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INSTITUIÇÃO TOLEDO DE E1\SINO

:l a ed. Rio de Janeiro: Paz e

1 da Liberdade. 22 a ed. Rio

ia Modernidade no Brasil.

tradução ao Pensamento
l\cadêmica, 1995.
r;'undamentos de uma Nova
As CORRENTES FILOSÓFICAS NA
): Alfa Omega, 1997. FORMAÇÃO DO DIREITO PENAL MODERNO

WALTER NUNES DA SILVA JÚNIOR


Juiz Federal e Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, da Escola
da Magistralllra do Rio Grande do Norte - ESMARN e do Centro de Estudos e
Ape1leiçoamento Funcional - CEAF do Ministério Público Estadual do Rio Grande do
Norte.

I. INTRODUÇÃO

Investigar as raízes da vida é tema do qual a humanidade tem


se ocupado desde os primeiros instantes de convívio em
sociedade. A história da vida pode ser buscada com a atenção
voltada apenas para os acontecimentos importantes registrados ao
longo do tempo. Todavia, para compreender o presente e as
perspectivas vislumbradas no futuro é preciso estudar e investigar
o passado, campo do qual se ocupa a história da filosofia.
Não se vive o presente sem o lastro fornecido pelo passado.
GIORGIO DEL VECCHIO lembra que o passado revive no
presente e que "Os problemas filosóficos que hoje discutimos são
fundamentalmente os mesmos que aos filósofos antigos se
mostraram, ainda que de modo germinaI ou embrionário"}, pelo
que o estudo dos sistemas filosóficos proporciona ao investigador
uma série de experiências lógicas, contribuindo para que se

I Lições de Filosofia do Direito. 5' ed. Trad. Antônio José Brandão, Armênio Amado - Editor,
sucessor, Coimbra, 1979, pág. 31.
106 INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO
WALTER NUNES DA SILVA JÚNIOR

caminhe em direção a um sistema mais perfeito, escoimando os desenvolvimento, e


erros anteriormente cometidos e aproveitando os progressos subdesenvolvidos. A qUt
alcançados. em que qualidade e ten
Não há de se negar que o pensamento filosófico de hoje guarda profunda mutação nos
identidade, em muitos aspectos, com o que foi sustentado nos instrumento de formaçã<
primórdios pela escola filosófica mais antiga da filosofia grega, operada como meio de
desenvolvida no VI Século A. c., denominada Escola Jônica. civilização, no que tange
Certamente que a filosofia mais proeminente deste Século, o Em processo globali2
existencialismo, que teve em SARTRE o seu grande pensador, dos paradigmas, o mundl
representa uma renovação de muitas das idéias socráticas. O embora as dimensões co
neotomismo defendido principalmente na França por ÉT/ENE com que existam loce
GILSON e JACQUES MARITAIN, propugnando a reconciliação modificação da civilizaç
entre a filosofia e o cristianismo, segundo a ótica da ortodoxia ainda seja a realidade,
religiosa, é o retorno, com roupagem nova, do tomismo, filosofia oportunidade de gozar <
sustentada por SÃO TOMÁS DE AQUINO no Século XVI. Do com a Revolução Industri
mesmo modo, a filosofia analítica ou empirismo lógico volta ao Esse movimento contê
pensamento de HUME, ao empirismo britânico e a lógica de como não poderia deixar
ARISTÓTELES. Outra corrente filosófica importante do Século emergente, exigente em
2
XX é a ecofilosofia , que é um pensamento neodarwinista. serviços, clama por justi
Nos últimos anos, tem-se intensificado a noção de que o necessidades crescentes I
pensamento científico está em processo de mudança de instrumento de vida.
paradigma, modificando radicalmente, nas mais diversas áreas, os A nova sociedade, qUt
valores cultivados. Com esse processo de mudança de paradigma, de duas décadas sob a
têm surgido movimentos alternativos, conferindo particular mudança dos paradigmas.
importância para um pensamento holístico, na defesa de um novo conhece os seus direito
estilo de vida. consciência de que necess
Em verdade, os pensadores políticos hodiernos 3 observam que força nas reivindicaçõe~
estamos chegando ao término não apenas de um século, mas coletivos e globalizada, q
propriamente de uma era, ao mesmo tempo em que vivemos o pela identidade de suas pr
processo de criação de outra. A era que se finda é aquela ideais, ou melhor, ao mod
experimentada com a Revolução Industrial, esgotada para os É a formação da socie(
países desenvolvidos, utilizada pelos que estão em Bobbio, a concepção do c,

2 Essa corrente filosófica questiona a noção de evolução, sustentando que a sociedade caminhou 4 " •Direitos do homem. democracia
errado no instante em que relegou a segundo plano questões de ordem ambiental, a exemplo da histórico: sem direitos do h01tl<
poluição, no falso pressuposto de que o homem está no topo da natureza. democracia, não existem as can.
1 Alvin e Heidi Toftler, dois dos maiores pensadores sociais contemporâneos, demonstram essa outras palavras. a democracia é
realidade em seus estudos (Criando uma Nova Civilização. Livros do Brasil S. A., Lisboa). quando lhes são reconhecidos alg
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s perfeito, escoimando os desenvolvimento, e sonhada, ainda, pelos países


·oveitando os progressos subdesenvolvidos. A que está a principiar é a do conhecimento,
em que qualidade e tempo são os dogmas, conduzindo isso a
:) filosófico de hoje guarda profunda mutação nos valores sociais. A informática é o
o que foi sustentado nos instrumento de formação dessa nova concepção de vida, sendo
antiga da filosofia grega, operada como meio de alcançar o know how político da nova
ninada Escola Jônica. civilização, no que tange às iniciativas do poder público e privado,
)eminente deste Século, o Em processo globalizado desse novo pensamento reformista
~ o seu grande pensador, dos paradigmas, o mundo inteiro sente e participa do movimento,
das idéias socráticas. O embora as dimensões continentais e as distorções sociais façam
na França por ÉTIENE com que existam localidades em que a primeira grande
'pugnando a reconciliação modificação da civilização, encetada pelo movimento agrícola,
lOdo a ótica da ortodoxia ainda seja a realidade, sem que os indivíduos tenham tido
ova, do tomismo, filosofia oportunidade de gozar dos avanços que foram implementados
r/NO no Século XVI. Do com a Revolução Industrial.
empirismo lógico volta ao Esse movimento contagiante filosófico se faz sentir, também,
britânico e a lógica de como não poderia deixar de ser, no sistema jurídico. A sociedade
ica importante do Século emergente, exigente em termos de qualidade e rapidez dos
nto neodarwinista. serviços, clama por justiça eficaz e célere, que atenda as suas
cado a noção de que o necessidades crescentes e que o Direito sirva, efetivamente, de
Icesso de mudança de instrumento de vida.
las mais diversas áreas, os A nova sociedade, que está em processo de formação há mais
te mudança de paradigma, de duas décadas sob a batuta do pensamento filosófico de
's, conferindo particular mudança dos paradigmas, tem maior percepção de sua cidadania,
ico, na defesa de um novo conhece os seus direitos, sabe de suas carências e possui a
consciência de que necessita se organizar, em classes, para possuir
hodiernos 3 observam que força nas reivindicações. Esta é a sociedade dos interesses
enas de um século, mas coletivos e globalizada, que aproxima os cidadãos mais distantes
:empo em que vivemos o pela identidade de suas pretensões, voltadas à implantação de seus
I que se finda é aquela ideais, ou melhor, ao modelo de vida almejado.
strial, esgotada para os É a formação da sociedade coletivizada, ou, como previsto por
)elos que estão em Bobbio, a concepção do cidadão do mundo4 •

;ustentando que a sociedade caminhou 4 .....Direitos do homem, democracia e paz são três momelllos necessários do mesmo movimento
,tões de ordem ambiental, a exemplo da histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem
topo da natureza. democracia, não existem as condiç(jes míninws para a solução pacífica dos conflito.1. Em
ais contemporâneos, demonstram essa outras palavras, a democracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tomam cidadãos
ão. Livros do Brasil S. A., Lisboa). quando lhes são reconhecidos alguns direitos ./i.mdamentais; haverá paz estável, uma paz que
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Nesse contexto, o fenômeno cnmmoso de agora não é uma despontando, nessa orderr
s político do ser humano.
reação individual tal como concebido na filosofia de BECCARIA ,
mas um fenômeno coletivizado, em que até mesmo os pequenos A partir daí, naturalrr
crimes estão relacionados e controlados pela macrocriminalidade, modelos políticos de forma
com repercussões transnacionais. prever três boas formas de
democracia, agregando, po
2. INDIVIDUALISMO, PUBLICISMO E COLETIVISMO era o mecanismo de busca (
A Democracia, para
Antes de analisar a influência das correntes filosóficas na processo de vivificação da
formação das escolas penais, é relevante apreciar que o sistema enquanto ser condicionadc
jurídico, acompanhando o fenômeno social, nitidamente, passou fundamentais - labor, traba
por uma época individualista, em que homenageava sobremaneira Hanna A rendt7 , a fim de
o direito de liberdade. Posteriormente, ingressou na era da limites da terra, e efetivam~
publicização e, nos dias de hoje, experimenta uma verdadeira participando decisivamente
coletivização. A secularização do Estai
A preocupação filosófica dos pré-socráticos concentrou-se na deram lugar, com SUpl
investigação das origens do mundo, procurando explicações sedimentação do dogma d
quanto à sua criação e as razões de sua existência. Os filósofos política do modelo de Est
daquela época ficaram conhecidos como os filósofos da natureza. origem divina, e o direitc
Isso decorreu de movimento cultural que rechaçava as idéias homem. O Estado, sob e
mitológicas, exsurgindo, com essa contestação, o embrião do intervir em assuntos essl
pensamento filosófico até hoje praticado em maior escala. sociedade, deixando tudo I
auto-determinarem. Esse f(
Posteriormente, os três maiores filósofos da história - Sócrates,
Direito, dando ensejo à
Platão e Aristóteles, passaram a concentrar parte considerável de
prestigiando, sobremaneira,
suas indagações filosóficas na relação do homem com o Estado e
do Direito individual.
com o seu semelhante, instigando, principalmente, o exame das
questões de ordem política, ética e lógica. Em verdade, os Paulatinamente, o Estad
pensadores, em determinado instante, sem deixarem de encarar a pretensão de diminuir
importância das verdades sobre a criação da vida, perceberam que, liberalismo, iniciou a inge
independentemente desse conhecimento, seria necessário relações sociais, ingrei
estabelecer as premissas básicas das relações sociais,
6 Aristóteles advertia que a democracia eI
prática de injustiças, indagando: "Os
não tenha a guerra como alternativa, somente quando existirem cidadiios não rruJis apenas dos ricos? Não é isso uma injustiça
deste ou daquele Estado, mas do mundo. .. (A era dos direitos, trad. de Carlos Nelson Coutinho, Edipro, 1995, pág. 104).
Rio de Janeiro: Campus, 1992, pág. I). 7 Segundo Arendt, as três atividades h
5 No livro Dos Delitos e das Penas, Cesare Beccaria. o precursor da primeira Escola Penal, a Escola processo biológico do corpo humano
Clássica, desenvolveu a sua filosofia, em razão da realidade social reinante na segunda metade como a atividade correspondente ac
do Século XVIII, tendo como suporte o fenômeno criminoso como uma realização individual. atividade de relação diretamente entl
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lOSO de agora não é uma despontando, nessa ordem de idéias, o comportamento ético e
a filosofia de BECCARIA s, político do ser humano.
le até mesmo os pequenos A partir daí, naturalmente começaram a ser engendrados
; pela macrocriminalidade, modelos políticos de formação dos Estados, cabendo a Aristóteles
prever três boas formas de Estado: a monarquia, a aristocracia e a
6
democracia, agregando, posteriormente, Kant, que a democracia
) E COLETIVISMO era o mecanismo de busca da "paz perpétua".
A Democracia, para os filósofos, apresentou-se como o
; correntes filosóficas na processo de vivificação das relações sociais, devendo o homem,
Ite apreciar que o sistema enquanto ser condicionado, desenvolver as suas três atividades
ocial, nitidamente, passou fundamentais - labor, trabalho e ação -, no sentido empregado por
omenageava sobremaneira Hanna Arendt7 , a fim de alcançar a sua plena realização nos
te, ingressou na era da limites da terra, e efetivamente desempenhar a sua função política,
lerimenta uma verdadeira participando decisivamente para o avanço da humanidade,
A secularização do Estado e a derrocada dos regimes absolutos
>eráticos concentrou-se na deram lugar, com suporte no movimento iluminista, à
procurando explicações sedimentação do dogma da liberdade, fomentando a concepção
a existência. Os filósofos política do modelo de Estado ideal. O Poder não mais era de
) os filósofos da natureza. origem divina, e o direito, ainda que natural, era produto do
que rechaçava as idéias homem. O Estado, sob essa idéia, só teria legitimidade para
ntestação, o embrião do intervir em assuntos essenciais para o desenvolvimento da
em maior escala. sociedade, deixando tudo mais à liberdade dos cidadãos para se
fos da história - Sócrates, auto-determinarem. Esse fenômeno, naturalmente, repercutiu no
trar parte considerável de Direito, dando ensejo à concepção de ordenamento jurídico
) homem com o Estado e prestigiando, sobremaneira, os interesses individuais. É o instante
cipalmente, o exame das do Direito individual.
lógica. Em verdade, os Paulatinamente, o Estado, sob a falsa legitimidade popular e
~m deixarem de encarar a pretensão de diminuir as desigualdades fomentadas pelo
da vida, perceberam que, liberalismo, iniciou a ingerência, cada vez mais acentuada, nas
~nto, seria necessário relações sociais, ingressando na era intervencionista,
das relações sociais,
6 Aristóteles advertia que a democracia embasada na maioria poderia ser desvirtuada, conduzindo à
prática de injustiças, indagando: "Os pobres, porque sejam em maioria, podem USUllJar os bens
existirem cidadiios não mais apenas dos ricos! Niio é isso uma injustiça?" (A Política, trad. Nestor Silveira Chaves. Bauru - SP.
:itos, trad. de Carlos Nelson Coutinho, Edipro. 1995, pág. 104).
7 Segundo Arendl, as três atividades humanas fundamentais são o labor. que corresponde ao
;or da primeira Escola Penal, a Escola processo biológico do corpo humano, ou seja, é a própria vida, o trabalho, que ela entende
Ide social reinante na segunda metade como a atividade correspondente ao artificialismo da existência humana, e a ação, que é a
)SO como uma realização individual. ati vidade de relação diretamente entre os homens. sem a mediação das coisas ou da matéria.
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apresentando-se como a soluções para todas as questões a partir dos grupos mafios
exorbitantes da esfera individual de cada um dos indivíduos, como brotar novos grupos crimi
único modo eficiente de amparar os desassistidos. Acompanhando grupos guerrilheiros espall
esse movimento, o direito entrou na fase da publicização de seus Oriente (Líbano), África
institutos. É o momento da publicização do Direito. criando o liame de seus f
Agora, sente-se que a sociedade caminha em outra direção, não drogas. Em verdade, '
mais exigindo a onipresença do Estado, porém reclamando a modificaram o perfil da de::
reconquista dos espaços cedidos pelos cidadãos, só que não mais individual, agora com cone
sob a ótica individual, mas sim coletiva. Estamos, por fim, e não
por último, na era do Direito coletivo. 3. ESCOLAS PENAIS
Qual a relação desse movimento reformista com o crime?
Tudo! E essa resposta não pode ser contestada. Impõe-se realçar, É preciso saber que a
de logo, que o crime é fenômeno mal compreendido. Certamente deve-se à criação religioj
que a ciência penal, dentre todas, talvez seja a que tenha raízes criminoso culpado por h(
mais profundas com a filosofia, pois parte de indagações como o crime suscitava a cólera do
direito de punir do Estado, a pena de morte, a prisão, a liberdade e castigo correspondente. Es
institutos outros, assuntos com os quais a maioria dos filósofos se de Hamurabi. Pune-se, cor
ocupou. Basta ter em mente que o nascimento da ciência penal, Deus atingido, obtendo o
efetivamente, ocorreu com a publicação da obra "Dos delitos e penal coincide com o es
das penas", de Beccaria, que, em verdade, é mais filosófica do sociedade, superando o pel
que jurídica. com a pura vingança prive
Ainda assim, em que pese a vasta literatura a respeito das do homem que sofreu con
mazelas do fenômeno delinqüente, não se tem uma clara posição Direito Penal índole tec
de sua manifestação no imo da sociedade. Quanto se fazem mesclagem do crime (pe
elucubrações a respeito do criminoso, nada obstante as diversas religiosos.
mutações de ordem social, ainda se buscam explicações nas Essa época, da justiça
teorias de Lombroso e Ferri. Encara-se o crime como uma ação com a visão mitológica d<
individual do agente que o pratica, para, daí, investigar as causas concepção filosófica, pois
da delinqüência, sem se dar conta de que, hoje, a criminal idade, completamente diferente
assim como a sociedade em seu todo, não é mais fenômeno aproximadamente 600 a. (
individual, mas sim coletivo concentrando-se, a maioria dos natureza contestaram as
ilícitos, ainda que praticado por uma só pessoa, como o simples geração para geração por m
furto de um veículo, na seara do crime organizado. A doutrina cristã, surgi<
Em rigor, tem-se sentido, desde os fins dos anos 70, o difundiu no mundo civiliza
surgimento de crimes novos, como conseqüência normal do Direito e o Estado, muito
progresso técnico. Porém, impressiona como o crime organizado,
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Jara todas as questões a partir dos grupos mafiosos italianos, tem se expandido, fazendo
l um dos indivíduos, como brotar novos grupos criminosos como os cartéis colombianos, os
lssistidos. Acompanhando grupos guerrilheiros espalhados pela América do Sul, Ásia, Médio
e da publicização de seus Oriente (Líbano), África e também na Europa (ex-Iuguslávia),
do Direito. criando o liame de seus propósitos com tráfico de armas e o de
nha em outra direção, não drogas. Em verdade, as novas formas de criminalidade
do, porém reclamando a modificaram o perfil da delinqüência tradicional, de nítido caráter
:idadãos, só que não mais individual, agora com concepção organizacional, coletivizada.
.. Estamos, por fim, e não
3. ESCOLAS PENAIS
eformista com o crime?
testada. Impõe-se realçar, É preciso saber que a primeira concepção da justiça penal
Dmpreendido. Certamente deve-se à criação religiosa, tendo como suporte a expiação do
z seja a que tenha raízes criminoso culpado por haver atentado contra a Divindade. O
rte de indagações como o crime suscitava a cólera dos deuses, que só seria escoimada com o
rte, a prisão, a liberdade e castigo correspondente. Essa tendência é bem visível no Código
a maioria dos filósofos se de Hamurabi. Pune-se, com rigor, o agente, a fim de satisfazer o
:imento da ciência penal, Deus atingido, obtendo o seu perdão. Tal concepção de justiça
) da obra "Dos delitos e penal coincide com o estádio de organização alcançado pela
ade, é mais filosófica do sociedade, superando o pensamento da repressão à criminalidade
com a pura vingança privada. A sanção penal não está a serviço
literatura a respeito das do homem que sofreu com o crime, mas sim de Deus, tendo o
:e tem uma clara posição Direito Penal índole teocrática e sacerdotal, havendo uma
dade. Quanto se fazem mesclagem do crime (pecado) e a ofensa com pressupostos
ada obstante as diversas religiosos.
Juscam explicações nas Essa época, da justiça divina, teve inspiração, inicialmente,
o crime como uma ação com a visão mitológica do mundo, que não é considerada uma
daí, investigar as causas concepção filosófica, pois por filosofia entende-se uma forma
e, hoje, a criminalidade, completamente diferente de pensar, surgida na Grécia
não é mais fenômeno aproximadamente 600 a. c., em que os primeiros filósofos da
mdo-se, a maioria dos natureza contestaram as explicações religiosas passadas de
pessoa, como o simples geração para geração por meio dos contos míticos.
~anizado.
A doutrina cristã, surgida na Palestina, em poucos séculos se
; fins dos anos 70, o difundiu no mundo civilizado, modificando as concepções sobre o
mseqüência normal do Direito e o Estado, muito embora inicialmente não tivesse ela
mo o crime organizado,
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significado jurídico ou político, porém apenas moral, tendo como apenas em uma parte da
princípio a caridade, o amor e a fraternidade. um deve ser sacrificada
Partia da concepção de que o mundo é governado por um Deus expungir o risco de conta
pessoal, de modo que o Estado, em verdade, era uma instituição Não se pode deixar
divina, e o direito criado seria emanado da vontade divina. Na diálogo As Leis, difunde
antigüidade clássica, o indivíduo tinha o dever de comportar-se de em virtude da prática de
conformidade com as regras impostas, reconhecendo a supremacia o desenvolvimento da Es
do Estado, sob pena de penalizado por afronta aos Deuses.
Na Idade Média, em I
Os grandes filósofos gregos da Antigüidade. SÓCRATES, religiosos, SANTO AGO
PlATÃO (Leis e Protágoras), ARISTÓTELES (Ética Nicomáquea como efeito do Cristia
e na Política), em seus estudos, debateram a autoridade do Estado Estado, assim como se
em punir, a razão e a finalidade da pena, sem, contudo, representar sobrepondo-se esta àqUf
marco do pensamento humano contra as barbáries praticadas em apenas temporárias, com
nome da justiça penal. diante da crescente expal
O próprio SÓCRATES, em diversos diálogos narrados por crimes nele previstos a p
PlATÃO, sustenta a obediência irrestrita às leis, admitindo até desde que se tratasse de
mesmo a pena de morte. Aliás, SÓCRATES aceitou, penas excessivas e cruéi
resignadamente, para dar bom exemplo quanto ao cumprimento privativas de liberdade I
das leis, a sua sentença de morte, muito embora lhe tenha sido como forma de buscar, cc
oferecida a oportunidade de fugir. PlATÃO, no Livro IX, do da culpa. A pena, no C<
diálogo As Leis, embora exponha que a pena deva ter a finalidade castigo divino e purificaç:
de tornar o agente que pratica o ilícito melhor, assevera que "se se BOBBIO lembra qu
demonstrar que o delinqüente é incurável, a morte será para ele o aristotélica da formação
menor dos males ,,8. escritos, que "Cada pa
Importa considerar que a concepção aristotélica da formação imperfeito ao perfeito (.
orgânica do Estado, embasada na premissa de que o todo está extirpação de um membr
acima das partes, que vigorou como dogma incontestável na em seu todo (. .. ) é louváv
Antigüidade e na Idade Média, serviu de suporte à sustentação dos que seria louvável e salutl:
argumentos em prol da aplicação de penas severas aos errantes, O segundo pensamenl
até mesmo a pena de morte, nas suas mais diversas modalidades. movimento da separação (
A lógica era de que o homem é um animal político, não podendo o campo religioso prc
viver fora do corpo social, e que o homem individual se constituía especificamente a órbita
iniciado no Século XIV, n
, Essa passagem do pensamento de Platão é realçada por Bobbio em A Era dos Direitos. Acrescenta ciência da teologia (
Bobbio que Platão. no diálogo As Leis. menciona a pena de morte para diversos delitos. desde
os delitos contra as divindades e os cultos. até aqueles contra os genitores, e, em regra. contra
os homicídios, ressaltando que para Platão a pena de morte era a "pena natural" para esses
crimes. 9 Ob. cit., pág. 181.
INSTITUiÇÃO TOLEDO DE ENSINO WALTER NUNES DA SILVA JÚNIOR ll3

TIapenas moral, tendo como apenas em uma parte da vida do corpo social, daí porque a vida de
nidade. um deve ser sacrificada em benefício da vida do todo, a fim de
jo é governado por um Deus expungir o risco de contaminação que o ser infectado apresenta.
verdade, era uma instituição Não se pode deixar de registrar, contudo, que PLATÃO, no
Jado da vontade divina. Na diálogo As Leis, difunde idéias, a respeito da punição do agente
a o dever de comportar-se de em virtude da prática de ilícito, que serviram de fundamento para
, reconhecendo a supremacia o desenvolvimento da Escola da Nova Defesa Socíal.
r afronta aos Deuses.
Na Idade Média, em que despontam os dois maiores filósofos
Antigüidade, SÓCRA TES, religiosos, SANTO AGOSTINHO e SÃO TOMÁS DE A QUINO,
ÓTELES (Ética Nicomáquea como efeito do Cristianismo, formula-se nova concepção de
eram a autoridade do Estado Estado, assim como se define a sua relação com a Igreja,
la, sem, contudo, representar sobrepondo-se esta àquele pois trata das coisas eternas e não
1 as barbáries praticadas em apenas temporárias, como é a vida terrena. O Direito Canônico,
diante da crescente expansão da autoridade da Igreja, estende os
rsos diálogos narrados por crimes nele previstos a pessoas não sujeitas à disciplina religiosa,
strita às leis, admitindo até desde que se tratasse de fatos de natureza espiritual, prevendo
IaS, SÓCRATES aceitou, penas excessivas e cruéis para os hereges, infligindo as penas
pIo quanto ao cumprimento privativas de liberdade em detrimento das penas patrimoniais,
luito embora lhe tenha sido como forma de buscar, com a segregação do indivíduo, a expiação
PLATÃO, no Livro IX, do da culpa. A pena, no Código Canônico, tinha duas finalidades:
a pena deva ter a finalidade castigo divino e purificação da alma do agente.
melhor, assevera que "se se BOBBIO lembra que SÃO TOMÁS, arraigado à idéia
ível, a morte será para ele o aristotélica da formação orgânica do Estado, defendeu, em seus
escritos, que "Cada parte está ordenada ao todo como o
'10 aristotélica da formação imperfeito ao perfeito (00')' Por causa disso, vemos que, se a
remissa de que o todo está extirpação de um membro é benéfica à saúde do corpo humano
lO dogma incontestável na em seu todo (00') é louvável e até salutar suprimi-lo", concluindo
de suporte à sustentação dos que seria louvável e salutar "matá-lo para salvar o bem comum,,9.
penas severas aos errantes, O segundo pensamento da justiça penal, que acompanha o
mais diversas modalidades. movimento da separação dos fins do Estado dos da Religião, deixa
'limaI político, não podendo o campo religioso propriamente dito, para adentrar mais
nem individual se constituía especificamente a órbita política. Surge com o Renascimento,
iniciado no Século XIV, movimento de libertação da filosofia e da
30bbio em A Era dos Direitos. Acrescenta ciência da teologia cristã, apartando-se do pensamento
lena de morte para diversos delitos. desde
:s contra os genitores. e. em regra, contra
Je morte era a "pena natural" para esses
90b. cit., pág. 181.
114 INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO WALTER NUNES DA SILVA JúNIOR

desenvolvido na Idade Média, em que a vida era enxergada pelo soberano, passa a ser p
prisma divino. O homem, com o Renascimento, volta a ser o durante o processo, em qu
centro de tudo, libertando-se o espírito crítico, sufocado com a técnica empregada para de
ideologia cristã. com a aplicação da pena,
DEL VECCHIO chama a atenção de que o Renascimento, com realizado diante da socie,
a sua nova concepção de natureza, trouxe modificações profundas como medida de prevençã,
nas condições políticas, firmando a separação do Estado da Igreja, apenas como a forma de
surgindo "os grandes Estados, as grandes monarquias, com pena corporal correspondel
territórios determinados mas independentes da hegemonia do Nada obstante os suplü
Papado ou do Império, e verdadeiramente soberanos "lO, execução, quando então se
fornecendo, no campo teórico, novas bases para o sistema jurídico do grupo social o suplíci
e político. tendo participação o a
A justiça penal, com supedâneo nas idéias implantadas com o conhecimento do acusad
Renascimento, não teria mais como fim aplacar a ira dos deuses, judiciário privilégio único (
mas sim o de proteger a ordem e a paz pública perquirida pelo sabia qual era a imputaçi
Soberano. A repressão ao comportamento antagônico à ordem e à tomados, as provas apurac
paz estabelecida passa a representar a forma de se impor a sendo inocente, de defesa 1
autoridade do Estado ll . fosse culpado, a ela não te
alguns dogmas da concepçii
Para manter a sua autoridade, o Soberano insere, no
ordenamento jurídico, os mecanismos mais bárbaros, não apenas A forma secreta e eSI
no propósito de punir, mas também, o que é pior, no escopo de estabelecimento da verdadi
descobrir a verdade 12 . O corpo do homem, que era o objeto da direito absoluto e poder e;
pena, além de se manifestar como o responsável pelos atos juristas da Renascença d
criminosos, transforma-se, de igual forma, no objeto do processo, natureza e à eficácia das prc
devendo merecer provações para esclarecer o crime. No entanto, alguns pens,
Estamos na época dos suplícios. O corpo do agente do crime, DE ROTERDÃ e MA QUIA 1

diante da necessidade de afirmar-se, pela força, a autoridade do descoberta de novos COi


econômicos daí decorrente~
10 Ob, cit. da astronomia, percebendo
11 Jostein Gaarder informa que "durante o Renascimento floresceu também aquilo que charrUJmos insegurança crítica do Sécul
de 'anti-huflUJnismo', Refiro-me com isto a uma 19reja e a um poder estatal autoritários.
Durante o Renascimento houveram também processos contra bruxos e bruxas. execuç()es em interrogando os dogmas, de
jiJgueiras. rrUJgia. superstição. sangrentas guerras religiosas e ainda brutal conquista da de apresentar em respostas I
América. .. (O Mundo de Sofia - Romance da História da Filosofia. trad. João Azenha Jr.. São
Paulo, Cia. Das Letras, 1995, pág. 220).
12 Constata-se, no exame da evolução da justiça penal, que o período da vingança pública. em
termos de barbárie. representa o período mais sombrio do Direito Penal. sendo comum a morte 11 Na época da concepção política da jl
pela forca. pelo fogo (o condenado era amarrado a um poste. em praça pública, para ser supliciado se insere em primeiro lu
consumido pelas labaredas de fogo, ou imerso em chumbo fundido). por afogamento, a roda (o verdade do crime." (Vigiar e Punir,
condenado era amarrado em uma imensa roda, a fim de que os seus membros fossem 35). MICHEL FOUCAULT realça (
esmagados. pelo esquarteiamento, decapitação, estrangulamento, enterro em vida. etc.). França, apresentando como exceção a
INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO WALTER NUNES DA SILVA JÚNIOR 115

le a vida era enxergada pelo soberano, passa a ser penalizado duas vezes: primeiramente,
~enascimento, volta a ser o durante o processo, em que o suplício do corpo com a tortura é a
J3
fito crítico, sufocado com a técnica empregada para descortinar a verdade do crime ,' depois,
com a aplicação da pena, que deve ser corporal, em cerimonial
de que o Renascimento, com realizado diante da sociedade, para servir de exemplo e atuar
)lixe modificações profundas como medida de prevenção geral. A prisão era prevista, de regra,
:paração do Estado da Igreja, apenas como a forma de deter-se o homem para a aplicação da
grandes monarquias, com pena corporal correspondente.
endentes da hegemonia do Nada obstante os suplícios ao corpo, todo o processo, até sua
fade iramente soberanos "l0, execução, quando então se fazia importante levar a conhecimento
bases para o sistema jurídico do grupo social o suplício final, permanecia secreto, dele não
tendo participação o acusado. O processo não era do
as idéias implantadas com o conhecimento do acusado, tornando-se o saber do drama
im aplacar a ira dos deuses, judiciário privilégio único e exclusivo da acusação. O acusado não
paz pública perquirida pelo sabia qual era a imputação que lhe era feita, os depoimentos
ento antagônico à ordem e à tomados, as provas apuradas. Imperava o entendimento de que,
Lr a forma de se impor a sendo inocente, de defesa o acusado não precisava, enquanto se
fosse culpado, a ela não teria direito. Era a influência, ainda, de
alguns dogmas da concepção religiosa.
, o Soberano insere, no
~ mais bárbaros, não apenas A forma secreta e escrita do processo era de mister ao
o que é pior, no escopo de estabelecimento da verdade, tendo o Soberano e os seus juízes
ornem, que era o objeto da direito absoluto e poder exclusivo para encontrá-la, tratando os
I o responsável pelos atos juristas da Renascença de desenvolver a doutrina quanto à
Irma, no objeto do processo, natureza e à eficácia das provas.
Irecer o crime. No entanto, alguns pensadores da Renascença, como ERASMO
) corpo do agente do crime, DE ROTERDÃ e MAQUIA VEL, diante das guerras religiosas, da
pela força, a autoridade do descoberta de novos continentes e dos inevitáveis efeitos
econômicos daí decorrentes e dos avanços cientificos da física e
da astronomia, percebendo o abalo da mentalidade medieval e a
I floresceu também aquilo que chamamos insegurança crítica do Século XVII, passaram a desenvolver idéias
greja e a um poder estatal autoritários.
:os contra bruxos e bruxas. execuçiies em interrogando os dogmas, doutrinas e opiniões então aceitas, além
religiosas e ainda brutal conquista da de apresentar em respostas mais adequadas a essas inquietações.
ia da Filosofia, trad. João Azenha Jr., São

que o período da vingança pública, em


la do Direito Penal, sendo comum a morte I) Na época da concepção política da justiça penal, segundo MICHEL FOUCAULT, "O corpo
a um poste, em praça pública, para ser supliciado se insere em primeiro lugar no cerimonial judiciário que deve trazer à lume a
umbo fundido), por afogamento, a roda (o verdade do crime." (Vigiar e Punir, tradução de Lígia M. Pondé Vassalo, Vozes, 1977, pág.
I fim de que os seus membros fossem 35). MICHEL FOUCAULT realça que, na maior parte dos países europeus, incluindo aí a
19u1amento, enterro em vida, etc.). França, apresentando como exceção a Inglaterra, o processo. até a sentença, era secreto.
116 INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO WALTER NUNES DA SILVA júNIOR

oIluminismo, tencionando instaurar o livre-pensamento, de preservação da liberdc


hostiliza, sem ser anti-religioso, a fé nos milagres, pondo em "ESPIRÍTO DAS LEIS",
dúvidas o historicismo bíblico, não só por suas raízes positivas ROUSSEAU no "CONTR
germinadas dafé nas leis invioláveis da natureza, mas também em para o desenvolvimento da
razão da desconfiança contra as pessoas que asseveraram a Parte do princípio de ql
autenticidade da narrativa propugnada pela Igreja. sociedade, com o pacto s
Desapartando-se do pensamento da Igreja e de Aristóteles, os com as leis que vão repre
iluministas se escoram em nova filosofia, difundida por LOCKE e portanto, ao Estado, o po
NEWTON. A filosofia dos iluministas parte das leis da natureza, castigo merecido, quando,
competindo a VOLTAIRE difundir a idéia de que há uma lei - a lei a fim de se restabelecer a
da gravidade de NEWTON - que rege a natureza e o universo aos demais. O direito de lit
inteiro l4 , sendo inviolável, regular e racional, daí porque renega como espécie de depósito,
qualquer intervenção sobrenatural no desenvolvimento do mundo. quando isso for necessári,
A razão, na filosofia iluminista, é o valor maior dessa idéia, social. A pena, a despeit
atribuindo-se a HUGO GROTIUS a missão de negar a origem Clássica, ainda é encarada c
divina do direito natural, percebendo-o como fruto do homem e é o mal infligido ao age
desenvolvido sob a influência da racionalidade. sociedade.
Seguindo as idéias desse movimento, CESARE RECCARIA, no A obra "DOS DELITOS
final do Século XVIII, com a obra "DOS DELITOS E DAS jurídica, apresentando-se m
PENAS", criticando as atrocidades dos sistemas penais existentes, de direito penal, embasado I
principalmente em virtude da presença da tortura e da pena de pelos iluministas, competinc
morte, inicia a etapa da justiça penal jurídica, fundando o que se da Escola Clássica.
denominou Escola Clássica. Interessa ressaltar que Bl
Procurou, RECCARIA, difundir a idéia da concepção de um considerado, um grande fil(
sistema penal embasado na legalidade pura quanto aos crimes e história, em verdade, sempn
punições, expungindo, assim, o arbítrio do juil 5 . Sob a influência despeito dos três maiores
de MONTESQUIEU, desenvolve a idéia de que o direito de punir maiores filósofos do Século
do Estado deve ser limitado pela lei, só podendo ser exercicido ardorosamente a pena de
dentro dos parâmetros concebidos pela sociedade, que são retributiva da sanção penal,
conhecidos com a feitura da lei 16. Liberdade e legalidade, eis a dever do Estado para com a
base da doutrina. A doutrina da legitimidade das leis e o seu papel do grupo social, manifestand,
"Se ele matou, deve morrer",
fosse justa.
" Coube a VOLTAIRE expor as conclusões filosóficas de NEWTON formuladas com base na lei da
gravidade.
15 LOCKE queria que o juiz não passasse da boca que pronuncia as palavras da lei (Novos Rumos
do sistema Penal Miguel Reale Ir., Forense, pág. 5).
16 VOLTAIRE dizia que o Estado ideal seria aquele em que não obedece senão às leis (Miguel Reate

Ir., obra citada).


WALTER NUNES DA SILVA JÚNIOR 117
INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO

urar O livre-pensamento, de preservação da liberdade, sustentada por MONTESQUIEU no


nos milagres, pondo em "ESPIRÍTO DAS LEIS", e a do pacto social, defendida por
) por suas raízes positivas ROUSSEAU no "CONTRATO SOCIAL", servem de supedâneo
natureza, mas também em para o desenvolvimento da tese de BECCARIA.
ssoas que asseveraram a Parte do princípio de que o indivíduo se compromete, perante a
>ela Igreja. sociedade, com o pacto social, devendo viver de conformidade
Igreja e de Aristóteles, os com as leis que vão representar a vontade de todos, conferindo,
la, difundida por LOCKE e portanto, ao Estado, o poder-dever de puni-lo, infligindo-lhe o
parte das leis da natureza, castigo merecido, quando vier a transgredir as normas de conduta,
:ia de que há uma lei - a lei a fim de se restabelecer a ordem jurídica e servir de prevenção
e a natureza e o universo aos demais. O direito de liberdade, com o pacto social, é entregue,
'.lcional, daí porque renega como espécie de depósito, ao Estado, que haverá de restringi-la
esenvolvimento do mundo. quando isso for necessário para o restabelecimento da ordem
valor maior dessa idéia, social. A pena, a despeito do caráter humanitário da Escola
nissão de negar a origem Clássica, ainda é encarada como a retribuição pelo mal praticado:
O como fruto do homem e
é o mal infligido ao agente em razão do mal provocado à
!alidade. sociedade.
I,CESARE BECCARIA, no A obra "DOS DELITOS E DAS PENAS" não era propriamente
"DOS DELITOS E DAS jurídica, apresentando-se mais como espécie de ensaio filosófico
sistemas penais existentes, de direito penal, embasado no pensamento humanístico defendido
1 da tortura e da pena de
pelos iluministas, competindo a CARRARA iniciar a fase jurídica
urídica, fundando o que se da Escola Clássica.
Interessa ressaltar que BECCARIA não era, nem chegou a ser
déia da concepção de um considerado, um grande filósofo. Aliás, os grandes filósofos da
pura quanto aos crimes e história, em verdade, sempre foram favoráveis à pena capital. A
Ido juil 5. Sob a influência despeito dos três maiores filósofos da Antigüidade, os dois
a de que o direito de punir maiores filósofos do Século XVIII, KANT e HEGEL, defenderam
só podendo ser exercicido ardorosamente a pena de morte. KANT, defendendo a teoria
pela sociedade, que são retributiva da sanção penal, assegura que a pena de morte é um
erdade e legalidade, eis a dever do Estado para com a segurança dos demais componentes
dade das leis e o seu papel do grupo social, manifestando-se como um imperativo categórico:
"Se ele matou, deve morrer", inexistindo qualquer outra pena que
fosse justa.
lEWTON formuladas com base na lei da

mncia as palavras da lei (Novos Rumos

não obedece senão às leis (Miguel Reale


118 INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO WALTER NUNES DA SILVA JÚNIOR

Em que pese a resistência dos grandes filósofos 17, Vinha a pêlo o de


principalmente quanto à abolição da pena de morte, as idéias da biologismo de LOMBRO
Escola Clássica foram difundidas, ingressando em formalismo recaindo em GAROFALO
contra o qual correntes de pensamento se insurgiram. Reclamava­ Positiva.
se que o acusado, mesmo no processo da Escola Clássica, estava Com esse moviment
ausente do debate judiciário, preocupando-se os juristas com a formalismo jurídico da E
ocorrência unicamente do fato, para, daí, sem perquirir das com o fato criminoso, d<
questões orgânicas e do meio social do homem delinqüente, aplicação da pena, não b
aplicar a pena. subsunção do fato à nom
Era a nova corrente filosófica, o positivismo, que passava a do agente, a fim de identij
influenciar também o direito, a partir da primeira metade do a pena mais adequada
Século XIX, tendo como precursor AUGUSTO COMTE, que delinqüente, agora, não di
representou a ascensão da burguesia emergente após a Revolução processo, mas o objeto d
de 1789, embasada na ciência, na técnica e na industrialização. ciências afins, no sentido (
Representava o otimismo experimentado com a Revolução Pune-se o delinqüente
Industrial e o desenvolvimento das ciências experimentais, porque é preciso defen
contrapostas à metafísica, no pressuposto de que só o observada diante do estlli
conhecimento dos fatos é fecundo, não passando, o dogma da caráter meramente retrib
racionalidade, de mera especulação. Com o pensamento social, podendo ser aplic,
positivista, ciências fundamentais adquiriram posição, como a como forma de prevenção.
biologia e a sociologia.
A ocorrência da primei.
Inserido no movimento filosófico positivista, CÉSAR como as mudanças polítü
LOMBROSO desenvolveu a tese da antropologia criminal, que essas Escolas recebes1
editando o livro "O HOMEM DELINQÜENTE", defendendo a de conferir tratamento ma
tese de que o homem não comete o crime pelo fato de fazer essa abrandar esse tratamento.
opção, mas sim porque ele é levado ao crime por um fenômeno outras correntes ecléticas,
biológico. Há homens que já nascem potencialmente delinqüentes, Itália por CARNEVALE, l
predispostos ao crime, enquanto outros, por um processo de chamada de Positivismo C
degeneração orgânica, seriam levados à criminalidade.
Posteriormente, admitiu que fatores exógenos poderiam
impulsionar o homem ao crime, cuidando ENRICO FERRI de
expor esse pensamento na sociologia crIminal, defendendo a 18 A aplicação da lei pelo juiz, ainda qUi
existência de cinco categorias de delinqüentes: o nato, o louco, o uma mera operação mecanicista. T(
colocação do princípio da legalidad
habitual, o ocasional e o passional. condenações sem lastro normativo,
Dos Delitos e Das Penas. Em ou
Recaséns Siches quando, com acui
17 Não se pode deixar de registrar que Voltaire foi um grande entusiasta das idéias de Beccaria. esteja jungido ao princípio da inter
Bobbio afirma que grande parte do sucesso do livro de Beccaria se deve ao apoio que foi lei de forma mais suave ou severa I
conferido por Voitaire. Porrúa, México, 1973, págs. 231123
INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO WALTER NUNES DA SILVA JÚNIOR 119

dos grandes filósofos 17, Vinha a pêlo o determinismo positivista, embasado no


lena de morte, as idéias da biologismo de LOMBROSO e no fatalismo social de FERRI,
19ressando em formalismo recaindo em GAROFALO a fase propriamente jurídica da Escola
se insurgiram. Reclamava­ Positiva.
da Escola Clássica, estava Com esse movimento, teve-se em mente abandonar o
)ando-se os juristas com a formalismo jurídico da Escola Clássica, preocupando-se menos
1, daí, sem perquirir das com o fato criminoso, do que com o homem que o pratica. À
1 do homem delinqüente, aplicação da pena, não basta mais, ao juiz, verificar, apenas, a
subsunção do fato à norma, todavia perquirir do comportamento
'Jositivismo, que passava a do agente, a fim de identificar a sua periculosidade, aplicando-lhe
ir da primeira metade do a pena mais adequada para reprimir a conduta. O homem
AUGUSTO COMTE, que delinqüente, agora, não deve mais ser encarado como objeto do
nergente após a Revolução processo, mas o objeto de estudo cientifico, com o auxílio das
nica e na industrialização. ciências afins, no sentido de se perscrutar a sua personalidade/R.
rztado com a Revolução Pune-se o delinqüente não em razão de vindita pública, mas
~ ciências experimentais, porque é preciso defender a sociedade da periculosidade
:ssuposto de que só o observada diante do estudo nele feito. A pena deixa de ter o
ão passando, o dogma da caráter meramente retributivo, para servir de esteio à defesa
o. Com o pensamento social, podendo ser aplicada mesmo antes da prática delituosa,
luiriram posição, como a como forma de prevenção real.
A ocorrência da primeira e segunda Guerras Mundiais, assim
'ico positivista, CÉSAR como as mudanças políticas nesse intervalo de tempo, fez com
la antropologia criminal, que essas Escolas recebessem algumas mudanças, ora no sentido
rQÜENTE", defendendo a de conferir tratamento mais severo ao agente do ilícito, ora para
me pelo fato de fazer essa abrandar esse tratamento. Nessa confluência de idéias, surgiram
o crime por um fenômeno outras correntes ecléticas, merecendo destaque a difundida na
Itencialmente delinqüentes, Itália por CARNEVALE, denominada Terceira Escola, também
ros, por um processo de chamada de Positivismo Crítico, em que se pretende conciliar o
vados à criminalidade.
~es exógenos poderiam
ando ENRICO FERRI de
1 cFÍminal, defendendo a 18 A aplicação da lei pelo juiz, ainda que na seara criminal. não pode ser. como defendia Beccaria,
'lüentes: o nato, o louco, o uma mera operação mecanicista. Tem-se de entender que Beccaria pensava em leis claras e a
colocação do princípio da legalidade como dogma penal, com o firme propósito de põr fim a
condenações sem lastro normativo, como era bem próprio na época em que escreveu o livro
Dos Delitos e Das Penas. Em outra perspectiva, não se pode deixar de conferir razão a
Recaséns Siches quando, com acuidade, expõe que, em matéria penal, nada obstante o juiz
ande entusiasta das idéias de Beccaria. esteja jungido ao princípio da interpretação estrita, pode e deve, consoante os fatos, aplicar a
de Beccaria se deve ao apoio que foi lei de forma mais suave ou severa (Nueva Filosofia de La Interpretación Del Derecho, Editor
POITÚa, México, 1973, págs. 2311232).
120 INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO WALTER NUNES DA SILVA JÚNIOR

positivismo e o classicismo, para daí extrair um direito penal mais Posteriormente, após a
consentâneo ao combate à criminalidade. intenso movimento refon
Na Alemanha, a doutrina liderada por VON LISZT, em crítica colocando-se o positivism
pecha de ser o grande resI
profunda ao positivismo jurídico, dá origem à Escola Moderna,
nazismo e do fascismo. A
tendo em mira separar o direito penal da criminologia,
redirecionamento dos direi
reservando àquele a pesquisa dogmática das normas jurídicas
chegando-se a propagar a i
penais, por meio da lógica, concebendo o crime como um fato
jurídico, mas não se descurando de que quem o pratica é o lei que se apresentasse inJ
servir de fundamento para I
homem, possuindo, portanto, aspectos de ordem humana e social.
A valoração formal da
. Outras Escolas ainda se formaram. Algumas representando o
obstáculo à consecução de.
neoclassicismo, outras o neopositivismo. Dentre elas, destacou-se
proposição normativa, devê
a Escola do Tecnicismo Jurídico-Penal, que teve como expoentes
não com aquela. A lei, por
VICENTE MANZINI e ARTURO ROCCO, exercendo forte
em si mesma, carecendo de
influência sobre o Direito Penal brasileiro, defendendo que os
promanar, sob pena de não
juristas deveriam se afastar dos assuntos metajurídicos,
debruçando-se no estudo do direito positivo em si, com a
finalidade de interpretar e aplicar as normas penais, partindo de 4. ESCOLA DA NOVA VIi
princípios e do conceito de bem jurídico por elas formulado.
Contudo, durante todo esse tempo, estava em formação uma Esse movimento filosóf:
nova corrente de pensamento, que, mais tarde, veio a sedimentar­ deu origem à difusão de
se sob a roupagem da Escola da Nova Defesa Social. Com efeito, alternativo, e a uma nova
já no ano de 1910, em obra intitulada "A DEFESA SOCIAL E AS Defesa Social, com suporl
TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO PENAL", ADOLPHE PRINS instaurava: o existencialism
defendia que a função do direito penal não seria retribuir o mal A filosofia existenciali
produzido pelo fato ilícito, e sim objetivar a defesa da sociedade, ganha fôlego após a Segunc
o que só seria possível, no seu pensamento, substituindo-se a Francês PAUL SARTRE, su
noção de responsabilidade moral pelo critério da periculosidade eternas e absolutas e que (
do delinqüente. quanto ao seu agir, e essa I
A idéia do Direito Penal como forma de defesa social, em que faz, não podendo eximi-I<
a preocupação deveria ser com o homem que pratica o ilícito, no normas de condutas são, e
sentido de aplacar a sua delinqüência, que estava presente na
Escola Positiva, de há muito era sentida pelos filósofos, havendo
menção ao pensamento de PLATÃO, segundo o qual a sanção não 19 Eric Hobsbawn mostra que o Século X:
já registradas na Terra, em que r
deveria se preocupar com o passado, pois ele não poderia mais ser praticamente todos os países, inf1m
recuperado, mas sim com o futuro. Extremos, O breve Século XX-1914­
20 O Francês Jean Cruet, já em 1908. aleI
lei, pois ele tem função criadora. não
Direito e a Inutilidade das Leis, Tipo!
INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO W ALTER NUNES DA SILVA JÚNIOR 121

Jrair um direito penal mais Posteriormente, após a Segunda Guerra Mundial 19 , operou-se
e. intenso movimento reformista, ressurgindo o direito natural,
colocando-se o positivismo jurídico no banco dos réus, sob a
lor VON LISZT, em crítica
pecha de ser o grande responsável pelas atrocidades jurídicas do
>rigem à Escola Moderna,
nazismo e do fascismo. A crise surgida no pós-guerra suscitou o
penal da criminologia,
redirecionamento dos direitos naturais impostergáveis, absolutos,
tica das normas jurídicas
chegando-se a propagar a idéia de que nenhuma jurisprudência ou
do o crime como um fato
lei que se apresentasse injusta, ou, ela própria, delitiva, poderia
que quem o pratica é o
servir de fundamento para que o juiz decidisse uma causa.
le ordem humana e social.
A valoração formal da lei não poderia, em tempo algum, ser
Algumas representando o
obstáculo à consecução da justiça 20, que deveria pairar acima da
a. Dentre elas, destacou-se
proposição normativa, devendo, o direito, se conformar com esta e
r, que teve como expoentes
não com aquela. A lei, por conseguinte, deixaria de ter um valor
WCCO, exercendo forte
em si mesma, carecendo de confronto com a justiça que dela deve
'ileiro, defendendo que os
promanar, sob pena de não se confortar com os ditames do direito.
assuntos metajurídicos,
positivo em si, com a
ormas penais, partindo de 4. ESCOLA DA NOVA DEFESA SOCIAL
) por elas formulado.
estava em formação uma Esse movimento filosófico reformista da valoração do direito
s tarde, veio a sedimentar­ deu origem à difusão dos direitos humanos, ao pensamento
Defesa Social. Com efeito, alternativo, e a uma nova Escola de Direito Penal, a Escola da
óA DEFESA SOCIAL E AS Defesa Social, com suporte na nova corrente filosófica que se
mAL", ADOLPHE PRINS instaurava: o existencialismo.
I não seria retribuir o mal A filosofia existencialista, inspirada em KIERKEGAARD,
var a defesa da sociedade, ganha fôlego após a Segunda Guerra Mundial, tendo como líder o
amento, substituindo-se a Francês PAUL SARTRE, sustentando que não há valores ou regras
critério da periculosidade eternas e absolutas e que o homem é livre para fazer a escolha
quanto ao seu agir, e essa liberdade o torna responsável pelo que
l de defesa social, em que faz, não podendo eximi-la pelo argumento da submissão. As
m que pratica o ilícito, no normas de condutas são, e devem ser, flexíveis, de modo que o
l, que estava presente na
a pelos filósofos, havendo
gundo o qual a sanção não 19 Eric Hobsbawn mostra que o Século XX foi excessivamente marcado pelas duas maiores guerras
já registradas na Terra, em que não apenas as grandes potências se envolveram, mas
is ele não poderia mais ser praticamente todos os países, influenciando decisivamente nos sistemas políticos (Era dos
Extremos, O breve Século XX-1914-1991, São Paulo, Cia. Das Letras, 1995).
20 O Francês Jean Cruet, já em 1908, alertava que o juiz não é a boca que pronuncia a vontade da
lei, pois ele tem função criadora, não tendo a norma o condão de encerrar o direito (A vida do
Direito e a Inutilidade das Leis, Tipografia José Bastos, Lisboa).
122 INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO
W ALTER NUNES DA SILV A JÚNIOR

homem possa direcionar o seu comportamento pelo senso de percebendo-se que o din:
responsabilidade. principalmente por seu ca
Os excessos desumanos praticados antes e durante a Segunda absolutismos, mas sim ve
Guerra Mundial, declarados, no processo de Nuremberg, sob a Os únicos dogmas qu
noção de "crime contra a humanidade ", que tanta indignação para criminal, se é que se pc
este Século legou, suscitaram nos homens da ciência penal, com prevenção do crime e a b
fulcro no existencialismo, a necessidade de repensar o problema comete o ilícito, tendo I
penal, procurando enxergá-lo, agora, não sob o aspecto apenas necessários a esses fins, o
referente ao homem delinqüente e ao campo do direito penal, mas
A Nova Defesa SOCiel
encará-lo como fenômeno social. O problema não seria
política legislativa, judie.
propriamente criminal, e sim social, inserindo-se, aí, o direito
diante da concepção de (
criminal como um, e não como o único, instrumento de defesa
prescindir da criminolog
social.
fenômeno criminal; do
FILIPO GRAMATICA tratou de levar a conhecimento essas sistematizar as normas J
novas idéias, criando, em Gênova, no ano de 1945, um Centro de prontifica a combater o fel
Estudos de Defesa Social, vindo a sedimentar, com seus escritos, criminal, que deve ser, a
a teoria da Defesa Social, que, da crítica construtiva dos seus que deve servir de bússo,
adeptos, originou a Escola da Nova Defesa Social, representada criminais, ao juiz no seu I
nessa fase, pelo Francês MARC ANCEL, sob forte influência do penitenciária na execução
existencialismo, mediante a obra fundamental "A NOVA DEFESA
Pode-se definir a Es(
SOCIAL".
conjunto de idéias, de or
A Escola da Nova Defesa Social, que se situa como doutrina Constituídos do Estado
sedimentada no Século XX, tendo como suporte as correntes combate à criminalidade. ,
filosóficas de agora, sente que o penalista não pode mais, para no que pertine ao fenômen
apresentar solução à problemática inerente ao fenômeno
Aqui, abandona-se a
criminoso, ser simplesmente jurista, tratando abstratamente dos
vendo-se a sanção apenas
fundamentos legais aplicáveis à responsabilidade ou aos
social, devendo ser aplica(
elementos jurídicos do delito. Deve, contudo, ter em mente que
Não é a hediondez do cri,
não pode, ele, o penalista, ser substituído, nessa tarefa, pelo
espécie ou quantidade
médico, pelo sociólogo e pelo psicólogo, pois a criminologia
delinqüente que foi examiI
moderna necessita examinar a ação criminosa com o concurs(} de
todas as ciências humanas. Propõe que, de uma vc
para o processo, não cor
O sistema penal há de ser concebido de modo que leve em
sentido de conhecer a a(
consideração a realidade humana e social, não ficando dissociado
dentro da aspiração positi
dessas circunstâncias, sob pena de não apresentar solução eficaz à
estudo, porém para que se
criminalidade. Os dogmas jurídicos devem ser postos de lado,
INSTITUiÇÃO TOLEDO DE ENSINO
WALTER NUNES DA SILVA JÚNIOR 123

)rtamento pelo senso de percebendo-se que o direito criminal, como ciência do direito, e
principalmente por seu campo de ação, atua na área em que não há
ntes e durante a Segunda absolutismos, mas sim verdades relativas.
rso de Nuremberg, sob a Os únicos dogmas que devem nortear o caminhar da justiça
que tanta indignação para criminal, se é que se pode admiti-los como tais, são apenas a
ms da ciência penal, com prevenção do crime e a busca da reinserção social do agente que
~ de repensar o problema comete o ilícito, tendo presente, na aplicação dos instrumentos
ão sob o aspecto apenas necessários a esses fins, o respeito à dignidade da pessoa humana.
mpo do direito penal, mas
A Nova Defesa Social, assim, é uma carta de intenções de
J problema não seria
política legislativa, judiciária e executiva, em relação ao crime,
nserindo-se, aí, o direito
diante da concepção de que a ciência penal moderna não pode
'0, instrumento de defesa
prescindir da criminologia, que se preocupa com o estudo do
fenômeno criminal; do Direito Penal, que se ocupa em
ar a conhecimento essas sistematizar as normas jurídicas com as quais a sociedade se
10 de 1945, um Centro de prontifica a combater o fenômeno delituoso, e, por fim, da política
nentar, com seus escritos, criminal, que deve ser, a um tempo, ciência e arte, instrumento
tica construtiva dos seus que deve servir de bússola ao legislador na elaboração das leis
ifesa Social, representada criminais, ao juiz no seu processo de aplicação e à administração
~, sob forte influência do penitenciária na execução da determinação judicial.
lental "A NOVA DEFESA
Pode-se definir a Escola da Nova Defesa Social como o
conjunto de idéias, de ordem política, orientadoras dos Poderes
e se situa como doutrina Constituídos do Estado no tratamento a ser dispensado no
mo suporte as correntes combate à criminalidade. É a política criminal a ser desenvolvida
ista não pode mais, para no que pertine ao fenômeno criminal, inserido no contexto social.
inerente ao fenômeno
Aqui, abandona-se a idéia do caráter retributivo da pena,
ltando abstratamente dos
vendo-se a sanção apenas como o meio de se preservar a ordem
:sponsabilidade ou aos
social, devendo ser aplicada na proporção em que for necessária.
ntudo, ter em mente que
Não é a hediondez do crime, efetivamente, que vai determinar a
uído, nessa tarefa, pelo
espécie ou quantidade da pena, mas sim a personalidade
'go, pois a criminologia
delinqüente que foi examinada durante o processo.
inosa com o concursÇJ de
Propõe que, de uma vez por todas, o acusado seja chamado
para o processo, não como o classicismo, timidamente fez, no
o de modo que leve em
sentido de conhecer a acusação e se defender, muitos menos
lI, não ficando dissociado
dentro da aspiração positivista, que foi para tê-lo como objeto de
)fesentar solução eficaz à
estudo, porém para que se conheça a sua personalidade.
vem ser postos de lado,
124 INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO W ALTER NUNES DA SILV A JÚNIOR

Pois, para a Nova Defesa Social, o crime é um fato humano, ou delinqüente adulto, e part
melhor, a expressão da personalidade do seu autor, que deve ser ,,24
e I es.
reprimido em virtude da necessidade de segurança social, mas, em
Essa Escola da Nova D
nome dela mesma e para prevenir outros ilícitos, a sanção deve ter
consentânea com as novas
o caráter de tratamento, aplicando-se, por isso mesmo,
de paradigma às orientaçõ,
indistintamente, tanto ao imputável quanto ao inimputável.
de Direito Penal. Não se d
Os delinqüentes devem ser classificados, mas não nos moldes movimento da Lei e da 01
preconizados pela Escola Positivista, e sim dentro da perspectiva que tem como lema o tr
de que o agente do ilícito, nafase da aplicação da pena, há de ser como única forma de j
conhecido pelo juiz, a fim de que a pena que lhe seja aplicada se encontrado campo fértil I
apresente consentânea com as necessidades da imposição da criminoso e vem ganhando
sanção, de conformidade com as peculiaridades que o levaram ao
21
cometimento do ilícit0 .
5. CONCLUSÃO
A pena é dotada de medidas curativas e educativas, devendo-se
aplicar, aos adultos, a mesma ordem de idéias que levaram a se
GIUSEPPE BETTIOL c
cuidar do menor com medidas sócio-educativas, sendo mais
uma filosofia, e que, a
espécie de tratamento do que de punição. Nesse passo, penso, está
racionalidade dessa afirma
o ponto alto da Escola em foco, quando MARC ANCEL, após
Penal nasceu como filos(
dizer que "Num sistema renovado de política crimina, ao
RADBRUCH, até o final
contrário, o juiz deve poder fazer uso da sanção repressiva,
romanisticamente, como
mesmo quando, como ocorre com relação aos menores, situamo­
conseguinte, até então, o ql
nos no âmbito normal da sanção educativa,,22, acrescenta que,
uma filosofia sobre as que
assim como não deve mais haver diferença entre pena e medida
ser objeto desse ramo do D
de segurança, as medidas sócio-educativas do menor, que
primeiramente foram ejetadas do direito penal dos adultos, Realmente, os problema
criando-se o direito do menor delinqüente, manifestam-se como natureza da pena, dos fins c
"a prefiguração do direito penal de amanhã,,23, de forma que esse morte, sempre foram objet
"mesmo método, realista e humano, que tão magmficamente filósofos da história.
renovou a organização da reação contra a delinqüência juvenil, Evidentemente que essa
seja amanhã aplicado, mutatis mutandis, em relação ao preciso reconhecer que e
porquanto são examinados
em critérios da razão, com I
21 o problema Criminológico. a ser pesquisado no processo antes de se proferir a sentença, não
consiste na forma simplista de enquadrar o agente do delito em uma das diversas categorias de Ainda hoje assanha a illi
delinqüentes preestabelecidas, mas sim a pesquisa efetiva das peculiaridades do caso, no explicativas à legitimação
desiderato de saber porque o homem que está sendo julgado, diante das circunstãncias
presentes, aliadas aos seus antecedentes e específica constituição biológica, se compol1ou de penais e, primacialmente, q
forma cri minosa.
22 Ob. cit., pág. 301.
23 Ob. cit., pág. 357. 24 Ob. cito
INSTITUiÇÃO TOLEDO DE ENSINO 125
WALTER NUNES DA SILVA JÚNIOR

:rime é um fato humano, ou delinqüente adulto, e particularmente a certas categorias dentre


do seu autor, que deve ser eles. ,,24
e segurança social, mas, em
Essa Escola da Nova Defesa Social é a que se apresenta mais
)S ilícitos, a sanção deve ter
consentânea com as novas idéias de ordem penal, até porque serve
ia-se, por isso mesmo,
de paradigma às orientações da AIDP - Associação Internacional
mto ao inimputável.
de Direito Penal. Não se deve deixar de reconhecer, porém, que o
~ados, mas não nos moldes movimento da Lei e da Ordem, preconizado nos Estados Unidos,
~sim dentro da perspectiva que tem como lema o tratamento mais severo aos criminosos
plicação da pena, há de ser como única forma de arrefecer o ímpeto delinqüente, tem
na que lhe seja aplicada se encontrado campo fértil no tratamento passional do fenômeno
~sidades da imposição da criminoso e vem ganhando fôlego.
iaridades que o levaram ao
S. CONCLUSÃO
7S e educativas, devendo-se
te idéias que levaram a se
GIUSEPPE BETTIOL diz, sem rodeios, que o Direito Penal é
io-educativas, sendo mais
uma filosofia, e que, ainda que não se queira admitir a
io. Nesse passo, penso, está
racionalidade dessa afirmação, não se pode negar que o Direito
lndo MAR C ANCEL, após
Penal nasceu como filosofia, pois, consoante também adverte
de política crimina, ao
RADBRUCH, até o final do Século XVII, foi considerado,
rso da sanção repressiva,
romanisticamente, como uma parte do Direito Civil. Por
ção aos menores, situamo­
· ,,22 conseguinte, até então, o que se tinha não era a ciência penal, mas
lca t lva ,acrescenta que,
uma filosofia sobre as questões que, posteriormente, passaram a
-ença entre pena e medida
ser objeto desse ramo do Direito.
'ucativas do menor, que
ireito penal dos adultos, Realmente, os problemas do fundamento do direito de punir, da
ente, manifestam-se como natureza da pena, dos fins da sanção, da licitude ou não da pena de
d f arma que esse
,mh a-,,23 ,e morte, sempre foram objeto de meditação por parte dos grandes
que tão magn~ficamente filósofos da história.
tra a delinqüência juvenil, Evidentemente que essas questões têm caráter jurídico, mas é
itandis, em relação ao preciso reconhecer que esses assuntos têm raízes filosóficas,
porquanto são examinados e procuradas as soluções com suporte
em critérios da razão, com caráter e valor universais.
:so antes de se proferir a sentença. não
Ielito em uma das diversas categorias de Ainda hoje assanha a mente dos filósofos perquirir concepções
:fetiva das peculiaridades do caso, no explicativas à legitimação do Estado na aplicação de sanções
Ido julgado, diante das circunstâncias
:onstituição biológica, se comportou de penais e, primacialmente, quanto à definição dos limites do direito

24 Ob. cit.
126 INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO WALTER NUNES DA SILVA JÚNIOR

de punir. Hodiernamente, os direitos fundamentais assegurados ao BIBLIOGRAFIA


homem, positivados com base nas idéias do direito natural,
demonstram a preocupação em preservar o homem contra os ANCEL, Marc. A nova í
poderes punitivos de que se arvora o Estado. 1979.
Embora os filósofos de agora, em sua maioria, diferentemente ARENDT, Hanna. A con
do passado, condenem a pena de morte, diversos países Rio de Janeiro: Forense
recalcitram em humanizar os seus sistemas penais, a exemplo dos
ARISTÓTELES. A Políti
Estados Unidos. A pena de morte é tema do qual se ocuparam os
Paulo: Edipro, 1995.
principais filósofos da história, desde a Antigüidade, até mesmo
os filósofos contemporâneos, como DEL VECCHIO, BECCARIA, Cesare Bom
RADBRUCH, BOBBIO e tantos outros de igual expressão cultural. Janeiro: Editora Rio, 19
Os fundamentos da sanção penal em si continuam a despertar a BETTIOL, Giuseppe. O
atenção de boa parte dos pensadores contemporâneos, sendo Editora, 1967.
auspicioso constatar que tem merecido acolhimento a tese de que BEVILAQUA, Clóvis. O
o agir a ser regulado pelo sistema penal deve ser tão-somente Editora Rio, 1896.
aquele cujo disciplinamento na seara dos demais ramos do direito BOBBIO, Norberto. A E
não se mostre eficiente para ordenar o comportamento. Tem-se Coutinho. Rio de Janein
verificado consistente movimento no sentido de descriminalizar e
despenalizar, diante da concepção de que a pena de prisão, a CRUE, Jean. A vida do D
grande substituta da pena de morte, defendida por BECCARIA no Tipografia José Bastos.
final do Século XVIII, não cura, corrompe. FERRI, Enrique. El Homic
O grande desafio a ser enfrentado pelos filósofos é pensar em FOUCAULT, Michel. Vig
forma de punição que, a um tempo, sirva de aparelho de prisões. Rio de Janeiro:
contenção de criminalidade e seja eficiente no tratamento curativo GAARDNER, Jostein. O A
daquele que se desviou das normas de conduta vigentes na da Filosofia, trad. João
sociedade na qual ele está inserido. 1995.
Quanto a esse problema fundamental, a filosofia ainda não MONTES QUIEU, Charles
apresentou ao Direito Penal a solução, menos por ineficiência do leis: as formas de gover.
que pela complexidade da questão, que não é estática, pelo Saraiva, 1987.
contrário complexamente variável, muito embora as proposições
RADBRUCH, Gustav. FiI
feitas por MICHEL FOUCAULT, no livro Vigiar e Punir, devam
Moncada. Coimbra: Am
ser levadas em consideração em qualquer programa que tenha em
mente a previsão de sanções penais na implementação da política REALE JÚNIOR, Miguel.
criminal firmada nos estudos da Escola da Nova Defesa Social. de Janeiro: Editora Forel
SEELIG, Ernst. Manual
Sucessor. 1960. v. 2.
INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO WALTER NUNES DA SILVA JÚNIOR 127

lamentais assegurados ao BIBLIOGRAFIA


léias do direito natural,
var o homem contra os ANCEL, Marc. A nova defesa social. Rio de Janeiro: Forense,
do. 1979.
i maioria, diferentemente ARENDT, Hanna. A condição Humana, trad. Roberto Raposo.
morte, diversos países Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.
,as penais, a exemplo dos
ARISTÓTELES. A Política, trad. Nestor Silveira Chaves. São
I do qual se ocuparam os
Paulo: Edipro, 1995.
Antigüidade, até mesmo
no DEL VECCHIO, BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos delitos e das penas. Rio de
:igual expressão cultural. Janeiro: Editora Rio, 1979.
i continuam a despertar a BETTIOL, Giuseppe. O problema penal. Coimbra: Coimbra
contemporâneos, sendo Editora, 1967.
colhimento a tese de que BEVILAQUA, Clóvis. Criminologia e Direito. Rio de Janeiro:
aI deve ser tão-somente Editora Rio, 1896.
demais ramos do direito BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, trad. Carlos Nelson
comportamento. Tem-se Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
tido de descriminalizar e
lue a pena de prisão, a CRUE, Jean. A vida do Direito e a Inutilidade das Leis. Lisboa:
ldida por BECCARIA no Tipografia José Bastos.
le. FERRI, Enrique. El Homicida. Madrid: Editora Réus, 1930.
os filósofos é pensar em FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir, história da violência nas
sirva de aparelho de prisões. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1977.
te no tratamento curativo GAARDNER, Jostein. O Mundo de Sofia - Romance da História
ie conduta vigentes na da Filosofia, trad. João Azenha Jr. São Paulo: Cia. Das Letras,
1995.
I, a filosofia ainda não MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das
lenos por ineficiência do leis: as formas de governo: as divisões dos poderes. São Paulo:
le não é estática, pelo Saraiva, 1987.
I embora as proposições
RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito, trad. L. Cabral de
o Vigiar e Punir, devam
Moncada. Coimbra: Armênio Amado-Editor, sucessor, 1979.
, programa que tenha em
lplementação da política REALE JÚNIOR, Miguel. Novos rumos do sistema criminal. Rio
l Nova Defesa Social. de Janeiro: Editora Forense, 1983.
SEELIG, Ernst. Manual de Criminologia. Coimbra: Editor,
Sucessor. 1960. v. 2.
128 INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO

SICHES, Luis Recaséns. Nueva Filosofia de La Interpretácion


Del Derecho. México: Editorial Porrúa S.A., 1973.
VECCHIO, Giorgio Del. Lições de Filosofia do Direito, trad.
Antônio José Brandão. Coimbra: Armênio Amado-Editor,
sucessor, 1979.
VOLTAIRE, François Marie Arouet de. Cartas inglesas; Tratado
de metafísica; Dicionário Filosófico; O filósofo ignorante. São
Paulo: Abril Cultural, 1984.

Importante não esquecei


o homem não quer apenas
o homem vi ve, e alimenta (
sempre buscado como re
exatamente, como o fim
homem, está o bem, que
Metaphysica Generalis, o (
perfeito e portanto desl
concretizado.
Dentro de tal posiciona
quanto se dá realce, na dis
força ordenadora da Ética,
parece ser o seu bem, en
homem se revela aos outr9S
Em artigo publicado j:
quando se propõe a dizer I
seu art. 30, exatamente, qua
precisos termos há de volt;
justa e solitária, onde se gé
um trabalho eficaz pai
marginalização, e conseqü~
e regionais, destinada, pois

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