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mística e
espiritualidade.
Simone Weil,
cem anos
Emmanuel Gabellieri
A exigência de uma
nova universalidade
E mais:
Bartomeu Estelrich >> José Antonio Zamora:
Filosofia weiliana: um
Walter Benjamin e o
processo de contemplação
império do instante
313
Ano IX
Maria Clara Bingemer >>Ana Luisa Janeira:
Simone Weil. A vida As missões jesuíticas.
03.11.2009
ISSN 1981-8469 em busca da verdade O quarto centenário
Simone Weil, cem anos
Três entrevistas completam esta edição: Ana Luisa Janeira, professora na Universidade de
Lisboa, Portugal, e que numa edição anterior desta revista narrou a sua trajetória intelectual,
informa algo das suas pesquisas sobre as missões jesuíticas. Aliás, no próximo ano, celebra-se o
quarto centenário do início deste experimento. Por sua vez, José Antonio Zamora, professor no
Instituto de Filosofia do Conselho Superior de Investigações Científicas (CSIC) da Espanha, reflete
sobre a contribuição de Walter Benjamin na compreensão do progresso como ideologia que institui
o império do instante, destruindo a experiência em função da fugacidade e da velocidade sempre
mais acelerada na modernidade capitalista. Por fim, François Euvé, teólogo francês, descreve a
sua trajetória intelectual de diálogo com a ciência, especialmente a física.
IHU On-Line é a revista semanal do Instituto Humanitas Unisinos – IHU – Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos. ISSN 1981-8769.
Expediente
Diretor da Revista IHU On-Line: Inácio Neutzling (inacio@unisinos.br). Editora executiva: Graziela Wolfart MTB 13159 (grazielaw@unisi-
nos.br). Redação: Márcia Junges MTB 9447 (mjunges@unisinos.br) e Patricia Fachin MTB 13062 (prfachin@unisinos.br). Revisão: Vanessa
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lhadores – CEPAT, de Curitiba-PR. Projeto gráfico: Bistrô de Design Ltda e Patricia Fachin. Atualização diária do sítio: Inácio Neutzling,
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Leia nesta edição
PÁGINA 02 | Editorial
A. Tema de capa
» Entrevistas
PÁGINA 05 | Miguel Ângelo Guimarães Juliano: Um perfil de Simone Weil
PÁGINA 12 | Bartomeu Estelrich: Filosofia weiliana: um processo de contemplação
PÁGINA 14 | Giulia Paola di Nicola e Attilio Danese: A busca da verdade pautada pela mística
PÁGINA 20 | Maria Clara Bingemer: Simone Weil. A vida em busca da verdade
PÁGINA 24 | Emmanuel Gabellieri: A exigência de uma nova universalidade
PÁGINA 28 | Fernando Rey Puente: Metaxu: a união de planos diferentes de realidade
B. Destaques da semana
» Entrevistas da Semana
PÁGINA 32 | Ana Luisa Janeira: Missões jesuíticas em terras não cristãs
PÁGINA 34 | José Antonio Zamora: Walter Benjamin e o império do instante
» Teologia Pública
PÁGINA 39 | François Euvé: A humanidade como o centro da revelação
» Coluna Cepos
PÁGINA 43 | Jacqueline Lima Dourado: Olha o passarinho! Microblogging como o twitter configura-se
como um novo canal de poder e comunicação
» Destaques On-Line
PÁGINA 45 | Destaques On-Line
C. IHU em Revista
» Eventos »
PÁGINA 50| Rosa Maria Zaia Borges Abrão: A mediação comunitária como prática jurídica popular inovadora
» Sala de Leitura
» IHU Repórter
PÁGINA 34| Mirian Dazzi
M
iguel Ângelo Guimarães Juliano, professor de Filosofia do Centro de Ensino Superior
de Juiz de Fora, MG, descreve o perfil de Simone Weil. Doutor em Teologia pela Uni-
versidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio, com a tese Mística e ética em Simone
Weil (2005), e conhecedor da obra da escritora e filósofa francesa, Juliano descreve,
especialmente para a IHU On-Line, o ambiente familiar e os sentimentos marcantes
da personalidade de Simone Weil, como a compaixão. “Essa compaixão precoce desenvolve nela a
compreensão da dignidade de cada ser humano como portador de um valor absoluto, que traduz uma
forma precoce do ideal kantiano do imperativo de humanidade como fim em si”.
Juliano é graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Juiz de Fora, mestre em Teologia
pela Pontifícia Universidade Lateranense, de Roma. Confira o artigo. Os subtítulos são nossos.
Simone Weil nasceu em Paris a 3 de a respeito do que se conversa. O lar la ideia de uma sociedade solidária e
fevereiro de 1909 e morreu na noite é também o lugar do aprendizado da uma política profundamente marcada
de 24 de agosto de 1943. Seu pai, o vida política. A inteligência e a pesqui- pelo sentido dos nossos deveres para
Dr. Bernard Weil, judeu de origem al- sa livres de preconceitos projetam o com os outros seres humanos. A ordem
saciana, era médico; sua mãe, Selma coração dos membros da família para política deve ser definida pelo senso
Weil, era de origem russa. André, seu as grandes questões do seu tempo. Os de justiça como virtude fundamental
irmão, foi um precoce matemático. Weil se amavam muito, e as crianças da convivência humana, sem a qual as
Crescendo num ambiente apaixonado interagiam com seus pais. Às vezes, as ideias de igualdade e fraternidade não
pela cultura, Simone, com seis anos, crianças se divertiam à mesa quando passariam de propaganda e espetácu-
recitava Corneille e Racine, e fazia, notavam que seus pais, ao procurarem lo, como ocorre de fato com os discur-
juntamente com seu irmão, algumas deixar um para o outro o prato de que sos políticos atuais. O que interessa é
apresentações de peças teatrais. Na mais gostavam, comiam sempre o que permitir e incentivar uma conversação
casa dos Weil se respirava um ambien- menos gostavam, sem proveito para cada vez mais informada pela pesqui-
te literário e se falava sobre todos os ninguém. sa e pela capacidade de dialogar com
assuntos. À literatura e à poesia se so- A pequena Simone sabia o que sig- franqueza e abertura de espírito ao
mavam as acaloradas discussões sobre nificava solidariedade e empenhava- que o outro diz. A vida política pode
os acontecimentos que se desenrola- se desde muito cedo a não ter mais ser norteada por uma postura que in-
vam no cenário político e intelectu- do que o necessário para viver. Essa terliga o saber bem informado e os
al do início do século XX. O ambien- compaixão precoce desenvolve nela a compromissos que os membros de uma
te familiar era aberto e permeável a compreensão da dignidade de cada ser comunidade são capazes de estabele-
um estilo de vida marcado pela viva humano como portador de um valor cer em virtude dessa abertura da in-
experiência de liberdade; poder pen- absoluto, que traduz uma forma pre- teligência. Uma política não esclareci-
sar, dizer e expressar o que se julga coce do ideal kantiano do imperativo da ou mal informada só interessa aos
importante é também permitir que de humanidade como fim em si. Simo- inimigos da inteligência, incapazes do
os outros possam dizer o que pensam ne Pétrément narra, em sua biografia, diálogo franco.
que durante a primeira guerra mundial
Pierre Corneille: mais conhecido por Cor- ela adotara um soldado que estava no Ensinamentos
neille (1606-1684) foi um dramaturgo de tra-
gédias francês. Ele foi um dos três maiores front, como afilhado de guerra, fa-
produtores de dramas na França, durante o zendo pequenos trabalhos domésticos Simone cresceu numa atmosfera
século XVII, ao lado de Molière e Racine. Era com os quais ela recebia uns trocados alegre e luminosa. Os Weil também
chamado de “fundador da tragédia francesa”,
e escreveu peças por mais de 40 anos. (Nota para enviar a este seu afilhado. Muitos gostavam de morar junto à natureza,
da IHU On-Line) gestos de solidariedade são apresen- mudando sempre de casa devido ao
Jean Baptiste Racine (1639-1699): foi um tados pela sua biógrafa no sentido de trabalho do pai que era médico. A ad-
poeta trágico, dramaturgo, matemático e his-
toriador francês. É considerado, juntamente demonstrar a resoluta decisão em par- miração pela natureza estará sempre
com Pierre Corneille, como um dos maiores ticipar da vida dos últimos da Terra. presente em seus escritos. Essa per-
dramaturgos clássicos da França. (Nota da IHU Essas atitudes já antecipam aque- cepção ganha força e um significado
On-Line)
Ensinamentos
Weil, era de origem russa. André, seu
irmão, foi um precoce matemático.
levantadas pela cultura
Crescendo num ambiente apaixonado
pela cultura, Simone, com seis anos,
atual” Simone cresceu numa atmosfera
alegre e luminosa. Os Weil também
recitava Corneille e Racine, e fazia, gostavam de morar junto à nature-
juntamente com seu irmão, algumas deixar um para o outro o prato de que za, mudando sempre de casa devido
apresentações de peças teatrais. Na mais gostavam, comiam sempre o que ao trabalho do pai que era médico.
casa dos Weil se respirava um ambien- menos gostavam, sem proveito para A admiração pela natureza estará
te literário e se falava sobre todos os ninguém. sempre presente em seus escritos.
assuntos. À literatura e à poesia se so- A pequena Simone sabia o que sig- Essa percepção ganha força e um
mavam as acaloradas discussões sobre nificava solidariedade e empenhava- significado todo especial, por ser
os acontecimentos que se desenrola- se desde muito cedo a não ter mais uma mediação entre a natureza bru-
vam no cenário político e intelectu- do que o necessário para viver. Essa ta e o engenho de uma liberdade que
al do início do século XX. O ambien- compaixão precoce desenvolve nela a a transforma. Através do trabalho
te familiar era aberto e permeável a compreensão da dignidade de cada ser humano, como ela irá testemunhar
um estilo de vida marcado pela viva humano como portador de um valor alguns anos mais tarde, o homem se
www.ihu.unisinos.br
A
filosofia de Simone Weil é fragmentária e antissistemática, e seu objetivo principal não é
teórico, “mas eminentemente para uma mudança de vida”. Isso justifica o fato da filosofia
weiliana ser pouco conhecida no Brasil, e considerada confusa, por alguns, e intricada, por
outros, assinala Bartomeu Estelrich, na entrevista que segue, concedida, por e-mail, à IHU
On-Line. Fascinada pela “profundeza impenetrável” escondida na relação íntima entre
microcosmo e macrocosmo e seguindo os ensinamentos de Sócrates, Simone Weil “percebeu, que
filosofar não era uma atividade teórico-abstrata, mas um processo de purificação e transformação da
alma e, em segundo, que filosofar era um diálogo constante na busca pela verdade, justiça, obediên-
cia e o bem”, menciona.
Segundo Estelrich, Simone Weil considerava o desapego como o primeiro passo para o aperfeiçoa-
mento espiritual. “Ao ser desapegada, a pessoa é capaz de quebrar as correntes que a ligam a desejos
e medos terrenos; para transformar a concepção de tempo ‘histórico-linear’ em ‘enterno-circular’; e
para ser transformada pela contemplação da beleza da Terra”, frisa.
Estelrich é doutor em Filosofia, pela Universidad Pontifícia Comillas, Madri, Espanha, com a tese
El amor en La metafísica de Simone Weil. Confira a entrevista.
IHU On-Line - Por que a obra de Si- uma forma muito pessoal, e, às vezes, Estilo de Vida. Exercícios Espirituais
mone Weil é tão pouco conhecida? incomum; 3) não oferece uma filosofia de Sócrates a Foucault. New York:
Bartomeu Estelrich - Acredito que há acabada e sistematicamente organiza- Blackwell, 1995). Para ele, a filosofia
dois motivos principais para a filoso- da, mas, pelo contrário, uma filosofia antiga pode ser considerada um exer-
fia weiliana ser pouco conhecida. O fragmentária e antissistemática na cício espiritual porque envolve uma
primeiro é circunstancial. Muitos não qual o objetivo principal não é teóri- transformação da visão de mundo e a
conhecem a filosofia de Simone Weil, co, mas eminentemente para uma mu- conversão da personalidade; um pro-
porque: 1) não tiveram um professor dança de vida. cesso que coloca de cabeça para baixo
que incluiu a filosofia dela em seu pla- a nossa vida, fazendo com que ela seja
no de estudos; 2) ou não tiveram sorte IHU On-Line - A sua comunicação no mais repleta, e melhor. Weil também
suficiente para encontrar qualquer re- Simpósio Internacional “O pensa- buscou esse mesmo objetivo em sua fi-
ferência sobre ela em outros livros de mento de Simone Weil e o encontro losofia. Para ela, filosofia é um exercí-
filosofia; 3) ou (no caso de já conhece- entre as culturas”, realizado no Rio cio espiritual que procura elevar o in-
rem a filosofia de Weil) não se deram o de Janeiro, em 2007, teve como tí- divíduo a um novo nível de vida e uma
trabalho de ir a uma livraria, comprar tulo principal “Filosofia como exer- nova compreensão do mundo; um pro-
um de seus livros, e lê-lo. O segundo cício espiritual”. Podemos dizer que cesso que exige uma conversão radical
motivo é filosófico. Para alguns leito- para Simone Weil a Filosofia era efe- da forma de ser do indivíduo, convi-
res, o pensamento de Weil é tido como tivamente um exercício espiritual? dando-o para entrar em um processo
intricado e até confuso. Em minha opi- Bartomeu Estelrich - Acho que sim, quádruplo: “desapego” do mundo ao
nião, sua filosofia pode ser vista desta se definirmos “exercício espiritual” derredor, “atenção” ao instante pre-
forma por três motivos principais: 1) da mesma forma que Pierre Hadot o sente, “harmonia” com a imensidão e
a filosofia weiliana utiliza conceitos fi- fez, em seu livro Philosophy as a Way beleza do universo, e por fim “descria-
losóficos “antigos” e “modernos” para of Life. Spiritual Exerceises from So- ção” do eu [ser].
responder a questões “pós-modernas”; crates to Foucault (Filosofia como
2) ela é o resultado da combinação de IHU On-Line - Que conexões pode-
Pierre Hadot (1922): filósofo francês, espe-
conceitos cristãos, gregos e judeus de cialista em filosofia antiga, particularmente mos estabelecer entre a filosofia de
neoplatonismo. (Nota da IHU On-Line)
“S
é um ajuste melódico entre a pessoa e o
universo. Uma pessoa alcança esse esta- imone chegou à mística pela via da busca da verdade. Não
do através da contemplação da beleza do desenvolveu seu pensamento após o encontro com Deus”,
mundo e as contradições que compõem dizem Giulia Paola di Nicola e Attilio Danese, diretores
a estrutura da realidade. Através dela, da revista Perspectiva Persona, da Itália. Cem anos após
a alma é arrastada em direção a presen- o nascimento de Simone Weil e pouco mais de 60 anos de
ça de Deus, e aprende como obedecer. sua morte, a obra da filósofa francesa é revisitada e, segundo os entrevista-
Quando isto ocorre, o indivíduo atingiu dos, “os estudos dedicados aos cátaros, ao hinduísmo, à gnose, às religiões
o último estágio da perfeição espiritual: pré-cristãs estão a demonstrar a importância do pensamento de Simone Weil
descriação. O conceito de descriação é para um diálogo entre as religiões baseado, acima de tudo, sobre as intui-
difícil de definir porque Weil utilizou-o
ções dos respectivos místicos”.
com três diferentes significados: 1) como
Na entrevista que segue, concedida, por e-mail, à IHU On-Line, eles desta-
um processo dialético, 2) como um pro-
cesso de divinização, e como um 3) es- cam a questão da estética na filosofia de Simone Weil e afirmam que a filósofa
tágio final da alma. Como um processo “antecipou os tempos, atribuindo ao ‘belo’ um caráter sacramental como via e
dialético, a descriação é a metodologia mediação do céu”. Sobre essa perspectiva, Giulia Paola di Nicola e Attilio Da-
através da qual as estruturas do ego são nese assinalam que a “teologia contemporânea reclama uma estética filosófica
dissolvidas progressivamente permitindo para poder continuar a falar de Deus numa fase pós-metafísica. As condições
que o sujeito desapareça e não perturbe do ato de fé são mais importantes do que os conteúdos da fé”.
a harmonia da criação. Como processo de Eles comentam ainda a relação de Simone Weil com o ritual do batismo e
divinização, a descriação é uma metodo- narram alguns motivos que provavelmente a fizeram esperar por este sacra-
logia pela qual a alma humana reproduz mento até o momento de sua morte.
uma reversão da criação de Deus. Assim, Giulia Paola Di Nicola ensina Sociologia em várias universidades italianas
se a criação é, de acordo com Weil, o
e é professora visitante em universidades do Canadá, Bélgica, Alemanha e
ato através do qual Deus “renuncia ser
Brasil. É vice-presidente da Parity Commission of the Abruzzo Region. Com
tudo”, para um ser humano, descriação
é renunciar seu próprio ser. Se a criação Maria Clara Bingemer, é autora de Simone Weil: Ação e Contemplação.
é atitude de Deus se esvaziar a si mesmo Attilio Danese é professor de filosofia em universidades italianas e, em
da sua divindade, descriação é a forma parceria com Giulia Paola Di Nicola, publicou Abissi e Vette. Il percorso spi-
pela qual um ser humano se esvazia da rituale e mistico di Simone Weil (LEV: Città del Vaticano, 2002) traduzido
falsa divindade com a qual nasceu. E se a para o português com o título Abismos e ápices (São Paulo: Edições Loyola,
criação é o ato supremo do amor divino 2003). Confira a entrevista.
pela humanidade, descriação é o ato ex-
tremo do amor humano por Deus. E como
um estágio final da alma, a descriação é IHU On-Line - Apesar de ter sido nese - Como sublinhamos nos nossos
o estágio que uma pessoa alcança no final profundamente tocada pelo Cristia- trabalhos sobre Simone Weil, até o
do seu processo espiritual, no qual ela al- nismo e seus pressupostos, sabe-se Permitimo-nos remeter a: G. P. Di Nicola
cança uma profunda compreensão da re- que Simone Weil tinha sérias resis- – A. Danese, Simone Weil. Abitare la contra-
alidade; é capaz de penetrar os inúmeros tências em receber o sacramento ddizione, Dehoniane, Roma, 1992; Id., Abissi
e vette. Il percorso spirituale e místico di
véus que a separam de Deus; e alcança do Batismo. Quais eram essas resis- Simone Weil, Lew, Cidade do Vaticano, 2002
perfeição espiritual. tências? (em português: Abismos e ápices. Percursos
Giulia Paola di Nicola e Attilio Da- espirituais e místicos em Simone Weil, Ed.
Loyola, S.P., 2003; Bingemer M. C. – Di Nicola
no endereço www.ihu.unisinos.br
• O testemunho do vivido. De • Atenção à verdade e à san-
fato Simone constitui hoje um mode- tidade. Simone chegou à mística
lo de percurso espiritual que passa do pela via da busca da verdade. Não
agnosticismo à recusa da mentira, à desenvolveu seu pensamento após
busca da verdade. É um testemunho o encontro com Deus, com o fim de
que interroga a teologia. De fato, tornar compreensível a revelação,
esta se nutre de testemunhos que as- embora tenha impostado sua vida so-
sinalam uma época e que se tornam bre a atenção à verdade, consagran-
um precioso objeto de reflexão, do do a ela todas as suas energias. O
qual a teologia necessita para pôr-se Cristo lhe respondeu e se doou a ela.
em sintonia com o próprio tempo. A atenção foi para Simone o caminho
• Santidade encarnada. A vida e que a conduziu diretamente à meta.
a obra de Simone contêm claramente “Muito lhe é perdoado porque muito
sinais indicadores de santidade, em- amou” é a frase que Jesus pronuncia
bora em contraste com as afirmações no Evangelho em defesa da Madalena
particulares de seu pensamento. Isso ante os fariseus e os bem pensantes,
convida a desvincular o reconheci- frase que se pode aplicar a Simone
mento da santidade da complexa or- se o ter amado indica aquele seu ba-
todoxia de toda frase particular e de ter incessantemente à porta, aque-
toda convicção. Pode-se ter pensado, la sua doação sem reservas à qual a
escrito e feito coisas que hoje o sen- Verdade em pessoa respondeu.
so ético comum não compartilha e, • A essência da religião. Para Si-
no entanto, haver tocado os cumes mone, a religião ou é experiência mís-
da unidade da alma com Deus. Isto tica do amor entre Cristo e a alma, ou
vale para Simone como para os gran- não é senão aparato, rito, consagração
des santos reconhecidos pela Igreja, do social. Para o fato de que Deus fala
algumas afirmações dos quais podem “no segredo” o respeito da consciência
hoje soar de forma dissonante e até às coisas de Deus é coisa sagrada.
contraditória com respeito ao atual • Contradição e loucura. A con-
magistério, e, no entanto, não invali- tradição não é somente o cume ao
dam o carisma de fundo. qual deve chegar uma inteligência
• Mística e política. Muitos lei- honesta consigo mesma, mas tam-
tores de Simone ficam impressionados bém a característica de Deus, onipo-
pela coexistência, até os últimos dias, tente e onisciente, pessoal e impes-
de experiências místicas e de empenho soal, uno e trino, puro sofrimento e
político. Simone mantém com natura- pura alegria. Tais contradições não
lidade estes dois registros, mostrando se podem explicar com a teologia,
a impossibilidade de viver a santida- mas somente contemplar na “loucu-
de fora das características específicas ra do amor” e da mística.
da personalidade e das tendências de
cada um.
“C
omungar com o sofrimento do outro, e não apenas fazer teorias sobre ele; par-
ticipar das aflições do outro, e não apenas dissertar sobre elas; mergulhar pro-
fundamente na dor do mundo até o ponto de fazê-la sua, não ficando longe dela
e tratando-a assepticamente”. Na opinião de Maria Clara Bingemer, Decana do
Centro de Teologia e Ciências Humanas da Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro - PUC-Rio, essas são as marcas que caracterizam a mística de Simone Weil. Nascida
e criada em uma família cristã, a filósofa francesa sempre viveu de modo cristão, embora, segundo
Maria Clara Bingemer, “não se servia das noções ou dos conceitos cristãos em termos teóricos”.
Fiel à sua forma mentis e decidida a nunca buscar a Deus, “ela acreditava firmemente que não se
pode atingi-Lo aqui embaixo, na Terra, pelo pensamento e pela razão. Nunca O buscou a fim de não
se iludir pensando em tê-Lo encontrado e assim expressá-Lo falsamente”, menciona.
Na entrevista que segue, concedida, por e-mail, para a IHU On-Line, a pesquisadora Maria Clara
Bingemer também explica o desejo de Simone Weil em vivenciar o momento da morte e o seu encon-
tro com o absoluto.
Maria Clara Bingemer é professora do Departamento de Teologia da Universidade Católica do Rio
de Janeiro - PUC-Rio. Pesquisadora da vida e obra de Simone Weil, publicou com G.P.di NICOLA Si-
mone Weil: ação e contemplação (São Paulo: EDUSC, 2005) e Simone Weil: A força e a fraqueza do
amor (Rio de Janeiro: Rocco, 2007). Organizou e publicou pelas editoras Paulinas e PUC-Rio, Simone
Weil e o encontro entre as culturas (São Paulo/ Rio de Janeiro: Paulinas / Editora PUC-Rio, 2009),
com os textos inéditos do colóquio de mesmo nome, realizado no Rio de Janeiro, em 2007. Confira a
entrevista.
IHU On-Line - A aproximação de Si- No entanto, afirmava também que uma vida futura, mas sim no momento
mone Weil do Cristianismo é marca- sempre considerou como única atitude da morte como aquele em que caem
da por uma profunda coerência en- possível para si mesma a atitude cris- todos os véus, e a verdade nua se
tre a sua experiência mística e sua tã. Dizia: “Nasci, cresci, sempre per- apresenta à alma. E dizia, claramen-
efetiva ação intelectual e política, maneci na inspiração cristã”. Sem usar te, nunca ter desejado outra coisa
que surpreende seus interlocutores as palavras teológicas e/ou morais, Si- na vida que encontrar essa verdade.
e impacta até hoje aqueles que to- mone Weil faz aí uma distinção impor- Segundo conta sua biógrafa, Simone
mam contato com seu pensamento. tante dentro do pensamento cristão: Pétrement, bem como todos os seus
Quem era Cristo para Simone Weil? ela vivia cristãmente (com atitudes demais biógrafos, isso está absolu-
Maria Clara Bingemer - No livro A espe- que somente depois chegaria a poder tamente certo: para assegurar-se de
ra de Deus, autobiografia que escreve nomear), mas não se servia das noções que estava sendo movida pela verda-
ao Pe. Perrin, Simone Weil, fiel a sua ou dos conceitos cristãos em termos de, Simone Weil sempre procurou agir
forma mentis, explica porque nunca teóricos. Essas concepções, tornadas pela obediência aos acontecimentos
buscou a Deus. Ela acreditava firme- práticas vitais, estavam nela desde ou às circunstâncias. Daí decorre,
mente que não se pode atingi-Lo aqui que tomara consciência de sua huma- segundo a biógrafa, sua decisão de ir
embaixo, na Terra, pelo pensamento e nidade. para a fábrica.
pela razão. Nunca O buscou a fim de Com a sede absoluta de verdade
não se iludir pensando em tê-Lo encon- que possuía, Simone Weil declarava Simone Pétrement: notável historiadora
trado e assim expressá-Lo falsamente. nunca ter-se permitido pensar em francesa, especializada em filosofia clássica e
cristianismo primitivo. (Nota da IHU On-Line)
“S
imone Weil pode ajudar a avançar na compreensão das ‘vias e meios de salvação
que só Deus conhece’, indicadas pela tradição cristã desde os padres até a Gau-
dium et Spes. Seu gênio sadio parece ter procurado (...) definir mais profundamen-
te o espaço de mediação entre o humano e o divino, exigindo de uma parte que
sejam analisadas a um nível espiritual todas as dimensões da existência humana e,
de outra parte, que seja tomado em conta, pela filosofia e pela teologia, o conjunto das culturas e
das religiões universais”. A declaração é do professor Emmanuel Gabellieri, em entrevista concedida,
por e-mail, para a IHU On-Line. Ao refletir sobre a obra de Simone Weil O enraizamento, ele explica
que o que ela chama “enraizamento” implica, portanto, um triplo enraizamento: “a) no mundo sen-
sível; b) na aspiração a um bem transcendente; c) numa comunidade cujo papel é o de articular as
duas primeiras dimensões, a saber, as necessidades da alma e as necessidades do corpo. Eis porque ‘o
enraizamento’ é um conceito-chave do diálogo intercultural. Cada sociedade, cada cultura, estando
fundada sobre esta articulação, cada uma pode e deve, com efeito, ser julgada por sua capacidade
de realizá-la em função da exigência de dignidade e de reconhecimento presente no coração de
cada ser humano”. E continua: “é porque cada homem é constituído por uma ligação íntima entre o
desejo do bem e a sensibilidade, elo que define o que há no homem de ‘sagrado’, que as sociedades
devem estar fundadas, não sobre uma declaração abstrata e individualista dos ‘direitos’ do homem,
mas sobre uma declaração das ‘obrigações com o ser humano’. Nascem por aí as obrigações com a
coletividade como tal, que conduzem a opor o amor de uma ‘cidade’ (mediadora do universal) e a
submissão ao ‘grande animal social’, cuja pretensão exclusiva à existência é fonte da idolatria tota-
litária e do desenraizamento”.
Emmanuel Gabellieri é professor da Universidade Católica de Lyon, na França, e um dos maiores
especialistas na obra de Simone Weil. Entre suas publicações, citamos: Simone Weil: uma filosofia
da Mediação e do Dom, in Simone Weil, Ação e contemplação (G. P. di Nicola - M. C. Bingemer org.),
São Paulo: Edusc, 2005; Vie publique et vita activa chez S.Weil et H.Arendt, Cadernos Simone Weil,
1999, p.135-52 e Etre et Don. S.Weil et la philosophie, Bibliothèque philosophique de Louvain n°57,
Peeters, Louvain-Paris, Dudley, 2003. Confira a entrevista.
IHU On-Line - Em sua obra O enrai- pode, de saída, suscitar perplexidade. o maior número de necessidades da
zamento, Simone Weil propõe 14 ne- As 14 “necessidades da alma”, expos- alma em cinco pares de opostos: 1) Li-
cessidades da alma. Quais são elas? tas na primeira parte da obra, definem berdade e Obediência; 2) Igualdade e
Elas obedecem a uma estrutura lógi- com evidência os modos de relação, e Hierarquia; 3) Honra e Punição; 4) Se-
ca? então de “enraizamento”, julgados es- gurança e Risco; 5) Propriedade priva-
Emmanuel Gabellieri - As necessida- senciais entre o indivíduo, a sociedade da e propriedade coletiva. Ficam fora
des da alma de que fala Simone Weil e o mundo. Mas, segundo que lógica? desta organização a Ordem, a Liber-
em O enraizamento são pensamentos Não é certo que Simone Weil as tenha dade de opinião e a Verdade. Tendo a
situados numa estrutura espaço-tem- elaborado perfeitamente, mas pode-se Liberdade já sido citada precedente-
poral que primeiramente é cósmica, tentar misturar aqui observações e hi- mente, parece que “Liberdade de opi-
mas sempre se encontra mediada pela póteses. Um princípio de organização nião” e “Verdade”, embora separadas
dimensão social da existência. A lista parece claramente o seguinte, pitagó- na sucessão tal como elas são dadas,
que é estabelecida em O enraizamento rico, da união dos contrários, ligando poderiam constituir um sexto par de
24 SÃO LEOPOLDO, 03 DE NOVEMBRO DE 2009 | EDIÇÃO 313
contrários. Restam então a Ordem (a de Jacques Maritain em 1927, por oca-
primeira das necessidades expressas)
“Simone Weil se apoia sião da condenação da Action Française,
e a Responsabilidade (em quarta po- que recusava a atitude dos católicos dis-
sição) que, com a Verdade (fechando
em sua experiência cípulos de Maurras querendo identificar
a lista) parecem apresentar-se como pura e simplesmente o cristianismo e a
metacategorias, ligando entre si as
espiritual e num herança da cultura greco-latina. A mes-
precedentes. O que as observações ma intuição de dever, sob este ponto de
feitas fazem realçar é uma psicosso-
universalismo místico vista, “desocidentalizar” o cristianismo
ciologia na qual a alma se define pela para poder realizar sua dimensão univer-
rede de relações que a nutrem e a fa-
enraizado no próprio sal (a qual oferece, sem dúvida, além de
zem viver no seio de uma comunidade. seus desacordos, um dos paralelos mais
A estrutura espaço-temporal do enrai-
Deus” significativos entre Maritain e Simone
zamento se desenvolve, assim, num Weil, como o mostra sua comum aber-
sistema de relações recíprocas que cuja pretensão exclusiva à existência tura à Índia) se encontra em Fides et ra-
permitem o reconhecimento mútuo. é fonte da idolatria totalitária e do de- tio. Mas, paralelamente, Fides et ratio
Sistema de necessidades que define, senraizamento. recusa igualmente uma vontade de “de-
também, simultaneamente, o sistema selenizar” o cristianismo, o que signifi-
das “obrigações com o ser humano”. IHU On-Line - Como este mesmo con- caria recusar o valor de universalidade
ceito pode ser aplicado ao diálogo da cultura e da filosofia gregas e do que
IHU On-Line - Como o enraizamento inter-religioso? elas trouxeram ao cristianismo: como in-
concebido por Simone Weil pode ser Emmanuel Gabellieri - Pode-se tentar siste nisso, por exemplo, o § 72: “A Igre-
um conceito-chave no diálogo inter- resumir a perspectiva de Simone Weil ja não pode deixar para trás o que ela
cultural? dizendo que, para ela, cada cultura e adquiriu por sua inculturação na cultura
Emmanuel Gabellieri – O que Simone cada religião contêm em si “sementes greco-latina. Recusar tal herança seria ir
Weil chama “enraizamento” implica, do Verbo”. Ao mesmo tempo, o Cristo contra o desígnio providencial de Deus”.
portanto, um triplo enraizamento: a) transcende todas as culturas e o próprio Esse privilégio concedido à Grécia fica
no mundo sensível; b) na aspiração a cristianismo histórico. Esta perspectiva claro quando nos atemos ao plano filo-
um bem transcendente; c) numa co- cruza os cacifes mais recentes da refle- sófico, pelo fato de que, quaisquer que
munidade cujo papel é o de articular xão católica, dos textos do Magistério aos sejam os debates entre as duas maiores
as duas primeiras dimensões, a saber, teólogos de diversos horizontes. Pode- tradições da linha aristotélico-tomista
as necessidades da alma e as neces- se fazer referência à encíclica Fides et e do platonismo cristão, estas têm em
sidades do corpo. Eis porque “o en- ratio de João Paulo II como primeiro comum que não crêem numa oposição
raizamento” é um conceito-chave do exemplo. Neste texto, com efeito, a En- Jacques Maritain (1882-1973): filósofo fran-
diálogo intercultural. Cada sociedade, carnação do Verbo transcende as cultu- cês. O pensamento tomista de Maritain serviu-
cada cultura, estando fundada sobre ras, pois “a encarnação realiza a síntese lhe de parâmetro para a abordagem e julga-
esta articulação, cada uma pode e mento de situações concretas como a política,
que o espírito humano não teria podido a educação, a arte e a religião vigentes. Mas
deve, com efeito, ser julgada por sua imaginar: o Eterno entra no tempo, o tratou também da base da gnosiologia, deci-
capacidade de realizá-la em função da Todo se oculta no fragmento (...) a ver- dindo-se pelo realismo imediato e intuição do
exigência de dignidade e de reconhe- ser, tal como no aristotelismo e na escolástica
dade não está mais fechada num quadro originária. Diferenciou a filosofia e a ciência
cimento presente no coração de cada cultural restrito, mas se abre a todo ho- experimental, bem como as diversas ciências
ser humano. É porque cada homem é mem“ (§ 12). De modo que o Cristo im- filosóficas. Advertiu para a diferença entre o
constituído por uma ligação íntima en- tema da lógica e o da gnosiologia. Foi um dos
pede que uma cultura possa tornar-se “o principais expoentes do tomismo no século XX.
tre o desejo do bem e a sensibilidade, critério último da verdade, no referente Uma de suas obras principais é Por um huma-
elo que define o que há no homem de à revelação de Deus” (§ 71). Mostramos nismo cristão (São Paulo: Paulus, 1999). Sobre
“sagrado” (EL 11-44), que as socieda- Maritain, confira o recém-lançado Maritain à
em outra ocasião que esta acentuação contre-temps: Pour une démocratie vivante
des devem estar fundadas, não sobre retomava tipicamente a argumentação (Paris: Desclée de Brouwer, 2007), do filósofo
uma declaração abstrata e individu- jesuíta Paul Valadier. (Nota da IHU On-Line)
alista dos “direitos” do homem, mas Charles Maurras: (1862-1952) nacionalista,
Fides et Ratio: décima segunda Encíclica anti-semita e anti-republicano, o escritor e
sobre uma declaração das “obrigações do Papa João Paulo II, de 14 de setembro de teórico político francês exerceu grande influ-
com o ser humano” (EL 74-84). Nas- 1998. Ela fala sobre as relações entre a fé e ência intelectual na Europa do início do século
cem por aí as obrigações com a coleti- a razão (fides et ratio), que constituem como XX. Seu nacionalismo de direita antecipou al-
que as duas asas pelas quais o espírito humano gumas idéias do fascismo. (Nota da IHU On-
vidade como tal (E 15), que conduzem se eleva para a contemplação da verdade. A Line).
a opor o amor de uma “cidade” (me- encíclica recorda que a fé a razão foram o ob- “Seria um erro mortal confundir a causa uni-
diadora do universal) e a submissão ao jeto de estudos exaustivos por parte de Santo versal da Igreja e a causa particular de uma
Tomás de Aquino no século X, nomeadamente civilização, de confundir, por exemplo, latinis-
“grande animal social” (OC VI 2 419), na sua Suma Teológica. Recorda o trabalho de mo e catolicismo”, pois “a Igreja é universal”
Não esquecer que o título original de O En- apropriação pelo Ocidente, dos séculos XII e e “(...) todas as nações nela se encontram
raizamento é “Prelúdio a uma declaração dos XIII, da filosofia de Aristóteles, um dos maiores em casa”. J. Maritain, Primado do espiritual,
deveres com o ser humano”. (Nota do entre- filósofos da Grécia Antiga. (Nota da IHU On- Plon, 1927, p. 143 ss. [na ed. Francesa]. (Nota
vistado) Line) do entrevistado)
“U
ma hermenêutica das culturas pensada de modo original e singular”, a obra de
Simone Weil deve “ser entendida como uma ampla reflexão sobre as culturas”,
sugere Fernando Rey Puente, professor de Filosofia da Universidade Federal de
Minas Gerais – UFMG, em entrevista concedida, por e-mail, à IHU On-Line. Para
ele, a estratégia teórica que está por trás das interpretações da escritora e filó-
sofa francesa “reside em uma dupla operação exegética que ela empreende”. Por um lado, menciona,
ela mostra que o mundo grego está inserido no contexto mundial e também recebeu a revelação divi-
na. Por outro, enfatiza, “ela tenta mostrar que o cristianismo é essencialmente filosófico e científico,
e que nada foi mais danoso para o mesmo do que a separação que começou a haver entre a ciência e
a religião cristã a partir do Renascimento”.
Desde o princípio da vida, a matemática e a mística tiveram um significado especial para Simone
Weil, e, na percepção da escritora, revestidas de mística, as ciências poderiam nos levar a Deus. “Ela
queria repensar uma nova ciência que pudesse ser ‘lida’ também num plano místico. Uma ciência
que estivesse à altura de nossa civilização do trabalho, algo que nem mesmo os gregos, que ela tanto
estimava, chegaram a compreender”, acentua.
Fernando Rey Puente é mestre em Filosofia pela Freie Universität Berlin, na Alemanha, e doutor
na mesma área pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. É também autor de livros sobre
Schelling, Aristóteles e Simone Weil. Destacamos Simone Weil et la Grèce (Paris: L’Harmattan, 2007)
e As Concepções Antropológicas de Schelling (São Paulo: Loyola, 1997). Recentemente, organizou, em
parceria com o Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, o Congresso Internacional Simone
Weil e a Filosofia, em comemoração ao centenário da filósofa. Confira a entrevista.
IHU On-Line - Qual a função dos me- exemplo, é um desses intermediários desde a mais tenra idade um ver-
taxu na composição do pensamento para ela, um intermediário de extre- dadeiro gênio, razão pela qual ela
weileano? ma importância. comparava a infância dele à de Pas-
Fernando Rey Puente - A noção de cal. Devido a essa imensa superiori-
metaxu, ou seja, de intermediário, IHU On-Line - Como a matemática se dade intelectual que ela acreditava
tem um papel fundamental no pensa- insere na vida de Simone Weil e como existir entre ela e seu irmão, Simone
mento de Simone Weil, na medida em ela influencia seu pensamento? chegou mesmo a sentir-se alijada do
que é por meio desses intermediários Fernando Rey Puente - A matemá- reino do espírito, até que, um dia,
que é possível estabelecer um conta- tica está presente desde os primór- ela teve uma espécie de revelação
to com o Bem, que é transcendente e dios da vida de Simone Weil, pois ela de acordo com a qual compreendeu
inacessível para nós. Como ela postula cresceu e foi educada ao lado de seu que ninguém está impossibilitado
existir diferentes planos de realida- irmão, André Weil, um dos matemá- de adentrar nesse território caso
de e que acredita na possibilidade de ticos mais importantes do século XX. se empenhe verdadeiramente a en-
eles poderem ser “lidos” um detrás Ela dizia que seu irmão havia sido trar nele com dedicação e atenção.
do outro, os intermediários são es- André Weil (1906-1998): matemático fran- Desse modo, ela sentiu-se consolada
cês, irmão de Simone Weil. É reconhecido por
senciais no seu pensamento, pois são sua obra seminal em teoria dos números e
para continuar seus estudos.
eles que permitem a passagem de um geometria algébrica. Foi membro-fundador e Ela entende a matemática prin-
plano para o outro. A matemática, por de fato o líder mais velho do Grupo Bourbaki. cipalmente em relação à civilização
(Nota da IHU On-Line)
do IHU
http://twitter.com/_ihu
SÃO LEOPOLDO, 03 DE NOVEMBRO DE 2009 | EDIÇÃO 313 31
Entrevistas da Semana
Missões jesuíticas em terras não cristãs
Especialista nas missões realizadas pela Companhia de Jesus no mundo, Ana Luisa
Janeira considera que o desafio mais importante para os jesuítas hoje é manter a
preocupação pela educação de qualidade
“O
s jesuítas desenvolveram um típico relacionamento baseado na música e na
expressão plástica, especialmente a escultura, o que é visível ainda hoje no
espólio das reduções jesuíticas, quer na Argentina, no Paraguai, no Uruguai ou
aqui no Brasil”. Quem já teve a oportunidade de visitar alguma região das mis-
sões sabe do que a professora Ana Luisa Janeira está falando. Janeira pesquisa
as missões jesuíticas há muitos anos e conhece muito bem as características da Companhia de Jesus
pelo mundo. Para ela, na entrevista que nos concedeu pessoalmente, na Unisinos, “os jesuítas, inde-
pendente de nós concordarmos ou não, sempre têm estendido uma educação de qualidade. E é impor-
tante que isso continue. E é igualmente importante que eles sejam capazes de perceber os sinais dos
tempos do ponto de vista da produção científica, artística e cultural. E devem saber manter, dentro
da tradição que lhes é própria, uma capacidade de reflexão e crítica que não vá no sentido do con-
sumismo e do capitalismo, mas atinja o âmago das questões essenciais”. Janeira também fala, nesta
entrevista, sobre Simone Weil, a quem considera um caso muito especial do pensamento místico no
século XX. “Ela é uma figura ímpar, com uma força muito grande na denúncia de certos conformismos
políticos, religiosos, acadêmicos. E, por conseguinte, ela pode ser inspiradora”.
Ana Luisa Janeira é professora na Universidade de Lisboa, Portugal, doutora em Filosofia Contem-
porânea pela Université de Paris I, e autora de A Energética no Pensamento de Teilhard de Chardin
(Livraria Cruz-Faculdade de Filosofia, 1978). Janeira esteve na Unisinos no último mês de setembro,
participando do IX Simpósio internacional IHU: Ecos de Darwin, onde proferiu a conferência intitulada
“A energética teilhardiana: missão evolutiva em terras cristãs”. Confira a entrevista.
IHU On-Line - Qual é a sua relação na origem, eu vim para as missões e um lado, uma estratégia bem definida
com a pesquisa sobre as missões? misiones, na parte espanhola, funda- emanada de Roma e, simultaneamen-
Ana Luisa Janeira – O importante na mentalmente para tentar perceber se te, uma capacidade de adaptação aos
questão da missão é entender como, haveria alguma transposição do mode- povos locais.
a partir de um determinado pensa- lo arquitetônico que os jesuítas geral-
mento, na Europa, e a partir de Santo mente seguem na construção dos seus IHU On-Line - Como o conceito de
Inácio de Loyola, se dá a proclamação noviciados e colégios e algumas casas missão está ligado à configuração da
universal em terras onde dominavam da Europa, na projeção de um mode- Companhia de Jesus?
outras culturas, outras tradições. Meu lo urbano para as missões. Constatei Ana Luisa Janeira – A Companhia de
interesse é ver como a Companhia de que a própria memória dos habitantes Jesus surge num momento especial da
Jesus definiu uma estratégia de difusão atuais das zonas de missão onde pes- Europa que se chama genericamente de
das suas ideias que, simultaneamente, quisei mostra que eles são conscientes “a contrarreforma”, ou seja, o processo
serviu – ou não – à identidade dos povos de que os jesuítas atuaram dentro de que se dá depois dos desenvolvimentos
que foram sujeitos dessa missão. En- certas áreas científicas e artísticas em da reforma luterana, calvinista e da par-
tão, nesse sentido, me parece impor- função das características dos povos te anglicana, do questionamento de um
tante fazer esse estudo. Mas, de fato, que encontraram, o que revela, por “aburguesamento” da Igreja e dum des-
32 SÃO LEOPOLDO, 03 DE NOVEMBRO DE 2009 | EDIÇÃO 313
virtuar do pensamento cristão. E, como
consequência, houve uma movimentação
“O importante na nha uma perspectiva para um mundo
diferente.
que se chamou a contrarreforma. E essa
contrarreforma, de certa maneira, foi
questão da missão é IHU On-Line - O que caracteriza o va-
muito servida por um desenvolvimento
da Companhia de Jesus, que rapidamen-
entender como, a zio no pensamento de Weil?
Ana Luisa Janeira – Essa ideia é muito
te aliciou muita gente. Houve um desen-
volvimento exponencial, inacreditável,
partir de um complexa. Simone Weil diz que o va-
zio exterior corresponde a uma tensão
da Companhia. As constituições de Santo
Inácio e os exercícios espirituais defini-
determinado interior. É provavelmente algo que
tem uma inspiração no pensamento
ram uma disciplina e uma estrutura de
tipo militar. E essa estrutura natural-
pensamento, na oriental. É preciso lembrar que seu
irmão, Andre Weil, tinha uma forte li-
mente evidencia que todo militar tem
sempre a ideia de conquista, de “ganhar
Europa, e a partir de gação com o pensamento de mulheres
orientais. Simone tem e viveu até as
terreno”. Isso acaba por ser, depois, já
numa perspectiva espiritual, muito divi-
Santo Inácio de Loyola, entranhas essa capacidade de descen-
trar dela mesma. Ela foi uma aluna
dido pela ideia de que é necessário pro-
pagar a boa nova junto dos povos que
se dá a proclamação brilhante de um curso em que tinha
como colegas Sartre e Simone de Be-
também acabavam por ser descobertos
e conquistados pelos europeus.
universal em terras auvoir, e conseguiu ter as melhores
classificações. No entanto, vai traba-
A
s estruturas temporais da modernidade capitalista estão marcadas pela velocidade, por
uma aceleração permanente. Ao mesmo tempo, parece que nada de novo, em seu senti-
do radical e autêntico, é produzido. “Novidades” proliferam em ritmo frenético, e essa
avalanche de bens de consumo nos conduz ao império do instante, do fugaz, do descar-
tável. Ao nos inscrevermos nessa lógica, acontece “uma anulação e uma destruição da
experiência, porque a relação que o sujeito estabelece com a realidade por meio do consumo está
marcada por essa fugacidade, por essa transitoriedade”. A análise é do filósofo espanhol José Antonio
Zamora na entrevista exclusiva que concedeu, pessoalmente, à IHU On-Line. Há uma “empatização
com a mercadoria”, assegura Zamora, referindo-se ao pensamento de Walter Benjamin. Não se trata
mais de um consumo material em si, e o valor de uso do produto fica de lado. Entra em cena a aura
alucinatória das mercadorias, que são convertidas em objeto de desejo pelas qualidades subjetivas
que conferem ao seu possuidor. Daí à conversão dos sujeitos em mercadoria é um passo. “Benjamin
rastreia uma forma de conversão dos sujeitos em mercadoria que tem a ver com o fetichismo da
mercadoria, com a aura alucinatória, com a experiência estética, cultural com a mercadoria, não
material”. Zamora critica esse devir cronológico, que tem na elaboração ideológica do progresso sua
mais rematada concretização. A figura do redemoinho seria mais adequada para compreendermos a
realidade social, quando tudo é movido, mas nada muda.
Zamora foi conferencista do evento O tempo messiânico contra o furacão destrutivo do capita-
lismo, de 28 de setembro a 1º de outubro de 2009, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em
Filosofia da Unisinos. Docente no Instituto de Filosofia do Conselho Superior de Investigações Cientí-
ficas (CSIC) da Espanha, é autor de, entre outros, Th. W. Adorno: pensar contra la barbarie (Madrid:
Trotta, 2004) e Ciudadania, multiculturalidad e inmigración (Navarra: Verbo Divino, 2003). Estudou
Filosofia, Psicologia e Teologia na Universidade Pontifícia de Comillas, em Madri. Doutorou-se na
Universidade de Münster, na Alemanha, com uma tese sobre Theodor Adorno, orientada por Johann
Baptitst Metz. Confira a entrevista.
IHU On-Line - Qual é a relação que Normalmente, consideramos o tempo antigo, frente à Idade Média, frente
o senhor estabelece entre Walter como uma realidade imutável, como ao antigo regime. Entretanto, a pro-
Benjamin e o tempo e consumo no se o tempo houvesse sido sempre igual liferação de novidades e a acelera-
capitalismo? em todas as épocas históricas, mas, ção na proliferação destas produz um
José Antonio Zamora - Walter Ben- na realidade, o tempo também é uma certo “instantaneísmo”, o domínio do
jamin é um pensador que pretende construção social. Nesse sentido, a instante, do fugaz. E isso, ao mesmo
desentranhar as chaves da moderni- modernidade capitalista estabelece tempo, faz com que se produza uma
dade capitalista. Uma dessas chaves estruturas temporais. Estas estão mar- desqualificação do instante pela falta
fundamentais é a questão do tempo. cadas por uma aceleração permanen- de duração. Ao não ter duração, não
Walter Benjamin (1892-1940): filósofo ale- te, a velocidade. E, ao mesmo tempo, se inscreve experiencialmente no su-
mão crítico das técnicas de reprodução em há uma sensação de que nada novo, jeito, e então isso produz uma sensa-
massa da obra de arte. Foi refugiado judeu
alemão e diante da perspectiva de ser cap- em um sentido radical, se produz. A ção de vazio nisso que, hoje em dia,
turado pelos nazistas, preferiu o suicídio. Um modernidade está relacionada com o recebeu o nome de pós-modernidade.
dos principais pensadores da Escola de Frank- novo. Este é o tempo novo frente ao Há uma sensação de que as utopias, o
furt. (Nota da IHU On-Line)
é imprescindível devolver à revolução da onda e que somos o IHU On-Line - Em que sentido se pode
seu rosto messiânico, se não quere- falar de uma destruição da experiên-
mos que a classe trabalhadora seja motor da história – cia a partir do pensamento desse fi-
arrasada pelo processo que ele via lósofo? O que isso significa?
nesse momento de dissolução. Então, assim eram José Antonio Zamora - O que Ben-
o que quer dizer devolver um rosto jamin descreve como destruição da
messiânico? Até agora, Marx pensou
as revoluções como locomotoras da
interpretadas, dentro experiência tem a ver com esses pro-
cessos que analisamos no começo, de
história, como aquilo que faz avançar
para frente, que impulsiona a história
da tradição marxista, aceleração do tempo. Já a própria
industrialização supõe uma mudança
para sua meta. Mas, diz Benjamin, é
preciso entender as revoluções como
as organizações dos estrutural de grandes dimensões na
relação dos sujeitos, dos indivíduos
um “agarrar” o freio de emergência
do trem da história. Então, devolver
trabalhadores no com o mundo, com as coisas, com os
acontecimentos. Ele tem um artigo
um rosto messiânico quer dizer inter-
romper uma marcha. Benjamin pen-
começo do século – em que fala sobre a pobreza da ex-
periência, referindo-se, precisamen-
sa a revolução não como um salto à
meta, mas sim como interrupção de
é uma espécie de te, às pessoas que voltavam do front
da Primeira Guerra Mundial. E ele
um processo que, até agora, tem sido
um processo catastrófico. Poderíamos
obnubilação, de diz que, diferentemente de outras
guerras, em que as pessoas voltavam
dizer a Walter Benjamin: “Você exa-
gera um pouco o negativo desse pro-
autoengano” contando o que havia acontecido,
as pessoas que voltavam do front da
cesso. Realmente houve progressos”. Primeira Guerra Mundial vinham atô-
Suponho que ele não negasse esse nitas, sem palavras. Como se sabe,
progresso. mais do que pelos que carecem de es- a Primeira Guerra Mundial foi uma
O que acontece é que, evidente- perança. Então, não é a esperança da- guerra tremendamente cruel, em que
mente, seu horizonte e sua perspec- queles que têm perspectiva de êxito, se enviavam as tropas às trincheiras,
tiva não é a perspectiva dos vence- que querem dar o último salto para o que eram bombardeadas com os ca-
dores, mas sim a perspectiva dos paraíso, porque essa é a perspectiva nhões e tanques. Era uma guerra de
vencidos. Por isso, na tese 8 da Filo- dos vencedores da história. Por isso, seres humanos convertidos em car-
sofia da história, ele diz: para os opri- a sua crítica tão forte à social-demo- ne de canhão. Esse choque, essa co-
midos, o estado de exceção é a regra. cracia e, em parte também, mesmo moção, é intragável ao sujeito, que
Isto é, essa história, vista a partir dos que nunca o nomeie, ao comunismo. não é capaz de inscrever o que lhe
que foram esmagados, dos que foram As classes trabalhadoras fizeram com acontece em uma sequência biográfi-
anulados, é uma história catastrófica. que as vítimas se vejam com a ideo- ca. Se transladarmos esse exemplo à
E, desde muito cedo, ele quis pensar logia daqueles que os oprimem, com experiência cotidiana, da aceleração,
messianicamente a história, que é a ideologia burguesa. Segundo Ben- Benjamin diz que essa multiplicação
pensar a partir dos deserdados, dos jamin, acreditar que cavalgamos na de sensações é inassimilável. Então,
últimos, dos esmagados, dos oprimi- crista da onda e que somos o motor não podem ser traduzidas em expe-
dos. Pensar a história messianicamen- da história – assim eram interpreta- riências.
te é pensá-la a partir desse horizonte. das, dentro da tradição marxista, as
E isso já está no escrito sobre Goethe organizações dos trabalhadores no Máquina de esquecimento
e as afinidades eletivas, em que ele começo do século – é uma espécie
diz: não nos foi dada outra esperança de obnubilação, de autoengano. Por- Nós vemos televisão e estamos
Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832): que a história aparecia aos seus olhos sendo continuamente impactados
escritor alemão, cientista e filósofo. Como es- como dotada de uma espécie de au- por imagens a uma grande velocida-
critor, Goethe foi uma das mais importantes de. Por assim dizer, os videoclipes
figuras da literatura alemã e do Romantismo tomatismo de emancipação, que, de
europeu, nos finais do século XVIII e inícios do um modo ou outro, bastava esperar, são a vanguarda do meio televisivo.
século XIX. Juntamente com Schiller foi um porque a história caminhava inexora- E se o impacto televisivo não é su-
dos líderes do movimento literário romântico ficientemente acelerado, ajudamos
alemão Sutrm und Drang. De suas obras, me- velmente para o paraíso comunista. O
recem destaque Fausto e Os sofrimentos do filósofo completa que nada pior pode- com o controle remoto e ficamos
jovem Werther. (Nota da IHU On-Line)
“D
gar-se, para abandonar-se ao outro
é anulada pela vertiginosidade do eus não está presente no cosmos diretamente, mas
impacto, da sensação. Nessa forma através da humanidade. A humanidade tem uma res-
transformada de relação com o mun- ponsabilidade, e isso é mais evidente na Terra e menos
do, não tem cabimento a recordação, evidente no cosmos em geral, mas a humanidade como
a memória. Então, esse cúmulo de princípio é realmente o centro da revelação”. A afirma-
impactos, de sensações, na realida- ção é do físico e teólogo jesuíta François Euvé, na entrevista exclusiva que
de, é uma máquina poderosíssima de concedeu, pessoalmente, à IHU On-Line, por ocasião de sua vinda à Unisi-
esquecimento. nos como conferencista do X Simpósio Internacional IHU: Narrar Deus numa
Quando falamos das gerações jo- sociedade pós-metafísica. Possibilidades e impossibilidades. Ele continua:
vens, dizemos que elas vivem num
“Agora, especialmente por causa do desafio da ecologia, temos que levar em
instante eterno, que é o último que
consideração que a vida cristã está encarnada no cosmos. Então um teólogo
viveram. Produz-se uma destruição da
memória. A memória precisa inscrever cristão não pode ignorar o que acontece no campo da ciência”. Esse é um
o acontecer na sequência biográfica e, dos motivos que faz crescer o interesse pela ciência entre os teólogos. Por
para isso, precisa da duração. Romper outro lado, os cientistas são cada vez mais questionados, e há um movimen-
a capacidade rememorativa incapaci- to contrário, da ciência indo em direção à teologia, explica. Interessado na
ta os sujeitos para isso que Benjamin teologia da criação, em teologia fundamental e na relação entre as ciências
realmente busca, que está muito as- naturais e a teologia, Euvé revela entusiasmo pela ideia de Cristo cósmico,
sociado à crítica do progresso. Isto é, desenvolvida por Teilhard de Chardin. Não se trata “de Cristo como redentor
nós não podemos romper o curso e a da humanidade, mas como redentor do cosmos em si”.
sequência linear do tempo, se não es- François Euvé é doutor em Teologia pelo Centro de Sèvres, onde leciona
tabelecermos uma relação diferente teologia dogmática e fundamental desde 1997, e é decano da Faculdade de
com o passado. E essa nova forma de
Teologia dessa instituição. É diretor da Cátedra Teilhard de Chardin. Gradu-
relação, que são as sensações, é uma
ado em Física de Plasma pela Universidade Paris XI, entrou, logo após a con-
destruição da memória. Poderíamos
dizer que, em Benjamin, destruição clusão do curso, para a Companhia de Jesus, em 1983. Foi ordenado sacer-
da experiência, destruição da memó- dote em 1989. De 1992 a 1995, ensinou Teologia no Instituto Saint-Thomas,
ria e, portanto, a anulação da capa- em Moscou, na antiga União Soviética. De suas publicações, citamos Pensar
cidade de subtrair-se a esse processo a criação como jogo (São Paulo: Paulinas, 2006), Science, foi, sagesse. Faut-
destrutivo do progresso vão de mãos il parler de convergence? (Paris: L’Atelier, 2004 ) e Christianisme et nature
dadas, estão unidas. (Paris: Vie chrétienne, 2004). Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como descreve a co- época, nos anos 1970, IHU On-Line - O que a cultura ociden-
munhão entre fé e ciência nos seus tal pode aprender com países como
interesses pessoais? não havia grandes a Rússia, por exemplo? Além disso,
François Euvé – No princípio, eu via como está a situação do diálogo en-
estes como apenas dois campos dife- debates entre ciência tre os católicos romanos e os orto-
rentes. Estava feliz com meu trabalho, doxos?
gostava de fazer pesquisa em Física. e religião na França” François Euvé – É uma situação com-
Vejo a pesquisa como um trabalho plicada. Na verdade, a igreja russa,
muito interessante e emocionante. ortodoxa, está agora num proces-
Eu diria que é uma espécie de voca- nessa época, tive a oportunidade de so de reconstrução. O interesse dela
ção. Ao mesmo tempo, era um cristão viajar para a então União Soviética. está muito concentrado nos seus pró-
praticante. Na verdade, tinha alguns Quando entrei na Companhia, disse a prios problemas e questões. O mesmo,
questionamentos na interface entre meu superior que tinha esse interesse mais ou menos, vale para os católicos
ciência e fé cristã. Por essa razão, pela cultura russa e tentava manter a na Rússia. Estão mais interessados na
durante a universidade, decidi estu- prática nos idiomas. No final dos anos vida paroquial e litúrgica, no serviço
dar teologia para conseguir responder 1980, houve a queda do Muro de Berlim social, do que com questões teológicas
alguns questionamentos que eu tinha e o fim da União Soviética. Em 1992, a e ecumênicas. Há alguns lugares para
sobre a criação, a atuação de Deus e Companhia de Jesus aventou se seria diálogo. Tive bons contatos com alguns
assim por diante. Não tive problemas interessante eu ir para lá. Como era padres teólogos, em Moscou, onde par-
em ser cientista e cristão. Só queria um dos vários jesuítas no país que já ticipei de congressos ou simpósios. Foi
lançar luz sobre algumas questões, sabia russo, fui convidado a fazer essa uma experiência interessante. Mas, na
e, naquela época, nos anos 1970, não viagem. Aceitei. Isso foi no final da mi- verdade, no meu campo de pesquisa
havia grandes debates entre ciência e nha formação na Companhia. Não es- atual, não há tantos trabalhos feitos
religião na França. Então, na verdade, tava ocupado com pesquisa ou ensino. por teólogos ortodoxos russos. Não tive
Acesse outras
François Euvé – Sim, isso mesmo! Um
tipo bem estreito de razão.
IHU On-Line.
Acredito que um bom ponto de partida po-
deriam ser os problemas ecológicos. Além
de estarmos ficando cientes do futuro da
Terra, estamos mais conectados num esta-
do de espírito histórico, numa forma his-
tórica de pensar. Nós não podemos pensar
mais em ciência como uma forma razoável
permanente de ver o mundo, como se este
fosse ordenado em categorias fixas. En-
contramo-nos mais em uma forma evolu-
cionista de pensar, de ver o mundo. Nisso
eu entrelaço os conceitos “evolucionista”
e “histórico”.
www.ihu.unisinos.br
Confira o debate sobre diversas de suas ideias na
edição 245 da IHU On-Line, de 26-11-2007, inti-
tulada O novo ateísmo em discussão, disponível
para download em http://www.ihuonline.unisi-
nos.br/uploads/edicoes/1197028900.5pdf.pdf.
(Nota da IHU On-Line)
* Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS e
professora da Universidade Federal do Piauí - UFPI.
Entrevistas especiais feitas pela IHU On-Line e disponí- Há 30 anos era assassinado Santo Dias da Silva
veis nas Notícias do Dia do sítio do IHU (www.ihu.unisi- Entrevista com Anízio Batista, sindicalista
nos.br) de 27-10-2009 a 31-10-2009. Confira nas Notícias do Dia de 30-10-2009
Anízio Batista fez parte da Oposição Sindical Metalúrgica
Congresso da Virada: 30 anos de transformações de São Paulo, onde foi companheiro de Santo Dias da
para o serviço social brasileiro Silva, operário que militava com os trabalhadores desde
Entrevista com Luíza Erundina, deputada federal a década de 1960. Em outubro de 1979, os metalúrgicos
Confira nas Notícias do Dia de 27-10-2009 iniciaram uma campanha salarial. Como os patrões não
Há 30 anos, o III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, aceitaram o reajuste solicitado, uma assembleia foi feita
que se organizou a partir do patrocínio e apoio do regime e, então, uma nova greve começou. A Polícia Militar in-
militar, foi tomado por um grupo de assistentes sociais ar- vadiu diversas subsedes de sindicatos. Ao tentar negociar
ticulados na organização e na reativação das entidades sin- com trabalhadores e policiais em frente a uma fábrica,
dicais. Então, aquele momento “demarcou um salto político um PM atira pelas costas de Santo, que morreu a caminho
da categoria dos assistentes sociais”, contou-nos a deputada do hospital.
federal Luíza Erundina (PSB-SP), que participou do levante.
“É necessário uma aldeia toda para educar uma criança”
“Belo Monte pode ser muito danosa’’ Entrevista Leonor Franco de Araújo, historiadora
Entrevista com Hermes Fonseca de Medeiros, biólogo Confira nas Notícias do Dia de 31-10-2009
Confira nas Notícias do Dia de 28-10-2009 “Os negros brasileiros não conseguiram se colocar na cena
O biólogo Hermes Fonseca de Medeiros é veemente quando pública”, aponta Leonor Franco de Araújo. A realidade é
opina que o projeto de Belo Monte não deve ser realizado, ainda mais dura, pois nossa sociedade invisibilizou os ne-
assim como nenhum barramento ao longo do rio Xingu. No gros. “É como se, depois da abolição, todos tivessem de-
entanto, pondera: “Se o projeto for feito de qualquer for- saparecido. No Brasil, os negros foram empurrados para
ma, existem estudos que embasariam medidas mitigatórias os piores cantos, tiveram que assumir os piores trabalhos
que poderiam resultar em menos impactos negativos”. Ele porque saíram da escravidão sem qualquer qualificação ou
analisa os resultados do Painel de Especialistas, fala sobre as política pública”. A pesquisadora defende o Plano Nacional
características da bacia do rio Xingu e explica as consequên- para a implementação da lei 10.639 que estabelece o en-
cias que o ecossistema desse lugar poderia ser alterado. sino da História da África e da Cultura afro-brasileira nos
sistemas de ensino.
“Temos uma crise profunda de compreensão das favelas’’
Entrevista com Jailson de Souza e Silva, geógrafo As Notícias do Dia de 29-10-2009, traduziram e public-
Confira nas Notícias do Dia de 29-10-2009 aram o artigo de Hans Küng, O Papa que pesca na mar-
Uma cidade maravilhosa, mas em guerra. A situação se tor- gem da direita. O artigo, que foi enviado ao Instituto
nou “extrema a partir do momento em que as Forças Arma- Humanitas Unisinos – IHU, em alemão, pela Fundação
das do Rio de Janeiro e outras partes do Brasil tiveram como Ética Mundial, cujo presidente é Hans Küng, foi publi-
princípio da ação policial o enfrentamento de determinado cado nos jornais La Repubblica, The Guardian, Le Monde
tipo de crime, ou seja, o tráfico varejista de drogas nas fave- e El País. A sua publicação suscitou uma resposta do jornal
las”, explica Jailson de Souza e Silva, coordenador geral do L’Osservatore Romano. Confira o material em (http://www.
Observatório de Favelas. Ele analisa o cotidiano que o Rio de ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=1
Janeiro vive hoje, e o que o morador da favela precisa enfren- 8&task=detalhe&id=27030) e 30-10-2009 (http://www.
tar todos os dias como a tensão provocada pela ausência do ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid
Estado no plano da segurança pública. =18&task=detalhe&id=27053).
Dia 04-11-2009
IHU em movimento – Direito em debate
Tema: A philia como critério de inteligibilidade da mediação comunitária
Conferencista: Profa. Dra. Rosa Maria Zaia Borges Abrão - PUCRS
Dia 05-11-2009
IHU Ideias
Tema: A linguagem e a singularidade na atividade de trabalho
Conferencista: Profa. Dra. Terezinha Marlene Lopes Teixeira
e metrando Éderson de Oliveira Cabral - Unisinos
www.ihu.unisinos.br
A
manhã, dia 4 de novembro, acontece mais uma edição do evento IHU em Movimento - Direi-
to em Debate. Na ocasião, a Profa. Dra. Rosa Maria Zaia Borges Abrão, da PUCRS, abordará
o tema “A philia como critério de inteligibilidade da mediação comunitária”. A convite da
IHU On-Line, a professora concedeu a entrevista que segue, por e-mail, adiantando aspec-
tos do debate que ela levantará nesta quarta-feira, no Auditório Maurício Berni, localizado
na Unidade de Ciências Jurídicas da Unisinos. “Entende-se a mediação comunitária como um instru-
mento eco-pedagógico-comunicacional de autocomposição de conflitos que visa à democratização do
acesso à justiça e a emancipação social sob os fundamentos de uma ética da alteridade”, explica Rosa
Abrão. Em outras palavras, “mediação comunitária, ou justiça comunitária, ou justiça popular, só se
legitima como tal se for produzida pelos próprios sujeitos que se identificam como membros de uma
determinada comunidade; caso contrário, tem-se aí mera extensão do Estado”.
Rosa Maria Zaia Borges Abrão possui graduação em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia
- UFU, mestrado em Direito pela Unisinos, e doutorado em Filosofia do Direito pela USP. Atualmente, é
professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. É membro da Associação Bra-
sileira do Ensino do Direito - ABEDI. Tem experiência na área de Direito Internacional Público, como ênfase
em Direito Internacional Humanitário, área na qual é coordenadora de grupo de estudos na PUCRS desde
2005. Possui atividades vinculadas à área de mediação, como professora da disciplina e como coordenadora
de atividades de extensão e, ainda, na área de filosofia do direito. Confira a entrevista.
IHU On-Line - A partir de que concei- de afeição entre as pessoas, profundas é uma atividade comum ou, ao menos,
to de philía a senhora abre a discus- ou estreitas, banais ou frias, como a fi- a pressupõe. Sendo correto dizer que
são sobre o tema a ser apresentado lantropia, ou pessoais e íntimas, como a amizade pertence ao domínio da fi-
no evento? Pode explicar esse con- a amizade propriamente dita, era para losofia moral, não se pode deixar de
ceito? eles amizade. A democracia da pólis admitir que ela também assuma um
Rosa Maria Zaia Borges Abrão - O con- clássica também conhece a amizade papel não periférico na filosofia políti-
ceito de philía a partir do qual se pro- sob o ponto de vista político: uma ami- ca e na antropologia filosófica. Desta-
põe a discussão é aquele vinculado à zade que está determinada mais por ca-se que o tema da amizade é um dos
teoria aristotélica e traduz-se por ami- razões ideais de solidariedade que por fundamentais na obra de Aristóteles e,
zade. A própria etimologia da palavra questões de relações pessoais. Assim, com certeza, melhor que qualquer ou-
amizade, para os antigos, já explica, considerada a amizade como uma vir- tro, ele mostra claramente a unidade
em grande parte, seu significado nas tude (difícil quando não problemática) da ética e da política sob o comando
teorias de seus diversos filósofos. A representativa de uma benevolência arquitetônico desta última. Fiadora da
amizade é enaltecida pela sabedoria recíproca, conforme alguns teóricos, justiça, bem político supremo, a ami-
antiga por uma palavra que a distingue da qual cada um é consciente; uma zade é o vínculo social por excelência,
de éros (amor): essa palavra é philía. virtude cuja perfeição requer que seja já que ela faz do viver em comum uma
Os antigos deram à palavra “amizade” levado a seu ponto máximo o reconhe- escolha, e não uma necessidade.
a extensão que nós damos à palavra cimento das qualidades essenciais de
“amor”. Assim, amizade paternal, fa- cada um pelo outro; não se pode dizer IHU On-Line - Quais os maiores de-
miliar, amizade amorosa; todos os tipos que ela se limita a um sentimento. Ela safios e avanços atuais em relação à
“Este é um livro no qual o autor retrata uma “Nesta obra o teólogo jesuíta busca,
viagem de motocicleta com o seu filho pelas como bem sugere o título de seu livro,
planícies dos Estados Unidos. Embora o título estabelecer um diálogo entre a proposta
sugira uma aventura, o livro está mais para um livro de do Evangelho e a cultura atual. Ciente
filosofia. Durante esta viagem, narrada em primeira pessoa, da dificuldade de comunicação por ficar presos a
diversas questões filosóficas são abordadas pelo autor, linguagens próprias de outros tempos, Theobald ousa
sempre utilizando metáforas com a manutenção de sua propor algumas condições para a transmissão do
antiga motocicleta. Durante a narrativa, o autor explora Evangelho hoje. Ele considera que a proposta de Jesus
os conceitos e o significado de ‘qualidade’ buscando um é uma escola de humanidade, por isso busca resgatar as
equilíbrio entre o pensamento oriental (como sugerido no dimensões antropológicas cristãs das narrativas bíblicas.
título) e o pensamento ocidental”. Segundo o autor nossos gemidos cotidianos, nossas
alegrias, nosso anseio de liberdade estão presentes no
Gustavo Lermen, professor do curso de Evangelho que propõe um itinerário de ‘humanização’,
Ciência da Computação válido para todas as épocas”.
E
la completou 60 anos na última terça-feira, 27-10-2009, e esbanja se-
renidade, sabedoria e jovialidade. A fala tranquila e o jeito acolhedor
mostram que Mirian Dolores Baldo Dazzi é uma professora apaixonada
pela profissão que escolheu e receptiva a novos desafios. Há mais de 20
anos na Unisinos, mas trabalhando com os jesuítas desde 1971 no colé-
gio Anchieta, ela divide as 40 horas de trabalho em quatro atividades principais,
entre elas, é responsável pela formação docente de novos professores, os acom-
panhando no processo de ensino e da capacitação docente dos diversos cursos da
Unisinos. Também coordena o novo curso de Gestão Cultural, o curso de especia-
lização de Educação Especial e leciona na graduação de Educação, na Graduação
em Pedagogia. Nos momentos de folga, gosta de aproveitar intensamente a vida
em família, aperfeiçoada por encontros gastronômicos nos finais de semana. Con-
fira mais essa história de vida.
Origens – Sou descendente de ita- blicas. Fiz magistério e sou bióloga de me interessando pela área de educa-
lianos e venho de uma região próxima formação básica. Antes de me formar, ção começando, por orientação das
a Guaporé, numa cidade muito peque- já atuava como professora no Colégio supervisoras do Anchieta, Cecília Car-
na que se chama Vespasiano Corrêa. Anchieta, em Porto Alegre. Trabalhei doso Alves, Margot Ottis e Cecília Oso-
Havia basicamente duas famílias na muito tempo na instituição e, nesse wski, e do padre João Roque - este foi
cidade: a da minha mãe (Zandavalli e período, tive relações muito impor- meu diretor após a direção do padre
Roman) e do meu pai (Zillio e Baldo). tantes com jesuítas que considero Paulo a quem chamávamos carinhosa-
Como ambas tinham o mesmo negócio: referências na minha vida e na minha mente de Paulão devido a sua altura -,
erva mate – até hoje existe a erva mate formação. Entre eles, o padre Paulo a me dirigir para essa temática.
Baldo, a qual é exportada -, a relação Englert, que realizou meu casamento Fiz uma especialização em Super-
entre elas não era nada tranquila. - tive o privilégio de ter o coral An- visão Escolar e outra em Metodologia
Tenho mais três irmãos: uma mu- chieta cantando na cerimônia do meu de Ensino. Nesse período, nasceram
lher e dois homens. Eu vim morar em casamento. Comecei a trabalhar em minhas filhas. Continuei trabalhando
Porto Alegre com um ano de idade e agosto de 1969. Fui professora na rede e surgiu a oportunidade de fazer um
estou na cidade até hoje. pública estadual e municipal de Porto concurso para trabalhar na Unisinos.
Alegre. Numa trabalhando com o curso
Casamento – Casei com o Diter há de magistério, na outra, com crianças Trajetória na Unisinos – Ingressei
37 anos. O conheci quando fui para a e adolescentes na área da biologia. na Unisinos como professora de Me-
estação de águas termais com meus Creio que devido a existir um acom- todologia do Ensino de Ciências, no
pais, em Irai. Tivemos duas filhas: a panhamento pedagógico muito sério e curso de Pedagogia, e permaneci tra-
Paula, que terá bebê em janeiro e nos consistente no Colégio ANCHIETA, fui balhando no curso a maior parte da
dará a primeira neta; ela é médica minha vida. Sempre me envolvi muito
dermatologista. E a Betina, que é ad- Paulo Englert, padre jesuíta, foi professor e com as práticas de ensino e me vincu-
diretor do Colégio Anchieta de Porto Alegre.
vogada e irá casar no próximo mês de Foi superior provincial dos jesuítas do sul do lei a um serviço que a universidade ti-
dezembro. Brasil. Morreu aos 56 anos de idade, em São nha na época e que se chamava SIAPEA
Paulo, onde foi o primeiro presidente, no Bra- para atender crianças e adolescentes
sil, da Fundação Fé e Alegria. (Nota da IHU
Formação – Estudei em escolas pú- On-Line) em condição de não aprendizado. Esse
presa, mas antes de mais nada so- se organiza é impressionante. Sei familiar.
mos uma instituição de ensino. Esse que o próximo simpósio irá tratar Somos quatro irmãos e tenho
marcador está presente em todas as de biopoder. Eu fiz meus estudos muitos sobrinhos, costumamos nos
ações da universidade, e na garantia na esteira dos estudos pós-moder- encontrar com bastante frequên-
de que ela tem excelentes profes- nos, na perspectiva dos Estudos cia. Gosto muito de viajar e de ir a
sores, mas também no compromisso Culturais e vejo que temos res- Punta Del Leste, assistir um show,
que estes têm de contribuírem com sonância desses entendimentos participar de atividades sociais com
que essa excelência se estenda aos em espaços tão importantes da amigos. Temos muitos amigos – as
seus alunos e a sua produção cientí- universidade. O IHU é outra parte amizades minhas e do meu esposo
fica. É uma universidade que aceita da casa Unisinos, um espaço que são amizades de família, porque a
desafios, e isso se revela, por exem- oferece oportunidade para os pro- grande maioria dessas amizades ou
plo, na decisão de implantar novos fessores fazerem a sua formação. são do nosso tempo de adolescência
cursos alguns pioneiros no mercado. Vejo o IHU como o movimento que ou foram construídas a partir das
Isso me encanta. É a universidade faz a oxigenação na universidade. nossas filhas, ou seja, pais dos ami-
aceitando caminhar por outros ca- gos das nossas filhas.
minhos mas sabendo aonde quer Lazer - Gosto muito de ver fil- Também tenho facilidade de
chegar. A Unisinos ainda terá mui- mes em casa. Recentemente assisti criar aproximação com as pesso-
to a contribuir, marcadamente, na O menino do pijama listrado. Gos- as e pelos professores do curso de
área da Cultura, não só em função tei muito porque trata de temas Gestão Cultural sou vista como
do curso de Gestão Cultural, mas que trabalho em sala de aula. alguém que gosta muito de comi-
por esse movimento da retomada Vivo intensamente a vida em da. Então, quando nos reunimos,
de ações na área da cultura. A or- família nos finais de semana. Esta- preparo algo para eles, quer seja
questra será revitalizada, há o me- mos permanentemente com nossas um chá especial ou mesmo alguns
morial jesuíta e a possibilidade de filhas e genros. Também gosto de chocolates. Enfim, festejamos e
ter, na universidade, essas referên- caminhar. Temos um cachorro que trabalhamos ao mesmo tempo.
cias. Ainda fico na expectativa de quase podemos dizer que também
retomarmos o sonho de um curso de “faz parte da família”, um bulldog Religião – Sou católica e vejo
museologia. inglês, o Buda, então, meu marido e com muita simpatia essas ações que
Acervo e professores compe- eu saímos muito, caminhamos com a própria universidade faz em rela-
tentes nós temos. Tenho muito or- ele. Gosto de cozinhar. Nos finais de ção à inter-religiosidade. Acredito
gulho e satisfação de ser profes- semana faço doces, bolos. Isso é ca- em Deus acima de todas as coisas.
sora da universidade. Esse orgulho racterístico da cultura italiana: jun-
foi construído junto com o orgulho tar família, comida e afeto. Sempre Sonho – Sonho realmente que o
da Unisinos de dizer “nós somos que visitava minha mãe – agora ela mundo tenha mais justiça social.
Unisinos”, como o padre Marcelo já é falecida –, saía da casa dela Respeito às diferenças e espero
Fernandes de Aquino nos diz. com uma rosquinha de nata, com que sejamos menos preconceitu-
uma massa caseira, um bolo de osos e que essa justiça seja uma
IHU – Tenho orgulho em poder maçã. Isso minhas filhas também construção coletiva. O meu gran-
acompanhar os desafios que o IHU encontram lá em casa. Nós nos reu- de sonho é ser feliz e ajudar as
nos aponta. A forma como o IHU nimos e fazemos uma gastronomia pessoas a serem felizes.
Destaques
As nanotecnologias no ensino
As nanotecnologias no ensino é o tema dos Cadernos IHU Ideias nº 125, que
acaba de ser lançado. A autora, Solange Binotto Fagan, é professora do
Centro Universitário Franciscano/UNIFRA, de Santa Maria-RS, onde atua nos
programas de Mestrado em Nanociências e Ensino de Física e Matemática.
A versão eletrônica estará disponível no sítio do IHU (www.ihu.unisinos.
br) a partir do dia 20-11-2009. A edição impressa da publicação pode ser
adquirida na Livraria Cultural e/ou pelo endereço livrariaculturalsle@terra.
com.br
Estudos de Kierkegaard
Nos dias 12 e 13 de novembro acontece na Unisinos a parte brasileira da Jor-
nada Argentino-Brasileira de Estudos de Kierkegaard. Entre os nomes que es-
tarão presentes no evento citamos Bento Itamar Borges (UFU); Myriam Moreira
Protasio (UERJ/IFEN); Deyve Redyson dos Santos (UFPB); Marília Murta (UFMG);
Patrícia Carina Dip (UNGS, AR); Antonio Vieira da Silva Filho (USP/FAPESP); José
Alejandro González Contreras (MEX); João J. Vila-Chã (Pontificia Università
Gregoriana - PUG, de Roma), e Ernildo Stein (PUC-RS). A próxima edição da IHU
On-Line, inspirada no evento, terá como tema Søren Aabye Kierkegaard.
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