rápida, muito rapidamente, entrou e saiu outra vez. Jacob supriu com
velocidade sua falta de experiência.
Na testa de Jacob apareceu umas gotas de suor frio. Jesse indicou onde sustentar o fio de
sutura e ele acabou o trabalho. Tomou outro gole de uísque, verteu um pouco sobre a ferida e não
pôde evitar uma careta de dor ao sentir a ardência.
— Não sei porquê, mas é bom para isso— disse o menino, que outra vez o olhava fixamente.
Jacob permaneceu em silêncio; era evidente que estava assustado. Jesse recostou na mesa e
ficou olhando.
—Esclareçamos uma coisa de uma vez por todas. Você está em um lado da guerra e eu no
outro. Não pretendo que mude de lado. Deram os melhores argumentos do mundo, mas não
penso mudar. Isto é uma guerra. E isto é o que acontece nas guerras. Mas quero que entenda uma
coisa. Eu não desejava a morte de seu irmão, em nenhum sentido. Eu o admirava e em tempos
melhores considerei um amigo.

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Jacob baixou o olhar até os pés, depois levantou para Jesse e encolheu os ombros.
—Já, bom, eu... suponho que isso já sei.
—Sabe?
O menino voltou a encolher os ombros e afundou as mãos nos bolsos.
—Anthony me contou que o desafiou para um duelo. Não quis dizer por que; só que perdeu
um pouco os estribos e que foi uma autêntica estupidez por sua parte. Disse que você não o teria
matado. Disse que foi um tipo íntegro e que só tinha um problema.
—Qual?
—Que era um ianque, claro.
—Ah — disse Jesse em voz baixa.
—Eu... na realidade não queria te matar — disse Jacob.
—Nem eu acreditei que quisesse. Não conheci nenhum Miller que não soubesse lidar com
uma arma de fogo. Se quisesse me matar, eu estaria morto — disse Jesse.
—Sim, possivelmente — disse Jacob, ruborizado.
—Vim aqui porque na realidade devia a seu irmão. Pode ser que não estejamos no mesmo
lado, Jacob, mas eu vim lutar por você.
O garoto assentiu.
—Não peço uma rendição. Só quero instaurar uma trégua nesta casa — disse Jesse e
estendeu a mão.
Jacob olhou fixamente para a mão e logo para os olhos de Jesse.
—E isso é tudo? Eu atiro em você e está tudo bem?
—Pois sim. Eu gostaria que me desse sua palavra que não voltará a tentar atirar em mim.
Jacob estreitou a mão sem deixar de olhar em seus olhos.
—Tem minha palavra. Basta com isso?
—Sim. Até agora nunca tive motivos para duvidar de um Miller.
No rosto de Jacob desenhou um leve sorriso. Assentiu.
—É verdade, nós não mentimos. Nunca mentimos — disse com orgulho. Engoliu em seco e
voltou a estudar o rosto de Jesse— Obrigado.
Foi difícil pronunciar aquela palavra, pensou Jesse.
—Não tem por que me dar obrigado. E agora acredito que deveríamos nos deitar.
—Sim, senhor — assentiu Jacob. Foi para a porta e voltou— Veio aqui porque acreditava que
devia algo a Anthony?
—Sim — disse Jesse.
Jacob olhou com expressão inocente.
—É curioso. Eu teria jurado que veio por Kiernan.
Tinha os olhos fixos em Jesse. Este tampouco afastou o olhar.
—Sim, também por isso — reconheceu.
Jacob voltou a sorrir, baixou a cabeça e deu boa noite. Quando abriu a porta, Kiernan esteve
a ponto de cair dando um tropeção no interior da sala.
Já fazia um momento que ela havia deixado de golpear a porta; já estava cansada.

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Rapidamente, repassou de uma olhada seu jovem cunhado, com uma preocupação e um medo
evidentes.
—Jacob, você está bem?
—Muito bem. Aprendi a dar pontos, Kiernan.
Agarrou pelos ombros, beijou-a no rosto e se afastou para ir para a escada.
Kiernan, exausta, apoiou na parede com os olhos fechados.
Depois, aqueles olhos de cor esmeralda se abriram e dirigiram a Jesse um olhar carregado
de ira e recriminações.
—Deixou-me aí fora pensando... deixou-me aí, aterrorizada e angustiada!
—Não deveria ter estado nem aterrorizada nem angustiada — disse Jesse com secura—.
Conhece-me de toda a vida e sabe perfeitamente que jamais faria mal a uma criança.
—Não! —Protestou ela com aqueles olhos esmeralda que ainda cintilavam— Não te
conheço absolutamente. Porque o homem a quem acreditava conhecer, nunca teria abandonado
o panteão de Cameron Hall aquele dia.
Seu tom de voz era uma mistura de dor e de raiva. Ele desejava tocá-la. Deu um passo para
ela.
—Kiernan...
Ela ergueu e separou da parede. Então dedicou um sorriso, régia e elegante; um sorriso de
superioridade.
—Para você é senhora Miller, capitão Cameron. Senhora Miller.
se virou e saiu da sala com a cabeça erguida, a cabeleira ao ar e o tecido branco e angélico
de sua bata flutuando atrás dela.
Ele a seguiu no corredor e viu que correndo a escada. Ele a seguiu para o corredor e a viu
descendo a escada. De repente, ele sorriu, mas, em seguida, se perguntou como ele poderia sorrir
se cada centímetro de seu coração gemia de dor.
Infelizmente, a mesma ideia inútil e inquestionavelmente concludente que acorçoou desde
que chegou, começava a rondar de novo.
Maldita Kiernan.
Amaldiçoava seu doce, refinado, precioso e pequeno esconderijo.

Capítulo 17

Durante a semana seguinte Jesse jantou acompanhado de Jacob.


No final da semana, a irmã de Jacob, Patricia, Ao uniu-se a eles.
Kiernan mantinha a distância.
Para uma mulher que odiava os ianques, Kiernan passava muito tempo com eles. Já não
esperava altas horas da madrugada para visitá-los. Pelas tardes, quando fazia a ronda pelas salas,
estava acostumado a encontrá-la ali.
No meio da dor, das feridas e do crescente frio do inverno iminente, ela era como um sopro
doce da primavera. Cheirava deliciosamente. Vestia com elegância. Seus movimentos eram

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acompanhados do ranger da seda, daquele delicado aroma, de sua beleza; com o cabelo sempre
recolhido debaixo de uma rede para cabelo, seu dedo fino e delicado sobre a pluma esferográfica
enquanto escrevia uma carta, ou sobre um pano quando refrescava a testa de um ferido.
Todos estavam apaixonados por ela.
— Não é a criatura mais maravilhosa que já viu, doutor? —Perguntou um velho soldado um
dia, enquanto Jesse examinava atentamente seu gráfico.
Jesse arqueou uma sobrancelha e grunhiu. Sim, era maravilhosa, pensou com amargura.
Mas aquele veterano nunca a viu zangada.
É obvio os feridos nunca a viam zangada. Ela estava sempre coberta da cabeça aos pés, com
um sorriso recatado, e ouviam sua risada e sua voz zombeteira.
Uma tarde, ela se tornou o centro das atenções. Ela se sentou em uma cadeira no meio das
camas na sala enorme. Ela usava um lindo vestido amarelo com laço bordado cobrindo o corpete
de renda até o pescoço e as mangas até a metade do cotovelo. Um broche fantástico na garganta
realçava seu pescoço. As anáguas da saia estendiam a seu redor. Seus olhos estavam animados e
brincalhões, a voz mostrando uma profundidade e uma riqueza que ele nunca tinha ouvido
daqueles lábios de rubi.
Os homens estavam fascinados.
— Não que eu não tenha uma boa opinião de vocês, cavalheiros — dizia arrastando a voz—
Só é que acredito firmemente que a velocidade e a destreza para lutar de alguns nossos moços
vale por dez dos seus.
— Isso não é verdade nem muito menos, senhora Miller — protestou um jovem soldado— O
que acontece é que não tivemos a oportunidade de demonstrar.
—Nem tivemos generais como Stonewall ou Lee — disse com equanimidade seu vizinho
grisalho.
—Os homens lutam com todas suas forças para proteger sua terra.
—Mas ainda podemos vencer os rebeldes — opinou outro moço.
Olhando em silencio da soleira, Jesse percebeu que o menino que acabava de falar havia
chegado a poucos dias a Montemarte, com o braço destroçado por estilhaços. O mandaram para
ver se ele podia salvar o braço. Jesse passou horas na sala de cirurgia, tirando partes de metal e
balas.
—Espere e verá senhora Miller —dizia naquele momento— Quando forem nossos homens
que tiverem a seu favor o fator surpresa, apanharão os rebeldes. Um grupo dos nossos descerá o
vale dentro de alguns dias. E chutarão os poucos soldados que Stonewall tem destacados ali.
—Chutarão? — Kiernan perguntou, rindo.
—Pois sim. Desta vez os surpreenderemos, e seremos mais, certamente.
—Bom isso já veremos, não acha? —Disse ela. Levantou e passeou entre eles— Bem, Billy
Joe Raily, vejo que hoje tem a pele muito melhor, mais branca e mais saudável. Perdeu aquele tom
amarelo.
Ela acariciou o rosto do menino com as costas da mão.
Billy Joe a olhou como se estivesse a ponto de explodir. Kiernan sabia perfeitamente como

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se comportar com um doente. Bastava uma carícia para que provavelmente o pobre Billy Joe
estivesse tentando com todas suas forças não ter um orgasmo.
Jesse supôs que ele salvava seus homens das feridas de guerra, para que logo morressem
por causa dos ataques ao coração que ela provocava.
Kiernan deteve para colocar um pano molhado sobre outra testa, virou-se e o viu. Ficou
imóvel.
Por um instante, a máscara de doce beleza recatada desapareceu. Ainda era bonita, mas de
repente, seu rosto estava duro e cansado, e seus olhos o olhavam com cautela. Ergueu sem deixar
de observar e deixou o pano sobre a mesa. Em seguida, virou-se e varreu a sala com o olhar.
—Boa noite, rapazes — desejou serena e inocente. A máscara voltou para seu lugar.
Passou junto a Jesse.
Ele aspirou a doce essência da mulher e seu perfume, e escutou o rangido da seda.
Então, ao anoitecer, Jesse olhou pela janela do seu quarto e a viu do outro lado da casa.
Mudou o vestido por um traje de montar de veludo negro, mais prático que elegante. Enquanto
ele seguia olhando, ela dirigiu apressada para o estábulo.
Jesse deixou cair à carta que acabava de receber de Washington, pegou sua casaca de lã e
desceu a escada correndo. Quando chegou na varanda, ela acabava de sair a cavalo esquivando
das tendas dos soldados e que dormiam sobre a grama da entrada.
Jesse também correu para o estábulo. O velho Jeremiah estava sentado em uma cadeira
junto à porta, apoiado no respaldo e meio adormecido. Mas quando Jesse passou a seu lado,
arregalou os olhos e apressou a segui-lo.
—Aonde vai, amo Jess?
—Montar.
—Não me parece que seja bom momento para montar. Não demorará em anoitecer.
Jesse deteve diante da baia de Pegasus.
—De verdade? Pois você deveria ter pensado em deter sua ama.
—O quê?
—Kiernan acaba de sair. A senhora Miller acaba de sair daqui — disse Jesse com
impaciência.
—Saiu agora?
—Jeremiah, pretende dizer que estava aqui sentado e não viu que a senhora Miller saía a
cavalo?
—Agora que penso...
—Muito bem, pois pensa — murmurou Jesse. Desatou as rédeas de Pegasus da argola e se
aproximou da cabeça do animal.
—Quer que o sele, amo Jess?
—Não, obrigado. Se eu deixar você fazer isso, tenho a sensação que vou passar a noite toda
sentada aqui esperando você terminar.
—Por que, amo Jess...
—Afaste-se Jeremiah — disse Jesse.

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Pegou pelo pescoço de Pegasus e o fez sair da baia. Rapidamente jogou uma manta e uma
cadeira sobre o lombo do animal, atou e apertou a cilha. Montou de um salto e olhou para
Jeremiah.
—Não se preocupe. Ela leva muita vantagem.
Jeremiah deu um passo atrás; não tinha outro remédio. Jesse cravou os talões no cavalo e
ambos partiram.
Ele não se esquivou das tendas de campanha de seus homens e ganhou um pouco de tempo
indo a campo travessa. Mesmo assim, quando chegou ao lugar por onde Kiernan desapareceu
entre as árvores, puxou as rédeas. Examinou a terra, mas estava totalmente seca e havia poucos
rastros. Pareceu que havia muitos ramos em um dos atalhos, de modo que açulou Pegasos nessa
direção.
Recordou mentalmente a zona. Harpers Ferry estava muito mais abaixo, rodeada por
Maryland Heights, as montanhas e as colinas, as cristas e os vales. Pensou nas mansões e nas
plantações da região, lugares onde ele foi a bailes e festas e onde foi caça com seus amigos.
Recordou que o atalho que tinha diante chegava até as ruínas da propriedade Chagall.
—Muito bem, Pegasus, vejamos o que propõe Kiernan — murmurou Jesse. Apertou as coxas
e obrigou o cavalo a avançar.

Algumas manhãs, quando Kiernan despertava, rezava para que tudo aquilo fosse só um
horrível pesadelo.
Jesse nunca havia ido para casa. Nenhum dos ianques foi. A guerra ainda não os afetou e em
sua casa não estavam vivendo uma dúzia de homens feridos.
No princípio não podia conceber nada pior que ter Jesse na quarto ao lado. Nem sequer os
fogos do inferno poderiam infligir um tortura comparável a tê-lo tão perto. Só saber que ele
estava ali a impedia de dormir. Ouvia seus passos sobre o chão de madeira e imaginava os
movimentos que ele fazia, e podia imaginar seu rosto porque conhecia muito bem. Voltaria
esgotado da sala de operações, jogaria o casaco ou jaqueta, recostaria na cadeira de sua
escrivaninha e apoiaria as botas sobre a mesa. Afundaria os ombros, fecharia os olhos e daria uma
massagem nas têmporas com o polegar e o índice. Depois, deixaria cair lentamente à mão, abriria
os olhos e levantaria.
Kiernan ouvia como se movia pelo quarto, como despia. Suas botas ao cair no chão, sua
camisa sobre uma cadeira, seus calções, seu cinturão. Depois ouvia como deixava cair sobre a
cama, e imaginava de novo com as mãos enlaçadas atrás da nuca e o olhar perdido nas escuras
sombras do teto.
No silêncio que seguia, ela não podia imaginar uma angústia maior que permanecer
acordada e vê-lo mentalmente a poucos metros de distância. Agora ele era seu inimigo. Não
tinham nenhum futuro juntos. Jesse escolheu o uniforme azul e seguiu seu caminho e ela nunca
conseguiria mudar. Jurou odiá-lo.
Jurou a si mesmo que o odiaria.
E odiava, absolutamente. Mas percebeu que não importava a cor que vestisse um homem; o

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amor não morria facilmente.


E agora ela era a viúva de Anthony. Casou-se com Anthony e ele estava morto. Aconteceu
recentemente, e ela deve ser mergulhada em profunda tristeza.
Mas nada disso importava se Jesse estava em um quarto. Não importava o quão profunda
fosse sua ira, não importava quão desesperada fosse sua situação; quando ele estava perto,
voltava a acender faíscas, as caldeiras ardiam. O ódio que ela sentia era intenso, como intenso era
seu desejo.
Não era simplesmente que a chegada de Jesse que a atormentava. Eram esses homens
acampados na grama. Esses homens que jaziam na quarto de Anthony do outro lado do corredor.
Ianques. Ianques imundos, ianques feridos.
Quando ouviu pela primeira vez que um homem gritava na sala de operações, limitou a ficar
em seu quarto, tampando os ouvidos com as mãos. Teria jurado que a vítima morreu. Mas ali
estava, aquela mesma noite, são e salvo e sorrindo educadamente quando a viu olhando para ele.
Ele também era o inimigo.
Mas como poderia desejar sua morte?
Logo chegaram outros. Eram homens com os rostos magros, olhos azuis e olhos castanhos,
homens com rostos cansados e desfigurados. Alguns usavam costeletas, outros não. Eles também
eram inimigo. Eram iguais a outros homens que, como passava muito frequentemente nessa
região, tinham familiares no outro lado, e que rezavam nem tanto para seguir com vida como para
não encontrar com seus seres queridos no campo de batalha. Ela queria passar por cima de seu
sofrimento, mas descobriu que não podia suportar.
Também descobriu que os pacientes de Jesse permitiam descobrir os movimentos das
tropas da União. Todos chegavam de batalhas que tinham lugar nas cercanias e a informação que
possuíam era muito valiosa.
Kiernan já deixou uma mensagem no carvalho, para advertir os confederados que
abandonassem uma posição antes que os ianques, superiores em número, surpreendessem. Agora
tinha a possibilidade de fazer o mesmo. Isso a satisfez muito. Pareceu uma espécie de recompensa
pela angústia de ter Jesse em casa e pela angústia de ouvir os gritos que saíam da sala de
operações.
Aquela tarde, enquanto se aproximava da propriedade Chagall, percebeu que não demoraria
cair à noite, por isso esporeou impaciente seu cavalo. Apertou as rédeas ao ver as colunas da
mansão incendiada, brancas, negras e fantasmagóricas sob a pálida luz da lua que substituiu os
raios do sol crepuscular.
O vento sussurrava entre as árvores e umas sombras ameaçadoras caíam sobre a paisagem.
Kiernan acreditou detectar certo movimento a seu redor; por um momento ficou imóvel, sentindo
a garra do medo que passava por sua espinha.
Foi imprudente por sua parte ir ali a essas horas da noite, pensou. Mas disse que não tinha
nada a temer. Os rebeldes não lhe fariam mal e os ianques já se alojaram em sua casa.
Mas mesmo assim.
A brisa era muito fria e parecia que a noite tivesse olhos.

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Desmontou de um salto e correu para o velho carvalho. Justo quando se aproximava da


árvore apareceu uma sombra por trás.
A sombra de um homem, embora não parecia exatamente um homem...
Alto, moreno, negro como o carvão e ameaçador; o reflexo da lua desenhava uma silhueta
peculiar e projetava sua sombra ao longo da árvore e da grama que cresceu em frente a casa.
Kiernan gritou, levou uma mão à boca e se inclinou para trás. Instintivamente, ela se virou
para fugir. Presa do pânico ouviu um grito que naquele momento não compreendeu. Correu por
cima da mata, da grama e dos ramos quebrados desesperada por chegar a seu cavalo. O vento
voltou a levantar, rangendo entre os mastros com repentino espírito de vingança.
Ela sentia sua presença: uma sombra a suas costas que a perseguia. Apertou o passo
ofegando, gritando de angustia a cada baforada de ar; corria tanto que doíam os pulmões e
parecia que fossem explodir; sentia cãibras e ardor nas pernas, e as palpitações de seu coração.
A poucos passos de seu cavalo, a sombra a devorou. Levantou-a no colo e ela voltou a gritar
em um pânico selvagem. Notou que caía e golpeava contra a terra ressecada, debaixo da sombra.
Lutou contra ela, com empurrões, patadas, gritos; golpeou com força uma e outra vez
aquela mole escura, enquanto o pânico a dominava.
—Kiernan!
Finalmente, seu nome rompeu a barreira de seus aterrorizados sentidos. Kiernan ficou rígida
e imóvel.
—Kiernan!
Jesse! Era Jesse. Devia imaginar. Devia ter reconhecido a queda de seu chapéu, inclusive
naquela silhueta apagada. Deveria sentir sua presença, deveria ter cheirado seu aroma...
Mas, quando ela abandonou a casa, ele estava em seu quarto. Acabava de terminar as
operações, provavelmente recebeu alguma mensagem de Washington e deveria estar ocupado
com a marcha do hospital.
Como podia ter chegado ao carvalho antes dela?
—Jesse!
Estava recuperando o sangue-frio. Levantou um vento que assobiava e ululava entre as
árvores como um ser vivo. O reflexo da lua os iluminava totalmente naquele momento e podia ver
com claridade o rosto que tinha em cima. Era um rosto atraente, de traços claros e definidos,
curtida com umas feições muito características ao redor dos olhos. Era um rosto que ela conhecia
muito bem.
De repente, preocupou que pudesse haver alguém por ali; Angus ou T. J. ou alguns de seus
vizinhos. Se Vissem Jesse desse modo, escarranchado sobre ela, poderiam...
Matá-lo.
—Jesse, se afaste de mim, idiota!
—Por que, Kiernan? —Perguntou ele. Seu tom de voz era duro e seus olhos negros, envoltos
pela escuridão da noite, pareciam de azeviche. Sua carícia era de aço.
—Por quê? —Repetiu ela, incrédula— Porque está me imobilizando no chão! Porque me deu
um susto de morte. Porque eu odeio, detesto e desprezo. Porque você é o inimigo. Porque veste o

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maldito uniforme azul!


Os olhos de Jesse cintilavam entre as sombras. Suas mãos agarravam os punhos por cima da
cabeça. Estava muito perto dela. Kiernan sentia a calidez de seu fôlego, sentia o ardor e a tensão
de seu corpo, a pressão de seus músculos. Não importava o que dissesse. Não prestava atenção.
— Que diabos você está fazendo aqui?
—A você o que importa? —Respondeu ela.
Apesar do desconforto, ficou rígida e rezou para ele se movesse e rápido. Não é que fizesse
mal, só a segurava com as coxas, com seu peso, com os dedos que pressionavam os punhos como
uma argola.
—O que está fazendo aqui? —Vociferou Jesse de novo.
—Saí para montar!
—De noite?
—Sim, de noite, isso parece. Que menino esperto. Deve ser por isso que os ianques vão bem
na guerra.
—Deixe já! — Ele espetou.
—Deixe o quê?
—Deixe de fingir desse modo!
—Fingir! Eu não finjo capitão. Isto é a guerra, recorda?
Olhou-o fixamente. Começou a sentir um frio intenso, ali sobre a terra úmida. Sentia que o
odiava, mas de repente, ao ver aquela rudeza tão fria como a noite que cintilava em seus olhos,
teve medo. Equivocava ou reduziu um pouco a pressão que a imobilizava? Tentou dar um chute
com todas suas forças. Ele lançou uma maldição, ela murmurou algo e deu a volta com decisão
para evitar que a tocasse.
Mas ele a apanhou imediatamente. Antes que pudesse mover já voltava a estar em cima,
com as pernas abertas desta vez. Agarrou os dois punhos com uma mão e com o polegar que
ficava livre a agarrou pelo queixo.
—Voltarei a perguntar isso. O que você está fazendo aqui?
— Eu saí para um passeio. O que você está fazendo aqui?
—Eu a seguir.
—Jesse, não vou dizer nada...
—Kiernan, os espiões são fuzilados!
—Vai para o inferno, Jesse. Eu não sou uma espiã! E se...
—Bruxa! —Disse ele de repente.
Ele ficou de pé, arrastou-a e a colocou de frente a ele. Suas mãos a agarravam com tanta
força que esteve a ponto de chorar de dor. Atraiu-a para si com tanta energia que não pôde opor-
se. Afundou os dedos no cabelo, brusca e dolorosamente. Ela procurou seu olhar.
—Utilizou meus homens. Atua como um anjo misericordioso, mas seu sofrimento não
importa o mínimo. Não importaria vê-los morrer, não é? Misturou-se com eles desde a primeira
noite em troca da mais insignificante informação que pudesse surrupiar. Esses homens
agradeciam profundamente qualquer palavra que lhe dirigia!

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Tremia sacudido pela raiva. A estreitava tão forte que Kiernan quase podia sentir as batidas
do seu coração. O furor de suas palavras e sua raiva acariciavam os lábios quase como um beijo.
—Jesse, maldição eu não...!
—Maldita seja você, não minta!
—Bem, bem! —Gritou ela.
Jesse puxava pelo cabelo com tal força que as lágrimas brotaram de seus olhos. Não podia
afastar o olhar.
—Voltaria a utilizá-los, Jesse, e utilizaria você. É o inimigo. Meu Deus, quantas vezes terei
que dizer isso. Eu te odeio, Jesse, e odeio a eles! Estão invadindo minha terra! ocuparam minha
casa! Mataram meus amigos e minha gente! Que demônios quer que eu faça?
Ele ficou em silêncio enquanto o vento fazia ranger as árvores de novo e a noite os cobria
com seu manto. Jurou e amaldiçoou ainda furioso, ainda tremendo, cravando os dedos em seus
ombros.
—O que quero que faça? —Repetiu fora de si. Sob o reflexo da lua seus dentes emitiam
brilhos brancos— O que espero que faça? Quero apertar seu pescoço com os dedos. Quero...
Voltou a ficar quieto. Mas só demorou um segundo em beijá-la nos lábios repentinamente,
com tanta força e dureza como as palavras que ela pronunciou. Sua boca cálida e exigente a
devorou e prendeu uma chama instantânea em seu interior, uma chama que inflamou a noite, que
apoderou de todos seus sentidos e a desarmou por completo.
Fazia tanto tempo...
Tanto tempo desde que ele a abraçou assim, tanto desde que havia sentido que o mundo
tremia sob seus pés, aquele estalo de alegria no coração e nas extremidades e no lugar mais
recôndito de seu corpo. Não podia resistir, porque estava unida a seu corpo, abraçada a ele com
tal força que diria que só eram um. Seus braços a retinham com firmeza. Sua língua rodeou seus
lábios e abriu passo para as profundidades mais doces de sua boca.
Jesse a abraçou e a beijou. A cada segundo, a paixão e a sensual sedução de sua boca e de
sua língua a transportaram mais e mais para o interior de uma terra de ninguém, do desejo e da
lembrança. E quando aquilo que nunca pode negar dominou seus pensamentos, as lágrimas
alagaram seus olhos.
Ela o amava.
Nenhuma guerra podia mudar isso, nenhuma cor podia ocultar essa cegueira. Amava-o e
desejava.
Não! Nunca foi realmente a esposa de Anthony. Mas pelo podia ser uma viúva decente.
Lutou para livrar de suas sedutoras carícias.
—Jesse, não, maldição! —Gritou, deu um passo atrás e limpou a boca com o dorso da mão,
como se pudesse apagar o que aconteceu.
—Kiernan...
—Não, jamais! Não aqui, não agora! Não perto da casa de Anthony, Por Deus!
—Kiernan! — Jesse rosnou com uma voz áspera e dura enquanto dava um passo à frente.
—Sou viúva, Jesse! A viúva de Anthony!

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Ele ficou paralisado. Com os punhos cerrados apertados nos lados.


—Maldição, Kiernan — murmurou.
— Nunca mais me toque!—Sussurrou ela— Não me toque. Se alguma vez foi seu amigo, se
alguma vez o respeitou Jesse, esta é sua casa, sua terra.
—E foi em sua casa e em sua terra onde fizemos amor pela primeira vez — explodiu ele.
Suas palavras foram como uma bofetada no rosto, porque era verdade.
Ela girou ansiosa por chegar junto a seu cavalo. Mas não chegou muito longe quando ele a
agarrou pelo cotovelo e a obrigou a virar-se e a olhá-lo de frente.
—Onde está seu véu de viúva, Kiernan? Onde está o luto, onde demônios está sua dor?
Ela olhou para ele, consternada. Luto havia deixado alguns meses após se mudar para lá. O
negro era muito caloroso para trabalhar no jardim. Não podia permitir lavá-lo tanto como era
necessário.
Em certo sentido, ela amou Anthony, mas nunca conseguiu sentir como sua viúva, por isso
foi muito fácil se desprender daquilo.
Jesse forçou um sorriso e deu um passo para trás.
— Que história de amor deve ter sido!—disse, em tom zombador.
Ela deu-lhe um soco. Jesse agarrou o braço e a atraiu de novo pela força. Ela pensou que
voltaria a beijá-la e sentiu os batimentos desbocado em seu coração.
—Solte-me Jesse.
Ele a reteve. Não podia resistir a sua força. Se voltasse a beijá-la nos lábios e estaria perdida.
— Ele era seu amigo, Jesse. Ele lutou contra você, mas sempre o admirou.
Ele estava tenso e rígido como o aço. Retinha em silêncio, apertando os dentes e com as
mandíbulas crispadas. Quando falou, fez entre dentes; seus olhos eram escuros, e as feições,
tensas.
—Maldição, Kiernan, maldição.
Mas estava livre. Olhou e se afastou a toda pressa, confiando que não aparecessem as
lágrimas e que não a traíssem suas emoções.
Ela virou-se, correu, montou seu cavalo e galopou de volta para casa.
Ele a seguiu durante todo o caminho, mas não voltou a tentar apanhá-la. Ao chegar em
casa, Kiernan não se atreveu a olhar para ele.
Deixou o cavalo nas mãos de Jeremiah, que estava muito preocupado e que a perseguiu a
gritos. Mas não se deteve. Correu até o interior da casa e até seu quarto.
Aquela noite, de novo, voltou a escutar. Escutou seus passos no quarto ao lado do seu.
Escutou o rangido da cadeira quando ele sentou. Ouviu como suas botas caíam, como se despia e
deixava cair na cama, morto de cansaço.
Apertou os olhos e afundou o queixo. Seria tão fácil levantar e andar alguns passos pelo
corredor... Tão fácil abrir a porta e avançar deixando-se levar, vestida de branco, como uma noiva,
até sua cama.
E deitar a seu lado.
E sentir seus braços e a brisa da noite sobre sua pele nua.

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Kiernan escondeu o rosto no travesseiro.


Tentando odiar...
E odiando a si mesma.

Pela manhã, Kiernan deu conta que no final não deixou nenhuma mensagem no carvalho. A
informação que obteve dos ianques podia ter salvado muitas vidas.
Colocou um simples vestido de algodão marrom, se por acaso Jesse a visse perambulando
pela casa. Com muito cuidado, dobrou a mensagem escrita, escondeu no corpete e saiu do quarto.
Sabia que tinha que ser muito prudente assim primeiro foi à sala para conversar com os feridos. O
cabo O’Malley estava ali com um ajudante, falando com os homens e examinando as ataduras, os
suspensórios e as tabuletas. Kiernan passeou entre eles, repartindo sorrisos e palavras de ânimo,
servindo água e procurando qualquer pequena ajuda que pudesse fazer para que se sentissem
mais cômodos.
De repente, sentiu como se disparassem dardos incendiários nas costas e virou-se.
Jesse a observava da soleira. Ele a acusou de não se importar absolutamente com seu
homens e de que mesclava com eles para espionar.
Jesse nunca teria acreditado que nessa manhã ela não pretendia tirar nada deles, que
aprendeu a se preocupar com o sofrimento de qualquer um daqueles homens, sem importar a cor
de seu uniforme.
Mas Jesse nunca acreditaria. Naquele momento a condenava com seu olhar; Kiernan
estremeceu e sentiu vontade de começar a chorar.
Rapidamente deu as costas e colocou um pano frio na testa do soldado que solicitou sua
ajuda. Quando voltou de novo, Jesse já não estava.
Passeou entre os feridos uma hora mais. Ouviu que o cabo O’Malley dizer algo sobre
procurar Tyne para que ajudasse Jesse na mesa de operações.
Era o momento de ir.
Desceu correndo a escada e saiu. Olhou para trás para se certificar de que não houvesse
alguém em uma janela que a visse sair e foi para o estábulo a toda pressa.
Quando abriu a porta, encontrou com dois soldados que estavam ali de pé, olhando-a
fixamente.
—Cavalheiros? —Perguntou.
O primeiro, soldado raso Yeager, meneou a cabeça.
—Não tente nos paquerar, senhora Miller.
—Paquerar,senhor? — Ela disse bruscamente e ergueu uma sobrancelha.
—Você está passando informação aos rebeldes — disse claramente o outro soldado, o
sargento Herrington.
—Não diga tolices! —Mentiu— Afaste de meu caminho.
Deu um passo à frente, mas Yeager colocou justo diante dela.
—Entregue isso senhora Miller. A mensagem que leva.
— Saiam da minha frente!

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Para sua surpresa, ele a empurrou. Seus olhos brilhavam.


—Você leva uma mensagem e eu a quero.
—Não se atreva a me tratar assim! —Gritou ela em tom imperativo.
—Tratarei... — Ela começou, mas então sua voz sumiu. Olhando por cima do ombro Kiernan
Sua firmeza fraquejou e ela virou-se.
Jesse estava apoiado, imóvel, na soleira da porta, com os braços cruzados sobre o peito e um
olhar implacável.
—O que acontece, sargento?
Herrington Sargento pigarreou.
—Senhor, ela leva mensagens aos rebeldes. Estamos convencidos.
Jesse arqueou a sobrancelha e olhou para Kiernan.
—Você está levando notas secretas aos soldados rebeldes, senhora Miller?
—Não — mentiu ela descaradamente.
Jesse observou os dois homens.
— Ela nega as acusações, rapazes.
— Bem, se você me deixar para mim, deixe-me ... —começou a dizer Herrington.
—Que deixar o quê? —Perguntou Jesse.
—Revistá-la! —Soltou Herrington com deleite.
Kiernan bufou.
—Capitão, você não pode deixar que este orangotango me tocar!
—Senhora, está insultando os orangotangos.
—Capitão...
—Somos soldados do exército da União, cavalheiros. Não posso permitir que revistem uma
dama. E como cavalheiros, como homens de honra, vocês estão obrigados a aceitar sua palavra.
Podem voltar para seus postos.
Herrington a olhou com ira e saiu com o desventurado soldado Yeager em seus calcanhares.
O mundo de Kiernan. Ficou claro que agora ela não podia sair.. Quis sair atrás deles, mas
Jesse fechou a porta no rosto.
Ela olhou assustada e seu coração começou a bater, porque os olhos de Jesse estava
pegando fogo e estavam totalmente sozinhos no estábulo.
—Leva uma mensagem, Kiernan? —Inquiriu ele em voz baixa.
— Você nunca saberá verdade? —Perguntou com doçura— Agora se você me perdoar ...
Ele se negou com a cabeça.
—Certamente que não te perdoo. —Deu um passo para ela e Kiernan retrocedeu.
— Jesse, o que você está fazendo?
— Eu vou descobrir se você leva uma mensagem.
—O quê?—Gritou ela— Você não pode!
Ela deu mais um passo para trás, um movimento que a jogou de costas em um fardo de feno
recém-cortado.
Jesse estava de pé em cima dela, com suas largas pernas abertas sobre as de Kiernan, e a

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olhava de cima.
—Jesse, você não se atreverá!
—Você já sabe, eu me atrevo com tudo.
—Acaba de dizer que um cavalheiro do exército da União não pode fazer uma coisa assim!
Que não permitiria que esses homens…!
—Mas Kiernan, você me disse há muito tempo que não me considerava um cavalheiro. Disse
a esses homens que eles não podiam. —Sorriu com malícia— Mas em nenhum momento disse
que eu não pudesse... ou que não fizesse.
De repente, Kiernan, atônita e cada vez mais aterrorizada, viu Jesse em cima da palha.
Em cima dela.

Capítulo 18

Ele colocou o joelho em ângulo sobre a coxa de Kiernan. Ele estendeu a sua mão sobre o
lado e apertou a cintura com a mão esquerda. Ela olhou-o com raiva.
— Jesse, eu sempre soube que não era um cavalheiro, mas ...
— Kiernan, não vamos começar isso de novo. Eu quero a mensagem.
—Não há nenhuma mensagem.
—Sim que há. Pode dar-me ou eu posso me pegar.
Estava muito sério, pensou ela. Mas não podia entregar sem mais a prova de que utilizou sua
relação com os homens do hospital para ajudar à Confederação. Por que, em nome de Deus, não
esperou chegar à árvore para redigir a nota?
Porque ele podia tê-la seguido, pensou zangada, e nunca teria a possibilidade de escrevê-la.
Kiernan falou em voz muito baixa e olhou diretamente os olhos confiando aparentar
franqueza.
— Jesse, peço-lhe que parar de fazer isso. É totalmente ridículo,— E acrescentou uma nota
de patetismo— Desonra tudo... tudo o que uma vez fomos um para o outro.
—E o que fomos Kiernan? —Perguntou ele com doçura.
Seus dedos suavemente roçou seu rosto e ela assustou-se ao sentir o rubor que em seu
interior provocava aquela carícia. O calor estendia por todo seu corpo; o toque roce de seus dedos
era tão terno... Os lábios de Jesse estavam muito perto do seu e o peso de seu corpo era
dolorosamente familiar.
Ela tinha que seduzi-lo para que a deixasse ir. Então levantou e afastou uma mecha de
cabelo, uma mecha negra que às vezes caía sobre a testa e que ela sabia que ele tentava dominar
sem conseguir. Voltou a colocá-lo em seu lugar e, ao fazê-lo seus dedos acariciaram seu rosto.
—Jesse, deixe-me, por favor. Eu tenho que ir. Há momentos em que você simplesmente tem
de ir. Não entende?
Pegou os dedos, beijou-os e os reteve fascinado. Houve outro beijo e logo outro. Kiernan
sentiu como ele deslocava a língua sensual e apaixonadamente sobre eles.
—Jesse...

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—Compreendo — murmurou— Há ianques em sua casa. Ianques — repetiu a palavra, olhou-


a nos olhos, sorriu e fez um gesto de repugnância— Eca.
Ela estava prestes a dar-lhe uma bofetada. Rangeu os dentes e disse com desgosto:
— Jesse, vamos ser sérios, por favor.
—Eu estou muito sério — assegurou ele.
Afrouxou um pouco a pressão, entrelaçou os dedos com os dela e deixou que as mãos de
ambos apoiassem sobre seu peito, justo no nascimento dos seios.
—Vejamos, precisa se afastar à cavalo porque há ianques em sua casa.
—Isso, Jesse.
—Passou bem com esses pobres ianques doentes.
—Sim, é verdade. Atendi-os diariamente.
—E agora quer sair com todas as fofocas, as pequenas informações que esses pobres e
doentes ianques que babam por você estiveram dando, não é?
—Verdade. —Sua resposta a deixou atônita. Deixou levar pela cadência da voz de Jesse—
Não, mentira! Oh, Jesse, você está me confundindo!
—Mentira! —Ele sorriu coisa que irritou ainda mais Kiernan— Senhora Miller, que grande
perda para o teatro que você não tenha se dedicado à interpretação.
—Jesse, me solte! —gritou enquanto lutava freneticamente para tirar de cima.
Mas ele não tinha intenção de perder essa briga. Quase sem dar conta, Kiernan voltava a ter
as mãos contra o chão, por cima de sua cabeça. Ele sentou escarranchado e agarrou os punhos
com uma só mão. Seus dedos oprimiam com força os pulsos, que imobilizou sobre a cabeça.
Então, com a mão que tinha livre tocou o peito. Seus dedos procuraram a costura sob a
roupa para tocar a pele nua. Ela retorceu com uma fúria descontrolada, que aparentemente só
conseguiu enredá-los ainda mais. Os botões saltaram e seus seios derramaram sobre os cordões
do espartilho e do delicado tecido de sua blusa, agora aberta.
—Jesse, você é um bastardo!
Quando, de repente, os cordões do espartilho cederam e caiu a nota, quebrou a voz. Jesse,
que continuava segurando-a com uma mão, desdobrou a carta com a outra e a manteve em alto
para lê-la rapidamente em silêncio.
Depois a olhou com aqueles olhos azuis, duros, cintilantes.
—Você alguma vez ocorreu espionar, verdade, Kiernan? —Perguntou educadamente.
—Jesse, já conseguiu o que queria. Agora me deixe em paz de uma vez!
Mas ele não se moveu. Seus olhos a examinaram de cima abaixo entre as sombras e a luz do
estábulo. O cabelo solto estava despenteado e enredado com a palha. Seu rosto estava muito
vermelho e os olhos bem abertos.
E os seios nus, transbordantes.
Ela apertou os dentes com força e tentou que ele voltasse a fixar em seus olhos, pois notou
que seus mamilos endureciam sob seu olhar. Estava ali exposta e não podia ocultar suas emoções.
—Ainda não consegui absolutamente o que queria — disse ele.
— Você deve estar louco!—Gritou ela.

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Sabia que ia tocá-la novamente. Sua mão começou a tocar a roupa novamente.
—Não! —Ofegou e fechou os olhos. Deus, não permita que ele me toque, porque saberá o
quanto eu o desejo. Sussurrou— Por favor.
Mas então notou que os cordões não abriam; voltavam para seu lugar. O veludo do corpete
voltava a ajustar a seu corpo e ocultava sua nudez, não a mostrava.
Abriu os olhos. Ele a contemplava imóvel, com uma tensão sombria e melancólica. Quando
ele acariciou seu rosto novamente e nenhum vestígio de violência, nenhum sinal de aspereza.
— Eu poderia prendê-la.
— Então faça isso.
—Não. Mas quero que deixe de fazer isso.
—Estou triste e caída no chão do estábulo. Eu também quero deixar de fazer— murmurou
com amargura.
Ele sorriu, deslocou um quadril e a ajudou a sair. Esses segundos que a teve abraçada foram
tão agradáveis...
—Kiernan, você não pode ganhar esta guerra, simplesmente não pode. Sabe que suspeitam
de você até mesmo em Washington?
—Os... advertiram sobre mim? —Disse preocupada.
Ele assentiu.
—Não vê? Não posso deixar que siga fazendo o que faz e, certamente, não posso permitir
que utilize meus homens.
Ela jogou a cabeça para trás.
—Então me prenda Jesse.
—Abandone a batalha. Não tem direito a participar desta guerra!
—Tenho todo o direito de participar desta guerra. Esta é minha casa, Virginia é minha casa.
Não posso... eu nunca... renderei, nunca — assegurou com paixão.
—Kiernan...
—Não! —separou dele. Ele não tentou detê-la quando levantou, deu a volta e arrumou a
roupa. Ela girou — Renda-se você! É você quem não tem nenhum direito de estar nesta guerra!
—O quê? —Ele também já estava de pé— Do que fala?
—Você não tem direito a participar desta guerra. Eu luto por minha casa, mas você faz a
guerra contra os seus. Por que luta? Por um ideal absurdo? Que ideal? O Congresso dos Estados
Unidos diz que lutam para dominar os estados rebeldes! Acha que luta para terminar com a
escravidão? Pois informo que em muitos estados do Norte a escravidão não foi abolida. Que
fazer? Por que demônios continua com isto? Viu como chegavam a suas mãos, dia atrás de dia,
homens feridos, sangrados, moribundos! Por que demônios está do seu lado?
— Para a União deve prevalecer! Temos que ficar juntos. Você não vê? As partes não são
nada nada sem o todo!
—Não, não vejo absolutamente! —Respondeu Kiernan a gritos, por que tinham que saltar
essas malditas lágrimas sempre que tinham uma briga? Fazia muito tempo que perdeu esta
batalha com ele— Maldição, Jesse!

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Heather Graham
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Tinha que esquecer. Não podia tornar a chorar, nem permitir que se aproximasse outra vez.
—Conseguiu sua mensagem, sua prova. Prenda-me, me enforque faz o que quiser. Mas
deixe-me sair daqui, agora! Não posso suportar o que tem feito! Não posso suportar falar contigo,
tentar raciocinar com você.
Ele lançou um suspiro de exasperação.
—Está sob prisão domiciliar, Kiernan.
—Muito bem. Não me importa. É um ingênuo, não sabe que Jackson ou qualquer outro
voltará aqui? Serão derrotados, Jesse, porque os rebeldes são mais disciplinados. E porque lutam
por suas casas.
Kiernan soprou quando ele voltou a pôr as mãos sobre os ombros e a sacudiu de um modo
que lançou a cabeça para trás e seu cabelo caiu em cascata a seu redor. Depois a obrigou a olhar.
—Sim! Jackson voltará ou enviará outro oficial. E sim, o Sul sabe lutar. Sabem cavalgar e
sabem disparar. Nasceram e se criaram entre cavalos e armas. E sabe Deus que são bons; movem
em círculo a nosso redor constantemente. Mas no final, Kiernan, ganharemos. Ganharemos,
porque somos mais. E ganharemos porque temos mais fábricas e mais roupa e mais poder.
De repente, ela se assustou mais que nunca. Nunca passou pela cabeça que o Sul pudesse
perder.
Liberou-se dele e perfurou-lhe com um olhar. As lágrimas queimavam em seus olhos.
— Eu te odeio, Jesse! —Ela espetou.
Para sua surpresa, ele sorriu lento, angustioso e sinuosamente.
— Eu sei. —Logo disse com doçura— E eu ainda te amo.
—Mas não o bastante! Não o bastante! —sussurrou ela com desespero.
Jesse voltou a agarrá-la.
— Não! Pelo amor de Deus, deixe-me ir!
Ele a liberou e ela se afastou. Com os olhos praticamente cegados pelo pranto, voltou
correndo para casa tão rápido como pôde.

Na manhã seguinte, acordou uma grande revoo. Levantou, e correu para a janela e olhou
para fora.
Chegavam alguns homens. Dois soldados a cavalo vinham na frente encabeçando por um
carro, e atrás do carroça seguiam mais homens. Mas não desfilavam como os soldados que
dirigem à batalha; vinham devagar, apoiando uns nos outros homens que coxeavam ajudados por
outros com ataduras ensanguentadas em torno de seu braço.
Kiernan percebi que era uma companhia de feridos.
Enquanto ela os observava, Jesse saiu no pátio. Gritou alguma coisa e ela viu que Tyne
aproximava correndo. Janey também saiu; depois, chegou Jeremiah e depois David e até mesmo
Jacob. O ar frio da manhã caiu sobre ela e deixou totalmente paralisada. Todos eram ianques.
Soldados azuis, que tinha deixado para trás um número de rebeldes mortos ou feridos.
Ela ouviu um grito de agonia e a paralisia cobriu seus ombros como uma capa. Eles estavam
sofrendo, todos. E alguns morreriam.

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Heather Graham
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Afastou o olhar e engoliu em seco. Não podia se preocupar com eles, simplesmente não
podia. Cada vez que Jesse os curava, eles voltavam para frente, para matar mais confederados.
Mais virginianos.
Jesse começou a dar ordens a gritos e todo mundo se apressou às cumprir. Enquanto ela
seguia olhando, ele passou entre os homens que podiam ficar de pé e deu uma olhada rápida em
suas feridas. O pequeno David corria daqui para lá levando água. Jesse os examinava um por um e
indicava a Janey onde devia ir cada homem, se a um quarto ou ao vestíbulo para esperar o padre.
Desapareceu um minuto no interior da carroça, depois reapareceu e dirigiu no final a O’Malley.
—Na carroça há dois mortos, cabo! Se ocupe deles?
—Sim, senhor.
Kiernan sentiu náuseas na boca do estômago e correu a outro extremo do quarto para
refrescar o rosto. Depois se sentiu melhor.
Vestiu a toda pressa e desceu correndo a escada. A comoção não diminuiu. Havia homens
coxeando por toda parte e os que ainda estavam inteiros transportavam as macas para o interior.
Kiernan atravessou o enorme vestíbulo e repentinamente ficou paralisada. Não só havia ianques
naquela sala.
Três dos homens que foram transportados usavam cinza.
—Senhora Miller!
Uma voz débil e rouca a chamou. Sentiu o coração na garganta e deslocou a toda pressa
entre as macas e camas para chegar junto ao ferido com uniforme cinza.
Está ferido gravemente, pensou. Havia sangue na lã cinza do uniforme à altura do estômago
e sangue que cobria praticamente toda a perna esquerda. Seu cabelo estava embaraçado e com o
rosto cheio de lama. Ela olhou assustada por um minuto antes de reconhecê-lo.
—T. J.! —Gritou e enlaçou seus dedos com do menino, enquanto o observava angustiada.
Viu que David passava entre os homens com uma terrina de água e chamou.
—David, veem rápido!
Ele obedeceu e ela encheu um copo de água e levantou a cabeça de T. J. para que pudesse
beber. Rasgou um pedaço de baixo de sua blusa para conseguir um pano para limpar o barro do
rosto.
—Oh, T. J.! —Murmurou.
Ele abriu os olhos e a olhou.
—Não permita que me façam em pedaços, senhora Miller. Não deixe que me cravem as
serras.
—T. J. —começou a dizer Kiernan, mas ele tinha fechado os olhos. Respirava muito
fracamente. Pôs a mão sobre o coração e notou que pulsava lenta e imperceptivelmente. Então
suplicou — T. J. não morra!
O rapaz precisava de ajuda e necessitava urgentemente. De repente, T.J. apertou os dedos.
—Deixe senhora Miller. Alguns desses... —parou para umedecer lábios ressecados— alguns
desses médicos ruim ianques vão por aí dizendo que matam a mais rebeldes nas mesas de
operações que os soldados no campo de batalha. Se esquecerem de mim, poderei morrer em paz.

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—Não vai morrer e este médico ruim ianque não é como outros. —Naquele mesmo instante
prometeu— T. J. ele o ajudará. Juro que ajudará.
Kiernan deu uma olhada na sala, desesperada. Ali havia muitos homens e todos pareciam
gravemente feridos. Viu Janey junto a um deles e correu para ela.
—Onde está Jesse?
Janey ficou olhando, assombrada de vê-la ali.
—Janey! Onde está Jesse?
Janey assinalou o escritório.
—Está operando. Agora não poderá falar com você, senhorita Kiernan.
Ela não fez conta, correu ao escritório e irrompeu no interior. Deteve um momento na
soleira, horrorizada. O homem que estava sobre a mesa de operações estava gritando, movia e
revolvia com violência. Jesse gritava para que Tyne o controlasse e tentava administrar uma dose
de morfina.
O soldado já não tinha nem pé nem tornozelo, só uma massa sanguinolenta que não parecia
de carne humana.
—Jesse... —disse em um sussurro.
Ele levantou os olhos, a viu e imediatamente a chamou.
—Kiernan, depressa, eu preciso de você!
—Mas Jesse...
— Eu preciso de você!
No final de um segundo estava junto a ele e o homem mutilado. Jesse deu uma rápida lição
de medicina, mostrou o instrumento que necessitava para a amputação e disse que tinha que
cortar imediatamente o fluxo de sangue e manter limpas as ataduras e as esponjas.
Ela olhou a seu redor. Tinha que ter alguém mais que pudesse ajudar. Estava a ponto de
desmaiar.
Mas não havia ninguém. O cabo O’Malley estava costurando os homens que tinham feridas
leves, Jeremiah ajudava e Janey fazia o que podia no meio do caos do vestíbulo.
—Jesse, não sou capaz de fazer isto — murmurou, mas ele pareceu não ouvi-la. Estava
dizendo a Tyne que utilizasse toda a força de seus braços e de seus ombros para imobilizar o
soldado.
Embora Kiernan não quisesse estar ali, estava. O homem esteve preparado em seguida e
Jesse começou a pedir o instrumento: bisturi, serra e serra para ossos.
Ela fez. Sem saber como, fez. Entregou os instrumentos que pedia e recolheu os objetos
impregnados de sangue quando terminou. Seguiu todas suas ordens e enfaixou a perna justo
debaixo do joelho, onde ele costurou a carne tão cuidadosamente como podia, para que mais
adiante aquele homem tivesse a possibilidade de andar com uma prótese.
Tyne levou a panturrilha amputada.
Então ela acreditou que desmaiaria.
Mas Jesse pediu água a gritos, insistiu em que devia limpar as mãos e depois perguntou
quem era o próximo. Ela recordou que essa era a razão pela qual foi ali.

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—Jesse, aí fora tem um homem muito ferido gravemente. Precisa de ajuda imediatamente.
—O’Malley se encarregará de me trazer o próximo.
—Jesse... —Kiernan deteve. —Jesse é um rebelde.
Ele a observou por um segundo.
—Cabo O’Malley! —Gritou Jesse sem deixar de olhá-la O’Malley, que homem necessita mais
urgentemente de mim?
O’Malley estava dando pontos no vestíbulo, levantou o olhar.
—Acredito que o que está pior é o rebelde. O pior dos que ainda estão vivos, pelo menos.
—Encarregue-se de que o tragam — ordenou Jesse.
Janey se ocupou de que o ferido que acabava de sair da operação tivesse uma cama. Jesse
estendeu um lençol limpo sobre a mesa e, no final de um minuto, O’Malley e um soldado com a
cabeça enfaixada entrava antes de T. J.
—Capitão! —Disse o desconhecido— Por que o rebelde? Dói-me muito a cabeça.
— Eu não tenho dúvida de que dói, soldado Henson. Mas é um ferimento superficial e se
recuperará perfeitamente. Depois me ocuparei de você. —Depois olhou para T. J. —. Este rapaz
morrerá se não me ocupar dele agora mesmo. Embora talvez que morra de qualquer jeito.
—Merece morrer... é um rebelde — respondeu o soldado— Não deveria tentar salvá-lo,
doutor.
—Soldado, quando jurei me dedicar a salvar vidas, não me permitiram fazer distinções
segundo a cor do uniforme que usa um homem. Depois me ocuparei de você e tentar dar algum
tempo para se recuperar da dor de cabeça.
O soldado Henson arqueou a sobrancelha, mas não continuou discutindo com Jesse. Ele se
virou e foi com o cabo O’Malley pisando nos calcanhares .
—Jesse — suspirou Kiernan.
Ele a olhou por cima da mesa.
—Limite a ficar onde está. Não, primeiro lave as mãos e meu instrumental. Segue assim.
Você está indo muito bem.
Jesse começou a ocupar-se de T. J. Tyne ajudou a rasgar o uniforme que cobria as feridas.
Primeiro passou a esponja, limpou o estômago e depois voltou a pedir coisas a ela: um escalpelo e
depois uma sonda. Kiernan apertou os dentes com força, enquanto ele procurava entre a carne
destroçada fragmentos metálicos. Ele parecia satisfeito. Então pediu um bisturi, uma agulha e fio
de sutura. Enquanto ela permanecia ali em silêncio, ele começou a costurar. Ela baixou a cabeça e
então notou que a olhava com seus olhos azuis e inquisitivos.
— Você vai desmaiar?
—Já teria desmaiado faz tempo — espetou-a.
Jesse sorriu e voltou para seu trabalho. Ordenou que tirassem as calças de T. J. para poder
chegar à perna.
—Jesus — murmurou— Eu não sei se ...
T. J. escolheu aquele momento para despertar de seu torpor induzido. Agarrou o punho de
Jesse com a mão e tanto ele como Kiernan ficaram olhando o rosto macilento do soldado.

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—Doutor, não me corte.


—Soldado, não sei...
T. J. desesperadamente lutado para manter consciente.
—Doutor, me dispararam no estômago. Nem sequer você sabe se sobreviverei.
—Rebelde, a bala não foi tão profundo. Não tem nenhum órgão afetado. Pude extrair os
estilhaços. Não posso assegurar que sobreviva a algo assim, mas soldado deveria...
—Por Deus bendito, doutor, não me corte a perna! Suplico que não a corte. Senhora Miller,
não deixe!
Jesse olhou Kiernan por cima da mesa.
—Por favor — sussurrou ela.
Jesse encolheu os ombros.
—Tudo bem, rebelde, tentarei.
T. J. voltou a ficar inconsciente. Depositou sua confiança em Kiernan e rendeu-se à morfina.
—Tyne — ordenou Jesse— segura forte. Kiernan acabemos de baixar as calças.
Começaram a cuidar da perna. T. J. gritou quando a sonda tocou a pele. Pela primeira vez e
logo ficou em silêncio. Jesse também esteve calado enquanto trabalhava. Kiernan respondia
instantaneamente quando pedia os bisturis e esponjas; depois a sonda; depois um escalpelo e
depois outra sonda.
Parecia que não terminaria nunca. A esponja empapava de sangue uma e outra vez. Kiernan
mordia o lábio inferior, mas não fraquejou.
Quando chegou o momento, Jesse costurou e limpou o sangue uma última vez; depois,
envolveu a perna com uma atadura branca e limpa. Kiernan observava suas mãos enquanto ele
trabalhava; observava sua mestria. Movia com segurança, com eficácia, com habilidade e
decisão... mas havia algo mais: inclusive seu gesto mais decidido era compassivo e delicado.
Terminou com T. J. e finalmente ordenou que limpassem os ombros e o rosto do ferido.
Kiernan o cobriu com um lençol limpo. Jesse inclinou-se sobre o rebelde pela última vez.
—Ele viverá? —Sussurrou Kiernan.
—Agora respira — disse Jesse— Como disse a ele, não posso prometer nada a ninguém.
Kiernan assentiu. Jesse continuou olhando-a.
—É seu amigo?
—Sim.
Ele seguia olhando-a e ela sentiu que o rubor cobria suas faces.
— É apenas um amigo.
Jesse torceu ligeiramente o lábio sem que seus olhos separassem dela.
—Não pretendia insinuar nada, senhora Miller.
Ele virou-se antes que ela pudesse responder e gritou O'Malley, para que se ocupasse de
instalar comodamente o rebelde em uma sala e trouxesse o próximo paciente.
Então olhou para Kiernan.
— Você vai ficar?
Ela se sentia incapaz de suportar mais sangue, mais gritos. Nunca teve intenção de entrar ali.

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Mas ficou.
Descobriu que os ianques eram homens que também podiam estar destroçados, desfeitos,
feridos, que sangravam e angustiavam. Eram homens com famílias, mães, pais, irmãos, irmãs e
amantes. Eram homens que podiam voltar e matar mais rebeldes. Mas naquele momento,
estavam feridos. Jesse não hesitou em tratar de um rebelde. Ele tinha jurado salvar vidas e isso foi
o que ele fez.
Ela estava ali agora. Ajudaria.
— Eu vou ficar — disse com voz rouca.
Ele a olhou um momento.
—Bem — disse simplesmente— Isso me ajudará.
Ele olhou para Tyne.
—É boa, não é?
Tyne, que não havia dito uma palavra enquanto trabalhavam juntos, sorriu.
—É muito boa. —dirigiu-se a Kiernan— A semana passada tivemos três homens, e todos eles
caíram no chão. Você já fez muito melhor do que eles.
O dia ainda não terminou, pensou Kiernan. Ainda podia cair desmaiada.
Não, disse. Não desmaiaria diante de Jesse.
As horas foram passando e sobreviveu. Descobriu que compenetrava com Jesse. Em seguida
sabia o que precisava e quando. Não trocaram palavras enquanto trabalhavam e o tempo passou
muito depressa.
Os ianques chegaram e se foram. Atenderam os outros soldados rebeldes. Suas feridas eram
muito leves. Um último paciente entrou na sala de operações e depois saiu.
Tyne saiu com os lençóis manchados de sangue. Jesse lavou as mãos e Kiernan se deixou cair
na enorme cadeira giratória do escritório de Andrew Miller; estava exausta.
— Como você está?—Perguntou Jesse.
Ela sentiu seu olhar, mas estava muito cansada para pensar em nada. Sentia algo mais além
da fadiga. Sentia uma alegria estranha. Aquele dia foi importante para ela, foi muito importante.
Trabalhou até a extenuação, mas fez bem o trabalho.
Embora tivesse salvado ianques.
Compreendia até certo ponto o que Jesse devia sentir como médico. A vida... a vida
humana... era sagrada.
Não importava a cor do uniforme que usasse um homem.
—Estou bem — disse ela baixinho.
— Você tem certeza?—Inquiriu ele em um tom também muito leve.
Aproximou até onde estava sentada e inclinou sobre ela com as mãos apoiadas nos braços
da cadeira.
Kiernan sorriu.
—Estou cansada. Acredito que nunca em minha vida estive tanto.
Jesse assentiu, olhando com olhos que pareceram mais azuis que nunca.
—Foi um dia diabolicamente duro. Nunca deveria ter visto nem a metade do que viu hoje.

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Não, não deveria ter visto partes masculinas nuas, nem deveria ter visto a sujeira e o sangue.
Ela foi educada para ser uma dama, e em outro tempo teria desmaiado só de pensar.
Mas o tempo tinha o poder de mudar as coisas.
—Estou bem, de verdade — disse. Procurou seus olhos— Inclusive me sinto... bem. É
estranho, não acha?
Ele moveu a cabeça, sorrindo.
—Salvar vidas é bom, é muito bom. E eu gosto que que você se sinta bem. —De repente
ficou tenso— Mas hoje tivemos sorte. Não perdemos nenhum.
—Perde pacientes frequentemente, Jesse?
—Bastante frequentemente. Os canhões, os rifles e as baionetas são feitas para matar e
conseguem bastante frequentemente.
Kiernan ficou em silêncio. Ele estava certo. Estava contente porque não teve que sentir que
uma vida escapava entre os dedos.
—Devo fazer a ronda e ver como se encontram nossos pacientes. Beba algo forte e vá para
cama. Você vai estar ainda melhor.
Jesse saiu. Ela começou a cochilar na cadeira, mas então ouviu uma voz suave e relaxante,
era Janey.
—Moça, você está destroçada. Venha para cozinha, prepararei um banho quente. E canja de
galinha. Foi um longo dia. Sim senhor, um dia muito comprido.
Kiernan deixou que a conduzisse à cozinha. Uma vez nua, inundou-se no banho quente e
pareceu que estava no paraíso.
O sabão nunca cheirou tão bem. A água nunca a envolveu tão docemente e o calor nunca
acariciou seu corpo com tanta suavidade. Suspirou e relaxou. Quando saiu, Janey tinha uma toalha
preparada, uma canja e um bom brandy. Kiernan apurou ambas as coisas.
—Fez-lhe realmente bem — disse Janey.
—Sim, fez muito bem, senhorita Kiernan. Muito bem. Agora vá para cama, ou amanhã se
arrependerá.
Kiernan sabia que tinha razão. Meio adormecida, agradeceu e abraçou Janey. Envolveu na
bata de flanela e saiu da cozinha.
Os homens que ocupavam as macas do enorme vestíbulo estavam em silencio naquele
momento. A casa estava silenciosa. Já era muito tarde. Kiernan passou sigilosamente entre eles e
se dirigiu para a escada.
—Boa noite, senhora Miller — disse o cabo O’Malley.
Ela acenou e subiu correndo os degraus.
Quando chegou em cima lembrou repentinamente de T. J. Não sabia para aonde o levaram,
mas estava junto à sala que foi o quarto de Anthony e apressou a entrar.
Estava na penumbra e os homens pareciam dormir. Ouviu um suave gemido, mas quando
aproximou nas pontas dos pés da cama de armar de onde saia o som, viu que seu ocupante estava
dormindo. Virou-se e dispôs a sair novamente nas pontas dos pés.
—Senhora Miller! —Chamou em voz baixa alguns ianques que estavam há um tempo ali.

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—Sim?
—Procura os rebeldes?
—Sim.
—Estão no piso de baixo, na quarto do menino. Ele se deitou com sua irmã. O doutor
precisava de espaço e garoto não se importou. Nem à menina.
—Obrigado — disse Kiernan.
Saiu correndo e desceu o corredor. Abriu a porta do quarto de Jacob e o que viu a fez
retroceder.
Jesse estava inclinado sobre um dos rebeldes. Ela se virou para sair, mas ele disse baixinho:
—Entra Kiernan.
Não podia tê-la visto na escuridão, mas ela entrou e fechou a porta. Apoiou nela por um
momento e Jesse indicou que aproximasse.
Estava examinando T. J.
T. J. estava imóvel. Com os olhos fechados, tão imóvel como estivesse...
Morto.
—Oh, Deus! —Exclamou ela.
Jesse a olhou sobressaltado e depois negou com a cabeça sorrindo.
—Está se recuperando muito bem, Kiernan.
—Oh! —Ela sentiu desfalecer, mas agora não podia desmaiar; era impossível depois de tudo
o que suportou aquele dia.
—Está dormindo profundamente.
—E a perna?
—O tempo dirá.
Ela assentiu e cravou as unhas nas mãos para lutar contra o enjoo que sentia. Queria dizer
que estava agradecida, mas de repente teve medo de falar. Rapidamente virou-se.
—Boa noite, Jesse — disse com pressa.
—Boa noite.
Logo Kiernan foi ver os meninos. Dormiam tranquilamente, juntos e aconchegados na cama
de Patrícia.
Voltou para seu quarto e pareceu que passou séculos desde que saiu dali, mas na realidade
foi nessa manhã.
Olhou a lua durante um momento e depois deslizou sob os lençóis. Estava tão exausta que
deveria ter dormido em seguida.
Mas não conseguiu conciliar o sono. Não podia deixar de pensar naquele dia tão longo.
E em Jesse.
Tentou dormir com todas suas forças. Tentou recordar o rosto de Anthony, que ela era sua
viúva e que aquela era sua casa.
Mas só conseguia ver Jesse.
Levantou, saiu do quarto sem fazer ruído e percorreu com toda pressa o pequeno lance de
corredor até o quarto dele. Sem sequer se atrever a pensar no que estava fazendo, abriu, entrou

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no dormitório e fechou a porta a suas costas.


Jesse estava na cama.
Mas não dormia; ainda não dormiu. Ele estava sentado com os ombros e peito nus. Tinha os
dedos entrelaçados atrás da cabeça e estava apoiado na estilizada cabeceira de carvalho daquela
cama enorme. Entre a escuridão e as sombras e com os olhos fixos nela. No interior do quarto a
pálida luz da lua dançava. Acariciava os ombros e o torso de Jesse, dando um brilho de bronze.
Mas não iluminava suas feições nem revelava nenhuma das emoções que havia em seus olhos.
—Bem, senhora Miller — disse suavemente— O que faz aqui?
Ela separou da soleira e cruzou o quarto até chegar junto à cama.
— Eu queria que você soubesse que eu aprecio muito o que fez por T. J.
Ele estendeu um braço para ela, com a palma da mão para cima para que ela a pegasse. Ela
hesitou, mas depois a pegou.
De repente encontrou a seu lado e, sem que se desse conta, seus braços a rodearam e rolou
na grande cama de casal. Ficou estendida no travesseiro que estava junto a Jesse, enquanto ele se
colocava por cima e ele gentilmente correu os dedos pelos cabelos.
—E eu quero que saiba —disse com voz rouca— que teria tentado salvar embora não tivesse
pedido isso.
Olhou-a espectadora. De repente ela sentiu que a envolvia de calor doce e abrasador. Soube
por que foi e o que queria ali. Contemplou aqueles olhos azuis que naquele momento estavam
cravados nela. Aqueles olhos que continham tanta humanidade e tanta sabedoria. Os olhos de um
homem cuja dimensão interior fazia com que fosse impossível rejeitar.
—Não há motivo para que esteja agradecida — disse Jesse com severidade.
Apesar do tom de sua voz, ela sorriu. Passou os braços ao redor de seu pescoço.
—Não estou tão agradecida — murmurou— Bom, quero dizer que estou agradecida, mas
que não estou aqui só por isso.
—Então?
—Estou aqui por que...
—Por quê?
—Porque quero que me abrace.
Devolveu o sorriso, devagar. A luz da lua passeou por suas feições curtidas e iluminou seu
leve e sensual sorriso.
—Com muito gosto — sussurrou ele.
Rodeou-a com seus braços e a beijou.

Capítulo 19

Se o sabor de seu beijo foi agridoce, ficou compensado pelo êxtase de voltar a sentir seu
abraço. Passou tantas noites sem dormir, torturada pela lembrança, recordou tantas vezes quando
ele estava longe...
A guerra ainda estava rugindo e seguiria fazendo no dia seguinte.

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Mas, para Kiernan, essa noite deteria.


Seus lábios beijavam ardentes, insaciáveis. Sentiu o profundo estremecimento de Jesse, que
lutava para dar rédea solta à paixão que ascendeu entre eles. Aquele desejo a comoveu mais que
nenhum afrodisíaco, provocou explosões e línguas de fogo que varreram sua pele e suas
extremidades.
Ela devolveu o beijo e procurou com ânsia o ardor de sua língua; ofegou e buscou de novo
uma e outra vez quando ele afastou para rodear os lábios, circundá-lo com a ponta da língua
eroticamente, lentamente, em seguida, cobriu a boca com a sua e voltou a separar.
Passeou a língua por sua garganta e deslizou suavemente sobre ela.
Kiernan gemeu e fechou os olhos quando ouviu o tecido ceder, com um só movimento ele
rasgou a camisola, que abriu para mostrar toda sua nudez.
Ela não abriu os olhos, porque sentiu de novo aquela suave e ardente carícia de seus beijos e
de sua língua. Deslizou de volta a sua clavícula, desenhou uma linha quente e úmida entre seus
seios e brincou sensualmente sobre aquele vale. Seus seios ansiavam por sua carícia, para que os
lambesse e os acariciasse com a força de sua boca. Mas ele não os tocou.
Seguiu deslizando sua língua ardente para o abdômen. Ela tremeu ligeiramente, pois sentia
frio quando a boca de Jesse não acariciava. Mas não podia mover; só podia ficar imóvel,
mergulhada no maior e mais doce dos prazeres.
Jesse movia a boca sobre seu ventre e sua língua entrou na cavidade de seu umbigo e parou
de tocar e dançar. De repente, Kiernan percebeu que ele sussurrava agarrado a sua pele, um
sussurro que dizia que seu aroma era doce; seu sabor, maravilhoso. O perfume de lilás do banho
que tomou seguia flutuando sobre sua pele, cativando seus sentidos.
Depois ficou calado, e a perturbadora e quente viagem de sua língua foi ainda mais abaixo.
Mais abaixo, até que ela acreditou que gritaria. Todo seu corpo despertou de uma vez, frio e
fervendo. Foi como se uma tempestade agônica, suave e faminta a dominasse; o desejo, a
consciência, o desejo.
De repente, aquela umidade cálida e abrasadora apoderou do mais profundo de suas
vísceras. Foi uma invasão muito doce, que provocou em seu interior a explosão de uma
estremecedora sensação. Um grito que nasceu e acariciou seus lábios, mas não escapou.
Repentinamente, ele estava sobre ela a rodeando com seus braços, e seus lábios eram
quentes, ofegantes e moldavam os seus, mitigando qualquer grito de êxtase que pudesse escapar
Seu corpo de bronze, duro e brilhante se apertava contra ela, tenso, como se quisesse fundir com
ele. Sem deixar de olhá-la, colocou sobre ela enquanto seu corpo começava a penetrar de uma
maneira fascinante, mais e mais para dentro.
Um leve murmúrio de desespero rasgou os lábios de Kiernan, que afundou o rosto no
pescoço de Jesse e apertou mais e mais forte contra ele, arqueando, revolvendo, sentindo por
todo o corpo, por dentro e por fora. Ele ia devagar, atormentadoramente devagar; apertava as
costas e a olhava de novo, enquanto movia junto a ela como se a queimasse por dentro, até que
chegou ao útero, ao coração, à alma.
Então abandonou perversamente aquele ritmo lento. Mesmo na escuridão, ela notou que a

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olhava com o fulgor de seus olhos azuis e com um sorriso tão malicioso como a tormenta que
prometia. De repente, Jesse se converteu em uma tempestade, em um tornado. Movia como um
raio e a arrastava com sua cadência. Soprava a brisa da noite, mas ela sentia um calor abrasador.
Quente e escorregadia se agarrou a ele, saboreando, beijando seus lábios, seus ombros e outra
vez seus lábios. Alcançou algo que inclusive então não compreendeu. Algo intangível, esquivo, tão
selvagem como a terra nua, tão poético como as nuvens na abóbada celeste. Coisas que a
maravilhavam e a fez desejar mais. Porque era magnífico para ser abraçada daquele modo e
porque ela havia chegado a um esplendor ainda maior.
Logo, Jesse ficou quase imóvel, rígido e tenso. Moveu devagar, muito devagar e depois com
surpreendente rapidez voltou a acariciar as vísceras. Retirou e a encheu uma vez mais,
bruscamente. Novamente, Kiernan estava prestes a gritar. Mas os lábios de Jesse estavam ali,
beijando; seduziu sua boca com a língua para roubar aquele som, enquanto a flecha palpitante de
seu corpo movia dentro dela com tanta força e ardor como o aço líquido. Afundou uma vez,
profunda, prolongada, lentamente e permaneceu ali.
Tudo aquilo que Kiernan desejou caiu sobre ela como uma cascata. Invadiram enormes
ondas de sensações, como torvelinhos que morriam nela. O líquido quente úmido e doce que a
enchia entrou em seu interior e provocou uma nova sensação de êxtase e um estremecimento
que a dominou.
Aquele tremor durou alguns instantes longos, muito longos.
Finalmente, Kiernan sentiu o rápido movimento com que ele retirou, notou o rastro
escorregadio e úmido de sua paixão compartilhada sobre o ventre e as coxas, enquanto ele
tombava a seu lado e a envolvia com seu abraço.
Então notou o frio da brisa no quarto sobre sua pele nua. Tremeu violentamente e ele a
atraiu ainda mais, outra vez, e cobriu seus corpos com o lençol.
As sombras e a luz da lua pareciam ressaltar os pequenos objetos do quarto. A mesa de
Andrew Miller, a cabeceira de sua cama, as janelas com vistas para o campo. Eram de Andrew
Miller. Um dia teriam sido de Anthony.
E dela.
Mas essa noite estava ali, deitada com Jesse.
—Oh, Deus!—Exclamou de repente.
— O que acontece?—Perguntou Jesse.
— Eu tenho que ir.
Tentou levantar, mas suas mãos a estreitaram com mais força.
—Por quê?
Estava imobilizada. Jesse apoiava o joelho em suas coxas e a rodeava com um braço. Não
tinha intenção de deixá-la ir.
—Jesse...
—Por quê? Como pode dizer isto agora, depois de todas as coisas que acabamos de
compartilhar? —Foi uma pergunta carregada de ira. Tinha as feições tensas e a mandíbula escura.
Kiernan tratou de começar a falar.

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— Temos de esquecer isso.


Foram umas palavras desacertadas. Ele saltou em cima dela e a acariciou.
—Senhora Miller, eu prometo que nunca vou esquecer. Nunca vou esquecer o toque da sua
pele nem seu sabor. Nem o sabor e a textura de seu seio em minha boca, o toque de sua língua
contra a minha, o aroma de seu sabão, seu aroma de mulher. Prometo que nunca esquecerei sua
forma de mover quando está junto a mim. —Passou seus dedos suavemente sobre o brilho do
ombro— Não esquecerei nada absolutamente, senhora Miller. Não esquecerei seus olhos, não
esquecerei que estive entre suas coxas, não esquecerei o sabor...
— Jesse, Basta!—Disse ela quase gritando.
—O quê? Está bem fazer, mas não falar disso? —Perguntou— Ou é algo mais profundo?
—Jesse, eu sou viúva! —Ela o recordou, desesperada.
Ele afrouxou o abraço e depois voltou a esticar.
—Muito bem, senhora Miller. É viúva. Mas ele não pôde ter lhe dado o que te dei. Maldição
Kiernan, você veio para mim! Não seja hipócrita. Pare de renegar!!
—Eu não renego você! —Jesse teve que afrouxar um pouco porque ela tremia de fúria ―
Como poderia fazer? Você me teve quando devia ter sido dele! Teve primeiro, em sua
propriedade, quando devia ter sido sua noiva. E agora, quando sou sua viúva... nesta casa, Jesse!
Ele a soltou-a.
—Deus! Estou em desvantagem frente a um morto. Estou lutando contra um fantasma!
—Esta é sua casa, Jesse!
—Então se fazemos sobre um fardo de feno no celeiro estará bem!
—Não, é seu celeiro, sua família...
—Você nunca esteve apaixonada por ele! —Explodiu Jesse.
—Chis! —Kiernan apertou os lábios com os dedos, muito nervosa. Ele estava rígido de raiva
— Por favor, Jesse.
Ele ficou, mas com a mandíbula ainda muito tensa e as extremidades escuras. A rigidez de
seu corpo chegava até ela, transformada em um calor comparável à dos raios do sol.
— Jesse, tenho que ir!—Kiernan tentou cobrir com os restos da camisola, mas novamente
ele colocou seu braço para cima e a reteve.
—Me olhe — disse.
Ela encontrou o azul esmagador de seus olhos.
—Admita diante de mim que você nunca foi apaixonada por Anthony.
—Jesse...
—Admita!
— Você está me machucando!
— E eu posso fazer mais!
—Maldito! —As lágrimas ardiam em seus olhos— Tudo bem. Já sabe que nunca estive
apaixonada por ele. Por que precisa que eu diga isso?
—Por que finge que havia algo entre vocês? — Ele ainda estava segurando ela, com raiva.—
Mentiu para ele nesta cama? É isso que de repente a fez sentir culpada?

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—Não é assunto seu, Jesse.


—Sim é! Estou fazendo que o seja!
—Jesse...
—Você não o amava. Por que diabos se casou com ele?
—Porque ele não era um ianque! —ela espetou, de repente estava tão furiosa como ele.
Ele deixou de retê-la. Kiernan escapou, rolou sobre si mesmo e ficou de pé. Arrumou a
camisola, olhou fixamente e repetiu.
—Anthony nunca foi um ianque!
Ela se virou para sair, mas ele não permitiu. Em um segundo levantou, nu e ameaçador.
Agarrou os dois braços e a atraiu de novo para ele a rastros.
—Não, ele nunca foi um ianque. Nem nunca foi o homem certo para você. E agora está
morto, Kiernan. Eu não o queria morto, mas está. Centenas de homens morreram. Talvez milhares
a esta altura... quem sabe. Mas não finja que estava apaixonada por ele. Comigo não!
—Talvez você pode possuir esta casa — desafiou Kiernan com um murmúrio veemente—
mas não pode possuir sua viúva! Não deixarei, juro que não deixarei!
Tentou liberar, mas ele a agarrou muito forte com dedos que puxaram os punhos quando ela
virou. De repente ficou quieta e viu seu olhar zombador.
—Já fiz — recordou.
—Solte-me capitão Cameron!
—Não! —Jesse estava muito sério— Ouça, Kiernan. Eu apreciava Anthony. Essa é uma das
razões pelas quais vim aqui. Sei o que é o sentimento de culpa. Pensei que pelo menos podia
salvar sua casa, sua família... fazer algo por ele. E o fiz, Kiernan, até hoje pelo menos. talvez a
guerra seja longa, muito longa. Você também fez o que devia. Jacob e Patrícia precisam de você.
Você deu-lhes amor e cuidados, e Anthony se sentiria orgulhoso e satisfeito.
—Estaria muito orgulhoso e satisfeito se entrasse aqui e me encontrasse na cama com você,
não é? —Inquiriu ela com uma faísca de ironia, fixando nele seus deslumbrantes olhos e jogando
atrás para cabeça.
— Você veio para mim — recordou-o em tom cortante.
Um intenso rubor cobriu suas faces.
—Jesse, deixe-me passar.
—Não! Não até você admitir que nunca teve com elo o que teve comigo. Isso é algo que a
culpa não pode mudar! E a culpa já não pode manter-me afastado de você, Kiernan.
—Jesse...
— Diga-me!
—Ianque filho de cadela! Não, nunca tive com Anthony nada parecido ao que tenho contigo.
Eu nunca tive nada absolutamente com ele! Casou-se e deixou-me naquela noite.
—O quê? —Perguntou ele, incrédulo.
—Já ouviu! Agora me deixe...
Ele a atraiu e começou a beijá-la, foi um beijo intenso e fascinante. Ela resistiu e tentou
liberar os lábios, os braços. Mas não conseguiu; subitamente, ele afastou a cabeça.

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—Me diga que nunca voltará a me desejar, Kiernan.


—Quer me soltar, por favor? —Ela tentou por todos os meios dar um chute naquele
precioso corpo nu que tinha diante. De repente estava muito decidida e desesperada.
Mas ele esquivou todos seus golpes; depois a obrigou a virar-se e a atraiu com força para
seu corpo.
—Diga-me Kiernan.
Aquele som de sua voz, o quente sussurro que roçava a orelha e a garganta... Embora
odiasse, sentiu outra vez que o doce fogo do desejo ardia que seu interior. Os dedos de Jesse
acariciaram seus seios e suas mãos desceram por seu corpo enquanto a retinha agarrada a ele.
—Jesse...
Ela se revolveu entre seus braços e tentou chutar os pés, mas só conseguiu perder o pouco
que restava de sua camisola rasgada..
—Oh, se cale, Kiernan! —Ele disse com uma risada gutural.
Agarrou o braço dela enquanto ela o olhava alarmada e com os olhos arregalados, levantou-
a e jogou-a na cama, completamente nua.
Então ela entreabriu os olhos, furiosa.
—Jesse, é...
Ele lançou sobre ela e a beijou nos lábios.
Kiernan resistiu, mas o ardor daquele beijo era irresistível. Uma sensação lânguida e doce a
invadiu lentamente. Acariciou o cabelo de Jesse e ao sentir seu toque percebeu as mãos livres.
Estava livre.
Mas então já não queria ir. Queria o que ele lhe deu.
Fez amor pela segunda vez essa noite e ela, a sua vez fez amor a ele.
Mais tarde, despertou aconchegada entre os braços de Jesse e seu sexo como um estilete
contra as nádegas. Fez amor nessa posição e quando terminou, voltou a adormecer feliz de sentir
seu abraço.
Kiernan continuava em guerra... em guerra com Jesse.
Mas naquele momento estava muito cansada para lutar.

Kiernan acordou quando a luz do amanhecer entrou pelas janelas, E se angustiou. Ele seguia
abraçando-a, por isso ela suplicou:
—Jesse, agora tenho que ir ..., as crianças.
Os olhos dele refletiram certa emoção. Kiernan soube que compreendia. Soltou-a.
—Sua camisola — começou a dizer em um tom quase de desculpa.
—Está rasgada. Mas porei um lençol — disse enquanto envolvia rapidamente em um. Rezou
para não encontrar ninguém no corredor e correu para a porta.
—Kiernan!
Ela se virou. Jesse tinha o cabelo revolto, seus ombros bronzeados contrastavam com a
brancura dos lençóis e seus olhos estavam muito azuis.
Ela perguntou se algum dia deixaria de ama-lo.

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—Jesse, eu tenho que ir.


—Kiernan, quero que se case comigo.
—Não posso me casar com você, Jesse!
—Por que diabos não pode? —Perguntou irritado.
—É um ianque! Não me casei contigo porque é um ianque. E não farei agora pela mesma
razão. Você não entende?—Por que sempre conseguia levá-la a beira das lágrimas?— Nunca me
casarei com você, Jesse! Nunca!
Ela se virou e fugiu de seu quarto quase sem tomar precauções, rezando para não encontrar
com ninguém.
O corredor estava deserto. Ouviu ruídos na sala, a jornada do hospital estava começando.
Sentou em sua cama, tremendo, abraçada ao lençol. Contemplou o amanhecer que irrompia
através de sua janela. Seria um dia bonito.
Ninguém, ninguém além dela ou de Jesse saberia que passaram a noite juntos.
Mas como sobreviveria desejando, amando, tendo tão perto, sabendo que estava do outro
lado da porta?
E sabendo também que tinha que deixar de vê-lo. Esteve ali sentada atormentando durante
muito tempo, mas no final suas reflexões não teriam importância. Outros se ocupariam disso.
Ao anoitecer, Jesse iria receber novas ordens. Ordens para mudar.

Kiernan lavou, vestiu e começou a perambular pelas salas cheias de soldados feridos. O cabo
O’Malley estava muito contente porque durante a noite não houve nenhuma baixa.
—Claro que nenhum deles está totalmente fora de perigo, mas viver é um maldito bom
sinal, desculpa minha linguagem. Não parece, senhora Miller?
—Oh, não se preocupe. Acostumei a perdoar coisas piores — tranquilizou Kiernan.
—Inclusive o rebelde está melhor. Mas se o mandam para um campo de prisioneiros... Ah,
perdoe outra vez. Sempre esqueço qual é seu lado, senhora Miller. Mas você é tão boa conosco...
Há alguns rapazes que dizem que é uma espiã, mas eu sei reconhecer a autêntica compaixão
quando a vejo e isso é o que você sente por eles, isso é o que sente.
Compaixão autêntica? “Mas eu espionei”, quis gritar.
Não importava. Provavelmente, O’Malley precisava ter ilusões e talvez Kiernan fosse uma
delas.
—Obrigada, cabo. Mas sou uma confederada —disse— e acredito que esta manhã irei ver os
rebeldes.
Sorriu e baixou correndo o vestíbulo. T. J. estava acordado; sentado na cama. Patrícia, já
levantada e em marcha, estava sentada em um tamborete ao lado do soldado, escrevendo uma
carta em seu nome. Sorriu para Kiernan de orelha a orelha.
—Kiernan, ontem me disseram que possivelmente T. J. morreria, mas olhe. Está muito bem!
O olhar do rapaz encontrou com o de Kiernan. Ambos sabiam que era muito cedo para ser
tão otimista.
—Me alegro de que esteja melhor — disse ela, aproximou da cama, molhou um pano em

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água fria e o pôs sobre a testa dele. Não tinha febre. Ela sabia que aquilo também era um bom
sinal.
T. J. roçou sua mão com afeto.
—Você me salvou a perna.
—T. J., é cedo para estar tão seguro. Não deveria...
—Olhe!
Estava muito emocionado para dar conta de que não devia mostrar suas partes masculinas a
uma dama e a uma jovenzinha, embora aquela dama tivesse presenciado coisas muito piores.
Afastou o lençol para que ela pudesse ver a perna e Kiernan ficou atônita. Os pontos tinham muito
bom aspecto. Não havia inchaço e não perdeu a cor. Recordou Jesse trabalhando nela no dia
anterior e sentiu que a embargava um estranho tremor. Era muito, muito bom.
—Mesmo assim — advertiu— sabe que a infecção pode aparecer nos próximos dias.
Ele assentiu. Os dedos tremiam e para mantê-los quietos enlaçou as mãos e as apoiou sobre
o regaço.
—Quis morrer — confessou— Quando me dava conta que os ianques me pegaram, deu
tanto medo que um maldito médico ruim ianque pudesse me fazer que quisesse morrer. Mas ele é
bom. Diabos é brilhante.
—Sim, é muito bom.
—Lástima que seja um ianque.
—Isso dizia meu irmão a respeito de Jesse — acrescentou despreocupadamente Patrícia
enquanto olhava a esferográfica—. Claro, não deveria ser.
T. J. pareceu surpreender e dirigiu o olhar de Kiernan a Patrícia.
—Parece como se conhecessem há tempos.
—Sim. Estivemos em sua casa muitas vezes e, antes da guerra Jesse era muito bem recebido
aqui. Então não precisava ocupar a casa. Eu gosto de Jesse — disse a garota com entusiasmo, e
logo retificou— Bom, tudo o que se pode gostar de um ianque.
T. J. sorriu.
—Não se preocupe Patrícia. Talvez não goste de uma palavra, mas pode gostar de uma
pessoa, um homem. Não há nada mau nisso.
A menina dirigiu um olhar de preocupação a T. J. e depois para Kiernan, confiando que
aquilo fosse correto.
—Eles teriam incendiado a casa de meu pai se não fosse por ele. No princípio, Jacob
minimizou a importância disso, mas agora ele gosta de Jesse. Embora nós não o conhecêssemos
tão bem como Kiernan.
T. J. perfurou Kiernan com o olhar. Ela soube que, em segundos, o soldado entendeu qual
era sua relação com Jesse.
Mas não diria nada.
Um dos outros homens virou e pediu água com um leve grunhido. Patrícia saltou da cadeira.
Kiernan inclinou sobre T. J.
—A guerra é estranha, não é? —disse em voz baixa— estive tentando fazer chegar uma

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informação sobre uma incursão das tropas da União no vale.


T. J. fechou os olhos e falou com voz cansada.
—Sempre há alguém perto do carvalho. Para mim a guerra terminou. Suponho que passarei
para um campo de prisioneiros.
—Talvez não.
Aquelas palavras pronunciadas por uma voz masculina a suas costas provocaram um
estremecimento na espinha de Kiernan.
Não tinha nem a menor ideia do momento que Jesse estava ali. O suficiente para ter ouvido
o que acabava de dizer a T. J.?
Ela se virou. Ele a olhou com olhos inflamados, mas tinha ido ver a T. J. Afastou o lençol,
examinou a perna e depois a ferida do estômago. Ele parecia satisfeito e voltou a cobrir seu
paciente.
—Teria gostado de ter mais tempo —murmurou— muito mais tempo. Mas me ordenaram
voltar para Washington.
Sobressaltada, Kiernan olhou-o fixamente. Justo aquela manhã esteve rezando para
encontrar o modo...
Mas esse não era. Os pacientes ianques não teriam problemas. Mudariam para Washington,
com todo cuidado. Mas o que aconteceria com T. J. e com os outros dois?
Um campo de prisioneiros significava a morte para T. J.
Aonde iria Jesse?
—Por Deus, doutor — disse o soldado— Nesse inferno não terei a menor possibilidade!
Jesse ficou calado, meditando.
—Já veremos soldado — disse finalmente.
Saudou Kiernan e saiu da sala.
Durante o dia ela tentou ver Jesse a sós. Estava mais que disposta a suplicar para salvar T. J.
Mas nem sequer pôde aproximar, porque ele esteve imerso em uma atividade frenética.
Chegou as carroças para recolher seus pacientes e tinha que se ocupar de que todos viajassem da
forma mais confortável possível; de enfaixá-los e instalá-los nas macas para uma viagem através
do rio.
O cabo O’Malley explicou a Kiernan as razões daquela pressa repentina.
Naquele momento, a zona não pertencia a ninguém na realidade, nem aos rebeldes nem aos
ianques. Os franco-atiradores e as batalhas estavam à ordem do dia. Mas através dos espiões que
trabalhavam para um homem chamado Pinkerton, que estava organizando uma coisa chamada o
Serviço Secreto, chegou até Washington o rumor de que Stonewall Jackson ia irromper nas
proximidades com um importante movimento de tropas.
Jesse era muito necessário para a União, porque sabia como manter os homens com vida. As
novas ordens significavam que ia ser promovido a coronel.
Não havia forma de falar com ele. Cada vez que Kiernan conseguia aproximar de Jesse,
imediatamente começava a trabalhar nos preparativos para a transferência de pacientes.
imediatamente a punha a trabalhar nos preparativos para o traslado dos pacientes. Não importava

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dedicar a isso. No dia anterior ajudou a costurar à maioria dos feridos e se preocupava com eles.
Esteve trabalhando até tarde da noite sem ter sido capaz de falar com Jesse. Já era meia-
noite quando colocaram o último dos feridos ianques na carroça que os levaria de volta a
Washington.
Agora, a casa parecia vazia.
Patrícia e Jacob tinham adormecido nos degraus da varanda da frente e já fazia um
momento que Jeremiah e Tyne os subiu para cama. Depois de instalar a último soldado em sua
maca, Jeremiah também foi para seu barracão para descansar, Tyne e o cabo O’Malley seguiam
com os rebeldes e Janey estava na cozinha.
Sozinha no enorme vestíbulo, Kiernan contemplava e escutava o som do silêncio.
Ouviu um leve ruído e virou-se. Jesse, com seu uniforme azul, estava apoiado na soleira do
que foi seu consultório, olhando-a.
— Você deve estar muito feliz.
Ela encolheu os ombros. Não estava contente absolutamente.
— Eu acho que não posso forçá-la a deixar a área, certo? Suponho
Ela negou com a cabeça.
—Os rebeldes não me farão mal — murmurou.
—Pessoalmente, não acredito que os rebeldes venham logo. Têm outras coisas que fazer —
disse Jesse com franqueza— São os desertores e os vagabundos desertores que me preocupam.
Ela sorriu.
—Já estiveram aqui antes e nos arrumamos isso. Bom — deteve— de fato foi T. J. quem me
liberou deles. Mas agora estou preparada. Tenho boa pontaria e Jacob também.
—Disse ao general Banks que possivelmente necessite da casa de novo. Ele se ocupará de
que nenhum de seus homens volte a ameaçar.
—Obrigada — murmurou ela torpemente.
—Só resta uma coisa.
Foi para o outro extremo do vestíbulo deserto; os saltos de suas botas ressonaram sobre o
chão.
Subiu os degraus para a área onde estavam os rebeldes. Fora havia um carro esperando para
levá-los.
Kiernan correu atrás dele, alcançou na metade da escada; sua saia revoou com energia a seu
redor quando tentou detê-lo.
—Jesse, não pode permitir que levem T. J. a um campo! Não pode! Ali morrerá e você sabe.
Ele deteve com um peculiar meio sorriso.
—Kiernan, é diabolicamente bonita e suplica com muita elegância. Mas sempre é por outro
homem!
—Jesse, rogo isso!
—Kiernan, se afaste do meu caminho. Por favor.
—Jesse, eu nunca...
—Kiernan, não seja tola! Foi você quem informou esse rapaz contra as tropas da União!

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—Não fiz!
—Talvez tenha posto tudo em perigo.
—Jesse...
—Kiernan, se afaste!
Pegou pela cintura e a sustentou em cima dele um segundo. Um sopro de ar passou entre
eles e quando olhou-a nos olhos, acreditou afogar entre as doces lembranças da noite anterior. Ao
tocar, sentiu a tensão e a paixão.
Jesse a deixou no chão com delicadeza.
— Desculpe.
Foi a um lado, chegou ao quarto onde T. J. estava deitado e entrou. Inclinou sobre o
paciente e olhando nos olhos, examinou o estado e a temperatura da pele.
—Como se encontra, rebelde?
—Tão bem como era de esperar, ianque.
—Jesse! —Kiernan apareceu no quarto.
—Cabo O’Malley, detenha-a! É uma ordem! —Disse Jesse.
O’Malley a agarrou justo antes que se lançasse contra Jesse.
—Se não for capaz de ficar calada, tire-a do quarto!
—Sim, senhor! —Disse O’Malley melancólico.
Retida por O’Malley, Kiernan mordeu com força o lábio inferior e ficou quieta.
—Soldado, sabe que a guerra já terminou para você, não é? —Perguntou Jesse.
—Sim, senhor, suponho que terminou.
—Você é da Virgínia, não é assim?
—Sim, senhor.
—E é um homem de palavra?
—Sempre, doutor.
Jesse assentiu.
—Isso parecia. Redigi alguns documentos para você e para este rapazes.
—Eu não posso ser um ianque, senhor.
—Não tem por que ser ianque, soldado. No documento simplesmente promete que não
voltará a utilizar as armas contra a União. Parece aceitável?
Ele sorriu levemente e exalou um profundo suspiro.
—Sim, senhor, parece aceitável. E para os rapazes também.
—Uma coisa mais. Qualquer coisa que a senhora Miller disser não sairá deste quarto.
Compreendido?
Voltou para olhar Kiernan e depois dirigiu de novo para T. J.
—Dê sua palavra?
—Sim, senhor, eu dou minha palavra.
—Kiernan?
Seus olhos azuis atravessaram como espadas de fogo, exigentes, sempre exigentes.
Ela tremia. Jesse pretendia deixar T. J. e outros rebeldes ali, com ela, livres para voltar para

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casa assim que pudessem.


—Tem... tem minha palavra — murmurou ela.
—Bem. Foi agradável não discutir com você por uma vez. O’Malley, não acredito que seja
perigoso deixar livre este rebelde. Faça que esses outros soldados assinem e acredito que
poderemos ir. Cavalheiros, boa sorte. —Tirou o chapéu diante de T. J. e os outros dois e saiu.
Kiernan ficou quieta um minuto, depois virou e foi atrás dele. Jesse já havia descido a escada
e, por um momento, acreditou que partiu sem despedir sequer.
Ela ouviu barulhos do escritório onde foi a sala de tratamento e assumiu que Jesse estava
pegando seus instrumentos. Cruzou a toda pressa o amplo vestíbulo e abriu a porta da estadia.
Ele já levava sua volumosa capa sobre os ombros. Estava de costas, mas Kiernan soube que
percebeu que ela acabava de entrar. Jesse limpou os instrumentos e estava colocando em uma
grande bolsa negra de pele. Era uma elegante maleta de médico na qual se destacavam suas
iniciais gravadas.
Recolheu aquele instrumental que ela aprendeu a reconhecer: fórceps para balas, pinças
para lascas, tesouras. Espátula. Serra para amputar, serra para amputar ossos pequenos, para
trepanar. Diferentes tesouras, bisturis e torniquetes.
Tudo foi parar à bolsa.
Kiernan aproximou por trás e recolheu os materiais de sutura, o fio de seda negro, as
agulhas curvas e retas. Ele pegou e observou enquanto metia na bolsa. Quando suas mãos
roçaram, olhou-o.
Ela ficou na frente de Jesse, em silêncio. Ele se virou e pegou os últimos anestésicos,
clorofórmio e éter, analgésicos e, em seguida o ópio e a morfina.
Vacilou, voltou para sua maleta e tirou a pequena seringa que utilizou para injetar morfina.
—Deixo isto para T. J. Escreverei a receita. Muito cuidado com a dose. Também deixo isto:
sassafrás em pó para baixar a febre se subir muito. Mantém limpa as ataduras e cuide das feridas
simplesmente com unguento. Você pode fazer isso?
Ela assentiu.
— Eu posso.
Ele fechou a bolsa.
— Pois bem. Este foi o último. —Suas mãos acariciaram o couro— É bonito, Não é? Daniel
me deu de presente há alguns anos de Natal. Nunca imaginei que utilizaria tão frequentemente o
material para amputar. E nunca pensei que olharia e perguntaria onde deve estar Daniel.
—Jesse...
Ele voltou e a olhou de frente.
— Eu tenho que ir. Quando me foi dada permissão para vir aqui, eu prometi iria assim que
me ordenassem isso.
—Jesse, obrigada — disse ela apressadamente. Como era possível que tivessem estado tão
perto na noite anterior e que agora não pudesse articular palavras e sons? Ele voltava a partir. E
uma vez mais parecia que ela não podia fazer nada absolutamente—. Obrigado por T. J. e por
Jacob. E pela casa.

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—Mas não por você? — Ele disse baixinho.


Ela desejava correr para ele. Estava ali alto e ereto, moreno e atraente com seus intensos
olhos azuis, o chapéu de aba inclinada sobre a testa e a capa realçando a amplitude de seus
ombros. Ele partia.
Não sabia quando voltaria a vê-lo, se voltasse a vê-lo.
— Vem cá, Kiernan. Por favor. Estou indo. Que mal eu posso fazer a você? Veem
Ela atravessou a sala em direção a ele. Jesse levantou seu queixo com o polegar e o índice.
Roçou a boca com os lábios com carinho, suave e dolorosamente. Depois afastou a boca
ligeiramente e sussurrou:
—Se cuide, Kiernan, se cuide.
Ela olhou-o, desejando que as lágrimas não brotassem de seus olhos. Jesse torceu o lábio
com um sorriso agridoce.
—Continua sem poder desejar sorte a um ianque, não é Kiernan? Bem, parece bem. Eu
entendo.
Soltou-a, pegou sua maleta e dirigiu para a porta. Sem se virar.
Ela fechou os olhos. Ela ouviu a porta fechar-se lentamente e, em seguida, o eco dos passos
de suas botas quando ele atravessou o vestíbulo deserto.
De repente, ela reagiu. Ela atravessou a sala apressadamente abriu a porta de par em par e
saiu correndo para a varanda.
Jesse acabava de montar em Pegasus. Os poucos homens que esperavam para acompanhá-
lo em sua viagem, estavam no final da encosta, fazendo guarda à luz da lua.
—Jesse!
Montado em Pegasus, Jesse esperou. Kiernan corria sem fôlego pela grama.
—Jesse...
Parou diante do cavalo. Ele esperou pacientemente com os olhos cheios de ternura, de
cansaço, de tristeza.
—Jesse, se cuide — sussurrou— Por favor, tome cuidado.
Ele sorriu e em seu lábio desenhou aquela ligeira careta que ela tanto amava.
—Obrigado, Kiernan, eu vou. — Ele apenas tocou a aba do seu chapéu e cutucou o cavalo
para ir em frente.
Subitamente, ela se aproximou, acariciou sua panturrilha e apertou o rosto contra seu
joelho.
—Não morra Jesse, por favor. Não morra.
Ele se inclinou, acariciou o cabelo e depois roçou sua face.
—Não morrerei — prometeu.
Ela levantou o olhar.
—Eu te amo, Kiernan.
Ficou quieta, com medo de falar. Ele sorriu outra vez, consciente de que ela não podia
responder. Depois esporeou o cavalo e cruzou o prado a galope para reunir com seus homens.
—Eu te amo, Jesse! —Gritou ela docemente.

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Mas era tarde demais. Ele tinha ido embora.


Disse a si mesma com firmeza que não devia amar um ianque. Mas então recordou o que T.
J. havia dito a Patrícia, e se deu conta de que não era um ianque a quem ela amava.
Ela amava Jesse.
Amava um homem.
E uma vez mais, aquele homem se afastava.

QUARTA PARTE
Uma paz privada

Capítulo 20

Dezembro de 1861

Kiernan pensou que nunca viveu uma época mais deprimente do que aquele inverno.
Os dois exércitos devastaram quase totalmente Harpers Ferry e os arredores. Os soldados da
União destruíram as reservas de munições e comida, e os rebeldes voltaram e destruíram tudo o
que poderia ser útil para as tropas do Norte.
Parecia que aquele intercâmbio nunca terminaria.
A situação era particularmente sombria no centro da cidade. O fogo contínuo dos franco-
atiradores da União procedente de Maryland Heights, que os rebeldes respondiam do alto do
Loudoun Heights, praticamente expulsou à população das ruas. No passado, Harpers Ferry foi uma
próspera metrópole de seis mil habitantes. Mas tantas pessoas fugiram da devastação, que agora
era uma cidade fantasma, onde ficavam apenas umas centenas de almas aturdidas, mas
obstinadas.
Thomas e Lacey Donahue foram a Montemarte no dia de Natal. Kiernan havia feito todo o
possível para torná-lo, senão em uma ocasião alegre para os gêmeos, mas pelo menos agradável.
Era uma data difícil, já que era o primeiro Natal que passariam sem seu pai e o irmão.
Ela também não pôde evitar uma pontada de nostalgia, porque transcorreu apenas um ano
do Natal em que ficou com Jesse na casinha de verão em Cameron Hall. Naquele último Natal ela
ainda estava cheia de sonhos. Todo mundo acreditava que o Sul varreria o norte e que tudo
terminaria muito em breve.
Ninguém se deu conta de como tenaz podia ser Abe Lincoln e ninguém imaginou que a
profecia de John Brown de que a terra seria tingida de sangue, seria tão verdadeira.
O dia de Natal foi muito tranquilo. Depois da igreja, Jeremiah matou um dos últimos grandes

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frangos que restavam e Janey o cozinhou com arándanos4, grelos5 e batatas-doces. Lacey trouxe
uma torta de maçã e a refeição foi deliciosa. T. J. continuava com eles; estava se recuperando bem
e passava cada vez mais e mais tempo ao ar livre. Kiernan o encontrava frequentemente
esquadrinhando a distância, como se procurasse a guerra com o olhar. Mas, conforme disse, não
pensava em voltar. Deu sua palavra e se sua palavra não significava nada, para que estavam
lutando?
Quando terminaram de jantar trocaram os presentes, que aquele ano eram minúcias feitas à
mão: meias para T. J. e Thomas; lenços para Kiernan e Lacey, e uma capa para a faca de caça de
Jacob. Depois, Kiernan e os gêmeos acompanharam Thomas e Lacey até sua casa na cidade.
Kiernan havia planejado ficar em Harpers Ferry para assinar alguns documentos.
Mas não foi a sua casa diretamente. Pediu a Thomas que a deixasse um minuto em High
Street e ele concordou. Ela ficou de pé no centro daquela via pública que um dia foi muito
concorrida e sentiu o frio e o vazio. As folhas mortas rangeram no chão enquanto contemplava a
encosta, as janelas das casas e as lojas ao longo da rua. Tudo estava em silêncio.
Sentiu o peso do abatimento e percebeu que provavelmente encontrava no chão da União.
Harpers Ferry era um dos condados que estava decidido a formar seu próprio estado. Quando foi
realizada a votação havia muitos soldados da União na área, mas havia muitas pessoas leais ao
antigo governo. Logo haveria uma nova Constituição e um novo estado, pensou Kiernan.
Ela se abraçou e estremeceu.
Finalmente teve que admitir que havia estabelecido uma nova ordem de coisas.
E havia algo mais que devia admitir. Ia ter um filho de Jesse.
No ano anterior, ela não teria pensado que aquilo fosse tão terrível. No ano anterior
simplesmente teria se casado com Jesse.
Mas este ano era a viúva de Anthony e deveria continuar de luto. E Jesse foi lutar na guerra.
Talvez nunca voltaria vê-lo. Mesmo se o tivesse em sua frente nesse mesmo momento, não
acreditava que pudesse dizer que estava grávida. O próprio fato de dizer significaria render.
As pessoas que a rodeava a crucificariam cruelmente. Talvez, na realidade, todas as pessoas
que se sentissem compelidas a fazer.
Na realidade, as pessoas em geral não importava, mas sim importavam Patrícia e Jacob.
Pensou que não podia fazer nada. Não podia abandonar os gêmeos, embora talvez
preferissem voltar para sua casa com ela.
Mas teria que dizer a seu pai. Ele não a trataria com crueldade. Nunca ocorreria jogá-la na
rua. E quereria a criança, disso também estava certa. Mas sentiria muito decepcionado com ela.
Seus velhos e distinguidos ombros se afundariam sob o desânimo e o peso do que ela fez.
O frio daquele dia acariciou as faces até deixá-la paralisada. Apertou os dentes e deu boas
vindas àquela frieza interior. Necessitava daquela paralisia. Ainda não tinha que dizer nada aos
4 É o nome dado aos arbustos perenes do género Vaccinium, subgénero Oxycoccus e seus frutos. Estes são bagas vermelhas e
bastante ácidas, sendo utilizadas na culinária e na produção de sumos. Outros nomes vulgares são arando-vermelho, mirtilo-
vermelho e airela.

5 Grelo é o broto do nabo e cujo extremidades aparecem as flores. É usado para cozinhar a sopa e outros pratos como carne de
porco.

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gêmeos. Quando chegasse o momento, faria.


Decidida, desceu a rua até a casa dos Donahue.

Em fevereiro, o recém constituído estado da Virgínia Ocidental redigiu sua Constituição.


Kiernan escutou como Thomas e T. J. discutiam sobre o significado de tudo aquilo, mas para ela
não tinha nenhum. Quando a União controlava o território, dominava a cidade e os arredores.
Quando a região era dos confederados, era tão sulina como o bolo de nozes.
A União estava destruindo a cidade. No princípio de mês, alguns poucos soldados
empreenderam um ataque a Maryland Heights e os rebeldes mataram um deles no contra-ataque.
A União se vingou e as tropas sob o comando do major Tynsdale destruíram os bairros da cidade
onde ele suspeitava que estavam escondidos os confederados. Antes disso, Tynsdale acompanhou
à esposa de John Brown desde a Pensilvânia, para protegê-la, e esteve com ela para ocupar de que
mudassem os restos mortais de seu marido para o enterro em sua casa.
Agora, Tynsdale desatou os rumores entre aqueles que permaneciam na cidade. Pois John
Brown profetizou sua destruição e pouco menos de dois anos depois a destruição chegou... nas
mãos de Tynsdale.
No fim de fevereiro, o general Banks dominava a cidade. Kiernan se inquietava com a
proximidade de tantos soldados, mas ninguém os incomodou, coisa que ela atribuía a Jesse.
Um dia, quando estava fora lavando roupa, viu que T. J. estava atrás dela, esperando para
agarrar a pesada cesta. O soldado deixou a muleta no chão e se apoiou na soleira, olhando-a. Ela
olhou-o fixamente e por fim perguntou:
—Tudo bem, T. J., o que acontece? T.
Ele tirou seu cachimbo e acendeu com parcimônia.
—Senhora Miller, não é assunto meu e não me corresponde dizer nada, mas trabalha muito.
—Todos devemos trabalhar T. J se queremos continuar tendo refeição e roupa.
—Mas você trabalha muito. —Hesitou por um segundo— Se quiser que esse pequeno que
carrega chegue são e salvo a este mundo.
Colocou a mão sobre o ventre com um gesto de proteção.
― Nota-se tanto? —Perguntou preocupada.
T. J. moveu a cabeça.
—Não, não quando usa todos seus... —ele ruborizou— todas suas anáguas e isso. Mas a
conheço e a vi enjoada e muito cansada. Eu a vi olhar pela janela com os olhos tão fatigados, tão
débeis e tão tristes como o próprio inverno. Você me ajudou assim como me ajudou esse doutor
ianque, e eu gostaria de ajudá-la em troca.
—Ninguém pode me ajudar, T. J. Já não enjoo. Estou muito bem. Mas obrigada. —ficou
calada, mordendo o lábio inferior— Acha que ainda disponho de um pouco de tempo antes de ter
que dizer às crianças?
T. J. assentiu.
—Mas não volte a sair com estas cestas enormes, senhora Miller. Me chame.
—Farei isto, T. J. obrigada.

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—Sabe? —começou a dizer ele—, estou convencido de que o ianque estaria encantado...
—Não quero ouvir falar disso, T. J. —Disse Kiernan.
—Ele se casaria com você.
— Eu ainda tenho as crianças, T. J. Eles nunca viveram entre as pessoas que matou seu pai e
seu irmão!
—Parece que se engana senhora Miller. Acredito que eles têm uma visão desta guerra
melhor que a sua.
—Pode ser que sim — aceitou Kiernan— Vejamos como vão as coisas, de acordo? Preciso de
um pouco de tempo.
Mas não ia dispor de muito. Na semana seguinte foi à cidade com as crianças, para ver que
provisões podiam comprar. Não foi fácil, porque Kiernan recebia o dinheiro da fábrica de armas
em moeda confederada e quando os ianques estavam ali, ninguém queria aceitá-la. Mesmo assim,
pôde fazer algumas compra. Um aspecto positivo de que os ianques estivessem na área era o
levantamento do bloqueio absoluto que sofreram durante todo o inverno, e que houvesse
abundantes mercadorias procedentes do Norte.
Mas quando saía da loja, um objeto impactou contra seu peito e a deixou atônita. Patrícia,
que estava a seu lado, gritou e, por um momento de pânico descontrolado, Kiernan pensou que
tinha sido baleada, vendo que em seu peito havia uma mancha vermelha.
Então percebeu que era um tomate.
—Amante dos ianques, puta! —Gritou alguém de uma janela.
Ela voltou, mas já era muito tarde. O lançador de tomate odiava os ianques, mas não queria
ser capturado por eles.
—Kiernan! —Gritou Patrícia, desesperada— por que...?
—Vamos daqui— disse Jacob muito zangado— Kiernan, fique no meio dos dois. Se atirarem
alguma coisa mais terão que acertar em mim primeiro!
—Se jogarem outra vez, devolverei! —Declarou Kiernan. Estava furiosa, mas trêmula
também e a ponto de chorar.
—Vamos! —Insistiu Jacob.
Ela se deixou guiar por ele. Na casa dos Donahue, Lacey tentou limpar o vestido de Kiernan e
comprovou que não estava ferida. Thomas a observava da lareira. No final de um momento
aproximou da porta da entrada para pegar seu rifle, e Kiernan compreendeu alarmada, que
dispunha a ir atrás do homem que a ofendeu.
Correu até ele.
—Thomas, não!
—Kiernan, esse homem não tinha o direito de desonrar uma dama!
— Thomas, por favor não vá procurá-lo. —Não seria capaz de suportar a possibilidade que
ele morresse por ela, por sua honra ou pela falta dela— Thomas, não pode sair a perseguir
qualquer um. Eu... eu estive vendo com um ianque, ou eu vi um. Por favor, Thomas, deixe a arma.
Lacey lançou um grito entrecortado
—Se refere ao capitão Cameron, Kiernan? —Começou a dizer.

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— Chega, Lacey!—Repreendeu Thomas imediatamente. As crianças estavam na casa. Então


seus olhos pousaram Kiernan.— De todos os modos esse homem não tinha direito!
—Por favor, Thomas. Baixe a arma. Devo levar as crianças para casa antes que os franco-
atiradores comecem a disparar. Por favor, me prometa que guardará o rifle.
Ele deu um longo suspiro e deixou a arma.
—Tudo bem, Kiernan.
Ela sorriu e chamou Patricia e Jacob.
Ambos permaneceram em silêncio enquanto ela conduzia a carruagem de volta a
Montemarte. Quando chegaram, Jeremiah os esperava para se ocupar do veículo e Kiernan entrou
correndo em casa.
Estava começando a anoitecer. Sentou em um balanço do escritório de Andrew... ou da
consulta de Jesse, que agora estava perfeitamente limpo. Não havia macas ou ataduras, nenhum
vestígio de sangue. Sentou e contemplou a chegada do crepúsculo.
Notou que alguém entrava no aposento. Soube que era Jacob.
— Você vai ter um bebê, não é?— Ele perguntou.
Ela assentiu, enquanto seguia balançando e contemplando exterior.
— Não é o filho do meu irmão, ou sim?
Finalmente, ela se virou para ele.
— Oh, Jacob, eu sinto muito.
O garoto ficou ao lado da porta, rígido. Seus olhos castanhos pareciam cheios de uma
tremenda dor e uma enorme sabedoria. Entretanto, era muito jovem para possuir esse tipo de
sabedoria.
—O que vai fazer? —Perguntou Jacob.
—Ainda não sei.
—Vai a... abandonar-nos, Patrícia e a mim?
—Não, Jacob, eu nunca os abandonaria, eu prometo isso. A menos que ...
—A menos o quê?
— A menos o que vocês queiram que eu faça.
Ele voltou a ficar calado.
—Não, eu não quero que nos deixe. Acredito que não quero ir à cidade muito
frequentemente, mas não quero que nos deixe. —Suspirou e afundou os ombros como se
suportassem o peso do mundo inteiro— Nos arrumaremos isso, Kiernan, tenho certeza.
—Obrigada.
Então ele hesitou um segundo.
—Sabe? Você poderia se casar com esse ianque. —Não importava que Jacob tivesse acabado
por conhecer bem Jesse, seguia considerando necessário manter certa distância.
Kiernan encolheu os ombros.
— Nem sei onde ele está, Jacob. Jurei que nunca me casaria com ele.
—Mas você está apaixonada por ele, não é?
—Jacob, eu...

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—Está. Eu vi como a olhava quando estava aqui. E vi como olhava você para ele. —De
repente franziu o cenho— Ele nunca ... Quero dizer, ele não ... Ele não fez nada, verdade?
Ela negou com a cabeça, tentando não sorrir. Jacob podia ser protetor. Que homem tão
magnífico seria algum dia!
—Não — ela disse calmamente.— Jesse nunca me forçou a fazer nada.
—Bem, seja o que for, arrumaremos isso ― prometeu ele, e para sua surpresa, atravessou a
sala e colocou os braços ao redor de seus ombros. Ele a abraçou brevemente e depois a deixou lá,
sentada sozinha no escuro.
Jesse pensou. Onde devia estar essa noite? Rezou para que estivesse seguro e a salvo do
perigo, e depois se perguntou o que faria se ele estivesse ali naquele momento, sentado com ela.
Era um ianque e nunca mudaria. Certamente ela não podia fazê-lo mudar, ao menos não
suas ideias a respeito do bom e o mau, nem sua lealdade.
Ele por sua parte, nunca pediu a ela que mudasse. Entendeu que tinha suas próprias
convicções. Mas nem sequer ela mesma estava convencida, nem do bom nem do mau, nem
sequer de sua maravilhosa causa. A única coisa que sabia era que a guerra matava e mutilava, e
que era amarga e dolorosa independentemente da cor do uniforme que usasse os soldados.
Mas poderia casar-se com ele agora?
Sim, decidiu que sim poderia. Mas só se ele a amasse, se a amasse realmente. Não pelo filho,
nem por honra. O amor deveria ser o suficiente.
E se casaria com ele só se ele pedisse, é claro. Ainda não era capaz de engolir o orgulho até o
ponto de cortejar um ianque.
Sentiu muito tranquila e em sua boca se desenhou lentamente um sorriso. Não muito tempo
atrás, só pensar em sua situação atual teria sido escandaloso, algo horrível para a sociedade em
que viveu sempre; teria provocado os comentários das matronas, que afastariam seus filhos
quando cruzassem com ela na calçada.
Era o tipo de situação que faziam aqueles que se consideravam perfeitamente dignos
jogassem coisas, como tomates. Era o pesadelo de qualquer pai.
Não era somente que estivesse esperando um filho. Havia muitos casamentos que
celebravam com precipitação e, naturalmente, despertavam comentários.
Mas o escândalo de Kiernan ia mais à frente. Ela era a viúva de um grande soldado da
Confederação que perdeu a vida em Manassas. Esperava um filho de um ianque e não passou nem
um ano da morte de seu marido. Mas Jacob a queria apesar de tudo. E ia permanecer de lado. Isso
era o importante. Se ao menos tivesse a certeza de que Jesse estava vivo e seguro... Subitamente
sentiu uma profunda sacudida no interior do abdômen. Ela achou que tinha imaginado, mas
depois voltou a sentir novamente. Apesar de tudo, experimentou a emoção mais doce que sentiu
até esse momento. Seu filho estava bem, estava saudável e se movia. Seu bebê era real. Seu filho,
o filho de Jesse, de sua carne e seu sangue.
Concebido durante a guerra...
Mas concebido com amor.
—Eu te amarei pequeno! —Jurou com veemência— Te amarei o bastante para superar tudo!

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Sorriu. De repente se sentiu feliz de que Jacob soubesse. Patrícia aceitaria se Jacob aceitasse.
Agora os dois irmãos poderiam ajudá-la e talvez, até mesmo ela começaria a viver com
entusiasmo, com esperança.
Voltou a sentir aquela sacudida em seu interior, aquela urgência. Abraçou com ternura o
abdômen e começou a chorar suavemente; lágrimas de uma estranha alegria.

Daniel esteve no vale de Shenandoah, organizando operações de espionagem e perseguição


com uma companhia de soldados da cavalaria de elite. Nesse momento, em março de 1862,
acabava de receber uma ordem de mudar-se. Lincoln colocou um general chamado McClellan no
comando de seu exército e este planejava um assalto maciço a Richmond, avançando através da
península, à região das restingas.
Daniel estava vivendo em um estado permanente de tensão desde a chegada das ordens.
Por um lado, estava seguro que Jesse fazia parte do exército de McClellan. Por outro, essa
campanha ia mudar perigosamente a batalha perto de sua casa. Estava ansioso, ansioso por tomar
parte nela. Se os soldados da União chegavam até as proximidades de Cameron Hall, ele estaria ali
esperando. Não era só sua casa o que preocupava. Christa estava ali sozinha. E John Mackay vivia
perto também, e sozinho, porque Kiernan estava cuidando das crianças Miller em Harpers Ferry.
Kiernan estava indo bastante bem. Daniel não teve notícias de Jesse, nem teve notícias de Kiernan,
o qual era estranho porque em outro tempo manteve uma animada correspondência. Mas o
tempo era escasso naqueles dias, ele mal teve tempo para enviar algumas notas para Christa.
Embora ela o manteasse informado, já que Jesse também escrevia para ela.
Sentado em frente a mesa de sua tenda de campanha, Daniel notou que esticavam os dedos
ao redor da pluma. A guerra era tão diabolicamente estranha... Toda sua vida seguiu seu irmão:
seguiu em West Point e depois ao Kansas. Ele não foi à escola de medicina como Jesse, já que
nunca teve sua vocação. Mas esteve tão unidos como podiam estar dois irmãos
Entretanto, agora esta há um ano sem vê-lo, sem saber uma palavra dele. Se visse Jesse,
supunha que devia disparar.
Daniel sabia que Jesse não tomaria parte na batalha; seu talento era para os hospitais de
campanha. Também sabia que seu irmão estava fazendo todo o possível para salvar vidas nesta
guerra, mas foi um soldado de cavalaria durante anos. Era muito possível que em algum momento
montasse seu cavalo e entrasse ele mesmo em combate; inclusive desobedecendo a ordens.
Esse era o maior temor de Daniel: não era morrer, ser prisioneiro, perder, mas encontrar seu
irmão na batalha. Ele suspirou e apertou as ordens que ele tinha escrito e reescrito várias vezes.
De repente, houve uma houve uma altercação junto a sua tenda. Por um momento acreditou que
a estrutura de lona ia cair. Enquanto olhava surpreso o mastro de apoio, ouviu que o chamavam.
—Capitão Cameron! Capitão Cameron!
— Que diabos está acontecendo aqui?—Grunhiu finalmente levantando de um salto.
Seu ajudante, o cabo Beal, entrou pela abertura seguido de um indignado garoto com
bonitos cachos loiros e olhos escuros. O cabo Beal tinha praticamente pego o garoto pela nuca,
mas este parecia encorajado. Se desfez de Beal, aproximou-se com algumas pernadas da mesa de

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Daniel e saudou imediatamente.


—Capitão Cameron — começou o menino.
—Capitão Cameron — interrompeu Beal— este cachorrinho selvagem ignorou quando disse
que estava você ocupado e que não devíamos incomodar. Passou a meu lado correndo e quando o
apanhei tentou me bater; tive que responder, mas é um diabinho, isso é o que é, selvagem e...
—Está bem, cabo Beal — disse Daniel. Sentou atrás da mesa e franziu o cenho ao reconhecer
Jacob— Jacob é um velho meu.
―Disse que nos estamos mudando a toda pressa...
—A Confederação ainda não tem fez nada a toda pressa, cabo. Acredito que posso
compartilhar alguns minutos com um velho amigo. —Sorriu olhando para Jacob— Agora nos deixe
sozinhos.
—Poderia ser um espião — advertiu Beal, muito sério.
—Ele não. Este menino é leal como poucos, verdade, Jacob?
Para sua surpresa, Jacob corou, mas respondeu:
—Sim, senhor, capitão Cameron.
—As pessoas não pode confiar em ninguém nestes dias — murmurou Beal— Ninguém!
Daniel sorriu para Jacob e Beal voltou a soprar, mas finalmente se foi.
—Não se tornou em um ianque, hein, rapaz? —perguntou Daniel. Apontou a cadeira
dobrável que havia em frente a sua mesa e Jacob sentou.
—Não, não me tornei um ianque.
—Nem entrou no exército?
—Não, ainda não.
—É um alívio — disse Daniel—Kiernan sabe que está aqui?
De repente, ele se enrijeceu. Ouviu rumores de que Kiernan esteve passando informação
valiosa às tropas do vale. Mas ela não permitiria que um menino dessa idade se dedicasse à
espionagem, ou sim?
A guerra obrigava às pessoas a fazer todo tipo de coisas.
—Ela deu uma mensagem para mim?
—Não, não! —Protestou Jacob. Segurava o chapéu com as mãos. Olhou e fez rodar entre os
dedos— Não. Na realidade... —deteve e levantou os olhos para o Daniel— provavelmente me
esfolaria se soubesse que estou aqui.
—Ah. —Daniel inclinou para frente surpreso— Então...?
—É um assunto estritamente confidencial — disse Jacob erguendo muito rígido na cadeira.
—Estritamente — conveio Daniel, muito sério.
—Eu gostaria que entrasse em contato com seu irmão, senhor. Sei que ele é um ianque e
você um rebelde e que provavelmente não devem se falar muito. Mas quero que faça saber que...
—O quê?
—Que vai ser pai.
Daniel ficou atônito por um momento.
—Oh! —Exclamou depois em voz muito baixa e recostou na cadeira.

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Aquilo não deveria surpreendê-lo. Qualquer um que tivesse visto Jesse e Kiernan teria
notado a eletricidade que havia no ar quando estavam perto um do outro. Se alguém viu o que
Kiernan significava para Jesse, era Daniel. E se alguém conhecia o coração de Jesse, esse era Daniel
também. Que eles dois tivessem consumado seus sentimentos, inclusive durante a guerra, não era
uma grande surpresa.
Inclinou para diante.
—Kiernan está bem? —Perguntou Jacob.
—Perfeitamente. Mas ela nunca diria. Não se dá conta?
—Orgulhosa né?
—Muito. E, bom, ele é...
—Um ianque.
—Exato — reconheceu Jacob com tristeza. Voltou a olhar Daniel com expressão ansiosa—
Você pode fazer chegar à mensagem?
Daniel assentiu.
—Sim, eu posso.
— Você tem que ser uh...
—Discreto?
—Sim.
—Escreverei a minha irmã — disse Daniel— E ela fará chegar. Ninguém mais saberá... A
menos que me ocorra outro modo igualmente discreto. Confia em mim?
—Sim, senhor.
—Bem. Então é melhor que vá para casa. Não vai querer que Kiernan comece a se preocupar
com você, não é?
Jacob Miller saudou, bateu no chapéu ao sair. De repente voltou.
—Poderia não mencionar meu nome? Não, espere. Não importa; Isso não seria muito
honorável. Vá em frente, mencione o meu nome se quiser. Certifique-se de que saiba que Patricia
e eu estamos de acordo. Caramba, seu irmão é um grande homem. Se não fosse ianque...
— Minha opinião é a mesma, Jacob — assegurou Daniel.
Essas palavras fizeram Jacob sorrir, ele finalmente partiu. Daniel sentou outra vez e
tamborilou os dedos sobre a mesa.
Então se deu conta que ia ser tio e sorriu.
— Oh, pequenos diabinhos!—Exclamou com carinho pensando em Kiernan e seu irmão.
Mas seu sorriso desapareceu. Aquilo era uma guerra. Não estava seguro absolutamente de
que alguém pudesse fazer o correto por ninguém.
Entretanto, ele tentaria. Por todos os diabos que tentaria.

Capítulo 21

A última hora da tarde, Thomas Donahue chegou a Montemarte a galope. Thomas não
estava acostumado a cavalgar tão rápido, pois tal como havia dito muitas vezes a Kiernan, não

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gostava que seus velhos ossos estralassem. Por isso, ao vê-lo chegar com tanta pressa se sentiu
invadida pelo pânico.
Ela correu para a varanda. Os ianques deviam dirigir de novo para casa, ou estavam a ponto
de incendiá-la. Algo horrível aconteceu. Talvez a guerra estava perdida.
—Kiernan! — Resfolegou Thomas enquanto desmontava. Ela se aproximou depressa para
ajudá-lo— Deve ir a sua casa.
—Para casa! O que aconteceu?
—É seu pai, Kiernan.
—Oh, Deus! Oh, não! — Sentiu que ia desmaiar. Uma neblina escura envolveu seus olhos—
Não está... não estará...
—Está doente, Kiernan. Muito doente. Christa Cameron conseguiu enviar uma carta através
de um empregado da ferrovia. Acha que deveria ir para casa imediatamente. Mas também sabe
que a viagem é longa e perigosa neste momento. Quer que saiba que ela pode ficar com ele, que
cuidará dele. Ela fará tudo o que estiver em suas mãos.
—Mas não seria eu! —Sussurrou Kiernan— E se papai estiver doente...
Não, pensou subitamente. A guerra era espantosa e já roubou muitas coisas, dela e de todo
mundo. Não permitiria que também a mantivesse afastada de seu pai.
Ergueu e disse:
—Vou para casa, Thomas.
—Há soldados por todos os caminhos! —advertiu— Soldados com uniforme azul e soldados
com uniforme cinza, e não sei quais são mais perigosos.
—Não me acontecerá nada. Quem vai incomodar uma mulher em meu delicado estado?
Thomas hesitou. Ele não queria dizer que ela ainda era muito bonita e que a guerra
provocava estranhas reações nos homens bons e ainda piores em homens maus.
—Irei com você — ofereceu Thomas.
—Nem pensar. Você odeia viajar e eu irei muito depressa. Levarei Janey e Tyne.
Não podia levar T J, tinha que deixá-lo com Jeremiah e com David em Montemarte. Mas os
gêmeos iriam com ela. Não podia abandoná-los. Prometeu isso.
—Não conseguirei convencer você, não é? —perguntou Thomas.
—Não.
Kiernan ficou na ponta dos pés e beijou-o. Depois deu uma palmada no cavalo para que
empreendesse o caminho de volta para casa, dirigiu-se correndo à escada e chamou Janey para
que a ajudasse a fazer a bagagem. Patrícia irrompeu em seu dormitório e Kiernan disse que se
apressasse a preparar o necessário para a viagem. Moveu como um torvelinho recolhendo tudo.
Janey a ajudou e logo correu à cozinha para comprovar que Tyne e Jeremiah prepararam a
carruagem.
Quando terminou com sua roupa, Kiernan desceu a escada sem perder tempo. Entrou no
escritório e procurou entre os remédios que Jesse deixou. Seu pai estava doente, mas do quê?
Observou os frascos com suas impecáveis etiqueta e decidiu pegar todos.
Seus dedos tremiam, mas estava decidida a partir dali imediatamente, assim que as crianças

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estivessem prontas.
Ia para casa.
Acariciou o ventre e sentiu que a embargava um estranho nervosismo. O pequeno nasceria
em casa, nas planícies da Virginia. De repente se sentiu feliz, embora sem fôlego. Aproximou a
cadeira giratória e se sentou. O bebê começou a mover energicamente em seu interior, como se
tivesse captado o frenesi de suas emoções.
Casa. Ela estava indo para casa.
De repente, a porta do escritório abriu de par em par e Jacob apareceu. Kiernan levantou o
olhar e se deu conta que não o viu durante todo o dia.
—Onde esteve? —Perguntou.
—Vamos viajar? —Respondeu ele, incrédulo.
Ela assentiu.
—É necessário. Meu pai está doente, Jacob. Devo ir para casa. Quero que venha comigo.
—Mas acabo de...
—Acaba do quê...?
—Nada. Claro, irei com você. Nunca permitiria que fosse sozinha — disse Jacob. Depois deu
a volta e murmurou— Só espero que ele possa nos encontrar de todos os modos.
— Desculpe-me?—Perguntou Kiernan a suas costas, tratando de levantar. Era algo que cada
vez custava mais— Jacob...
Mas Jacob havia desaparecido, e uma hora mais tarde, quando todos estavam prontos para
partir, Kiernan não se lembrava e que fez uma pergunta.
Só era capaz de pensar que seu pai estava muito doente.
Ia para casa.

Estava a ponto de amanhecer e Jesse sabia que com o dia chegariam chegaria mais
confrontos.
Ele fazia parte das tropas de George B. McClellan na península, a caminho de Richmond.
Até o momento, a campanha da península havia trazido certa confusão.
McClellan levou seus homens ao extremo da península. Durante a primeira semana de abril,
os confederados tomaram posições ali, ao longo de uma linha que cruzava o território de York até
o rio Warwick.
A União sitiou a região durante um mês; foi uma ação lenta e muito cautelosa, que
proporcionou suficiente tempo ao general confederado Joseph Johnston para reunir com o
general confederado Magruder e afiançar suas posições. Em 04 de maio McClellan lançou um
grande ataque, mas Johnston tinha movido para o norte da península.
Em 5 de maio, a vanguarda da União adiantou à retaguarda confederada e seguidamente
produziu um choque em Williamsburg. Houve numerosos confrontos. A União tomou Norfolk e o
casco do navio confederado Virginia foi destruído. O rio James ficou aberto para a União, mas em
15 de maio, em Drewry’s Bluff, a dez quilômetros de Richmond, os confederados conseguiram
colocar obstáculos no rio.

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Por causa das chuvas, o rio Chickahominy transbordou e dois corpos do exército da União
ficaram isolados perto das localidades de Seven Pene e Fair Oaks Station. O general Johnston, do
lado confederado, foi ferido gravemente.
O general Robert E. Lee assumiu o comando.
McClellan continuou a agir com muita cautela.
Jesse sabia por exploradores de sua confiança que nunca deveria ter chegado à situação em
que estavam. Quando empreenderam a campanha da península, só havia mil e setecentos
confederados na linha defensiva de Yorktown. Entretanto, naquele momento enfrentavam um
exército muito mais numeroso.
Embora isso para Jesse importasse cada vez menos. Os soldados não cessavam de chegar e
ele fazia todo o possível por curá-los. Tinha que vê-los morrer depois de ter se esforçado o
máximo para que vivessem. Dava conta de que cada dia que passasse chegaria mais. A ascensão a
coronel não mudou nada. Agora era responsável por outros médicos, assim como de seus próprios
pacientes.
Uma manhã, muito cedo, Jesse estava enfaixando o braço do sargento explorador Flicker,
um homem com olhos escuros e expressivos, o bigode caído e uma expressão de fatigada
sabedoria.
—Esta manhã haverá uma grande batalha, coronel — disse Flicker.
— Sério? Achava que estávamos muito longe da maior parte dos confederados.
—Demônios, não! A cavalaria está aí fora! Segundo nosso grande serviço de inteligência não
há rebeldes por aqui, mas nossos rapazes estiveram comercializando toda a noite com uns caras
vestidos de cinza, que na minha opinião parecia rebeldes.
Jesse arqueou a sobrancelha. Era de domínio público que a “inteligência” da União estava
acostumada exagerar ou enganar-se totalmente.
Mas a cavalaria!
O coração deu um tombo. Seu irmão podia estar aí fora.
Aquele pensamento acabava de passar pela cabeça quando um recruta entrou correndo na
loja.
—Coronel Cameron! Senhor!
—Sim, o que acontece?— Perguntou Jesse.
—Um rebelde quer vê-lo!
—O quê?
O soldado hesitou ao ouvir seu tom de voz.
—Senhor...
—Pelo amor de Deus, diga de uma vez, quem?
O soldado fez uma careta.
—Estávamos trocando um pouco de bom tabaco da Virginia por alguns quilos de bom café,
senhor.
Jesse sorriu. O soldado não deveria ter admitido aquilo diante dele, mas as trocas eram
constantes. Frequentemente, os homens de azul e de cinza conversavam durante a noite e logo,

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ao romper da alvorada, disparavam e se matavam uns aos outros.


—Está bem, siga. Há um rebelde que quer me ver?
—Diz que é seu irmão, senhor!
—E temos a cavalaria perto? Então, soldado, é muito provável que seja meu irmão. Onde
estão os rebeldes?
— Do outro lado do riacho. A mensagem veio em um barquinho que um rebelde construiu
com alguns ramos de árvore. Certamente a batalha começará em seguida, mas como ainda não
amanheceu totalmente, o major se comprometeu que não haja nenhum tiroteio até que vocês
dois tenham voltado para seus respectivos postos. O rebelde diz que se concordar em vê-lo,
esperará rio abaixo.
—Sim, diabo irei vê-lo! — anunciou Jesse. Colocou a capa para se proteger do frio da
madrugada e saiu da tenda atrás do recruta. As tropas da União já estavam se colocando em
alguns postos ocupariam naquela manhã, preparados para a guerra de trincheiras.
—Deixem passar! —Gritou o soldado que ia à frente de Jesse— O coronel tem que ver um
parente!
Os homens se afastaram. Jesse passou junto ao coronel Grayson, responsável pela unidade
de primeira linha da infantaria. Saudou com um gesto e Grayson o devolveu.
—Não fique muito tempo aí fora. Dei ordens de começar a disparar assim que clarear.
—Obrigado — disse Jesse.
Seguiu andando e saltou sobre as trincheiras para chegar mais depressa à beira do rio.
Rodeado pela névoa que subia da água, distinguiu em seguida a silhueta de seu irmão. Daniel
usava uma capa e um chapéu de plumas de um tom cinza que se confundia com a bruma da
madrugada.
—Daniel! — Gritou Jesse. Apertou o passo e começou a correr.
—Jess!
De repente, ele parou na frente de seu irmão. Sabia que se pareciam muito. Ele era mais
velho, mas, sob a névoa, Daniel era sua viva imagem, salvo que um ia vestidas de azul e o outro de
cinza.
Daniel devia estar pensando o mesmo. Durante um minuto se olharam mutuamente muito
sérios. Foi um ano longo, muito longo, e eles tinham mudado muito nesse tempo.
E, entretanto, não mudaram tanto. Jesse deu um passo à frente, se abraçaram e viu que os
dois estavam tremendo.
—Daniel — disse separando— maldição, eu estou contente de vê-lo são e salvo.
Daniel sorriu.
— Mesmo digo eu, Jess.
—Passou muito tempo.
—Muito para dois irmãos.
—Esteve em casa ultimamente?
Daniel assentiu.
—Christa está bem. Embora esteja preocupada agora que na península há tropas da União.

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Não sou nada popular entre alguns de seus homens. Meus rapazes e eu acossamos bastante os
soldados do Norte. Estou preocupado com Cameron Hall.
—Cameron Hall? —Surpreendeu Jesse— por que iam querer incendiar a mansão os
unionistas? Legalmente é minha e não Sua.
—Sim, mas está na Virginia, e está na Confederação e eu pertenço a ela. Parece que eles a
veem desse modo, não sei. Disse a Christa que se instale com John Mackay até que isto termine.
Mackay esteve doente e ela poderia ser útil. Não sei se já puderam informar a Kiernan sobre seu
pai.
—Mackay está doente?
—Isso teme.
—O que aconteceu?
— Algo do pulmão. Mas, Jesse ...
—Pergunto se poderei conseguir uma permissão para ir vê-lo. Estão amassando bastante
aqui...
— Jesse, aguarde. Você precisa ouvir.
— Há mais alguma coisa?
—Kiernan está...
—Oh, Senhor! —Exclamou Jesse e agarrou o braço de seu irmão— O que ocorreu? O que
aconteceu? Onde está?
—Jesse...
— Daniel, se alguma coisa ...
—Jesse estou tentando dizer isso — explodiu Daniel— Ela não está doente! Espera um filho
seu!
Ficou atônito como se tivesse sido golpeado com um tijolo. De todas as coisas que podia
esperar essa manhã, a última era receber a notícia que ia ser pai.
—Mas, como...
— Jesse, você sabe perfeitamente bem como, diabos! —Disse Daniel sorrindo e em leve tom
de recriminação.
—Como soube? —Perguntou Jesse.
—Jacob Miller veio para ver justo antes que saíssemos para aqui. Pensou que devia saber.
Também acredita que deve saber que sua irmã e ele acham que é um bom homem... Para ser
ianque. Eu disse que pensava o mesmo. Jesse, deve se casar com ela.
—Daniel, estive tentando me casar com ela!
— Eh, coronel Cameron! —Gritaram das linhas da União— Diga ao rebelde que abaixe à
cabeça e você volte aqui, a batalha está a ponto de começar!
—Volte Daniel — disse Jesse e abraçou com força seu irmão pela última vez.
— Eh, Eh, senhor! Vai começar o fogo!
—Mantenha a cabeça baixa! — Ordenou Jesse a seu irmão.
—Sim... e espero ter notícias do casamento! — Replicou Daniel.
—Ela esta em Montemarte?

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—Não sei, pode ser que vá para sua casa. Jesse, maldição você também tem que voltar e
manter a cabeça baixa! —Admoestou Daniel.
Jesse assentiu; ambos se viraram e voltaram para seus postos.
Os primeiros disparos começaram no momento em que Jesse voltava para as trincheiras.
Prolongaram durante horas.
Jesse trabalhou durante todo o dia como um autômato. Em ocasiões sua mente parecia
completamente vazia, paralisada. As bombas explodiam sobre suas cabeças e constantemente se
ouviam gritos e alaridos. Houve um momento em que acreditou que os rebeldes tomariam seu
hospital de campanha, mas depois os contiveram e a União conseguiu avançar, pouco a pouco.
Os feridos chegaram em massa.
Jesse tinha quatro doutores sob suas ordens e os cinco trabalharam febrilmente.
Procuravam balas com seus dedos nus e apertava a mandíbula cada vez que via que não havia
forma de salvar a vida de um homem sem amputar um membro destroçado.
Pelo menos, ele tinha clorofórmio e éter. Ouviu dizer que os cirurgiões do outro lado não
tinham mais. Embora naquela tenda fosse difícil acreditar que fossem afortunados, Jesse opinava
que eram. Dispunha da ajuda suficiente para que as operações fossem um sucesso: tinha um
homem para administrar anestesia e assegurar de que os pacientes tivesse ar suficiente, um
homem para segurar o paciente, um homem para sustentar o membro que ia ser amputada e um
cirurgião para cortar com cuidado a pele, depois o músculo e depois o osso.
No final do dia, estava farto de tudo aquilo e farto da guerra. Queria voltar a curar gripe e
transtornos estomacais. Queria trazer uma criança ao mundo.
Queria trazer a dele. Por Deus, Kiernan! Pensou que havia muitas outras coisas lá fora, no
mundo. Foi em um dia como esse quando ela esteve de pé a seu lado, como a ajudante perfeita.
Em nenhum momento empalideceu, nem falhou.
Mas prometeu que nunca se casaria com ele.
“Se casará comigo!”, pensou furioso.
Chamou um assistente, ocupou-se de que mudassem seus últimos pacientes de maca do
hospital de campanha e da área da batalha para uma carroça. Depois parou para escutar
atentamente.
Os disparos pararam. A batalha terminou.
Saiu da tenda. Quase anoiteceu e ambos os lados estavam em silêncio.
Um soldado passou correndo. Jesse agarrou pelo braço.
—O que aconteceu?
—Fizeram retroceder a maioria das posições coronel. Vamos sair daqui agora. Acamparemos
mais a leste. Ficaram alguns feridos justo do outro lado do rio. Mas vá com cuidado, senhor. Ainda
há rebeldes por ali.
—Ordene a meus homens que se vão, exceto cabo O’Malley. Que subam nos carros, mas
que deixem a tenda em pé e a maleta com meu instrumental. Se encontrar algum ferido, O’Malley
me ajudará.
—Sim, coronel Cameron. Não esqueça que existem rebeldes.

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—Obrigado. Não esqueça que levo anos na cavalaria.


—Sim, senhor. —O soldado sorriu— É tudo, senhor?
Jesse assentiu e correu para o rio. Cruzou a água, que estava tão fria que a notou inclusive
através de suas botas negras altas.
Então ficou quieto. Tinha em frente uma cena chocante. O rio estava calmo e água fresca
dançando em cima de pedras e galhos quebrados.
Mas nele estavam os corpos caídos. Jesse contemplou primeiro o céu cor de sangue do
crepúsculo e depois as vítimas que estendiam diante dele.
Passou de um homem a outro. Havia cadáveres vestidos de azul entrelaçados com cadáveres
com uniforme cinza. Inclinou e tomou o pulso de todos.
—Jesse!
Surpreendeu a ouvir que chamavam por seu nome. Ficou em pé e olhou a seu redor. Sentiu
um estremecimento dilacerador.
Um oficial chamava um oficial da cavalaria com um uniforme cinza. Daniel.
Cruzou o campo correndo e caiu de joelhos junto a seu irmão. Daniel apertava o ventre com
a mão. Tinha os dedos empapados de sangue.
—Maldição, Daniel! Disse que mantivesse a cabeça baixa.
—E a mantive! —Insistiu Daniel— Dispararam de surpresa no ventre!
Ele tentou sorrir, mas fez uma careta de dor, ele ficou pálido e seus olhos se fecharam,
enquanto perdia a consciência
Jesse rasgou o casaco e a camisa de seu irmão. Uma rápida apalpação permitiu saber que a
bala continuava no corpo de Daniel. Tinha que extrair o mais breve possível. E tinha que suturar
alguns dos vasos sanguíneos. Mas Daniel estava fraco. Perdeu muito sangue e perdia mais a cada
minuto que passava.
— Eu tenho que levá-lo para a barraca.
—Ianque, volte a tocar nesse capitão —advertiu com dureza uma voz— e será você quem
necessitará de uma tenda de campanha!
Jesse virou-se, amaldiçoando a si mesmo em silêncio. Devia ter escutado, devia ter estado
atento. Mas seu irmão estava ferido e não ouviu que dois rebeldes se aproximavam, que agora
apontavam com seus rifles.
— Ele precisa de ajuda— disse Jesse.
—Não precisamos de ajuda de nenhum ianque! Viemos buscá-lo, é nosso capitão.
—Não podem levá-lo, se não receber atenção imediata, morrerá.
—Demônios, você matará se dermos a oportunidade! Mas não daremos a nenhum cirurgião
ianque essa possibilidade. Tire as mãos de cima dele e perdoaremos a vida. Temos boas prisões no
Sul.
—Par de idiotas! —Amaldiçoou Jesse de repente. Ele levantou seu irmão nos braços
ignorando-os e se encarou com eles— É meu irmão! E eu sou um bom cirurgião e não vou permitir
que morra alguém de meu próprio sangue! Vou levá-lo! Assim, atirem!
Os homens se olharam e depois olharam para Jesse.

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—Tom — disse um deles— o capitão tem um irmão ianque que é cirurgião.


—Como sabemos que você é seu irmão? —Perguntou o outro.
—Só devem me olhar, diabos! —Amaldiçoou Jesse, exasperado, começou a andar— Não
tenho tempo para isto.
Ouviu o estalo de uma arma. Mas não se deteve. Daniel estava despertando.
—Daniel, pode dizer a estes recrutas cegos que sou seu irmão?
Daniel sorriu.
—Meninos, é meu irmão! Oh, Deus, Jesse! Leva-me de volta às linhas da União?
—Sim. —Não acrescentou que não tinha opção se quisesse sobreviver
—Capitão! —Gritou o soldado chamado Tom.
—Voltem meninos. Jesse me deixará como novo e eu retornarei por minha conta.
Os rebeldes continuaram sem deixar Jesse passar. Tom seguia teimoso em seu lugar.
—Suponhamos que você salve o capitão, doutor. Os ianques o levarão para um de seus
campos de prisioneiros. Pode ser que o julguem e fuzilem por ser espião. Talvez algum outro
médico ruim ianque ponha as mãos em cima...
—Acredita que vou deixar que levem meu irmão para um campo de prisioneiros? —Explodiu
Jesse.
Os dois homens se olharam um minuto.
—Como vai impedir? —Perguntou Tom.
Jesse sentia em seu corpo o sangue de seu irmão, quente e úmido.
—Dou minha palavra. Não deixarei que levem meu irmão. Agora ou atiram, e me matem, ou
me deixem passar. Está sangrando e precisa de ajuda urgente.
Desta vez os homens o deixaram passar.
Jesse cruzou o rio carregado Daniel, que tinha os olhos entreabertos.
—Sobreviverei, Jess?
—Pode estar certo. Não o deixarei morrer.
—Se achar que vou morrer, tentará me levar para casa? Eu gostaria de ir para casa, Jess.
—Eu também gostaria — disse Jesse— eu também.
Nunca havia sentido um anseio tão profundo de estar em Cameron Hall. Queria voltar para
casa e queria que Kiernan estivesse ali. Queria agarrá-la entre seus braços, acariciar uma nova
vida, sentar com ela junto ao fogo, contemplar o rio. Parecia estar vendo.
Daniel gemeu e a imagem se dissipou. Jesse engoliu em seco e esteve ponto de se afogar.
“Deus, se alguma vez permitir que salve uma vida, deixe que seja esta”, rezou.
Enquanto a última luz do dia se desvanecia, levou seu irmão ao interior da tenda e o
depositou ali com ternura.

Capítulo 22

Kiernan pensou que nunca fez uma viagem tão longa e penosa como o que empreendeu
naquele mês de abril.

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As chuvas apagaram muitos caminhos. A guerra impediu que os reparassem.


Estava acostumada a descer da carreta para caminhar, enquanto Tyne e Jacob aproximavam
para ajudar os cavalos a tirar de um grande buraco ou de uma sarjeta. Tiveram que deter para
retirar árvores caídas e por puro esgotamento. Naquela região não havia onde se alojar e
dormiram os quatro na carreta, juntos e amassados para dar calor.
Os soldados os obrigavam a parar continuamente.
Justo quando enfiava no caminho que descia de Montemarte, Thomas deu a Kiernan um
passe que conseguiu de um coronel unionista. Conforme disse, serviria para cruzar as linhas
ianques. Kiernan deu graças a Thomas de todo coração. A ela nem sequer ocorreu que podia
necessitar de documentos desse tipo. Entretanto, durante a viagem foi muito útil em numerosas
ocasiões.
Rapidamente percebeu que o norte da Virgínia se converteu em um lugar muito peculiar. De
um lado estavam os ianques, do outro os rebeldes e no meio as cidades totalmente devastadas.
Foi impossível pegar uma rota direta. Já estava há uma semana na estrada quando chegaram
a Richmond e ali ficaram sabendo que os exércitos estavam presos em numerosas batalhas nos
subúrbios da cidade. Os ianques foram da península em grande número e os magníficos rapazes
de cinza repeliam os invasores nas zonas limítrofes da capital sulina.
—A Richmond! —Gritavam os ianques.
Mas os rapazes do Sul, às ordens do distinto e notável general Robert E. Lee, os impediam de
passar. Na verdade, a cavalaria Jeb Stuart tinha conseguido cercar o inimigo.
Na cidade se apalpava a tensão. Kiernan nunca teria imaginado que Richmond apresentasse
o aspecto que tinha naquele momento, tão super povoada. As ruas estavam repletas de soldados
e de políticos. Os preços dispararam pela afluência de tal quantidade de gente. Janey saiu para
comprar refeição e voltou resmungando que não teve suficiente dinheiro nem para uma batata.
Kiernan, exausta e afligida por causa de todas as notícias que se inteiraram em Richmond,
ficou junto à carreta e disse a Janey que não se preocupasse.
—Gasta o que tem que gastar. Esta noite descansaremos aqui; tentaremos chegar em casa
amanhã na última hora.
—Senhorita Kiernan — disse Tyne— parece que não ouviu o que disse. Há soldados lutando
na periferia da cidade, rodeado por um anel defensivo. Não vai nos deixar passar.
—Sim nos deixarão — replicou Kiernan com altivez e depois exclamei— Eu só quero chegar
em casa! E não me deterão nem os rebeldes nem os ianques!
Enquanto Tyne e Janey foram procurar um lugar para passar a noite, ela levou Patrícia e
Jacob a um restaurante próximo no precioso edifício do capitólio.
Recordava muito bem daquele restaurante. Em outra época estava acostumada a ir
frequentemente acompanhada de seu pai. Mas agora havia uma multidão de gente na porta, que
tentava entrar. Kiernan conseguiu aproximar o bastante para dar uma olhada no interior.
Pelo menos aquilo não mudou. As mesas estavam cobertas com toalhas de um branco
imaculado, a prata e os vidros eram refinados e um violinista tocava enquanto os clientes comiam
e conversavam. Ao entrar no restaurante, percebeu que não ia adequadamente vestida para a

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elegância que o estabelecimento pedia apesar da guerra. A volumosa capa que usava servia para
ocultar surpreendentemente bem seu estado e as crianças arrumaram para apresentar seu melhor
aspecto apesar dos dias que estavam viajando.
Kiernan se desesperou ao ver a fila de gente que esperava mesa. Estava tão esgotada que
esteve a ponto de começar a chorar. A preocupação por John Mackay a gelava e dormir na carreta
tampouco pareceu fácil. A carga de todas essas responsabilidades fazia que passasse os dias com
um desconforto constante. Mas também estava decidida e, normalmente, conseguia manter a
calma apesar de tudo.
Mas aquela longa fila para conseguir uma refeição decente quase conseguiu desestabilizá-la.
—Bem, senhora Miller!
Um homem cruzava a sala em direção a eles. Era alto e esbelto e ia vestido com um
impecável casaco cinza pérola e uma camisa branca. Kiernan poderia jurar que eu nunca o tinha
visto, mas ele parecia conhecê-la.
Olhou para Jacob, ansiosa.
—Quem é esse?
— Não tenho certeza!—Respondeu ele com um sussurro— Talvez seja um dos sócios da loja
de armas.
—A loja de armas! —Exclamou ela de repente.
Patrícia, que também estava exausta, olhou Kiernan com seus ingênuos olhos castanhos
muito abertos. Kiernan se limitou a sorrir.
—A fábrica de armas Miller — murmurou— Isso nos permitirá chegar em casa.
—Senhora Miller!
O homem estava a seu lado. Uma faísca de vida prendeu no sistema nervoso de Kiernan, que
estendeu a mão para que o homem a beijasse.
—Vimo-nos a última vez em Charles Town — disse ele— durante o julgamento do infame
John Brown. Então você ainda era a senhorita Mackay. Ouvi falar de seu marido, e eu sinto muito.
Ainda assim, aqui em Richmond está tudo correndo bem. Andrew Miller, Thomas Donahue e seu
pai escolheu o local perfeito para o seu negócio no vale de Shenandoah!
—Sim, foi muito inteligente, senhor...?
—Norman. Niles Norman. Senhora Miller, a seu serviço. Se houver alguma coisa que possa
fazer por você...
— Bem, na verdade, senhor, há sim. Estou morta de sede e estas pobres crianças levam
horas de pé. Estou tentando chegar junto a meu pai o mais breve possível. Temo que esteja
bastante doente. Fizemos uma viagem horrível em uma carreta para ficar com ele, através dos
perigosos caminhos. E agora, bom, estamos famintos, esgotados, e...
Acompanhou tudo aquilo com um gesto ambíguo com a mão e em seus olhos apareceu uma
lágrima.
Jacob a olhou arqueando uma sobrancelha.
Niles Norman se colocou imediatamente a seu serviço.
Não tiveram que esperar nem um minuto mais. Niles conhecia alguém naquele lugar e

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imediatamente estavam sentados. No final de poucos minutos tinham diante uma fantástica
travessa de cordeiro com geleia de hortelã, batata-doce e feijões verdes, banhado em molho de
manteiga.
Para Kiernan pareceu à melhor refeição que provou.
Niles Norman ficou um momento com eles para conversar sobre a guerra. Embora os
ianques estivessem apertando as porcas ali em Richmond, eles não tinham medo absolutamente.
O general Lee os manteria na linha.
Kiernan sorriu com doçura.
— Então, não devemos ter problemas para atravessar a península, certo?
Niles Norman franziu o cenho.
—Mas senhora Miller, este não parece o melhor momento para ...
—Pois deve ser senhor Norman! Eu tenho que cruzar!
Levou o lenço aos olhos e no final de uns segundos, Norman estava prometendo que
conseguiria um passe. Por fim, ela, em parte, era proprietária da loja de armas Miller e onde
estariam os confederados de não fosse por essas armas?
Jacob a seguia interrogando com o olhar. Ela deu-lhe um pontapé debaixo da mesa,
enquanto Niles Norman revoava nervoso a seu redor.
Kiernan o obsequiou com um fascinante e afetuoso sorriso.
Na cidade, os quartos eram escassos, mas mesmo assim, Niles Norman conseguiu dois, com
suficiente espaço para Jane e Tyne. Quando Niles desejou boa noite a Kiernan, pigarreou várias
vezes e depois disse que adoraria vê-la novamente. Claro que esse não era um bom momento,
mas...
—Senhor — interrompeu Jacob— não sabe até que ponto é um mau momento!
—Jacob! — Protestou ela com afeto.
Então foi Jacob que sorriu com ingenuidade e doçura.
—Sinto muito, senhor Norman. Mas veja Kiernan não está preparada para nada neste
momento.
—Em nome de Deus, o que acreditava que estava fazendo? —Perguntou Kiernan furiosa
para o menino, quando por fim o senhor Norman os deixou sozinhos.
Jacob a olhou com expressão de censura.
— Você estava flertando!
—Tinha que flertar! —Respondeu estupefata— De que outra forma conseguiria alguma
coisa?
— Você está grávida de sete meses de outro homem...
—Jacob! —Exclamou Kiernan.
De repente se sentiu tão indignada que mal pôde conter-se. Esteve a ponto de esbofeteá-lo.
No fundo de seus olhos se formaram lágrimas ameaçadoras e teve que apertar os dedos com força
e dar um passo para trás para não golpear Jacob.
— Mesmo você defende Jesse! —murmurou— Maldição!
Sentia tão fraca e o bebê pesava tanto, que por muito que amasse essa vida que estava

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formando em seu interior, aquela gravidez era uma prova muito dura. Naquele momento não
podia evitar culpar Jesse.
—Está defendendo um ianque! O ianque que se apoderou de sua casa!
—É o pai de seu filho e sei que não gostaria nada que flertasse— disse Jacob, que depois de
hesitar a princípio se mostrava firmemente convencido— Eu... sei por que o conheço! Conheço e,
bem, simplesmente não têm o direito de flertar dessa maneira!
Não tinha nenhum direito de flertar por causa de Jesse? Ah, se não fosse por Jesse... Se não
fosse porque, absurdamente, amava contra toda lógica, não se encontraria então nesse apuro.
Não, não; ela desejava seu filho.
—Você, jovem Miller, não tem direito, não tem nenhum direito absolutamente de me dizer
o que posso ou não posso fazer — replicou a Jacob.
Sabia que brigar com ele era um engano, mas estava muito tensa e cansada para tentar
explicar. E dava medo sentir a beira do pranto. Agora não podia desmaiar. Estava muito perto de
casa.
—Oh, por favor! Parem já, os dois! —Suplicou Patrícia.
Kiernan, surpreendida pelas palavras de Patrícia, voltou para olhá-la.
—Jacob... —A menina, que não era tão ousada como seu irmão, hesitou— Jacob só defende
o capitão Cameron e você ama o capitão Cameron, não é, Kiernan?
Ela engoliu em seco e depois assentiu.
—Amo há muito tempo — admitiu com um suave murmúrio— Desde muito antes da guerra.
Se a guerra não tivesse explodido, provavelmente teria me casado com ele. Quanto a Anthony,
têm que entender.
—Entendemos — interrompeu Jacob com serena dignidade e oferecendo uma ameaça de
sorriso— foi uma boa viúva de Anthony. Teria sido muito boa esposa.
Beijou-a no rosto e foi para o quarto onde ia dormir. Kiernan o ajudou a deitar-se e depois
Patricia a rodeou com seu braço. Nesse momento, as lágrimas começaram a cair por suas faces.
—Kiernan! —sussurrou Patrícia, alarmada— O quê...?
—Amo você. Amo aos dois — disse, e rapidamente secou as lágrimas e acompanhou à
menina ao quarto que iriam compartilhar.

Na manhã seguinte eles retomaram a marcha.


Tyne estalou as rédeas sobre os lombos dos cavalos e a carreta avançou caminho abaixo.
Acabavam de deixar para trás a cidade com suas elegantes fileiras de casas de tijolo vermelho,
quando uma sentinela os mandou parar. Kiernan mostrou o salvo-conduto confederado que Niles
Norman conseguiu e o soldado coçou a cabeça.
—Senhora Miller, com todos meu respeito, o campo de batalha está muito perto daqui.
—Agora mesmo a batalha está além de Williamsburg, não é? —Perguntou ela.
—Sim, senhora.
—Então, é ali aonde vou — respondeu amavelmente.
O soldado os deixou passar a contra gosto. Mas uns duzentos e cinquenta metros mais

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adiante, Kiernan disse a Tyne que parasse a carreta. Ela voltou para falar com os gêmeos.
— Eu não tinha o direito de colocá-los nisto. Levarei-os de volta a Richmond e depois
cruzarei por minha conta.
—Agora já não temos tempo — respondeu Jacob com teimosia e deixou no ar uma pergunta
— O que acontecerá a seu pai...?
—Talvez meu pai já esteja morto, Jacob. E comprometer vocês não ajudará.
Kiernan pensou que se John estivesse morto não seria capaz de suportar. Mas teria que
suportar. Acontecesse o que acontecesse, tinha que sobreviver e esforçar em ser forte por Jacob,
Patrícia e pelo filho.
—Iremos com você — disse Patrícia— Os ianques não nos dão medo. Já vivemos com eles,
lembra?
—Sim,eu lembro.
—Deveria recordá-lo — disse Jacob em voz baixa e sorrindo. Converteu-se no defensor de
Jesse, e parecia desfrutar burlando dos deslizes de Kiernan.
— Realmente você é muito gentil para não permitir que me esqueça — respondeu com
doçura, mas apertando os dentes— Tyne, vamos seguir em frente.
Ao pé do caminho eles se encontraram com outro sentinela confederado e recebeu um novo
aviso.
Uma hora depois, enfrentaram uma visão de absoluta devastação. Chegaram pouco depois
de uma batalha. Patrícia gritou ao ver um corpo estendido no meio do caminho e Kiernan
rapidamente obrigou à menina a fechar os olhos e apoiar a cabeça em seu ombro. Seguiram
adiante e ela também teve que cerrar os maxilares.
— Vamos, pelo amor de Deus!—suplicou Tyne.
Kiernan contemplou o caminho por cima da cabeleira loira de Patrícia. Mais adiante havia
mais sentinelas com uniforme azul. Pelas margens da estrada desfilavam os soldados, dezenas de
soldados. Tyne segurou as rédeas e o coração de Kiernan começou a bater descontroladamente.
—Não nos acontecerá nada! —Disse para tranquilizar Tyne e as crianças. Mas estava
tremendo. Tal como Jacob teve a amabilidade de recordar, já viu outros ianques antes, viu-os de
perto.
Mas nunca viram tantos.
—Alto! —Ordenou uma voz.
Tyne segurou as rédeas e um soldado de infantaria se aproximou da carroça. O jovem olhou
a Kiernan.
—Senhora, onde acredita que vai?
—Para casa. Tento chegar em minha casa. E você se interpõe em meu caminho.
—Senhora, há batalhas por todos os arredores e por toda a península.
Kiernan sentiu que o coração golpeava as paredes do peito e rezou por seguir tendo uma
casa para aonde ir.
— Você tem que me deixar passar.
—Sinto muito, senhora. Eu não posso.

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—Mas por quê?


—Negro — disse o soldado a Tyne— leva essa carreta até ali. Lamento mas você e as
crianças terão que me acompanhar para ver o general. Venham agora mesmo.
Não tinha escolha. Kiernan desceu da carreta e ajudou Patrícia. Depois se aproximou de
Jacob, mas ele não deixou que o tocasse.
—Aqui terá que se comportar — advertiu.
Ele arqueou uma sobrancelha.
—Jacob...
—Senhora, deve vir comigo, agora — repetiu o soldado.
—Você vá diante, senhor, eu seguirei.
Baixou um pouco mais o capuz sobre a testa, para proteger dos olhares que lhe dirigiam ao
passar, mais que do frio daquela manhã úmida e chuvosa. O soldado os conduziu entre filas e filas
de homens; homens cansados, feridos. Homens que partiam sujos de barro e ataduras. Alguns
foram mancando e usavam os rifles como muletas.
—Cortejo fúnebre! Alto! —ordenou um oficial.
Eles passaram junto aos soldados encarregados da difícil tarefa de enterrar seus
companheiros mortos em solo inimigo. Passaram junto a homens que pareciam ociosos. Alguns
estavam deitados sobre a grama junto a suas esteiras, mastigando pão seco; havia outros que
apoiavam as costas em alguma árvore e mordiscavam fibras de grama. Havia muitos com a
cabeça, os pés ou os braços enfaixados, e outros com atadura em lugar dos membros.
O coração de Kiernan palpitava e tinha os músculos duros. De repente, nas profundidades de
seu útero, a criança se moveu repentina e violentamente, como se também tivesse visto os
estragos da batalha e reagisse contra eles.
Os homens a contemplaram passando acompanhada de Jacob e Patrícia. Alguns sorriram e
levaram a mão ao chapéu. Outros olharam atentos, outros com curiosidade e outros
simplesmente esgotados.
Alguns a olharam como se ela fosse o inimigo, como qualquer dos homens vestidos de cinza
a que enfrentavam em combate.
Kiernan apertou o passo e pegou Patrícia pelo ombro. De repente, o soldado que ia à frente
parou em frente a uma tenda enorme.
—Espere aqui, senhora. —Deixou-a ali de pé com Patrícia e Jacob.
O menino se fixou em um grupo de ianques feridos que havia do outro lado do caminho,
deitados na grama sobre seus capotes.
—Jacob, por favor, aqui deve ir com muito cuidado. Sei que os odeia, mas agora temos que
tratar com eles.
Jacob arqueou uma sobrancelha e assinalou um homem que estava no chão ao que faltava a
panturrilha e o pé esquerdos, e a mão direita.
—É difícil odiar um homem que tem esse aspecto, Kiernan — disse em voz baixa.
—Kiernan, quanto tempo teremos que ficar aqui? — Perguntou Patrícia, ansiosa.
—Eu não sei — respondeu ela com franqueza.

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Pensou que os ianques eram bastante mal educados por deixá-la de pé ali fora. As costas a
estava matando. A capa que usava dava cada vez mais calor agora que o sol começava a subir, mas
se a tirasse seu estado ficaria evidente. Perguntou se aquilo tinha importância, se a algum
daqueles homens importaria que esperasse um filho, abençoado ou não pelo santo matrimônio.
Foram passando os minutos. O sol esquentava cada vez mais e as costas começaram a doer
muito.
— Perdoe-me, — disse às crianças.
—Kiernan — começou Jacob, mas antes que pudesse detê-la, ela virou-se e invadiu a barraca
dos oficiais.
Havia um grupo de militares ao redor de uma mesa coberta de mapas. Kiernan olhou
diretamente nos rostos daqueles ianques, emoldurados por seus distinguidos chapéus de plumas.
— Desculpe-me. Mas, cavalheiros, vocês não são só o inimigo, que invadem minha casa,
meu estado e minha terra; além disso, vocês são terrivelmente mal educados.
Sua aparição foi seguida de um silêncio sepulcral; um dos homens tentou esconder os
mapas. Um cavalheiro de cabelo grisalho se aproximou.
— Perdoa-nos, senhora. Receio que tenhamos sido terrivelmente rude. Porque eu não fui
informado da presença desta senhora? —Perguntou.
O soldado que a acompanhou deu um passo à frente e fez a saudação de rigor.
—General, o coronel me disse para não para não interrompê-lo, senhor.
—Senhora, por favor, diga-me o que posso fazer por você? Sou o general Jensen e estarei
encantado em me pôr ao seu dispor.
—Quero ir para casa, general, e suas tropas estão me impedindo isso.
—É urgente que você chegue em casa?
—Meu pai está doente, senhor.
De repente, ouviu um grunhido e um homem se aproximou. Kiernan arregalou os ao
reconhecer o capitão Hugh Norris, aquele militar de cavalaria que se mostrou tão ansioso por
reduzir Montemarte a cinzas.
—Norris, exijo uma explicação por seu comportamento! —Disse com rudeza o general
Jensen.
—É uma Miller, general.
—E isso o que significa capitão?
—Isso só já deveria bastar, general. A fábrica de armas Miller. Ela é proprietária de parte da
empresa.
—Já vejo — murmurou o oficial, que examinou Kiernan enquanto coçava o queixo.
—Além disso — continuou Norris— alguns de nossos homens estão convencidos de que se
dedicava a espionar em Harpers Ferry. Os rebeldes que havia ali conseguiram escapar várias vezes.
—Esses rebeldes escaparam senhor, porque são muito mais preparados que você — disse
Kiernan amavelmente.
Por um momento acreditou que Norris ia se lançar sobre ela. Mas o general Jensen se
interpunha entre eles. Estava claro que Norris a odiava e era óbvio que desejava sua morte.

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Kiernan voltou o olhar para o oficial mais veterano.


—General Jensen, juro que não sou uma espiã. Meu pai está doente e desejo
desesperadamente ir para lá.
—Senhora Miller — disse Jensen com um suspiro de cansaço— Terei que rogar que espere
fora alguns minutos enquanto esclareço algumas coisas. Soldado Riker, traga uma cadeira para a
senhora e ofereça um pouco de café.
O mundo de Kiernan afundou. Hugh Norris tinha muitas coisas para contar a seu superior.
Riker, o soldado que a escoltou até a tenda, pegou-a pelo braço para acompanhá-la para
fora. Kiernan era consciente de que, no momento, tinha que aparentar ser tão doce, inocente e
inofensiva como pudesse.
—Por favor, senhor — disse ao general, voltando para olhar por cima do ombro enquanto
Riker a conduzia fora, —eu só quero ir para casa.
—E onde está sua casa?
—À uma hora de Williamsburg — respondeu ela.
— Dá-me um minuto, senhora.
Como não tinha muitas opções, baixou a cabeça e deixou que Riker a tirasse dali.
Kiernan pensava que a aquelas alturas, Jacob já se teria quebrado o pescoço de algum
ianque, mas o menino parecia estranhamente parado. Observou com o cenho franzido, enquanto
Riker aproximava com uma cadeira dobrável Jacob parecia um gato que comeu a um canário.
Queria perguntar o que acontecia, mas o soldado Riker não os deixaria a sós. Pediu café e
resultou que o tinha ali mesmo, em um fogo que estava justo diante deles. Riker não se moveu de
seu lado.
De repente apareceu um soldado.
—Uma mensagem para o general, recruta! Deixe-me passar!
Riker afastou e seu companheiro entrou. Eles seguiram esperando.
Um oficial saiu da tenda e Kiernan se levantou de um salto.
—Senhor...
—Sinto muito, senhora — disse o homem— O coronel insiste em que fique.
—O coronel? —Disse ela, perguntando a que coronel se referia.
—Sente-se. Em seguida ele estará com você.
Acabava de voltar a sentar, quando ouviu o som dos cascos de um cavalo que se aproximava
a toda pressa. Levantou-se de repente, convencida de que o animal ia passar por cima dela.
Ao reconhecer o cavaleiro abriu os olhos, assombrada.
Jesse.
Ele era o coronel que exigiu que a retivesse!
Jesse puxou bruscamente as rédeas de Pegasus e desmontou de um salto. antes que se
desse conta, Kiernan estava diante daquele olhar duro que não viu desde Harpers Ferry.
Mas era uma dureza diferente. Jesse parecia absolutamente furioso.
Tinha o cabelo revolto, com mechas negras que caíam sobre seus tormentosos olhos. Não
usava chapéu e suas botas de cano negro estavam cobertas pelo lodo que salpicou o caminho até

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ali. Afundou os dedos ao redor dos braços de Kiernan, dedos fechados e apertados, quase brutais.
Falou em um sussurro breve e desesperado, para que chegasse unicamente nos ouvidos de
Kiernan.
—Ajude-me Kiernan. siga-me na corrente.
Depois mudou de atitude. Utilizou umas palavras e um tom de acordo com a ferocidade e a
rudeza de suas mãos.
—Kiernan!
Falou tão alto e com tal brutalidade que sua voz chegou até o interior da tenda. De repente,
o general separou uma aba, saiu e parou na frente deles. Jesse estava tão ofuscado que pareceu
não ver.
—Sim, eu soube de seu estado, senhora Miller. Mas nunca imaginei que me perseguiria
através de um país em guerra! Na verdade, pedi uma permissão para acompanhá-la para casa,
senhora, mas não espere nada mais de mim! Não me casarei contigo para salvar sua honra! Quem
sabe o que planejava com todos esses rebeldes amigos seus que entravam e saíam a toda horas!
“siga-me a corrente!” Imaginou ela essas palavras ou foram reais? O que estava fazendo
Jesse? Todo mundo estava ouvindo como zombava de um modo cruel dela e de tudo o que
aconteceu entre ambos. Notou que o sangue ardia nas faces e apesar do que ele havia sussurrado,
ficou ferida e com raiva.
—Do que está falando?
—Não me casarei com você, Kiernan! Não farei!
Ela deixou escapar uma exclamação de espanto. O que poderia ter acontecido para Jesse se
comportar assim?
—Não necessito que ninguém me acompanhe para casa e você é o último homem com
quem me casaria! —Gritou Kiernan tremendo de raiva.
Deus bendito, esse não podia ser Jesse! Com esses olhos acesos, essa brutal forma de
agarrá-la, tratá-la assim diante de todas essas pessoas... deixando como uma tola e a ele como um
bastardo.
“Siga-me a corrente!”, disse. Bem, esperava estar seguindo a corrente como ele queria.
Sentia confusa, indignada e triste, e desejava com desespero afastar dele e de todos os ianques
que havia ali.
—Solte-me! —Exigiu. Estava fora de si e tratou de dar-lhe um chute. Ele a atraiu com rudeza,
enquanto ela lutava com maior afinco— Jesse, estúpido soldado azul! Não estou em estado.
—Mentirosa!
Em menos de um segundo conseguiria atraí-la mais para ele, encostou o ventre e saberia
que efetivamente estava grávida.
Já a tinha suficientemente perto. Agora já sabia que estava a ponto de ser pai.
Mas seguia com aquele estranho jogo.
—Maldição, senhora! Eu não vou casar-me com você!
Esse não era Jesse. Porque de acordo com a educação que recebeu e com seus princípios
sobre o que era correto ou incorreto, ele teria pedido em casamento a mãe de seu filho,

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independentemente do que os seus sentimentos..


Ao menos, Jesse que ela conhecia teria feito isso.
Kiernan levantou o queixo. “siga-me a corrente!” O que significava esse truque? Era algo
humilhante!
—Jesse, maldito me solte!
Mas antes de dar-se conta, ele tirou sua capa e seu estado se tornou evidente para todos os
presentes.
Então, o general Jensen dirigiu a Jesse gritando:
—Coronel Cameron!
—Senhor!
Imediatamente, Jesse deu meia volta e saudou como se acabasse de perceber que o general
estava ali. Hugh Norris seguia a seu lado, rindo de Kiernan e de Jesse.
—Pelo amor de Deus, o que acontece aqui? —Insistiu o general.
—É uma questão pessoal, senhor! —Disse Jesse.
—Coronel Cameron, com a senhora diante de todos nós deixa de ser pessoal. Esse filho é
seu?
Jesse, que era mais alto que os outros, estava muito ereto, com os pés cravados no chão e
com uma postura claramente militar. De repente parecia estático.
—Talvez — respondeu.
Kiernan grunhiu surpreendida e furiosa.
—Talvez! —Repetiu Hugh Norris rindo— Ele se instalou na casa! Eu disse que ela era uma
espiã! Tinha uma atitude encantadora, mas eu a desmascarei, senhor. Em troca, Cameron se
deixou enganar.
—Eu nunca me deixei enganar, senhor. Ela foi muito sedutora e tentou me enganar, mas eu
nunca me deixei enganar. Coloquei-a sobre prisão domiciliar.
—Já não aguento mais! —exclamou Kiernan, indignada— Vou para casa. Se me confiscarem
a carreta irei andando e, general, penso seguir meu caminho a menos que você me dispare. Mas
se o fizer com a ajuda de Deus a notícia chegará a todos os jornais do mundo civilizado!
Entretanto, antes que pudesse virar-se, Jesse a deteve.
—Não irá a nenhuma parte!
—Coronel! —Repreendeu o general Jensen— Jovem senhora meus homens não disparam
em mulheres pelas costas.
Kiernan se sentia totalmente incapaz de entender Jesse. Por que estava fazendo aquela
cena? Amava e desejava apesar de tudo. Mas pelo visto, as cores azul e cinza voltavam a interpor-
se entre eles e causavam uma profunda dor. Ela só queria ir para casa e ver seu pai.
Queria dar a luz a seu filho.
O filho de Jesse.
Ergueu os ombros e se dirigiu muito digna, ao general.
—Bastardos ianques! —Disse em voz baixa— Vocês invadiram minha casa e a utilizaram a
sua vontade. Vocês ameaçaram minha forma de vida. Vocês mataram meu marido e agora vocês...

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—Estou a ponto de pôr remédio a esta situação, senhora Miller — insistiu o general— Os
soldados da União que estão sob minhas são cavalheiros. O filho que espera é do coronel
Cameron?
Kiernan demorou muito em responder, porque todo mundo a olhava e quis negá-lo, arrojar-
lhe no rosto.
—Sim! — Exclamou Jesse— De acordo, sim! Estou seguro de que é meu filho.
—Tragam o padre Darby. Casarão imediatamente — ordenou Jensen— Me ouviu, coronel
Cameron? É uma ordem! Não permitirei que acusem este exército de povoar o Sul com bastardos!
Jesse ficou mudo. Com a mandíbula torcida em um gesto de raiva e como se procurasse a
forma de evitar casar com ela. Mas finalmente olhou à frente e esperou.
—Ouviu-me, coronel?
—Sim, senhor — soltou Jesse finalmente, assumindo seu dever de homem honrado.
—Esperem! —Protestou Kiernan. Não estava disposta a casar ali e nesse momento. Não sem
poder falar primeiro com Jesse. Não sem entender o que estava passando!— Esperem! Eu não...!
De repente Jesse a atraiu para si e a abraçou com tal força que ela acreditou que ia
desmaiar. Seus olhos, mais azuis que o céu do verão, com um azul penetrante vibrante e cortante,
perfurando o olhar. Seus lábios a roçaram com um sussurro urgente e desesperado.
—Aceita, Kiernan!
—Solte...! — Tentou dizer ela.
Mas ele a apertou em seus braços e murmurou com um apresso ainda maior:
—Eu preciso de uma razão para sair com urgência. Eu tenho que levá-la para casa. Daniel
está aqui, ferido. Devo tirá-lo daqui e esconder! Sua vida corre perigo!
Daniel!
Ela ficou imóvel e por fim compreendeu. Jesse se viu obrigado a representar aquela farsa,
que ambos a representassem, para que ninguém questionasse que abandonasse sua companhia
quando a batalha se desenrolava ao redor dele.
Os gêmeos seguiam juntos a certa distância, absolutamente imóveis. Jacob, o lutador e
orgulhoso Jacob, não disse nenhuma palavra em defesa de Kiernan durante todo esse momento...
porque sabia. De algum modo se informou de Daniel.
Onde estava Daniel agora? Eram graves suas feridas?
—Senhora Miller — disse o general Jensen em tom conciliador pondo uma mão no braço e
outra no ombro de Jesse— nós solucionaremos este problema. O coronel é um bom homem e,
normalmente, está acostumado a ser inclusive um cavalheiro. Mas agora acabemos com isto, de
acordo? Aqui está o padre Darby. Padre, este é o coronel Cameron. Senhora Miller, aproxime e
fique aqui.
O padre Darby era um homem alto e magro com uma expressão triste, que indicava que sua
missão era sobre tudo proporcionar consolo aos moribundos. Ordenar que celebrasse um
casamento em plena linha de fogo parecia surpreendê-lo bastante.
—Ambos devem estar de acordo em casar — apontou, enquanto olhava a Jesse, um pouco
confuso.

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—Os dois estão de acordo! — Disse o general Jensen.


—Jesse?
—Sim. — Jesse cedeu com um prolongado e teatral suspiro— Estou de acordo.
—E você, senhora...
—Senhora Kiernan Miller — esclareceu ela— e eu...
Jesse deu um pisão tão forte que esteve a ponto de fazê-la chorar.
—Estou de acordo!
Antes que pudesse reagir, Jesse a puxou pela mão.
Patrícia e Jacob seguiam atrás em silêncio, enquanto o recruta Riker e Hugh Norris os
olhavam. Norris não deixou de rir em todo o momento.
O general Jensen fez às vezes de acompanhante de Kiernan.
Em menos de cinco minutos, Jesse e ela trocaram os votos. Kiernan se encontrou com o selo
de Jesse no dedo, pesado e muito grande, e o anel dourado de Anthony guardado no bolso.
Darby pigarreou.
—Bem, coronel, agora é quando deveria dizer que beije a noiva, mas aparentemente você já
se ocupou disso. Não há necessidade de incentivá-lo a beijá-la.
Jesse não afastava os olhos de Kiernan.
—Mas, padre Darby, tenho a intenção de conseguir um beijo.
Aquele não foi um beijo protocolar. Ele não a estreitou com reverencia entre seus braços,
nem ela sentiu uma doce pressão nos lábios.
Em lugar disso, agarrou nos braços e a levou a parte de trás da tenda, longe de outros, e a
estreitou entre seus braços. Só então a acariciou com os lábios.
Ali coincidiram todo o ardor, o sabor do paraíso e uma amostra do fogo do inferno. Ela quis
resistir a essa carícia e lutou contra ele pela desonra que jogava sobre eles agora que estavam
casados. Lutou com esforço...
Mas nada conseguiria apagar jamais a magia daquele beijo. Nada podia sufocar a
intensidade daquela profunda paixão. Novamente, ele esteve longe muito tempo e nada podia
eliminar a doçura e o calor.
Nada... exceto o próprio Jesse.
Afastou ligeiramente os lábios e os manteve muito perto da boca de Kiernan.
—Devemos ir! — Murmurou com veemência— Tenho que cruzar as linhas com Daniel em
segredo. Você entendeu?
Ela demorou muito em responder por que ele, que seguia retendo, sacudiu-a.
— Você entendeu?
—Sim! —vaiou ela.
—Coronel! —Era o grito afogado do padre Darby.
De repente, Kiernan voltava a ter os pés no chão e Jesse a arrastava de volta diante do
general.
—Senhor! Solicito uma permissão para levar minha esposa para casa!
O general Jensen moveu a cabeça em um gesto negativo.

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— Coronel, estamos no meio de uma campanha crucial. Eu não posso deixá-lo ir.
Kiernan quis dar um bofetão no rosto de Jesse com todas suas forças. . Mas ela percebeu
que havia um problema: sabia que em caso algum, seria capaz de mentir sobre Daniel.
Imediatamente ocorreu como ajudar.
Em uma ocasião, ele a acusou de ser uma atriz maravilhosa. Chegou o momento de pôr a
prova esse talento.
—Ai! —Gritou.
Caiu ao chão tentando o possível não prejudicar o bebê. Imediatamente, Jesse foi a seu
lado, passou um braço pelos ombros e a atraiu para si.
—Ai, Jesse! A criança! Ah!—Gemeu.
—Coronel Cameron! Leve sua esposa a um lugar onde esteja cômoda! —ordenou o general
Jensen.
—Não! —Gritou ela lutando contra o abraço de Jesse como uma histérica— Ianques
desprezíveis! Invadem minha casa e ficam com tudo! Destroçam minha vida e agora pretendem
que tenha meu filho no campo de batalha!
Patrícia deu um passo à frente.
—Canalha! —Espetou, indignada, ao general.
Kiernan voltou a gemer e a queixar com autêntico dramatismo. Nunca conseguiria enganar
Jesse com aquela representação. Nunca em sua vida conseguiu enganá-lo.
Mas naquele momento havia muito em jogo. Kiernan uivou como se alguém tivessem
enfiado uma faca e logo exclamou, crispada
—Eu quero ir para casa!
—Francamente, senhora Cameron —disse Hugh Norris— o que você quer não tem
importância! Isto é uma guerra!
—Eu quero ir para casa! —Voltou a gemer. Norris, o bastardo! Se deu conta de que algo
acontecia e pelo visto odiava Jesse quase tanto como a odiava — Por favor! Quero ter meu filho
em casa!
O general Jensen era um bom homem que obviamente estava muito preocupado e tentou
tranquilizá-la.
—Deus bendito! Mas, seu marido está aqui, senhora Mill... senhora Cameron! Pode ser que
tenha se comportado como um trapaceiro, mas é um dos melhores médicos do exército da União!
Você estará em suas mãos...
— Eu te odeio! Eu quero ir para casa! Meu pai está doente e eu quero ir para casa! Quero
que meu filho nasça em casa! Se você me obrigar ter meu filho no campo de batalha, juro...
—Sim, sim! Que todos os jornais do mundo saberão. —Jensen, farto, terminou a frase—
Você ganhou senhora... ah, Cameron. Coronel, leve sua mulher para casa. Senhora tem você vinte
e quatro horas para dar a luz a essa criança. Depois, coronel, quero você de volta no campo de
batalha.
Jesse fez uma saudação parcial.
—Sim, senhor!

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Hugh Norris entreabriu os olhos e apertou a mandíbula, mas não podia fazer nada. O general
Jensen já comunicou suas ordens.
Jesse levantou Kiernan nos braços e a tirou da tenda. Patrícia e Jacob os seguiram a toda
pressa.
Aquele abraço não teve nada de romântico. Assim que estiveram fora, deixou-a no chão e
começou a repartir instruções aos outros.
—Jacob, depressa, traga Tyne e a carreta! sigam-nos Pegasus e a mim até a tenda do
hospital. Kiernan sobe na carreta e finge que tem as dores.
Ela assentiu levemente. Uma dor aguda a atravessou e teve que apertar os dentes com
força.
Então comprovou com surpresa que já não precisava continuar fingindo.

Capítulo 23

Demoraram um bom momento para chegar do campo principal até a tenda de Jesse.
Kiernan compreendeu então que o grosso do exército devia ter empreendido uma retirada tática,
deixando que Jesse se ocupasse dos feridos atrás.
Enquanto se encaminhavam ao hospital de campanha deixou de sentir aquela dor, surdo e
intenso, na parte baixa das costas. Começava a pensar que imaginou aquela sensação quando
apareceu de novo. Sentiu em pânico e esteve tentada a gritar e solicitar ajuda. O bebê chegava
antes de tempo, pois o nascimento não estava previsto até quatro semanas mais tarde.
Repentinamente, Kiernan se sentiu aterrorizada e pensou se seu desespero por chegar junto a seu
pai podia ter posto em perigo a segurança do seu filho.
Ela mordeu as juntas dos dedos com força e ficou quieta. Seguia sem entender tudo o que
estava acontecendo, mas a vida de Daniel também corria perigo. Lacey disse que o primeiro parto
estava acostumado a ser muito comprido, que às vezes durava todo um dia, à noite e parte do dia
seguinte. Tinha que manter em silêncio. Finalmente a dor mitigou.
Quando chegaram a tenda, Jesse desmontou de Pegasus e gritou com brutalidade:
—Tyne, dê-me uma mão! Os outros fique aqui.
Kiernan ignorou a ordem e desceu apoiando com cuidado na carreta. Correu atrás de Tyne,
que seguiu Jesse.
Ao dar-se conta de que ela estava ali, ele voltou furioso.
—Disse que ficasse na carreta!
Ela tinha os olhos cheios de lágrimas que não estava disposta a verter.
—Desde que te vi esteve me dizendo o que devo fazer e o que você quer e não quer fazer!
Ele colocou as mãos em seus ombros com firmeza.
—Daniel...
— Sim, Daniel! Sua vida está em perigo e se você tivesse dito desde o início, eu não me
sentiria tão humilhada quando me obrigou a me casar com você!
—Teria dito se pudesse. Pedi que me seguisse à corrente! Não parece conveniente que

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tenha me casado contigo?


Kiernan protestou imediatamente.
—Eu não precisava me casar por conveniência! Posso cuidar de mim mesma perfeitamente.
—Mas talvez meu filho não teria gostado de ser criado como um bastardo!
—Esta conversa é desnecessária neste momento — atalhou Kiernan com frieza— Se
simplesmente me houvesse dito...
— Eu não poderia aparecer e dizer isso. Eu já tinha pedido uma permissão e me negaram!
Essa era a única forma.
Kiernan seguia tendo vontade de gritar, assim que se separou dele.
—Casei-me com você para salvar Daniel —insistiu com teimosia— Ao menos pode me deixar
vê-lo. Está aqui, verdade?
—Senhorita Kiernan — disse Tyne, abordando com diplomacia— deixemos que o coronel
Cameron entre no carro; depois poderá vê-lo.
—Sim, e devemos nos apressar — repetiu Jesse com rudeza— Esta região está lotada de
tropas de ambos os lados. Quero levá-lo para casa.
Ele começou a sair, mas depois voltou, ficou na frente dela e a abraçou.
— Eu preciso de você, Kiernan, agora eu preciso de você! A mim pode dizer tudo o que
queira. Abandone-me, se quiser. Sigo sendo o que mais odeia e despreza no mundo, mas pelo
amor de Deus, agora me ajude.
Kiernan se sentiu presa de uma emoção cuja intensidade era sufocante. Havia muita coisa
em jogo.
— Obviamente, eu quero ajudar, bobo!
—Ser minha esposa há apenas alguns minutos e me insultando deveria me ofender —
respondeu ele. Mas suas palavras eram suaves e carinhosas e falou com um triste sorriso nos
lábios— O que precisamos senhora é uma trégua. Uma paz privada. Um cessar-fogo. Você
entendeu?
Ela assentiu.
—Jesse, ele está muito grave?
—Ontem à noite extraí a bala. Não há nenhum órgão afetado. É forte como um touro. Só
precisa recuperar em algum lugar onde o ar seja fresco e a brisa, boa. Não posso deixar que o
levem a um campo de prisioneiros. Compreende?
Ela fez um gesto afirmativo. Em uma prisão imunda certamente morreria.
—Sim.
—Está comigo? Uma trégua?
—Uma trégua. Uma paz privada — aceitou ela.
—Kiernan — advertiu Jesse, muito tenso—Talvez isto seja a coisa mais perigosa que nós dois
já fizemos. Os ianques perseguirão Daniel e os rebeldes estariam encantados em me dar um tiro.
Você ainda quer participar?
Olhou-a com olhos cintilantes. Teriam que deixar as diferenças que se interpunham entre
eles para mais a frente; agora não era o momento.

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—Eu ia cruzar as linhas de todos os modos, Jesse. Vou para casa. Meu pai precisa de mim e
eu preciso dele. Agora Daniel também precisa de mim. Não tenho medo, Jesse.
—Você nunca teve medo — disse ele com carinho— E isso, meu amor, pode ser sua
perdição. Confia em mim. Eu neste momento tenho medo, um medo terrível.
Ela olhou-o atônita.
—Não tenho a intenção de morrer em frente a um pelotão de fuzilamento.
Ela ficou olhando, silenciosa e imóvel, enquanto ele se afastava. No final de um segundo
reapareceu com Tyne e o cabo O’Malley, que subiram uma maca à carreta. O ferido ia envolto em
um lençol branco.
—Deixem passar — gritou a Patrícia, Jacob e Janey. Os três se afastaram para que pudessem
depositar a maca no chão da carreta. Kiernan cravou o olhar em O’Malley, que evidentemente
sabia que tinha um rebelde a seu cargo.
O’Malley, com uma expressão inocente que teria sido muito útil em uma partida de pôquer,
saudou-a com o chapéu.
—Bom dia, senhora.
—Bom dia, cabo — respondeu ela.
— Um belo dia para passear.
—Isso parece, cabo. Você vem conosco?
—Não, senhora, o coronel não me permitiria isso. Devo me ocupar de comunicar suas
ordens aos outros médicos.
—Eu entendo.
—Você cuide do coronel, senhora.
—Farei.
O’Malley aproximou um pouco mais.
—Cuide bem! —Disse precipitadamente— Está tão empenhado em salvar seu irmão que
está arriscando sua própria vida. Por esconder um soldado com uniforme cinza, os de seu lado o
fuzilariam por traição. E se os rebeldes o pegam, podem fuzilar como espião. Senhora, vocês vão
empreender uma viagem muito perigosa!
—Kiernan! —Chamou Jesse com impaciência.
Ai, Jesse, pensou durante um segundo, certamente era um louco! Entretanto, o que outra
coisa podia fazer? Do mesmo modo que escolheu lutar pela União, agora escolheu lutar por
Daniel. Ela não podia mudar. Ele tomou sua decisão. Mas o amava. As circunstâncias de seu
casamento podiam ter aumentado suas diferenças, mas continuava o amando.
—Kiernan!—Voltou a gritar Jesse.
—Sim, já vou.
Esticou os ombros, O’Malley a saudou e ela se dirigiu a toda pressa à parte posterior da
carreta. Elevou o olhar para Jesse um momento e em sua expressão viu esgotamento, tenacidade
e determinação. Kiernan soube por que o amava embora fosse o inimigo.
Baixou as pálpebras. Seguia sem saber quase nada do estado de Daniel e queria ver com
seus próprios olhos.

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Jesse a subiu à parte de atrás do veículo. Cobriu Daniel com uma manta e os gêmeos e Janey
estavam sentados a seu lado.
—Kiernan, apoia as costas — recomendou Jesse.
Ela assentiu e observou aqueles olhos azuis. Eram as feições mais fatigadas e tensas que viu
jamais.
—Não deixe que ninguém veja meu irmão — pediu em voz baixa.
—Farei isso.
Imediatamente se instalou na parte dianteira, onde estava Tyne. O’Malley saudou muito
firme.
—Obrigado, cabo — gritou Jesse.
—Até logo, coronel! — Respondeu O’Malley.
Jesse agarrou as rédeas e os cavalos empreenderam a marcha. O’Malley ficou a correr junto
à carreta.
—Felicidades, senhora. Desejo o melhor, a você e ao coronel.
Kiernan fez um gesto de despedida a O’Malley, e a carreta, com Pegasus preso à parte de
atrás, afastou-se muito depressa. A viagem começou. Patrícia a olhou com olhos arregalados e
assustados. Jacob imóvel, estoico e silencioso, parecia todo um homem.
Kiernan tentou sorrir. Não se atrevia a pensar no perigo.
Em lugar disso pensou em suas circunstâncias naquele momento. Jesse e ela estavam
casados. Isso era o que ela sempre quis. Era o correto. Estavam a ponto de ser pais.
Mas nada mudou. Em qualquer caso estavam rodeados de um mundo de pesadelo. Daniel
jazia a seu lado, gravemente ferido. Talvez estivesse morto ou possivelmente agonizava, mas ela
nem sequer podia tocá-lo.
O país estava repleto de tropas.
E Jesse seguia sendo um ianque. Um inimigo implacável.
O medo se apoderou dela e fechou os olhos. Ainda ficavam horas de viagem. Corriam o risco
que durante o trajeto os ianques ameaçassem a segurança de Daniel.
Ou que os rebeldes derrubassem Jesse com um tiro antes de fazer perguntas.
—Alto!
Ao ouvir a ordem, o coração de Kiernan começou a bater descontroladamente. Estava
sentada frente a Jacob e não podia ver o caminho. Mas o menino sim.
—Rebelde ou ianque? —Murmurou.
Seria capaz de suportar tudo aquilo? Entrelaçou os dedos para impedir que tremessem.
Afortunado, afortunado Daniel que estava dormido ou inconsciente, alheio a sua situação!
—Ianque — sussurrou Jacob.
Jesse estava mostrando o salvo-conduto e escutou como falava com seu agradável tom de
voz com o homem que parou.
—Perdoe coronel, temos ordens de parar todo mundo — dizia o soldado.
—Me alegro de ver que obedece às ordens, soldado! —Respondeu Jesse. Kiernan ouviu
como agarrava de novo as rédeas.

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Daniel deixou escapar um gemido por debaixo das mantas e as colchas que o protegiam.
—O que é isso? —Perguntou o soldado.
Kiernan contraiu até o último centímetro de seu corpo. E se o soldado insistisse em registrar
a carreta? Talvez a Jesse não ficasse mais remédio senão disparar. Seria capaz de seguir vivendo se
matasse um homem inocente?
—O que é o quê? —disse Jesse, despreocupadamente—. Minha mulher está aí atrás com as
crianças e os negros. Concederam-me uma permissão para levá-la para casa.
—Me pareceu que era um homem — disse o soldado— Teria jurado.
E se dispôs a rodear a carreta.
—Aai! —Gritou Kiernan afogando o gemido de Daniel. O soldado se aproximou da parte de
atrás e examinou o interior. Ela cobriu o abdômen protuberante com a mão aberta.— Por favor,
senhor! Devemos nos apressar, por favor!
—Claro! — O soldado se afastou.
Jesse empunhou as rédeas e voltaram a se colocar em marcha, rapidamente.
Trinta minutos depois, escutou como Jesse mandava em voz baixa os cavalos que pararem. A
carreta se deteve parou à sombra de árvores enormes, ouviu que descia de um salto e depois
apareceu em um lado do veículo.
—Janey, Jacob, Patrícia, há um riacho junto ao aterro. Vão beber um pouco de água.
Olhou a Kiernan, pegou-a nos braços, levantou e depois a deixou no chão a seu lado. Tomou
a mão com sua direita e a beijou docemente.
—Seja o que for que pensa de mim, Kiernan, ou o que sinta por mim, quero que saiba uma
coisa. Estarei eternamente agradecido por isso.
—Eu também amo Daniel. É um de meus melhores amigos — disse ela em voz baixa.
—Sim, eu sei. E sei que por isso aceitou o casamento. Não por nosso filho. Você teria
permitido que ele ou ela nascesse como um bastardo. Nem tampouco porque me ame. Claro que
não. Você não pode me amar, não é? Sou o inimigo. —Suas palavras tinham um tom amargo.
—Jesse, o que quer de mim? —Replicou com voz rouca— Você é o inimigo. Eu já não sei o
que pensar, nem o que sentir.
—Agora é minha esposa, Kiernan. Jurou me amar. Amar-me, respeitar e obedecer até que a
morte nos separe.
—E isto é a guerra, Jesse. E a morte pode aparecer muito cedo.
—E se o fizer? —Inquiriu ele brandamente.
Ela não soube o que responder. Estavam casados, iam ter um filho. E estavam viajando por
um território infestado de perigos. Desejava dizer que o amava, mas o orgulho e o medo a
mantiveram em silêncio.
—Simplesmente me pergunto se alguma vez será realmente minha esposa. Alguma vez
superará que eu escolhi servir à União. Ou com essa decisão condenei a ambos? —Procurou seu
olhar com seus profundos olhos azuis cobalto.
Ela seguia sem ter uma resposta.
—Não importa, esteve magnífica e eu me sinto mais agradecido do que possa chegar a

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imaginar — disse com um suspiro de cansaço.


Enquanto falavam, ela sentiu uma dor repentina, intenso e cortante na parte baixa das
costas. Esteve a ponto de gritar, mas não estava disposta a mostrar qual era sua situação; naquele
momento não. Jogou mão de sua férrea vontade e reprimiu o pranto.
—Agora temos que pensar em Daniel — disse.
—É claro.
Jesse deu as costas, subiu de um salto à carreta e se inclinou junto a seu irmão. Separou as
colchas, tocou a face e depois comprovou seu pulso na garganta. Daniel pestanejou e abriu os
olhos.
—Como se encontra? —Perguntou Jesse com a voz rouca.
Daniel assentiu e pediu água. Jesse tinha um cantil preparado sob as mantas. Deixou que
Daniel bebesse um gole e depois voltou a colocar de um lado.
— Deixe-me ver o curativo.
Ao ver que as ataduras que cobriam o ventre de Daniel pouco a pouco foram tingindo de
vermelho, Kiernan apertou os dentes com força.
Estava pálido, mas seguia consciente. Olhou para seu irmão e sorriu.
—Esta é uma região perigosa para um homem vestido de azul.
—Tem razão — murmurou Kiernan— Jesse, deveria vestir algo de Tyne.
—Assim que tirar o uniforme, me converteria em um espião — disse Jesse— Vou continuar
usando as minhas cores, obrigado. Kiernan, Kiernan vá pegar um pouco de água e poderemos
seguir em frente. Volte a encher o cantil, por favor.
Ela agarrou das mãos, virou-se desajeitadamente e correu para encontrar-se com as crianças
junto ao riacho.
Quando retornou, Jesse a subiu de novo à carreta, do lado de Daniel.
—Estará bem aqui com ele? —Perguntou.
—Sim — respondeu sucintamente. Jesse retornou a seu posto na parte dianteira, com Tyne,
e voltaram para o caminho.
Daniel tinha as pálpebras fechadas e Kiernan acreditou que estava dormindo, mas sorriu.
—Vou ser tio? — Perguntou em voz baixa.
—Sim — respondeu ela e depois baixou a cabeça para falar com fingida indignação— Graças
a você, capitão! Foi a única maneira de livrá-lo do campo de prisioneiros ianque. Depois de tudo
isto é melhor que se recupere!
Daniel sorriu agradado.
—Bem, diabos. No final consegui que Jesse fizesse o correto embora pudesse ter feito isso
um pouco mais fácil! Tive que deixar que me disparassem no ventre para que desfizesse a
bagunça!
Kiernan tinha uma resposta imediata preparada, mas passaram sobre um buraco e Daniel fez
um gesto de dor. Apertou a mão com força. Ele fechou os olhos. No final de alguns segundos os
abriu de novo.
—Kiernan, seu pai...

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A voz de Daniel se apagou e a ela acelerou o pulso.


—Daniel... —E apertou os dedos— Daniel, meu pai! Soube de alguma coisa mais?
Ele abriu os olhos imperceptivelmente.
—Não, não. Não soube nada novo, mas assegure de que Jesse pare primeiro em sua casa. Eu
me recuperarei. Já me tirou a bala e estou melhorando.
—Daniel, você está sangrando.
—E seguro que voltarei a sangrar antes de tudo isto acabar. Mas de todos os modos vamos a
sua casa antes que da nossa. Só para ver como está John. Logo já nos arrumaremos.
Dividida entre a preocupação por seu pai e por Daniel, Kiernan dirigiu o olhar para Jacob,
que estava sentado em frente a ela na carreta. O menino não tinha forma de ajudá-la e moveu a
cabeça com ar triste. Para complicar ainda mais as coisas, ela voltou a sentir uma pontada de dor.
Inspirou com força, colocou a mão sobre as costas e decidiu não alarmar o outros.
Janey, que a estava olhando, esteve a ponto de dizer algo. Kiernan sabia o que estava
acontecendo, mas negou veementemente sua cabeça, assim Janey manteve os lábios fechados
com relutância.
Kiernan apoiou as costas e sentiu no rosto o frescor da brisa. A carreta parou bruscamente e
ouviu que Jesse amaldiçoava entre dentes. Jacob gritou em frente a ela:
—Rebeldes!
—Deus! —Murmurou Kiernan, aterrada. Seu pior pesadelo se tornou realidade.
— Eh, aqui há um ianque! —bramou uma voz com forte acento sulino— Um maldito ianque!
Você, ianque! desça dessa carreta. O que leva aí dentro?
Kiernan tentou olhar o que acontecia e ficou alarmada quando foram cercados por um grupo
de cinco rebeldes. Que estava falando se aproximou deles e se dirigia a Jesse com desprezo. Eram
muitos! Sem parar para pensar, Kiernan falou de forma imprudente:
—Não há nada aqui dentro! Nada salvo uma esposa grávida e um homem ferido! Por favor,
senhor, nos deixe passar.
—Kiernan, cale! —Recriminou Jesse, furioso. Seguia em seu assento, com a mão
dissimuladamente posta sobre o coldre que levava a pistola, enquanto olhava os cinco homens de
aspecto áspero e uniforme cinza que rodeavam a carreta.
Ela olhou para ele, atordoada.
—Mas, Jesse, se soubessem...
—Embora soubessem —disse secamente— seguiriam sendo desertores, Kiernan! Agora cale-
se e sente-se!
—Desertores! —Gritou indignado um dos rebeldes— Ianque o que está fazendo por aqui
sozinho?
Tremendo, Kiernan estudou o homem. Ia barbeado e tinha o uniforme sujo e coberto de
barro. De repente percebeu que Jesse tinha razão. O homem sorriu.
— Bem, bem, tem aqui uma bonita moça, embora esteja prenhe! —Voltou o olhar para
Jesse— Assim que estiver morto, passaremos um bom momento com ela, ianque.
—Filho de puta! —Resmungou Daniel que seguia junto a Kiernan.

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O rebelde sorriu e apontou seu rifle Enfield para Jesse. Mas não teve a menor oportunidade.
Jesse tirou o coldre à velocidade de um raio. Imediatamente ele se virou e disparou o segundo
homem na mão. O terceiro conseguiu atirar e arma de Jesse caiu no chão.
Kiernan gritou, mas ele a ignorou e saltou da carreta empunhando um sabre. O terceiro
desertor rebelde não teve tempo de disparar seu Enfield de carga frontal. Deixou a arma, optou
pela baioneta e carregou contra Jesse. Este evitou imediatamente o primeiro golpe... e o segundo
e o terceiro. Os dois se viram envoltos em uma dança mortal.
O quarto homem apontou para as costas de Jesse, tremendo. Kiernan gritou, mas um tiro
ressonou a suas costas. Quando virou-se viu que Daniel estava de pé e que disparado no homem.
E que acertou exatamente no coração do alvo.
Então, Kiernan viu outro homem que aparecia entre as árvores. Ela saltou da carroça e
correu para o Colt que estava na lama. Acabava de agarrá-lo com os dedos quando um pé em uma
bota imobilizou a mão. Elevou o olhar e viu junto a ela um homem temível que ria.
—Vamos, meninos! Saiamos daqui antes que disparem a todos!
Então, Kiernan viu horrorizada outros três homens, sem barbear e imundos, que apareceram
com grande estrépito atrás das árvores. Jesse se encetou com dois deles, enquanto Daniel
disparava para mantê-los afastados da carreta.
—Se levante! —Rugiu o rebelde e se inclinou para dar a mão a Kiernan.
Ela se revolveu e conseguiu dar um chute na virilha com todas suas forças. Ele uivou como
um demônio e se dobrou; logo, tirou a pistola do cinto e apontou com ela.
Mas não chegou a disparar.
Abriu os olhos como pratos e virou-se. Kiernan se deu conta que Jesse estava atrás com a
ponta da espada nas costas daquele homem.
—Jogue no chão! —ordenou Jesse apontando a pistola.
O desertor se negou. Com uma careta de arrogância levantou o braço para disparar em
Jesse. Mas Jesse arremessou a espada no ar como um relâmpago de prata. O homem voltou a
girar, e olhou a Kiernan, assombrado. Uma mancha vermelha se estendia por seu peito. Caiu
morto em cima dela. Kiernan uivou. Jesse afastou rapidamente o cadáver e a agarrou.
—Jesse!
Apertou contra ele e apoiou a cabeça junto a seu coração. Noto suas palpitações, o calor de
seu corpo e a ternura de suas mãos que acariciavam seu cabelo.
—Jesse, se abaixe! —Gritou Daniel.
Ouviu um disparo. Kiernan e Jesse deram a volta e viram que outro desertor rebelde caía
morto no chão a seu lado. Jacob abateu com o revólver regulamentar de Daniel.
O menino saltou da carroça e correu junto a Kiernan. A levou para longe de Jesse, que se
adiantou para inspecionar a zona das árvores.
—Esse era o último? —Perguntou a seu irmão.
Daniel assentiu muito pálido.
—Não fui de muita ajuda — disse.

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—Não esteve nada mal para um cara que está inconsciente — respondeu Jesse.
Daniel assentiu fracamente.
Kiernan foi para a carreta apoiada em Jacob; de repente, cambaleou ao sentir uma pontada
de dor, a mais intensa até aquele momento. Não pôde evitar de gritar.
Jesse voltou atrás, assustado pelo grito. Com a espada ainda na mão correu para liberar
Jacob e fazer que ela se apoiasse nele.
—Kiernan!
—Estou bem — insistiu ela e se dirigiu para a carreta. Mas naquele momento se ouviu um
disparo procedente da arvore.
Jesse soltou uma maldição, atirou-se no caminho enlameado, girou sobre si mesmo e ficou
quieto.
Daniel respondeu o disparo imediatamente e um homem caiu de uma árvore, morto antes
de chegar ao chão.
Mas Kiernan apenas se fixou nele porque tinha o olhar fixo em Jesse, atirado no barro e com
os olhos fechados. Deixou cair de joelhos a seu lado. Tinha uma mancha de sangue no braço e no
peito onde o apoiava com desmaio.
—Jesse! — pôs a cabeça em seu regaço e começou a embalar, com as bochechas banhadas
em lágrimas— Jesse! Oh, meu amor! Onde te feriram? Jesse abre os olhos! Maldição Jesse! Tem
que viver! Serei sua esposa de verdade, amarei, juro, amarei, respeitarei e obedecerei até que a
morte nos separe! Oh, Jesse, amo você. Não pode me abandonar. Jesse, por favor, amo. Amo
muitíssimo. Quero ser sua esposa, para te amar sempre...
Suas palavras se interromperam quando ele abriu os olhos e sorriu.
—De verdade?
—De verdade, Jesse, tem que viver!
—Amara para sempre?
—Sempre!
—Jura?
—Juro!
E diante de seus olhos atônitos, Jesse se sentou. Estreitou-a entre seus braços e a beijou, e
certamente não foi absolutamente o beijo de um moribundo. Beijou-a em meio daquele caminho
poeirento com tanto ardor, paixão e ternura que ela esteve a ponto de responder a seu desejo;
esteve a ponto de esquecer onde estavam.
Kiernan se afastou bruscamente e olhou-o com dureza.
Ele sorria arrependido.
—A bala só me roçou, veja? Deu aqui no braço. Só um pouco de sangue que me manchou o
peito...
—Oh, condenado canalha ianque!
Ele sorriu ainda mais.
—Parece bem enquanto saiba que me amará sempre.
—Jesse!

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—Cavalos! —Gritou Tyne.


Jesse se levantou de um salto, agarrou Kiernan e a protegeu com seu corpo. Tyne desceu do
carro e atirou no chão para recolher o coldre.
—Tyne! deem-me isso se forem rebeldes o matarão por ter essa arma.
—Amo Jess, eu quero ir lutar com você.
—Não, maldição não permitirei que o pendurem por minha culpa!
Jesse arrebatou a arma de Tyne e, com a espada em uma mão e a pistola na outra, gritou
para seu irmão:
—Daniel, se abaixe!
—Não, demônios, Jesse, eu também lutarei com você!
—São rebeldes! —Gritou Jacob— Olhem!
Kiernan viu que se aproximavam alguns cavaleiros. Da cavalaria rebelde. Um capitão de
cavalaria com barba, e uma companhia de aproximadamente vinte homens irromperam no
caminho.
O barbudo puxou as rédeas e levantou a mão para dar o alto aos soldados que seguiam. Viu
os homens vestidos de cinza no chão e logo olhou a Jesse com dureza.
—Bom, ianque, o que temos aqui? — Perguntou o capitão rebelde. Dirigiu o olhar às
insígnias médicas de Jesse e às armas que segurava com tanta ferocidade.
Desmontou do cavalo. Kiernan notou que Jesse ficava tenso e que agarrava com força a
espada que levava na mão.
—Parece que tenho um prisioneiro, um que provavelmente terminará em frente a um
pelotão de fuzilamento. Quem diabos é você, senhor? Em nome de Deus, o que faz um ianque
neste canto do bosque? Coronel você está detido!
— Sinto muito, mas não deixarei que me detenha, capitão.
O oficial arqueou uma sobrancelha.
—Senhor? Tenho a impressão que superamos em número, já que você conta com um moço,
uma menina, dois negros e uma dama que diria que está em avançado estado de gestação,
parece. Senhora rogaria que se afastasse imediatamente.
Kiernan negou com a cabeça claramente e tentou colocar diante de Jesse para protegê-lo.
—Kiernan! —Bramou ele. Voltou para a posição anterior com as costas em alto e sorriu com
imprudência— Senhor, o repito, não posso permitir que me detenha e sinto não estar de acordo
com você. Sou um espadachim extraordinário e me atreveria a dizer que o menino que se
encontra na carroça é um dos melhores atiradores do mundo. Quanto à dama, enfim, acredito que
é a mais perigosa de todos.
Seguia burlando dela, pensou Kiernan. Seguia burlando com elegância e carinho, quando já
não podiam fazer guerra e ganhá-la, quando a sorte lhe deu as costas de um modo entristecedor.
Ele tentava brigar contra esses homens até que já não pudesse lutar mais.
—Espere! —Suplicou Kiernan.
—Vá, se não é Greenbriar! —De repente interrompeu a voz de Daniel, que segurava o ventre
com uma mão e tentava manter em pé na carreta.

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O capitão deu a volta.


—Cameron?
—O mesmo — sorriu Daniel— Se pudesse receberia de forma mais cerimoniosa, Greenbriar.
Mas me encontro em uma situação bastante lamentável. E este ianque, que é um espadachim
extraordinário, por certo, é meu irmão Jesse. Também é o melhor cirurgião da Virginia e
arredores. Coronel Jesse Cameron, o capitão Nathaniel Greenbriar do exército da Virgínia.
Greenbriar olhou Daniel, depois para Jesse e depois outra vez para Daniel.
—Capitão Cameron, me explique o que está acontecendo aqui.
—Dispararam-me quando tentava manter os ianques afastados de Richmond. Os nossos já
se foram, mas quando levantei o olhar ali estava Jesse. Levou-me a toda pressa para o outro lado
do rio e depois minha cunhada, aqui presente, apareceu no momento justo. Após, Jesse tentou
me levar para casa. Greenbriar, isto não é uma missão de espionagem. Jesse só quer me levar para
casa. Não pode deter um homem por isso!
Novamente, Greenbriar olhou para Daniel, a Jesse e outra vez a Daniel.
—Senhor! — Disse um de seus homens atrás.
—Sim, Potter, o que ocorre?
—Esse que está no chão é Shelley, senhor. Desertou no mês passado, na semana passada
destruiu a propriedade Halpren e é acusado de muitas outras coisas. Matou três homens a sangue
frio quando tentaram prendê-lo. Acredito que o ianque nos fez um pequeno favor.
—É certo isso? — perguntou Greenbriar e coçou o queixo, pensativo.
Parecia que naquele pedaço do caminho não houvesse a menor espionagem de movimento.
As folhas nem sequer sussurravam nas árvores e a quietude se diria eterna.
Por fim, Greenbriar se moveu. Montou em seu cavalo.
—Sigamos — disse a seus homens.
—E o que acontece com o ianque? —Perguntou Potter.
—Que ianque? —Perguntou Greenbriar. Cravou as esporas no lombo do animal e se foi.
Todos os rebeldes desfilaram com o olhar à frente e sem ver nada a seu passo. Potter se
voltou e disse a Daniel:
—É melhor que esse ianque não esteja aqui dentro de cinco minutos. Nós teremos que
voltar a enterrar esse lixo e temo o que possa acontecer se seguir por aqui.
— Ele irá— disse Daniel.
Potter sorriu e seguiu adiante.
Assim que se foi se fez de novo o silêncio. Kiernan captou a tensão que segurava Jesse e que
dominava no ar; depois, quando todos se deram conta de que estavam a salvo, produziu uma
explosão de júbilo.
—Jesus! —exclamou Daniel— Conseguimos!
—Graças ao bom Deus! —Suspirou Janey.
Kiernan tinha vontade de rir e de abraçar Jesse. Queria abraçar Daniel e queria dar graças a
Deus também.
Mas de repente sentiu que tudo aquilo a afligia.

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Pareceu que a luz se desvanecia a seu redor e sentiu que desmaiava.


—Oh, Jesse! —Sussurrou enquanto caía no chão.
Ele a agarrou nos braços e começou a andar a toda pressa. Kiernan lutou contra a penumbra
que abatia sobre ela e conseguiu olhar em seus olhos.
—Por que diabos não disse nada? —Perguntou.
—Sobre o quê? —murmurou ela.
— Você vai ter a criança agora mesmo.
—Não posso ter a criança agora. Já tem muitas urgências médicas neste momento.
—Tenha ou não, Kiernan, vai ter. E se não e começamos a marcha o terá no meio do
caminho!
—Não — disse e olhou com aqueles fascinantes olhos esmeralda, muito abertos— Terei meu
filho em Cameron Hall!
Mas então a escuridão caiu sobre ela e a impediu de seguir discutindo.

Capítulo 24

Kiernan acordou ao sentir uma dor terrível em toda a parte inferior das costas e agarrou a
parte da frente do abdômen, como se a oprimissem com uma cinta de aço. Despertou o som de
seu próprio grito, porque a dor a dominava de tal modo que não pôde reprimi-lo.
— Está tudo bem, Kiernan. Não acontece nada. Dê-me sua mão e você vai se sentir melhor.
Alguém entrelaçou os dedos com os seus. Ouviu o tom rouco e suave da voz de Jesse e
imediatamente procurou seus olhos com o olhar. Estava a seu lado com um sorriso carinhoso e
contrito nos lábios. Pôs um pano frio e úmido sobre sua testa.
Então se deu conta de que estavam em casa.
Conseguiram chegar a Cameron Hall.
Aquela era sua casa agora. Ela era sua esposa e juntos conseguiram. Seu filho nasceria nesse
lugar. Ela estava deitada na enorme cama de dossel do quarto de Jesse. Através das janelas via os
jardins e a encosta do gramado. Se ela se movesse um pouco, podia ver a estrada que conduzia ao
rio.
A dor foi diminuindo. Inclusive quando ele falou, a dor continuou a diminuir.
—Jesse, quanto tempo fiquei desmaiada? —Ela sussurrou.
Tinha os lábios e a boca terrivelmente secos. Já não usava a pesada vestimenta de viagem,
nem a capa. Colocaram uma fresca camisola de algodão com um fino bordado nas mangas e um
corpete amplo. Reconheceu vagamente aquele objeto e então se deu conta de que era dela.
Não era a que levava na carreta. Haviam trazido de sua própria casa na península.
Levantou bruscamente e agarrou Jesse pela gola da camisa.
—Meu pai! Jesse, meu pai! Você o viu? Está bem?
Ele agarrou as duas mãos e as voltou a baixar.
—Kiernan...
—Jesse! —Gritou tentando escapar. Mas em seguida se sentiu exausta e deixou que voltasse

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a colocá-la sobre a cama.


—Kiernan, está a ponto de dar a luz ao nosso filho. Deve relaxar e guardar as forças.
—Jesse...
—Espera!—Disse ele com firmeza.
Cruzou a quarto, chegou à porta e a abriu.
—John!
Kiernan se levantou outra vez de um salto.
—Está aqui? Pode andar?
—O que quer dizer com “pode andar?”? —A voz de John Mackay retumbou em seus
ouvidos. No final de um segundo passou junto a Jesse como uma exalação e chegou a seu lado—
Ah, Kiernan, estou encantado de ver que já está acordada e consciente. Estava bastante
preocupado vendo aí tombada, tão quieta.
Apoiou junto à cama. Kiernan examinou com ansiedade o rosto de seu pai e concluiu que,
embora estivesse mais magro e pálido, tinha o olhar brilhante e cheio de malícia e segurava a mão
com firmeza.
—Oh, papai. Christa enviou uma mensagem dizendo que estava doente.
—Sim, estava doente. A senhorita Christa Cameron se comportou como uma Santa cuidou
como uma verdadeira Santa. Nessa família têm o dom da cura. Pelo visto tive febre durante dias e
dias, mas ela foi muito paciente. Já começava a estar bem como uma rosa quando Jacob apareceu
no lombos desse cavalo de Jesse para ver como me encontrava. Então me inteirei de você,
jovenzinha!
Kiernan baixou o olhar imediatamente. Apesar de tudo o que teve que superar sozinha,
sentia como uma menina diante de uma repreensão. Deu-se conta de que a razão era que amava
tanto seu pai que não suportava decepcioná-lo.
—A verdade, filha, é que estava a ponto de ir procurar minha velha escopeta, mas soube que
este homem fez o correto.
—John! —Protestou tranquilamente Jesse, que estava de pé atrás de seu pai— Teria feito o
correto muito antes se ela tivesse dado uma oportunidade.
—Bem — concluiu John Mackay e olhou para Kiernan com seus olhos azuis celeste— Filha,
podia ter escrito!
—Não queria fazer você sofrer! —disse ela— Mas voltei para casa... estive tentando voltar
para casa.
John Mackay sorriu.
—Kiernan, voltou para casa. Mas mesmo assim, devia ter tido mais fé em seu velho pai. Eu
nunca estive zangado com você, Kiernan.
— Eu amo você, papai.
— E eu te amo, minha filha. Mas você não devia ter atravessado o país neste estado. Jesse
diz que a criança está a ponto de nascer. Rezemos para que o pequeno esteja bem. Não deveria
ter feito tudo isto por mim.
— Mas eu tinha que fazer.

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—E o fez bastante bem, por isso me disse. Daniel também está aqui a salvo e você volta a ser
uma mulher casada. —inclinou sobre ela e piscou os olhos — Casada com um ianque, mas
legalmente casada. E meu neto terá um sobrenome. Mackay é um sobrenome bastante bom tanto
para um homem como para uma mulher, mas as crianças querem levar o sobrenome de seu
próprio pai; é assim.
—Oh, papai...! —Começou a dizer, mas ficou sem fôlego, tensa e rígida, lutando contra a
dor. O parto se aproximava e cada vez se sentia pior.
Apertando os dentes, lutou contra o impulso de gritar. Entrelaçou os dedos com os de seu
pai com a força de aço. A agonia que a espreitou se apoderou dela de novo por completo e
permitiu superar a urgência de gritar, mas seus lábios deixaram escapar um gemido e seu pai se
levantou de um salto.
—Jesse! Faz alguma coisa por ela!
—Senhor, está em trabalho de parto. Eu não posso fazer nada.
—É sua esposa, filho!
—E está em trabalho de parto.
Jesse sorriu e sentou de novo junto a ela, apertando os dedos com aquelas mãos tão fortes.
—Kiernan, não fique tão tensa. Relaxe, tudo sairá bem. Respira meu amor, está ficando azul.
Você vai se sair bem. Eu estou aqui com você.
Os olhos encheram de lágrimas. A intensidade da dor a cegava e teve a sensação de que a
partia em duas. Ia e vinha.
—Tudo irá bem — tranquilizou Jesse.
—Vá ao inferno, Jesse! —Sussurrou ela.
—Jesse... —começou a dizer John Mackay, angustiado.
—John, é melhor que agora me deixe sozinho com ela — disse Jesse com um sorriso— A
criança está a ponto de nascer. Diga a Janey e a Christa que entrem, sim?
Kiernan fechou os olhos com força. A dor começou a diminuir.
— Tudo bem!—Disse John.
Jesse soltou os dedos de Kiernan e afastou a colcha. Ela começou a tremer violentamente. A
dor diminuiu, mas tinha um frio terrível.
—Jesse, volte a me cobrir tampar! —Suplicou.
—Kiernan, Preciso que se levante um pouco.
—Ai! —Gritou ela quando a dor voltou a percorrê-la repentinamente.
A última contração não cedeu quando já começava a sentir a seguinte. Era uma dor forte
que a sacudia das costas à parte dianteira, com uma intensidade quase insuportável.
Agarrou-se a Jesse ofegando, mas de repente, misturado com a dor, sentiu um forte desejo
de empurrar.
—Jesse, o bebê está aqui!
—Espera Kiernan, deixe-me ver! Só conseguirá fazer mal se empurrar antes do tempo!
Ela deixou cair para trás e notou que as bochechas ardiam. Sentia muito mal. Estava
padecendo uma dor insuportável e Jesse estava vendo, enorme, deformada e de uma forma muito

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íntima em um momento horrível.


Quando se aproximou para examiná-la ela apertou os joelhos muito juntos.
—Kiernan, sou seu marido!
— Isso dói!
—Claro que dói, está tendo um filho.
—Jesse...
—Sou médico, Kiernan.
—Você nunca teve um filho, assim não me diga o que sente!
—Kiernan, por favor! —Murmurou exasperado.
Para seu desespero escapou outro grito. Doía tanto que estava convencida de que em
poucos minutos deixaria se levar pelo pranto. Mas ele voltou para seu lado e a segurou em seus
braços.
—Kiernan, eu amo você. Eu não sei o que sente, mas ajudei a trazer para o mundo a outras
crianças. Estou nervoso porque é o meu. Mas Kiernan, também estou extasiado porque dentro de
alguns minutos ambos embalaremos nosso filho. Nosso filho, Kiernan. Uma vida nova maravilhosa
e preciosa, algo extraordinário que é fruto do amor apesar de todo o horror da guerra. Um amor
que contradiz que nesta vida nos considere inimigos. Kiernan confie em mim. Amo com todo meu
coração e estou fazendo tudo o que posso por você e por nosso filho.
Nos olhos de Kiernan brilhavam as lágrimas, mas se sentia muito cômoda entre seus braços.
Ele se dispôs a recostá-la de novo sobre a cama e depois murmurou maliciosamente em ouvido:
—Além disso, já estive entre suas coxas muitos vezes.
—Jesse!
Ele começou a rir, e embora voltasse a estar indignada, Kiernan se sentiu cheia de uma nova
energia. Apertou os dentes em sinal de protesto quando ele a tocou de novo para examiná-la e
quando ela gritou que voltava a contração e que teria que empurrar, ele também gritou.
—Vejo a cabeça, Kiernan! Só o cocuruto, mas aqui está! Negra como o azeviche. Tudo vai
bem. Empurra Kiernan!
Christa estava ali e segurava os ombros, enquanto Janey esperava para pegar o bebê.
Kiernan empurrou, empurrou e empurrou, enquanto os três davam-lhe ânimos. De repente,
deixou cair exausta e gritou que estava muito cansada para continuar.
Disse a todos que fossem ao inferno.
Jesse exclamou:
—Kiernan, saiu à cabeça, nosso filho quase nasceu! Empurra outra vez, forte!
Ela empurrou. Notou como expulsava o menino de seu corpo e se sentiu aliviada, exausta e
extasiada ao mesmo tempo.
—Jesse!
Todos estavam em silêncio. Não se ouvia nenhum pranto e Kiernan suplicou:
—Jesse, a criança está...
Quando por fim ouviu uma leve lamentar relaxou e Jesse foi a seu lado para mostrar a
criança. Era moreno, tal como disse, e era escorregadio ao toque, por causa do parto. Mas movia

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com energia os bracinhos e as pernas e de repente deixou de dar gritinhos e começou a gritar.
—Oh! —suspirou ela agradecida— Jesse...
—Um menino. Senhora Cameron, deu-me um filho. Agradeço isso com todo meu coração.
Cortou o cordão umbilical e imediatamente voltou para seu lado.
Beijou-a na boca com lábios afetuosos. Colocou aquele vulto gritão entre seus braços e ela
acolheu a criança. Contemplou aquela carinha que Jesse e ela criaram e se sentiu invadida pelo
amor mais profundo que jamais havia sentido.
—Temos um filho! —Disse em voz baixa.
Quando Janey se aproximou para levá-lo protestou.
—Devo banhá-lo, senhorita Kiernan.
—E devemos acabar com você! —informou Jesse— Tem um rasgo, Kiernan, necessita de
alguns pontos.
—Mas, Jesse, estou muito bem!
Ele começou a rir e ela se foi para trás e escutou como Christa descrevia o menino. Não
sentiu nenhuma dor nem mal-estar quando Jesse retirou a placenta e a costurou. Christa
sustentava o menino enfaixado em seus braços, enquanto Janey levava água para lavá-la e uma
camisola limpa. Ali parecia haver muita atividade e ela tentou voltar a abraçar com força Jesse,
mas ele a obrigou a deitar outra vez.
—Durma Kiernan.
—Jesse, é tão bonito...
Ele arqueou a sobrancelha.
—Certamente que é.
—Quero vê-lo. Não poderei dormir.
Mas enquanto dizia, sentiu uma fadiga insuportável. Jesse fez com que se recostasse sobre
os travesseiros.
—É tão agradável, meu amor, que por uma vez não tenha forças para discutir comigo!
Ela sorriu com os olhos fechados e dormiu.

Teve a sensação que despertavam quando acabava de dormir. Janey levou seu filho, que
gritava furioso.
— Ele está com muita fome— disse.
Kiernan abriu a camisola e maravilhou comprovar que o instinto indicava como aproximar do
peito. O primeiro tiro que sentiu no mamilo a sobressaltou. Depois a invadiu uma sensação
extraordinária.
Pensou que casou com seu inimigo e juntos tiveram um filho.
E que nunca experimentou uma sensação de paz tão doce.
No final de um momento, Janey pegou o bebê e saiu nas pontas dos pés enquanto ela
adormecia outra vez.
Quando voltou a despertar já era dia. Os pássaros piavam frenéticos e o sol penetrava pelas
janelas.

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Patrícia estava sentada em um balanço aos pés da cama, com o bebê.


—Oh, Kiernan, é lindo!
—Sério? Eu penso assim, mas realmente é para todos?
—Delicioso! —Disse Patrícia.
Kiernan sorriu e o pegou. Colocou sobre a cama, desfez os panos e a camisa de algodão e o
contemplou.
—Tem todos os dedos das mãos e dos pés — tranquilizou Patrícia— É algo pequeno, mas se
deve porque é um pouco prematuro. Mas Jesse diz que está bem formado.
Isso é o importante, pensou Kiernan, e sorriu. Seu filho recém-nascido estava a olhando. De
momento tinha os olhos de uma cor azul brilhante. As bochechas vermelhas e perfeitamente
arredondadas. Os lábios formavam uma doce careta e o cabelo, limpo e seco, era de uma cor
muito negra.
—É um Cameron dos pés a cabeça — murmurou Kiernan.
Sentiu uma pontada de culpa e observou Patrícia. Mas os quentes olhos castanhos com os
que a menina examinava o bebê só continham ternura.
—É idêntico a Jesse.
O rosto do bebê se contraiu em uma careta e lançou um penetrante grito. Kiernan começou
a rir.
—Também soa como ele, não é?
—Está criticando meu irmão? —Perguntou uma voz masculina.
Kiernan levantou o olhar. Daniel estava de pé na soleira. Estava pálido, mas parecia mais
forte.
Ela deixou escapar um grito afogado e se levantou da cama. Notando que ele mal podia
andar e enquanto ele a repreendia por levantar, ela o repreendeu.
— Daniel, você deveria estar na cama!
—Kiernan, volta para a cama!
Ambos riram e então ele a abraçou com cuidado e a beijou na testa.
—Daniel, recuperou-se? —Perguntou ela, ansiosa.
Ele assentiu.
—Vou voltar para a cama. Só queria dizer que meu sobrinho é lindo.
Ela assentiu, olhou-o nos olhos e mordeu o lábio inferior.
—Em parte é um ianque, mas a amo de todos os modos.
—Sim — respondeu Daniel com um leve suspiro e um ligeiro sorriso— Seu papai é um
ianque, mas eu o amo de todos os modos.
—Eu também — admitiu Kiernan.
Daniel sorriu.
—Bem. Agora volta para a cama e eu farei o mesmo.
Kiernan obedeceu. Passou um momento brincando com Patrícia e o bebê e depois voltou a
alimentar seu filho. Depois, Janey levou o café da manhã. Estava faminta. Seu pai veio ver seu
novo neto e também Jacob, que até mesmo admitiu que para ser tão pequeno, era um menino

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muito bonito.
Todo mundo foi, exceto Jesse.
—Onde está? —perguntou Kiernan a Christa.
—Oh! Estava lá abaixo no escritório. Suponho que adormeceu. Irei ver.
—Não — disse Kiernan—, eu irei.
—Espere! — Protestou Christa— Vai ficar furioso se você se levantar.
—Estou muito bem. Prometo ser boa como Daniel e voltar diretamente para a cama. Mas
agora quero vê-lo.
A Christa preocupava que não pudesse descer a escada, mas Kiernan insistiu em escovar o
cabelo e colocar uma camisola limpa. Contemplou sua imagem no espelho e quando seus olhos se
encontraram com o olhar de Christa, descobriu que esta dissimulava um sorriso.
Saiu do quarto e se dirigiu para a galeria dos retratos. Ao ver os rostos atraentes dos homens
Cameron e as bonitas caras de suas mulheres, Kiernan sorriu.
—Realmente cheguei em casa! —Murmurou sorrindo e perguntando se algum dos Cameron
devolveria o sorriso.
Desceu com cuidado a escada. Deu conta de que estava fraca e que tinha que ir com muito
cuidado. Mas também se sentia cheia de certa energia. Tinha que ver Jesse.
Passou junto à salinha, chegou em frente à porta do escritório e observou o interior.
Efetivamente, Jesse estava ali com os pés sobre a mesa.
Apoiava a cabeça no respaldo da poltrona e tinha os olhos fechados. Levava a gola da camisa
aberta. Durante a noite se banhou e agora vestia calças de civil e uma simples camisa de algodão.
Dormia profundamente.
Kiernan mordeu o lábio e pensou que talvez devia ir sem incomodá-lo.
Ele tinha que voltar para a guerra e certamente precisava descansar. Já teve que enfrentar
muitas crises familiares.
Mas estava a ponto de partir de novo.
Por isso ela tinha que passar esse momento com ele.
Entrou no aposento e fechou a porta. Ao fazê-lo, ele abriu os olhos, viu-a e franziu o cenho.
—Kiernan! O que faz levantada?
Ela se aproximou da mesa e logo descobriu que se sentia tímida. Depois de tudo que
aconteceu, pensou.
De todos esses anos e de todas as vezes que estiveram juntos.
E agora, o nascimento de seu filho.
Deteve-se em frente à mesa.
—Jesse, tinha que vê-lo. —De repente, já não pôde dizer mais nada.
Ele se levantou deixando cair às botas contra o chão. Rapidamente deu a volta na mesa e a
agarrou nos braços. Rodeou a mesa outra vez carregando-a e abraçando-a com força voltou a
sentar na poltrona.
—Eu agradeci o suficiente para me dar um filho? — Ele perguntou baixinho.
Ela assentiu.

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Cameron 1

—Oh, Jesse! E eu, eu agradeci?


Ele soltou uma gargalhada.
— Para mim foi um prazer.
Ela corou, mas riu.
—Oh, Jesse! —Desejava dizer mais, havia tanto o que dizer... Passou os dedos sobre os
robustos cachos negros de seu peito que apareciam pela camisa entre aberta e murmurou— Tudo
terminou bem! Daniel está em casa e tem muito bom aspecto. Sei que se recuperará.
Desta vez. A guerra prosseguia, pensou Kiernan. Mas teve a prudência de não dizer.
Como Jesse, Daniel também teria que voltar.
Mas naquele momento não quis preocupar-se com isso. De repente, começou a falar muito
depressa:
—Meu pai está bem, Jesse. E temos um filho. Por isso parece é algo pequeno, mas também
é maravilhoso. Inclusive estou encantada que seja um menino. Embora as meninas sejam
fantásticas também, claro. Isso aprendi com Patrícia. Teria importado que fosse uma menina?
— Eu adoraria ter uma garotinha — disse Jesse muito solene, afastando o cabelo da testa—
Mas também estou encantado de ter um menino. Ainda seguimos em guerra. Eu em meu lado e
Daniel no seu. Estou contente porque sei que meu pai estaria muito satisfeito e também seu pai.
Por que...
Sua voz se apagou.
—Porque o sobrenome Cameron continuaria embora Daniel e você morram? — perguntou
Kiernan com a voz quebrada.
Jesse a estreitou mais forte entre seus braços.
— Eu te amo, Kiernan. Eu amei por anos. Passei toda a noite pensando. Sempre acreditei
que tinha que lutar pelo que minha consciência considerava correto. Mas te amo tanto, Kiernan,
que renunciarei meu posto. Não posso lutar a favor do Sul, mas podemos ir à Inglaterra se você
quiser, ou possivelmente ir para o oeste, O...
Colocou os dedos sobre os lábios. Tinha os olhos cheios de lágrimas e estas começaram a
cair por suas faces.
—Faria isso, Jesse? Por mim?
Ele sorriu devagar, maliciosamente.
—Daria minha vida, meu coração, minha alma... tudo.
Ela negou veementemente com a cabeça.
—Oh, Jesse!
—Poderá me amar, Kiernan? Em meu coração sou um ianque com uniforme azul.
— Eu te amo, Jesse, muito mesmo. Antes me preocupava ser capaz de amar um ianque tão
profundamente, tão intensa e desesperadamente. Mas um dia um amigo me disse uma coisa:
disse que eu não amava um ianque, amava um homem. Eu te amo, Jesse, amo. E a cor que veste
não pode mudar o homem que é. Eu amo esse homem.
Buscou seus lábios e a beijou. Foi um beijo longo, quente, cheio de paixão e cheio de uma
ternura tão profunda que invalidava todo o resto.

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Heather Graham
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Cameron 1

Quando se separaram, olhava com olhos cintilantes e sorria.


—Eu não quero ir ao oeste, Jesse. Nem tampouco quero ir para a Inglaterra.
Com aquele olhar azul e penetrante e o cabelo azeviche caindo sobre a testa, ele franziu o
cenho. Ela sorria, cheia de amor.
—Jesse, você é médico e é muito bom; não, é o melhor. Você salva vidas, não as destrói. Sei
que sentiria que trai sua vocação se não voltasse.
—Kiernan...
—Não troquei que lado, Jesse. Ninguém pode mudar seu coração. A guerra continuará até
que alguém ganhe. E se o mandarem de volta a Washington, ali irei. Não voltarei a espionar
prometo. O outro dia me pediu uma trégua. Uma paz privada. E isso é o que quero agora: um
armistício.
Ele sorriu e beijou-a novamente.. Beijou com ardor e intensidade. Beijou com uma ternura
extraordinária e tão longamente, que ela acreditou que estava tonta e se sentiu invadida por um
doce delírio. Finalmente, ele afastou os lábios.
Ficou de pé e assegurou de sustentá-la com a firmeza de seus braços. Ela captou o ardor em
seus brilhantes olhos azuis e ele sorriu.
—Senhora Cameron, fica declarada uma paz privada. Agora, vamos ver o pequeno senhor
John Daniel Cameron.
—John Daniel Cameron? —Perguntou ela.
—Você gosta?
Ela se recostou entre seus braços, feliz, segura.
—Eu adoro — assegurou enquanto abraçava o pescoço— Quase tanto como eu adoro seu
pai!
Jesse voltou a sorrir e subiu a escada carregando ela. Passaram junto aos olhos vigilantes da
galeria de retratos dos Cameron, e entraram de novo no quarto principal.
E ali adoraram o Cameron recém-nascido.
Os canhões da guerra seguiam disparando, mas Jesse e Kiernan sem dúvida encontraram sua
paz privada.

Fim

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