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Volume 1

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SUMÁRIO
FRENTE A Vi o conteúdo Fiz o resumo
3 Módulo 01: Positivismo e Revolução Industrial

13 Módulo 02: Durkheim e Weber

25 Módulo 03: Karl Marx e o materialismo histórico

35 Módulo 04: A construção da modernidade

49 Módulo 05: O universo da cultura

63 Módulo 06: A cultura e os meios de comunicação

Este ícone aparecerá sempre ao lado dos tópicos trabalhados no


decorrer deste volume. A cada leitura, marque conforme a legenda Legenda Entendi Preciso rever
e acompanhe o progresso do seu aprendizado.

2 Coleção Filosofia / Sociologia

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FRENTE MÓDULO

SOCIOLOGIA A 01
Positivismo e Revolução Industrial
o IlumInIsmo e o Por outro lado, as visões burguesas de mundo desenvolvidas
a partir do Iluminismo também buscavam explicar as
esPíRIto cIentIFIcIstA mudanças que ocorriam na sociedade europeia, além
de justificar a dominação colonial sobre as Américas e o
neocolonialismo que se instaurava na África e na Oceania.
Apoiadas naquele espírito cientificista, foram produzidas
uma série de doutrinas sociais que almejavam conceder
explicações rigorosas e científicas para a vida em sociedade,
contudo nem sempre com sucesso.
O conceito de liberdade desenvolvido no século XVIII,
a partir do Iluminismo, recebeu grande atenção e serviu
de mote para o aprofundamento das pesquisas científicas,
cada vez menos influenciadas pelos limites religiosos.
A ciência se desenvolveu largamente, aprofundando-se e
James Tassie / Domínio Público

se especializando em diversos domínios, até então pouco


explorados, como a Química e a Biologia, além da Física, cujo
desenvolvimento já estava em processo desde o século anterior.
Nesse contexto, desenvolveu-se a postura cientificista,
que expressava o espírito predominante da época: grande
Adam Smith. devoção à ciência e à razão e crença na noção de progresso,
sustentando a ideia de que a humanidade estaria em
Ao longo do século XVIII, consolidou-se, na cultura constante e contínuo processo de desenvolvimento rumo
europeia, a valorização da razão como fonte de conhecimento ao seu aprimoramento.
e como fundamento da ação dos indivíduos em sua realidade,
rechaçando qualquer forma de crença ou conhecimento
considerado emocional ou obscuro, principalmente a fé religiosa.
PRIncíPIos eXPlIcAtIvos
Desse modo, um forte sentimento anticlerical se desenvolveu, O pensamento filosófico do século XVIII ao começo do XIX
rejeitando a visão teocêntrica de mundo defendida pela Igreja compreende um conjunto de contribuições da maior
ao longo da Idade Média. importância para as ciências sociais em geral e a Sociologia
Os filósofos da Ilustração ou Iluminismo visavam construir em particular. O Liberalismo, Iluminismo, Jacobinismo,
uma sociedade laica e racional, e propuseram intervenções Conservantismo, Romantismo e Evolucionismo são algumas
baseadas em uma racionalidade prática que produziu das principais manifestações do pensamento europeu desse
novas concepções políticas, sociais e jurídicas baseadas na tempo. São expressões da revolução cultural simbolizada nas
“luz da inteligência”. Entre essas concepções destaca-se o obras de filósofos, cientistas e artistas como Rousseau, Kant
liberalismo, doutrina que manifestava os principais ideais e Hegel, Goethe, Beethoven e Schiller, Adam Smith, Ricardo,
políticos e econômicos da classe burguesa. O filósofo e Herder e Condorcet, entre outros.
economista britânico Adam Smith (1723-1790), considerado [...]
o principal teórico e pai do liberalismo econômico, defendia Por um lado, tratava-se de transferir ou traduzir para o
em seu livro A Riqueza das Nações, de 1776, a liberdade de campo da sociedade, cultura e história os procedimentos
comércio e uma reduzida intervenção do Estado na economia, que já se haviam elaborado e continuavam a elaborar-se
em nome da liberdade individual e da livre-iniciativa dos nas ciências físicas e naturais. Por isso é que, em trabalhos
indivíduos no mercado. O liberalismo foi a doutrina burguesa de Sociologia, passados e presentes, ressoam perspectivas
mais relevante na consolidação do capitalismo – ao longo organicistas, evolucionistas, funcionalistas e outras, oriundas
dos séculos XVIII e XIX –, especialmente durante o período daquelas ciências.
tratado como Revolução Industrial.

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Frente A Módulo 01

Na primeira fase, entre 1750 e 1800, desenvolve-se a


[...]
máquina a vapor, que vai substituir diretamente o trabalho
Por outro lado, tratava-se de criar novos procedimentos de humano e a tração animal; na segunda, entre 1850 e
reflexão, de modo a fazer face às originalidades dos fatos, 1870, a eletricidade e os combustíveis fósseis passam
acontecimentos e dilemas que caracterizam a vida social no Mundo a alimentar as novas máquinas; e já no século XX, após
Moderno. A emergência da sociedade civil, urbano-industrial, as duas grandes guerras, tem lugar a chamada Terceira
Revolução Industrial, com o advento da energia nuclear e
burguesa ou capitalista, passava a desafiar o pensamento em
das tecnologias de informação.
uma forma nova, pouco comum. [...] O pensamento se torna
capaz de dar conta da originalidade dos fatos, acontecimentos e As novas tecnologias da Primeira e da Segunda Revolução
dilemas mais característicos das sociedades que se formam com Industrial modificaram por completo a estrutura da
o Mundo Moderno. sociedade europeia ao desestruturar as bases econômicas
do feudalismo. A produção de bens e riquezas passa a ser
[...] majoritariamente industrial por meio da mecanização do
Estes são alguns momentos lógicos bastante frequentes na trabalho. As máquinas a vapor, a combustão ou elétricas
substituem aos poucos o esforço humano, tanto no trabalho
reflexão sociológica: dado e significado, quantidade e qualidade,
agrícola quanto nas atividades laborais urbanas. O modo de
parte e todo, aparência e essência, singular e universal, causa
produção capitalista se consolida de forma definitiva, tendo,
e sentido, negatividade e contradição, sincrônico e diacrônico.
no liberalismo, uma doutrina política guardiã da visão de
Devido ao seu contínuo diálogo com a Filosofia, a Sociologia guarda
mundo dos detentores do capital.
a peculiaridade de pensar-se continuamente, de par-em-par
com a reflexão sobre a realidade social. O que devemos, de fato, considerar, para além das
dicotomias entre os benefícios e malefícios advindos
IANNI, Octavio.
da Revolução Industrial, tomando por base os aspectos
A Sociologia e o mundo moderno. Tempo Social, econômicos, é justamente analisar e compreender como
São Paulo, v. 1, n. 1, p. 7-27, jan. / jun. 1989. as mudanças na base econômica da sociedade feudal
trouxeram alterações para o modo como os indivíduos
estabelecem suas relações com outros indivíduos, em um
mundo capitalista. Há que se recordar que
As Revoluções Industriais
a maioria dos habitantes da Inglaterra do século XVIII
vivia em áreas rurais, embora as cidades já começassem a
expandir-se. Em 1695, uma vez mais seguindo Gregory King,
cerca de um quarto da população da Inglaterra e do País
de Gales habitava as cidades e vilas onde havia mercados,
mas a maioria destas últimas nada mais era do que burgos
populosos. Além de Londres (com aproximadamente meio
milhão de habitantes), havia somente três cidades na
Inglaterra com mais de 10 000 habitantes: Norwich, Bristol e
Birmingham. [...] Apenas um em cada cinco ingleses viviam
em cidades.

DEANE, Phyllis. A Revolução Industrial.


Rio de Janeiro: Zahar Editor, 1973. p. 19-20.

A vida humana se constrói socialmente à medida que o


Rubens Lima

homem se lança à natureza para daí elaborar sua existência.


Logo, o desenvolvimento do sistema capitalista, ao se
constituir em torno da exploração do trabalho assalariado,
O êxodo rural provocado pela Revolução Industrial transformou
na posse da propriedade e da constante criação de
trabalhadores rurais em operários industriais.
necessidades, rompe com a lógica que até então dominava
a vida em sociedade nos períodos pré-capitalistas.
O desenvolvimento das ciências da natureza a partir
A classe burguesa, por exemplo, foi a classe que deteve –
da Revolução Científica do século XVII, reforçada pelo
e ainda detém – os meios de produção, para daí gerar os produtos
Iluminismo, trouxe os fundamentos para o avanço
que seriam apropriados por outros indivíduos no mercado
tecnológico, que, por sua vez, conduziu a Europa às
capitalista. Logo, o mercado cria um novo espaço de interação
revoluções industriais.
social para os indivíduos. Assim, surge o trabalho assalariado, que
Não há consenso entre os historiadores sobre as fases da nada mais é que a força de trabalho transformada em mercadoria
Revolução Industrial, porém é habitual dividi-la em três fases. e, como tal, passível de ser negociada.

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Positivismo e Revolução Industrial

O mundo moderno emerge baseado na crença de que a Assim sendo, a nova e emergente ciência lançou seu foco
ciência e a técnica são elementos capazes de conduzir a sobre diversas problemáticas, como a relação entre capital e
humanidade ao progresso e, paralelamente, a um estado trabalho, tradicional e moderno, sagrado e profano, ideologia e
de felicidade e igualdade. A principal característica desse utopia e, também, as diferenças entre comunidade e sociedade.
novo mundo é a constituição de uma sociedade urbana e
industrial dividida em classes. As Filosofias Sociais
Todavia, a superação do antigo regime pela nova ordem
social burguesa não se deu sem questionamentos e / ou do século XIX
lutas sociais. O século XIX insere também o surgimento de
uma nova figura na construção da história humana: a classe A industrialização produziu uma série de modificações na
proletária. Ao passo que a noção de liberdade individual foi economia, consolidando o capitalismo industrial. As máquinas
de suma importância para a consolidação do capitalismo, substituíram, em grande parte, a força de trabalho humana,
esse mesmo modo de produção deixou para a classe operária aumentando a produtividade e reduzindo o tempo da
uma situação de opressão frente à força do capital burguês. produção e o custo operacional. Por outro lado, as vantagens

SOCIOLOGIA
trazidas pelo uso das máquinas vieram acompanhadas de
Da contradição entre o trabalho e o capital, surgiram
problemas sociais relevantes, especificamente: desemprego,
revoltas no continente europeu, como o Cartismo na
miséria, êxodo rural, inchaço urbano, exploração da mão
Inglaterra, em 1835, além de uma onda de greves e revoltas
de obra operária, más condições de vida e trabalho, alta
que se espalhou por países como Alemanha, Itália e Rússia,
concentração de renda e desigualdade social.
sendo fortalecida pelas revoluções operárias na Inglaterra
e na França desde a década de 1830 e culminando com a Nesse complicado contexto, começa a surgir um
Primavera dos Povos em 1848. maior número de iniciativas teóricas tanto para tentar
Concomitantemente, o imperialismo europeu já deixava compreender as mudanças vivenciadas pela Europa,
profundas marcas nas suas colônias localizadas na África, recém-industrializada, quanto para explicar as novas
Ásia e Oceania. A elevada industrialização produzia neces- realidades humanas em contato através do imperialismo.
sidades de mercado que a própria Europa não conseguia Havia um grande afã em tentar entender a economia e a
atender: por exemplo, um maior dispêndio de matéria- nova sociedade industrial, identificando seus elementos
-prima, por um lado, e uma necessidade de um mercado constituintes, porém era evidente que existia um espírito
consumidor maior para escoamento de superprodução, propositivo. Este último buscava estabelecer metas e ações
por outro. Conforme observou o escritor inglês Joseph para produzir um futuro que se imaginava ainda “melhor”
Conrad acerca da colonização belga no Congo, (obviamente, segundo os ideais da classe social burguesa
que havia assumido o poder, ligados à industrialização e à
a conquista da terra (na maior parte dos casos, roubá-la implementação do modelo civilizacional europeu).
a quem tem a cor de pele mais escura ou o nariz mais Logo, foram produzidas algumas filosofias sociais, que
achatado) não é coisa bonita de se ver quando se olha muito procuravam, ao mesmo tempo, explicar e intervir na
de perto. realidade social. Essas filosofias sociais estavam inspiradas
CONRAD, Joseph. O coração das trevas. pelos ideais científicos que faziam sucesso no século XIX,
São Paulo: Abril Cultural, 2010. p. 20. [Fragmento] compartilhando a euforia cientificista surgida após as
descobertas realizadas no âmbito da Física de Isaac Newton,
Assim, a técnica e a ciência deixavam de cumprir seu da Química de Lavoisier e da Biologia de Lamarck e Darwin.
papel esperado – de trazer a emancipação do homem –
O que William Bottomore, em sua Introdução à Sociologia
para reforçar o controle de um sistema político-econômico que
(1987), chama de “pré-história da sociologia”, isto é, sua
demonstrava ser gerador de grandes desigualdades, tanto
gênese como ciência, corresponderia a um período de
dentro quanto fora da Europa.
aproximadamente cem anos, em torno de 1750 a 1850,
Foram justamente esses impactos, oriundos de um desde os escritos políticos de Montesquieu até os trabalhos
mundo em constante transformação social, que levaram de Augusto Comte e Karl Marx. Nesse período, a Sociologia
os primeiros cientistas sociais a desejarem interpretar (no caso, as filosofias sociais) era dotada de um caráter
as mudanças de uma forma sistemática e rigorosa. enciclopédico – buscando abarcar a totalidade da vida
Imbuídos de um espírito científico, nomes como Karl Marx social e da história humana – sendo fortemente orientada
e Émile Durkheim se dedicaram a estudar os mecanismos pela noção de evolução e concebida como ciência positiva,
sociais, econômicos e políticos dessa nova estrutura de uma ou seja, de caráter idêntico às ciências da natureza.
sociedade que passava a se sustentar por meio de máquinas e Porém, as primeiras filosofias sociais não alcançaram o
fábricas, apresentando pobreza e exploração sob sua sombra. status de ciência. O darwinismo social e o evolucionismo, duas
Ao se estabelecer enquanto uma ciência que busca vertentes teóricas com ampla aceitação no decorrer do século
compreender as bases do mundo moderno, ou, em XIX, tiveram seu valor científico contestado por revelarem
termos mais específicos, entender de qual maneira o comprometimentos ideológicos e também em razão de
desenvolvimento da sociedade capitalista gerou mudanças apresentarem graves erros conceituais e metodológicos,
no modo como os indivíduos se relacionam, a Sociologia além de terem estreita relação com a finalidade política de
tratou de temas considerados como grandes questões. justificar a dominação europeia durante o período colonial.

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Frente A Módulo 01

Evolucionismo social a evoluírem e, consequentemente, a saírem de seu estado


primitivo. Até a década de 1870, o discurso hegemônico
Entende-se por evolucionismo um conjunto de teorias
acreditava na possibilidade de civilizar os povos inferiores; já no
sociais defensoras da tese de que as sociedades humanas se final do século XIX, a partir da influência do darwinismo social,
encontram em um contínuo processo de desenvolvimento, passa-se a defender que alguns povos são qualitativamente
que consiste na passagem de estágios mais simples, inferiores e, portanto, não poderiam ser civilizados, devendo
ou “primitivos”, para estágios mais avançados. É comum ser subjugados e, em alguns casos, exterminados.
associar o evolucionismo à Teoria da Evolução das Espécies de
O evolucionismo social hoje é considerado uma teoria
Charles Darwin, porém a teoria social surgiu antes mesmo da
pseudocientífica, uma vez que esteve mais ligado às
publicação mais famosa de Darwin. No entanto, não há como
justificações de ordem política para a dominação europeia
negar o grande impacto que a obra do naturalista britânico
do que a uma investigação realmente isenta e imparcial
produziu nas teorias sociais após sua publicação, em 1859,
sobre as sociedades humanas. As teorias sociais importadas
fornecendo fundamentos “empíricos” extraídos da natureza
equivocadamente do método das ciências naturais produziram
para sustentar as teses sociais do evolucionismo social. doutrinas ideológicas com efeitos devastadores, como
O evolucionismo social surgiu inicialmente a partir de comprova a história do imperialismo europeu sobre a Ásia e
estudos da Antropologia, com Lewis Morgan (1818-1881) a África.
e Edward Tylor (1832-1917), reforçados pelas teorias de
Herbert Spencer (1820-1903), cuja popularidade foi ampla Darwinismo social
na Inglaterra vitoriana. É interessante observar que autores
A teoria da evolução de Charles Darwin, publicada a partir
como Morgan e Tylor eram considerados “antropólogos de
de sua obra A origem das espécies, lançada em solo inglês
gabinete”, isto é, teóricos que se baseavam nos relatos de
em 1859, tornou-se rapidamente um fenômeno nos círculos
naturalistas e viajantes para formular suas teorias, mas que
intelectuais e científicos da Inglaterra e no mundo Europeu.
não tiveram contato direto com os povos de que trataram.
Após uma extensa coleta de dados ao redor do mundo,
Por isso, não devem ser considerados “etnógrafos”, termo
a bordo do navio Beagle, Darwin produziu sua teoria que
que designa os pesquisadores de campo da Antropologia.
propunha que todas as espécies estavam submetidas a um
Prosseguindo, o evolucionismo social foi largamente
processo contínuo e permanente de evolução, marcado
utilizado como paradigma para estudar as sociedades
pela seleção dos mais bem-adaptados. Aqueles que não
não europeias que estavam sendo contatadas a partir do
conseguissem se adaptar estariam fadados à extinção.
colonialismo e do imperialismo. As comunidades científicas
A expressão “darwinismo social” foi cunhada pelo
europeias sentiam necessidade de explicar a enorme
historiador britânico Richard Hofstadter, já no século XX,
diversidade de povos, raças e costumes ao redor do mundo, e,
visando descrever os ramos do evolucionismo social, que
paralelamente, a antropologia evolucionista fornecia as
passam a se sustentar em uma interpretação da Teoria
explicações de um modo compatível com os sistemas de
da Evolução de Darwin, em que se pretendia fazer uma
crenças em voga na Europa.
leitura da sociedade pelo viés das ideias do naturalista
A perspectiva do evolucionismo social – ou cultural – é a britânico. Os objetivos dos darwinistas sociais eram explicar
de classificar as culturas de acordo com seu desenvolvimento a transformação das sociedades, a industrialização e a
tecnológico, adotando como padrão de julgamento o modelo revolução tecnológica e justificar as diferenças culturais
industrial europeu do século XIX. Segundo esse critério, entre os povos europeus e os não europeus, valendo-se de
a cultura urbana industrial europeia é considerada superior, forma específica da noção biológica de raça.
mais avançada e desenvolvida do que as demais culturas.
O nome mais destacado do darwinismo social foi o
A partir desse paradigma etnocêntrico, todas as demais
economista britânico Herbert Spencer, responsável por reunir
sociedades seriam julgadas e hierarquizadas. a teoria biológica darwinista e a teoria econômica de Malthus
Os evolucionistas adotavam o método comparativo como para entender os mecanismos da sociedade com base em
procedimento de análise, porém os critérios estabelecidos critérios evolucionistas. Com isso, ele pretendia explicar as
partiam do pressuposto da superioridade da raça europeia, grandes diferenças técnicas e tecnológicas entre a sociedade
apresentando como evidência principal dessa superioridade europeia e os povos não europeus. Segundo Spencer,
o grau de desenvolvimento tecnológico alcançado pelos os povos africanos seriam biologicamente inferiores em relação
povos europeus. Para o evolucionismo social, todas as aos europeus e isso justificaria os seus atrasos tecnológicos.
culturas obedeceriam a uma linha evolutiva linear, universal Em outras palavras, os africanos seriam uma raça menos
e determinista, o que permitiria compará-las entre si e capacitada e menos adaptada às árduas exigências da vida em
classificá-las segundo uma mesma hierarquia. As diferenças sociedade. Nesse contexto, consolida-se o conceito de raça,
eram consideradas marcações temporais, que enquadrariam fundamentado em aspectos biológicos, que divide a espécie
a cultura em um determinado estágio de progresso em humana em subgrupos possuidores de características físicas,
relação ao estágio considerado superior. comportamentais e cognitivas específicas.
Isto posto, os evolucionistas sociais, assim como os Spencer faz uma interpretação própria da Teoria da Evolução
positivistas, forneceram argumentos para a “Missão de Darwin. Enquanto o naturalista britânico afirmava como lei da
Civilizadora”, sustentando a tese de que os povos superiores adaptação que “o mais apto sobrevive”, Spencer afirmava que
possuiriam a obrigação moral de auxiliar os povos inferiores “o mais forte sobrevive”, privilegiando as dinâmicas de poder.

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Positivismo e Revolução Industrial

Esse poder seria essencialmente tecnológico-militar, tendo Boa parte da criminologia – disciplina que se dedica a
como ápice e paradigma a “civilização europeia”. A mudança de diversas teorias do direito criminal e penal –, até meados
perspectiva proposta por Spencer está intimamente associada do século XX, ainda se baseava nesse pressuposto
ao Imperialismo e à necessidade de se encontrar justificativas determinista, no qual se buscava a verificação mediante
“científicas” para as ações de dominação europeias. pesquisas empíricas. Por exemplo: entre dois indivíduos
O raciocínio dos darwinistas sociais se ampara em um acusados de praticar um assassinato, o formato do crânio
determinismo biológico. Ou seja, as características daquele que possuísse as “características fisionômicas de
sociais, comportamentais e intelectuais dos indivíduos seriam um assassino” poderia ser decisivo para sua condenação.
estabelecidas pela estrutura genética do grupo biológico ao A eugenia foi proposta como “ciência” a partir dos
qual pertencem. Isto é, os brancos possuiriam aptidões estudos do francês Francis Galton (1822-1910), primo de
e virtudes quantitativa e qualitativamente diferentes dos Darwin, publicados em 1883. O termo grego eugenia pode
negros e de outras raças, virtudes essas que seriam inatas ser traduzido por “bom nascimento” ou “boa origem” e
e permitiriam estabelecer uma hierarquia entre as raças. foi utilizado por Galton para descrever uma nova ciência
Os brancos, por serem naturalmente mais inteligentes que buscava, a partir de uma seleção artificial, contribuir
para aprimorar a herança genética das raças humanas.

SOCIOLOGIA
e capazes, seriam senhores naturais das raças menos
evoluídas, logo, de todas as demais. Boa parte do discurso A eugenia visaria, portanto, acelerar o processo de seleção
imperialista do século XIX se fundamentava nessa noção natural, favorecendo as raças mais fortes e eliminando as
de superioridade natural. Os europeus estariam submetidos raças mais fracas. Em outras palavras, significava favorecer
ao “fardo do homem branco”, isto é, à obrigação moral de os aspectos genéticos identificados com o dominador branco e
“civilizar” os povos atrasados, ainda que esse processo de suprimir as características consideradas inferiores das demais
civilização implicasse o extermínio dos povos “primitivos”. raças, principalmente da raça negra.
Ao mesmo tempo, o discurso evolucionista seria utilizado para Até o início do século XX, a eugenia teve ampla aceitação
explicar as diferenças entre pobres e ricos na nova sociedade no mundo ocidental, tendo sido registradas várias associações
capitalista industrial. Transpondo o raciocínio biológico para eugenistas na Europa, nos EUA e inclusive no Brasil,
o sociológico, Spencer afirmava que as sociedades humanas que buscavam um “aprimoramento social” a partir do
funcionariam de modo similar à cadeia alimentar dos animais, aprimoramento genético. Porém, sua função social foi
vigorando naquela as mesmas leis gerais desta. Assim, severamente questionada quando passou a ser apropriada pelo
os indivíduos e as sociedades estariam submetidos à adaptação nazismo, concedendo sustentação “científica” para os campos
e à sobrevivência do mais forte. Então, em uma sociedade de concentração e para o holocausto. O argumento utilizado pela
competitiva como a capitalista, os ricos seriam os mais adaptados ciência nazista para eliminar judeus, negros, ciganos,
e, portanto, os mais fortes, enquanto os pobres seriam os menos homossexuais – e outros povos tidos como inferiores – era
adaptados e mais fracos. Seria natural, portanto, a dominação e justamente o de purificar a raça germânica-ariana, eliminando
a exploração do pobre pelo rico. Os darwinistas sociais buscavam as interferências que estes consideravam nocivas e distorcidas.
naturalizar o que era social, atribuindo a responsabilidade da
desigualdade social à natureza, com o intuito de mascarar os Críticas ao evolucionismo social
jogos das forças políticas e econômicas.
e ao racismo científico
Racismo científico A tentativa de transpor critérios físicos e biológicos para
O darwinismo social é parte do que ficou conhecido como a interpretação da sociedade produziu leituras da realidade
racismo científico, que consiste em um conjunto de teorias que levaram à disseminação de visões preconceituosas e à
marcadas pelo determinismo biológico e que propunham a legitimação de dominações políticas. O evolucionismo social,
raça como fator determinante para estabelecer diferenças e incluindo as teorias do racismo científico, foi o braço teórico
hierarquias entre os grupos humanos. Além do darwisnimo do imperialismo europeu, justificando as ações da Inglaterra,
social, outras teorias similares tiveram grande repercussão no França, Bélgica e Itália por meio da tese da superioridade racial
mundo ocidental, como a frenologia, a craniometria e a eugenia. europeia. Além disso, essas teorias buscavam apresentar
A frenologia e a craniometria são especializações do justificações para as desigualdades econômicas, acentuadas
darwinismo social que utilizavam como método de investigação durante a Revolução Industrial, tratando fenômenos
social a análise de crânios humanos. Postulando o determinismo sociais e historicamente produzidos como se fossem
biológico-racial, teóricos como Robert Knox (1792-1862) e biológicos, necessários e condicionados por forças naturais.
Cesare Lombroso (1835-1909) defendiam um vínculo direto O ápice da crítica a essas filosofias sociais ocorreu após a
e imediato entre características fisiológicas do crânio de Segunda Guerra Mundial, momento em que as consequências
cada raça e as particularidades comportamentais, morais das doutrinas racistas atingiram seu apogeu com o nazismo.
e intelectuais dos indivíduos. O livro mais conhecido de Em razão de seus erros teóricos, metodológicos e seu
Robert Knox, publicado em 1850, resumia: Race is comprometimento ideológico, as doutrinas supramencionadas
Everything (Raça é tudo). Em outras palavras, para foram duramente criticadas e superadas do ponto de vista
frenólogos e craniometristas, seria possível “ler” por meio científico. Mas veremos em capítulos posteriores que sua
das medidas cranianas (tamanho, volume, proporção, influência ainda permanece bastante visível, especialmente
distâncias entre cavidades, formato, entre outras medidas) na questão racial, em que se percebe discursos de cunho
as características sociais próprias de cada raça, deduzindo, darwinista social, possuindo espaços no senso comum e na
assim, o comportamento individual a partir dos traços raciais. própria política.

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Frente A módulo 01

Positivismo Por isso, algumas das características do positivismo são


o “cientificismo” ou “culto à ciência” e a grande valorização
O positivismo pode ser considerado um conjunto de teorias da tecnologia. Esta última é considerada o braço material da
políticas, científicas e sociais que foi fortemente influenciado ciência e permite realizar as ações necessárias para que o
pelo otimismo em relação à razão e à ciência, sentimento conhecimento se torne efetivo. Para Comte, a industrialização
que se difundia no século XIX em torno da industrialização era vista como a forma superior de elaboração do trabalho e
e do imperialismo europeu. Inaugurado pelo francês Henri cumpriria finalidades que extrapolavam o domínio da economia.
Saint-Simon (1760-1825), o positivismo estabelece uma Ou seja, pela tecnologia e pela industrialização, a humanidade
relação ambígua com o Iluminismo: ao mesmo tempo que poderia satisfazer as suas necessidades crescentes, superar
compartilhava a crença no poder da razão e no progresso as desigualdades, acabar com a pobreza e reduzir o esforço
da humanidade, discordava da visão política iluminista, que do trabalho. Dessa forma, o progresso industrial traria,
criticava as instituições sociais e a legitimidade do Estado necessariamente, progresso social. Conforme afirma o lema
por considerá-las uma ameaça à liberdade. Simon chamou positivista: “saber para prever, prever para agir”.
o Iluminismo de “filosofia negativa” e se opôs a ele criando
MAYOR, Federico. Ciência e poder.
o positivismo. São Paulo: Unesco / Papirus. 1998, p. 55.
No entanto, foi somente com o filósofo francês Auguste
Comte (1798-1857) que o positivismo atingiu seu auge. Comte Inspirando-se na Física e na Matemática, dos séculos XVII
formalizou as crenças positivistas e garantiu visibilidade à e XVIII, o positivismo comteano partia do pressuposto de que
doutrina, tornando-a conhecida ao redor do mundo. Seu livro a estrutura social obedecia a “leis naturais” similares às que
Curso de Filosofia Positiva, lançado em 1848, tornou-se uma regem a natureza das coisas. A principal função das ciências
espécie de “livro sagrado” do positivismo. seria a de descobrir essas leis, ou seja, as relações de causa
Nele, Comte defende as linhas mestras de sua doutrina, e efeito universais e imutáveis que estariam por trás de todos
que giram em torno do desenvolvimento do “espírito os fenômenos. Caberia à Física Social a incumbência de

positivo”, não se resumindo à mera cientificidade objetiva, desvendar as “leis naturais” que regem a vida em sociedade,

mas englobando também aspectos subjetivos. da mesma forma como a Física descobria as leis da mecânica.
O conhecimento dessas “leis sociais” permitiria aos seres
E é também atribuída a Comte a criação do termo
humanos aprimorar a ordem natural.
“sociologia”, proposto no livro supra-citado, para
descrever uma ciência específica cujo objeto Dentre as leis naturais que regem a sociedade, é importante
seria a sociedade. destacar a lei do progresso. Essa lei corresponderia ao
Em sua acepção, o positivismo defende que desenvolvimento linear, necessário e universal das sociedades,
o único conhecimento verdadeiro é o resultante partindo de estágios mais simples para estágios mais
da ciência experimental. Desse modo, complexos. Por ser universal e necessário, todas as sociedades
qualquer outra forma de conhecimento – humanas estariam submetidas a ele. Paralelamente, por ser
da fé religiosa à filosofia – é descon- linear, todas as sociedades humanas evoluiriam seguindo as
siderada em nome do conheci- mesmas etapas. O modelo de evolução seria, obviamente,
mento positivo. Tudo o que não o padrão civilizacional europeu, obedecendo à sua história
Maíra Damásio

puder ser provado pela ciência será social. Desse modo, todas as demais sociedades humanas
caracterizado como pertencente seriam avaliadas a partir do parâmetro das nações conside-
aos domínios teológico e metafísico e, radas mais civilizadas, isto é, com maior desenvolvimento
assim, não se constituirá como ciência. tecnocientífico: Inglaterra e França.
Auguste Comte.

▪ Busca por leis universais que regem todos os fenômenos;


▪ Os fatos são a base da elaboração das leis;

▪ Objetividade e neutralidade;

▪ Rejeição às explicações metafísicas e religiosas;

▪ O método científico (observação e experimento) é o instrumento para alcançar


o conhecimento.

Princípios positivistas na obra de Comte.

8 Coleção Filosofia / Sociologia

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Positivismo e Revolução Industrial

A lei dos três estados


Segundo Comte, a humanidade se desenvolveria em três estágios sucessivos que corresponderiam ao nível de progresso do espírito.

1. Estado teológico: as explicações sobre a realidade


envolvem seres ou forças sobrenaturais (como os

Rubens Lima
deuses). Procura pelo “porquê” das coisas, busca da
essência, do absoluto. O mito e a religião dominam
esse estado.

2. Estado metafísico: inicia-se um caminho mais racional


de explicação, porém ainda sem o rigor da ciência.
Mantêm-se a busca abstrata pelo absoluto e pela

socIologIA
essência da realidade. A Filosofia assume o lugar da
religião, mas mantém a abstração.

3. Estado positivo: etapa final e definitiva, não se busca


mais o “porquê” das coisas, mas sim o “como”, por
meio da descoberta e do estudo das leis naturais e
das relações de causa e efeito. O estudo do particular
substitui a busca abstrata pela essência. A ciência toma
o lugar da religião e da Filosofia. Os 3 estados.

Positivismo no brasil
[...] O projeto sociopolítico de Comte pressupunha uma evolução ordeira da sociedade, incompatível com revoluções e mudanças
bruscas. Curiosamente, no Brasil os ideais positivistas serviram para alavancar uma troca de regime, com a Proclamação da República.
O aparente paradoxo se explica, em parte, pelo fato de a influência positivista ter resultado em pensamentos muito diversos no
Brasil, conforme se combinou com outras correntes ideológicas. Nenhum setor teve maior presença da ideologia comtiana do que as
Forças Armadas, de onde saiu o vitorioso movimento republicano e a ideia de adotar o lema “ordem e progresso”. Várias das medidas
governamentais dos primeiros anos da República tiveram inspiração positivista, como a reforma educativa de 1891 e, no mesmo ano,
a separação oficial entre Igreja e Estado. O positivismo ficou de tal forma conhecido no Brasil que o prenome de Comte foi aportuguesado
para Augusto, e a corrente filosófica tornou-se tema de um samba de Noel Rosa e Orestes Barbosa. A canção, intitulada “Positivismo”
e lançada em 1933, termina com os versos: “O amor vem por princípio, a ordem por base / O progresso é que deve vir por fim /
Desprezaste esta lei de Augusto Comte / E foste ser feliz longe de mim”. [...]

Disponível em: <https://novaescola.org.br/conteudo/186/auguste-comte-


pensador-frances-pai-positivismo>. Acesso em: 13 set. 2018.

hIgIenIsmo socIAl e eugenIA


[...] Do ponto de vista social, a burguesia se inspirará na Biologia e nas teorias incertas sobre a hereditariedade para consolidar o poder
econômico recém-conquistado, reabilitando o direito de sangue, não mais em seu aspecto religioso como a nobreza pregava até então, mas
do ponto de vista biológico e científico. Os burgueses tornaram-se os mais capazes, os mais fortes, os mais inteligentes e os mais ricos.
Será pela meritocracia que o mérito natural substituirá o sangue azul. A superioridade hereditária burguesa fará contraponto também com a
inferioridade operária e formará uma hierarquia social em que a aristocracia perderá sua primazia. O triunfo burguês afasta a nobreza e os
pobres com o respaldo da ciência. A partir de então, além da raça, etnia e cultura se tornarão sinais da natureza que indicarão superioridade
ou não, e tais sinais justificarão a dominação de um grupo sobre o outro.

[...] Diante desse quadro social e político de crise, higienistas e eugenistas entram em ação para pensar o social e “testar” suas teorias.
Higienistas pregam a higiene moral da sociedade. Não somente a saúde, mas também a conduta passa a ser objeto de estudo da higiene.
Nessa perspectiva, a doença torna-se um problema econômico e requererá o isolamento e a exclusão dos menos adaptados.

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Frente A Módulo 01

[...] As políticas de reformas urbanas e de educação moral higiênica não agradavam de modo algum a Francis Galton, o pai da eugenia, pois
iam contra a lei da seleção natural. Melhorar as condições de vida dos grupos de degenerados era o mesmo que incentivar a degeneração da
“raça inglesa”. Londres tornou-se um mau exemplo de vida social e disciplina. Ali morava todo o resíduo social, a escória, a multidão fora da
norma. Uma ameaça ao desenvolvimento econômico e humano.
Mesmo com o surgimento das workhouses [casas de trabalho], instituição estatal que empregava “desocupados” provisoriamente até
a reintrodução ao mundo do trabalho, o assistencialismo ainda era muito mal visto. Até mesmo casas de caridade eram desqualificadas e
consideradas uma muleta para aqueles “vagabundos” vistos como um “fardo social”. A partir desse ponto de vista sobre a multidão que
estava fora da vida regulada pelo trabalho foram elaboradas soluções mais radicais para o problema inglês: eliminar todos aqueles que
contribuíam para a degeneração física e moral, impedindo-os de procriar ou de se perpetuar na sociedade. O medo crescente da multidão
amotinada reclamando direitos e melhores condições de vida era uma ameaça à burguesia. Muitas das conquistas trabalhistas vieram
dessas reivindicações. Nesse contexto surgiu o Welfare State, [estado de bem-estar social], a partir de pressões resultantes do crescimento
capitalista que forçaram o Estado a se transformar estruturalmente para apoiar de maneira socioeconômica as demandas da população.
Visava essencialmente criar organismos e serviços estatais de amparo aos indivíduos do corpus social.
Para os eugenistas, o Welfare State era antinatural, e permitir que o menos apto viva, através do assistencialismo, era considerado parasitismo.
Nesse sentido, combater esse tipo de parasitismo era contribuir para o progresso da sociedade, já que, com a eliminação do fardo social que
sobrecarrega o Estado, o progresso da civilização estaria garantido. Isso quer dizer que o grande impedimento para o sucesso da eugenia dependia
de poupar os nascimentos daqueles que invariavelmente viveriam sob a tutela do Estado, além de estimular os casamentos e a procriação
daqueles que elevariam o conjunto da raça inglesa.
DIWAN, Pietra. Raça Pura: uma história da eugenia no Brasil e no mundo.
São Paulo: Contexto, 2007. p. 32-37.

Catecismo Positivista
Sem deter-vos especialmente em cada fase enciclopédica, como na nova educação ocidental, limito-me a pedir-vos que aprecieis em separado
as duas partes desiguais que compõem historicamente o conjunto da filosofia positiva. Esta divisão espontânea consiste em decompor a ordem
universal em ordem exterior e ordem humana. A primeira, a que correspondem a cosmologia e a biologia, constituiu, sob o nome de filosofia
natural, que se tornou vulgar na Inglaterra, o único domínio científico da Antiguidade, que não pode mesmo senão esboçá-lo sob o aspecto estático.
Além de o verdadeiro espírito teórico não comportar, então, um surto mais completo, o regime social devia repelir uma extensão prematura, que
por muito tempo só podia dar como resultado comprometer a ordem inicial sem assistir realmente o progresso final. Somente o gênio excepcional
de Aristóteles, depois de ter sistematizado, tanto quanto possível, a filosofia natural, preparou a sã filosofia moral, esboçando suficientemente as
duas partes essenciais da estática humana, primeiro coletiva e depois individual. Por isso também ele só foi verdadeiramente apreciado na Idade
Média, quando a separação provisória dos dois poderes suscitou o surto direto de nossas principais especulações. Mas este precioso impulso
social não podia dispensar o verdadeiro espírito filosófico do longo preâmbulo científico que ainda o separava de seu melhor domínio. Eis por que
esta divisão provisória se prolongou até nossos dias. Ela deve, assim, presidir à última transição da razão ocidental, dirigida pelo positivismo.

COMTE, Auguste. Catecismo Positivista. (Coleção os Pensadores).


São Paulo: Abril Cultural, 1978. p. 221. [Fragmento]

Exercícios Propostos
01. (Upe) Sobre a Revolução Industrial, é correto afirmar que ela compreendeu
a) o abandono da mecanização da indústria e da agricultura.
b) um processo de aceleração no desenvolvimento dos transportes e das comunicações.
c) a eliminação das desigualdades sociais.
d) o fim da aplicação da força motriz à indústria.
e) uma diminuição do controle capitalista no sistema econômico.

02. (UFU-MG) Na história do surgimento da Sociologia, a primeira corrente teórica consolidada foi o positivismo. Assinale a alternativa
DPN3 incorreta sobre essa corrente de pensamento.
A) O positivismo tinha uma perspectiva bastante otimista quanto ao desenvolvimento das sociedades humanas e colocava como
fundamentos da dinâmica social, das mudanças para estágios superiores, a busca da ordem e do progresso.
B) No positivismo, reconhecia-se que os princípios reguladores do mundo físico e da sociedade humana eram diferentes em essência,
mas a crença na origem natural de ambos os aproximava e, por isso, deviam ser estudados sob o mesmo método.
C) O positivismo concebia a sociedade como um organismo constituído de partes integradas e harmônicas, segundo um modelo
físico e organicista, que levou o próprio Auguste Comte a chamar a Sociologia de “Física Social”, inicialmente.
D) No positivismo, os conflitos e a luta de classes observados na sociedade humana eram inerentes à vida social, tal como na
desordem da cadeia alimentar de outros animais, pois todos os seres vivos estavam submetidos às mesmas leis da natureza.

10 Coleção Filosofia / Sociologia

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Positivismo e Revolução Industrial

03. (Unicentro-PR) Considerando-se as grandes mudanças Com base nele, o surgimento da Sociologia foi motivado pelas
que ocorreram na história da humanidade, aquelas transformações das relações sociais ocorridas na sociedade
que aconteceram no século XVIII – e que se estenderam europeia, nos séculos XVIII e XIX, contribuindo para
no século XIX – só foram superadas pelas grandes A) o aumento da desorganização social estabelecida pela
transformações do final do século XX. As mudanças provo-
Revolução Industrial.
cadas pela revolução científico-tecnológica, que denominamos
Revolução Industrial, marcaram profundamente a organização B) a organização de vários movimentos sociais
social, alterando-a por completo, criando novas formas de controlados por pensadores como Saint-Simon e
organização e causando modificações culturais duradouras, Comte.
que perduram até os dias atuais. C) a elaboração de um conceito de sociologia incluindo
DIAS, Reinaldo. Introdução à Sociologia. os fenômenos mentais como tema de reflexão e
São Paulo: Persons Prentice Hall, 2004. investigação.
D) a criação da corrente positivista, que propôs uma
Sobre o surgimento da Sociologia e as mudanças ocorridas
transformação da sociedade com base na reforma

SOCIOLOGIA
na modernidade, é correto afirmar:
A) A intensificação da economia agrária em larga escala intelectual plena do ser humano.
nas metrópoles gerou o êxodo para o campo. E) o surgimento de uma “física social” preocupada com a
B) O aparecimento das fábricas e o seu desenvolvimento construção de uma teoria social, separada das ideias
levou ao crescimento das cidades rurais. de ordem e desenvolvimento como chave para o
C) O aumento do trabalho humano nas fábricas ocasionou conhecimento da realidade.
a diminuição da divisão do trabalho.
D) A agricultura familiar desse período foi o objeto de estudo 06. (UEG-GO) A sociologia nasce no séc. XIX após as revoluções
SPTK
que fez surgir as ciências sociais. burguesas sob o signo do positivismo elaborado por Auguste
E) A antiga forma de ver o mundo não podia mais solucionar Comte. As características do pensamento comtiano são:
os novos problemas sociais. A) a sociedade é regida por leis sociais tal como a natureza
é regida por leis naturais; as ciências humanas devem
04. (UFU-MG) De um ponto de vista histórico, a Sociologia utilizar os mesmos métodos das ciências naturais e a
DAU4
como disciplina científica surgiu ao longo do século XIX, ciência deve ser neutra.
como uma resposta acadêmica para os novos desafios
B) a sociedade humana atravessa três estágios sucessivos
da modernidade. Além das concepções advindas da
de evolução: o metafísico, o empírico e o teológico,
Revolução Francesa e dos fortes impactos gerados pela
no qual predomina a religião positivista.
Revolução Industrial na estrutura da sociedade, muitos
outros processos também contribuíram para essa nova C) a sociologia como ciência da sociedade, ao contrário das
configuração da sociedade. ciências naturais, não pode ser neutra porque tanto o
Em seu desenvolvimento ao longo do século XIX, a Sociologia sujeito quanto o objeto são sociais e estão envolvidos
esperava entender reciprocamente.
A) os grupos sociais e as causas da desintegração social D) o processo de evolução social ocorre por meio da unidade
vigente. entre ordem e progresso, o que necessariamente levaria
B) como a Revolução Industrial encerrou a transição a uma sociedade comunista.
entre feudalismo e capitalismo, sem prejuízo da classe
trabalhadora, pois foi beneficiada por esse processo. 07. (UFU-MG) A respeito do contexto histórico de emergência
C) a subjetividade dos indivíduos nas pesquisas sociológicas, da Sociologia, marque a alternativa correta.
como uma disciplina científica com metodologia própria. A) A crescente legitimidade científica do saber sociológico,
D) a Revolução Francesa como um marco revolucionário produzido por autores como Auguste Comte e Émile
que modificou o pensamento, apesar de manter as Durkheim, deveu-se à sua forte crítica ao Iluminismo.
tradições aristocratas.
B) A Sociologia consolidou-se, disciplinarmente, em
resposta aos novos problemas e desafios desencadeados
05. (UPE–2015) Leia o texto a seguir:
por transformações sociais, políticas, econômicas e
Enquanto resposta intelectual à “crise social” de
culturais, cujos marcos históricos principais foram a
seu tempo, os primeiros sociólogos irão revalorizar
Revolução Industrial e a Revolução Francesa.
determinadas instituições que, segundo eles,
C) Um dos principais legados do Iluminismo foi a
desempenham papéis fundamentais na integração
e na coesão da vida social. A jovem ciência assumia crítica severa às concepções científicas da realidade
como tarefa intelectual repensar o problema da ordem social, combinada com a reafirmação de princípios e
social, enfatizando a importância de instituições como a interpretações de cunho religioso.
autoridade, a família, a hierarquia social e destacando a D) Herdeira direta das transformações sociais desencadeadas
sua importância teórica para o estudo da sociedade. pela Revolução Industrial e pela Revolução Francesa, a
MARTINS, Carlos Benedito. O que é Sociologia. São Paulo: Sociologia ignorou os métodos racionais de investigação
Brasiliense, 2006. p. 30. em favor do conhecimento produzido pelo senso comum.

Bernoulli Sistema de Ensino 11

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Frente A módulo 01

08. (UEL-PR–2016) A ordem e o progresso constituem partes C) Contribuir para a solução dos problemas sociais
fundamentais da Sociologia de Auguste Comte. Com base decorrentes da Revolução Industrial, tendo em vista
nas ideias comteanas, assinale a alternativa correta. a necessária estabilização da ordem burguesa.
A) A ordem social total se estabelece de acordo com as D) Tornar realidade o chamado “socialismo utópico”, visto
leis da natureza, e as possíveis deficiências existentes como única alternativa para a superação das lutas de
podem ser retificadas mediante a intervenção racional classe em que a sociedade capitalista estava mergulhada.
dos seres humanos.
B) A liberdade de opinião e a diferença entre os indivíduos seção enem
são fundamentos da solidariedade na formação da
estática social; essa diversidade produz vantagens para
01. (Enem–2017) Parecia coisa de encanto. A gente deixava
de ir uns poucos meses num lugar e quando aparecia lá
a evolução, em comparação com a homogeneidade.
ficava de boca aberta vendo tudo mudado: casas novas,
C) O desenvolvimento das forças produtivas é a base
negócios sortidos como os da Corte, igreja, circo de
para o progresso e segue uma linha reta, sem
cavalinhos, botica, e o mato, o que é dele? Trem de ferro
oscilações e, portanto, a interferência humana é
ia comendo tudo, tal e qual como na terra brava depois
incapaz de alterar sua direção ou velocidade.
do roçado quando a plantação brota.
D) O progresso da sociedade, em conformidade com
COELHO NETTO. Banzo. Porto: Lello e Irmão, 1912.
as leis naturais, é resultado da competição entre os
indivíduos, com base no princípio de justiça de que O relato do texto ressalta o uso da técnica como um
os mais aptos recebem as maiores recompensas. instrumento para
E) O progresso da sociedade é a lei natural da dinâmica A) simplificar o trabalho humano.
social e, considerado em sua fase intelectual, é
B) registrar os hábitos cotidianos.
expresso pela evolução de três estados básicos e
sucessivos: o doméstico, o coletivo e o universal. C) aumentar a produtividade fabril.
D) fortalecer as culturas tradicionais.
09. (UEL-PR) A Sociologia é uma ciência moderna que surge e se
E) transformar os elementos paisagísticos.
desenvolve juntamente com o avanço do capitalismo. Nesse
sentido, reflete suas principais transformações e procura 02. (Enem–2016) A eugenia, tal como originalmente concebida,
desvendar os dilemas sociais por ele produzidos. Sobre a era a aplicação de “boas práticas de melhoramento” ao apri-
emergência da Sociologia, considere as afirmativas a seguir: moramento da raça humana. Francis Galton foi o primeiro
I. A Sociologia tem como principal referência a explicação a sugerir com destaque o valor da reprodução humana
teológica sobre os problemas sociais decorrentes da controlada, considerando-a produtora do aperfeiçoamento
industrialização, tais como a pobreza, a desigualdade da espécie.
social e a concentração populacional nos centros urbanos. ROSE, M. O espectro de Darwin.
II. A Sociologia é produto da Revolução Industrial, sendo Rio de Janeiro: Zahar, 2000 (Adaptação).
chamada de “ciência da crise”, por refletir sobre a
Um resultado da aplicação dessa teoria, disseminada a
transformação de formas tradicionais de existência
social e as mudanças decorrentes da urbanização e da partir da segunda metade do século XIX, foi o(a)
industrialização. A) aprovação de medidas de inclusão social.
III. A emergência da Sociologia só pode ser compreendida se B) adoção de crianças com diferentes características
for observada sua correspondência com o cientificismo físicas.
europeu e com a crença no poder da razão e da observação,
C) estabelecimento de legislação que combatia as
enquanto recursos de produção do conhecimento.
divisões sociais.
IV. A Sociologia surge como uma tentativa de romper com
as técnicas e métodos das ciências naturais, na análise D) prisão e esterilização de pessoas com características
dos problemas sociais decorrentes das reminiscências consideradas inferiores.
do modo de produção feudal. E) desenvolvimento de próteses que possibilitavam a
Estão corretas apenas as afirmativas: reabilitação de pessoas deficientes.
A) I e III C) II e IV E) I, III e IV
B) II e III D) I, II e IV
gAbARIto meu aproveitamento
10. (UFU-MG) Surgida no momento de consolidação da
sociedade capitalista, a Sociologia tinha uma importante
tarefa a cumprir na visão de seus fundadores, dentre os
Propostos Acertei ______ errei ______
01. B 05. D 09. B
quais se destaca Auguste Comte. Assinale a alternativa
02. D 06. A 10. C
correta quanto a essa tarefa:
03. E 07. B
A) Desenvolver o puro espírito científico e investigativo,
04. A 08. A
sem maiores preocupações de natureza prática,
deixando a solução dos problemas sociais por conta
dos homens de ação.
seção enem Acertei ______ errei ______
B) Incentivar o espírito crítico na sociedade e, dessa forma, 01. E 02. D
colaborar para transformar radicalmente a ordem
capitalista, responsável pela exploração dos trabalhadores. total dos meus acertos: _____ de _____ . ______ %

12 Coleção Filosofia / Sociologia

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Frente Módulo

SOCIOLOGIA A 02
Durkheim e Weber
Neste capítulo iremos conhecer as contribuições de dois importantes pensadores para a Sociologia. São eles: Émile Durkheim
e Max Weber. Conforme você pôde estudar no primeiro capítulo, a Revolução Industrial foi um fenômeno que desencadeou toda
a reflexão sociológica, uma vez que causou a ruptura da forma como se organizava a sociedade feudal e contribuiu para
formar as sociedades modernas e capitalistas. Ambos compreenderam o processo de transformação da sociedade feudal
para as sociedades modernas de maneira particular, inaugurando vertentes distintas para a análise sociológica que ainda
são muito influentes nas teorias que buscam entender cientificamente a vida em sociedade.

A Sociologia FUNCIONALISTA de Émile Durkheim (1858-1917)


Émile Durkheim é considerado por muitos como sendo o “fundador da sociologia moderna” ou o “pai da sociologia”.
Apesar de a disciplina ter sido criada algumas décadas antes, foi esse intelectual francês o principal responsável pela sua
institucionalização como ciência e como disciplina acadêmica na Universidade de Bourdeaux, em 1887, tendo sido o primeiro
professor a lecionar Sociologia formalmente na história das ciências humanas. Preocupado com a aceitação da Sociologia
como ciência, Durkheim se inspirou nos paradigmas positivistas, que eram amplamente aceitos no cenário científico da
época, e dedicou boa parte de seus estudos à criação de princípios e métodos de investigação que assegurassem rigor e
confiabilidade à pesquisa social, o que foi materializado na sua obra de referência As regras do método sociológico, de 1895.

Consciência coletiva e coesão social


Dentre os principais pensadores da Sociologia, Durkheim é aquele que apresenta maior influência da corrente positivista em
sua obra. Assim como Comte, Durkheim também entendia que a sociedade se assemelhava a uma grande máquina (metáfora
Mecanicista, extraída da Física) ou um organismo vivo (metáfora Organicista, extraída da Biologia). Para esse pensador,
o fator que fazia com que os indivíduos se mantivessem unidos em sociedade, era justamente um conjunto de leis naturais,
crenças e sentimentos comuns a todos os seus membros.

Esse conjunto de crenças seria como um grupo de regras, normas, padrões de conduta e
sentimentos que não estão presentes na consciência individual, mas sim dispersos na própria
sociedade. Logo, eles se tornam presentes na vida dos indivíduos mediante as instituições
sociais, que são encarregadas de fazer com que os indivíduos internalizem tais regras, a fim
de que seja possível a vida em sociedade. Um claro exemplo de uma instituição social é a
família, que, por ser o primeiro grupo no qual socializamos, é muito importante para a nossa
compreensão das formas de convivência e comunicação na sociedade na qual nos inserimos.

Instituição social
Uma das noções mais importantes da Sociologia de Durkheim é a de instituição social.
As instituições sociais correspondem a conjuntos de regras, comportamentos e valores
que são parte da consciência coletiva e tornam-se referência para os comportamentos dos
indivíduos, normatizando a vida social. A família, o Estado e a religião são os exemplos mais
usuais de instituições sociais, mas não os únicos. Cada sociedade pode ter uma grande
Émile Durkheim.
variedade de instituições, e elas podem variar ao longo do tempo. Porém, as mudanças
tendem a ser mais lentas porque as instituições funcionam como pilares de sustentação
da vida social, ancorando-se em tradições e costumes arraigados.
Maíra Damásio

Bernoulli Sistema de Ensino 13

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Frente A Módulo 02

Fica evidente na obra de Durkheim que ele considera a Podemos afirmar que a Sociologia, para Durkheim – assim
existência de uma predominância da coletividade sobre a como para Comte –, é uma ciência comprometida com as
individualidade. Em outras palavras, o indivíduo seria pouco transformações práticas. A busca por explicações objetivas
mais do que um “produto do meio”, sendo determinado ao longo
e científicas para os fatos sociais é um passo necessário
da sua vida e de seu processo de socialização ligado aos padrões
para o aprimoramento da vida social, cujo aspecto central
considerados “normais” pelo grupo social ao qual pertence.
se assenta na noção de coesão social.
É nesse espírito que Durkheim concebe o conceito de
consciência coletiva. Embora todo indivíduo possua uma Sua Sociologia receberá o nome de Funcionalista
consciência individual, ele é fortemente influenciado e (Positivismo Funcionalista) justamente porque busca explicar
determinado pelas formas padronizadas de comportamento o todo em razão de suas partes, identificando as funções
do grupo social, que corresponde à consciência coletiva. específicas que são cumpridas por cada parte da sociedade
Pode-se afirmar, com Durkheim, que a consciência coletiva
em benefício da coesão social. Seu método de análise,
determina a consciência individual.
de cunho cartesiano, procurava isolar a parte do todo,
Em outras palavras, a consciência coletiva, para Durkheim,
analisá-la minuciosa e metodicamente e, depois, reintegrá-la
é um sistema, cuja existência se manifesta fora das consciências
individuais, isto é, fora dos indivíduos, mas que os controla ao todo para enxergar sua função.
por meio da pressão moral e psicológica, ditando, assim,
as maneiras de comportamento esperadas pela sociedade.
Assim, segundo o raciocínio de Durkheim, as consciências
O objeto de estudo da Sociologia:
individuais poderiam ser reduzidas, em última instância, Os fatos sociais
à consciência coletiva. A consciência coletiva exercerá maior
ou menor influência sobre o indivíduo, de acordo com o O método positivista imperou nas ciências naturais durante
tipo de sociedade no qual ele se insere. Quanto maior a
todo o século XIX e foi o paradigma científico norteador do
influência da consciência coletiva, maior a coesão social.
surgimento da Sociologia.
Em sociedades que apresentam maior desenvolvimento da
divisão social do trabalho, a consciência comum se torna Durkheim entendia que, em rigor, a Sociologia deveria
mais reduzida, abrindo mais espaço para o desenvolvimento se ocupar do estudo dos fatos sociais, que elucidaremos
das personalidades individuais. mais adiante. Isso significa que a sociologia deve se
Mesmo com a maior possibilidade de haver uma indivi- concentrar na busca pelos mecanismos, pela origem e
dualização, a coesão não sofre grandes abalos, pois a
pelo funcionamento das instituições sociais, das crenças,
interdependência passa a ser calcada na diferenciação entre
valores e comportamentos que mantêm os indivíduos
os indivíduos. Por esse motivo, as sociedades industriais
precisariam criar uma nova ordem moral, para que a coesão vivendo em sociedade. Na realidade, as instituições sociais
social possa ser possível em um contexto em que há maior exercem grande influência sobre os indivíduos. Logo, para
diferenciação entre os indivíduos, ao contrário do que ocorria Durkheim, o fato de os indivíduos se manterem vivendo em
nas sociedades pré-industriais, que apresentavam menor grupos está mais relacionado a essa força externa do que
diferenciação individual.
propriamente à vontade individual dos sujeitos. Contudo,
de qual maneira seria possível para a Sociologia compreender,
de modo satisfatório, a forma como se procede a ação dessa
força externa sobre os indivíduos? O conceito de fato social
pode nos ajudar a compreender essa questão.
Em sua obra As regras do método sociológico, publicada
primeiramente em 1895, Durkheim procura estabelecer
as fronteiras entre a Sociologia e as demais ciências,
especialmente as ciências naturais. A confecção da pesquisa
social teria como modelo o método científico desenvolvido nas
Rubens Lima

ciências experimentais, guardando, contudo, as especificidades


próprias dos fenômenos sociais.
O grande mérito desse pensador está em dar autonomia,
rigor e objetividade para a pesquisa social, separando-a
das demais ciências e conferindo maior respeitabilidade
dentro do cenário científico do século XX. Durkheim entendia
que a sociedade era um fenômeno que se estabelecia a
partir de leis gerais e permanentes. A sociedade seria uma
Os conceitos de consciência individual e consciência coletiva síntese de partes interdependentes que, ao executarem
propostos por Durkheim. suas funções, contribuiriam para o funcionamento do todo,

14 Coleção Filosofia / Sociologia

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Durkheim e Weber

tal qual um organismo vivo. Porém, para Durkheim, as partes • Exterioridade: os fatos sociais existem independen-
só fazem sentido em função do todo, em nome do papel que temente da vontade do indivíduo. Desde quando nasce,
este é exposto a regras, valores, comportamentos
desempenham para a coesão social. Por isso, o “todo” é mais
que existiam antes dele e aos quais ele será coagido
importante do que as partes consideradas separadamente.
a se adequar. O indivíduo não cria seu comportamento
Para ele, era também importante estabelecer qual seria a nem adere a ele de forma espontânea e intencional.
postura ideal do sociólogo. Primeiramente, o cientista social Ele simplesmente assimila e reproduz o que é praticado
deveria se afastar de quaisquer prenoções, ou seja, afastar-se pelos outros ao seu redor.
das noções de senso comum que já são conhecidas pelo • Generalidade: os fatos sociais não se resumem a alguns
pesquisador ao investigar um fenômeno social. Dessa maneira, eventos isolados nem a algumas pessoas específicas.
o pesquisador deve ter uma relação de exterioridade com o seu Uma das características mais marcantes é justamente
objeto. Assim, na perspectiva de Durkheim, é fundamental para o fato de eles envolverem uma grande coletividade e se
a pesquisa científica a posição de objetividade e neutralidade repetirem ao longo do tempo. Os fatos mais comuns e
do sociólogo, para que suas ideias e opiniões não interfiram na assíduos revelam-se os mais relevantes para o estudo,
uma vez que definem as práticas e os comportamentos

SOCIOLOGIA
análise do social.
do conjunto da sociedade.
De acordo com Durkheim, o objeto da Sociologia não
é a sociedade, mas os fatos sociais. A “sociedade” é um É fato social toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de
conceito amplo e vago, não passível de recorte e captura pela exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou ainda, toda
experiência empírica. maneira de fazer que é geral na extensão de uma sociedade
Durkheim também considerava, de certa maneira, uma dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência própria,
tarefa árdua os estudos dos fatos sociais. Para o autor, independentemente de suas manifestações individuais.
os fatos sociais seriam invisíveis e intangíveis, ou seja, DURKHEIM, E. As regras do método sociológico.
não poderiam ser observados diretamente. Contudo, suas São Paulo: Martins Fontes. 2007, p. 13. [Fragmento]
propriedades podem ser analisadas indiretamente, isto é,
por intermédio dos seus efeitos e tentativas de expressão, Dessa forma, fica bem claro que os fatos sociais podem ser
como textos religiosos, leis ou regras e códigos de conduta mais cristalizados em determinada sociedade, por exemplo,
socialmente prescritos. as leis e regras jurídicas; ou mais flexíveis, como determinadas
Além disso, o sociólogo deve tratar os fatos sociais como correntes de opinião que podem existir em uma sociedade em
coisas. nos moldes de Durkheim, a explicação para isso é certo momento. A principal característica do fato social é ser
que, reduzido a uma coisa, o fato social pode ser apreendido exterior à consciência individual e, portanto, não depender
e compreendido pelo sociólogo. Ou ainda, Durkheim, ao da vontade dela para existir.
tratar os fatos sociais como coisas, queria alegar que a vida Os fatos sociais que são regulares em uma determinada
social pode ser estudada de forma tão sistemática quanto sociedade podem ser considerados “normais”, enquanto
os fenômenos e objetos analisados pelas ciências naturais. os fatos sociais atípicos, ou que fogem à regularidade, são
Os fatos sociais não podem ser confundidos com fatos considerados “patológicos”. Essa distinção não é valorativa,
psicológicos ou orgânicos porque, ao contrário destes, mas analítica: os fatos sociais podem ser normais, mesmo
são construções sociais, adquiridas pelo indivíduo ao que sejam considerados ruins do ponto de vista moral.
longo do processo de socialização. Assim, a ciência que Por exemplo, uma certa taxa de crimes em uma cidade é
deve se preocupar com os fenômenos da esfera social é, normal, porque é regular dentro de um determinado período
especificamente, a Sociologia. Como já vimos, Durkheim em certas condições. Porém, sua variação brusca pode indicar
entende que a Sociologia deve se preocupar em compreender um quadro patológico e exigir medidas políticas e sociais
os elementos que permitem ao homem viver em sociedade, específicas. Aliás, o uso da expressão “patológico” denuncia
sendo essa a prerrogativa dos fatos sociais. a influência das ciências biológicas na teoria de Durkheim.
Por isto, o autor, em seus escritos, tende a enxergar a
Para definir o que pode ser considerado um fato social, sociedade a partir do modelo organicista e ver qualquer
Durkheim discrimina três características que precisam ruptura com ordem estabelecida como “doença” que exige
coexistir: a coercitividade, a exterioridade e a generalidade. um diagnóstico e um respectivo tratamento.
Uma sociedade pode fugir ao seu estado “normal” e
• Coercitividade: os fatos sociais se impõem sobre
entrar em um quadro de anomia social quando suas
o indivíduo, exercendo grande pressão para uma bases institucionais e valorativas entram em crise e os laços
adesão daquilo que o grupo considera bom, certo ou sociais ficam “afrouxados”, deixando de oferecer o suporte
normal. A coerção social se manifesta por meio das psicossocial aos seus membros. Em um quadro anômico,
“sanções legais” ou “espontâneas”, claramente visíveis tendem a ocorrer mais fatos sociais patológicos. Em outras
quando alguém tenta se comportar de forma diferente palavras, a anomia, concordando com Durkheim, seria a
do grupo. O próprio grupo social é um agente de ausência de sentimentos de propósito e a existência de
socialização coercitivo, pois “força” a adequação dos medo e desespero instigados pela vida moderna, por meio
indivíduos ao padrão adotado. das mudanças ocorridas de forma acelerada.

Bernoulli Sistema de Ensino 15

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Frente A Módulo 02

Divisão social do trabalho Essa forma de organização é predominante nas sociedades


pré-capitalistas, como no feudalismo europeu. Notemos que,
e formas de solidariedade nas sociedades pré-industriais, os níveis de especialização
da sociedade não são tão altos; assim, a divisão do trabalho
A Revolução Industrial gerou vários impactos na vida recai sobre aspectos como o sexo e a idade, por exemplo.
social europeia no século XIX: além de deslocar a população Nesse contexto, a família e a religião são as grandes
do âmbito rural para a cidade, introduziu, por meio do instituições que contribuem para a coesão social, e os
desenvolvimento do sistema capitalista, diferentes formas indivíduos se mantêm em grupo devido às semelhanças
de os indivíduos se colocarem em relação social uns com os que apresentam entre si. Logo, o que assegura a coesão
outros. Esse fato é de suma importância para a Sociologia de social do grupo em sociedades de solidariedade mecânica é,
Durkheim. Ele denomina como “divisão social do trabalho” justamente, a correspondência de valores pelos membros.
não apenas as especializações das funções econômicas Já a solidariedade orgânica predomina no capitalismo e
típicas do modo de produção capitalista, mas também o se configura como uma maior divisão social do trabalho,
surgimento de instituições especializadas, como o judiciário, em que os indivíduos atuam de forma mais participativa
o sistema educacional, entre outras. e criam laços de interdependência social e econômica.
Para Durkheim, a divisão social do trabalho é um fenômeno Nas sociedades modernas, as profissões assumem um
papel importante no tocante à manutenção da coesão
que tem o poder de servir de moral a ser seguida pelos
de uma sociedade, pois a solidariedade orgânica é típica
indivíduos, já que, quanto mais acentuada for a divisão
das sociedades com uma divisão do trabalho social mais
social do trabalho, maior a interdependência entre os
acentuada. Por meio das profissões que os indivíduos
indivíduos nas sociedades modernas. O trabalho é uma
desempenham, a divisão social do trabalho cria um sistema
categoria fundamental para se entender a sociedade.
de direitos e deveres pautados na ética do trabalho. Assim,
Ao longo da História e nas diferentes sociedades, os homens
a coesão social propiciada pela solidariedade orgânica se
se dividiram e se organizaram em diferentes funções sociais baseia na diferenciação entre os indivíduos. Ao mesmo
para fornecer as necessidades básicas de sobrevivência. tempo, a coesão social está assentada nos códigos e regras
Essa organização ficou conhecida como divisão social de conduta que são estabelecedores de direitos e deveres,
do trabalho. cuja expressão se manifesta por meio de normas jurídicas:
A categoria do trabalho ganha um significado especial em outras palavras, o direito.
na obra de Durkheim. Por romper com as estruturas
sociais vigentes nas sociedades tradicionais, a sociedade O suicídio
pós-Revolução Industrial era entendida por Durkheim como
uma sociedade anômica, por não ter formado ainda uma Um dos fatos sociais que Durkheim se propõe a estudar
moral capaz de manter os indivíduos agregados socialmente. de forma inédita é o suicídio. Em primeiro lugar, a própria
afirmação de que o suicídio constitui um fato social era
Na concepção de Durkheim, a nova ordem moral da sociedade
controversa. Isso porque a visão predominante era a
industrial estaria ligada ao trabalho, uma vez que os valores
moral / religiosa, e ela atribuía o suicídio a uma decisão
da sociedade moderna estariam ligados ao industrialismo. puramente individual de pessoas consideradas mentalmente
Para Durkheim, a divisão social do trabalho tem a importante doentes ou fracas de caráter.
função de estimular a solidariedade entre os indivíduos. Logo, afirmar que o suicídio era um fato social significava
Solidariedade, para ele, é o modo como os indivíduos se postular que esse fenômeno possui causas sociais e que
colocam em relação e, consequentemente, dão significado suas motivações não residem exclusivamente no indivíduo.
às ações individuais. Existem dois tipos de solidariedade:
Na extensa obra publicada em 1897 intitulada O suicídio,
a solidariedade mecânica e a solidariedade orgânica. Durkheim aplica seu método sociológico explicativo para
Durkheim estava preocupado com as mudanças ocorridas identificar as diversas relações de causa e efeito que estão
na sociedade do seu tempo. Sua preocupação era muito por trás de uma decisão tida como individual. O sociólogo
guiada para a questão da solidariedade moral e social. verificou que o suicídio é prática recorrente em praticamente
A manutenção da solidariedade, para o sociólogo francês, todas as sociedades, sendo presente em praticamente
é sustentada quando os indivíduos logram êxito ao se integrar todas as épocas. Porém, nessa prática é possível perceber
aos grupos sociais e são regulados por um conjunto de costumes a existência de regularidades entre a decisão individual
e valores, comuns ao resto dos membros da sociedade. e fatores como sexo, idade, condição social, religião e
contextos históricos.
O fio condutor do processo evolutivo que liga as sociedades
mais simples às mais complexas, para Durkheim, é o Assim, Durkheim diferenciou três tipos de suicídio:
progresso da divisão do trabalho social. Por conseguinte,
• Suicídio egoísta: tipo de suicídio predominante no
as sociedades mais simples seriam caracterizadas pela
mundo ocidental moderno. Se caracteriza pela ruptura
existência de uma solidariedade mecânica; e as mais
de vínculos entre indivíduo e sociedade. O indivíduo
desenvolvidas, por uma solidariedade orgânica.
não se sente integrado aos grupos sociais, faltando-lhe
Na solidariedade mecânica, o trabalho e as relações sociais laços emocionais para viver. Não é raro que este tipo de
eram organizados com base na tradição e nos costumes, suicídio, marcadamente individualista, seja acompanhado
como os laços de parentesco e as oficinas de artesanato. de sintomas psicossociais como a depressão.

16 Coleção Filosofia / Sociologia

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Durkheim e Weber

Países como o Japão, com grande presença do


O que é um fato social?
individualismo, alta competitividade, pressão sobre o
desempenho individual e isolamento social, possuem Antes de procurar qual método convém ao estudo dos
taxas muito elevadas de suicídio do tipo egoísta. fatos sociais, importa saber quais fatos chamamos assim.
A questão é ainda mais necessária porque se utiliza
• Suicídio altruísta: diferentemente do egoísta e essa qualificação sem muita precisão. Ela é empregada
mais raro nas sociedades ocidentais, o suicídio correntemente para designar mais ou menos todos os
altruísta seria definido pela subsunção do indivíduo fenômenos que se dão no interior da sociedade, por menos
à sociedade, à uma causa coletiva ou a uma crença. que apresentem, com uma certa generalidade, algum
Nessa modalidade, o indivíduo “doa” a sua vida em interesse social. Mas, dessa maneira, não há, por assim dizer,
nome de uma coletividade ou ideia que concede sentido acontecimentos humanos que não possam ser chamados sociais.
à sua existência particular. Todo indivíduo come, bebe, dorme, raciocina, e a sociedade
Os pilotos kamikazes japoneses na Segunda Guerra tem todo o interesse em que essas funções se exerçam
Mundial e os homens-bomba de alguns grupos regularmente. Portanto, se esses fatos fossem sociais,

SOCIOLOGIA
político-religiosos radicais podem ser considerados a sociologia não teria objeto próprio, e seu domínio se
exemplos de suicidas altruístas. confundiria com o da biologia e da psicologia. Mas, na realidade,
há em toda sociedade um grupo determinado de fenômenos
• Suicídio anômico: o suicídio anômico é mais uma que se distinguem por caracteres definidos daqueles que as
classificação quantitativa do que qualitativa, podendo outras ciências da natureza estudam. Quando desempenho
apresentar traços tanto do suicídio egoísta quanto do minha tarefa de irmão, de marido ou de cidadão, quando
altruísta. É identificável em quadro de anomia social – executo os compromissos que assumi, eu cumpro deveres
crises econômicas, guerras, fases de instabilidade que estão definidos, fora de mim e de meus atos, no direito e
social –, quando as taxas normais de suicídio tendem nos costumes. Ainda que eles estejam de acordo com meus
a apresentar grandes variações. sentimentos próprios e que eu sinta interiormente a realidade
Exemplo de suicídio anômico ocorreu durante o Crash deles, esta não deixa de ser objetiva; pois não fui eu que os
da Bolsa de Nova Iorque em 1929, quando parte fiz, mas os recebi pela educação. Aliás, quantas vezes não nos
significativa da população perdeu dinheiro, bens e ocorre ignorarmos o detalhe das obrigações que nos incumbem
empregos, o que gerou um caos econômico e grande e precisarmos, para conhecê-las, consultar o Código e seus
instabilidade psicossocial em muitos indivíduos. intérpretes autorizados! Do mesmo modo, as crenças e as
Algo similar se repetiu no ano de 2008, com a crise práticas de sua vida religiosa, o fiel as encontrou inteiramente
imobiliária que levou muitas pessoas e empresas prontas ao nascer; se elas existiam antes dele, é que existem
à falência. fora dele. O sistema de signos de que me sirvo para exprimir
meu pensamento, o sistema de moedas que emprego para
Durkheim reforça a conclusão de que o suicídio não é um pagar minhas dívidas, os instrumentos de crédito que utilizo em
fenômeno meramente individual, mas um fator que possui várias minhas relações comerciais, as práticas observadas em minha
causas sociais que se impõem sobre a decisão dos indivíduos. profissão, etc., funcionam independentemente do uso que faço
Os estudos de Durkheim acerca da possibilidade de deles. Que se tomem um a um todos os membros de que é
contágio social vêm sendo confirmados em estudos atuais composta a sociedade; o que precede poderá ser repetido a
sobre o chamado “efeito de contágio”. O IPEA (Instituto de propósito de cada um deles. Eis aí, portanto, maneiras de agir,
Pesquisa Econômica e Aplicada) realizou pesquisa de âmbito de pensar e de sentir que apresentam essa notável propriedade
nacional em 2013, com dados coletados entre 1980 e 2009, de existirem fora das consciências individuais.
e observou que o índice de mídia (exposição de casos e dados
Esses tipos de conduta ou de pensamento não apenas são
estatísticos de suicídio na grande imprensa) é o terceiro
exteriores ao indivíduo, como também são dotados de uma
motivador do suicídio, depois de desemprego e violência, para
força imperativa e coercitiva em virtude da qual se impõem
todos os grupos de pessoas. O modelo estimado mostra que
a ele, quer ele queira, quer não. Certamente, quando me
o aumento de 1% no índice de mídia eleva a taxa de suicídio
conformo voluntariamente a ela, essa coerção não se faz
de homens jovens (idade entre 15 e 29 anos) em 5,34%.
ou pouco se faz sentir, sendo inútil. Nem por isso ela deixa
Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/index. de ser um caráter intrínseco desses fatos, e a prova disso é
php?option=com_content&view=article&id=19662>. que ela se afirma tão logo tento resistir. Se tento violar as
Acesso em: 17 set. 2018. [Fragmento adaptado] regras do direito, elas reagem contra mim para impedir meu
ato, se estiver em tempo, ou para anulá-lo e restabelecê-lo
Em razão desses dados, a maior parte dos órgãos de
em sua forma normal, se tiver sido efetuado e for reparável,
comunicação adota um acordo tácito, extraoficial, de não dar
ou para fazer com que eu o expie, se não puder ser reparado
ampla repercussão a casos de suicídio e evitar a divulgação
de outro modo. Em se tratando de máximas puramente morais,
de dados estatísticos sobre o tema, para que a consciência
a consciência pública reprime todo ato que as ofenda através
coletiva não admita a normalidade do suicídio e não estimule
da vigilância que exerce sobre a conduta dos cidadãos e das
novos indivíduos a realizar o ato, mantendo os mecanismos
penas especiais de que dispõe.
de controle das taxas desse fenômeno.

Bernoulli Sistema de Ensino 17

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Frente A Módulo 02

Em outros casos, a coerção é menos violenta, mas não deixa A Sociologia Compreensiva
de existir. Se não me submeto às convenções do mundo, se,
ao vestir-me, não levo em conta os costumes observados em de Max Weber (1864-1920)
meu país e em minha classe, o riso que provoco, o afastamento
em relação a mim produzem, embora de maneira mais Modernidade, racionalização
atenuada, os mesmos efeitos que uma pena propriamente dita.
e desencantamento
Ademais, a coerção, mesmo sendo apenas indireta, continua
sendo eficaz. Não sou obrigado a falar francês com meus Diferentemente do espírito cientificista que dominava a
França e a Inglaterra, explicitado nas crenças positivistas,
compatriotas, nem a empregar as moedas legais; mas é impossível
a Alemanha se voltava para preocupações mais teóricas
agir de outro modo. Se eu quisesse escapar a essa necessidade, que envolviam a discussão política e a interpretação das
minha tentativa fracassaria miseravelmente. Industrial, nada diferenças entre culturas, pautadas pela corrente intitulada
me proíbe de trabalhar com procedimentos e métodos do historicismo – radicalmente distinta do positivismo de Comte
e Durkheim. Weber manifestou essas preocupações em sua
século passado; mas, se o fizer, é certo que me arruinarei.
concepção de Sociologia, esta última radicalmente distinta
Ainda que, de fato, eu possa libertar-me dessas regras e da compreensão de Durkheim.
violá-las com sucesso, isso jamais ocorre sem que eu seja
Em vez de buscar relações de causa e efeito, estáticas e
obrigado a lutar contra elas. E ainda que elas sejam finalmente universais, como Durkheim, Weber buscava compreender
vencidas, demonstram suficientemente sua força coercitiva as relações sociais em seus múltiplos e variáveis sentidos.
pela resistência que opõem. Não há inovador, mesmo Por isso, sua Sociologia é dita compreensiva, privilegiando a
afortunado, cujos empreendimentos não venham a deparar interpretação em vez da explicação com base nos métodos
com oposições desse tipo. das ciências naturais. Isso se explica pela tese de que
natureza e sociedade não funcionam segundo princípios
Eis, portanto, uma ordem de fatos que apresentam similares, conforme defendia Durkheim e também os
características muito especiais: consistem em maneiras de positivistas. Dessa forma, as ciências que se ocupam da vida
agir, de pensar e de sentir, exteriores ao indivíduo, e que são social não podem se basear nos métodos das ciências “duras”,
dotadas de um poder de coerção em virtude do qual esses e sim propor métodos específicos para avaliar a complexidade
fatos se impõem a ele. Por conseguinte, eles não poderiam se e a dinamicidade das sociedades humanas. Weber, com isso,
inaugura uma outra via de interpretação das sociedades.
confundir com os fenômenos orgânicos, já que consistem em
representações e em ações; nem com os fenômenos psíquicos,
A modernidade, processo desencadeado principalmente
pelas revoluções Industrial e Francesa, se configura para
os quais só têm existência na consciência individual e através
Weber como o período da história em que o capitalismo se
dela. Esses fatos constituem, portanto, uma espécie nova, e é assenta no trabalho assalariado e livre. Assim, a organização
a eles que deve ser dada e reservada a qualificação de sociais. industrial capitalista se torna racionalizada, pois a produção
Essa qualificação lhes convém; pois é claro que, não tendo se torna voltada para um mercado, tendo uma expectativa
o indivíduo por substrato, eles não podem ter outro senão concreta de lucro, que não é mais obtido como fruto de
a sociedade, seja a sociedade política em seu conjunto, seja oportunidades especulativas. O processo de racionalização
corresponde a uma maior importância dada aos aspectos
um dos grupos parciais que ela encerra: confissões religiosas,
racionais da vida social, intensificado pelo desenvolvimento
escolas políticas, literárias, corporações profissionais, etc.
da técnica e da ciência e pela industrialização capitalista.
Por outro lado, é a eles só que ela convém; pois a palavra Paralelamente à racionalização, ocorre o processo de
social só tem sentido definido com a condição de designar desencantamento do mundo, marcado pelo declínio das
unicamente fenômenos que não se incluem em nenhuma das formas mágicas, míticas e religiosas para explicar e ordenar a
categorias de fatos já constituídos e denominados. Eles são, vida em sociedade, também em virtude do desenvolvimento
portanto, o domínio próprio da sociologia. É verdade que a
da ciência e da valorização da razão. Todavia, mesmo com
esse desenvolvimento, Weber percebia que a ciência não
palavra “coerção”, pela qual os definimos, pode vir a assustar
poderia ocupar completamente o espaço da religião ao
os zelosos defensores de um individualismo absoluto. Como conceder sentido para o mundo.
estes professam que o indivíduo é perfeitamente autônomo,
As empresas capitalistas se tornam organizações
julgam que o diminuímos sempre que mostramos que ele não bem distintas das organizações produtivas domésticas.
depende apenas de si mesmo. Sendo hoje incontestável, porém, Cada empresa, com o desenvolvimento capitalista,
que a maior parte de nossas ideias e de nossas tendências passou a racionalizar seus gastos e seus lucros, dando
não é elaborada por nós, mas nos vem de fora, elas só podem um novo caráter às atividades comerciais. No entanto,
penetrar em nós impondo-se; eis tudo o que significa nossa o processo de racionalização não se restringiu à esfera
econômica e produtiva. De acordo com Weber, o processo
definição. Sabe-se, aliás, que nem toda coerção social exclui
de racionalização atinge todas as esferas da vida social.
necessariamente a personalidade individual.
Essa racionalização, aplicada ao campo da ciência e da
moral, fez ruir a crença dos indivíduos no sobrenatural
DURKHEIM, E. As regras do método sociológico.
e no caráter místico, que manteve a ordem social e que
São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 1-4. [Fragmento]
dava sentido à vida humana até o início da modernidade.

18 Coleção Filosofia / Sociologia

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Durkheim e Weber

Por esse motivo, a autonomia do campo científico, Enquanto Durkheim procurava construir seu objeto de
principalmente o que Weber chamou de desencantamento pesquisa baseando-se na metodologia das ciências naturais,
do mundo, ou seja, a racionalidade, passou a ser o caráter Weber tentava inserir a Sociologia em uma perspectiva
preponderante da existência humana. historiográfica e interpretativa. Para ele, não pode ser ignorado
o caráter particular e específico de cada formação cultural em
Dessa forma, há uma mudança de atitude dos indivíduos
nome de elementos gerais.
perante a existência, pois os fenômenos da vida passam a
ter a possibilidade de serem compreendidos por meio da Weber rejeita também a definição de cientista dos positivistas:
ciência. Assim, o mundo perde o seu caráter misterioso, o ideal de neutralidade, imparcialidade e objetividade defendido
por Durkheim é considerado pelo sociólogo alemão uma utopia
sendo passível de ser previsto pelos indivíduos, cujas ações
inatingível. Em sua concepção, o cientista sempre parte de seus
no mundo social passaram a ser pautadas no cálculo e na
próprios pressupostos, valores e aprendizados para produzir
previsão. Por isso, a compreensão das motivações das ações
sua ciência. As crenças pessoais estão embutidas no fazer
dos indivíduos é tão importante para Weber.
científico e não podem ser completamente extirpadas, de modo
Ao contrário de Durkheim, Weber não entendia a sociedade que toda pesquisa científica se revela parcial por assumir um
como uma entidade superior aos indivíduos. Para Weber, as ponto de vista prévio, ainda que de forma inconsciente.

SOCIOLOGIA
regras, os padrões e as convenções sociais são construídos Também cabe lembrar que o conhecimento da totalidade da
e transformados na própria interação entre os indivíduos. vida social é impossível em razão de sua amplitude. Por isso,
Ou seja, a organização social não é anterior aos indivíduos; para o cientista social, só é possível selecionar um fragmento
pelo contrário, ela surge a partir da relação entre eles. específico para estudar, e, ao fazer isso, acaba por remeter
Enquanto a Sociologia de Durkheim parte do coletivo, aos seus próprios valores e crenças.
a Sociologia de Weber parte do individual. Em outras palavras, o cientista, como todo indivíduo em
ação, age guiado pela sua cultura, tradição ou motivação.
O objeto de estudo da Sociologia: Sendo assim, as preocupações do cientista orientam a seleção
e a relação entre os elementos da realidade a ser analisada.
Ação social Por conseguinte, a análise do social sempre envolve uma
questão de subjetividade, compreensão e interpretação. Porém,
Para Weber, a sociedade não seria formada por objetos o reconhecimento de que há componentes subjetivos na pesquisa
tão bem definíveis como fatos sociais, mas sim por relações social não retira a legitimidade da sociologia como ciência.
dinâmicas entre os indivíduos. É justamente por isso que ele Apesar de não poder ser lida como uma ciência da natureza,
concebe a noção de ação social como o objeto de pesquisa a sociologia deve ser vista como uma ciência, porém uma ciência
da Sociologia. humana, uma ciência social, que é necessariamente diferente
devido ao seu objeto de pesquisa: o ser humano em sociedade.
Diferentemente do fato social, que é geral, externo e
O rigor e a seriedade são obtidos mediante a adoção de métodos
coercitivo, a ação social é focada no indivíduo e na forma
de investigação que minimizem a influência da subjetividade.
como ele assimila e interpreta os elementos sociais. A ação
Desse modo, um fragmento da realidade estudado por
social é, então, definida como toda conduta humana que é
um investigador constitui um esforço de sua parte para
dotada de sentido, isto é, uma interpretação subjetiva dada
tentar compreender essa realidade a partir da reconstrução
pelo indivíduo. Weber identifica quatro tipos de ações sociais:
das relações de causa e efeito de determinado fenômeno.
a tradicional, a afetiva, a racional com relação a valores e a
Ao fazer esse trabalho dentro dos pressupostos científicos,
racional com relação a fins.
o investigador consegue extrapolar o âmbito pessoal em sua
própria investigação. Por esse motivo, a Sociologia deve se
• Ação tradicional: é caracterizada pela obediência ao
valer do método compreensivo em suas investigações.
costume e à tradição, sendo marcada especialmente
pelos laços familiares. O método compreensivo se destaca por sua abordagem
qualitativa, em contraposição à abordagem quantitativa do
• Ação afetiva: ação que se caracteriza pela influência
método explicativo adotado pela escola sociológica francesa de
de sentimentos, impulsos e emoções. Durkheim. Mas como se dá a relação entre o recorte feito em
• Ação racional com relação a valores: ação que se uma realidade social por parte do investigador e a explicação
orienta por valores, que podem ser de ordem religiosa, de um determinado fenômeno? Essa relação é mediada pelo
ética, estética ou econômica. conceito de tipo ideal.
• Ação racional com relação a fins: ação que conta
com um cálculo racional visando obter um resultado O tipo ideal
predeterminado pelos meios necessários. O método de pesquisa de Weber inaugura uma nova
categoria que servirá de instrumento para a interpretação
A classificação proposta por Weber não tem a finalidade da sociedade: o tipo ideal. Essa categoria foi criada como um
de categorizar de forma exclusiva cada tipo de ação. conceito teórico e abstrato para representar um conjunto de
Quando o indivíduo age, ele pode fazê-lo por diferentes características que são comuns e recorrentes em um dado
motivações, simultaneamente, sem que o próprio agente fenômeno social. Desse modo, o tipo ideal vai constituir uma
consiga discerni-las. Essa tarefa cabe ao sociólogo: identificar ferramenta para o cientista, pois permitirá a comparação
quais são as motivações predominantes por meio da do fenômeno em particular com o tipo ideal construído,
investigação interpretativa. destacando as semelhanças e as singularidades.

Bernoulli Sistema de Ensino 19

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Frente A Módulo 02

O tipo ideal não existe concretamente, serve apenas de


Refletir sobre Durkheim e Weber enquanto fundadores da
referência comparativa para o pesquisador e é, por isso,
um importante instrumento de análise empírica da sociedade. Sociologia clássica implica diferenciá-los pelo método, porém
No entanto, o fato de não encontrar existência na vida real não não se deve atribuir uma hierarquia a eles, do melhor para o pior.
diminui a eficácia dos tipos ideais no que tange à explicação As diferenças metodológicas verificadas no decorrer deste capítulo
do mundo social. O tipo ideal é um modelo que simplifica a e a própria diferença no tipo de pesquisa que cada autor optou
realidade e atende às concepções do próprio pesquisador. por realizar (o primeiro, a pesquisa quantitativa; e o segundo,
Ao analisar as condições de surgimento e consolidação
a pesquisa qualitativa) devem ser encaradas como modelos
do sistema capitalista, Weber utilizou sua metodologia
compreensiva e a construção de tipos ideais para compreender consistentes de realização de pesquisas com coerência na aplicação
tal fenômeno. Essa pesquisa gerou uma de suas principais dos métodos e clareza nas explicações / compreensões resultantes.
obras, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (1905). [...]
Para Weber, a crença de que o êxito no trabalho seria
A pesquisa quantitativa de Durkheim sobre o suicídio segue
um indicativo da predestinação do indivíduo ao reino dos
céus contribuiu, e muito, para que o sistema capitalista se a rigor sua proposição metodológica de considerar as taxas
consolidasse na Europa. de suicídios como um fenômeno social, logo, possuidor das
características de um fato social (coercitivo e exterior), o que acaba
Tipos de dominação por explicar o fenômeno supra enquanto um fenômeno social

e concepção de Estado em Weber presente nas consciências coletivas, ou seja, algo a ser estudado /
pesquisado e explicado pela Sociologia, ciência que o autor
Weber também se ocupou da Ciência Política, produzindo está fundando.
algumas das mais aguçadas interpretações sobre o Estado
Moderno e suas instituições. A sua definição de Estado se [...]
tornou uma referência constante na compreensão da política O mesmo rigor que Durkheim apresenta no desenvolvimento
atual: o Estado é uma relação de homens que dominam de sua pesquisa Weber apresenta na elaboração de sua
seus iguais, mantida pela violência considerada legítima.
pesquisa qualitativa, que visa à compreensão de quais
Assim, o Estado é considerado um aparato administrativo
motivações estariam orientando as ações dos indivíduos
e político que detém o monopólio da violência legítima,
considerando-se um determinado território e uma população para o desenvolvimento singular do espírito do capitalismo
que aceite a submissão por considerá-la legítima. no ocidente e não em outras civilizações. Para tal, Weber cria
algumas classificações e tipologias para melhor compreender
A teoria do Estado de Weber vem acompanhada de sua teoria
da dominação. A dominação sempre revela uma desigualdade essa relação multicausal, orientando determinadas ações que,
de poder que estabelece a existência de pelo menos dois por sua vez, acabam por definir um novo tipo de estilo de vida
grupos: um dominante e um dominado. A dominação é legítima e, por conseguinte, um novo padrão de relações sociais mais
quando existe algum nível de concordância e aceitação por racionalizadas, ocasionando um desencantamento do mundo.
parte de quem é subordinado ao poder dominante. Tanto o primeiro autor (Durkheim) quanto o segundo
Para Weber, há três tipos ideais que exprimem formas puras (Weber) têm contribuições relevantes à Sociologia e às
de dominação legítima: a dominação tradicional, a dominação Ciências Sociais como um todo. Seja nas pesquisas de cunho
racional-legal e a dominação carismática. quantitativo ou qualitativo, seja pela forma de explicar para
• Dominação tradicional: caracteriza-se pela obediência depois compreender ou de primeiro compreender para
à tradição e aos costumes, normalmente identificados depois poder explicar, enfim, ambos corroboram de forma
pela presença do poder patriarcal ou do poder dos mais essencial para a pesquisa sociológica ainda na atualidade.
velhos, que são considerados naturais e espontâneos. O que acaba por reforçar que os esforços em realizar
• Dominação racional-legal: modelo típico das instituições pesquisa (quantitativa ou qualitativa) nas ciências sociais
modernas, caracteriza-se pela obediência a um sistema têm sua validade e viabilidade quando sustentados por
de regras racionalmente elaborado em concordância abordagens teórico-metodológicas, capazes de responder
com os integrantes do grupo. A dominação racional- a determinados fatos / fenômenos sociais. Ou seja,
-legal (ou simplesmente dominação legal) dá início
metodologias capazes de, a partir das particularidades das
à burocracia: um aparato técnico-administrativo
formas de tratamento da relação sujeito / objeto das Ciências
formado por profissionais especializados, selecionados
segundo critérios racionais, e que se caracteriza pela Sociais (Sociologia, Antropologia e Ciência Política), não
impessoalidade do poder. O Estado Moderno é um perder de vista o princípio da refutação e, ao mesmo tempo,
grande exemplo da aplicação da dominação racional- validar hipóteses e, consequentemente, conseguir explicar /
-legal e do modelo burocrático. compreender determinados fenômenos / fatos sociais
• Dominação carismática: caracteriza-se pela crença nas presentes em determinados momentos históricos.
qualidades do líder, que podem ser da ordem da coragem, LEME, Alessandro André.
do heroísmo, dos dons sobrenaturais, da inteligência A Sociologia de Max Weber e Émile Durkheim:
ou da simpatia, e geralmente são atreladas a uma
questões preliminares acerca dos métodos.
grande capacidade oratória e ao uso da propaganda
Fragmentos de cultura, Goiânia, v. 18,
ideológica. Alguns exemplos são os grandes líderes
n. 9 / 10, p. 725-744, set. / out. 2008.
políticos, como: Getúlio Vargas, Mussolini e Hitler.

20 Coleção Filosofia / Sociologia

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Durkheim e Weber

A Ética Protestante e o Espírito do capitalismo


A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo é o título de um dos maiores clássicos da sociologia, publicado em 1905, e parte de
um grande esforço de Weber por estudar sistematicamente as religiões e suas diversas relações sociais. Nessa obra, o sociólogo
concentrou sua atenção na história dos Estados Unidos, desenvolvendo a tese de que a economia capitalista estadunidense
foi fortemente influenciada pela ética de base calvinista, oriunda dos imigrantes puritanos britânicos que chegaram ao
Novo Mundo a partir do século XVII.
Os calvinistas (ou puritanos, como eram chamados pejorativamente na Inglaterra) baseavam-se na interpretação do
protestantismo reformista de João Calvino (1509-1564), cujo eixo se encontrava na tese da predestinação. Enxergando a
salvação como dádiva divina, e não como mérito humano, restava a busca por uma vida digna e disciplinada por meio do
trabalho. O código moral calvinista se articula em torno do trabalho, valorizando as ações individuais.
O mundo medieval feudal tinha a religião católica como predominante e apoiava-se num conjunto de valores tradicionais
baseados, especificamente, na submissão do indivíduo à instituição, à doutrina e à estrutura estamental rígida. Nessa visão,
o lucro e a riqueza eram condenados como fonte de pecado, e o trabalho era visto como fruto da condenação pela desobediência
de Adão e Eva, logo, um sofrimento. A reforma protestante trouxe uma nova perspectiva de homem e de mundo, com maior valor

SOCIOLOGIA
dado ao indivíduo (ruptura com a instituição eclesiástica) e à razão (livre interpretação dos textos sagrados). Com a ascensão
do capitalismo, o lucro não é mais visto como fonte de pecado, e a riqueza passa a ser considerada sinal da graça divina. Essa
mudança de “mentalidade” é acompanhada, na doutrina calvinista, da valorização da disciplina; de uma vida simples, austera e
recatada; da dignidade associada à produtividade e à utilidade; e, também, da ascese (evolução espiritual) ligada ao trabalho.
O protestante calvinista dedica-se intensa e disciplinadamente ao trabalho, mas não consome seus lucros de forma leviana.
Apoiado em ações sociais racionais (com relação a valores e a fins), realiza poupanças ou investe na produção, estimulando a
economia de base capitalista. Em suma, enquanto o católico trabalha para viver, o protestante vive para trabalhar.
Os valores éticos do calvinismo, destacados anteriormente, não são a causa do capitalismo nos Estados Unidos, mas
devem ser lidos como um dos seus elementos fundamentais. Esse vínculo íntimo entre religião e economia trouxe um novo
olhar sobre as complexas relações sociais das sociedades contemporâneas.

Quadro comparativo entre Durkheim e Weber


Durkheim Weber
História Evolucionista Multilinear, inúmeras possibilidades de trajetórias
As ações sociais, dos indivíduos interagindo
Indivíduo Condicionado pela consciência coletiva
concedem a dinâmica da vida social
Objeto de estudo da Sociologia Os fatos sociais O sentido das ações sociais
Passagem da solidariedade mecânica Processo de racionalização, avanço
Sociedade Moderna
para a solidariedade orgânica por todos os campos da vida social
Correntes sociológicas Funcionalismo-positivismo Sociologia compreensiva, interacionismo simbólico
Método de análise Explicação Interpretação

Concepção de Estado de Max Weber


Se inexistissem estruturas sociais fundadas na violência, teria sido eliminado o conceito de Estado e emergiria uma situação
que mais adequadamente designaríamos como anarquia, no sentido específico da palavra. Naturalmente, a força não se constitui
no meio único do Estado – ninguém jamais o afirmaria –, porém a força constitui-se num elemento específico do Estado.
Na época atual, a relação entre violência e Estado é profundamente próxima. No passado, associações tão diferenciadas – começando
pela família – utilizaram como instrumento de poder a força física como algo inteiramente normal. Entretanto, atualmente, devemos dizer
que um Estado é uma comunidade humana que se atribui (com êxito) o monopólio legítimo da violência física, nos limites de um território
definido. Observem que o território constitui uma das características do Estado. No período contemporâneo, o direito ao emprego da
coação física é assumido por outras instituições à medida que o Estado o permita. Considera-se o Estado como fonte única do direito
de recorrer à força. Consequentemente, para nós, política constitui o conjunto de esforços tendentes a participar da divisão do poder,
influenciando sua divisão, seja entre Estados, seja entre grupos num Estado.
Tal definição corresponde ao uso quotidiano do conceito. Quando se afirma que um problema é político ou que um ministro de um
gabinete ou um oficial é um funcionário político, ou quando se afirma que uma decisão é politicamente determinada, faz-se referência ao
fato de existirem interesses na distribuição, na manutenção ou na transferência do poder, fatores decisivos na solução daquela questão,
na determinação da decisão ou no âmbito de atuação do funcionário. Os que atuam na política aspiram ao poder ou como meio para atingir
outros fins, abstratos ou individuais, ou como poder pelo poder, para desfrutar da sensação de status que ele proporciona.
Tal como as instituições políticas que o precederam historicamente, o Estado é uma relação de homens que dominam seus iguais, mantida
pela violência legítima (isto é, considerada legítima). Para que o Estado exista, os dominados devem obedecer à suposta autoridade dos poderes
dominantes. Daí as seguintes perguntas: quando e por que obedecem aos homens? Ora, em que justificações intrínsecas ou extrínsecas se
baseia essa dominação?

Bernoulli Sistema de Ensino 21

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Frente A Módulo 02

D) a pesquisa de campo ganhou destaque com o pensamento


Para iniciarmos, em princípio existem três justificações internas
positivista, orientando o caminho metodológico que o
como fundamentos da legitimação da dominação. Em primeiro
sociológico deveria seguir.
lugar, a autoridade do passado eterno, ou seja, dos costumes
consagrados por meio de validade imemorial e da disposição de E) o pensamento de Augusto Comte representou um
respeitá-los. É a dominação tradicional exercida pelo patriarca ou importante papel na elaboração do conhecimento
pelo príncipe patrimonial de outrora. Há também a autoridade do sociológico, fundamentado na valorização da economia e
dom da graça, em que se fundam os poderes extraordinários de dos mitos como instrumento intelectual para compreender
um indivíduo (carisma). Essa dominação tem como fundamento as relações sociais.
a devoção e confiança absolutamente pessoais na revelação,
no heroísmo ou em outras qualidades de caráter pessoal. Essa é a 02. (Unioeste-PR) A Sociologia de Max Weber é considerada
dominação carismática, tal como é exercida pelo profeta – ou no uma ciência compreensiva e explicativa. Na sua concepção,
campo da política – pelo chefe guerreiro eleito, pelo governante compete ao sociólogo compreender e interpretar a ação dos
empossado por plebiscito, pelo grande demagogo e pelo chefe de indivíduos, assim como os valores pelos quais os indivíduos
um partido político. Finalmente, temos a dominação imposta por compreendem suas próprias intenções pela introspecção ou
meio da legalidade, fundada na crença na validade do estatuto legal pela interpretação da conduta de outros indivíduos.
e da competência funcional baseada em normas racionalmente
Sobre a sociologia compreensiva de Max Weber, é correto
definidas. Essa é a dominação exercida pelo moderno servidor do
afirmar que
Estado e por todos os detentores do poder a ele assemelhados.
A) segundo o método da sociologia compreensiva de Max
Supõe-se na realidade que a obediência dos súditos é
Weber, há uma ênfase metodológica sobre a sociedade
determinada pelo temor ou pela esperança temor da vingança
como a unidade inicial da explicação para se chegar a
exercida pelos poderes mágicos ou daquele que exerce o poder ou
significados objetivos de ação social.
pela esperança de recompensa neste ou noutro mundo. Interesses
dos mais diversificados podem condicionar a obediência. Todavia, B) na sociologia compreensiva de Max Weber, a primeira
ao considerarmos os fundamentos de legitimação dessa obediência, tarefa da sociologia é reformar a sociedade ou gerar
sem dúvida nos deparamos com esses três tipos puros que algum tipo de teoria revolucionária. Weber herda
indicamos: dominação tradicional, carismática e legal. efetivamente um ponto de vista sociológico compreensivo
imputado à escola marxista.
WEBER, Max. A política como vocação.
Brasília: Editora UnB, 2003. p. 9-11. [Fragmento] C) para Max Weber, a sociologia está voltada unicamente
para a compreensão dos fenômenos sociais. Na
sociologia compreensiva o homem não consegue

Exercícios compreender as intenções dos outros em termos de


suas intenções professadas.
Propostos D) no método compreensivo de Weber, os fenômenos
sociais são considerados como a simples expressão
01. (Upe–2016) Leia o texto a seguir: de causas exteriores que se impõem aos indivíduos.
Nas três primeiras décadas do século XX, embora Weber define a sociologia compreensiva em termos de
a burguesia já mostrasse sem disfarces a sua faceta fatos sociais e não em termos de atividade ou ação.
conservadora e belicista, defrontando-se com um E) Max Weber entende por sociologia compreensiva uma
movimento operário organizado, e testemunhasse ciência que se propõe compreender a atividade social
também um acontecimento como a instalação do poder e, deste modo, explicar causalmente seu desenrolar
soviético na Rússia, conseguia, não obstante, controlar, e seus efeitos. Para explicar o mundo social, importa
até certo ponto, as ameaças dos movimentos e dos grupos compreender também a ação dos seres humanos do
revolucionários. Além disso, deve-se mencionar que a ponto de vista do sentido e dos valores.
existência da monopolização das empresas e dos capitais
daquelas décadas, embora consideráveis, evidentemente 03. (UFU-MG) Assinale a alternativa incorreta. Durkheim
eram menos acentuadas do que são em nossos dias. 5TTY afirma que, no estudo dos fatos sociais, o cientista social,
Dessa forma, a burocratização do trabalho intelectual não
ao trabalhar, deve
era ainda uma realidade viva e concreta que aprisionava
e inibia a imaginação dos sociólogos. A) deixar de lado seus valores e sentimentos pessoais
em relação ao acontecimento a ser estudado.
MARTINS, Carlos Benedito. O que é Sociologia?
B) manter certa distância e neutralidade em relação
São Paulo: Brasiliense, 2006. p. 76-77.
aos fatos estudados, resguardando a objetividade
O texto faz referência a um período da história da Sociologia. de sua análise.
Sobre esse período, é correto afirmar que C) partir justamente do seu interesse pelo objeto de
A) o conhecimento sociológico foi organizado com base no estudo e de sua visão particular sobre o assunto.
pensamento iluminista de Descartes. D) encarar os fatos sociais como “coisas”, isto é, como
B) a escola sociológica francesa se tornou uma referência objetos exteriores ao cientista, que devem ser medidos,
para os estudos da realidade social com base no observados e comparados independentemente do que
pensamento de Durkheim. os indivíduos pensem ou declarem a seu respeito.
C) a visão sociológica ofereceria um conhecimento útil para E) romper com o senso comum, por meio de um rigor
consolidar a desorganização social após a Revolução analítico, que seria garantido por um método de
Francesa e Industrial. análise sociológica.

22 Coleção Filosofia / Sociologia

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Durkheim e Weber

04. (UEL-PR) Segundo Émile Durkheim, [...] constitui uma 06. (Unioeste-PR) O sociólogo francês Émile Durkheim
lei da história que a solidariedade mecânica, a qual a (1858-1917) em sua obra As Regras do Método
princípio é quase única, perca terreno progressivamente Sociológico ocupou-se em estabelecer o objeto de
e que a solidariedade orgânica, pouco a pouco, se torne
estudo da sociologia. Entre as constatações de Durkheim
preponderante.
é a de que o fato social não pode ser definido pela sua
DURKHEIM, É. A Divisão Social do Trabalho.
generalidade no interior de uma sociedade. Nessa obra,
In: Os Pensadores. Tradução de Carlos A. B. de Moura.
Durkheim elabora um tratamento científico dos fatos
São Paulo: Abril Cultural, 1977. p. 67.
sociais e cria uma base para a sociologia no interior
Por esta lei, segundo o autor, nas sociedades simples, de um conjunto coeso de disciplinas sociais, visando
organizadas em hordas e clãs, prevalece a solidariedade
fornecer uma base racional e sistemática da sociedade
por semelhança, também chamada de solidariedade
civil. Sobre o significado do fato social para Durkheim,
mecânica. Nas organizações sociais mais complexas,
prevalece a solidariedade orgânica, que é aquela que é correto afirmar que
resulta do aprofundamento da especialização profissional. A) os fenômenos sociais, embora obviamente inexistentes

SOCIOLOGIA
De acordo com a teoria de Durkheim, é correto afirmar que: sem os seres humanos, residem nos seres humanos
A) As sociedades tendem a evoluir da solidariedade como indivíduos, ou seja, os fatos sociais são os
orgânica para a solidariedade mecânica, em função da estados mentais ou emoções dos indivíduos.
multiplicação dos clãs.
B) os fatos sociais parecem, aos indivíduos, uma
B) Na situação em que prevalece a solidariedade mecânica, realidade que pode ser evitada, de maneira que
as sociedades não evoluem para a solidariedade
se apresenta dependente de sua vontade. Nesse
orgânica.
sentido, desobedecer a uma norma social não conduz
C) As sociedades tendem a evoluir da solidariedade
o indivíduo a sanções punitivas.
mecânica para a solidariedade orgânica, em função da
intensificação da divisão do trabalho. C) a proposição fundamental do método de Durkheim
D) Na situação em que prevalece a divisão social do é a de que os fatos sociais devem ser tratados como
trabalho, as sociedades não desenvolvem formas de coisas, ou seja, como objetos do conhecimento que a
solidariedade. inteligência não penetra de forma natural, mas através
E) Na situação em que prevalecem clãs e hordas, as da observação e da experimentação.
sociedades não desenvolvem formas de solidariedade
D) Durkheim considera os fatos sociais como coisas
e, por isso, tendem a desaparecer progressivamente.
materiais. Pode-se afirmar, portanto, que todo objeto
de ciência é uma coisa material e deve ser abordado
05. (Unioeste-PR–2015) “Solidariedade orgânica” e “solida-
KTZE riedade mecânica” são conceitos propostos pelo sociólogo a partir do princípio de que o seu estudo deve ser
francês Émile Durkheim (1858-1917) para explicar abordado sem ignorar completamente o que são.
a “coesão social” em diferentes tipos de sociedade. E) os fatos sociais são semelhantes aos fatos psíquicos,
De acordo com as teses desse estudioso, nas sociedades pois apresentam um substrato semelhante e evoluem
ocidentais modernas, prevalece a “solidariedade
no mesmo meio, de maneira que dependem das
orgânica”, onde os indivíduos se percebem diferentes
mesmas condições.
embora dependentes uns dos outros. A lógica do
mercado capitalista, entretanto, baseada na competição
individualista em busca do lucro, pode corromper os 07. (UEM-PR) Sobre o conceito de Estado Moderno, defendido
UNG2
vínculos de solidariedade que asseguram a coesão social pelo sociólogo alemão Max Weber, assinale o que for correto.
e conduzir a uma situação de “anomia”. 01. O Estado Moderno deve ser definido estritamente em
De acordo com os postulados de Durkheim, é correto dizer relação aos seus fins.
que o conceito de “anomia” indica 02. A característica fundamental do Estado é o monopólio
A) a necessidade de todos demonstrarem solidariedade do uso da violência legítima dentro de um determinado
com os mais necessitados. território.
B) uma situação na qual aqueles indivíduos portadores de
04. A manutenção da autoridade estatal ocorre pela
um senso moral superior devem se colocar como líderes
dos grupos dos quais fazem parte. necessária combinação entre o emprego da força física
e a busca pela legitimidade junto aos cidadãos.
C) a condição na qual os indivíduos não se identificam como
membros de um grupo que compartilha as mesmas 08. Como dimensão superestrutural da sociedade capi-
regras e normas e têm dificuldades para distinguir, talista, o Estado é um instrumento de dominação da
por exemplo, o certo do errado e o justo do injusto.
classe dos proprietários.
D) o consumismo exacerbado das novas gerações,
representado pelo aumento do número de shopping 16. A legitimidade do Estado Moderno deriva, principal-
centers nas cidades. mente, do reconhecimento da validade legal e da com-
E) a solidariedade que as pessoas demonstram quando petência funcional, baseadas em normas racionalmente
entoam cantos nacionalistas e patrióticos em estabelecidas.
manifestações públicas como os jogos das seleções
nacionais de futebol. Soma ( )

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Frente A módulo 02

08. (UFU-MG–2016) Para Weber, “A dominação, ou seja, a proba-


bilidade de encontrar obediência a um determinado mandato,
seção enem
pode fundar-se em diversos motivos de submissão.”
01. (Enem–2016) A sociologia ainda não ultrapassou a era das
COHN. 1991. p. 128. POP3 construções e das sínteses filosóficas. Em vez de assumir
a tarefa de lançar luz sobre uma parcela restrita do campo
Nesse sentido, as ações de Mahatma Gandhi, líder no
movimento de independência da índia, representam qual social, ela prefere buscar as brilhantes generalidades em
tipo de dominação na análise weberiana? que todas as questões são levantadas sem que nenhuma
seja expressamente tratada. Não é com exames sumários
A) Dominação legal. e por meio de intuições rápidas que se pode chegar a
B) Dominação anômica. descobrir as leis de uma realidade tão complexa. Sobretudo,
C) Dominação carismática. generalizações às vezes tão amplas e tão apressadas não
são suscetíveis de nenhum tipo de prova.
D) Dominação altruísta.
DURKHEIM, E. O suicídio: estudo de sociologia.
E) Fim do monoteísmo como condição para a consolidação
São Paulo: Martins Fontes, 2000.
da ciência.
O texto expressa o esforço de Émile Durkheim em
09. (UNISC-RS–2015) Max Weber estuda a sociedade de seu construir uma sociologia com base na
tempo, buscando entender os mecanismos e processos A) vinculação com a filosofia como saber unificado.
relevantes da vida social; ele conclui que a sociedade B) reunião de percepções intuitivas para demonstração.
contemporânea, tomada pela burocracia, substituiu as
C) formulação de hipóteses subjetivas sobre a vida social.
antigas formas de dominação por uma nova, cuja eficácia
supera os controles das sociedades anteriores. D) adesão aos padrões de investigação típicos das
ciências naturais.
Alguns dos enunciados a seguir poderão estar relacionados
E) incorporação de um conhecimento alimentado pelo
ao texto anterior.
engajamento político.
1. Regulação do trabalho industrial em seus processos
de produção.
02. (Enem–2015) A crescente intelectualização e racionalização
2. O auge do espírito racional é o Romantismo do não indicam um conhecimento maior e geral das condições
século XIX. sob as quais vivemos. Significa a crença em que, se
3. A burocracia está presente na indústria, na educação quiséssemos, poderíamos ter esse conhecimento a qualquer
e na guerra. momento. Não há forças misteriosas incalculáveis; podemos
4. O avanço crescente da formação técnica e exigência dominar todas as coisas pelo cálculo.
profissional no trabalho. WEBER, M. A ciência como vocação. In: GERTH, H.,
5. Regulação pública das profissões. MILLS, W. (Org.). Max Weber: ensaios de sociologia.
Rio de Janeiro: Zahar, 1979 (Adaptação).
Assinale a alternativa correta.
Tal como apresentada no texto, a proposição de Max
A) Todos os enunciados estão corretos.
Weber a respeito do processo de desencantamento do
B) Todos os enunciados estão incorretos. mundo evidencia o(a)
C) Somente os enunciados 1 e 2 estão corretos. A) progresso civilizatório como decorrência da expansão
D) Somente os enunciados 3 e 5 estão corretos. do industrialismo.
E) O único enunciado incorreto é o 2. B) extinção do pensamento mítico como um desdobra-
mento do capitalismo.
C) emancipação como consequência do processo de
10. (Unicentro-PR) Do ponto de vista do agente, o motivo é o
fundamento da ação; para o sociólogo, cuja tarefa é compre- racionalização da vida.
ender essa ação, a reconstrução do motivo é fundamental, D) afastamento de crenças tradicionais como uma
porque, da sua perspectiva, ele figura como a causa da ação. característica da modernidade.
Numerosas distinções podem ser estabelecidas e Weber E) fim do monoteísmo como condição para a consolidação
realmente o faz. No entanto, apenas interessa assinalar que, da ciência.
quando se fala de sentido na sua acepção mais importante
para a análise, não se está cogitando da gênese da ação, mas
sim daquilo para o que ela aponta, para o objetivo visado
nela; para o seu fim, em suma. gAbARIto meu aproveitamento
COHN, Gabriel (Org.). Max Weber: sociologia.
São Paulo: Ática, 1979. Propostos Acertei ______ errei ______
A categoria weberiana que melhor explica o texto em 01. B 06. C
evidência está explicitada em: 02. E 07. Soma 22
A) A ação social possui um sentido que orienta a conduta 03. C 08. C
dos atores sociais.
04. C 09. E
B) A luta de classes tem sentido porque é o que move
a história dos homens. 05. C 10. A
C) Os fatos sociais não são coisas, e sim acontecimentos
que precisam ser analisados. seção enem Acertei ______ errei ______
D) O tipo ideal é uma construção teórica abstrata que
permite a análise de casos particulares. 01. D 02. D
E) O sociólogo deve investigar o sentido das ações que
não são orientadas pelas ações de outros. total dos meus acertos: _____ de _____ . ______ %

24 Coleção Filosofia / Sociologia

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Frente Módulo

SOCIOLOGIA A 03
Karl Marx e o materialismo histórico
O SOCIALISMO DO SÉCULO XIX
A revolução industrial despertou posições divergentes na redução da jornada de trabalho, a melhoria nos alojamentos
sociedade europeia. De um lado, como já vimos, havia os e o aumento de salários, como sendo suficientes para a
positivistas, que adotavam uma postura otimista em relação existência de uma transição pacífica do capitalismo para
à industrialização e à ciência, defendendo o capitalismo um sistema socialista e igualitário. Engels, em sua obra
como o modelo mais avançado de organização econômica. Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico (1880),
Porém, havia também grupos consideráveis de opositores ao ao refletir acerca dos autores mencionados, atribuiu a eles o
sistema político liberal e ao modo de produção capitalista, epíteto de “utópicos” por considerar que a visão reformista
que agrupamos sob a designação genérica de socialistas. seria ingênua e excessivamente otimista na “boa vontade”
Na verdade, os socialistas correspondem a diversas correntes dos detentores do capital. Logo, as melhorias no sistema
de pensamento que possuíam um adversário comum, não impactariam em suas raízes, tendo como consequência
o capitalismo, mas que divergiam quanto aos princípios a perpetuação das relações de dominação, em vez de suas
de organização da sociedade e, principalmente, quanto respectivas superações.
às estratégias para atingir o poder. O modelo socialista
mais conhecido e com maior impacto na estrutura Socialismo libertário ou anarquismo
político-social mundial foi, sem dúvida, o socialismo científico
A corrente conhecida como anarquismo é bastante
(ou comunismo) de Karl Marx e Friedrich Engels, mas ele
diversificada e comporta diferentes posicionamentos
não foi o primeiro nem o único.
acerca da política e da economia. Porém, todas apresentam
alguns aspectos em comum: crítica ao liberalismo político-
Socialismo utópico de Saint-Simon
-econômico, rejeição ao modo de produção capitalista e
e Robert Owen recusa de toda forma de autoridade canônica. A palavra
Por volta de 1830, o termo socialismo foi consolidado, “anarquismo” significa, literalmente, “ausência de poder
passando a designar uma vertente de análise social e ou governo” e enfatiza a rejeição a qualquer forma de
política que se opunha ao capitalismo, ao individualismo e autoridade, especialmente a do Estado. Pensadores como
à distorção dos ideais liberais da Revolução Francesa pelo o francês Pierre-Joseph Proudhon (1809-1856) e o russo
capitalismo. Para pensadores como o britânico Robert Owen Mikhail Bakunin (1814-1876) fundamentaram o anarquismo
(1771-1858) e os franceses Saint-Simon (1760-1825) e no ideal socialista da coletivização dos meios de produção
Charles Fourier (1772-1837), a igualdade e a fraternidade e na defesa de um sistema político baseado na autogestão,
haviam sido suplantadas por uma visão restrita da liberdade: isto é, sem a necessidade de forças de controle externas
a liberdade econômica. As consequências do predomínio aos próprios indivíduos.
do aspecto econômico eram evidentes nas condições dos
Um dos pontos de discordância entre anarquistas e
operários industriais. Muito antes de serem beneficiários
comunistas (marxistas) dizia respeito ao modo pelo qual a
da evolução prometida pela razão e pela ciência, haviam se
mudança social seria produzida: enquanto estes defendiam
tornado “escravos” do sistema industrial.
uma revolução para implementar um Estado socialista,
Os socialistas, supracitados, identificavam, à luz do aqueles argumentavam que um Estado socialista já seria
Iluminismo de Rousseau, que a propriedade privada era a uma forma de autoridade ilegítima e manteria a estrutura
principal responsável pela desigualdade acentuada durante coercitiva sobre os indivíduos. Para os anarquistas,
a Revolução Industrial. Paralelamente, propunham como a revolução verdadeira deveria romper de forma imediata e
solução uma série de melhorias por meio de reformas no intransigente com qualquer forma de autoridade, em nome
sistema capitalista vigente. Essa visão reformista pregava a de uma sociedade autogerida em bases democráticas.

Bernoulli Sistema de Ensino 25

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Frente A módulo 03

socialismo cristão Em vez disso, diziam os seus seguidores que a Igreja


necessitava ser um veículo fundamental que pressionasse a
O socialismo cristão foi uma vertente do socialismo sociedade por mudanças políticas e estruturais, com o intuito
fundada na fé religiosa do cristianismo e crítico ao de erradicar a pobreza.
socialismo de base materialista (Marx e Engels).
Seus mentores foram o padre católico francês Robert socialismo científico e
de Lamennais (1782-1852) e o socialista britânico
Charles Kingsley (1819-1875). Ao final do século XIX, os materialismo histórico
socialistas cristãos contaram com o apoio da encíclica papal Se para Durkheim a sociedade era uma entidade
Rerum Novarum (1891), promulgada pelo Papa Leão XIII, acima dos indivíduos, e para Weber ela se constitui
considerado o Papa do Proletariado. Nesse documento, a partir das ações individuais, Marx entende que
o Vaticano se posicionava contra o socialismo de Marx e Engels uma sociedade somente pode ser compreendida
por considerá-lo ateu. Concomitantemente, defendia o direito por meio das condições materiais de sua existência.
natural à propriedade privada e afirmava que tanto o Estado Isso significa dizer que o modo como cada sociedade
transforma a natureza e divide o trabalho entre seus
quanto a Igreja estavam obrigados a lutar por melhores
membros determina a maneira como os indivíduos se
condições de vida para os pobres e trabalhadores.
relacionam socialmente. Paralelamente, determina também
Os socialistas cristãos reconheciam os problemas a própria consciência dos indivíduos sobre si e sobre o
derivados da desigualdade social, mas não acreditavam mundo ao seu redor.
na solução mediante a via da luta de classes e da Karl Marx (1818-1883) contou com o apoio de seu
revolução proletária, conforme defendiam os comunistas amigo Friedrich Engels (1820-1895) para produzir uma
e os anarquistas. Ao contrário, os socialistas cristãos extensa obra, sistemática e rigorosa, que conciliou filosofia,
almejavam a conciliação entre capital e trabalho, pautada economia, política e direito para fabricar a crítica mais
na observância dos valores sagrados do evangelho por consistente ao modelo capitalista-liberal, com amplo alcance
parte tanto dos ricos quanto dos pobres. Defendiam a no mundo até os dias atuais. A obra conjunta Manifesto do
criação de sistemas de cooperação entre os trabalhadores, Partido Comunista, de 1848, tornou-se uma bandeira para
o fortalecimento dos direitos trabalhistas, por meio de leis, os movimentos sindicais, para a criação de partidos políticos
e o combate ao egoísmo e à acumulação desmedida. de orientação socialista e para a organização de revoluções
proletárias, como a Revolução Russa e a Revolução Chinesa,
Na encíclica Mater et Magistra, de 1961, o papa no início do século XX. Porém, a obra fundamental do
João XXIII confirmou a doutrina social da Igreja, socialismo / comunismo é o livro O Capital, com
definida por Leão XIII, reforçando a crítica publicação inicial em 1867, dividido em 2 longos
ao marxismo. No entanto, alguns setores do tomos. Nessa obra, Marx elaborou, detalhadamente,
catolicismo incorporaram parte da perspectiva de sua crítica ao capitalismo industrial e as
bases para a formação de uma sociedade
Marx e Engels e passaram a
comunista – pautada pela divisão comunal
Rubens Lima

defender uma postura mais


da propriedade e das riquezas sociais.
proativa e crítica da Igreja,
em relação à propriedade Antes de traçarmos, com mais detalhes,
privada. Esse foi o caso os conceitos fundamentais da teoria de
da teologia da libertação, Marx, é necessário compreender o que o
autor entende por meio de produção e por
criada pelo padre e teólogo
modo de produção.
peruano Gustavo Gutiérrez,
na década de 1960, da qual O modo de produção deve ser en-
fizeram parte intelectuais tendido como a forma de organização
brasileiros como Leonardo socioeconômica vinculada a uma
Boff e Frei Betto. A teologia da etapa do desenvolvimento das
forças produtivas e também
libertação, diferentemente da
das relações de produção. Por
doutrina social da Igreja expressa
exemplo, atualmente vigora
no socialismo cristão,
o modo de produção capi-
possui mentalidade pro- talista. Mas, fazendo um
gressista e pregava que a resgate histórico, temos
empatia e o cuidado com a presença do modo
pobres não eram suficientes. de produção feudal.

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karl marx e o materialismo histórico

Para Marx, as forças produtivas e as relações de produção ser compreendida é a categoria “trabalho”, que permite ao
se alteram ao longo do percurso histórico, afetando os meios homem se diferenciar dos animais e construir o mundo em
de produção. que vive. O mundo humano é, essencialmente, o mundo do
trabalho. A categoria “trabalho”, na teoria marxiana, nos
Devemos entender meio de produção como tudo aquilo ajuda a compreender a concepção materialista da história e
que permeia a relação entre trabalho humano e natureza, se opõe à concepção idealista, proposta por Hegel. Enquanto
no processo de transformação da natureza em si. Ou seja, o filósofo idealista George Friedrich Hegel (1770-1831)
seria um conjunto formado pelos meios do trabalho e o propunha que a realidade é um produto das ideias, Marx
objeto de trabalho. Dessa maneira, os meios de trabalho defendia que as ideias é que são produto da realidade.
seriam, por exemplo, ferramentas e máquinas; e o objeto O enunciado básico do materialismo histórico de Marx e
do trabalho, as matérias primas e os recursos naturais. Engels afirma que

Para melhor explicitar a relação entre modo de produção


e a maneira como os indivíduos se relacionam socialmente, não é a consciência dos homens que determina a realidade,

socIologIA
Marx elaborou o conceito de relações sociais de produção. mas a realidade que determina a consciência dos homens.

Tal conceito se refere justamente às formas como os MARX, Karl. Contribuição para a crítica da economia
política. Lisboa: Estampa, 1973. p. 28. [Fragmento]
indivíduos se organizam para produzir os bens materiais
necessários à sobrevivência, levando em consideração as
ferramentas disponíveis, o nível de tecnologia, as matérias- Por meio do trabalho, o indivíduo se produz, desenvolvendo
-primas e como se procede a distribuição da produção. Enfim, as suas capacidades e contribuindo para o desenvolvimento
para Marx, as relações sociais de produção definem toda a da própria humanidade. Portanto, podemos notar aqui uma
organização de uma sociedade. crítica de Marx à Filosofia europeia. Esta última entendia que,
além do mundo em que podemos viver, existiria um mundo
Por esse motivo, Marx entende que os aspectos materiais real que iria além daquilo que poderíamos observar em nossa
de uma sociedade não podem ser considerados como vida. Logo, os fenômenos existentes na vida social seriam
algo dado pela natureza, mas sim construídos pela ação apenas reflexos daquilo que aconteceria no plano das ideias.
do homem, por isso a importância da categoria trabalho
Prosseguindo, entre as categorias mais importantes na
em sua teoria. Para Marx, o trabalho tem a capacidade de
teoria de Karl Marx se encontra a noção de proletário,
emancipar o ser humano, uma vez que
encarada sob uma perspectiva inédita dos pontos de vista
social e político.
é o trabalho, por isso, uma condição de existência do
homem, independente de todas as formas de sociedade,
eterna necessidade natural de mediação do metabolismo
entre homem e natureza e, portanto, da vida humana.

MARX, K. O capital: crítica da economia política.


São Paulo: Abril Cultural, 1985. p. 50. [Fragmento]

No modelo capitalista, no entanto, o caráter humanizador


do trabalho, ou seja, a possibilidade que o trabalho oferece
para o homem de criar o seu mundo social, é substituído
por jornadas de trabalho exaustivas, tendo como única
preocupação a produção do lucro. Assim sendo, temos Maíra Damasio

a exploração da classe operária, que vende sua força de


trabalho, pela classe burguesa, que é detentora dos meios
de produção. Logo, o capitalismo acabou por transformar
o trabalho em mercadoria, pois o proletário vende sua
força de trabalho ao capitalista.

Karl Marx desenvolveu um método de análise


conhecido como materialismo histórico. Sua
pretensão é explicar o desenvolvimento histórico
da sociedade, desde a sua origem, a partir
das relações de produção da vida material,
ou seja, a economia. Para Marx, a categoria
central pela qual a história humana pode

Karl Marx. Bernoulli Sistema de Ensino 27

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Frente A Módulo 03

A dialética materialista Mais-valia e alienação


Para Marx, em todas as sociedades humanas em que há Marx entende que a realidade social é determinada pelas
propriedade privada, existiria uma oposição básica entre bases materiais de uma determinada sociedade delimitada
os grupos que detém a propriedade privada e os que não historicamente. Pensemos, por exemplo, no modo de produção
são detentores desta. Marx opta por designar os grupos capitalista e no modo de produção imediatamente anterior a
sociais sob a nomenclatura de “classe social”, denominando ele historicamente, o feudalismo. As bases materiais entre os
a parcela da coletividade que possua características sociais,
dois eram bastante distintas, pois, enquanto no feudalismo
econômicas e políticas similares, com ênfase especial na
o trabalho em vigor era o artesanal, o modo de produção
sua relação com a propriedade privada. Portanto, toda
capitalista introduziu o trabalho fabril. Evidentemente, as
sociedade poderia ser reduzida a duas classes sociais
diferenças entre feudalismo e capitalismo foram ocasionadas
antagônicas: na antiguidade romana, patrícios e plebeus;
em razão de contextos históricos distintos, que possibilitaram
na idade média, nobreza e camponeses; no capitalismo,
burguesia e proletariado. Essas classes antagônicas a derrocada de um e o surgimento de outro.
possuiriam características e interesses distintos, o que Na concepção de Marx, o capitalismo se sustenta na
faria existir uma luta de classes entre elas. Dessa luta exploração da força produtiva da classe proletária pelo
de classes, para Marx, emergiria toda a dinâmica histórica.
industrial burguês, uma vez que aquele vende sua força de
Melhor dizendo, trabalho em troca da remuneração. No entanto, o sistema
capitalista oculta do operário a sua real situação: o seu
a história de todas as sociedades que existiram até hoje trabalho rende mais ao empregador do que a ele mesmo;
tem sido a história da luta de classes. Homem livre e escravo, o excedente do trabalho operário se torna mais-valia nas
patrício e plebeu, barão e servo, mestre de corporação e mãos do empregador. A mais-valia é a diferença entre
companheiro, numa palavra, opressores e oprimidos, em o valor que é produzido pelo operário e o valor recebido
constante oposição, tem vivido numa guerra ininterrupta, por ele enquanto salário. Essa diferença é apropriada pelo
ora aberta, ora disfarçada [...]. empregador, sendo a mola propulsora do sistema capitalista,
pois é o que permite aos burgueses obterem o lucro e
MARX, K; ENGELS, F. Manifesto do partido comunista.
São Paulo: Global, 1988. p. 75-76. também reinvestirem o capital na sua produção.

A lógica do trabalho capitalista, portanto, se basearia


No capitalismo, esse antagonismo teria atingido o seu em uma relação de exploração e de dominação sobre o
ápice devido à concentração de renda, à desigualdade e à proletariado. Este último é mantido ignorante sobre sua
exploração do trabalho, que, para os socialistas científicos, situação pela ideologia – o conjunto de ideias, valores,
estão na base do sistema, marcando uma diferença essen- instituições e leis que expressam a visão de mundo da classe
cial entre as classes dominante (burguesia) e dominada dominante. Assim, o trabalhador não se reconhece naquilo
(proletariado).
que produz, pois encontra-se alienado do resultado do
O termo “dialética”, nas palavras do filósofo Henri Lefebvre, seu próprio esforço. Sua ignorância em relação ao próprio
significa trabalho e a situação em que vive é uma das bases do triunfo
do capitalismo.
ciência que mostra como as contradições podem ser
A noção de alienação é fundamental no pensamento
concretamente idênticas, como passam uma na outra,
marxista, pois ela apresenta o estado psicossocial primordial
mostrando também porque a razão não deve tomar essas
ao qual o operário é submetido no modo de produção
contradições como coisas mortas, petrificadas, mas como
capitalista. Enquanto nos modos de produção anteriores,
coisas vivas, móveis, lutando uma contra a outra em e
como no feudal, o trabalhador livre conhecia todas as
através de sua luta.
etapas do seu trabalho e, em alguma medida, usufruía do
LEFEBVRE, H. Lógica Forma, Lógica Dialética. que produzia, no capitalismo o operário industrial não só
São Paulo: Civilização Brasileira, 1969. p. 15. [Fragmento] não conhece toda a cadeia produtiva, como também se
encontra impossibilitado de usufruir do que produz, devido
à especialização da indústria. O operário industrial fica
Marx inspirou-se na concepção de dialética idealista
de Hegel, mas concedeu a ela uma nova significação ao relegado à abstrata relação de assalariamento, e o trabalho
demonstrar que a história humana é produzida a partir perde sua função existencial, passando a ser uma relação
de pontos que se opõem – teses –, que se digladiam e de dominação. O trabalho alienado é fundamental para a
fabricam novos estágios – síntese – a partir dos anteriores. obtenção da mais-valia, uma vez que o operário, ignorante
O ensinamento básico da dialética marxista tange ao fato da longa cadeia produtiva que é controlada pelos detentores
de que a história das sociedades não é estática e linear, mas do capital, não dispõe de meios materiais e simbólicos para
sim dinâmica e construída por forças antagônicas. refletir e criticar sua posição de dominado.

28 Coleção Filosofia / Sociologia

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karl marx e o materialismo histórico

Infraestrutura e superestrutura Desse modo, o poder político seria parte da superestrutura


de uma determinada sociedade, e como o sistema social
Podemos dizer, a partir da leitura de Marx sobre o modo moderno capitalista, na concepção de Marx, é resultado do
de produção capitalista, que a sociedade é dividida em duas poder da classe burguesa sobre o restante da sociedade,
grandes partes que se encontram em relação constante: a política seria o reflexo da supremacia econômica dessa classe.
a infraestrutura e a superestrutura. A infraestrutura
O objetivo da teoria marxista é justamente compreender
seria a parte da sociedade relacionada aos meios de
como a ordem social burguesa é mantida. O sistema
produção da vida material, isto é, a economia; enquanto a
capitalista opõe a classe burguesa à classe operária, sendo
superestrutura corresponderia aos sistemas ideológicos que
a condição de exploração da primeira em relação à segunda
visam, sobretudo, manter a infraestrutura. A superestrutura
entendida como algo natural e não historicamente
seria composta por dois grandes aparatos: o aparato jurídico-
condicionado. Na teoria marxiana, o foco de análise recai
-político, em que estão incluídos o Estado e as leis, e o
sobre as classes sociais e as relações de produção, e não há,
aparato ideológico, composto por todo o conjunto de crenças,
portanto, considerações a respeito das ações individuais, da
regras, valores morais, educação, religião e cultura que
maneira como acontece na sociologia weberiana. Para Marx,

socIologIA
representam os interesses da classe social dominante.
as ações individuais somente possuem sentido se atentarmos
Marx e Engels perceberam que o próprio Estado faz parte para as ideologias que sustentam as ações das classes sociais
do aparato ideológico da superestrutura. Se for fato que o às quais pertencem os indivíduos.
poder político deriva do poder econômico, torna-se evidente
Segundo Marx, a sociedade não é um todo que vive em
que as elites econômicas se encontram no topo da hierarquia
harmonia. A oposição entre capital e trabalho é o motor da
política e impõem a forma de organizar a sociedade que
história, pois a realidade capitalista deverá ser superada com
lhes é mais conveniente. Por isso, por mais democrático
o advento do comunismo, quando a divisão da sociedade
que pareça ser, o Estado sempre se encontra a serviço da
em classes será abolida. Esse movimento revolucionário se
classe dominante.
dará a partir do momento em que os trabalhadores tomarem
Na teoria marxista, a disputa das classes sociais pelo consciência de sua posição de classe dominada e buscarem
poder político é determinada pela esfera econômica. o fim da propriedade privada.

Rubens Lima

Revolução proletária e comunismo


No livro Teses sobre Feuerbach, publicado em 1888, Marx é enfático ao afirmar o papel prático-político da sua teoria:
“os filósofos se limitaram a interpretar o mundo, cabe a nós muda-lo”. Isto é, a teoria tem um duplo papel: analisar a
realidade e fornecer os fundamentos para sua mudança. Por isso, a teoria social de Marx está intimamente associada à
política, propondo-se como ferramenta a serviço de uma mudança radical na estrutura da sociedade.
Ao contrário dos socialistas utópicos, que acreditavam em mudanças gradativas, reformas parciais e negociações políticas,
Marx defendia que somente uma revolução proletária poderia alterar a infraestrutura da sociedade. Essa revolução aconteceria
a partir da mobilização da classe operária, que, organizada coletivamente independente de sexo, raça ou nacionalidade, iniciaria
um processo de deposição do poder burguês e instauração de um Estado proletário de caráter inicialmente socialista. Esse
Estado seria voltado para a promoção da igualdade por meio da estatização dos meios de produção. Assim, quando a economia
coletivizada e a organização democrática dispensassem a própria existência de um Estado, ele passaria a ser comunista.

Bernoulli Sistema de Ensino 29

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Frente A Módulo 03

Dessa forma, seria possível afirmar que a revolução Para esclarecer, é bom retomarmos essas duas noções
proletária seria composta de dois momentos: o primeiro básicas da teoria econômica de Marx. Para o filósofo, o valor
seria chamado socialismo; e o segundo, comunismo. de uma mercadoria é definido, principalmente, pelo tempo de
O comunismo seria uma evolução do socialismo, marcado trabalho que é socialmente necessário para a sua produção.
pela abolição do Estado. No socialismo, a sociedade O valor de uso é a importância prática que uma
controlaria a produção e a distribuição dos bens em mercadoria possui, em função da sua utilidade, e está
sistema de igualdade e cooperação. Esse processo levaria associada às suas propriedades físicas. O valor de troca é
ao comunismo, no qual todos os trabalhadores seriam os a importância simbólica, geralmente atribuída em termos
proprietários de seu trabalho e dos bens que produzem. monetários, que uma mercadoria assume em um mercado
quando pode ser intercambiada por outras mercadorias.
É importante ressaltar que em nenhuma das duas fases O valor de troca leva em conta o valor de uso, mas também
se defende o primitivismo econômico, isto é, o retorno é afetado por outras importâncias simbólicas e socialmente
a estágios anteriores da industrialização, nem uma vida instituídas sobre uma mercadoria, como o status que confere
ascética dos trabalhadores, isto é, que se viva somente com a quem possui.
o essencial. Karl Marx defende que a produção industrial seja
ampliada e que beneficie a todos, não só o pequeno grupo Marxismo após Marx
dos que possuem o capital.
Não cabe, neste capítulo, uma análise histórica dos impactos
Diversos partidos políticos, de inspiração marxista, da teoria de Marx ao longo do século XX. Certamente, isso
adotaram ora socialismo ora comunismo em seu nome, de será feito mais detalhadamente na disciplina de História.
acordo com os variados segmentos que surgiram internamente Porém, é importante frisar que, apesar das críticas aos
após os encontros das Internacionais Comunistas do século modelos políticos que ousaram se basear no socialismo /
XIX. As Internacionais Comunistas foram uma série de comunismo, o marxismo, como teoria social, teve e ainda
reuniões públicas de organizações, sindicatos e partidos tem grande importância nas ciências humanas e sociais.
de trabalhadores, iniciadas com a Associação Internacional Foram muitas as escolas de pensamento e os teóricos de
dos Trabalhadores (Primeira Internacional Comunista), de diferentes áreas influenciados, em diferentes medidas, pela
1864 a 1876, com o intento de organizar a classe proletária teoria marxista. Ao mesmo tempo, também é importante
ao redor do mundo e discutir planos de ação política. ter em mente que a teoria marxista passou por inúmeras
A Segunda Internacional, chamada de Internacional Operária críticas, revisões, aprofundamentos e reformulações, seja
e Socialista, durou de 1889 a 1914; a Terceira Internacional por adversários ou por partidários, sem que seus princípios
ficou conhecida como Comintern, pela abreviação do termo básicos perdessem sua vitalidade na análise da complexidade
russo, e perdurou de 1919 a 1943, sendo liderada por Stálin. social do mundo atual.
Enquanto a Quarta Internacional foi encabeçada por Trotsky, Para mencionar alguns, destacam-se as obras do italiano
a partir de 1938, com forte presença nos movimentos sociais Antônio Gramsci (1891-1937), com profunda análise sobre
das décadas de 1960 e 1970. os modos pelos quais a ideologia e o Estado perpetuam
as relações de poder instauradas na economia; o filósofo
Não é nosso objetivo discutir se as ideias marxistas
húngaro György Lukács (1885-1971); o psicanalista argelino-
chegaram, ou não, a ser realizadas nos países que adotaram
-francês Louis Althusser (1918-1990), que aprofundou os
o socialismo como orientação político-econômica, mas é
estudos acerca dos aparelhos ideológicos do Estado, sendo
fundamental termos em mente o compromisso da análise
a escola um dos mais importantes instrumentos a serviço da
social de base marxista com as mudanças na sociedade.
dominação; o historiador britânico Eric Hobsbawm (1917-
-2012); os teóricos da Escola de Frankfurt (Theodor Adorno,
Fetichismo da mercadoria, Max Horkheimer, Herbert Marcuse e Walter Benjamin), que
valor de uso e valor de troca realizaram profundas análises sobre a relação entre ideologia,
a cultura e a indústria cultural; o linguista estadunidense
Na análise da economia capitalista, realizada por Marx, Noam Chomsky (1928-); e, mais recentemente, o economista
destaca-se a posição privilegiada que é ocupada pelas francês Thomas Piketty (1971-), com sua releitura atualizada
mercadorias, isto é, o produto material do trabalho humano, de O Capital.
destinado a ser comercializado em um mercado. Para o
pensador alemão, as mercadorias são vistas como dotadas No Brasil, o pensamento de base marxista também teve
de vida própria, que é independente de seu processo ampla repercussão, apesar das perseguições ideológicas
produtivo. Por isso, a mercadoria se encontra em uma realizadas em diferentes momentos da nossa história.
relação de fetiche: um fetiche é um objeto a que se atribui Boa parte da historiografia e da sociologia brasileiras foi
características mágicas. No capitalismo, a mercadoria – construída em base materialista histórico-dialética, elegendo
qualquer que seja – é vista como provida de uma importância os aspectos econômicos como primordiais para se estudar
que extrapola a sua utilidade material, ou seja, dá-se mais as relações sociais. Na sociologia destacam-se nomes como
importância ao seu valor de troca do que ao seu valor de Florestan Fernandes (1920-1995), Francisco de Oliveira
de uso. (1933-), Ruy Braga (1972-), Jessé Souza (1960-).

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Karl Marx e o materialismo histórico

Quadro comparativo capitalismo x socialismo / comunismo


ALTERAÇÃO DAS RELAÇÕES DE PRODUÇÃO
REVOLUÇÃO
PROPRIEDADE PRIVADA PROPRIEDADE SOCIAL
DOS MEIOS DE PRODUÇÃO DOS MEIOS DE PRODUÇÃO

MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA MODO DE PRODUÇÃO COMUNISTA

PERÍODO DE TRANSIÇÃO SISTEMA CAPITALISTA PERÍODO DE TRANSIÇÃO SISTEMA COMUNISTA


PARA O CAPITALISMO DESENVOLVIDO PARA O COMUNISMO DESENVOLVIDO

ETAPA INFERIOR OU ETAPA SUPERIOR OU


MANUFATURA GRANDE INDÚSTRIA SOCIALISMO COMUNISMO

DESENVOLVIMENTO DAS FORÇAS PRODUTIVAS DESENVOLVIMENTO DAS FORÇAS PRODUTIVAS

Nobreza x Burguesia Burguesia x Proletariado Proletariado x Burguesia Não há lutas de classes

SOCIOLOGIA
Estado Absolutista Estado Burguês Estado Proletário Não há Estado

A IDEOLOGIA ALEMÃ Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina
a consciência. No primeiro modo de considerar as coisas, parte-se
O fato é, portanto, o seguinte: indivíduos determinados, que da consciência como do indivíduo vivo; no segundo, que corres-
são ativos na produção de determinada maneira, contraem entre ponde à vida real, parte-se dos próprios indivíduos reais, vivos,
si estas relações sociais e políticas determinadas. A observação e se considera a consciência apenas como sua consciência.
empírica tem de provar, em cada caso particular, empiricamente
MARX, K; ENGELS, F. A ideologia alemã: crítica da mais recente
e sem nenhum tipo de mistificação ou especulação, a conexão
filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer
entre a estrutura social e política e a produção. A estrutura
e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas
social e o Estado provêm constantemente do processo de vida
de indivíduos determinados, mas desses indivíduos não como (1845-1846). Tradução de Rubens Enderle, Nélio Schneider e
podem aparecer na imaginação própria ou alheia, mas sim tal Luciano Cavini Martorano. São Paulo: Boitempo, 2007. p. 93-94.
como realmente são, quer dizer, tal como atuam, como produzem
materialmente e, portanto, tal como desenvolvem suas atividades
sob determinados limites, pressupostos e condições materiais, O TRABALHO ALIENADO
independentes de seu arbítrio. Consideramos até aqui a alienação, a espoliação do operário,
A produção de ideias, de representações, da consciência está, só sob um aspecto, o de sua relação com os produtos de seu trabalho.
em princípio, imediatamente entrelaçada com a atividade material Ora, a alienação não aparece somente no resultado, mas também
e com o intercâmbio material dos homens, com a linguagem no ato da produção, no interior da própria atividade produtora.
da vida real. O representar, o pensar, o intercâmbio espiritual Como o operário não seria estranho ao produto de sua atividade se,
dos homens ainda aparecem, aqui, como emanação direta de no próprio ato de produção, não se tornasse estranho a si mesmo?
seu comportamento material. [...] A consciência [bewusstsein] Com efeito, o produto é só o resumo da atividade de produção.
não pode jamais ser outra coisa do que o ser consciente Se o produto do trabalho é espoliação, a própria produção deve ser
[bewusstsein], e o ser dos homens é o seu processo de vida real. espoliação em ato, espoliação da atividade, atividade que espolia.
Se, em toda ideologia, os homens e suas relações aparecem de
A alienação do objeto do trabalho é só o resumo da alienação,
cabeça para baixo como numa câmara escura, este fenômeno
da espoliação, na própria atividade do trabalho.
resulta do seu processo histórico de vida, da mesma forma como
a inversão dos objetos na retina resulta de seu processo de vida Ora, em que consiste a espoliação do trabalho? Primeiro, no fato
imediatamente físico. de que o trabalho é exterior ao operário, isto é, que não pertence
ao seu ser; que, no seu trabalho, o operário não se afirma,
Totalmente ao contrário da filosofia alemã, que desce do
mas se nega; que ele não se sente satisfeito aí, mas infeliz;
céu à terra, aqui se eleva da terra ao céu. Quer dizer, não se
que ele não desdobra aí uma livre energia física e intelectual,
parte daquilo que os homens dizem, imaginam ou representam,
mas mortifica seu corpo e arruína seu espírito. É por isso
tampouco dos homens pensados, imaginados e representados
para, a partir daí, chegar aos homens de carne e osso; parte-se que o operário não tem o sentimento de estar em si senão
dos homens realmente ativos e, a partir de seu processo de vida fora do trabalho; no trabalho, sente-se exterior a si mesmo.
real, expõe-se também o desenvolvimento dos reflexos ideológicos É ele quando não trabalha, e, quando trabalha, não é ele. Seu
e dos ecos desse processo de vida. Também as formações trabalho não é voluntário, mas imposto. Trabalho forçado, não
nebulosas na cabeça dos homens são sublimações necessárias é a satisfação de uma necessidade, mas somente um meio de
de seu processo de vida material, processo empiricamente satisfazer necessidades fora do trabalho. A natureza alienada
constatável e ligado a pressupostos materiais. A moral, a religião, do trabalho aparece nitidamente no fato de que, desde que
a metafísica e qualquer outra ideologia, bem como as formas não exista imposição física ou outra, foge-se do trabalho como
de consciência a elas correspondentes, são privadas, aqui, da da peste. O trabalho alienado, o trabalho no qual o homem se
aparência de autonomia que até então possuíam. Não têm história, espolia, é sacrifício de si, mortificação. Enfim, o operário ressente
nem desenvolvimento; mas os homens, ao desenvolverem sua a natureza exterior do trabalho pelo fato de que não é seu bem
produção e seu intercâmbio materiais, transformam também, próprio, mas o de outro, que não lhe pertence; que no trabalho
com esta sua realidade, seu pensar e os produtos de seu pensar. o operário não pertence a si mesmo, mas a outro. [...]

Bernoulli Sistema de Ensino 31

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Frente A Módulo 03

Chega-se então a esse resultado, que o homem (o operário) só tem espontaneidade nas suas funções animais: o comer,
o beber e a procriação, talvez ainda na habitação, o adorno, etc.; e que, nas suas funções humanas, só sente a animalidade: o que é
animal torna-se humano e o que é humano torna-se animal. Sem dúvida, comer, beber, procriar, etc., são também funções autenticamente
humanas. Contudo, separadas do conjunto das atividades humanas, erigidas em fins últimos e exclusivos, não são mais que funções animais.
MARX, Karl. ébauche d’une critique de l’économie politique. Tome II. Gallimard, Bibliothèque de la Pléiade, p. 60-61 apud VV. AA.
Os filósofos através dos textos: de Platão a Sartre. São Paulo: Paulus, 1997. p. 250-251.

EXERCÍCIOS 03. (UPE–2018) Na Europa ocidental, a burguesia surge


entre os séculos X e XI, sob a forma mercantil, isto é,
PROPOSTOS composta por comerciantes, cambistas e emprestadores
de dinheiro, sendo aumentada logo em seguida com a
01. (Unesp–2016) A condição essencial da existência e da participação dos artesãos urbanos. Durante muito tempo,
MRNW supremacia da classe burguesa é a acumulação da riqueza o poder político esteve nas mãos da nobreza, dos grandes
senhores de terras, o que não impediu o crescimento
nas mãos dos particulares, a formação e o crescimento do
e enriquecimento da burguesia. Com a formação das
capital; a condição de existência do capital é o trabalho
monarquias absolutistas, unificando territórios, mercados,
assalariado. [...] O desenvolvimento da grande indústria
leis, moedas e tributos, o poder político se concentrou
socava o terreno em que a burguesia assentou o seu nos reis. Bastante enriquecida, uma parte da burguesia
regime de produção e de apropriação dos produtos. começou a comprar terras, conquistar títulos de nobreza
A burguesia produz, sobretudo, seus próprios coveiros. e, inclusive, a assumir cargos nos governos.
Sua queda e a vitória do proletariado são igualmente
MIGLIOLI, Jorge. Dominação burguesa nas sociedades
inevitáveis.
modernas. Disponível em: <https://www.ifch.unicamp.br/
Marx, Karl; Engels, Friedrich. Manifesto Comunista: criticamarxista/arquivos_biblioteca/artigo
obras escolhidas, v. 1, s/d. 205Artigo1.pdf/> (Adaptação).

Entre as características do pensamento marxista, Para conquistar o domínio sobre os demais membros da
é correto citar sociedade, o grupo descrito no texto se utiliza de diversos
A) o temor perante a ascensão da burguesia e o apoio instrumentos, tendo-se como principal
à internacionalização do modelo soviético. A) a divisão de riquezas.
B) a utilização dos militares.
B) o princípio de que a história é movida pela luta de
classes e a defesa da revolução proletária. C) a abertura do mercado nacional.
D) o controle dos meios de produção.
C) a caracterização da sociedade capitalista como jurídica
E) o fechamento do comércio ao mercado externo.
e socialmente igualitária.
D) o reconhecimento da importância do trabalho da burguesia
04. (Uece–2014) O século XIX foi marcado pelo surgimento
na construção de uma ordem socialmente justa. WL4K de correntes de pensamento que contestavam o modelo
E) a celebração do triunfo da revolução proletária europeia capitalista de produção e propunham novas formas de
e o desconsolo perante o avanço imperialista. organizar os meios de produção e a distribuição de bens e
riquezas, buscando uma sociedade que se caracterizasse
02. (UEL-PR–2016) A ópera-balé Os Sete Pecados Capitais pela igualdade de oportunidades. No que diz respeito
da Pequena Burguesia, de Kurt Weill e Bertold Brecht, a essas correntes, assinale a afirmação verdadeira.
composta em 1933, retrata as condições dessa classe A) O socialismo cristão buscava aplicar os ensinamentos
social na derrocada da ordem democrática com a ascensão de Cristo sobre amor e respeito ao próximo aos
do nazismo na Alemanha, por meio da personagem Anna, problemas sociais gerados pela industrialização, mas,
que em sete anos vê todos os seus sonhos de ascensão apesar de vários teóricos importantes o defenderem,
social ruírem. A obra expressa a visão marxista na a Igreja o rejeitou através da Encíclica Rerum
chamada doutrina das classes. Novarum, lançada pelo Papa Leão XIII.
B) No socialismo utópico, a doutrina defendida por Robert
Em relação à doutrina social marxista, assinale a
Owen e Charles Fourier, prevaleciam as ideias de
alternativa correta.
transformar a realidade por meio da luta de classes,
A) A alta burguesia é uma classe considerada revolucionária, da superação da mais-valia e da revolução socialista.
pois foi capaz de resistir à ideologia totalitária através C) O socialismo científico proposto por Karl Marx e
do controle dos meios de comunicação. Friedrich Engels, através do manifesto Comunista de
B) A classe média, integrante da camada burguesa, foi 1848, defendia uma interpretação socioeconômica da
identificada com os ideais do nacional-socialismo por história dos povos, denominada materialismo histórico.
defender a socialização dos meios de produção. D) O anarquismo do russo Mikhail Bakunin defendia
C) A pequena burguesia ou camada lúmpen é revolucio- a formação de cooperativas, mas não negava a
nária, identificando a alta burguesia como sua inimiga importância e a necessidade do Estado para a
natural a ser destruída pela revolução. eliminação das desigualdades.
D) A pequena burguesia ou classe média é uma classe
antirrevolucionária, pois, embora esteja mais próxima
05. (UFU-MG) Para Marx, o materialismo histórico é a aplicação
do materialismo dialético ao campo da História. Conforme
das condições materiais do proletariado, apoia a alta
Aranha e Arruda (2000), “Marx inverte o processo do
burguesia.
senso comum que pretende explicar a história pela ação
E) O proletariado e a classe média formam as classes dos ‘grandes homens’ ou, às vezes, até pela intervenção
revolucionárias, cuja missão é a derrubada da divina. Para o marxismo, no lugar das ideias, estão os
aristocracia e a instauração do comunismo. fatos materiais; no lugar dos heróis, a luta de classes”.

32 Coleção Filosofia / Sociologia

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Karl Marx e o materialismo histórico

Assim, para compreender o homem, é necessário analisar Em relação às concepções de sociedade de cada um deles,
as formas pelas quais ele reproduz suas condições de é correto afirmar, exceto
existência, pois são estas que determinam a linguagem, A) A sociedade, na visão de Durkheim, deve ser
a religião e a consciência. compreendida a partir das instituições sociais que a
ARANHA, M. L. de A.; MARTINS, M. H. P. compõem, por exemplo, o Estado, a Igreja, a Família,
Filosofando: introdução à Filosofia. etc.; bem como os diversos grupos sociais.
São Paulo: Moderna, 2000. p. 241. B) Para Weber, a ação – ou a atividade social – deve ser
compreendida pelo sentido que lhe atribuem os indivídu-
A partir da explicação anterior e dos seus conhecimentos
os, o que torna a Sociologia uma disciplina interpretativa.
sobre o pensamento de Karl Marx, assinale a alternativa
que indica, corretamente, os dois níveis de “condições de C) Na ótica de análise de Marx, não há como compreender a
existência” para Marx. sociedade se não se compreender as relações das classes
sociais que a compõem e seus modos de produção.
A) Infraestrutura (ou estrutura), caracterizada pelas
relações dos homens entre si e com a natureza; D) Os três autores clássicos da Sociologia perderam
importância na atualidade das ciências sociais,

SOCIOLOGIA
e superestrutura, caracterizada pelas estruturas
jurídico-políticas e ideológicas. pois deixaram de ser referência de estudo com a
reestruturação do sistema capitalista mundial.
B) Infraestrutura (ou estrutura), caracterizada pelas
relações dos homens entre si e com a natureza; e
08. (UNISC-RS) Karl Marx se notabilizou como o cientista social
materialismo dialético, que é na verdade a forma pela que fundou as bases epistemológicas do materialismo
qual o homem produz os meios de sobrevivência. histórico a partir das categorias capital e trabalho e do
C) Modos de produção, caracterizados pelo pensamento método dialético. Segundo o pensador, a história da
filosófico dos socialistas utópicos; e o imperialismo, humanidade se desenvolve a partir da tensão entre essas
característica máxima do capitalismo industrial. duas categorias, e todas as formas históricas de sociedade,
a partir do comunismo primitivo, expressam em si mesmas
D) Imperialismo, característica do capitalismo industrial;
uma organização específica do trabalho com vistas à
e infraestrutura (ou estrutura), caracterizada pelas
produção de bens e acúmulo de riquezas. Nesse sentido, o
relações dos homens entre si e com a natureza.
capitalismo seria uma das formas sociais que se caracteriza
pela organização da produção a partir da relação entre
06. (Ueg-GO–2015) Para Marx, diante da tentativa humana capital e trabalho, de tal modo que os donos dos meios de
de explicar a realidade e dar regras de ação, é preciso produção (a burguesia) exploram o trabalho objetivando
considerar as formas de conhecimento ilusório que a obtenção do lucro. A categoria econômica que denota
mascaram os conflitos sociais. Nesse sentido, a ideologia o lucro obtido a partir desse processo de exploração do
adquire um caráter negativo, torna-se um instrumento de trabalho é denominada por Karl Marx de
dominação na medida em que naturaliza o que deveria A) expropriação. D) mais-valia.
ser explicado como resultado da ação histórico-social dos
B) exploração. E) comunismo.
homens e universaliza os interesses de uma classe como
C) capitalismo.
interesse de todos. A partir de tal concepção de ideologia,
constata-se que
09. (UFU-MG–2017) Conforme Marx e Engels:
A) a sociedade capitalista transforma todas as formas de EMAL
O modo pelo qual os homens produzem seus meios de
consciência em representações ilusórias da realidade
vida depende, antes de tudo, da própria constituição dos
conforme os interesses da classe dominante.
meios de vida já encontrados e que eles têm de reproduzir.
B) ao mesmo tempo que Marx critica a ideologia ele a Esse modo de produção não deve ser considerado
considera um elemento fundamental no processo de meramente sob o aspecto de ser a reprodução da
emancipação da classe trabalhadora. existência física dos indivíduos. Ele é, muito mais,
C) a superação da cegueira coletiva imposta pela ideolo- uma forma determinada de sua atividade, uma forma
determinada de exteriorizar sua vida, um determinado
gia é um produto do esforço individual principalmente
modo de vida desses indivíduos.
dos indivíduos da classe dominante.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã.
D) a frase “o trabalho dignifica o homem” parte de uma
São Paulo: Huitec, 1999. p. 27.
noção genérica e abstrata de trabalho, mascarando
as reais condições do trabalho alienado no modo de Da leitura do trecho, conclui-se que:
produção capitalista. A) As ideologias políticas possuem autonomia em relação
ao desenvolvimento das forças produtivas.
07. (Unimontes-MG–2016) A Sociologia Clássica tem, entre
B) A base da estrutura social reside no seu modo de
os seus principais pilares teóricos, as formulações de
produção material.
Karl Marx (1818-1883), Émile Durkheim (1858-1917)
e Max Weber (1864-1920). Esses três grandes pensa- C) O modo de produção é determinado pela ideologia
dores europeus estudaram o avanço do capitalismo, com dominante.
perspectivas distintas. D) Toda atividade produtiva é uma forma de desumanização.

Bernoulli Sistema de Ensino 33

FILSOCPRV1_SOC_BOOK.indb 33 15/10/18 14:49


Frente A módulo 03

10. (UEL-PR–2018) Leia o texto a seguir: 02. (Enem–2016)


Assim como Darwin descobriu a lei do desenvolvimento Texto I
da natureza orgânica, Marx descobriu a lei do Cidadão
desenvolvimento da história humana. A produção dos Tá vendo aquele edifício, moço?
meios imediatos de vida, materiais e, por conseguinte, Ajudei a levantar
a correspondente fase de desenvolvimento econômico de Foi um tempo de aflição
um povo ou de uma época é a base a partir da qual tem
Eram quatro condução
se desenvolvido as instituições políticas, as concepções
Duas pra ir, duas pra voltar
jurídicas, as ideias artísticas. A descoberta da mais-valia
clareou estes problemas. Hoje depois dele pronto
Olho pra cima e fico tonto
ENGELS, F. Discurso diante do túmulo de Marx. 1883.
Disponível em: <http://www.marxists.org/espanol/m- Mas me vem um cidadão
e/1880s/83-tumba.htm>. Acesso em: 11 set. 2017. E me diz desconfiado
“Tu tá aí admirado
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a
concepção materialista da história, assinale a alternativa Ou tá querendo roubar?”
correta. Meu domingo tá perdido
A) Existem leis gerais e invariáveis na história, que fazem Vou pra casa entristecido
a vida social retornar continuamente ao ponto de Dá vontade de beber
partida, isto é, a uma forma idêntica de exploração E pra aumentar meu tédio
do homem sobre o homem. Eu nem posso olhar pro prédio
B) A mais-valia, ou seja, uma maneira mais eficaz de Que eu ajudei a fazer.
os proprietários lucrarem por meio da venda dos
BARBOSA, L. In: ZÉ RAMALHO. 20 Super Sucessos.
produtos acima de seus preços, é uma manifestação
Rio de Janeiro: Sony Music, 1999. [Fragmento]
típica da sociedade capitalista e do mundo moderno.
C) O darwinismo social é a base da concepção Texto II
materialista da história na medida em que esta teoria O trabalhador fica mais pobre à medida que produz
demonstra cientificamente que somente os mais aptos mais riqueza e sua produção cresce em força e extensão.
O trabalhador torna-se uma mercadoria ainda mais barata
podem sobreviver e dominar, sendo os capitalistas um
à medida que cria mais bens. Esse fato simplesmente
exemplo.
subentende que o objeto produzido pelo trabalho, o seu
D) A partir de intercâmbios na infraestrutura da vida produto, agora se lhe opõe como um ser estranho, como
social, desenvolve-se um conjunto de relações que uma força independente do produtor.
passam a integrar o campo da superestrutura, com MARX, K. Manuscritos econômicos-filosóficos: Primeiro
uma interdependência necessária entre elas. manuscrito. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004 (Adaptação).
E) A sociedade burguesa, por intensificar a exploração Com base nos textos, a relação entre trabalho e modo
dos homens através do trabalho assalariado, de produção capitalista é
constitui-se em forma de organização social menos A) baseada na desvalorização do trabalho especializado
desenvolvida que as anteriores. e no aumento da demanda social por novos postos
de emprego.
B) fundada no crescimento proporcional entre o número
seção enem de trabalhadores e o aumento da produção de bens
e serviços.
C) estruturada na distribuição equânime de renda e no
01. (Enem–2017) A cidade não é apenas reprodução da força de
declínio do capitalismo industrial e tecnocrata.
trabalho. Ela é um produto ou, em outras palavras, também
D) instaurada a partir do fortalecimento da luta de classes
um grande negócio, especialmente para os capitais que
e da criação da economia solidária.
embolsam, com sua produção e exploração, lucros, juros
E) derivada do aumento da riqueza e da ampliação da
e rendas. Há uma disputa básica, como um pano de fundo,
exploração do trabalhador.
entre aqueles que querem dela melhores condições de vida
e aqueles que visam apenas extrair ganhos.
MARICATO, E. É a questão urbana, estúpido! gAbARIto meu aproveitamento
In: MARICATO, E. et al. Cidades rebeldes: passe livre e as
manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo: Propostos Acertei ______ errei ______
Boitempo; Carta Maior, 2013.
01. B 04. C 07. D 10. D
O texto problematiza o seguinte aspecto referente ao
02. D 05. A 08. D
ordenamento das cidades:
03. D 06. D 09. B
A) A instituição do planejamento participativo.
B) A valorização dos interesses coletivos. seção enem Acertei ______ errei ______
C) O fortalecimento da esfera estatal.
01. E 02. E
D) A expansão dos serviços públicos.
E) O domínio da perspectiva mercadológica. total dos meus acertos: _____ de _____ . ______ %

34 Coleção Filosofia / Sociologia

FILSOCPRV1_SOC_BOOK.indb 34 15/10/18 14:49


Frente Módulo

SOCIOLOGIA A 04
A construção da modernidade
A construção Neste capítulo, abordaremos alguns dos temas que se
tornaram objeto de estudo das Ciências Sociais e são incontor-
da Modernidade náveis na atualidade, trazendo nomes importantes da Socio-
logia, do século XX, para a reflexão social contemporânea.
As reflexões iniciadas pelo positivismo, no século XIX,
desencadearam uma série de novos caminhos que buscavam
Minorias
investigar cientificamente a vida em sociedade. Vimos que Questão Étnico-racial
Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber foram os principais
No século XIX, com o desenvolvimento da biologia,
nomes a oferecer os primeiros caminhos sociológicos para
do positivismo e do evolucionismo social, surgiram as
interpretar a vida em sociedade. Após eles, seguiram-se
chamadas teorias do racismo científico ou racialismo, que
muitos outros pensadores nessa árdua tarefa, partindo das
postulavam uma relação determinista entre raça e progresso.
análises dos sociólogos tidos como clássicos e criando novas
Para teóricos como os britânicos Herbert Spencer, Robert
ferramentas de interpretação da sociedade. No século XX,
Knox e Samuel George Morton, parecia evidente que o
a investigação sobre a vida em sociedade se ramificou em segredo do sucesso civilizacional europeu se encontrava na
muitas disciplinas, como a Antropologia, a Psicologia Social, genética privilegiada das raças brancas, ao contrário das
a Economia e várias subdivisões da Sociologia (política, raças de pele escura, que estavam biologicamente fadadas
rural, do lazer, do consumo...). Por isso, o campo de a serem subordinadas por sua inferioridade. O discurso
estudos se ampliou, sendo denominado de Ciências Sociais, da superioridade natural dos brancos, autoatribuída pelos
passando a ser composto de muitas subáreas, cada vez mais próprios brancos, estava na base das ciências racialistas que
especializadas, contudo, sem perder de vista a totalidade alimentavam as fileiras dos defensores da missão civilizadora
das relações sociais. do imperialismo europeu. No Brasil, esse discurso alimentou
a tese do “branqueamento racial” (ou “embranquecimento
O desdobramento histórico do pós-guerra trouxe à
racial”), materializado nos vários incentivos dados à
tona novas temáticas que se mostraram essenciais
imigração europeia, com finalidade de reduzir os efeitos
para compreender a complexidade das relações sociais,
da “má influência” genética negra e indígena, que não
assumindo lugar de grande importância nas Ciências
permitiam ao Brasil se civilizar.
Sociais. Nas últimas quatro décadas, as Ciências Sociais,
em geral, têm se preocupado em repensar os pressupostos No Brasil, o racismo científico teve muita força e foi a
teórico-metodológicos sobre os quais se assenta o seu principal teoria para tentar explicar as relações raciais
entendimento científico do mundo. Esse fato pode ser advindas desde o Período Colonial. Com isso, até a década
constatado por meio do número de autores clássicos que de 1930, para os adeptos dessa pseudociência, a mestiçagem
são atualmente objeto de releituras (como Émile Durkheim, (mistura racial) era vista como um mal porque produzia
Karl Marx e Max Weber); pelas reflexões de caráter raças impuras e imperfeitas, manchadas pela presença do

epistemológico desenvolvidas pelos cientistas sociais; pela sangue negro.

multiplicidade de paradigmas e de referências teórico- Foi somente a partir do sociólogo pernambucano Gilberto
-metodológicas; pelas tentativas de integração e sínteses Freyre, seguidor do antropólogo culturalista alemão Franz
teóricas propostas; pela busca de superação de uma série Boas, que a questão da mestiçagem passou a ganhar
de pares de conceitos clássicos (como subjetivo e objetivo, conotação positiva. Crítico da visão determinista, pregada
agente e estrutura, coletivo e individual, macrossociologia pelo racialismo, Freyre defendia que as relações sociais
e microssociologia); e, principalmente, pela expansão de são construções sociais, submetidas às forças históricas e
novos campos de pesquisas que ultrapassam as tradicionais culturais, e não ditadas pela genética. Em livros como Casa-
fronteiras disciplinares. -grande e senzala (1933) e Sobrados e mucambos (1936),

Bernoulli Sistema de Ensino 35

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Frente A Módulo 04

Freyre defendia que o grande valor do Brasil se encontrava Na década de 1940, começam a efervescer vários
na mistura, ao mesmo tempo, racial e cultural. Tal mistura, movimentos negros no Brasil e no mundo – exemplo disso
para Freyre, permitiu o surgimento de uma cultura híbrida é a criação do Teatro Experimental do Negro, de Abdias
e única desde o Período Colonial. A miscigenação seria o do Nascimento – que preconizavam as lutas sociais que
que o Brasil possuiria de mais próprio, único e identitário. vão se desencadear na década de 1960. Nessa década,
No entanto, uma interpretação equivocada (e conveniente) considerada o auge das lutas identitárias no mundo como
de Gilberto Freyre acabou por defender a tese de que, um todo, destacam-se os movimentos negros dos EUA,
em função da miscigenação, haveria uma convivência tendo como expoentes Malcolm X e os Panteras Negras
pacífica e harmônica entre todas as raças e, portanto, não
e Martin Luther King e suas bandeiras que, além de
existiria racismo no Brasil. Essa tese ficou conhecida como
lutarem contra o racismo e contra a violência praticada,
democracia racial, sendo alvo de severas críticas de diversas
exigiam igualdade política.
leituras científicas posteriores, por se mostrar insustentável,
sob todos os pontos de vista, principalmente a partir das Durante a Ditadura Militar, de 1964 a 1985, os movi-
estatísticas que mostram com facilidade o abismo social mentos sociais, no Brasil, foram abafados, mas, com a
existente entre brancos e negros quanto ao acesso a política, redemocratização, na década de 1980, ganharam novo fôlego
cultura, bens econômicos, trabalho, assim como na relação e passaram a pressionar o Estado por igualdade de direitos e
com a polícia, a justiça e a violência. maior visibilidade para problemas sociais que haviam ficado
em segundo plano. Experiências com políticas de ações
A valorização da miscigenação não ocultava, no entanto,
afirmativas, cuja pretensão é criar mecanismos sociais para
as relações de dominação e desigualdade produzidas por
diminuir as diferenças historicamente produzidas entre brancos,
séculos de escravidão e racismo. A situação social do
negros e outros setores menos favorecidos, tornaram-se mais
negro, após a abolição da escravidão, permanecia ainda
frequentes a partir de iniciativas nascidas nos Estados Unidos.
de pobreza, exclusão e falta de poder político. Florestan
Entre as ações afirmativas adotadas encontra-se a política de
Fernandes, sociólogo e professor da USP, adotando um
cotas sociorraciais para acesso às universidades públicas. Tal
viés materialista histórico, faz uma leitura mais apro-
política foi iniciada, em experiência piloto, na UnB em 2006 e
fundada das relações entre raça e facilidade no Brasil em
expandida em 2013 para a totalidade das universidades federais,
seu livro A integração do negro na sociedade de classes
a partir da declaração de sua legalidade constitucional pelo
(1964). Para Fernandes, o negro possui oportunidades
Supremo Tribunal Federal.
desiguais em relação ao branco, uma vez que é inserido
em uma “ordem social competitiva” – formação das Apesar de sua declarada constitucionalidade, as políticas
classes sociais no capitalismo periférico-dependente – de cotas raciais não são uma unanimidade, principalmente
e não consegue alcançar uma autonomia de classe social porque elas reorganizam o acesso às universidades, o qual,
necessária ao seu projeto político de emancipação de raça até então, era e, de certa maneira, ainda é majoritariamente
e de classe – perspectivas indissociáveis. Nas palavras de ditado por um sistema meritocrático sustentado pela posição
Florestan Fernandes: social privilegiada de alguns indivíduos. Entre os críticos da
política de cotas raciais encontra-se o sociólogo Demétrio
“[...] a convicção de que as relações entre ‘negros’ e ‘brancos’ Magnoli, que acusa esse sistema de ferir o princípio da
corresponderiam aos requisitos de uma democracia racial igualdade ao favorecer um grupo em detrimento de outro.
não passa de um mito”.
Porém, baseando-se na diferença entre igualdade formal
FERNANDES, F.
A integração do negro na sociedade de classes.
(abstrata) e a igualdade material (real, efetiva), teóricos
3. ed. São Paulo: Ática, 1978. p. 262. como a historiadora Lilia Moritz Schwarcz (O espetáculo
das raças, de 1996) e o sociólogo congolês Kabengele
Munanga, atualmente professor da USP, sustentam que as
Pouco depois, o historiador estadunidense radicado no
ações afirmativas são medidas necessárias por um espaço
Brasil, Thomas Skidmore, publicou o livro Preto no Branco:
de tempo determinado para que o abismo social, produzido
raça e nacionalidade no pensamento Brasileiro (1976), no
ao longo de séculos, seja gradualmente minimizado.
qual interpreta a persistência do racismo e da escravidão
Segundo Lilian Schwarcz, o Brasil seria palco de um tipo
em formas modernas. Por exemplo, a empregada doméstica
específico de racismo. Diferentemente do racismo explícito
(quase sempre negra, da periferia, com baixa escolaridade
praticado nos EUA por instituições da sociedade civil, como
e em posição de subalternidade demarcada pelos uniformes a Ku Klux Klan, e também pelas leis de segregação, como
que explicitam seu lugar de inferioridade social) seria uma as chamadas de Jim Crow, em vigor até a década de 1960,
forma moderna da ama de leite, a escrava antes incumbida o racismo no Brasil esteve majoritariamente disfarçado nas
de cuidar da casa do patrão branco. práticas sociais sob o véu de uma falsa “democracia racial”.

36 Coleção Filosofia / Sociologia

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A construção da modernidade

Com isso teríamos um racismo à brasileira, que não A data é um marco também para relembrar o assassinato
se proclama explicitamente, mas que está presente nas de 130 mulheres que faziam greve por melhores
diferenças de oportunidades de emprego, na reprodução condições de trabalho no interior de uma fábrica em
da pobreza, na discriminação, na desigualdade de acesso à Nova Iorque, em 1911. Os direitos das mulheres
justiça, no tratamento diferenciado nas abordagens policiais. envolveram lutas, sacrifícios e muita resistência por
Enfim, ainda que o brasileiro não se declare racista, nossa parte dos setores masculinos que estavam no poder. No
configuração de sociedade admite a manutenção de práticas Brasil, as mulheres só alcançaram direito pleno ao voto
racistas em várias instâncias da vida civil e da vida pública. com a Constituição de 1934, depois de muita pressão
No entanto, vários episódios recentes mostram que o interna e estrangeira.
racismo “latente” por vezes se manifesta de forma explícita. Na transição da Primeira para a Segunda Onda,
No futebol, os vários casos de racismo, como os gritos de encontra-se a obra O Segundo Sexo (1949), da filósofa
torcedores do Grêmio contra o goleiro Aranha do Santos, em francesa Simone de Beauvoir, que influenciou gera-

socIologIA
Porto Alegre, no ano de 2014, mostram que a discriminação ções de feministas posteriores a partir do diagnóstico
racial encontra-se naturalizada e ainda é um componente contundente sobre as várias relações de dominação
comum da vida social. Por isso, uma das bandeiras dos psicológica, cultural e política a que as mulheres
movimentos negros é a da intensificação da punição contra estavam sendo submetidas há tempos. Nesse livro,
crimes raciais. Embora a legislação brasileira já possua Beauvoir diz: “ninguém nasce mulher, torna-se mulher”
instrumentos para punir com severidade, como é o caso da
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo – volume 2.
Lei nº 7.716, em vigor desde 1989, poucos foram os casos São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1967. p. 09.
de racismo julgados a partir dela, tendo sido, em sua maioria,
revertidos para o artigo 140 do Código Penal (Injúria),
Assim sendo, a distinção entre sexo e gênero passará,
que prevê penas muito mais brandas.
em seguida, a ser um dos princípios fundamentais dos
discursos feministas.
Questão de gênero Essa distinção considera que sexo corresponde
O termo gênero implica diretamente dois temas: a questão às características anatômicas, genéticas, biológicas
feminista e a questão da homossexualidade. Essas duas de um indivíduo quanto ao seu aparelho reprodutor,
questões estão intimamente associadas e se desenvolvem à enquanto gênero diz respeito ao amplo conjunto
medida que a discussão sobre a noção de gênero se constitui das características psicossociais que constituem
de forma mais aprofundada. A origem dessa discussão se dá a identidade individual e a expressão social dessa
com o surgimento do feminismo, que é geralmente dividido em individualidade. A partir de Beauvoir, muitos teó-
três fases históricas, marcadas pela predominância de certas ricos defenderão a tese de que o “sexo não define
concepções filosóficas, biológicas e sociais sobre o gênero. o gênero”, ou seja, a identidade de gênero não
é uma mera relação de causa e efeito determi-
• Primeira Onda do Feminismo nada pela anatomia. O órgão genital é um dos
A Primeira Onda do Feminismo se inicia com a componentes do gênero, mas não é seu definidor.
Revolução Francesa e se estende até meados do
século XX, sendo predominante nos EUA, na França
e na Inglaterra. Nesta extensa fase há o predomínio
da luta por direitos políticos iguais aos dos homens,
principalmente o direito ao voto. A britânica Mary
Wollstonecraft é um dos nomes mais importantes
na organização das sufragetes (organizações de
mulheres em prol do voto feminino) e na conquista
Maíra Damásio

de direitos políticos. Na árdua luta, a data de 08


de março tornou-se o Dia Internacional da Mulher,
em 1921, para relembrar as aproximadamente 90
mil operárias que se manifestaram contra o czar
Nicolau II, em 1917, acusando as más condições de
trabalho, a fome e a participação russa na guerra,
em um protesto conhecido como “Pão e Paz”.

Bernoulli Sistema de Ensino 37

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Frente A módulo 04

A configuração de gênero seria muito mais complexa e envolveria muitos aspectos sociais,
psíquicos e culturais que vão além dos órgãos genitais. Ser homem e ser mulher, isto é,
os papéis sociais de homem e de mulher na sociedade não são dados instintivamente ou
geneticamente. Eles são construções sociais e históricas com enorme variação de cultura para
cultura e dentro de uma mesma sociedade ao longo do tempo.

• Segunda Onda do Feminismo

A Segunda Onda do Feminismo está associada às revoluções culturais da década de 1960


e às lutas identitárias que emergiram dessas revoluções. Nessa fase, a discussão sobre as
múltiplas relações entre mulheres e homens se amplia e vai além do campo político, pois
a igualdade de gênero não havia sido conquistada com o direito ao voto. Passam a ser
reivindicados direitos econômicos, sexuais e reprodutivos, como o direito ao amor livre,
ao aborto e a ocupar o mercado de trabalho com reconhecimento similar ao masculino.

O lema da segunda onda passa a ser “o pessoal é político”, indicando que, ao longo da
história, as mulheres tiveram seu próprio corpo e sua sexualidade dominados por uma moral
masculina e patriarcal. Assim, a dominação masculina não estaria presente somente no campo
político, mas todo o imaginário social em torno da sexualidade estaria impregnado de uma
visão que parte do gênero masculino e submete os demais gêneros à heteronormatividade
masculina (princípios e normas de orientação heterossexual masculina). Por isso, o corpo
é político, o sexo é político, o desejo é político, logo, as esferas da vida privada refletem
as estruturas de dominação que estão presentes na vida social.

Nessa fase consagraram-se termos como sexismo (discriminação baseado em diferenças


sexuais), misoginia (horror ou rejeição ao sexo / gênero feminino), homofobia (horror à
homoafetividade / homossexualidade), transfobia (horror ou rejeição a indivíduos transgênero
ou travestis). A discussão sobre gênero supera a dicotomia masculino / feminino e passa
a englobar as múltiplas relações de gênero e de orientação do desejo.

Graças aos estudos efetuados, a partir da década de 1970, houve uma mudança
terminológica de homossexualismo (termo pejorativo, associado a distúrbio ou anormalidade)
para homossexualidade ou homoafetividade. Em 1973, a Associação Americana de
Psiquiatria retira a homossexualidade da lista de doenças psíquicas e em 1990 a Organização
Mundial de Saúde também deixa de considerá-la uma doença. No Brasil, desde 1985,
o Conselho Federal de Psicologia considera que “a homossexualidade não constitui doença,
nem distúrbio, nem perversão, constituindo-se numa alternativa natural e espontânea da
sexualidade humana”, e a resolução 001 de 1999 do mesmo Conselho Federal de Psicologia
ratifica a defesa da normalidade da homossexualidade e proíbe os psicólogos de “colaborar
com qualquer terapia que prometa curar ou tratar a homossexualidade como se fosse doença
ou distúrbio”.

• Terceira Onda do Feminismo

A Terceira Onda do Feminismo desponta, na década de 1990, sob forte influência das filosofias
pós-modernas. Ela critica o essencialismo das duas ondas precedentes, que enxergavam o
gênero como uma identidade estática e imutável dos indivíduos, bem como o elitismo dos
feminismos anteriores, voltados especialmente para os interesses das mulheres brancas de
classe média e alta. Numa tentativa de democratizar a luta por direitos, a terceira onda passa a
ser composta de grande número de subdivisões e subgrupos que questionam a universalidade
de termos genéricos como “mulher”, “homossexual” e “gênero”. Surgem movimentos de
mulheres negras ((mulherismo) que reivindicam direitos específicos, considerando a situação
particular vivenciadas por esse segmento de mulheres, que não estava sendo contemplado
pelas principais artífices da segunda onda: mulheres brancas, europeias ou norte-americanas,
de classe média, escolarizadas.
Maíra Damásio

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A construção da modernidade

Para as teóricas da 3ª onda, como a filósofa Um dos desafios assumidos pela terceira onda
estadunidense Judith Butler (Problemas de Gênero, do feminismo é a da discussão sobre o sexismo /
1990), o gênero é uma construção discursiva, um machismo presente na linguagem comum. A língua
ato intencional que produz significados e que se seria a principal instituição social a materializar
sustenta a partir de performances que os indivíduos relações de poder, porque a cultura influencia na
desempenham continuamente como se fossem configuração da língua (tanto do ponto de vista
comportamentos naturais. A noção de gênero se valeria sintático quanto semântico), e, num círculo, a
de uma falsa sensação de estabilidade, em razão da linguagem influencia o desenvolvimento da cultura.
repetição de atos, gestos e signos, do âmbito cultural,
O fato de não existir gênero neutro na Língua Portu-
que reforçariam a construção dos corpos masculinos
guesa, mas somente dois – masculino e feminino –,
e femininos tais como nós os vemos atualmente.
já é sintoma de uma determinada concepção acerca
Literalmente, há técnicas para “ser homem” e
da sexualidade humana, cisgênero.
“ser mulher” que são normatizadas socialmente.
Por isso, para Butler e outras teóricas, não se A preponderância do masculino sobre o feminino

SOCIOLOGIA
deveria falar em identidade de gênero, mas sim em na linguagem (na formação do plural, por exemplo)
performance de gênero. A ideia de “performance” evidencia o machismo implícito na cultura e reforça
traduziria melhor a dinamicidade do gênero, seus valores sexistas, uma vez que a linguagem
compreendendo-o a partir de suas características comum “naturaliza” o costume, passando a impressão
linguísticas e expressivas. aos falantes de que as palavras são um espelho da
Uma das teorias propostas na terceira onda do realidade e vice-versa. Uma tentativa que tem sido
feminismo (ou no pós-feminismo, segundo algumas explorada é a de criar um gênero neutro, que evite
autoras) é a Teoria Queer, cujo foco se concentra a dicotomia masculino / feminino. Por exemplo,
no empoderamento das categorias de gênero “alun@s” ou “alunxs” para escapar ao determinismo
consideradas desviadas, anormais. O termo “queer” linguístico.
foi inicialmente utilizado de forma pejorativa e poderia
ser traduzido por “esquisito” ou similar. No entanto,
a partir dos estudos de Teresa de Lauretis e de O Processo Civilizador
Judith Butler, ele passou a assumir uma conotação
positiva, como uma afirmação social do gênero
de Norbert Elias
desviante. Criticando a lógica cisgênero, que é binária
Norbert Elias (1897-1990) foi um dos mais destacados
(homem / mulher) e disjuntiva (ou se é homem ou
sociólogos do século XX. De origem alemã, buscou uma
se é mulher, não há terceiro termo), a Teoria Queer
defende um modelo de gênero aberto, performático e síntese de teorias clássicas (como o funcionalismo de Émile
antiessencialista, incluindo todas as possíveis formas Durkheim e Talcott Parsons e a sociologia compreensiva de
de manifestação da sexualidade humana. Max Weber) com teorias modernas (como o estruturalismo
Dois movimentos que pretendem dar visibilidade da Antropologia de Claude Lévi-Strauss), visando
à causa de gênero são a já consagrada Parada do
Orgulho Gay (Gay Pride) e a Marcha das Vadias, ambos alargar nossa compreensão dos processos humanos e sociais
realizados em várias cidades ao redor do mundo. e adquirir uma base crescente de conhecimento mais sólido
Reunindo mulheres, transexuais, transgêneros, acerca desses processos.
homossexuais e outros atores de gênero não binários, ELIAS, Norbert. O processo civilizador – volume 1.
tais movimentos defendem uma leitura ampliada Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. p. 14. [Fragmento]
da sexualidade humana e denunciam as formas
restritivas e binárias de compreensão da sexualidade,
Porém, enquanto os teóricos funcionalistas e estruturalistas
bem como as violências sofridas por aqueles que não
compartilham de uma sexualidade hétero. tendem a enxergar estruturas objetivas e estáticas na
sociedade, que agem de forma coercitiva sobre os indivíduos,
Como resultado dos estudos aprofundados sobre o
tema, compreende-se que a sexualidade humana não os teóricos da sociologia compreensiva concedem, por
está restrita nem é determinada pela genética ou pela vezes, um valor excessivo ao indivíduo e à sua liberdade.
anatomia genital, o que não significa afirmar que a Todavia, Elias pensa a sociedade a partir de teias de
sexualidade seja escolhida de forma livre, espontânea interdependência que produzem configurações sociais de
e consciente pelo indivíduo. Por isso, não se deve falar
muitos tipos, por exemplo: família, aldeia, cidade, Estado
em “opção sexual”, mas sim em orientação sexual,
e nações. Essas configurações podem ser constituídas por
sabendo-se que a formação do desejo é um processo
psicossocial complexo que envolve múltiplos fatores, agrupamentos de diversos tamanhos e formas, marcados
mas que não está sob controle do indivíduo. por diferentes graus de interação social entre seus membros.

Bernoulli Sistema de Ensino 39

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Frente A Módulo 04

Sua sociologia depreende que o social é substancialmente Uma das contribuições da teoria de Bourdieu é a
o conjunto das redes de inter-relações dinâmicas entre os expansão da noção marxista de capital. Além do capital
indivíduos. Diferentemente de Durkheim, Elias compreende econômico, que diz respeito à propriedade dos meios de
que não existiria sociedade sem indivíduos, isto é, produção e à posse de dinheiro, Bourdieu identificou outras
a sociedade não é uma entidade supraorgânica. Paralelamente, formas de capital que definem as relações de dominação.
Elias também afirma a impossibilidade de os indivíduos O capital cultural corresponderia aos saberes e
existirem fora da sociedade. Ou seja, para Elias, não é conhecimentos socialmente aceitos e reconhecidos
plausível pensar a relação dos conceitos de indivíduo mediante títulos e diplomas; o capital simbólico seria
e sociedade de forma independente um do outro. composto pelo prestígio ou pela honra que se confere
O livro mais conhecido de Norbert Elias é O Processo a determinada pessoa ou função social; e o capital
Civilizador (1939), no qual o autor analisa a formação das social se referiria às relações sociais privilegiadas que
sociedades ocidentais ao longo da história. Ao contrário da podem ser convertidas em poder. Essas dimensões do
noção de progresso, que era afirmada pelos positivistas, e capital se encontram interligadas, pois geralmente quem
à noção de racionalização, defendida por Weber, Norbert advém de uma família abastada (capital econômico) e
Elias identifica que a vida civilizada não corresponde a uma influente (capital social / simbólico) tende a ter um acesso
maior racionalização da vida social porque não é efeito de privilegiado à educação (capital cultural), fato que reforça
ações conscientes, deliberadas e racionais realizadas por seu poder, ao mesmo tempo, econômico e social e, por
indivíduos isolados. O presente modelo de civilização não outro lado, reforça a posição de subalternidade daqueles
deve ser julgado a partir de juízos de valor como bom e grupos cujo o acesso a essas formas de capital é menor.
mau, positivo e negativo ou racional e irracional. A civilização O conjunto desses capitais seria compreendido a partir de
não é planejada, mas sim fruto de um processo que produz um sistema de disposições de cultura (nas suas dimensões
mudanças, em longo prazo, na conduta e nos sentimentos, material, simbólica e cultural, entre outras), denominado
a partir de complexas teias de interpendência que incluem por ele de habitus, que configura o repertório social de
forças políticas, econômicas, culturais e também o monopólio valores disponíveis para o indivíduo.
da violência física por parte das instituições de poder. O conceito de habitus é uma tentativa de Bourdieu para
Em outras palavras, a ideia de Elias, em O Processo fugir da dicotomia clássica entre indivíduo e sociedade.
Civilizador, tange à recuperação da percepção perdida do O habitus seria, então, um sistema aberto de ações,
processo civilizador, juntamente com a transformação do percepções e disposições adquiridos pelos indivíduos, com
comportamento humano e o entendimento de suas causas. o passar do tempo, em suas relações sociais. Ou ainda,
o habitus seria um sistema de esquemas individuais,
determinado pela posição do indivíduo, que permite que os
Violência Simbólica agentes pensem, sintam, vejam e ajam nas mais variadas

e Capital Cultural situações. Nas palavras de Bourdieu, o habitus

segundo Pierre Bourdieu funciona a cada momento como uma matriz de percepções,
de apreciações e de ações – e torna possível a realização de
O sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002)
tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências
foi um dos mais importantes pensadores do século XX e
analógicas de esquemas.
não restringiu sua atuação somente às Ciências Sociais,
BOURDIEU, P. Esboço de uma teoria da prática.
transitando também pelas fronteiras das demais ciências
In: ORTIZ, Renato (Org.). Pierre Bourdieu: Sociologia.
humanas. Dono de um pensamento que reúne múltiplas São Paulo: Ática, 1983. p 65. [Fragmento]
referências, esforçou-se para tentar compreender as
formas de reprodução das desigualdades sociais. Para ele,
as relações de poder não são definidas somente pelo volume Portanto, o indivíduo não pode ser interpretado de forma
de dinheiro, mas também pela articulação complexa de isolada e independente dos grupos sociais a que pertence.
sentidos e elementos simbólicos que transitam na ordem da A família e a escola seriam duas instituições fundamentais
cultura e definem o status, o prestígio e o valor individual. para a aquisição desse habitus, fornecendo os parâmetros
A estrutura social é vista como um sistema hierarquizado básicos de saberes, gostos, valores e possibilidades ao
de poder e privilégio, determinado tanto pelas relações indivíduo. Bourdieu considera que o gosto e as práticas de
materiais e / ou econômicas como pelas relações simbólicas cultura de cada um de nós são resultados de um feixe de
e / ou culturais entre os indivíduos. condições específicas de socialização.

40 Coleção Filosofia / Sociologia

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A construção da modernidade

É na história das experiências de vida dos grupos e dos Uma das faces da violência simbólica é a violência de
indivíduos que podemos apreender a composição de gosto gênero, que
e compreender as vantagens e desvantagens materiais e
simbólicas que assumem. Em uma sociedade de massas,
na qual a mídia e a indústria cultural desempenham [...] se expressa com força nas nossas instituições sociais
(falamos então de violência institucional de gênero) e,
papel preponderante na economia e no entretenimento,
de maneira mais sutil, embora não menos constrangedora,
não se pode negar que os gostos individuais são fortemente
na nossa vida cultural, nos atacando (ou mesmo nos
pressionados por tendências de mercado e pelos ditames bombardeando) por todos os lados, sem que tenhamos
da moda. plena consciência disso. Diariamente, ouvimos piadinhas,
canções, poemas, ou vemo-nos diante de contos, novelas,
Porém, nem sempre o poder é visível. Há uma dimensão
comerciais, anúncios, ou mesmo livros didáticos (ditos
simbólica no poder (poder simbólico) que se encontra
científicos!), de toda uma produção cultural que dissemina
nas entrelinhas do discurso, das artes, da cultura, de vários
imagens e representações degradantes, ou que, de uma

SOCIOLOGIA
signos sociais que são aceitos socialmente e cumprem a forma ou de outra, nos diminuem enquanto mulheres. Essas
função de manter as desigualdades sociais, disfarçando-as imagens acabam sendo interiorizadas por nós [...], muitas
de construções naturais e imutáveis. Com isso, o poder vezes sem que nos demos conta disso. Elas contribuem
simbólico exerce uma violência simbólica – forma de sobremaneira na construção de nossas identidades /
violência que está implícita no discurso e que perpetua as subjetividades, diminuindo, inclusive, nossa autoestima. Isso
relações de dominação. Bourdieu investigou em seu livro tudo se constitui no que chamamos de violência simbólica
A dominação masculina (1992) vários mecanismos discursivos de gênero, uma forma de violência que é, indubitavelmente,
que reforçam e naturalizam as desigualdades de gênero uma das violências de gênero mais difíceis de detectarmos,
analisarmos e, por isso mesmo, combatermos.  
nas sociedades ocidentais. As mulheres são submetidas a
uma socialização pautada, majoritariamente, pelos valores SARDENBERG. C. M. B. A violência simbólica de gênero e a lei
do grupo dominante (homens brancos) e acabam por “antibaixaria” na Bahia. Disponível em: <http://www.observe.
internalizar os valores que as subjugam. A própria linguagem ufba.br/noticias/exibir/344>. Acesso em: 03 set. 2018.
se incumbe de reforçar as desigualdades. Como a gramática
é considerada o “modo único e certo” de pronunciar a língua,
ela normatiza e prescreve as desigualdades como se fossem
naturais e determinadas por alguma ordem externa. Como A Modernidade Líquida,
afirma o sociólogo Roger Chartier:
segundo Zygmunt Bauman
A modernidade é um tema constante de reflexão das
[...] a construção da identidade feminina se enraíza na teorias sociológicas e objeto de muitos autores diferentes.
interiorização pelas mulheres, de normas enunciadas Um dos maiores nomes nessa discussão é o do sociólogo
pelos discursos masculinos. [...] Definir a submissão polonês Zygmunt Bauman (1925-2017), autor de vasta
imposta às mulheres como uma violência simbólica ajuda obra sobre a modernidade. Seu livro mais famoso explicita
a compreender como a relação de dominação, que é uma sua tese básica: a Modernidade Líquida (2000). Na tentativa
relação histórica, cultural e linguisticamente construída, de interpretar o desenrolar histórico que ocorre após as
duas grandes guerras mundiais, Bauman identifica que
é sempre afirmada como uma diferença de natureza, radical,
muitas categorias sociais consideradas sólidas e estáveis
irredutível, universal.
ao longo da história da humanidade (nação, Estado,
CHARTIER, Roger. Diferenças entre os socialismo, mercado, indivíduo, consciência) revelaram-se
sexos e dominação simbólica (nota crítica). mais fluidas e voláteis do que se imaginava. Muitos
Cadernos Pagu, Campinas, n. 4, p. 40-42, 1995. princípios, valores, regras, crenças e métodos que orientam
as visões de mundo dos indivíduos se dissolveram e foram
desconstruídos, sendo substituídos por um sentimento
de incerteza e inconstância que tende a caracterizar a
Isto posto, este conceito de Bourdieu – violência simbó-
chamada pós-modernidade. Na frase do filósofo francês
lica – trata-se da dominação consentida, ou seja, a aceitação
Jean-Francois Lyotard (A condição pós-moderna, 1979),
de crenças e regras partilhadas como se fossem algo o século XX testemunhou o “fim das grandes metanarrativas”,
“natural”. Paralelamente, trata, também, da incapacidade de isto é, as teorias e doutrinas (religiosas, políticas,
perceber o caráter arbitrário dessas regras, crenças e códigos míticas) que antes fundamentavam a história sofreram
de conduta, que são impostos pelos agentes dominantes fortes abalos em razão dos próprios acontecimentos
no campo. trágicos presenciados ao longo do “século da civilização”.

Bernoulli Sistema de Ensino 41

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Frente A Módulo 04

A metáfora da liquidez é oportuna e se opõe à solidez e à que resulta em redução de direitos e garantias ao trabalhador)
segurança das metanarrativas anteriores. O que é líquido e até mesmo do sexo (o ato sexual sucumbe à lógica do
é fluido, não possui forma definida, é moldável conforme consumo, perdendo seu valor agregador e de relação íntima
diferentes pressões externas e pode se dissolver ou evaporar. para se tornar um mecanismo de satisfação individualista e
O imediatismo substitui o planejamento de longo prazo; egoísta, em que o outro é reduzido a mero objeto sexual).
a sobrevivência em uma sociedade competitiva e predatória
Ademais, o medo é fruto de uma incorporação social.
faz os valores individuais serem moldados às necessidades
Em sua obra Medo Líquido, Bauman apresenta três categorias
da conveniência e aos desejos individuais ditados pelo
de medo, derivadas da lógica predominante na modernidade
instante da moda e da mídia de massa.
líquida: primeiro, medo de não garantir trabalho ou se
Em uma sociedade cada vez mais complexa e com menos sustentar no futuro; segundo, medo de não conseguir “ser
referenciais comuns, há uma supervalorização do indivíduo alguém” na estrutura social, sendo relegado a posições de
(individualização), contudo isso não se traduz em maior menor prestígio ou subalternas; e, terceiro, medo quanto à
liberdade ao indivíduo. Ao contrário, o indivíduo se encontra, integridade física. Todas essas três formas fazem com que a
cada vez mais, submetido a forças externas (mídia, mercado, segurança seja substituída pela proteção. Enquanto segurança
consumo) que não fornecem a ele parâmetros sólidos de e insegurança são disposições psíquicas, interiores, proteção,
conduta e ação. O resultado é a criação de um sujeito que diz respeito a um conjunto de instrumentos para tentar
líquido, cuja identidade é frequentemente contraditória e garantir a segurança, é externa. A proteção envolve agentes
composta de fragmentos de discursos variados, sem que e instituições a quem se atribui a responsabilidade de garantir
haja necessariamente uma coesão interna. Da mesma forma, a integridade física e, principalmente, a propriedade privada.
as relações sociais tendem também a se liquefazer, sendo Na lógica da proteção, tudo o que é diferente e estranho é
marcadas pela superficialidade, pela instantaneidade e pela visto como uma possível ameaça, o que justificaria a tomada
falta de laços sólidos. As redes sociais contemporâneas são de medidas mais radicais para garantir o que se deseja
testemunhas dessa liquidez. proteger: aumentar os muros das casas, colocar grades
nas janelas, espalhar câmeras nos ambientes públicos e
E por isso Bauman falará de amor líquido para tematizar
privados, aumentar o policiamento, enfim, instituir uma
as mudanças nas relações afetivas que decorrem das
situação de vigilância permanente que tem a pretensão de
transformações experimentadas na história. Nas relações
se proteger do outro, do estranho, do diferente. Obviamente,
sociais predomina a lógica da conexão. Esse termo é
o próprio medo passa a constituir um importante elemento
relevante porque descreve relações frágeis e voláteis, nas
para subsidiar um tipo específico de consumo ligado à
quais o que conta é o número de conexões e não o seu
“indústria da segurança”. De acordo com dados da Associação
grau de profundidade. Ao mesmo tempo, o termo “conexão”
das Indústrias de Segurança do Brasil, tal mercado é
mostra a presença da “vantagem” de se poder desconectar
responsável por movimentar cerca de 1,8 bilhões de reais
sem que haja prejuízo ou custo.
e cresce aproximadamente 20% ao ano, somente no Brasil.
O pressuposto desse formato de relações é a transformação É interessante observar que tal mercado é, de certa maneira,
de sujeitos em mercadorias. Metaforicamente, as pessoas alimentado pelos jornais sensacionalistas e pelo reforço da
ficam à disposição em “prateleiras” para serem escolhidas insegurança patrimonial e física.
por sua aparência, para depois serem consumidas e
Por isso, uma das consequências da modernidade líquida é
dispensadas a qualquer momento. Mas, o vazio dessas
o crescimento de discursos fundamentalistas e reacionários.
relações entra em choque com as expectativas pessoais de
Tais discursos reagem à liquidez e buscam alguma fixidez
afeto, atenção e estabilidade, fazendo os sentimentos de
na obediência à tradição ou a textos sagrados, na força
frustração, insegurança e angústia cada vez mais comuns,
física, no nacionalismo exacerbado, na rejeição aos “de fora”.
especialmente em grandes centros urbanos, onde esses tipos
A sustentação simbólica que era garantida pelas “sólidas”
de liquidez se manifestam de forma mais intensa.
instituições sociais cede espaço para uma grande insegurança
As reflexões de Bauman se estendem por vários domínios psíquica e social, contra o que reagem algumas posições
da vida social, demonstrando como a lógica da liquidez conservadoras. Os discursos xenofóbicos e discriminatórios que
“contaminou” os modos de funcionamento da vivência têm se intensificado no mundo e no Brasil, em particular, tendem
em comunidade (o individualismo tende a suplantar a manifestar a sensação de insegurança social e econômica, que
a comunidade e desagregar a cultura tradicional), do é característica dessa fase da modernidade, e canalizá-la para
trabalho (o mercado competitivo “exige” maior flexibilidade, um alvo socialmente mais frágil e historicamente discriminado.

42 Coleção Filosofia / Sociologia

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A construção da modernidade

Por exemplo, movimentos de cunho neonazista e neofascista


Esses esquemas de pensamento, de aplicação universal,
na Europa culpam os imigrantes africanos / asiáticos pela
registram como que diferenças de natureza, inscritas na
crise econômica, apesar de a Europa depender da imigração
objetividade, das variações e dos traços distintivos (por
para a manutenção da sua economia. Além disso, a população
exemplo, em matéria corporal) que eles contribuem para fazer
daquele continente se “esquece” de que o fenômeno atual
existir, ao mesmo tempo que as “naturalizam”, inscrevendo-as
da imigração é uma herança advinda, em certa medida,
em um sistema de diferenças, todas igualmente naturais em
das atividades imperialistas predatórias realizadas há séculos
aparência; de modo que as previsões que elas engendram são
pelos próprios europeus na África e na Ásia. incessantemente confirmadas pelo curso do mundo, sobretudo
por todos os ciclos biológicos e cósmicos. Assim, não vemos como

Bauman evita usar o termo pós-modernidade: poderia emergir na consciência a relação social de dominação que
está em sua base e que, por uma inversão completa de causas e
Uma das razões pelas quais passei a falar em “modernidade
efeitos, surge como uma aplicação entre outras, de um sistema

SOCIOLOGIA
líquida” em vez de “pós-modernidade” (meus trabalhos mais
recentes evitam esse termo) é que fiquei cansado de tentar de relações de sentido totalmente independente das relações

esclarecer uma confusão semântica que não distingue sociologia de força. O sistema mítico-ritual desempenha aqui um papel

pós-moderna de sociologia da pós-modernidade, entre “pós- equivalente ao que incumbe ao campo jurídico nas sociedades
-modernismo” e “pós-modernidade”. No meu vocabulário, diferenciadas: na medida em que os princípios de visão e divisão
“pós-modernidade” significa uma sociedade (ou, se se prefere, que ele propõe estão objetivamente ajustados às divisões
um tipo de condição humana), enquanto que “pós-modernismo” preexistentes, ele consagra a ordem estabelecida, trazendo-a à
se refere a uma visão de mundo que pode surgir, mas não existência conhecida e reconhecida, oficial.
necessariamente da condição pós-moderna.
A divisão entre os sexos parece estar “na ordem das coisas”,
Procurei sempre enfatizar que, do mesmo modo que ser um como se diz por vezes para falar do que é normal, natural,
ornitólogo não significa ser um pássaro, ser um sociólogo da
a ponto de ser inevitável: ela está presente, ao mesmo tempo,
pós-modernidade não significa ser um pós-modernista, o que
em estado objetivado nas coisas (na casa, por exemplo, cujas
definitivamente não sou. Ser um pós-modernista significa ter
partes são todas “sexuadas”), em todo o mundo social e, em
uma ideologia, uma percepção do mundo, uma determinada
estado incorporado, nos corpos e nos habitus dos agentes,
hierarquia de valores que, entre outras coisas, descarta a ideia
funcionando como sistemas de esquemas de percepção,
de um tipo de regulamentação normativa da comunidade
humana e assume que todos os tipos de vida humana se de pensamento e de ação. [...] É a concordância entre as estruturas

equivalem, que todas as sociedades são igualmente boas ou objetivas e as estruturas cognitivas, entre a conformação do ser e

más; enfim, uma ideologia que se recusa a fazer julgamentos as formas do conhecer, entre o curso do mundo e as expectativas
e a debater seriamente questões relativas a modos de vida a esse respeito, que tornam possível esta referência ao mundo
viciosos e virtuosos, pois, no limite, acredita que não há nada que Husserl descrevia com o nome de “atitude natural” ou de
a ser debatido. Isso é pós-modernismo. “experiência dóxica” – deixando, porém, de lembrar as condições

PALLARES-BURKE, M. L. sociais de sua possibilidade. [...]


Entrevista com Zygmunt Bauman. Revista Tempo Social. A força da ordem masculina se evidencia no fato de que
São Paulo, v. 16, n. 1, p. 21, jun. 2004. [Fragmento]
ela dispensa justificação: a visão androcêntrica impõe-se
como neutra e não tem necessidade de se enunciar em discursos
que visem a legitimá-la. A ordem social funciona como uma
Arbitrária em estado isolado, a divisão das coisas e das atividades
imensa máquina simbólica que tende a ratificar a dominação
(sexuais e outras) segundo a oposição entre o masculino e o
masculina sobre a qual se alicerça: é a divisão social do trabalho,
feminino recebe sua necessidade objetiva e subjetiva de sua
inserção em um sistema de oposições homólogas, alto / baixo, em distribuição bastante estrita das atividades atribuídas a cada um

cima / embaixo, na frente / atrás, direita / esquerda, reto / curvo dos dois sexos, de seu local, seu momento, seus instrumentos; é a

(e falso), seco / úmido, duro / mole, temperado / insosso, claro / estrutura do espaço, opondo o lugar de assembleia ou de mercado,
escuro, fora (público) / dentro (privado), etc., que, para alguns, reservados aos homens, e a casa, reservada às mulheres; ou,
correspondem a movimentos do corpo (alto / baixo / subir / descer / no interior desta, entre a parte masculina, com o salão, e a parte
fora / dentro / sair / entrar). Semelhantes na diferença, tais oposições feminina, com o estábulo, a água e os vegetais; é a estrutura do
são suficientemente concordes para se sustentarem mutuamente, tempo, a jornada, o ano agrário ou o ciclo de vida, com momentos
no jogo e pelo jogo inesgotável de transferências práticas e de ruptura, masculinos e longos períodos de gestação, femininos.
metáforas; e também suficientemente divergentes para conferir,
a cada uma, uma espécie de espessura semântica, nascida da sobre BOURDIEU, P. A dominação masculina.
determinação pelas harmonias, conotações e correspondências. São Paulo: Bertand Brasil, 2012. p. 16-18.

Bernoulli Sistema de Ensino 43

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Frente A Módulo 04

Pesquisa mostra que Na época, o vereador Ricardo Nunes se referiu ao assunto como
“ideologia de gênero” e justificou a retirada do tema do PME com

discriminação contra referências a Deus e à religiosidade. Ele acredita que a educação


relacionada à sexualidade cabe à família.
homossexuais está Já a vereadora Juliana Cardoso ressaltou os diferentes modelos

presente em escolas de família que existem hoje. Algumas têm mulheres como chefes
de família, pais homossexuais ou heterossexuais, somente pai ou
Pesquisa realizada pela Universidade Federal de São Carlos somente a mãe, avós como referência materna e paterna, entre
(UFSCar), no interior de São Paulo, mostrou que 32% dos outros casos. “Essas famílias precisam ser visibilizadas na escola,
homossexuais entrevistados afirmaram sofrer preconceito dentro porque refletem a realidade brasileira”, disse na ocasião.
das salas de aula e também que os educadores ainda não sabem Ela elencou ainda algumas mentiras, que estariam sendo
reagir apropriadamente diante das agressões, que podem ser disseminadas sobre a inclusão de gênero no PME, e disse que
físicas ou verbais, no ambiente escolar. a exclusão de banheiros separados, os professores ensinando
Os dados, segundo os pesquisadores, convergem com aqueles os alunos a serem transexuais e a destruição da família não
apresentados em pesquisa do Ministério da Educação que ouviu correspondem à realidade: “queremos discutir gênero nas escolas
8.283 estudantes na faixa etária de 15 a 29 anos, no ano letivo para garantir respeito à diversidade.” [...]
de 2013, em todo o país, e constatou que 20% dos alunos não
BOEHM, Camila. EBC – Agência Brasil. Disponível em:
quer colega de classe homossexual ou transexual.
<http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2016-03/
A professora do Departamento de Ciências Humanas e Educação pesquisa-mostra-que-discriminacao-contra-homossexuais-
(DCHE) da Ufscar, que é uma das autoras do estudo, Viviane esta-presente-em>. Acesso em: 03 set. 2018.
Melo de Mendonça, afirma que o entendimento desse cenário e a

Cotas: 10 anos de inclusão


busca por estratégias capazes de revertê-lo não são questões do
movimento LGBT, mas sim uma questão da educação que deve
ser defendida e compreendida por todos os educadores. [...]
nas universidades
Segundo ela, este e outros estudos de gênero e sexualidade
“contribuem para levantar questões e pensar em ações na escola públicas brasileiras
em uma perspectiva da educação para diversidade e, desse modo,
Em audiência pública com mais de três horas de duração,
para uma educação que combata a discriminação e preconceitos,
nesta segunda-feira (19), senadores, militantes e especialistas
as violências de gênero, violência contra mulher e a violência
debateram os dez anos de existência do sistema de cotas raciais
homo, lesbo e transfóbica”. Para a pesquisadora, a escola tem
para ingresso em universidades públicas brasileiras. A conclusão
que ser um espaço aberto à reflexão e de acolhimento aos alunos
dos participantes dessa reunião da Comissão de Direitos Humanos
em sua individualidade e liberdade de expressão.
e Legislação Participativa (CDH) foi unânime: depois de uma
Para a promoção da diversidade e dos direitos humanos nas década, a ação afirmativa mostrou ser bem-sucedida ao promover
escolas, de acordo com a pesquisadora, é necessária a formação significativa e relevante inclusão da população negra brasileira
de educadores para a questão. “É necessário que a formação de no ensino superior público.
professoras e professores tenham um debate mais aprofundado
Para os participantes, as ações afirmativas são um instrumento
sobre as questões de gênero e sexualidade, com disciplinas
legítimo para a busca da “igualdade material” preconizada pela
obrigatórias que tratem do tema. É fundamental também que se
Constituição de 1988. Eles também argumentaram a favor
desconstruam as resistências para se falar da diversidade sexual
de programas como o Prouni e o Fies, que, na opinião deles,
e das diferenças, bem como das desigualdades persistentes e
proporcionam o acesso ao ensino superior a parcelas populacionais
estruturais em nossa sociedade que são, sim, produtoras das
que historicamente ficaram de fora das universidades. [...]
violências”, disse.
Primeiro a falar, o diretor-executivo da organização não
Plano Municipal de Educação governamental Educafro, frei David Santos, explicou que o sistema

O tema da educação para a diversidade foi bastante debatido de cotas raciais é apenas um dos tipos de ações afirmativas

no ano passado durante a formulação dos Planos Municipais atualmente em uso no Brasil.

de Educação (PME), projeto que tem o objetivo de nortear o Salientou que existem no país sistemas específicos para ingresso
planejamento da educação para a cidade nos próximos 10 anos. no ensino superior para estudantes de escolas públicas, negros,
Na capital paulista, após muitas discussões e protestos favoráveis indígenas, pessoas com deficiência, quilombolas, nativos do estado
e contrários, o projeto de lei que trata do PME foi aprovado pela em que se localiza a instituição de ensino, cidadãos de baixa renda,
Câmara Municipal de São Paulo, em agosto de 2015, mas o texto professores da rede pública, população de cidades do interior e até
não incluiu questões de gênero e sexualidade. para filhos de policiais e bombeiros mortos em serviço.

44 Coleção Filosofia / Sociologia

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A construção da modernidade

“Por que as cotas incomodam?” “Com a marca da inclusão”

David Santos informou que 160 instituições públicas A diretora de Gestão Acadêmica da Universidade do
brasileiras de ensino superior já adotam algum tipo de ação Estado de Mato Grosso (Unemat), Elisângela Patrícia Moreira
afirmativa, totalizando cerca de 330 mil cotistas, 110 mil deles da Costa, afirmou que essa instituição já nasceu “com a marca
afrodescendentes. [...] da inclusão”, pois surgiu em 1978 no interior do estado como
Instituto de Ensino Superior de Cáceres, virando universidade
– Por que as cotas incomodam tanto? - questionou David
em 1993 e adotando o sistema de cotas a partir de 2004. [...]
Santos, ao lembrar que o projeto de lei que institui sistema de
cotas em todas as universidades públicas brasileiras já tramita Elisângela da Costa informou que a Unemat já percebeu grande

no Congresso há longos 13 anos. número de trancamento de matrícula e evasão entre os cotistas,


o que fez a universidade atentar para a necessidade de criação
David Santos afirmou ainda que pesquisas já mostraram que o
de processo de acompanhamento mais específico do desempenho
sistema de cotas não aumentou o racismo nas universidades, que
acadêmico e das condições econômicas dos graduandos cotistas.
a qualidade acadêmica não foi prejudicada e que o desempenho
Depois de os palestrantes exporem suas ideias, cidadãos

SOCIOLOGIA
acadêmico dos cotistas não é inferior ao dos não cotistas.
presentes na audiência pública puderam falar de suas experiências.
Ele acrescentou que estudo do Datafolha mostrou que 87% dos
Dentre eles, Solange Aparecida Ferreira de Campos falou de
brasileiros concordam com as ações afirmativas.
maneira emocionada e contundente. Militante do movimento negro,
A secretária de Políticas de Ações Afirmativas da Secretaria de Solange foi a primeira brasileira beneficiada com bolsa do Prouni,
Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Anhamona Silva de Brito, o que a ajudou a se formar em Gastronomia na Universidade
disse que o sistema de cotas vem ajudando na diminuição do racismo Anhembi Morumbi, uma instituição privada. Ela ingressou nessa
no país e também dos prejuízos que o racismo traz para a população. universidade quando já tinha 45 anos e formou-se em 2008.
Ela informou que a secretaria e o Instituto Nacional de Ciência Na opinião dela, não é favor, mas sim obrigação dos governantes
e Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa vêm brasileiros apoiarem o acesso à educação da população negra, pois
trabalhando em um “mapa da inclusão” sobre ações afirmativas. “nossos ancestrais negros deram o sangue por esse país”.

Anhamona Silva de Brito adiantou que a pesquisa vem – Se tivemos força para levar chibatadas nas costas, também
estudando 114 instituições de ensino superior que possuem algum temos força, competência e capacidade para ocupar qualquer cargo
tipo de ação afirmativa. De acordo com ela, os resultados mostram e exercer qualquer atividade e trabalho – afirmou.
que as cotas raciais correspondem a um percentual relativamente AGÊNCIA SENADO. Disponível em: <http://www12.senado.
baixo se comparadas às ações afirmativas destinadas a estudantes leg.br/noticias/materias/2011/09/19/cotas-10-anos-de-
oriundos de escolas públicas. inclusao-nas-universidades-publicas-brasileiras>.
Acesso em: 03 set. 2018.
“Universidade mais colorida”

Exercícios
O reitor da Universidade de Brasília (UnB), José Geraldo de
Sousa Júnior, classificou como vitoriosa a trajetória de dez anos
das cotas raciais no Brasil. Ele lembrou que a UnB foi uma das Propostos
primeiras a adotar o sistema por decisão própria e que atualmente
a instituição tem cotas para afrodescendentes (20% das vagas
01. (UERJ–2016) As comunidades quilombolas, que são
predominantemente constituídas por população negra,
vestibulares) e indígenas, além de unidades criadas em cidades
se autodefinem a partir das relações com a terra, do
do Distrito Federal com baixo Índice de Desenvolvimento Humano
parentesco, do território, da ancestralidade, das tradições
(IDH), que priorizam as populações locais, e também vagas
e das práticas culturais próprias. Estima-se que em todo o
específicas para educadores que atuam em assentamentos
país existam mais de três mil comunidades quilombolas.
da reforma agrária.
O Decreto Federal nº 4.887, de 20 de novembro de
Nos últimos dez anos, informou o reitor, 5.396 negros 2003, regulamenta o procedimento para identificação,
ingressaram na UnB por meio do sistema de cotas. Pelo sistema reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das
vestibular tradicional, outros 21.887 estudantes entraram na terras ocupadas por remanescentes das comunidades
UnB. José Geraldo afirmou que as cotas ajudaram a aumentar a dos quilombos.
proporção de negros na universidade, fazendo da entidade “uma Disponível em: <http://incra.gov.br> (Adaptação).
universidade mais colorida”. Ele também disse que a diferença
entre o desempenho acadêmico dos cotistas e dos não cotistas A demarcação de terras de comunidades quilombolas
é irrelevante e que a evasão entre os cotistas é menor. é fato recente nas práticas governamentais brasileiras.

O secretário de Educação Superior do Ministério da Educação,


Um dos principais objetivos dessa política pública é
viabilizar a promoção de
Luiz Cláudio Costa, também disse apoiar os sistemas de ação
afirmativa atualmente em voga no país e afirmou que a educação A) aceleração da reforma agrária.
superior brasileira avançou nos últimos anos. Segundo ele, B) reparação de grupos excluídos.
o ensino superior do Brasil forma atualmente um milhão de C) absorção de trabalhadores urbanos.
pessoas por ano, contra os 300 mil formados em 2002. [...]
D) reconhecimento da diversidade étnica.

Bernoulli Sistema de Ensino 45

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Frente A Módulo 04

02. (Unioeste-PR–2016) No dia 22 de junho de 2015, a Assem- Essa mudança de costumes expressa principalmente o
bleia Legislativa do Paraná colocou como pauta de discussão reconhecimento do seguinte princípio entre os direitos
o debate sobre a “ideologia de gênero” nas escolas do humanos:
Paraná. Sabe-se que o conceito de gênero é fundamental A) inclusão política C) uniformidade jurídica
para a compreensão das desigualdades entre homens e
mulheres e coloca em xeque as atribuições relacionais que B) diversidade cultural D) igualdade econômica
a sociedade constrói para homens e mulheres.
Dada a repercussão do tema e a relevância da temática, 05. (UERJ–2019)
7QGG
é correto afirmar sobre questões de gênero: O personagem “pantera negra”
A) O debate sobre gênero na educação interessa apenas
aos homens e às pessoas que só têm atração sexual
por pessoas do sexo oposto.
B) Nas concepções sobre gênero, o sexo biológico
corresponde a uma identidade cultural que se mantém
inalterada até o final da vida.
C) A identidade de gênero é determinada biologicamente
e não pode ser modificada pela cultura, pelo meio
social, pela educação nem por todas as relações
sociais que fazem parte da vida dos indivíduos.
D) A compreensão da temática de gênero perpassa
um sistema de relações de poder, baseadas em um
conjunto de papéis, identidade, comportamentos
e estereótipos atribuídos a mulheres e homens.
E) As relações de gênero não estão ligadas a contextos
de relações de poder e desigualdade, ao contrário
das relações travadas entre as classes sociais e os
grupos étnicos.

03. (Unimontes-MG–2016) Norbert Elias (1897-1990), alemão


de origem judaica, é considerado, na atualidade, um dos
mais importantes representantes da Sociologia. Elias ganhou
notoriedade, entre outros motivos, por fazer análises dos hábitos
e costumes sobre o desenrolar do “processo civilizatório”.
No que se refere a esse assunto, é incorreto afirmar:
A) Segundo Elias, o termo “civilização” configura-se
como um conjunto de hábitos, valores e costumes
internalizados pelos indivíduos que lhes dão o Em 1966, surge nos quadrinhos, junto ao “Quarteto
caráter “social” ou “humano”. Os seres humanos, por Fantástico”.
natureza, não possuem aspectos civilizados, porém
possuem um potencial que lhes permite adquirir
e aprender os modos civilizados de existência.
B) Um aspecto vital da civilização, para Elias, é a
autorregulação dos impulsos e pulsões, o autocontrole
das energias instintivas que brotam dos seres humanos.
Importante frisar que se trata de um “autocontrole”, ou
seja, diferentemente de coações externas que eram
antes necessárias para a convivência humana.
C) Os modos civilizados de ser têm relação estreita
com o refinamento dos costumes, que passam a
caracterizar os indivíduos ocidentais modernos.
A limpeza e a higiene pessoal são exemplos básicos
desse refinamento dos costumes.
D) Estudos sobre civilização e cultura não interessam à
Sociologia, por ser uma disciplina acadêmica vinculada
apenas aos problemas de gestão do aparato estatal.

04. (UERJ–2017) O século XXI tem assistido à ampliação do


debate acerca das uniões homoafetivas, o que possibilitou
algumas mudanças, como a observada no quadro.
2000
2003

2005

2006

2009

2010

2012

2013

2014

2015

Ano
Estados Unidos

País
Nova Zelândia
Países Baixos

País de Gales
África do Sul

Luxemburgo
Dinamarca

Inglaterra
Argentina

Finlândia
Espanha

Noruega

Portugal
Islândia

Uruguai
Canadá

Escócia

Irlanda
Bélgica

México
França
Suécia

Brasil

Em 2018, é o herói em filme de ficção científica.


Disponível em: <https://hypescience.com> (Adaptação). Disponível em: <huffpostbrasil.com/pt.wikipedia.org>.

46 Coleção Filosofia / Sociologia

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A construção da modernidade

Com mais de cinquenta anos de existência, o personagem 08. (Unioeste-PR) Segundo Cristina Costa, “chamamos de
“Pantera Negra” esteve associado a debates sobre as condições OPAF violência à agressão premeditada sistemática e por
de vida de populações afrodescendentes na sociedade norte- vezes mortal de um indivíduo ou um grupo sobre outro”.
-americana. Tendo em vista as transformações ocorridas Sobre o fenômeno da violência, é correto afirmar que
entre a década de 1960 e o momento atual, a comparação
entre as imagens aponta para a seguinte mudança acerca A) o desenvolvimento da indústria e a expansão dos
do protagonismo afrodescendente: padrões de vida e de acumulação existentes no
modo de produção capitalista não possuem nenhuma
A) equiparação do poder aquisitivo
relação com a ampliação dos níveis de violência
B) fortalecimento da inclusão social
visualizados no mundo contemporâneo.
C) reconhecimento dos direitos civis
B) a única maneira de controlar a explosão de
D) homogeneização das diferenças raciais
violência vivenciada na contemporaneidade é a
ampliação dos mecanismos de defesa existentes na
06. (Unioeste-PR) Segundo Zygmunt Bauman, a Sociologia é
sociedade. Assim, o aumento do policiamento e dos
constituída por um conjunto considerável de conhecimentos
estabelecimentos penais representa o único caminho
acumulados ao longo da história. Pode-se dizer que a sua
de superação das dificuldades encontradas.

SOCIOLOGIA
identidade forma-se na distinção com o chamado senso
comum. Considerando que a Sociologia estabelece diferenças C) o bullying é um fenômeno restrito ao universo escolar
com o senso comum e estabelece uma fronteira entre o e possui pouca relação com a banalização da violência
pensamento formal e o senso comum, é correto afirmar que existente nos dias atuais.
A) a Sociologia se distingue do senso comum por fazer D) a violência é instintiva, podendo ser considerada como
afirmações corroboradas por evidências não verificáveis, um mecanismo de autodefesa do indivíduo utilizado
baseadas em ideias não previstas e não testadas. nos momentos em que este se encontra inseguro
B) o pensar sociologicamente caracteriza-se pela descrença ou coagido.
na ciência e pouca fidedignidade de seus argumentos. E) a violência não se restringe à agressão física.
O senso comum, ao contrário, evita explicações imediatas Como observa Pierre Bourdieu, existem práticas de
ao conservar o rigor científico dos fenômenos sociais. violência simbólica presentes no cotidiano e que são
C) pensar sociologicamente é não ultrapassar o nível de caracterizadas pela tentativa de imposição de valores,
nossas preocupações diárias e expressões cotidianas, costumes e padrões de comportamento de um grupo
enquanto o senso comum preocupa-se com a a outro.
historicidade dos fenômenos sociais.
D) o pensamento sociológico se distingue do senso comum 09. (UEL-PR–2017) No pensamento sociológico clássico e
na explicação de alguns eventos e circunstâncias, ou contemporâneo, as dimensões igualdade, diferença
seja, enquanto o senso comum se preocupa em analisar e diversidade assumem importância para estudos
e cruzar diversos conhecimentos, a Sociologia se relacionados à questão das desigualdades sociais.
preocupa apenas com as visões particulares do mundo.
Com base nos conhecimentos sobre as perspectivas
E) um dos papéis centrais desempenhados pela Sociologia sociológicas que explicam a desigualdade social,
é a desnaturalização das concepções ou explicações dos no cotidiano das sociedades capitalistas, assinale a
fenômenos sociais, conservando o rigor original exigido alternativa correta.
no campo científico.
A) A sociologia weberiana, quando analisa as modernas
sociedades ocidentais, demonstra que os fatores
07. (UERJ–2019)
econômicos e os antagonismos entre as classes
A origem operária do 8 de março determinam as hierarquias de poder e os tipos de
Para muitos, o 8 de março é apenas um dia para dar dominação.
flores e fazer homenagens às mulheres. Mas, diferentemente
B) As análises de Marx defendem a ideia de que as
de outras datas comemorativas, esta não foi criada pelo
mudanças mais recentes na ordem mundial capitalista
comércio. Oficializado pela Organização das Nações Unidas em
alteraram a preeminência das classes na explicação
1975, o chamado Dia Internacional da Mulher era celebrado
das assimetrias sociais e diversidades culturais.
muito tempo antes, desde o início do século XX. E se hoje a
data é lembrada como um pedido de igualdade de gênero C) Na sociologia de Bourdieu, os fatores econômicos,
e com protestos ao redor do mundo, no passado nasceu simbólicos e culturais, a exemplo da renda, do
principalmente de uma raiz trabalhista. Foram as mulheres das prestígio e dos saberes, incorporados pelos agentes
fábricas nos Estados Unidos e em alguns países da Europa que em seu cotidiano e em sua trajetória de vida, são
começaram uma campanha dentro do movimento socialista responsáveis pela diferenciação de posições nos
para reivindicar seus direitos – as condições de trabalho delas campos sociais.
eram ainda piores do que as dos homens à época.
D) No pensamento funcionalista, a origem da desigual-
Disponível em: <bbc.com> (Adaptação). dade social encontra-se nas contradições econômicas
e políticas entre os agrupamentos, que mantêm re-
Com base na reportagem, a criação do Dia Internacional
da Mulher tem origem nas manifestações sociais em lações uns com os outros para produzir e reproduzir
defesa de: a estrutura social.

A) ampliação da cidadania E) Para os pensadores críticos do neoliberalismo, a


mobilidade dos indivíduos de um estrato social para
B) expansão da liberdade
outro, no Brasil, é acompanhada igualmente por
C) promoção da diversidade mudanças na estrutura de classes sociais, na medida
D) valorização da pluralidade em que pobres e ricos se aproximam.

Bernoulli Sistema de Ensino 47

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Frente A módulo 04

10. (Unesp–2015) 02. (Enem–2016)


349V TØK1 Texto I
Texto 1
O livro Cultura do narcisismo, escrito por Christopher
Lasch em 1979, é um clássico. O texto de Lasch mostra
como o que era diagnosticado como patologia narcísica
ou limítrofe nos anos 50 torna-se uma espécie de
“normalidade compulsória” depois de duas décadas.
Para que alguém seja considerado “bem-sucedido”,
é trivialmente esperado que manipule sua própria imagem
como se fosse um personagem, com a consequente perda
do sentimento de autenticidade.
DUNKER, Christian. A cultura da indiferença.
Disponível em: <www.mentecerebro.com.br> (Adaptação).

Texto 2
Zygmunt Bauman: Afastar-se da percepção de mundo
consumista e do tipo de atitude individualista contra o
mundo e as pessoas não é uma questão a ponderar,
mas uma obrigação determinada pelos limites de
sustentabilidade desse modelo da vida que pressupõe
a infinidade de crescimento econômico. Segundo esse Tradução: “As mulheres do futuro farão da lua um lugar
modelo, a felicidade está obrigatoriamente vinculada mais limpo para se viver”
ao acesso a lojas e ao consumo exacerbado.
Disponível em: <https://www.propagadashistoricas.com.br>.
Lojas são alívio a curto prazo, diz o sociólogo Zygmunt Bauman.
Acesso em: 16 out. 2015.
Disponível em: <www.mentecerebro.com.br> (Adaptação).
Texto II
Considerando os textos, é correto afirmar que
Metade da nova equipe da
A) para Bauman, as diretrizes liberais de crescimento NASA é composta por mulheres
econômico ilimitado prescindem de reflexão ética.
Até hoje, cerca de 350 astronautas americanos já estiveram
B) ambos tratam do irracionalismo subjacente aos no espaço, enquanto as mulheres não chegam a ser um
critérios de normalidade e de felicidade. terço desse número. Após o anúncio da turma composta
C) a “cultura do narcisismo” apresenta um estilo de vida por mulheres, alguns internautas escreveram comentários
incompatível com a mentalidade consumista. machistas e desrespeitosos sobre a escolha nas redes sociais.
D) a patologia narcísica analisada por Lasch é um Disponível em: <https://catracalivre.com.br>.
fenômeno restrito ao domínio psiquiátrico. Acesso em: 10 mar. 2016.
E) ambos abordam problemas historicamente superados
A comparação entre o anúncio publicitário de 1968 e a
pelas sociedades ocidentais modernas.
repercussão da notícia de 2016 mostra a
A) elitização da carreira científica.
seção enem B) qualificação da atividade doméstica.
C) ambição de indústrias patrocinadoras.
01. (Enem–2017) A Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006,
D) manutenção de estereótipos de gênero.
representou uma ousada e necessária proposta de mudança
cultural e jurídica a ser implantada no ordenamento jurídico E) equiparação de papéis nas relações familiares.
brasileiro, a exemplo do que ocorreu em outros países,
objetivando a erradicação da contumaz violência praticada
principalmente por homens contra mulheres com quem gAbARIto meu aproveitamento
mantêm vínculos de natureza doméstica, familiar e afetiva.
Propostos Acertei ______ errei ______
SOUZA, S. R. Lei Maria da Penha comentada.
Curitiba: Juruá, 2013 (Adaptação). 01. B 05. C 09. C
02. D 06. E 10. B
A vigência dessa norma legal, de amplo conhecimento da
03. D 07. A
sociedade, revela a preocupação social com a
04. B 08. E
A) partilha dos bens comuns.
B) ruptura dos laços familiares. seção enem Acertei ______ errei ______
C) dignidade da pessoa humana.
01. C 02. D
D) integridade dos filhos menores.
E) conservação da moralidade pública. total dos meus acertos: _____ de _____ . ______ %

48 Coleção Filosofia / Sociologia

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Frente Módulo

SOCIOLOGIA A 05
O universo da cultura
Civilização e a visão
iluminista da cultura
Desde a Antiguidade, era conhecida a grande diferença de usos e costumes entre os povos, porém a discussão era
centrada no terreno da ética, em que a preocupação estava centrada na tentativa de construir um sistema de valores que
pudesse ser considerado universal. Em relação à percepção dessas diferenças, a história dos povos antigos do mundo
ocidental foi marcada pela presença de uma visão etnocêntrica, como atesta a própria palavra “bárbaro”, utilizada pelos
antigos gregos e, posteriormente, pelos romanos, para se referir aos estrangeiros, isto é, a quaisquer povos que não
fossem originários de sua própria cultura.

No século XVIII, o Iluminismo afirmava que o ser humano racional, livre e consciente era o
apogeu da realização da essência humana. O modelo de sociedade europeu – urbano, industrial,
republicano e democrático – era visto como superior e o mais avançado sistema de vida coletiva
da história humana. Dessa forma, o modelo cultural europeu, autodenominado “civilização”,
foi tomado como o modelo ideal e utilizado como parâmetro de comparação com as formas
culturais dos outros povos.

O ideal iluminista de cultura revela uma visão universalista que defende que todas as
culturas devem se desenvolver da mesma forma em direção a um
mesmo objetivo: a civilização. Essa concepção se desenvolveu
sistematicamente ao longo do século XIX, em diversas filosofias
sociais que defendiam o progresso tecnológico e a racionalização
como critérios de superioridade cultural.

Para os iluministas, o termo “cultura” se refere ao cultivo do


espírito humano, um estado em que o indivíduo se encontra
após adquirir educação e instrução, usando sua racionalidade

Rubens Lima
em prol do desenvolvimento pessoal e intelectual.
Nesse sentido, o estado de cultura se opõe ao estado de na-
tureza, uma vez que, no estado de natureza, os indivíduos não
dispõem dos elementos de civilidade que per-mitem a vida em
sociedade. Para os pensadores iluministas, a cultura se relaciona
ao conhecimento científico, à evolução e ao progresso.
Rubens Lima

49

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Frente A módulo 05

Essa relação entre cultura e civilização, no entanto, guarda grandes diferenças semânticas quando pensamos nas
classes burguesas e aristocráticas da França e da Alemanha nos séculos XVIII e XIX. As elites aristocráticas francesas
acreditavam, tal qual os iluministas, que a noção de civilização estava diretamente atrelada ao progresso, representando as
realizações e o desenvolvimento de um povo, de uma coletividade e, no caso das sociedades industriais, o desenvolvimento
industrial e tecnológico. Para os franceses, cultura era um atributo individual, fruto da erudição e do refinamento em
relação aos modos de convivência.

Até meados do século XIX, a Alemanha não era um país unificado politicamente. Assim, para se criar um sentimento de
unidade para a construção da Alemanha como um Estado-nação, seria necessário buscar características particulares que
somente diriam respeito a um povo que habita um território específico.

As elites alemãs do período foram responsáveis por criar uma noção particularista da cultura. Os intelectuais alemães
entendiam a relação entre cultura e civilização de um modo distinto dos pensadores iluministas e franceses. Para os intelectuais
alemães, kultur era justamente aquilo que os indivíduos tinham de mais autêntico, de mais singular e puro, enquanto
civilization era entendida como hábitos e costumes artificiais. Mas, como essa distinção era construída?

Os intelectuais alemães entendiam que os hábitos e costumes dos nobres e aristocratas alemães eram imitações
dos hábitos e costumes dos aristocratas franceses. Evidentemente, os nobres alemães consideravam seus hábitos
mais sofisticados que os hábitos de vida das classes populares. No entanto, os intelectuais alemães entendiam que os
costumes da nobreza eram artificiais, justamente por serem copiados da elite francesa. Portanto, para a construção da
Alemanha como Estado-nação, seria necessário buscar a essência do verdadeiro espírito alemão, que somente poderia ser
encontrada nas classes populares, uma vez que elas eram consideradas detentoras das principais características de uma
coletividade. Ao contrário da noção francesa de civilization, que pressupunha um padrão universal de comportamento,
os alemães defendiam, com a noção de kultur, que os costumes e hábitos de um grupo social não podem ser provenientes
de nenhum outro povo, devendo estar ligados à sua identidade cultural e às suas tradições.

O antropólogo inglês Edward Tylor (1832-1917), em seu estudo sobre o que até então se entendia por culturas primitivas,
uniu as perspectivas francesa e alemã e propôs uma nova acepção para o termo cultura (do vocábulo inglês culture),
concebendo-a como toda a gama de conhecimentos, crenças, produção artística, leis, moral, ou seja, todos os aspectos
simbólicos que envolvem a vida em sociedade. Desse modo, abriu-se o caminho para o surgimento de um conceito científico
de cultura, ainda que a perspectiva de Tylor apresentasse um caráter evolucionista, como veremos a seguir. Imagens: NASA / Creative Commons / Arte:Rubens Lima

50 Coleção Filosofia / Sociologia

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O universo da cultura

Evolucionismo cultural Difusionismo Cultural


O evolucionismo cultural é um conjunto de teorias Paralelamente ao evolucionismo, desenvolveu-se na
antropológicas, inspiradas na Teoria da Evolução Europa do século XIX uma corrente que visava explicar as
diferenças entre as culturas humanas a partir do paradigma
de Charles Darwin, defensoras da tese de que
da difusão, e não da evolução. Para os difusionistas, uma
a sociedade seria similar aos organismos vivos
invenção seria produzida em uma dada cultura e então
(organicismo) e estaria submetida às mesmas
“irradiada” para outras culturas por meio de contato
leis naturais da evolução, da adaptação e (comércio, guerras, imitação). Essa difusão por meio do
da seleção natural. Entre os principais contato explicaria várias práticas similares entre povos
evolucionistas encontra-se o antropólogo muito diferentes. Ainda hoje, o difusionismo é uma teoria
inglês Edward Tylor (1832-1917). utilizada para os estudos arqueológicos.

SOCIOLOGIA
Em seu livro Primitive Culture (1871),
Tylor afirma que a cultura é um
Antropologia
fenômeno natural e, como tal, possui Estruturalista
causas e regularidades passíveis de A antropologia de base evolucionista foi sendo criticada,
Maíra Damásio
serem apreendidas pelos métodos ao longo do século XX, e perdeu espaço para vertentes
Edward Tylor. científicos próprios das ciências naturais. mais rigorosas e científicas. Os estudos iniciais dos povos
Desse modo, o universo da cultura estaria sujeito chamados “primitivos” foram gradativamente se expandindo
a leis gerais a serem descobertas pelos antropólogos. para reflexões, ora mais específicas de cada grupo, como fez

Na concepção de Tylor, os grupos humanos se diferenciariam a antropologia culturalista norte-americana, ora mais gerais,
em busca de estruturas universais comuns a todas as culturas
apenas pelo grau de civilização em que se encontram.
humanas, como faria a antropologia estruturalista francesa.
Portanto, sob essa perspectiva, a diversidade cultural estaria
atrelada à desigualdade de estágios evolutivos entre os Esta última teve como principais nomes Marcel Mauss
(1872-1950) e Claude Lévi-Strauss (1908-2009), ambos
distintos grupos humanos.
destacados antropólogos que se dedicaram aos estudos de
Desse modo, as diferenças entre as culturas eram vários povos ao redor do mundo na tentativa de encontrar
pensadas em comparação com as sociedades europeias. estruturas formais, simbólicas, linguísticas e míticas
As sociedades de outras partes do mundo eram sempre comuns à humanidade. Enquanto o evolucionismo e o
positivismo tendiam a desprezar os mitos e as religiões como
consideradas menos evoluídas, pois não apresentavam
manifestações “atrasadas”, os estruturalistas enxergaram
os mesmos valores já estabelecidos na Europa, cuja
nas narrativas mítico-religiosas manifestações de estruturas
representação era a de apogeu da civilização.
mentais da humanidade, cuja forma se repetiria em todos
O evolucionismo cultural serviu de base teórica para as os povos e épocas. Com isso, visavam estabelecer as
incursões europeias nos continentes asiático e africano, infraestruturas inconscientes dos fenômenos culturais e obter
padrões de explicação gerais e efetivos para os mecanismos
durante o período do imperialismo europeu. Os antropólogos
da vida social e psíquica humana.
evolucionistas se valiam do método comparativo para
estudar as diferenças culturais, porém partindo do modelo Os estudos da antropologia estruturalista se uniram aos
estudos da linguística, do suíço Ferdinand de Saussure, na
cultural europeu, considerado o padrão de desenvolvimento
tentativa de encontrar padrões linguísticos e semióticos (isto é,
natural humano. Hoje, reconhece-se que o esforço de
o conjunto de signos e símbolos de uma cultura) que revelassem
compreensão do evolucionismo cultural estava recheado de
as estruturas elementares da humanidade. Lévi-Strauss
pressupostos etnocêntricos, uma vez que não reconhecia escreveu em sua obra Antropologia Estrutural (1967) que
nas culturas “exóticas” um valor intrínseco, mas somente
uma pálida sombra do progresso que, supostamente, ainda o antropólogo é o astrônomo das ciências Sociais: ele está
estaria por vir. encarregado de descobrir um sentido para configurações muito
diferentes, por sua ordem de grandeza e seu afastamento,
A seguir, apresentaremos, sucintamente, algumas das das que estão imediatamente próximas do observador.
correntes da Antropologia que se desenvolveram desde LÉVI-STRAUSS, C. Antropologia Estrutural.
o final do século XIX e que foram moldando as reflexões Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1967. p. 422.
[Fragmento]
acerca dos fenômenos culturais.

Bernoulli Sistema de Ensino 51

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Frente A Módulo 05

O Estruturalismo de Lévi-Strauss defendia a existência O desenvolvimento de cada cultura está intimamente


de estruturas mentais universais, que se expressariam associado às condições geográficas, climáticas, psicológicas e
com roupagens diferentes nas variadas culturas. Estudando históricas enfrentadas pelo grupo específico, o que desautoriza
os mitos e as relações de parentesco em diversos povos – o método comparativo linear sugerido pelos evolucionistas.
inclusive etnias indígenas do Brasil –, Lévi-Strauss teria
concluído que todos os povos humanos apresentam muitas Na concepção de Boas, cada cultura deve ser compreendida
características em comum quando analisados de forma dentro da sua história particular, e não comparada com
metódica e aprofundada. Uma das suas conclusões diz qualquer outro padrão cultural, porque não existiria uma
respeito ao tabu do incesto: todas as culturas conhecidas uniformidade na evolução das culturas. Logo, Boas atenta
apresentam algum tipo de interdição de práticas sexuais para a diversidade cultural, não pensando a cultura como
entre pais e filhos ou entre irmãos. Segundo sua leitura, esse um conceito totalizador e universal conforme faziam os
elemento em comum, recorrente em todos os povos, expressa antropólogos evolucionistas.
uma estrutura mental universal que diferencia natureza e
cultura e confirma o ser humano como um ser de cultura. A antropologia de Boas se pauta na tentativa de compreender
a dinâmica do universo cultural, ou seja, busca compreender
A oposição natureza x cultura seria uma das oposições
os processos por meio dos quais uma cultura se desenvolveu,
binárias sob as quais nossa mente funciona: cru X cozido,
tendo um lugar geográfico e um tempo específicos como
masculino X feminino, céu X inferno, sagrado X profano, morte
referência. O aspecto mais importante para a antropologia
X vida. Para Lévi-Strauss, a mente humana, independentemente
de Boas é compreender como os padrões culturais de uma
de qual seja a cultura, opera a partir de estruturas binárias
que organizam as relações das sociedades humanas e que são determinada comunidade se consolidaram ao longo do tempo.
expressas, de diferentes formas, nas narrativas míticas que dão Boas defendia a necessidade de se interpretar cada cultura
sentido à vida de uma comunidade. conforme suas múltiplas possibilidades de desenvolvimento.
Em razão dessa abordagem, essa perspectiva ficou conhecida
Claude Lévi-Strauss teve uma importância especial para o
como particularismo histórico.
Brasil, em razão de sua estadia no país, como professor da
USP na década de 1930, inserido na Missão Francesa para Apesar de ainda conter traços etnocêntricos, em sua
a formação de uma geração de professores-pesquisadores teoria, Franz Boas representou uma mudança significativa
brasileiros. Por isso, o estruturalismo teve ampla repercussão na compreensão da diversidade cultural humana, dando
em solo nacional, tendo influenciado gerações de intelectuais início a estudos que intensificaram a crítica ao etnocentrismo,
até a década de 1960. Paralelamente, Lévi-Strauss também ao racismo e às formas de dominação cultural que eram
se dedicou ao estudo de campo etnográfico, tendo passado
dominantes no evolucionismo, no positivismo e predominantes
vários anos realizando trabalhos em aldeias indígenas no
no senso comum. Tendo emigrado para os Estados Unidos,
interior do país.
no final do século XIX, foi o principal responsável pelo
surgimento da corrente que ficou conhecida como culturalismo
O culturalismo ou antropologia cultural. Entre seus ilustres alunos e seguidores
se encontrava o brasileiro Gilberto Freyre.

Antropologia
A Antropologia está interessada no estudo das diversidades
culturais e sociais, ou seja, nas diferentes maneiras com
que se apresenta a vida humana, em todos os tempos e
lugares. Trata-se, portanto, de uma perspectiva que não se
satisfaz com a simples observação de culturas ou sociedades
isoladas, mas avança no sentido de oferecer instrumentos que
permitam compreender a constituição simbólica de diferentes
Maíra Damásio

sociabilidades, os significados com os quais indivíduos e seus


coletivos interpretam e organizam os contatos, os encontros e
mesmo os conflitos em que se envolvem. [...] A investigação
dos processos de construção e de produção das diferenças,
Franz Boas. para isso, volta sua atenção a um emaranhado complexo de
dados recolhidos de experiências, expressões e práticas dos
O culturalismo surgiu como uma corrente que questionou
atores situados em variados contextos.
as bases do evolucionismo cultural. O principal expoente
dessa corrente foi o antropólogo alemão Franz Boas Disponível em: <http://www.ufjf.br/
(1859- 1942), que propunha uma leitura mais particularizada graduacaocienciassociais/sobre-o-curso/
apresentacao/bacharelado/antropologia/>.
do fenômeno cultural. Na concepção dele, cada cultura segue
Acesso em: 23 ago. 2018. [Fragmento]
seus próprios caminhos e possui uma “evolução” singular.

52 Coleção Filosofia / Sociologia

FILSOCPRV1_SOC_BOOK.indb 52 15/10/18 14:49


O universo da cultura

O caráter simbólico [...] é um animal amarrado a teias de significados que ele

da cultura mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a


sua análise; portanto, não como uma ciência experimental
em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa,
à procura do significado.

GEERTZ, Clifford.
A interpretação das culturas.
Rio de Janeiro: Zahar, 1978. p. 15.

Para Geertz, o homem é um animal amarrado a teias de


significados que ele mesmo teceu, portanto, esse antropólogo
assume a cultura como sendo essas teias e sua análise.

SOCIOLOGIA
Dessa forma, a Antropologia não é uma ciência experimental,

Maíra Damásio
mas uma ciência interpretativa, à procura de significados.
Sua definição de cultura assenta-se, então, na possibilidade
Ernst Cassirer e Clifford Geertz. de interpretação desses significados.

A grande diferenciação entre os homens e os animais Logo, é crucial pensar a Antropologia como uma ciência
ocorreu a partir do momento em que o cérebro humano que busca o conhecimento por meio do “outro”, isto é,
passou a ser capaz de produzir símbolos. Nossa espécie por intermédio do entendimento da alteridade. Assim,
se caracteriza, em grande parte, por sua capacidade a antropologia se configura como uma forma de conhecimento
de abstração e de simbolização. São justamente tais sobre a diversidade cultural, ou melhor, é a busca do que nós
capacidades que possibilitam a construção e a partilha de somos através do espelho do “outro”. Nos termos de Eduardo
significados, conferindo sentidos à vida e à realidade. Viveiros de Castro (2002), esse outro é “outrem”, ou seja,
“é a expressão de um mundo possível”.
Logo, os comportamentos humanos se baseiam no uso
dos símbolos. Por esse motivo, o filósofo alemão Ernst VIVEIROS DE CASTRO, E. O Nativo Relativo.
Cassirer (1864-1945) definiu o ser humano como homo Mana, Rio de Janeiro, v. 8, n.1, 2002. p. 113-148.

simbolicus em vez de homo sapiens, para acentuar a


capacidade simbólica humana como o elemento que
[...]
mais nos destaca em relação aos outros seres. Somos
capazes de produzir signos artificiais que possuem um A cultura é, então, uma noção de comportamento
significado intencionalmente atribuído, significado este apreendido. É através do fluxo do comportamento que
que pode ser ensinado aos outros indivíduos e passado de as formas culturais encontram articulação, mas também
geração em geração. Todos os sistemas humanos, como o em várias espécies de artefatos e vários estados de
idioma, os gestos, a alimentação, os ritos, os valores e os consciência. A interpretação antropológica, neste contexto,
comportamentos, são, acima de tudo, sistemas simbólicos. irá construir a leitura do que acontece − é a descrição
densa, elaborada pelo antropólogo, que levará à essência
Por serem fruto de construção humana, as culturas são
da cultura analisada.
diversas e variadas, uma vez que elas se relacionam com
[...]
agrupamentos humanos específicos, localizados no tempo
e no espaço. Cada grupo social desenvolve uma cultura Nesta análise da cultura, a posição de Geertz é manter
específica, que possui seus próprios elementos, signos, a análise das formas simbólicas [...] de modo mais estreito
valores e sentidos. possível com os acontecimentos sociais e ocasionais
concretos, organizando as formulações teóricas com as
Refletir sobre o universo da cultura é refletir sobre a interpretações descritivas. Para Geertz, é fundamental olhar
dicotomia entre o material e o simbólico. Os objetos que as dimensões simbólicas da ação social − arte, religião,
existem no mundo ao nosso redor não apresentam um ideologia, ciência, lei, moralidade, senso comum – e não se
significado predeterminado. São os seres humanos, com afastar dos dilemas existenciais da vida, e sim mergulhar
sua capacidade de dar significados simbólicos aos objetos
no meio deles.
que possuem existência material, que os provê de utilidades
PINTO, Suely Lima de Assis.
e significados. A nossa existência como seres sociais é
A cultura e as diferentes concepções apreendidas
totalmente dependente dessa capacidade de simbolizar
nas determinações históricas. Itinerarius Reflections,
o mundo ao nosso redor. Por esse motivo, o antropólogo [S.l.], v. 3, n. 1, p. 11-13, set. 2008.
Clifford Geertz entende que o ser humano:

Bernoulli Sistema de Ensino 53

FILSOCPRV1_SOC_BOOK.indb 53 15/10/18 14:50


Frente A módulo 05

o conceIto de cultuRA
Definir cultura não é simples. O antropólogo Alfred Kroeber (1876-1960) identificou
mais de 600 significados diferentes para a mesma palavra. Na raiz etimológica da
palavra, encontra-se o substantivo latino colere, que significa “cultivar”. A acepção
original estava diretamente associada ao cultivo dos campos para plantação,
de onde se extrai a palavra “agricultura”, utilizada até os dias de hoje.

Kroeber identificou que a cultura é um elemento “superorgânico”, pois não se


resume ao domínio biológico, embora determine o comportamento do indivíduo
de forma mais concreta do que a própria herança genética. Assim, o homem age
mais de acordo com sua cultura do que com seu instinto. Além disso, o ser humano
consegue se adaptar aos diversos ambientes biológicos, por isso foi capaz de romper
as barreiras das diferenças ambientais e transformar toda a terra em seu habitat.
A cultura se mostra, portanto, um mecanismo adaptativo e, ao mesmo tempo,
cumulativo do ser humano, por permitir que as invenções e os aprendizados sejam
transmitidos e acumulados de geração em geração, ao longo da história.

O polonês Bronislaw Malinowski (1884-1942) foi mais radical. Em sua concepção,


só é possível compreender uma cultura quando se é um integrante dela. O entendimento
do sistema cultural, dos significados e dos valores só é possível “de dentro”. Malinowski
é o criador da etnografia moderna, que propõe a inserção do pesquisador no interior da
cultura a ser pesquisada, para que seus relatos e suas análises sejam acompanhados
da visão de um membro inerente à cultura e se preservem o tanto quanto possível
da sobreposição de valores externos.

Roberto DaMatta , antropólogo brasileiro, também se dedicou ao tema da cultura.


Para ele, a cultura é uma espécie de mapa, um código, um receituário por meio do
qual as pessoas, vinculadas a um grupo determinado, estudam, pensam modificam e
classificam o mundo e a si mesmas.

A antropóloga culturalista estadunidense Ruth Benedict (1887-1948) resume a


importância da cultura numa das metáforas mais expressivas: “A cultura é a lente pela
qual nós vemos a realidade”. Isto é, não existe percepção da realidade desvinculada
dos valores adquiridos durante o processo de socialização com o grupo no qual
vivemos. De forma mais radical, sequer é possível falar em humanidade sem cultura.

Como exemplo destas diferenças culturais em atos que podem ser classificados como
naturais, Mauss cita ainda as técnicas do nascimento e da obstetrícia. Segundo ele,
“Buda nasceu estando sua mãe, Mãya, agarrada, reta, a um ramo de árvore. Ela deu
à luz em pé. Boa parte das mulheres da índia ainda dão à luz desse modo”. Para nós,
a posição normal é a mãe deitada sobre as costas, e entre os Tupis e outros índios
brasileiros a posição é de cócoras. Em algumas regiões do meio rural existiam cadeiras
especiais para o parto sentado. Entre estas técnicas pode-se incluir o chamado parto
sem dor e provavelmente muitas outras modalidades culturais que estão à espera de
um cadastramento etnográfico. Dentro de uma mesma cultura, a utilização do corpo
é diferenciada em função do sexo. As mulheres sentam, caminham, gesticulam,
etc., de maneiras diferentes das do homem […]. Resumindo, todos os homens são
dotados do mesmo equipamento anatômico, mas a utilização do mesmo, ao invés
de ser determinada geneticamente (todas as formigas de uma dada espécie usam
seus membros uniformemente), depende de um aprendizado e este consiste na cópia
de padrões que fazem parte da herança cultural do grupo.
Rubens Lima

LARAIA, R. B. Cultura: um conceito antropológico.


Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p. 70-71.

54 Coleção Filosofia / Sociologia

FILSOCPRV1_SOC_BOOK.indb 54 15/10/18 14:50


o universo da cultura

Aceitando a definição ampla de Tylor, é possível identificar


Da mesma maneira, os outros sentidos (olfato, visão,
algumas características desse componente social. Logo,
espaço, tato) têm implicações que necessitam ser avaliadas
a cultura
e analisadas. Dito de outra forma, é preciso colocar no texto –
• condiciona a visão de mundo. Assim, ela molda a forma em palavras sequenciais, em frases que se seguem umas às
como enxergamos a realidade, identificando quem é o outras, em parágrafos e capítulos – o que foi ação vivida. Este
“nós” e quem são os “outros”; talvez seja um dos maiores desafios da etnografia – e não há
• interfere no plano biológico. A nossa estrutura biológica receitas preestabelecidas de como fazê-lo.
é moldada pela nossa cultura, seja pela alimentação, PEIRANO, M. Etnografia não é método.
seja pela estética ou pela intervenção médica; Horizontes Antropológicos, Porto Alegre,
v. 20, n. 42, p. 377-391, jul. / dez. 2014.
• é adquirida, pois envolve invenção e transmissão por
meio do processo de socialização;
• é essencialmente simbólica, já que os símbolos e os cultuRA tRAdIcIonAl,
significados são compartilhados pelas pessoas que
cultuRA eRudItA

socIologIA
a integram;
• é dinâmica. As culturas não são estáticas; elas encon- e cultuRA de mAssA
tram-se num contínuo processo de adaptação e mudança,
motivado tanto por necessidades internas quanto por
trocas culturais com outras culturas;
• é cumulativa. A cultura é transmitida de geração em
geração e é modificada pelas gerações mais recentes,
que partem do que já está consolidado anteriormente;
• não é uniforme, pois os indivíduos pertencentes a uma
cultura não se relacionam com ela de forma homogênea;
• é totalizante. Ela abarca todos os aspectos da vida
individual e coletiva, como valores, comportamentos,
tendências e normas;
• as culturas são diversificadas. Existem inúmeras cul-
turas e todas possuem valor intrínseco;
• não há culturas inferiores ou superiores. Há muito
tempo foi abolida a ideia de superioridade cultural,

Rubens Lima
que estava motivada pelo desejo de predomínio racial
europeu ao longo dos séculos XIX e XX.
Estandartes, instrumentos e acessórios são típicos da cultura
Etnografia popular brasileira.

Inicio por um lugar comum: como todos sabemos,


A origem do termo “cultura popular” nos remete à divisão
a etnografia é a ideia-mãe da Antropologia, ou seja, não há
entre kultur e civilization proposta pelos intelectuais alemães,
Antropologia sem pesquisa empírica. A empiria – eventos, ainda na segunda metade do século XVIII. A diferença entre
acontecimentos, palavras, textos, cheiros, sabores, tudo kultur e civilization foi importante para separar os hábitos
que nos afeta os sentidos – é o material que analisamos e costumes das camadas dominantes da sociedade alemã,
e que, para nós, não são apenas dados coletados, mas como os nobres e os aristocratas, em relação às demais.
questionamentos, fonte de renovação. Não são “fatos sociais”, Entre as principais manifestações da cultura popular ou
mas “fatos etnográficos”, como nos alertou Evans-Pritchard tradicional encontram-se o folclore, as crenças, o artesanato,
em 1950. [...] A primeira e mais importante qualidade de as práticas alimentares, as tradições, os usos e costumes,
uma boa etnografia reside, então, em ultrapassar o senso os valores morais e a linguagem.
comum quanto aos usos da linguagem. Se o trabalho de
campo se faz pelo diálogo vivido que, depois, é revelado por
Naquele período, as manifestações culturais das pessoas
que viviam no campo eram tidas como mais “autênticas”
meio da escrita, é necessário ultrapassar o senso comum
e “puras” se comparadas aos costumes das classes que
ocidental que acredita que a linguagem é basicamente
viviam na cidade, uma vez que estas estavam permeadas
referencial. Que ela apenas “diz” e “descreve”, com base
pelos costumes próprios das sociedades industriais.
na relação entre uma palavra e uma coisa. Ao contrário,
A cultura popular era marcada pela oralidade e informalidade,
palavras fazem coisas, trazem consequências, realizam
ao contrário da cultura erudita, que era marcada pelo
tarefas, comunicam e produzem resultados. E palavras não
letramento, pelo embasamento na ciência e racionalidade,
são o único meio de comunicação: silêncios comunicam.
nos moldes do pensamento iluminista.

Bernoulli Sistema de Ensino 55

FILSOCPRV1_SOC_BOOK.indb 55 15/10/18 14:50


Frente A Módulo 05

A cultura popular ou tradicional é definida como o O que devemos ter em mente é que “culturas dominantes”
conjunto de manifestações, valores, comportamentos, e “culturas dominadas” são termos que denotam realidades
saberes e crenças que são originais de um grupo social, culturais que estão sempre em relação. Nunca podemos dizer
contribuindo para formar sua identidade cultural e fazendo que um determinado aspecto da cultura é essencialmente
parte da sua história. popular ou essencialmente erudito. O que lhes dá esse
A cultura popular ou tradicional particulariza um povo, tipo de significação é justamente a disputa de poder entre
atribui a ele história e personalidade, insere-o em um contexto os grupos sociais para significá-los. Qualquer forma de
histórico específico e dá sentido à sua existência. A cultura hierarquia social no plano político ou econômico ensejará
popular surge das tradições e dos costumes de um povo e está também uma hierarquia no plano cultural. No entanto,
intimamente associada à sua história, garantindo profundidade o dinamismo da cultura permite um alto fluxo entre os
de vínculo entre o indivíduo, o grupo e a sua cultura. diversos âmbitos culturais, o que torna definições como
cultura popular e cultura erudita sujeitas a grandes variações.
Porém, cabe observar que a expressão “cultura popular”
também recebeu outras denotações ao longo do tempo,
As noções de folclore e de cultura popular‚ e com elas
sendo associada às manifestações das classes mais baixas,
os fatos culturais que designam, são produtos históricos.
o “povo”. Essa associação entre cultura e classe é fundamental
Resultam de um longo processo, que atravessa a Idade
para compreendermos a noção de cultura erudita, que
Moderna ocidental, de afastamento das elites europeias
visa distinguir e classificar algumas manifestações e bens de um universo cultural amplo do qual até então também
culturais como superiores, mais sofisticados que outros. participavam. O discurso sobre a cultura popular ganhou
Por isso, a expressão “cultura erudita” faria referência a um seus contornos atuais no momento em que se reconheceu a
certo tipo de cultura que é considerado mais elaborado e está existência de uma distância entre o saber das elites e o saber
fortemente associada à estrutura de poder predominante do “povo”. O propiciador dessa novidade foi o Romantismo,
na sociedade. Vimos anteriormente que o termo “cultura” poderosa corrente de pensamento que se desenvolveu a partir
da Europa na segunda metade do século XVIII. Valorizando a
passou a ser utilizado num contexto de mudança de poder
diferença e a particularidade, o Romantismo associou-se aos
da aristocracia para a burguesia no século XVIII, mas a
movimentos nacionalistas europeus em oposição ao ideal de
maior parte das referências de valores e comportamentos
uma razão intelectual universal valorizado pelo Iluminismo.
da burguesia estava ligada à nobreza e à aristocracia,
Na visão romântica, o povo seria o elemento primitivo,
a quem ela tentava “imitar”. Por isso, boa parte do que
comunitário e autêntico, encontrado, sobretudo, no mundo
chamamos de cultura, no senso comum, ainda permanece rural. O folclore e a cultura popular abrigariam nostalgicamente
ligado às grandes artes aristocráticas dos séculos XVIII a totalidade integrada da vida com o mundo, rompida no mundo
e XIX: pintura, escultura, dança, música erudita (orquestra), moderno. Nessa perspectiva, folclore / cultura popular e cultura
poesia. A noção de cultura erudita define, em geral, os bens de elite opõem-se, ainda que de modo complementar. A questão
culturais que são valorizados pela classe dominante e se pode tornar-se ainda mais complexa se introduzirmos nesse
opõe à noção de cultura popular (entendida como cultura quadro de reflexão o grande demônio corruptor geralmente
das classes baixas). denominado cultura de massa, com relação ao qual ambos os
níveis de cultura – popular ou de elite – exibiriam uma aura
Ainda no que tange ao tema, convém ressaltar outro de relativa pureza. Com essa observação, podemos também
aspecto muito importante, que é o que diz respeito à cultura imediatamente perceber como toda essa discussão está
de massa. Tende a se apropriar de parte da cultura popular perpassada por valores morais geralmente preconcebidos.
(inclusive de aspectos tradicionais) e a transformá-la em Na atualidade, o modelo interpretativo “de duas camadas”
objeto de consumo, seguindo a lógica do capitalismo de (cultura popular / folclore versus cultura de elite) está
mercado. Nesse sentido, a noção de cultura de massa confere unanimemente superado, e mesmo estudiosos e pesquisadores
que se veem filiados à tradição romântica, são unânimes em
mais dinamismo e complexidade ao debate sobre cultura,
afirmar que [...] as culturas do “povo” e as culturas das elites
por esse motivo, será abordada de forma mais específica
são variadas [...] e que a fronteira entre elas é imprecisa
no próximo capítulo.
e permeável. Por isso, mesmo a atenção analítica deve se
É inegável a relação, bastante próxima, que a cultura concentrar não na oposição, mas na interação existente entre
níveis e circuitos culturais distintos. [...]
popular possui com a vida cotidiana das camadas mais
pobres da população. No entanto, não devemos esquecer CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro.
que a dicotomia rígida entre cultura letrada e cultura popular, Entendendo o folclore e a cultura popular. Rio de Janeiro.
tal qual proposta pelos pensadores alemães, deve ser Disponível em: <http://www.cnfcp.gov.br/interna.php?ID_
relativizada no contexto atual. O fato de a cultura popular Secao=100>. Acesso em: 13 set. 2018.
ser própria das classes dominadas, se pensarmos em termos
de poderio econômico no atual estágio do capitalismo, não É importante perceber que as distinções entre cultura
quer dizer que seja uma cultura que deva ser compreendida tradicional, cultura de massa e cultura erudita não são absolutas
pela perspectiva da falta. Isso quer dizer que ela não deve nem estanques. Ao contrário, é cada vez mais comum que
ser compreendida como uma versão defasada da chamada essas noções estejam misturadas e apresentem-se de forma
cultura erudita, ou em um estágio que um dia alcançará o mais complexa quando analisamos fenômenos culturais
patamar de cultura “oficial”. contemporâneos.

56 Coleção Filosofia / Sociologia

FILSOCPRV1_SOC_BOOK.indb 56 15/10/18 14:50


O universo da cultura

Novos estudos trouxeram mais elementos para pensar grupos de indígenas amazônicos foi fundamental para a
a questão cultural, como as noções de capital cultural e mudança de uma compreensão integracionista – típica do
capital simbólico, desenvolvidas pelo sociólogo francês evolucionismo – para uma compreensão preservacionista,
Pierre Bourdieu, na década de 1960. Para ele, a quantidade que vai ser predominante na FUNAI e na demarcação de
e o tipo de manifestações culturais que são assimiladas terras indígenas; o de Gilberto Freyre e seus estudos sócio-
pelos indivíduos estão intimamente associados (mesmo que -históricos em Casa-grande e senzala, Sobrados e mucambos,
não exclusivamente) ao capital econômico que possuem, entre outros muitos livros sobre a miscigenação como origem
o que faz com que a cultura seja também utilizada como da cultura brasileira; o de Darcy Ribeiro com seus estudos
sobre a formação cultural do Brasil a partir do hibridismo
instrumento de poder.
de três matrizes, culturais diferentes, apresentados no livro
Além disso, a perspectiva dos Estudos Culturais e O povo brasileiro; o de Luís da Câmara Cascudo e seu esforço
dos Estudos Pós-Coloniais, a partir da década de 1960, de pesquisa e catalogação de práticas culturais, alimentos,
passaram a evidenciar como as dinâmicas de poder afetam folclore e mitos regionais brasileiros; e, mais recentemente,
de forma decisiva as permanências e as mudanças culturais, o de Eduardo Viveiros de Castro com sua obra A inconstância
gerando um amplo debate sobre os diferentes impactos que da alma selvagem, em que estuda de forma detalhada diversas

SOCIOLOGIA
os processos de colonização trouxeram para as culturas das manifestações culturais de povos indígenas atuais.
sociedades colonizadas (especialmente nas Américas e na A Antropologia foi se desenvolvendo e criando novas áreas
África). Por exemplo, o crítico literário palestino Edward de estudo não só ligadas às populações “exóticas”, mas
Said (1935-2003), em seu livro Orientalismo (1979), também tomando por objeto a vida urbana das grandes
demonstrou como a visão que se difundiu no Oriente cidades. Após a década de 1970, além de olhar para “o
(no Oriente Médio, principalmente) foi moldada e distorcida outro de fora”, também passou a se interessar pelos muitos
pelo olhar europeu, conforme seus preconceitos e “outros” que estão “dentro” e para o “nós”. Um dos ramos
estereótipos. O mesmo pode ser dito de todas as culturas que mais interessantes é o da antropologia urbana, no qual se
passaram pelo processo de colonização, como as culturas dos destaca o antropólogo carioca Gilberto Velho (1945-2012),
povos africanos e da Oceania. A partir da década de 1960, considerado um dos pioneiros dos estudos sobre as complexas
falar de cultura implica, necessariamente, falar de poder relações entre indivíduo, sociedade e modo de vida urbano.
político-econômico, de discriminação racial, de desigualdade Velho chama a atenção para as práticas culturais que nos
de gênero e de classe. são “familiares”, mas que ocultam significados, histórias e
relações que merecem maior atenção. Dedicou-se a estudar
fenômenos como a violência nos grandes centros urbanos,
Antropologia as práticas culturais de grupos juvenis, o individualismo,
o consumismo e as relações familiares.
e Cultura no Brasil Um dos teóricos de maior destaque na antropologia urbana
contemporânea é o cientista político e antropólogo fluminense
Em razão da grande diversidade cultural dos povos nativos,
o Brasil atraiu os olhares de antropólogos do mundo todo, Luiz Eduardo Soares (1954-), coautor do famoso livro Elite
interessados em desvendar os segredos da diversidade da Tropa (2005), que inspirou os filmes Tropa de Elite 1
das culturas humanas. Desde o século XVII, foram muitos (2007) e Tropa de Elite 2 (2010), dirigidos por José Padilha.
os naturalistas que chegaram, ao território brasileiro, Luiz Eduardo Soares, em seus estudos sobre as relações
para registrar em textos e imagens os usos e costumes dos entre a violência, a criminalidade, a mídia e o Estado, destaca
povos indígenas. como o próprio poder político corrompido produz e sustenta
a criminalidade, explicitando também como a mídia contribui
Porém, a Antropologia, no Brasil, só se alavanca de fato para alimentar o espetáculo da violência urbana.
após as expedições do Marechal Cândido Rondon, nas
O antropólogo Roberto Damatta (1936-), atualmente
décadas de 1930 e 1940, com a missão de desbravar e
professor do Museu Nacional do Rio de Janeiro, buscou
integrar todo o território nacional. A partir delas é que os
compreender diversas formas culturais que se instauram no
povos que haviam resistido e escapado ao genocídio colonial meio urbano brasileiro: o carnaval, a figura do malandro,
e à catequese eclesiástica foram contatados. A pretensão o jeitinho brasileiro e a prática do “você sabe com quem
do governo Vargas – sob o qual boa parte das expedições está falando?”. Consagrou-se com obras como Carnavais,
se realizou – era a de unificar o território sob o prisma de malandros e heróis (1979) e A casa e a rua: espaço,
uma única cultura nacional brasileira. A concepção vigente, cidadania, mulher e morte no Brasil (1984).
nesse período, era a evolucionista, que via o índio como um
“atrasado” que precisava ser “civilizado”. Assim, os índios
deveriam abandonar gradativamente sua cultura “primitiva” em Intérpretes do Brasil
nome de uma cultura considerada superior: de matriz cristã, Até o início do século XX, não havia uma sociologia pro-
branca-europeia, capitalista e urbana. priamente brasileira. As teorias que vigoravam aqui eram
A partir da década de 1940, a antropologia brasileira aquelas desenvolvidas em solo europeu, aplicadas com poucas
passou a ser influenciada principalmente pelo culturalismo, adaptações ou modificações. Havia grande aceitação, principal-
de Franz Boas, e pelo estruturalismo, de Claude Lévi-Strauss. mente, das doutrinas do racismo científico (racialismo), como
Nesse contexto, destacam-se também nomes como os de o evolucionismo social, o darwinismo social e a eugenia, ado-
Orlando e Cláudio Villas Bôas, cujo trabalho junto a vários tadas como modelos de explicação para a sociedade brasileira.

Bernoulli Sistema de Ensino 57

FILSOCPRV1_SOC_BOOK.indb 57 15/10/18 14:50


Frente A Módulo 05

A partir dos pressupostos racialistas, a “culpa” do atraso bra- As teorias de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda
sileiro, em relação às civilizadas nações europeias, era dos sofreram muitas críticas, ligadas principalmente ao reducionis-
componentes negros e indígenas em nosso sangue e em nossa mo, ao essencialismo e à generalização, mas são importantes
cultura. Autores consagrados como Monteiro Lobato e Euclides pelo esforço de compreensão, pela influência que exerceram
da Cunha, bem como pensadores sociais como Oliveira Viana e e pelo debate que geraram posteriormente.
Raimundo Nina Rodrigues expressavam essa visão eurocêntrica
e apoiavam causas eugenistas, como os incentivos governa- Darcy Ribeiro
mentais para a imigração europeia no país, com a finalidade
de “embranquecê-lo”.
e o Povo Brasileiro
No entanto, o movimento estético-cultural do Romantismo, Um dos nomes mais importantes dos estudos antropo-
com sua pretensão nacionalista nos finais do século XIX, lógicos do Brasil é o do mineiro Darcy Ribeiro (1922-1997),
natural de Montes Claros. Seus estudos etnográficos se
assim como o Modernismo, inaugurado em 1922, trouxeram
iniciam na esteira dos Irmãos Villas Bôas e buscam encontrar
um novo olhar sobre a configuração étnico-cultural brasileira.
os traços da “brasilidade” por meio da miscigenação
Em vez de criticar os elementos não europeus, inicia-se de três matrizes culturais básicas: indígenas (matriz
uma busca pela identidade própria do brasileiro, a nossa tupi), portugueses (matriz lusitana) e africanos (matriz
“brasilidade”. Essa brasilidade passará a ser fortemente africana). Dessas três matrizes, postas em contato
associada à mestiçagem (ou miscigenação). físico, econômico e cultural, por meio da colonização,
é que resultou na intensa mestiçagem étnico-racial
O surgimento da Sociologia como disciplina científica no
e cultural que caracteriza o povo brasileiro. Em sua obra
Brasil, na década de 1930, está imbuída dessa leitura que prima intitulada O povo brasileiro, publicada ao fim de sua
busca, ao mesmo tempo, identificar a “brasilidade” e valorizá-la. vida, em 1997, Darcy Ribeiro mostra como esse caldeirão
É o caso de Gilberto Freyre (1900-1987), que se dedicou a cultural foi marcado tanto por relações amistosas quanto
estudar a formação histórico-social do Brasil desde o período por conflitos, violência e relações de dominação. No entanto,
colonial e foi o primeiro grande defensor da mestiçagem a despeito de tudo isso (ou por causa de tudo isso), a cultura
como sendo a grande contribuição do Brasil para o mundo. brasileira se revela ímpar em inúmeros aspectos, pelo fato
de elementos culturais muito diversos terem encontrado
Sua obra-prima, Casa-grande e senzala, publicada em 1932,
solo para que integrassem e se tornassem parte de uma
tornou-se um dos marcos do nascimento da Sociologia do
cultura híbrida e ressignificada.
país e um dos ícones da interpretação da sociedade brasileira.
O historiador e diplomata Sérgio Buarque de Holanda Patrimônio cultural
(1902-1982), pai do músico Chico Buarque, inspirou-se em
Freyre e propôs uma das teses mais debatidas nas ciências material e imaterial
sociais: a tese do Homem Cordial. Para Holanda, uma das
A cultura material consiste em toda a sorte de artefatos,
características mais marcantes da “alma” brasileira (leia-se,
objetos, instrumentos, construções, obras arquitetônicas,
dos comportamentos culturais brasileiros) teria sido
utensílios que são produzidos no interior de uma determinada
desenvolvida a partir da influência do modo de ser ibérico
(lusitano), que tende a valorizar mais a emoção do que a razão. cultura e que se distinguem por serem concretos, tangíveis. Uma

Em seu livro Raízes do Brasil (1936), Holanda defende que o igreja histórica, uma arma de guerra ou um utensílio doméstico

brasileiro seria “cordial”, isto é, submetido ao coração: paixões, podem ser considerados exemplos de materiais da cultura.
afetos, empatia e humor. Por isso, tenderia a valorizar mais as Já a cultura imaterial se refere a elementos que não são
relações familiares e afetivas do que a frieza das leis; daria mais tangíveis, isto é, que se caracterizam pela sua abstração.
importância ao domínio privado do que ao público; seria mais Os bens culturais imateriais estão relacionados aos saberes,
afeito à aventura do que ao planejamento calculista e racional. às habilidades, às crenças, às práticas, ao modo de ser
Por esse motivo, seria tão festivo e hospitaleiro – características das pessoas. Dessa forma, podem ser considerados bens
destacadas por todos os estrangeiros que chegam por aqui. imateriais: conhecimentos enraizados no cotidiano das
A tese do Homem Cordial foi a base de explicação comunidades; manifestações literárias, musicais, plásticas,
para muitos comportamentos culturais vistos no país, cênicas e lúdicas; rituais e festas que marcam a vivência
como a malandragem, o “jeitinho brasileiro” e a própria coletiva da religiosidade, do entretenimento e de outras
corrupção. Inspirou muitos teóricos posteriores na tentativa práticas da vida social.
de compreender as manifestações culturais brasileiras.
O patrimônio cultural designa o conjunto de bens materiais
O antropólogo carioca Roberto DaMatta, por exemplo, ou imateriais que são considerados de interesse para a
parte dessa categoria para analisar a cultura brasileira, coletividade, por resguardarem a identidade cultural de um
em seu livro Carnavais, malandros e heróis, na tentativa de grupo social. No Brasil, o órgão responsável pela conservação
decodificar os modos de navegação social que são socialmente patrimonial é o IPHAN (Instituto de Patrimônio Histórico e
validados na nossa cultura. Artístico Nacional).

58 Coleção Filosofia / Sociologia

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O universo da cultura

São exemplos do Patrimônio Imaterial brasileiro: o queijo


É aquilo que singulariza todos e cada um de nós como uma pessoa
de Minas Gerais; o frevo e o maracatu de Pernambuco;
diferente, com interesses, capacidades e emoções particulares.
o ofício das paneleiras do Espírito Santo; o samba de raiz Mas, na vida diária, personalidade é usada como um marco para
do Rio de Janeiro; o ofício das Baianas do Acarajé da Bahia; algo desejável e invejável de uma pessoa. Assim, certas pessoas
a viola de cocho do Mato Grosso. São exemplos do patrimônio teriam “personalidade”, outras não! É comum se dizer que “João
material brasileiro: as igrejas do centro histórico de Ouro tem personalidade” quando de fato se quer indicar que “João tem
Preto, em Minas Gerais; os Arcos da Lapa, no Rio de Janeiro; magnetismo”, sendo uma pessoa “com presença”. Do mesmo
o Convento Beneditino de São Paulo; o Pelourinho, em Salvador; modo, dizer que “João não tem personalidade” quer apenas dizer
o Cristo Redentor carioca. que ele não é uma pessoa atraente ou inteligente.
Mas, no fundo, todos temos personalidade, embora nem todos

VOCÊ TEM CULTURA? possamos ser pessoas belas ou magnetizadoras como um artista
da Novela das Oito. Mesmo uma pessoa “sem personalidade”
Outro dia ouvi uma pessoa dizer que “Maria não tinha tem, paradoxalmente, personalidade na medida em que ocupa
cultura”, era “ignorante dos fatos básicos da política, economia um espaço social e físico e tem desejos e necessidades. Pode ser

SOCIOLOGIA
e literatura”. Uma semana depois, no museu onde trabalho, uma pessoa sumamente apagada, mas ser assim é precisamente
conversava com alunos sobre “a cultura dos índios Apinayé o traço marcante de sua personalidade.
de Goiás”, que havia estudado de 1962 até 1976, quando No caso do conceito de cultura, ocorre o mesmo, embora
publiquei um livro sobre eles (Um mundo dividido). Refletindo nem todos saibam disso. De fato, quando um antropólogo social
sobre os dois usos de uma mesma palavra, decidi que esta fala em “cultura”, ele usa a palavra como um conceito chave
seria a melhor forma de discutir a ideia ou o conceito de para a interpretação da vida social. Porque para nós ‘’cultura”
cultura tal como nós, estudantes da sociedade, a concebemos. não é simplesmente um referente que marca uma hierarquia de
Ou, melhor ainda, apresentar algumas noções sobre a cultura e “civilização”, mas a maneira de viver total de um grupo, sociedade,
o que ela quer dizer, não como uma simples palavra, mas como país ou pessoa. Cultura é, em Antropologia Social e Sociologia,
uma categoria intelectual, um conceito que pode nos ajudar a um mapa, um receituário, um código através do qual as pessoas
compreender melhor o que acontece no mundo à nossa volta. de um dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam o
Retomemos os exemplos mencionados porque eles encerram os mundo e a si mesmas.
dois sentidos mais comuns da palavra. No primeiro, usa-se cultura [...]
como sinônimo de sofisticação, de sabedoria, de educação no O conceito de cultura, ou a cultura como conceito, então,
sentido restrito do termo. Quer dizer, quando falamos que “Maria permite uma perspectiva mais consciente de nós mesmos.
não tem cultura”, e que “João é culto”, estamos nos referindo a um Precisamente porque diz que não há homens sem cultura e
certo estado educacional destas pessoas, querendo indicar com permite comparar culturas e configurações culturais como
isto sua capacidade de compreender ou organizar certos dados entidades iguais, deixando de estabelecer hierarquias em que
e situações. Cultura aqui é equivalente a volume de leituras, a inevitavelmente existiriam sociedades superiores e inferiores.
controle de informações, a títulos universitários e chega até Mesmo diante de formas culturais aparentemente irracionais,
mesmo a ser confundida com inteligência, como se a habilidade cruéis ou pervertidas, existe o homem a entendê-las – ainda que
para realizar certas operações mentais e lógicas (que definem seja para evitá-las, como fazemos com o crime –; é uma tarefa
de fato a inteligência) fosse algo a ser medido ou arbitrado pelo inevitável que faz parte da condição de ser humano e viver num
número de livros que uma pessoa leu, as línguas que pode falar, universo marcado e demarcado pela cultura. Em outras palavras,
ou aos quadros e pintores que pode, de memória, enumerar. a cultura permite traduzir melhor a diferença entre nós e os
Como uma espécie de prova desta associação, temos o velho outros e, assim fazendo, resgatar a nossa humanidade no outro
ditado informando que “cultura não traz discernimento”... ou e a do outro em nós mesmos. Num mundo como o nosso, tão
inteligência, como estou discutindo aqui. Neste sentido, cultura pequeno pela comunicação em escala planetária, isso me parece
é uma palavra usada para classificar as pessoas e, às vezes, muito importante. Porque já não se trata somente de fabricar
grupos sociais, servindo como uma arma discriminatória contra mais e mais automóveis, conforme pensávamos em 1950, mas
algum sexo, idade (“as gerações mais novas são incultas”), etnia desenvolver nossa capacidade para enxergar melhores caminhos
(“os pretos não tem cultura”) ou mesmo sociedades inteiras, para os pobres, os marginais e os oprimidos. E isso só se faz com
quando se diz que “os franceses são cultos e civilizados” em uma atitude aberta para as formas e configurações sociais que,
oposição aos americanos, que são “ignorantes e grosseiros”. como revela o conceito de cultura, estão dentro e fora de nós.
Do mesmo modo, é comum ouvir-se referências à humanidade,
Num país como o nosso, onde as formas hierarquizantes de
cujos valores seguem tradições diferentes e desconhecidas,
classificação cultural sempre foram dominantes, onde a elite
como a dos índios, como sendo sociedades que estão “na Idade
sempre esteve disposta a autoflagelar-se dizendo que não
da Pedra” e se encontram em “estágio cultural muito atrasado”.
temos uma cultura, nada mais saudável do que esse exercício
A palavra “cultura”, enquanto categoria do senso-comum,
antropológico de descobrir que a fórmula negativa – esse dizer que
ocupa, como vemos, um importante lugar no nosso acervo
não temos cultura – é, paradoxalmente, um modo de agir cultural
conceitual, ficando lado a lado de outras, cujo uso na vida
que deve ser visto, pesado e talvez substituído por uma fórmula
cotidiana é também muito comum. Estou me lembrando da
mais confiante no nosso futuro e nas nossas potencialidades.
palavra “personalidade” que, tal como ocorre com a palavra
“cultura”, penetra o nosso vocabulário com dois sentidos bem Disponível em: <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.
diferenciados. No campo da Psicologia, personalidade define o php/4254059/mod_resource/content/1/voce%20tem%20
conjunto dos traços que caracterizam todos os seres humanos. cultura.pdf>. Acesso em: 23 ago. 2018.

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Frente A Módulo 05

EXERCÍCIOS 03. (UFPA) Sobre patrimônio material e imaterial no Brasil,


é correto afirmar:
PROPOSTOS A) As práticas e expressões culturais, para serem con-
sideradas como bens imateriais, devem apresentar
01. (Ufu-MG) Dentre as várias interpretações sobre a brasilidade,
IJ9A
destaca-se aquela que atribui a nós, brasileiros, os recursos associação entre os objetos, artefatos e os lugares onde
do jeitinho, da cordialidade e da malandragem. são desenvolvidas.

De acordo com as leituras weberianas aplicadas à realidade B) O Palacete Pinho, o Parque Zoobotânico do Museu Emilio
brasileira (por autores tais como: Sérgio Buarque de Holanda, Goeldi e o Complexo do Ver-o-Peso são considerados
Gilberto Freyre, Roberto Damatta), a malandragem significaria como patrimônios imateriais do Brasil por resguardarem
A) a manifestação prática do processo de miscigenação a memória dos povos indígenas.
que combinou elementos genéticos pouco inclinados C) Os recursos naturais são bens culturais de patrimônio
ao trabalho. imaterial, por isso é grande o risco de desaparecerem
B) a consagração do fracasso nacional representado pela caso não sejam preservados por políticas sociais.
incapacidade de desenvolver formas capitalistas de
D) O Ofício das Baianas de Acarajé agrega diferentes
relações sociais.
classes socioeconômicas, promovendo a equidade
C) a inovação de um estilo especial de se resolver os
e a justiça social, e é caracterizado apenas como
próprios problemas, que tem sua origem nas tradições
patrimônio material.
ibéricas.
E) Os bens materiais têm que apresentar uma prática
D) a materialização da oposição popular ao trabalho
e ao imperialismo europeu, como característica de cultural regular tal como ocorre, por exemplo, com o
resistência de classe. Círio de Nossa Senhora de Nazaré, com o Complexo
Cultural do Bumba meu boi do Maranhão e com a Roda
02. (Uenp-PR) Na madrugada de 1º de novembro de 2009, de Capoeira.
morre na França o etnólogo e antropólogo Claude Lévi-
-Strauss aos 101 anos de idade. Sua morte teve grande 04. (UFU-MG) Leia o texto e o comentário apresentados
repercussão no Brasil, sobretudo porque foi um dos
a seguir:
primeiros professores de Sociologia da Universidade de São
Paulo, logo na sua fundação, tendo feito várias expedições Apesar da existência de tendências gerais constatáveis
ao Brasil Central. Seu pensamento influenciou gerações de nas histórias das sociedades, não é possível estabelecer
filósofos, antropólogos e sociólogos. É correto afirmar: sequências fixas capazes de detalhar as fases por
A) A corrente estruturalista, da qual Lévi-Strauss é o prin- que passou cada realidade cultural. Cada cultura é o
cipal teórico, surgiu na década de 40 com uma proposta resultado de uma história particular, e isso inclui também
diferente do funcionalismo, predominante até então. suas relações com outras culturas, as quais podem ter
O funcionalismo se preocupava com o funcionamento características bem diferentes.
de cada sociedade e em saber como as coisas existiam
SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura.
na sua função social. O estruturalismo queria saber
São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 12.
do trabalho intelectual. Olhar para os povos indígenas
e buscar uma racionalidade e uma reflexão propria- Santos argumenta, ainda, que não se pode relacionar
mente nativa.
e comparar sociedades e culturas segundo critérios
B) Lévi-Strauss não encontrou evidências de que os povos vigentes apenas em uma delas, quando investigamos
nativos desenvolvessem um pensamento selvagem
suas realizações culturais.
nem que ocorresse a passagem de homem natural
para o homem cultural entre os povos indígenas. Com base nesses argumentos, assinale a alternativa
C) Lévi-Strauss acreditava que o homem não é uma espécie correta quanto às seguintes afirmações:
transitória e sugeriu uma visão essencialista do ser I. O conceito de evolução nas Ciências Sociais é relativo
humano, já que o mundo existe quando o homem o a experiências históricas diversas e não deve servir à
interpreta, chegando a afirmar, em várias passagens, que
hierarquização das sociedades por fases sucessivas
“o mundo começou com o homem e vai terminar com ele”.
de desenvolvimento a partir de critérios e sequências
D) Lévi-Strauss concorda com Sartre que não existe
etnocêntricas.
oposição entre sociedades com história e sociedades
sem história, sendo que isso é demonstrando pela II. O desenvolvimento das forças produtivas é o critério
Sociologia e pela etnografia contemporâneas ao de evolução mais aceito em todas as teorias das
constatarem que toda sociedade se desenvolve no curso Ciências Sociais e, por isso, tem validade científica
de uma história específica. irrefutável como bem o demonstra Max Weber.
E) Não pode ser atribuído ao legado de Lévi-Strauss o
III. As fases de desenvolvimento cultural de cada socie-
respeito ao pensamento dos chamados povos primitivos,
dade particular podem ser percebidas, comparadas
em especial dos povos indígenas da América, pelas
diferenças culturais e pela diversidade, sem as quais a e avaliadas quando vemos os processos de imitação
criatividade humana cessa e, por tudo que há no mundo, e reprodução cultural, que levam as culturas subde-
antes e depois da passagem do humano pela Terra. senvolvidas ao desenvolvimento.

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O universo da cultura

IV. Sem afrontar os argumentos do texto, podemos 07. (Unesp–2017)


aceitar pelo menos que o sedentarismo e o nomadismo Texto 1
são experiências sequenciais do desenvolvimento de
O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal
todas as sociedades e culturas do planeta, tal como Federal (STF), negou pedido de juiz do Rio de Janeiro
provam os historiadores. que reivindica que a Justiça obrigue os funcionários do
prédio onde esse juiz mora a chamá-lo de “senhor” ou de
A) Apenas I é correta.
“doutor”, sob pena de multa diária. Na ação judicial, o juiz
B) II, III e IV são corretas. argumenta que foi chamado pelo porteiro do condomínio
de “você” e de “cara” e que ouviu a expressão “fala sério!”
C) I, II e III são corretas.
após ter feito uma reclamação.
D) Apenas III é correta. OLIVEIRA, M. Ministro do STF nega pedido de juiz que quer
ser chamado de “doutor”. Disponível em: <http://g1.globo.
05. (UFG-GO–2014) Leia a receita apresentada a seguir: com>. Acesso em: 22 abr. 2014 (Adaptação).

Tacacá Texto 2
O “Você sabe com quem está falando?” não parece ser uma

SOCIOLOGIA
2 litros de tucupi temperado
expressão nova, mas velha, tradicional, entre nós. Na medida
4 dentes de alho em que as marcas de posição e hierarquização tradicional,
4 pimentas de cheiro como a bengala, as roupas de linho branco, o anel de grau
e a caneta-tinteiro no bolso de fora do paletó se dissolvem,
4 maços de jambu incrementa-se imediatamente o uso da expressão separadora
1/2 kg de camarão de posições sociais para que o igualitarismo formal e legal,
mas cambaleante na prática social, possa ficar submetido a
1/2 xícara de goma de mandioca
outras formas de hierarquização social.
Sal a gosto DAMATTA, R. Carnavais, malandros e heróis, 1983.
Modo de servir: muito quente, em cuias, temperado com (Adaptação).
pimenta. Considerando a análise do antropólogo Roberto da Matta,
Disponível em: <www.receitastipicas.com/receita/ o fato descrito no texto 1 pode ser corretamente inter-
tacaca.html>. Acesso em: 09 set. 2013. pretado como resultante
A) da contradição entre igualitarismo liberal e autorita-
Comer é um ato social, histórico, geográfico, religioso, rismo cultural.
econômico e cultural. O preparo dos alimentos, a escolha
B) da plena assimilação cultural dos ideais iluministas
dos ingredientes e a maneira de servir identificam um de cidadania.
grupo social e ajudam a estabelecer uma identidade
C) das tendências estatais de controle totalitário da
cultural. Essa receita, “Tacacá”, comida muito apreciada existência cotidiana.
na culinária paraense, demonstra
D) da superação das hierarquias sociais pela universali-
A) uma interação cultural, com a incorporação de ingre- zação ética.
dientes advindos de tradições culinárias distintas. E) da hegemonia ideológica da classe operária sobre a
B) um modo de preparo espontâneo, associado aos classe burguesa.
padrões culinários da colônia.
08. (UEL-PR) A cultura constitui, portanto, um processo pelo qual
C) um modelo ritualista de servir, vinculado ao formalismo 51XD os homens orientam e dão significado às suas ações através
religioso africano. de uma manipulação simbólica, que é atributo fundamental
D) um modo de utilizar os ingredientes provenientes do de toda prática humana. Nesse sentido, toda análise de
fenômenos culturais é necessariamente análise da dinâmica
extrativismo, associado ao nomadismo dos quilombos.
cultural, isto é, do processo permanente de reorganização
E) uma imposição de identidade cultural, pelo uso de das representações na prática social, representações estas
produtos cultivados em áreas sertanejas. que são simultaneamente condição e produto desta prática.

DURHAM, E. R. A dinâmica cultural da sociedade moderna.


06. (UFPA) A cultura popular corresponde às práticas culti- Ensaios de Opinião, São Paulo, n. 4, p. 13. 1977.
vadas de maneira tradicional porque
Com base no texto anterior, é correto afirmar que:
A) está relacionada à tradição oral, coletiva e, muitas vezes,
A) Cultura significa a manipulação da prática humana
é marcada pela relação das pessoas com seu ambiente. que reorganiza e dinamiza os fenômenos sociais.
B) atinge simultaneamente as pessoas pelos meios de B) Dinâmica cultural é a reprodução de toda prática
comunicação eletrônica, como ocorre, por exemplo, humana em fenômenos culturais.
nos programas de rádio. C) Fenômenos culturais são dinâmicos porque são
C) sua forma de difusão é a escrita, repassada de geração representações de práticas sociais que estão em
permanente reorganização.
a geração desde tempos remotos.
D) Práticas sociais são dinâmicas porque a cultura é
D) representa a cosmovisão das classes tradicionalmente
uma manipulação simbólica, sujeita a variações
dominantes. simultâneas de significados por parte dos homens.
E) é comercializada e consumida em larga escala devido E) Dinâmica cultural é a manipulação simultânea de
às atuais técnicas de reprodução. significados simbólicos por parte dos homens.

Bernoulli Sistema de Ensino 61

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Frente A módulo 05

09. (UFU-MG) Uma das superstições características da cultura A forma de atuação do movimento social relatado evidencia
popular é a relativa ao mês de agosto, considerado mês de a sua busca pela
mau agouro, quando nenhuma decisão importante deve A) revitalização econômica do lugar.
ser tomada: não se deve fechar negócios, nem marcar
B) ampliação do poder de consumo.
casamentos ou fazer mudanças de qualquer espécie.
O jornal Correio de Uberlândia, em agosto de 2008, C) preservação do patrimônio material.
publicou reportagem que atestava mudanças desse D) intensificação da geração de empregos.
comportamento, durante o referido mês, tais como:
E) criação de espaços de autossegregação.
realizações de casamentos, de mudanças de residências,
ou de negócios em andamento ou, ainda, salões de beleza
com movimento normal para “mudanças de visual”.
02. (Enem–2017) Os guaranis encontram-se hoje distribuídos
pela Bolívia, Paraguai, Uruguai, Brasil e Argentina. A condição
Considerando o enunciado anterior e o conceito antropo- de guarani remete diretamente para a ideia de pertencimento
lógico de cultura, marque a alternativa correta.
e para as relações de parentesco. Daí a importância da
A) Só há pureza e autenticidade nas manifestações concepção de território como espaço de comunicação. Eles
provindas da zona rural, não contaminadas pelas têm parentes nos diversos países e seguem se visitando
vertiginosas transformações do mundo urbano. regularmente. Os guaranis seguem com noções e conceitos
B) As práticas culturais não são congeladas no tempo, próprios de fronteira, uma ideia mais sociológica e ideológica,
são partes integrantes da história e estão em processo que inclui, exclui e define quem pertence e quem não
de transformação com a própria história. pertence a determinado grupo social.
C) As manifestações culturais populares passam por um O dilema das fronteiras na trajetória guarani. Entrevista
processo de descaracterização, pois, para permane- especial com Antônio Brand. Disponível em: <www.ihuonline.
cerem autênticas e tradicionais, devem reproduzir unisinos.br>. Acesso em: 15 ago. 2013 (Adaptação).
integralmente o passado e evitar mudanças.
De acordo com o texto, o processo de demarcação
D) As verdadeiras práticas tradicionais não se alteram
das terras reivindicadas por esse povo enfrenta como
com o tempo e são reproduzidas da mesma forma
dificuldade o(a)
como foram originadas.
A) valor de desapropriação das áreas legalizadas.
10. (Unioeste-PR) A respeito dos estudos antropológicos da B) engajamento de jovens na luta pela reforma agrária.
ZUMB cultura, assinale o item que melhor responde à pergunta:
C) escassez de zonas cultiváveis nas regiões contíguas.
qual seria sua importância para os homens?
D) tensão entre identidade coletiva e normatizações das
A) Ela serve como um mapa, orientando as ações de
nações limítrofes.
indivíduos e povos, no que diz respeito às ideias,
saberes e técnicas. E) contradição entre sustento extrativista e desmatamento
das florestas tropicais.
B) Ela é o conjunto formado pelas artes e formação
educacional.
C) Na realidade não tem tanta importância, pois ela é
apenas uma ideologia. gAbARIto meu aproveitamento
D) A compreensão da organização social, já que estudar
a cultura é o mesmo que estudar a sociedade. Propostos Acertei ______ errei ______
E) Ela proporciona unicamente as capacidades artísticas
01. C
dos indivíduos e as manifestações destas.
02. A
03. A
seção enem 04. A
05. A
01. (Enem–2017) Uma área de cerca de 101,7 mil metros
06. A
quadrados, com um pátio ferroviário e uma série de
armazéns de açúcar abandonados pelo poder público. 07. A
Quem olha de fora vê apenas isso, mas quem conhece a 08. C
história do Cais José Estelita sabe que o local faz parte
09. B
da história de Recife, sendo um dos cartões-postais e
um dos poucos espaços públicos que restam na capital 10. A
pernambucana. E é por isso que um grupo está lutando
para evitar que as construções sejam demolidas por um seção enem Acertei ______ errei ______
consórcio de grandes construtoras para construção de
prédios comerciais e residenciais. 01. C

BUENO, C. Ocupe Estelita: movimento social e cultural 02. D


defende marco histórico de Recife.
Ciência e Cultura, n. 4, 2014. total dos meus acertos: _____ de _____ . ______ %

62 Coleção Filosofia / Sociologia

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Frente Módulo

SOCIOLOGIA A 06
A cultura e os meios de comunicação
A constituição da sociedade de massas
O conceito de sociedade de massa surge, no início Portanto, as opções de lazer oferecidas a esses indivíduos
do século XX, como fruto do crescente processo de tomam a forma de produtos pensados, justamente, para
industrialização que aconteceu nas sociedades modernas, serem consumidos nesse período em que o indivíduo não
a partir do final do século XVIII, com o advento da Revolução se dedica ao trabalho. Desse modo, a lógica capitalista do
Industrial. Além do desenvolvimento dos transportes e do consumo de bens se torna presente, inclusive, no momento
comércio, as sociedades modernas também se caracterizam em que o indivíduo não se dedica a um processo produtivo.
pela difusão de ideais, como a liberdade e a igualdade, É fácil perceber que o sistema capitalista deixa de ser
considerando-as valores universais. apenas um modo de produção para se tornar uma forma
de organização social, na medida em que transforma em
O termo “massa” refere-se, especificamente, ao enfra- mercadoria os aspectos subjetivos da existência humana.
quecimento dos laços que mantinham a coesão social nas
sociedades tradicionais. A vida comunitária, os pesos das Entretanto, por qual motivo a padronização dos bens
culturais seria um problema tão grande nas sociedades
crenças religiosas sobre as ações dos indivíduos, entre
modernas? A questão é que, se as formas e padrões culturais
outros fatores, foram substituídos por novas formas de
passam a ser produzidos, tendo em vista o mercado, há,
sociabilidade, tendo como principal característica a vida nas
então, uma diminuição da capacidade dos seres humanos de
grandes cidades marcadas pelo desenvolvimento capitalista.
criarem e interpretarem os seus próprios símbolos.
Segundo Karl Marx, o modo de produção capitalista, em
Com o desenvolvimento dos meios de comunicação,
que os trabalhadores não são proprietários dos meios de
a difusão de bens culturais ganhou contornos até então
produção e, assim, não se reconhecem no seu trabalho,
desconhecidos na história da humanidade. A velocidade com
é responsável por gerar o processo de alienação. A força que as informações são dispostas ao público se torna cada
de trabalho, fundadora da condição humana, é, no sistema vez maior. Esse processo teve início, mais especificamente,
capitalista, apenas mais uma mercadoria que é vendida aos após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), quando
burgueses pelo proletariado. A alienação ocorre quando pesquisadores estadunidenses passaram a estudar o efeito
o trabalho deixa de ser a força produtora da realidade da difusão de informações por meio do rádio e do cinema
humana e se torna uma mercadoria. Ao não se reconhecer sobre a população.
em seu trabalho, o indivíduo deixa de reconhecer também a
realidade em que vive. É nesse contexto, marcado pelo fato A intenção dessas pesquisas, financiadas pelo governo
de as relações sociais serem permeadas pelas relações de dos EUA, era a de convencer a população dos Estados
Unidos a apoiar a participação do país em conflitos
produção capitalistas, que se desenvolve o individualismo,
armados. Para tanto, era necessário ter certeza de que os
pois os laços de coesão entre os indivíduos se sustentam
meios de comunicação seriam capazes de produzir esse
em torno das necessidades materiais criadas com o advento
convencimento nas massas. Nesse período, ganharam
do capitalismo.
importância pesquisadores como Harold Lasswell, criador
A constituição da sociedade de massas ocorre concomi- do termo “comunicação de massas”, em 1927.
tantemente ao processo de consolidação do capitalismo e,
O crescimento cada vez mais amplo desses meios de
sendo assim, todos os aspectos da existência humana se
comunicação foi capaz de torná-los um dos grandes centros
tornam passíveis de se transformarem em mercadorias. de poder das sociedades modernas. Por esse motivo,
Inclusive o universo da cultura, que reúne características a partir da década de 30, os Estados Unidos se valeram desse
denotadoras da nossa diferença em relação aos outros seres recurso e da propaganda para criar um consenso em relação
vivos do planeta, torna-se mercadoria. Mas, como se dá à participação do país nos conflitos bélicos mundiais. Contudo,
o processo de mercantilização dos bens culturais em um o desenvolvimento dos meios de comunicação e a crescente
contexto capitalista? influência dos Estados Unidos no mundo geraram efeitos,
no campo cultural, para além das fronteiras desse país.
Como já vimos, a divisão social do trabalho, proposta
pelo capitalismo, por meio do processo produtivo, aliena o Após a Segunda Guerra Mundial, ocorrida entre 1939 e 1945,
indivíduo de sua condição. No momento em que o indivíduo o mundo ocidental conheceu uma nova ordem, baseada na
não está diretamente envolvido com seu trabalho, ele passa a polaridade política e econômica entre a URSS, potência
necessitar de alguma diversão, algo que lhe permita descansar. socialista soviética, e os Estados Unidos, nação capitalista.

Bernoulli Sistema de Ensino 63

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Frente A módulo 06

Essa polarização resultou em uma divisão cultural no De acordo com Edgar Morin:
ocidente: no bloco capitalista, desenvolveu-se a cultura
de massa sob forte influência do mercado e comandada
Cultura de massa, isto é, produzida segundo as normas
pelos Estados Unidos, enquanto no bloco socialista,
maciças da fabricação industrial; propagada pelas técnicas
a economia e a cultura se encontravam sob o domínio do
Estado soviético e, em função do direcionamento político, de difusão maciça (que um estranho neologismo anglo-
alheio à indústria cultural. -latino chama de mass media); destinando-se a uma massa
social, isto é, um aglomerado gigantesco de indivíduos
Foi nesse contexto que, a partir da segunda metade do compreendidos aquém e além das estruturas internas da
século XX, o mundo ocidental passou a se desenvolver sob
sociedade (classe, família, etc.).
a forte presença do modelo estadunidense conhecido como
American way of life. De fato, tal modelo se baseava na MORIN. Edgar. Cultura de massas no século XX:
relação entre consumo, liberdade individual e felicidade, o espírito do tempo. 3. ed. Rio de Janeiro:
resultando na estimulação do consumismo e da produção Forense Universitária, 1975. [Fragmento]
em larga escala.
Diretamente atrelado a esse fenômeno, o desenvolvimento A filósofa alemã Hannah Arendt, em seu livro A crise da
dos meios de comunicação de massa serviu como uma cultura (1972), acusa o mercado e a mídia de se valerem
alavanca para o consumo: o rádio, a televisão, a mídia
do entretenimento como forma de dominação cultural
impressa e a Internet se tornaram os principais canais de
comunicação entre o mercado e os consumidores, nutrindo-se que visa à alienação pelo lazer e incentiva o consumo.
das relações de consumo para crescer e se impor como Nas sociedades de massas, os indivíduos tendem a ter acesso
uma das mais influentes instituições socializadoras da a conteúdos padronizados e ter os seus próprios gostos e
contemporaneidade. O largo alcance das mass media, como opiniões domesticados e pasteurizados. Dessa forma, certos
a televisão, o rádio, o cinema e a Internet, faz desses meios comportamentos construídos historicamente passam a ser
poderosos instrumentos de divulgação e, por conseguinte, vistos como naturais e necessários, transformando-se em
de disseminação de modelos econômicos, valores morais, socialmente aceitos e indiscutíveis. Um exemplo desses
padrões comportamentais e de ideias, exercendo forte
comportamentos está na figura do Papai Noel e na prática
influência sobre os indivíduos. E é justamente dessa influência
natalina de troca de presentes. Ainda que seja oriundo de
que surge a cultura de massa.
antigas culturas na Europa, o Papai Noel moderno (barbudo,
de roupas vermelhas, bonachão) é uma versão modificada
A cultura de massa dos mitos antigos de São Nicolau, estilizada pela publicidade
da Coca-Cola no início do século XX, e que é responsável
por alimentar o imaginário infantil e estimular práticas de
consumismo. Uma vez consolidado pela publicidade ao
Rubens Lima

longo do século XX, Papai Noel tornou-se o grande símbolo


cultural do Natal no capitalismo, tão ou mais lembrado do
que o próprio menino Jesus da tradição cristã-ocidental.
A cultura de massa é, portanto, o maior efeito das sociedades
globalizadas do capitalismo contemporâneo, voltadas para
o consumo em larga escala e com forte presença dos meios
de comunicação de massa.

Celulares, games e livros de ficção são alguns elementos que


formam a cultura de massa atualmente.
teoRIA cRítIcA
Apesar de, em muitas ocasiões, os termos “cultura de
dA IndústRIA cultuRAl
massa” e “cultura popular” serem utilizados como sinônimos,
permaneceremos adotando a distinção estabelecida no
capítulo anterior, que considera a cultura de massa um
fenômeno específico do contexto do capitalismo pós-industrial,
marcado pela forte presença dos meios de comunicação de
massa e dos efeitos da globalização, enquanto a cultura
popular estaria, a princípio, mais relacionada à cultura “original”
e espontânea de um dado grupo social.
Jeremy J. Shapiro / Creative Commons

Assim sendo, o conceito amplo de cultura de massas


designa todo um conjunto de ideias, comportamentos,
atitudes, imagens e outros fenômenos que integram o
mainstream (a corrente principal e hegemônica) de uma
dada cultura. Este se caracteriza pela produção em larga
escala e pela consequente uniformização dos indivíduos,
formando um público amplo, que tende à homogeneização
e é fortemente influenciado pela mídia e pelo mercado. Theodor Adorno e Max Horkheimer.

64 Coleção Filosofia / Sociologia

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A cultura e os meios de comunicação

No ano de 1920, um grupo de pensadores das ciências As tendências representadas pela moda incluem com-
humanas – Theodor Adorno, Max Horkheimer, Walter Benjamin portamentos, ideias, opiniões, vestimentas, gestos,
e Herbert Marcuse – fundou o Instituto de Pesquisa Social linguagens e até doutrinas, que se encontram submetidas
vinculado à Universidade de Frankfurt, na Alemanha, com o a pressões econômicas.
intuito de produzir conhecimento sobre a nova realidade social
Devemos levar em consideração que, para Adorno e
que se construía, desde o final do século XIX, no contexto
Horkheimer, indústria cultural não é um sinônimo para
pós-Revolução Industrial e pós-revoluções burguesas.
meios de comunicação. A indústria cultural se refere a um
O foco desse grupo se encontrava no estudo das sociedades processo que transforma e vulgariza a cultura, representando
advindas do capitalismo pós-industrial, fortemente marcadas o domínio técnico sobre a natureza. Paralelamente,
pela presença dos meios de comunicação de massa e pelo a técnica passa a ter domínio do homem à medida em que
prevalecimento da lógica do consumo. Em uma definição ultrapassa a esfera econômica e chega ao âmbito da cultura e
simples e direta, a indústria cultural consiste no processo da subjetividade.
capitalista de transformar a arte e a cultura em mercadorias. Nesse sentido, é importante nos atermos ao conceito de
Logo, é também o termo utilizado para definir o modo de ideologia. Esse conceito é proveniente da escola marxista de

SOCIOLOGIA
produzir cultura a partir da lógica de produção industrial. pensamento e significa, para Marx, a maneira pela qual as
Dessa maneira, mediante a repetição de padrões, a indústria ideias passam a ser percebidas como elemento fundador da
cultural visa à formação de uma estética, ou percepção realidade social. Notemos que a ideologia, como um conceito
comum, orientada para o consumismo. Portanto, o propósito marxiano, retoma a concepção idealista da história e,
de produção da arte passa a ser o lucro. por isso, é objeto de crítica por parte de Karl Marx. Para
Marx, ideologia seria uma falsa consciência da realidade.
Adorno e Horkheimer, na obra Dialética do esclarecimento
(1985), usaram o conceito “indústria cultural” para No entanto, outros pensadores influenciados pelo
contrapor à noção de cultura de massas. Mas qual seria a pensamento de Karl Marx, sobretudo Lênin, passaram a
diferença entre os dois termos? Para Adorno e Horkheimer, ter uma outra definição para o conceito de ideologia. Para
a chamada cultura de massa é pensada e produzida para o Lênin e estes pensadores, ideologia constituía qualquer
mercado – porém é apresentada como algo espontâneo –, forma de pensamento que ocultasse os reais interesses
como se fosse uma versão contemporânea da cultura de uma determinada classe social. No sistema capitalista,
popular, ainda que também seja uma mercadoria capitalista. a ideologia se presta a produzir um imaginário social que
Ao ser orientado para o mercado, todo o processo criativo faz com que todos os conflitos de classes sejam ocultados.
que envolve a produção de uma obra de arte, por exemplo, Desse modo, os interesses das classes dominantes são
perde-se em prol de uma produção mecanizada que entendidos como os interesses de toda a sociedade.
conforma o gosto das pessoas. É sob essa condição que a ideologia cumpre sua função
de conservar a dominação de classes, pois naturaliza
A arte, ao ser transformada em mercadoria, perde três as desigualdades sociais ao não evidenciar as razões
características essenciais: em vez de ser expressiva, históricas que a formaram. Assim, a ideologia se refere a
torna-se uma simples mercadoria; em vez de ser criativa, uma consciência falsa e parcial da realidade social.
passa a ser repetitiva; e, em vez de ser inovadora,
torna- se reprodutiva. Obedientes à lógica do mercado, a arte Portanto, podemos dizer que a indústria cultural traz consigo
e a cultura são massificadas e dissipam grande parte de seu todos os elementos característicos do mundo industrial
valor humano, existencial e social. O potencial revolucionário, moderno e nele exerce um papel específico: o de portadora
inerente à cultura popular, cede espaço para a repetição e da ideologia dominante, a qual outorga sentido a todo o
para a estagnação, que serão recorrentes no comportamento sistema. Há uma forte presença ideológica nos meios de
passivo e resignado que é construído pelos meios de comunicação de massa e nos conteúdos que são veiculados
comunicação de massa. por eles: os mass media se encontram a serviço das elites
econômicas capitalistas, que se beneficiam da formação
Por esse motivo, Adorno e Horkheimer identificaram o de um público consumidor massificado, passivo e alienado.
surgimento de uma pseudo-arte: o kitsch. Este corresponde
ao produto artístico – criado pela indústria cultural – voltado Nesse contexto, devemos atentar para uma particularidade
para o público considerado de elite ou de classe média que do pensamento de Adorno e Horkheimer: para eles, tanto os
almeja um status cultural superior. Porém, o kitsch também meios de comunicação quanto a produção cultural – veiculada
é uma mercadoria, tanto quanto os produtos culturais por tais meios – servem para manipular a audiência, aliená-la
considerados “populares” ou “de massa” voltados para as e mantê-la subjugada dentro do sistema capitalista. Segundo
classes com menor poder aquisitivo. Ou seja, a indústria esses pensadores:
cultural produz a ilusão de uma divisão de fruição artística,
pelo poder econômico, e, com isso, consegue atingir um Filme e rádio se autodefinem como indústrias, e as cifras
público amplo e reproduzir as distinções de status e poder publicadas dos rendimentos de seus diretores gerais tiram
vigentes na sociedade. qualquer dúvida sobre a necessidade social de seus produtos.
O mesmo processo de mercantilização das obras de arte é HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor. A indústria cultural:
efetuado pela indústria cultural em relação à cultura popular, o iluminismo como mistificação das massas.
ao substituir os vínculos espontâneos e profundos da cultura In: LIMA, Luiz Costa (Org.). Teoria da cultura de massa.
popular por um ideal homogêneo, superficial e rotativo de cultura Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. p. 170. [Fragmento]
submetido à transitoriedade e à instantaneidade da moda.

Bernoulli Sistema de Ensino 65

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Frente A módulo 06

É importante salientar que, para Adorno, o ser humano, nessa indústria cultural, não passa de mero instrumento de
trabalho e de consumo. Isto é, o indivíduo não é um sujeito, mas um objeto, cuja capacidade crítica se encontra atrofiada.
O indivíduo, ao se ver alijado de sua capacidade crítica, torna-se propenso à influência ideológica dos meios de comunicação.
Por exemplo, segundo Adorno, o nazismo se valeu da fragilidade subjetiva dos indivíduos para, a partir de uma intensa
propaganda nos meios de comunicação, angariar o apoio dos cidadãos alemães ao regime.

Nessas condições, o indivíduo é tão bem manipulado e submetido a ideologias que até o seu lazer se torna uma extensão
do seu trabalho, favorecendo a lógica capitalista e atendendo aos interesses dos grupos dominantes. A indústria cultural,
que tem como guia a racionalidade técnica esclarecida, prepara as mentes para um esquematismo oferecido pela indústria da
cultura. Assim funciona o clichê: seja no cinema, na televisão, na moda, no jornalismo, há esquemas prontos e disponíveis
que podem ser usados sem qualquer comedimento.

A obediência a padrões predeterminados é uma das características centrais da indústria cultural. Facilmente,
pode-se observar nos roteiros cinematográficos e nas novelas que: as tramas refletem uma visão extremamente superficial
dos conflitos humanos, normalmente acentuando a ação sobre a reflexão, envolvendo dicotomias simplistas e maniqueístas,
como “bem” e “mal”, “herói” e “bandido”, e se resolvendo em finais felizes que vendem uma imagem falsa de felicidade.

A explosão dos reality shows, como a franquia Big Brother (em clara alusão à obra distópica 1984, do escritor
indo-britânico George Orwell, que previa uma sociedade totalitária controlada por meio da técnica e da ideologia), consolida
a noção de Sociedade do Espetáculo, criada pelo filósofo francês Guy Debord, em que a realidade ficcional veiculada pelos
meios de comunicação passa a se sobrepor à realidade efetiva, organizando a vida psíquica dos indivíduos e a própria vida
social em torno dos valores e da dinâmica ditados pela sociedade de consumo.

Contudo, para Adorno e Horkheimer, existe saída: a formação de indivíduos críticos e conscientes possuidores de
ferramentas intelectuais para identificar e resistir à dominação. Isto é, pela educação e pela formação crítica, os indivíduos
poderiam deixar de ser meros objetos do mercado e passar a assumir sua condição de sujeitos ativos na vida social.
Todavia, os filósofos de Frankfurt sabiam que essa tarefa era, e ainda é, extremamente árdua, especialmente pelo fato dos
meios de comunicação de massa responderem por grande parte do processo de socialização dos indivíduos nas sociedades
contemporâneas.

Finalizando, a indústria cultural, então, seria uma espécie de sistema político e econômico com o intuito de produzir
bens de cultura – filmes, livros, músicas – na qualidade de mercadorias e como estratégias de controle social. Logo,
os filmes e músicas, por exemplo, são vendidos não como bens culturais ou artísticos, mas sim como produtos de consumo.
Consequentemente, tais mercadorias manteriam os indivíduos alienados da realidade, em vez de auxiliarem na formação
de cidadãos mais críticos.

Rubens Lima

66 Coleção Filosofia / Sociologia

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A cultura e os meios de comunicação

Indústria cultural Atingindo, ainda na década de 1980, praticamente a


totalidade dos lares brasileiros, a televisão se transformou
e mídia no Brasil no meio de comunicação mais universal do país. Esse imenso
poder de acesso torna-se essencial para compreender a
No Brasil, a modernização dos meios de comunicação, socialização do indivíduo e a formação sociocultural da nação,
a partir da década de 1930, durante o governo de Getúlio uma vez que o entretenimento básico da população passa
Vargas deu início também ao fenômeno da indústria a ser assistir a programas de auditório, filmes, novelas e
cultural. Até esse período, a sociedade brasileira possuía programas esportivos. Além disso, a própria informação
uma economia marcadamente rural, em cujo meio veiculada nos noticiários se encontra submetida à influência
permanecia parte significativa da população. A Revolução das pressões internas das empresas de comunicação e seus
de 30, liderada pelo gaúcho Getúlio Vargas, fomentou uma
acionistas e clientes.
série de iniciativas de modernização com a finalidade de
aumentar a industrialização em solo nacional. Outra questão importante se encontra na relação entre
mídia e política no Brasil. Desde os governos de Getúlio

SOCIOLOGIA
O Governo Vargas, classificado como populista, soube
Vargas, passando pelo período da Ditadura Militar e tendo
utilizar os meios de comunicação de massa a seu favor.
O rádio foi utilizado como instrumento político, produzindo continuidade na história recente, com o caso de Fernando
um discurso homogêneo e apelativo para a formação de Collor de Mello, a mídia vem exercendo um importantíssimo
uma identidade político-cultural brasileira, contribuindo, e controverso papel de formação (ou, mais apropriadamente:
dessa maneira, para a formação de uma unidade nacional. deformação) da opinião pública em favor de algum grupo
político. É conhecido o fato de que o governo ditatorial extraiu
Esse quadro é considerado pelo sociólogo Florestan
grande proveito da exploração imagética da Copa do Mundo
Fernandes como a “revolução burguesa brasileira”. Para
de 1970, vencida pelo Brasil no México. Também é conhecido
Florestan, intensificou-se a mudança de um modelo oligárquico
o notório episódio da edição de imagem e textos durante um
agrário para um cenário urbano-industrial, que começou a se
debate entre os candidatos à presidência da República Luís
mostrar voltado para o consumo e fortemente influenciado
pelos meios de comunicação de massa. Durante o segundo Inácio Lula da Silva e Fernando Collor de Mello, em 1989,
Governo Vargas, a televisão foi desenvolvida no Brasil, no quando uma grande emissora de televisão visivelmente
início da década de 1950. Por ser o aparelho de TV muito caro beneficiou um dos candidatos, influenciando a opinião
nesse período, dificultando o acesso das famílias, as empresas pública, o que interferiu no resultado das eleições.
que exploravam o potencial das imagens transmitidas só
Esse episódio foi denunciado pela rede pública inglesa
foram se desenvolver cerca de uma década mais tarde.
BBC no documentário Brazil: beyond citizen Kane (Brasil:
Durante os anos 1950, a pioneira TV Tupi incorporava, em muito além do cidadão Kane), divulgado em 1993 e proibido
sua programação, o entretenimento fortemente inspirado de ser exibido em solo nacional por iniciativa de Roberto
nos padrões de vida e consumo estadunidenses, deixando Marinho. Além disso, soma-se o fato de que os canais de
entrever a forte influência recebida pelo Brasil dos EUA comunicação no Brasil são, em sua maior parte, pertencentes
durante o jogo bipolar da Guerra Fria. a pequenos grupos privados que obtiveram, não raras as
Foi somente com o governo de Juscelino Kubitschek, no vezes, direitos de transmissão por intermédio de influência
final dos anos de 1950, que se pôde falar propriamente da política, o que traz à tona a questão da influência econômica
formação de uma sociedade de massa brasileira. Com sua e do clientelismo sobre a programação e os conteúdos
política desenvolvimentista, voltada para a implementação de veiculados na mídia nacional.
indústrias de bens duráveis, como fábricas de automóveis e
Desde muito tempo, discutem-se no Brasil propostas de
eletrodomésticos, JK contribuiu enormemente para um novo
contexto nacional, em que a necessidade do consumo passou regulamentação da mídia, que visa normatizar e estabelecer
a ser imperativa em uma classe média crescente. marcos regulatórios para o exercício da comunicação em
solo brasileiro. Assim, estariam garantidos os princípios e
As atividades industriais e comerciais se diversificaram e práticas que sejam favoráveis para a democracia e para a
se multiplicaram intensamente, a vida urbana se expandiu,
liberdade de comunicação, assegurando idoneidade, isenção
formando uma classe média economicamente mais ativa,
e compromisso com a informação – o que nem sempre vemos
que obedecia ao modelo social e econômico importado
em nossas telas.
dos EUA: o American way of life. A aquisição de produtos
industrializados, como eletrodomésticos, passou a ser vista Porém, a discussão sobre esse tema ainda será longa,
como uma revolução da vida privada, prometendo dias porque uma parte considerável da população e dos grupos
melhores para as famílias e para os trabalhadores. da grande mídia enxergam as iniciativas de regulamentação
A televisão se tornou o meio de comunicação mais influente como formas de censura da liberdade de expressão. Contudo,
no Brasil, na segunda metade do século XX, e grande parte a discussão sobre a qualidade da mídia e sobre a sua impor-
desse sucesso estava ligado ao papel exercido pela Rede tância para a sociedade atual é mais do que urgente, haja vista
Globo de Televisão, fundada no início da Ditadura Militar, sua permanente influência na construção e divulgação de ideias
em 1965, pelo jornalista Roberto Marinho. e comportamentos na contemporaneidade.

Bernoulli Sistema de Ensino 67

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Frente A módulo 06

O teórico canadense Marshall McLuhan (1911-1980) possuía


Há que se mencionar uma peculiaridade da cultura de uma visão divergente da defendida pelos teóricos da Teoria
massas no Brasil, desde os seus primórdios: considerando-se Crítica em relação aos meios de comunicação de massa.
que o cinema – diferentemente do rádio – não havia sido Em seus livros O meio é a mensagem (1967) e Guerra e
priorizado pelo poder público (talvez por ter repercussões paz na aldeia global (1970), McLuhan apresenta uma visão
ideológicas menos imediatas), ele se tornou, desde sua positiva da mídia e da própria indústria cultural, destacando
maior profissionalização na década de 1930, um medium suas importantes contribuições no século XX. As reflexões de
complementar – para não dizer parasitário – com relação
McLuhan recaíam sobre os usos que os indivíduos fazem dos
ao rádio. Sua função era mostrar, tanto nas cidades
meios de comunicação e, consequentemente, como conseguem
maiores quanto nos rincões mais distantes do país, como
alterar o ambiente em que vivem por meio dessa interação.
era a aparência das pessoas, cujas vozes eram já bastante
McLuhan entende que o surgimento de novas tecnologias de
familiares aos ouvintes: o cinema mostrava como os artistas
informação enseja também novas formas de pensamento e,
do rádio eram “de verdade”. Naturalmente, a televisão
por conseguinte, novas formas de organização social.
eliminou a necessidade dessa sinergia entre o rádio e o
cinema, e a transmissão em rede via satélite para todo país, A perspectiva adotada por McLuhan nos faz pensar,
iniciada pela TV Globo na década de 1970, lançou tanto o portanto, que mudanças no universo simbólico causam
rádio quanto o cinema comerciais numa crise ainda mais mudanças não apenas nos aspectos culturais, como também
profunda do que aquela em que eles já se encontravam políticos e sociais. Pensemos, por exemplo, no momento em
desde o advento da televisão no Brasil, em 1950. que passou a ser possível o registro de documentos escritos.
A partir desse momento, os seres humanos passaram a
Essas informações, introduzidas quase aleatoriamente,
desenvolver uma cultura que tem por base o armazenamento
já são suficientes para mostrar que a defasagem entre a
de informações escritas, o que evidentemente causou
consolidação da cultura de massas no Brasil, ainda que
efeitos nas relações interpessoais. Se, anteriormente,
com um modelo bem próprio, foi de aproximadamente uma
década e que, desde então, ela nunca parou de evoluir e
a oralidade era um fator preponderante para se estruturar
de se adequar aos momentos político e tecnológico de suas uma sociedade, podemos supor que havia indivíduos
congêneres nos países mais desenvolvidos. Um exemplo encarregados de transmitir determinadas informações,
disso é o fato de que já há, desde alguns anos, transmissão de e essa posição lhes conferia poder. Com o desenvolvimento
TV digital de alta definição nas capitais e grandes cidades do da escrita, esses indivíduos perderam o seu poder,
interior do país. Outro exemplo: considerando que também e novas relações entre os indivíduos e o conhecimento
a Internet se tornou um medium importante da indústria foram estabelecidas.
cultural, é oportuno relembrar que o Brasil se encontra entre O desenvolvimento dos meios de comunicação e das
os países do mundo com maior número de conexões à web e tecnologias de informação também possui um aspecto
perde para poucos outros em número de horas semanais de transformador, especialmente no tempo e no espaço das
uso desse recurso. Por tudo isso, podemos dizer, sem medo
sociedades contemporâneas. A possibilidade de se encurtar
de errar: yes, we do have culture industry.
as distâncias espaciais e temporais através dos meios de
DUARTE, Rodrigo. comunicação recriou o mundo social sob a perspectiva de
A estética e a discussão sobre indústria cultural no Brasil. uma aldeia global. Para McLuhan, esse conceito representa
Ideias, Campinas, v.3, n. 1(4), um mundo interconectado onde os indivíduos coabitam um
p. 83-84, jan. / jun. 2012. [Fragmento] mesmo espaço, ainda que existam distâncias geográficas
e diferenças culturais.

outRA vIsão sobRe A mídIA: A aldeia global é um novo espaço de interação e sociabi-
lidade. Atualmente, esse conceito ganha uma nova força,
mARshAll mcluhAn especialmente se pensarmos no conceito de ciberespaço
proposto pelo teórico francês Pierre Lévy.
e A AldeIA globAl
cIbeRcultuRA
Pierre Lévy, sociólogo francês radicado no Canadá,
tornou-se referência para pensar os impactos das tecnologias
de comunicação ligadas à Internet sobre a organização
da vida social e da cultura. Suas noções de cybercultura
(ou cibercultura) e cyberespaço (ou ciberespaço) são
fundamentais para compreender a contemporaneidade
virtual. O ciberespaço se refere aos espaços de interação
formados pelos computadores interconectados pela Internet
e pela convergência das mídias digitais. O ciberespaço é onde
Estúdio Kalablu

se cria a chamada cibercultura, em que cada indivíduo ou


grupo de indivíduos tem a possibilidade de ser também um
emissor de conteúdo, o que lhe confere novas possiblidades
Marshall McLuhan. de ação no mundo virtual.

68 Coleção Filosofia / Sociologia

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A cultura e os meios de comunicação

Nas palavras do próprio sociólogo, Normalmente, associa-se o surgimento da contracultura


à efervescência dos anos 1960, quando eclodem muitos
o termo [ciberespaço] especifica não apenas a infraestrutura movimentos juvenis de oposição à política econômica capitalista,
material da comunicação digital, mas também o universo às guerras (especialmente à Guerra do Vietnã), e contra a
rígida moral conservadora de matriz cristã. Noções básicas da
oceânico de informação que ela abriga, assim como os seres
sociedade ocidental, como o trabalho, a disciplina, o patriotismo,
humanos que navegam e alimentam esse universo. Quanto ao
passam a ser alvo de críticas e de atitudes críticas. Soma-se
neologismo “cibercultura”, especifica aqui o conjunto de técnicas a isso o despontar de novas tendências de comportamento e
(materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de estilo contrárias à estética convencional, as quais passam a
de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente caracterizar subgrupos na ordem urbana, que são denotados
com o crescimento do ciberespaço. por preferências musicais e de vestimentas identitárias.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. É neste contexto que surgem os principais movimentos
São Paulo: Editora Golitora 34, 1999. p. 17. [Fragmento] de contracultura: hippie, punk e hip-hop, assim como o
Tropicalismo no Brasil, cada um associado a um grupo
No entanto, Lévy, assim como McLuhan, havia preconizado a e a identidades ideológicas e estéticas específicas, mas

SOCIOLOGIA
mudança de postura em relação ao meio de comunicação, que comungando uma rejeição aos mesmos “inimigos”. Como
resumiu o sociólogo Carlos Alberto Pereira:
engendra novas formas de comunicação entre seres e também
novas relações entre pessoas e o conhecimento. Cada vez mais
imersos no ciberespaço, seria necessária uma reformulação das De um lado, o termo “contracultura” pode se referir ao
práticas sociais para comportar a nova dinâmica de relações, conjunto de movimentos de rebelião da juventude [...] que
marcaram os anos 60: o movimento hippie, a música rock,
cada vez mais modificadas pelo ciberespaço.
uma certa movimentação nas universidades, viagens de
mochila, drogas e assim por diante. [...] Trata-se, então, de
O que é preciso aprender não pode mais ser planejado um fenômeno datado e situado historicamente e que, embora
nem precisamente definido com antecedência. [...] Devemos muito próximo de nós, já faz parte do passado. [...] De outro
construir novos modelos do espaço dos conhecimentos. lado, o mesmo termo pode também se referir a alguma coisa
No lugar de representação em escalas lineares e paralelas, mais geral, mais abstrata, um certo espírito, um certo modo
em pirâmides estruturadas em “níveis”, organizadas pela de contestação, de enfrentamento diante da ordem vigente,
de caráter profundamente radical e bastante estranho às forças
noção de pré-requisitos e convergindo para saberes “superiores”,
mais tradicionais de oposição a esta mesma ordem dominante.
a partir de agora devemos preferir a imagem em espaços de
Um tipo de crítica anárquica – esta parece ser a palavra-chave
conhecimentos emergentes, abertos, contínuos, em fluxo, não – que, de certa maneira, “rompe com as regras do jogo” em
lineares, se reorganizando de acordo com os objetivos ou os termos de modo de se fazer oposição a uma determinada
contextos, nos quais cada um ocupa posição singular e evolutiva. situação. [...] Uma contracultura, entendida assim, reaparece
LÉVY, Pierre, 1999. p. 158. de tempos em tempos, em diferentes épocas e situações,
e costuma ter um papel fortemente revigorador da crítica social.

PEREIRA, Carlos Alberto M. O que é contracultura.


As concepções de McLuhan e Lévy sobre os meios de
São Paulo: Brasiliense, 1992. p. 20.
comunicação encontraram eco nos recentes eventos
envolvendo alguns países árabes nos anos de 2010 a
2012, no que está sendo conhecido como Primavera Muitos teóricos consideram que o auge das contraculturas
Árabe. Na Líbia, no Egito, na Tunísia e na Síria, para citar ocorreu nas décadas de 1960 e 1970, época em que os
alguns exemplos, parte da população se apropriou da movimentos possuíam caráter político e transformador.
Internet e das redes sociais para difundir informações e Nas décadas 1980 e 1990, no entanto, os movimentos de
organizar movimentos de protesto em oposição aos regimes contracultura já teriam sido, em parte, incorporados pela lógica
ditatoriais que comandavam seus países. Esses eventos de mercado e passado a representar estereótipos juvenis
mostram como a Internet, um meio de comunicação de explorados comercialmente pela Indústria Cultural. O sociólogo
massa, desempenha um papel decisivo na configuração Michel Maffesoli observou que, ainda assim, as contraculturas
desses e de outros movimentos sociais e políticos do início continuavam a inspirar os grupos juvenis no fenômeno das
do século XXI. tribos urbanas, cada vez mais recorrente nas metrópoles
ocidentais. Para Maffesoli, as tribos urbanas continuariam sendo
Contracultura formas identitárias de organização coletiva, porém mais voltadas
para uma atuação estética do que para a prática política.
e Tribos Urbanas No entanto, uma parte da identidade de muitos adolescentes
O termo “contracultura” se refere a um amplo espectro tende a ser formada no interior desses grupos, que nascem em
de tendências, correntes e manifestações culturais que, de torno de interesses em comum, nutrindo um certo sentimento
alguma forma, representam uma reação e uma oposição de pertença e de exclusivismo por parte de seus membros.
à cultura de massa dominante nas sociedades ocidentais. Mesmo assim, a partir da década de 1990, percebe-se uma
Essa oposição ao mainstream faz com que as contraculturas maior fluidez de participação entre tribos. Emos, headbangers,
sejam alocadas de forma marginal nas manifestações metaleiros, funkeiros, skinheads e rappers são exemplos
culturais, por isso não é raro a referência a elas como dessas comunidades urbanas de grande importância para
culturas underground. a formação da identidade juvenil.

Bernoulli Sistema de Ensino 69

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Frente A Módulo 06

A identidade cultural Nesse cenário, as identidades nacionais se tornam cada


vez mais deslocadas e fragilizadas, deixando de conceder
na pós-modernidade suporte para a sustentação de projetos de unificação
de um povo ou nação, sendo substituídas por projetos
A partir da década de 1970, desenvolvem-se vários mercadológicos ou midiáticos. O indivíduo moderno,
estudos sobre a cultura no cenário da pós-modernidade. portanto, acaba por ter que construir sua própria identidade
Stuart Hall (1932-2014), sociólogo jamaicano, identificou de forma fragmentada, instável e contraditória, imerso em
que a formação da identidade cultural no período pós-moderno um cenário cada vez mais complexo.
possui características bastante específicas e complexas em
razão da multiplicidade de influências sobre o indivíduo. Cada A publicidade, que é uma decorrência do conceito de
vez mais urbano, o indivíduo é bombardeado por informações, propaganda, é também persuasiva, mas com objetivo
comercial bem caracterizado. Portanto, a publicidade é
imagens, valores, crenças, comportamentos e consumo.
definida como a arte de despertar no público o desejo de
O cenário caótico e fragmentado da pós-modernidade produz
comprar, levando-o à ação. A publicidade é um conjunto de
uma crise de identidade cultural, afetando tanto os indivíduos
técnicas de ação coletivas, utilizadas no sentido de promover o
quanto as sociedades em geral.
lucro de uma atividade comercial, conquistando, aumentando
Em seu livro A identidade cultural na pós-modernidade ou mantendo clientes.
(1992), Hall identifica que as sociedades do final do século XX A propaganda [é a] expressão que abrange a divulgação
têm sofrido uma mudança estrutural: as “paisagens culturais”, do nome de pessoas (propaganda eleitoral ou profissional),
antes sólidas e estáveis, como o gênero, a sexualidade, a etnia, de coisas à venda (mercadorias, imóveis, etc.) e também
a raça e a nacionalidade, passam a se fragmentar em inúmeras de ideias (propaganda dos evangelhos, do comunismo,
outras categorias sociais e culturais. Impactados por muitas do nazismo, etc.). Quando tem objetivos comerciais, chama-se
influências controversas e contraditórias, as pessoas ficam preferencialmente “publicidade”.
divididas, periodicamente, entre os velhos e novos padrões. Segundo Eugênio Malanga (professor universitário e
escritor), “A propaganda pode ser conceituada como:
Ao longo do século XX, diversas teorias colocaram em
atividade que tende a influenciar o homem, com o objetivo
xeque a autonomia e a estabilidade da noção de sujeito,
religioso, político ou cívico. A propaganda, portanto, é a
fundada no eu racional do Iluminismo. Em vez de sermos os
propagação de ideias, mas sem finalidade comercial.
autores conscientes e livres da história, nos vemos cada vez
mais atrelados a forças inconscientes ou a poderes de ordem Secretaria da Edução do Governo do Estado do Paraná.
Disponível em: <http://www.sociologia.seed.pr.gov.br/
macrossocial (política, economia, mídia), que impossibilitam
modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=345>.
a livre-realização do eu.
Acesso em: 03 set. 2018. [Fragmento]
Além disso, a globalização intensificou e acelerou a difusão
de ideias e a interação entre culturas. Consequentemente,
a partir do movimento acima explicitado, surge um “A indústria cultural
hibridismo cultural, isto é, as culturas se misturam e
se ressignificam, porém não de forma livre e espontânea,
sobrevive do que é
e sim segundo uma lógica de poder e dominação. Um dos
riscos desse hibridismo está na submissão de culturas de
recalcado na capacidade
povos com menor poder político-econômico e a consequente de percepção estética das
homogeneização cultural.

Essa homogeneização opera de forma desigual, logo,


pessoas”, analisa filósofo
as culturas das nações industrializadas promovem uma da UFMG.
“ocidentalização” que se impõe sobre os países periféricos. Isso
pode resultar num fortalecimento de identidades locais (como Na primeira metade do século 20, nomes como Theodor W.
reação defensiva contra os grupos dominantes) ou a produção Adorno e Max Horkheimer trataram de teorizar uma completa
de novas identidades híbridas (o que comumente tem se
crítica às nefastas influências que o capitalismo passava a
verificado). A história do Brasil é marcada por essas identidades
exercer sobre as relações entre o ser humano e a sua produção
híbridas, que surgiram e continuam a surgir do sincretismo
advindo da confluência de diversas matrizes culturais (indígena, cultural. [...] o professor Rodrigo Duarte, do Departamento

africana, europeia). Manifestações culturais como as festas de Filosofia da Fafich [...] fala sobre [...] o funcionamento da
de Congado, em Minas Gerais, possuem elementos tanto do indústria cultural como dispositivo de geração e manutenção
cristianismo trazido com os portugueses quanto de rituais de conformidade, as novidades advindas da tecnologia para a
político-religiosos da região central da África, misturados,
reflexão sobre a indústria cultural, os caminhos da arte diante
reelaborados, ressignificados em função do contexto próprio
da mercantilização da cultura.
vivenciado pelos negros escravizados no Brasil.

70 Coleção Filosofia / Sociologia

FILSOCPRV1_SOC_BOOK.indb 70 15/10/18 14:50


A cultura e os meios de comunicação

Como surge a indústria cultural? Eles já têm praticamente um catálogo de emoções e de efeitos que
suscitem determinadas emoções. Daí eles criam ou supervisionam
Quando o capitalismo monopolista surgiu, entre o fim do
criações que levam em consideração esses catálogos. São os
século XIX e o início do século XX, países que tinham tradição
“criadores” da indústria cultural.
democrática como França, Inglaterra e, depois, Estados Unidos
tiveram que desenvolver mecanismos para garantir que a Desde a fundação de Hollywood, o mundo mudou demais.
dominação econômica advinda desse novo modelo econômico É de se imaginar que tais mudanças impactaram a indústria
persistisse coexistindo com algum tipo de liberalismo político. A cultural nessa sua característica de perscrutar demandas
indústria cultural surgiu neste contexto, com o papel de facilitar latentes e ao mesmo tempo atendê-las em conformidade
essa convivência entre capitalismo não concorrencial na economia com as necessidades do capital...
e liberalismo no âmbito político. De certa forma, a indústria
A primeira proposta de crítica radical à indústria cultural, feita
cultural nasce com a tarefa sistêmica de salvar esse capitalismo.
por Adorno e Horkheimer na Dialética do Esclarecimento, é da
E ela sempre desempenhou bem esse papel. Desempenhou e até

SOCIOLOGIA
década de 1940, isto é, durante a Segunda Guerra Mundial.
hoje desempenha. Na verdade, cada vez mais a indústria cultural
De lá para cá, houve mudanças geopolíticas muito importantes.
pode ser considerada como a ponta de lança do capitalismo.
[...] Por outro lado, houve também uma inimaginável evolução
Como ela funciona, propriamente? tecnológica nos meios de produção e difusão audiovisual. [...]
Esses dispositivos tecnológicos modificaram, sim, a relação da
Uma indústria tem a tarefa de gerar lucro; dar retorno ao
indústria cultural com o seu público. A pergunta, neste sentido,
capital investido. Para gerar lucro, é preciso gerar conformidade:
seria: daquele primeiro modelo crítico estabelecido por Adorno
é a conformidade gerada hoje que garante o lucro de amanhã.
e Horkheimer, o que poderia ser aproveitado para se abordar a
Então a indústria cultural tem essa tarefa de gerar conformidade.
Em última instância, assegurar o lucro de amanhã tem a ver com indústria cultural atualmente? Conforme citei, o que a indústria

a manutenção do capitalismo tal como ele existe. cultural tem de essencial é uma apropriação de meios tecnológicos
para garantir um tipo específico de dominação política e econômica
Como funciona essa geração de conformidade?
que coexista com democracias liberais. Isso, a despeito das

Desde seu surgimento, um dos principais trunfos da indústria incríveis mudanças tecnológicas e geopolíticas que aconteceram,

cultural é a sua capacidade de estar próxima do público o suficiente não mudou de lá para cá. Todas as mudanças foram sendo

para perscrutá-lo em relação às suas demandas latentes, potenciais: capitalizadas como mais um elemento para a apropriação das

aquelas que são pouco conhecidas até por ele mesmo. A partir demandas do público.
desse conhecimento, as principais agências da indústria cultural
Não parece surpreendente essa capacidade da indústria
passam a oferecer respostas para essas demandas. No entanto,
cultural de se adaptar a tantas mudanças tecnológicas e
essas respostas são dadas não em conformidade com as questões
geopolíticas e conseguir continuar se apropriando das
e problemas que a sociedade está formulando, mas em acordo com
demandas do público?
as necessidades do capital. Neste aspecto, a indústria cultural não
mudou praticamente nada desde Adorno e Horkheimer. O que ocorre é que o próprio capitalismo sempre foi
bem-sucedido em se reinventar para continuar existindo. [...]
Poderia exemplificar?
Antes que o capitalismo acabasse, ele se reinventou. Ele se
Vou dar um exemplo dos primeiros anos da indústria cultural, tornou monopolista, oligopolista. O capitalismo se adaptou ao
em que essa sintonia com a demanda dos públicos era ainda surgimento de dois blocos de forte influência durante a Guerra
bem artesanal. Estou pensando na época da fundação de Fria, se moldou à queda do muro de Berlim, se adaptou ao
Hollywood por aqueles já então magnatas – antigos pobres fim dessa bipolaridade, se reinventou com o surgimento da
imigrantes judeus, oriundos do leste europeu, que aportaram globalização econômica e, por tabela, política.
nos Estados Unidos na virada do século XIX para o XX. Um
Com o advento da internet, despontou certa esperança de
deles, Samuel Goldwyn (fundador da Metro-Goldwyn-Mayer),
que ela, com a transição da passividade para a atividade,
quando lançava um filme, ia para o cinema assisti-lo de costas
finalmente propiciasse uma emancipação dos sujeitos
para a tela, observando pessoalmente cada reação do público.
em relação a essa ingerência da indústria cultural nas
Suas percepções sobre o que havia funcionado e o que não
demandas sociais por cultura. No entanto, pensadores
havia funcionado no filme serviriam para balizar as próximas
já fazem hoje a reflexão de que nem mesmo a internet
produções do seu estúdio. A partir de então, quando ele
escapou de ser tragada pela indústria cultural...
recebesse a proposta de uma nova produção, ele diria sim ou
não para ela em função da percepção tida por ele da demanda. Exatamente. Em vez de fomentar essa emancipação, a internet
Certa vez, Adorno disse que os produtores mais argutos se configurou como um meio de tornar contínua essa pesquisa
da indústria cultural eram “engenheiros de emoções”. da indústria cultural em relação à demanda de seu público.

Bernoulli Sistema de Ensino 71

FILSOCPRV1_SOC_BOOK.indb 71 15/10/18 14:50


Frente A Módulo 06

Na verdade, por meio da tecnologia, a internet tornou essa


pesquisa muito mais exata. Hoje, se você faz uma busca no
Publicidade brasileira
Google, nos dias seguintes, senão no mesmo dia, você começa a
receber publicidade relacionada ao que você estava procurando.
tem visão preguiçosa
Isso é exatamente o mecanismo que caracterizou a indústria sobre a mulher
cultural desde sempre: o de se manter próxima à demanda do
seu público e de oferecer produtos que supram essas demandas Propagandas ainda são machistas e racistas, embora
em conformidade com os interesses do capital. O Google faz isso haja sinais de mudança, diz Carla Alzamora, diretora da
de um jeito totalmente diabólico e automatizado. agência Heads
Como diferenciar, nos dias de hoje, obra de arte e
Há quem diga que o mundo da publicidade está ficando
mercadoria cultural?
chato e politicamente correto no Brasil, tamanho ‘policiamento’
Para Adorno e Horkheimer, formados no contexto de uma sobre algumas mensagens emitidas por empresas na mídia e
chamada alta cultura europeia, era muito clara a diferença entre sobre ações de marketing. Mas como poderia ser diferente?
uma obra de arte e uma mercadoria cultural – embora estas, claro,
A publicidade se acostumou a repetir padrões que já não fazem
muitas vezes se valessem conteudisticamente das obras de arte.
mais sentido para quem vive em pleno século XXI. Que o digam
Mas elas tinham características muito específicas. Nesse sentido,
as marcas de cerveja que ainda estampam o clichê das mulheres
a dupla usou o parâmetro dessa “grande obra de arte burguesa
com corpões esculpidos para garantir que aquela cerveja é melhor.
europeia” para balizar suas críticas às mercadorias culturais. De lá
para cá, no entanto, as mercadorias culturais foram se sofisticando, Para Carla Alzamora, diretora de planejamento da agência Heads,
deixando de ser tão vagabundas como eram a princípio. “existe um lugar comum na publicidade onde contamos as mesmas
Em contrapartida, vários artistas entenderam que precisariam histórias e usamos as mesmas referências, sem olhar para a
dialogar, de algum modo, com a produção mercantil no contexto realidade”. No fundo, uma visão preguiçosa da realidade. Dessa
da cultura. Isso tudo fez com que a diferenciação entre obra de forma, continuam a ser produzidas propagadas que abusam,
arte e mercadoria cultural tenha se tornado mais problemática
por exemplo, do racismo e do machismo.
nos dias de hoje. Não que tenha deixado de existir. É que o limite
entre uma coisa e outra é mais tênue. [...] [...]

Quais seriam os critérios contemporâneos para fazer A publicidade, e o marketing de uma maneira geral, ainda
essa distinção? insiste em padrões de comportamento diferentes para homens e

Para o crítico, para o esteta, para o filósofo da arte, mulheres, observa a diretora da HEADs. Enquanto a propaganda
é preciso muito mais feeling que qualquer outra coisa. Para não de barbeador mostra um homem como um super herói pronto
se deixar enganar. Ele precisa ter uma espécie de “faro”, porque para salvar o mundo, a propaganda de remédio para dor de cabeça
há produções nos dois campos que estão muito próximas umas exibe a mulher em situação limites, tentando dar conta de rotina
das outras. dupla, prestes a ter um chilique.

Que exemplo pode dar?


Para piorar, há ainda a ditadura de um padrão de beleza.
Ocorre-me agora o caso do Romero Britto. Não conheço nenhum A presença de homens e mulheres brancos é excessiva,
crítico de arte que seja sério e que considere o Romero Britto já que 53% da população brasileira que se declara negra,
um grande artista; nem mesmo um “artista”. Trata-se de alguém segundo o IBGE. “De acordo com 67% dos posts monitorados
que aprendeu a fazer certo tipo de grafismo e que começou a no Facebook, as mulheres são representadas como a Bruna
produzir isso - ou a permitir a produção disso - em larga escala,
Marquezine. No caso dos homens, 64% dos posts descrevem os
em massa. E que ficou rico com isso. É uma produção que já está
homens como Justin Bieber”, afirma Carla Alzamora, da Heads,
claramente colocada do lado da cultura de massa, da mercadoria
agência que que desenvolveu o estudo TODXS? – Uma análise
cultural. Já a pop art reúne um tipo de expressão artística mais
complexa, que poderia ser confundida com cultura de massa e da representatividade na publicidade brasileira.

que em algumas ocasiões até foi confundida; mas que não é


[...] A boa notícia é que já começa a ganhar destaque um
cultura de massa. Isso é algo que o trabalho do Arthur Danto
movimento contrário, focado em dialogar com as mulheres.
mostrou bem. Existe, sim, uma apropriação da pop art pela
O conjunto de anúncios que ambicionam uma quebra de
cultura de massa. Mas o Andy Warhol, por exemplo, é um artista
paradigma e focam no empoderamento feminino recebeu
muito mais profundo e muito mais sério do que a imagem que
ele construiu para si próprio e buscou demonstrar. Nesse sentido, investimento de 12 milhões de reais [...]. Esse é um movimento
para se distinguir entre obra de arte e mercadoria cultural, novo e tão carente de informação, que muitas empresas têm
é preciso perceber aqueles casos em que não há nada por trás buscado nas ONGs feministas um suporte para acertar em suas
do flerte que tal produção faz com a arte. escolhas. É o caso da ONG Think Olga, que ficou conhecida a

Disponível em: <https://www.ufmg.br/online/ partir da campanha Chega de Fiu Fiu, contra o assédio em locais
arquivos/034508>. Acesso em: 03 set. 2018. públicos, e a campanha #Meuprimeiroassédio.

72 Coleção Filosofia / Sociologia

FILSOCPRV1_SOC_BOOK.indb 72 15/10/18 14:50


A cultura e os meios de comunicação

Para atender a demanda das empresas, a ONG decidiu ampliar Por que nos deixamos convencer?
suas ações e criou o Think Eva, um núcleo que planeja destacar
Pedro Bermejo, neurologista e presidente da Associação
para marcas e empresas a nova realidade das mulheres dos
Espanhola de Neuroeconomia (Asocene), explica que, cada vez
novos tempos. A Avon foi uma das empresas que procurou a
que tomamos uma decisão, “duas partes de nossos cérebros
ONG, interessada em utilizar o empoderamento feminino no
podem ser ativadas, a do sim e a do não”. Em função de qual
discurso da marca no Brasil. “A Olga faz a mudança de fora para
das duas tendências prevaleça sobre a outra, estaremos mais
dentro e a Eva de dentro para fora”, explica Nana Lima, sócia do
ou menos inclinados a gastar dinheiro naquilo que um vendedor,
Think Olga. [...]
um anúncio ou um político nos oferece. “Coloca-se o consumidor
OLIVEIRA, Regiane. Disponível em: <https://brasil.elpais. num aparelho de ressonância magnética e começa-se a vender
com/brasil/2016/12/09/politica/1481316857_826950. os produtos. Pode-se saber o que dirá três ou quatro segundos
html>. Acesso em: 03 set. 2018. antes que ele responda, porque o cérebro denuncia”, afirma o
cientista. [...]

SOCIOLOGIA
Os anúncios entram Podemos fazer algo para evitar que outros tomem as decisões
por nós? “Precisamos nos informar: a única maneira para nos
na sua cabeça, embora defendermos é ter conhecimento e tomar as decisões com tempo.

às vezes você não perceba O conselho: nunca compre na correria”, conclui Bermejo.

FEMMINE, Laura. Disponível em: <https://brasil.elpais.


A pesquisa neuronal e sensorial por trás da publicidade
com/brasil/2015/07/06/economia/1436181514_967391.
é cada vez mais sofisticada
html>. Acesso em: 03 set. 2018.
Quantas vezes a expressão edição limitada na embalagem de
algum produto acelera sua vontade de comprá-lo? Os produtos
vendem mais se forem promovidos por pessoas atraentes? Um
aroma pode fazer você sacar o cartão de crédito? Nada é casual:
EXERCÍCIOS
as técnicas utilizadas para saber o que atrai o consumidor são PROPOSTOS
cada vez mais sofisticadas, mesmo que às vezes apelem para
01. (Unesp–2018) A mídia é estética porque o seu poder de
os instintos mais primitivos. “Para fazer pesquisa de mercado,
convencimento, a sua força de verdade e autoridade,
antes eram usados os típicos questionários, e o entrevistado
passa por categorias do entendimento humano que estão
era confrontado pelo entrevistador. Agora se pode perguntar
pautadas na sensibilidade, e não na racionalidade. A mídia
diretamente ao cérebro”, resume José Manuel Navarro, diretor do
nos influencia por imagens, e não por argumentos. Se a
mestrado em Neuromarketing da Escola Superior de Comunicação
Marketing (ESCO).
propaganda de um carro nos promete o dom da liberdade
absoluta e não o entrega, a propaganda política não vai ser
O neuromarketing é essa disciplina que explora as reações mais cuidadosa na entrega de suas promessas simbólicas,
neuronais e sensoriais dos consumidores diante de determinados mesmo porque ela se alimenta das mesmas categorias de
estímulos, lastreada pela certeza de que a grande maioria das
discurso messiânico que a religião, outra grande área de
nossas decisões de compra se baseia nas emoções. “São usadas
venda de castelos no ar.
técnicas neurofisiológicas aplicadas, como eletroencefalogramas,
FIANCO, F. O desespero de pensar a política na sociedade do
eletrocardiogramas, eletromiogramas – para detectar a atividade
dos músculos –, ressonâncias magnéticas funcionais, sistemas espetáculo. Disponível em: <http://revistacult.uol.com.br,

de eye-tracking – para detectar onde o olhar se fixa – ou o estudo 11.01.2017> (Adaptação).

das respostas orgânicas da pele, como a sudorese”, comenta Considerando o texto, a integração entre os meios de
Navarro. “Queremos ver a influência real do que está sendo
comunicação de massa e o universo da política apresenta
narrado e como está sendo narrado”.
como implicação
“Existem até encefalogramas portáteis, espécies de capacetes A) a redução da discussão política aos padrões da
que vão registrando a atividade cerebral enquanto o indivíduo propaganda e do marketing.
está comprando”, diz Francis Blasco, coordenadora acadêmica
B) a ampliação concreta dos horizontes de liberdade na
do mestrado em Neuromarketing e Comportamento do
sociedade de massas.
Consumidor da Universidade Complutense de Madri. “Estamos
tentando entender o padrão neuronal da compra”, acrescenta. C) o fortalecimento das instituições democráticas e dos
O objetivo? Conhecer as preferências dos compradores (muitas direitos de cidadania.
das quais eles nem têm consciência) para ajudar as empresas a D) o apelo a recursos intelectuais superiores de
aperfeiçoar seus processos de comunicação e produção, dizem os interpretação da realidade.
especialistas da área. Querem olhar dentro de nossos cérebros
E) a mobilização de recursos simbólicos ampliadores da
para vender mais.
racionalidade.

Bernoulli Sistema de Ensino 73

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Frente A Módulo 06

02. (UEG-GO–2016) Para alguns sociólogos e filósofos, a cultura Marque a alternativa correta que apresenta a(s) afirmação(ões)
possuiria um valor intrínseco e poderia nos ajudar não teoricamente adequada(s) ao sentido do texto.
apenas na fruição de nossa sensibilidade, mas nos levar a A) I e IV são adequadas.
uma nova compreensão da realidade e de nosso ser e estar
B) Apenas II é adequada.
no mundo. Com a indústria cultural verifica-se que a cultura
C) I e II são adequadas.
A) recupera seu valor simbólico, contribuindo para uma
nova compreensão da realidade e para a emancipação D) Apenas I é adequada.
humana.
04. (UEM-PR) A cada minuto que passa, novas pessoas
B) perde sua força simbólica e crítica, transformando-se P992
passam a acessar a Internet, novos computadores são
em mero entretenimento que elimina a reflexão crítica.
interconectados, novas informações são injetadas na
C) perde seu valor de mercado para tornar-se, graças rede. Quanto mais o ciberespaço se amplia, mais ele se
à tecnologia, um entretenimento acessível a toda a torna “universal”, e menos o mundo informacional se torna
população. totalizável. O universo da cibercultura não possui nem
D) deixa de ser um produto de elite e passa a ser acessível centro nem linha diretriz. É vazio, sem conteúdo particular.
a todos os cidadãos, contribuindo com sua autonomia. Ou antes, ele os aceita todos, pois se concentra em colocar
E) torna-se mais sofisticada, na medida em que os em contato um ponto qualquer com qualquer outro, seja
meios de criação cultural passam a ser submetidos qual for a carga semântica das entidades relacionadas.
ao desenvolvimento tecnológico. LÉVY, P. Cibercultura.
São Paulo: Editora. 34, 1999. p. 113.
03. (UFU-MG) Leia e interprete o texto a seguir, bem como
as afirmações apresentadas. Considerando as recentes contribuições da sociologia da
comunicação sobre o tema da cultura midiática e o trecho
A indústria cultural e os meios de comunicação de citado, assinale o que for correto.
massa penetram em todas as esferas da vida social, no
01. O ciberespaço suprime as particularidades culturais
meio urbano ou rural, na vida profissional, nas atividades
e as desigualdades sociais, ao organizar de modo
religiosas, no lazer, na educação, na participação
imparcial as informações que são distribuídas em um
política. Tais meios de comunicação não só transmitem
nível planetário.
informações, não só apregoam mensagens. Eles também
difundem maneiras de se comportar, propõem estilos de 02. A Internet é responsável pelos atuais problemas
vida, modos de organizar a vida cotidiana, de arrumar educacionais, pois aliena os estudantes ao torná-los
a casa, de se vestir, maneiras de falar e de escrever, de receptores passivos de informações fragmentadas
sonhar, de sofrer, de pensar, de lutar, de amar. e imprecisas sobre a vida social.
04. O conceito de cibercultura pode ser utilizado para
SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. São Paulo:
descrever o aparecimento de novos modos de ser
Brasiliense, 1983. p. 69. Coleção Primeiros Passos, 110.
e de pensar que produzem mudanças cognitivas
I. A indústria cultural define-se por uma forma e sociais por meio da interação virtual.
específica de produção simbólica, essa produção é 08. Ainda que inserida na indústria cultural, a Internet tem
caracterizada por grandes inversões de capital em o potencial de democratizar o acesso ao conhecimento
meios de produção tecnicamente sofisticados, por por meio da criação de novos espaços de produção,
trabalhadores especializados, por oferta de bens troca e difusão de informações.
e serviços diversificados, representando parte da 16. O ciberespaço representa uma mudança tecnológica
produção cultural dominante nas sociedades atuais. e não cultural, pois altera os modos de organizar e
II. A indústria cultural define-se por aprisionar os sujeitos distribuir a informação e não os modos de produção
sociais dominantes da produção cultural nas sociedades do conhecimento.
contemporâneas. É responsável pelo aparecimento do Soma ( )
homem unidimensional e das massas alienadas, que não
têm qualquer identidade cultural, por realizarem-se,
05. (UFPA) As novas tecnologias da informação e comuni-
unicamente, na sociedade de consumo.
cação tornaram-se uma realidade nas relações sociais
III. A indústria cultural e os meios de comunicação de contemporâneas e contribuem para a maior integração
massa são poderosos, pois controlam, de forma das pessoas neste início do século XXI.
absoluta, todos os conteúdos das mensagens
que emitem, padronizam definitivamente os Sobre as alterações nas práticas culturais decorrentes
sistemas simbólicos de todos os sujeitos sociais, dessas novas tecnologias informacionais, é correto afirmar:
homogeneizando e unificando a cultura global. A) As pessoas deixaram de contatar as redes sociais
IV. A indústria cultural e os meios de comunicação de massa já consolidadas e as substituíram por encontros
são parte e propriedade autônoma do poder de Estado. presenciais realizados por meio da rede mundial de
São instrumentos de dominação carismática, individual computadores.
e irracional para controlar os conflitos sociais, sendo B) As dinâmicas das culturas vinculadas à virtualidade dos
impossível pensar seus produtos como parte da arte meios de comunicação consolidam a cultura popular em
e da cultura das sociedades atuais. detrimento da cultura de massa e da indústria cultural.

74 Coleção Filosofia / Sociologia

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A cultura e os meios de comunicação

C) A violência urbana impede que sejam ampliadas as 08. (UEL-PR) Os pensadores da Escola de Frankfurt, especial-
redes e grupos sociais tradicionalmente vinculados mente Theodor Adorno e Max Horkheimer, são críticos da
ao capitalismo, o que intensifica o uso convencional mentalidade que identifica o progresso técnico-científico
dos serviços dos correios. com o progresso da humanidade. Para eles, a ideologia da
D) A educação e a religião estão apartadas do processo indústria cultural submete as artes à servidão das regras do
de utilização de mídias eletrônicas, e isso causou o mercado capitalista.
afastamento das pessoas das lutas por causas sociais
Com base nos conhecimentos sobre as críticas de
mais amplas.
Adorno e Horkheimer à indústria cultural, assinale a
E) As novas tecnologias de informação e comunicação afirmativa correta.
têm sido utilizadas nas ações coletivas de pessoas
envolvidas com as demandas dos movimentos sociais. A) A indústria cultural proporcionou a democratização
das artes eruditas, tornando as obras raras e caras
acessíveis à maioria das pessoas.
06. (Unesp–2014) Os reality shows são hoje para a classe
8O3Y mais abastada e intelectualizada da sociedade o que as B) Sob os efeitos da massificação pela indústria e consumo
novelas eram assim que se popularizaram como produto culturais, as artes tendem a ganhar força simbólica

SOCIOLOGIA
de cultura massificada: sinônimo de mau gosto. Com e expressividade.
uma maior aceitação das novelas na esfera dos críticos da
C) A indústria cultural fomentou os aspectos críticos,
mídia, o reality show segue agora como gênero televisivo
inovadores e polêmicos das artes.
mundial, transmitido em horário nobre, e principal
símbolo da perda de qualidade do conteúdo televisivo na D) O progresso técnico-científico pode ser entendido
sociedade pós-moderna. Os reality shows personificam as como um meio que a indústria cultural usa para formar
novas formas de identificação dos sujeitos nas sociedades indivíduos críticos.
pós-modernas. Programas como o BBB são movidos E) A expressão “indústria cultural” indica uma cultura
pelas engrenagens de uma sociedade exibicionista e baseada na ideia e na prática do consumo de produtos
consumista, que se mantém vendendo ao mesmo tempo
culturais fabricados em série.
a proposta de que cada um pode sair do anonimato
e conquistar facilmente fama e dinheiro.
Sousa, Sávia Lorena B. C. de. 09. (UEM-PR–2018) Observe a foto a seguir:
O reality show como objeto de reflexão cultural.
Disponível em: <observatoriodaimprensa.com.br>.

Sobre a relação entre os meios de comunicação de massa


e o público consumidor, é correto afirmar que
A) a qualidade da programação da tv não é condicionada
pelas demandas e desejos dos consumidores culturais.
B) o reality show é uma mercadoria cultural relacionada
com processos emocionais de seu público.
C) os critérios estéticos independem do nível de
autonomia intelectual dos consumidores.
D) no caso dos reality shows, a televisão estimula a
capacidade de fruição estética do público consumidor.
E) os programadores priorizam aspectos formativos
O termo Tropicália nasce como nome da obra de Hélio Oiticica
relegando o entretenimento a uma condição secundária.
exposta na mostra Nova Objetividade Brasileira, realizada
no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro – MAM/RJ, em
07. (Unioeste-PR) No período de 1960 a 1980, identifica-se
abril de 1967. A obra pode ser descrita como um ambiente
um movimento cultural que foi chamado de contracultura.
labiríntico, com plantas, areia, araras, poemas-objetos, capas
A este respeito podemos dizer que de Parangolé e um aparelho de televisão.
A) foi um movimento cultural contrário às novas Disponível em: <http://obviousmag.org/my_cup_of_
normas vigentes na sociedade, inserido dentro das tea/2015/03/arte-brasileira---antropagia-cultural-e-o-
transformações sociais acontecidas no período que se
movimento-tropicalista.html>.
segue ao pós-guerra, no qual ocorreu a recuperação
socioeconômica e a estabilidade política. O homônimo da arte apresentada por esse artista plástico
B) tinha como valores a elaboração de alternativas ao poder, foi o movimento musical, que tinha como uma de suas
novas formas de segregação, uma nova musicalidade. características a
C) buscava a retomada e disseminação dos valores A) valorização de uma sociedade sem classes.
permanentes da sociedade americana, anteriormente B) revolução armada como forma de romper os estigmas
abandonados. sociais.
D) vivências de grupos urbanos e movimentos como
C) defesa de uma sociedade burguesa, calcada no
hippies, punks, carismáticos, pagodeiros, skins,
modernismo reacionário.
sertanejos, sociedades alternativas, etc., são exemplos
de experiências vividas em adesão à contracultura D) contracultura, o rompimento das barreiras compor-
e repúdio aos padrões sociais vigentes. tamentais da sociedade.
E) não podemos falar de um movimento contracultural, E) forte influência da música erudita, apresentando um
pois na realidade ele nunca existiu. nacionalismo exacerbado.

Bernoulli Sistema de Ensino 75

FILSOCPRV1_SOC_BOOK.indb 75 15/10/18 14:50


Frente A módulo 06

10. (Unesp–2014) Não somente os tipos das canções de 02. (Enem–2016) Não estou mais pensando como costumava
sucesso, os astros, as novelas ressurgem ciclicamente 64LF pensar. Percebo isso de modo mais acentuado quando
como invariantes fixos, mas o conteúdo específico do estou lendo. Mergulhar num livro, ou num longo artigo,
espetáculo só varia na aparência. O fracasso temporário costumava ser fácil. Isso raramente ocorre atualmente.
do herói, que ele sabe suportar como bom esportista que Agora minha atenção começa a divagar depois de duas
é; a boa palmada que a namorada recebe da mão forte ou três páginas. Creio que sei o que está acontecendo.
do astro, são, como todos os detalhes, clichês prontos Por mais de uma década venho passando mais tempo
para serem empregados arbitrariamente aqui e ali e on-line, procurando e surfando e algumas vezes
completamente definidos pela finalidade que lhes cabe no
acrescentando informação à grande biblioteca da internet.
esquema. Desde o começo do filme já se sabe como ele
A internet tem sido uma dádiva para um escritor como eu.
termina, quem é recompensado, e, ao escutar a música
Pesquisas que antes exigiam dias de procura em jornais
ligeira, o ouvido treinado é perfeitamente capaz, desde os
ou na biblioteca agora podem ser feitas em minutos.
primeiros compassos, de adivinhar o desenvolvimento do
Como disse o teórico da comunicação Marshall McLuhan
tema e sente-se feliz quando ele tem lugar como previsto.
O número médio de palavras é algo em que não se pode nos anos 60, a mídia não é apenas um canal passivo
mexer. Sua produção é administrada por especialistas, para o tráfego de informação. Ela fornece a matéria,
e sua pequena diversidade permite reparti-las facilmente mas também molda o processo de pensamento. E o que
no escritório. a net parece fazer é pulverizar minha capacidade de
concentração e contemplação.
ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max.
A indústria cultural como mistificação das massas. CARR, N. Is Google making us stupid?
In: Dialética do esclarecimento. 1947 (Adaptação). Disponível em: <http://www.theatlantic.com>.
Acesso em: 17 fev. 2013 (Adaptação).
O tema abordado pelo texto refere-se
A) ao conteúdo intelectualmente complexo das Em relação à internet, a perspectiva defendida pelo autor
produções culturais de massa. ressalta um paradoxo que se caracteriza por

B) à hegemonia da cultura americana nos meios de A) associar uma experiência superficial à abundância de
comunicação de massa. informações.
C) ao monopólio da informação e da cultura por B) condicionar uma capacidade individual à desorganização
ministérios estatais. da rede.
D) ao aspecto positivo da democratização da cultura na C) agregar uma tendência contemporânea à aceleração
sociedade de consumo. do tempo.
E) aos procedimentos de transformação da cultura em D) aproximar uma mídia inovadora à passividade da
meio de entretenimento. recepção.
E) equiparar uma ferramenta digital à tecnologia
seção enem analógica.

01. (Enem–2016) Hoje, a indústria cultural assumiu a herança


5GPS
civilizatória da democracia de pioneiros e empresários, gAbARIto meu aproveitamento
que tampouco desenvolvera uma fineza de sentido para
os desvios espirituais. Todos são livres para dançar e para Propostos Acertei ______ errei ______
se divertir, do mesmo modo que, desde a neutralização
01. A
histórica da religião, são livres para entrar em qualquer
02. B
uma das inúmeras seitas. Mas a liberdade de escolha
03. D
da ideologia, que reflete sempre a coerção econômica,
04. Soma 12
revela-se em todos os setores como a liberdade de
05. E
escolher o que é sempre a mesma coisa.
06. B
ADORNO, T; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento:
07. A
fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
08. E
A liberdade de escolha na civilização ocidental, de acordo 09. D
com a análise do texto, é um(a) 10. E

A) legado social.

B) patrimônio político.
seção enem Acertei ______ errei ______
01. E
C) produto da moralidade.
02. A
D) conquista da humanidade.

E) ilusão da contemporaneidade. total dos meus acertos: _____ de _____ . ______ %

76 Coleção Filosofia / Sociologia

FILSOCPRV1_SOC_BOOK.indb 76 15/10/18 14:50


Volume 2
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Moren Hsu / Unsplash

SOCPRV2_SOC.indb 1 28/02/19 09:25 AM


SUMÁRIO
frente a vi o conteúdo fiz o resumo
3 módulo 07: a Diversidade Cultural e os Direitos Humanos 0
13 módulo 08: religião e sociedade 0
25 módulo 09: estado moderno, Democracia e sociedade Civil 0 0
39 módulo 10: movimentos sociais e Participação Política 0 0
49 módulo 11: trabalho, economia e sociedade 0 0
63 módulo 12: Globalização 0 0

este ícone •C:q


1aparecerá sempre ao lado dos tópicos trabalhados no
decorrer deste volume. a cada leitura, marque ✓ conforme a legenda
e acompanhe o progresso do seu aprendizado.
legenda
·~· ·~
entendi Preciso rever

2 Coleção Filosofia / Sociologia

SOCPRV2_SOC.indb 2 28/02/19 09:25 AM


FRENTE MÓDULO

SOCIOLOGIA a 07
a Diversidade Cultural e os Direitos Humanos
o CosmoPolitismo e o iDeal
Universalista De HUmaniDaDe ·~·
Se pararmos para pensar sobre os diferentes povos que habitam o planeta, evidentemente nos saltará à vista a variedade
de costumes que vamos encontrar. Conforme já estudamos, a noção científica de cultura nos leva a refletir sobre as
particularidades culturais de cada agrupamento humano, ainda que os seres humanos, como espécie, não apresentem
distinções biológicas entre si.
A perspectiva de pensar a humanidade como uma categoria universal acima das diferenças de classe, gênero, etnia,
nacionalidade, entre outras, é cara ao pensamento cosmopolita, que tem suas origens ainda na Grécia Antiga.
O filósofo grego Diógenes foi quem utilizou, pela primeira vez, o termo cosmopolities. Tal conceito representaria a exis-
tência de um mundo sem fronteiras e, consequentemente, sem conflitos, uma vez que os seres humanos estariam unidos
sem nenhuma diferenciação quanto à origem ou à cultura, por exemplo.
No entanto, são os estoicos os responsáveis pelo fato de o conceito de cosmopolitismo ter ultrapassado
o Período Helênico e estar presente na atualidade. Essa corrente filosófica entende que os seres
humanos deveriam formar uma grande comunidade, vivendo todos como irmãos. Os estoicos
entendiam que as diferenças culturais deveriam estar submetidas à cultura helênica, considerada
por eles o sistema cultural mais avançado.
Adotado por filósofos europeus, como David Hume e Immanuel Kant, no século XVIII, o conceito
de cosmopolitismo passou a ter como eixo fundamental a cultura ocidental e europeia, e não mais
a cultura helênica. Por esse motivo, instituições sociais típicas do ocidente, de origem europeia, como
o Estado-nação, passaram a ser concebidas como o modelo mais acurado de instituições sociais
e, logo, como exemplo de modelos de sociedade. Foi a partir dessa perspectiva que a noção
europeia de civilização passou a se disseminar por todo o ocidente, gerando eventos que
vieram a questionar a proposta cosmopolita de que os seres humanos deveriam ter a capacidade
de se relacionar, para além das diferenças culturais, e formar uma solidariedade universal entre eles,
visando à formação de uma comunidade global.
São exemplos desses acontecimentos que colocaram em dúvida a validade da perspectiva cosmopolita:
o colonialismo europeu, o período das duas guerras mundiais e o desenvolvimento da globalização e
sua relação com o fenômeno do multiculturalismo. A seguir, estudaremos cada um desses eventos.

Colonialismo, imPerialismo
e etnoCentrismo ·~·
O domínio europeu sobre suas colônias, no Novo Mundo, tinha como pressuposto uma
postura civilizadora, em que os europeus, portadores de uma cultura supostamente superior, seriam
responsáveis por “civilizar” os nativos do mundo novo. Desde o século XV, quando diferentes povos
europeus iniciaram o processo colonial, passando pelo neocolonialismo (ou imperialismo) dos séculos
XIX e XX, as diversas culturas humanas passaram a estar em contato mais próximo, ainda que sob
relações de dominação e exploração. Por meio dessa investida em novos territórios, o colonialismo
e o neocolonialismo europeus puseram em contato diferentes povos e diferentes culturas. Mas,
paralelamente, reforçaram a imposição política, econômica e cultural baseada no modelo ocidental
de civilização.
A existência de práticas de dominação, por parte dos europeus, estava embasada em pressupostos
etnocêntricos. Já vimos que o etnocentrismo consiste em uma postura que estabelece critérios
Rubens Lima

para as diferentes culturas do mundo serem compreendidas tendo como parâmetro a cultura daquele
Rubens Lima

que as interpreta. Sendo assim, cada cultura se enxerga como se fosse o centro do universo e, desse
modo, diferenças morais, religiosas, estéticas, entre outras, são desqualificadas pela cultura tomada como
parâmetro. No caso específico europeu, o etnocentrismo pode ser chamado de eurocentrismo.

SOCPRV2_SOC.indb 3 28/02/19 09:25 AM


Frente A Módulo 07

Por ser um fenômeno advindo do encontro entre culturas Porém, anteriormente à década de 1970 e às teorias
distintas, o elemento central do etnocentrismo é o estranha- derivadas dos Estudos Culturais e dos Estudos Pós-Coloniais,
mento entre as culturas. Pois, nesse contato, as noções como quase não havia consideração a respeito das diferenças
“nós” e “outro” são produzidas, e uma série de representações culturais entre os europeus e os povos africanos e indígenas.
sobre grupos sociais diferentes são criadas. Desse modo, Pautados no etnocentrismo, os europeus muitas vezes
todo o universo simbólico dos colonizados passava a ser assumiam uma postura de dominação sobre as culturas que
permeado pela cultura europeia e cristã, apoiada na ideologia lhes eram estranhas.
da superioridade da raça branca. Os europeus chegaram às
Américas, assim como à África, à Ásia e à Oceania, em con- Etnocentrismo é uma visão do mundo onde o nosso próprio
dição de domínio absoluto, gerando, evidentemente, reflexos grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são
pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos
na esfera cultural.
modelos, nossas definições do que é a existência. No plano
Não é correto utilizarmos o termo “aculturação” para designar intelectual, pode ser visto como a dificuldade de pensarmos a
o processo de assimilação cultural ocorrido entre as culturas diferença; no plano afetivo, como sentimentos de estranheza,
indígenas, africanas e europeia. Isso porque “aculturação” medo, hostilidade, etc.
supõe a substituição de uma cultura por outra, o que não [...]
acontece. O que ocorre é um processo de trocas culturais. Como uma espécie de pano de fundo da questão etnocêntrica
Como a civilização europeia aportou em terras americanas para temos a experiência de um choque cultural. De um lado,
conhecemos um grupo do “eu”, o “nosso” grupo, que come
dominar os povos nativos, sua visão de mundo (etnocêntrica)
igual, veste igual, gosta de coisas parecidas, conhece
acabou se impondo com mais intensidade sobre as demais,
problemas do mesmo tipo, acredita nos mesmos deuses,
mas não as eliminou por completo. Em muitos lugares, casa igual, mora no mesmo estilo, distribui o poder da mesma
como no Brasil, testemunhamos o surgimento de culturas forma, empresta à vida significados em comum e procede,
híbridas e complexas, com referências culturais misturadas por muitas maneiras, semelhantemente. Aí, então, de repente,
e ressignificadas. Afinal, as culturas não são estáticas, mas nos deparamos com um “outro”, o grupo do “diferente” que,
às vezes, nem sequer faz coisas como as nossas ou quando
dinâmicas, mutáveis e adaptáveis. Atualmente, pensadores
as faz é de forma tal que não reconhecemos como possíveis.
como o jamaicano Stuart Hall (1932-2014) e, especialmente, E, mais grave ainda, esse “outro” também sobrevive à sua
o argentino Néstor Canclini (1939-) se dedicam a estudar a maneira, gosta dela, também está no mundo e, ainda que
hibridização cultural, cujo foco se concentra nas interseções diferente, também existe.
– fusões, conflitos, contradições, ressignificações – entre as [...]
culturas na modernidade. O grupo do “eu” faz, então, da sua visão a única possível
Um dos exemplos de cultura híbrida no Brasil é a umbanda. ou, mais discretamente, se for o caso, a melhor, a natural,
a superior, a certa. O grupo do “outro” fica, nessa lógica, como
Ela teve origem no Rio de Janeiro, entre o final do século XIX
sendo engraçado, absurdo, anormal ou ininteligível. Este
e início do século XX, no contexto de urbanização do início da processo resulta num considerável reforço da identidade do
República. A umbanda reúne, sincreticamente, elementos de “nosso” grupo. No limite, algumas sociedades chamam-se por
religiões espiritualistas de matriz africana, mais a doutrina nomes que querem dizer “perfeitos”, “excelentes” ou, muito
espírita de Allan Kardec (espiritismo kardecista), cuja origem simplesmente, “ser humano” e ao “outro”, ao estrangeiro,
é francesa e se inspira em uma leitura racional e científica chamam, por vezes, de “macacos da terra” ou “ovos de piolho”.
De qualquer forma, a sociedade do “eu” é a melhor, a superior.
da espiritualidade. Segundo o historiador José Henrique de
É representada como o espaço da cultura e da civilização por
Oliveira, a umbanda expressaria a excelência. É onde existe o saber, o trabalho, o progresso.
A sociedade do “outro” é atrasada. É o espaço da natureza. São
os selvagens, os bárbaros. São qualquer coisa menos humanos,
preocupação em edificar uma religião centrada na possibili- pois estes somos nós. O barbarismo evoca a confusão,
dade de manifestação de espíritos oriundos das três etnias a desarticulação, a desordem. O selvagem é o que vem da
que formam a nação brasileira, foi certamente influenciada floresta, da selva que lembra, de alguma maneira, a vida animal.
pelo intenso nacionalismo do regime de Vargas e pelo esforço O outro” é o “aquém” ou o “além”, nunca o “igual” ao “eu”.
de criar uma cultura nacional como base para a unificação ROCHA, Everardo. O que é etnocentrismo.
do povo brasileiro. São Paulo: Brasiliense, 1984. p. 7-22.

OLIVEIRA, J. H. M.
Das macumbas à Umbanda:
A construção de uma religião brasileira.
Limeira: Editora do Conhecimento, 2008. p. 109.

Com isso, a umbanda sintetiza o hibridismo cultural,


apresentando-se como uma nova religião em um novo
Istockphoto

cenário histórico-cultural, relacionando e reorganizando


sistemas de crenças de outras religiões já existentes.

4 Coleção Filosofia / Sociologia

SOCPRV2_SOC.indb 4 28/02/19 09:25 AM


a Diversidade Cultural e os Direitos Humanos

·~·

Domínio Público / Victor Meirelles


DesColonização e
estUDos Pós-Coloniais
Terminada a Segunda Guerra Mundial, em 1945, acelera-se
o processo de descolonização de territórios que estavam sob
domínio das nações europeias, especialmente na África, na Ásia
e na Oceania. Com as lutas por independência em vários países
– como na Índia, que se libertou politicamente da Grã-Bretanha
em 1947, liderada por Mahatma Gandhi –, começaram a ser
reveladas as atrocidades cometidas pelos europeus em nome
da exploração econômica, assim como as profundas mudanças
culturais impostas pelo processo colonial aos povos colonizados.
A subjugação material e cultural levou à extinção de vários povos
milenares e produziu narrativas que contaram a história a partir
do olhar do colonizador, silenciando as vozes dos dominados e
invisibilizando as possibilidades de resistência e enfrentamento
do processo colonial. Primeira Missa do Brasil.

Porém, a partir da década de 1970, surge um novo campo de estudos nas ciências humanas cuja pretensão é a de
estudar os efeitos políticos, econômicos e culturais da colonização e do imperialismo europeu, apontando os “perigos
de uma história única” e dando voz à resistência à dominação: os Estudos Pós-Coloniais ou Pós-Colonialismo. O pós-
-Colonialismo é uma práxis social, política, econômica e cultural que busca responder e resistir tanto ao colonialismo
quanto ao eurocentrismo, responsáveis por moldarem o mundo moderno em torno dos valores culturais de alguns
determinados povos.
Seus propositores são, principalmente, escritores e intelectuais, oriundos de nações colonizadas, que reivindicam o direito
de narrar sua própria história a partir da posição de subalternidade a que foram relegados. São importantes nomes como o
do filósofo afro-americano Frantz Fanon (Peles negras, máscaras brancas); do filósofo Aimé Cesaire, da Martinica (Discurso
sobre o colonialismo); do crítico literário palestino Edward Said (Orientalismo, Cultura e Imperialismo); do crítico literário
indiano Hommi Bhabba (O Local da Cultura); da também indiana e filósofa Gayatri Spivak (Pode o subalterno falar?),
que trazem à tona os efeitos da colonização através da ótica de quem a sofreu, ao invés da de quem se beneficiou. Com isso,
colocam-se novos olhares sobre a história e sobre as relações entre colonizador / colonizado, mostrando muitas nuances e
complexidades que se refletem na geopolítica da atualidade.
Assim sendo, novos temas surgem na literatura e nos estudos sociais: escravidão, hibridismo cultural, diáspora, migração,
deslocamento cultural, colonização / descolonização do imaginário, lugar pós-colonial.

as GUerras mUnDiais e a DeClaração


Universal Dos Direitos HUmanos
Os dois grandes conflitos mundiais, ocorridos nos anos de 1914 a 1918 e entre 1939 e 1945, são de fundamental importância
para compreendermos a questão da diversidade cultural e a sua relação com os direitos humanos.
·~·
• DECLARAtAO
UNIVERSAL
DOSDIREITOS
HUMANOS
1. Todos nós nascemos livres e iguais 11. Estamos sempre inocentes até prova em contrário 21. O direito à democracia
2. Não discriminar 12. O direito à privacidade 22. Segurança social
3. O direito à vida 13. Liberdade para mover 23. Direitos dos trabalhadores
4. Nenhuma escravatura 14. O direito a asilo 24. O direito à diversão
5. Nenhuma tortura 15. Direito a uma nacionalidade 25. Comida e abrigo para todos
6. Tu tens direitos, não importa aonde vás 16. Casamento e família 26. O direito à educação
7. Somos todos iguais perante a lei 17. O direito às tuas próprias coisas 27. Direitos de autor
8. Os direitos humanos são protegidos por lei 18. Liberdade de pensamento 28. Um mundo justo e livre
9. Nenhuma detenção injusta 19. Liberdade de expressão 29. Responsabilidade
Gabriel Alves

10. O direito a julgamento 20. Direito de ajuntamento público 30. Ninguém pode tirar-lhe os seus direitos humanos

Bernoulli Sistema de Ensino 5

SOCPRV2_SOC.indb 5 28/02/19 09:25 AM


frente a módulo 07

Ainda que a Primeira Guerra Mundial tenha colocado em evidência a questão do etnocentrismo, já que uma de suas causas
foi a disputa das grandes potências europeias por novas colônias, foi a Segunda Guerra Mundial que trouxe questionamentos
ainda mais profundos sobre o modo como são tratadas as diferenças culturais. Isso se deve a um evento específico:
o Holocausto praticado pelo regime nazista, responsável pela dizimação de judeus, ciganos, negros e outras etnias.
No âmbito político, o Holocausto provocou uma preocupação maior com a defesa dos direitos individuais, na esfera inter-
nacional, colocando em pauta a questão do respeito à diversidade cultural. A discussão perpassava a necessidade de criar
mecanismos de defesa dos direitos humanos que fossem supranacionais, ou seja, não restritos às legislações nacionais.
Esse posicionamento questiona a concepção liberal de Estado, que entende os seres humanos como iguais, cabendo ao
esforço individual a única variável possível para a superação das desigualdades sociais e para o reconhecimento de direitos.
Uma vez que a busca por instrumentos legais para garantir os direitos humanos enseja uma maior atuação do Estado na
vida social, os adeptos do liberalismo social e econômico se colocam contra esse tipo de atuação estatal.
Desse modo, em 1948, é criada a Organização das Nações Unidas e adotada a Declaração Universal dos Direitos Humanos,
visando justamente garantir o respeito à diversidade cultural em todo o mundo. Mas, de que modo poderíamos conceber uma
postura universal de defesa da diversidade cultural, visto que esta nos remete justamente à particularidade e não à universalidade?
É nesse aspecto que temos o embate de duas correntes distintas a respeito dos direitos humanos: o universalismo e o
multiculturalismo.
O universalismo entende que a condição humana pressupõe uma forma de dignidade que deve ser garantida a todo e
qualquer custo. Essa dignidade da pessoa é representada por padrões mínimos de respeito entre os indivíduos, devendo ser
garantidos entre as nações que aderirem aos tratados internacionais.

Note que o princípio da dignidade humana passa a ser, hierarquicamente, uma norma superior às outras, tornando-se
a base da atividade política em cada uma das coletividades que existem no mundo. Essa perspectiva estaria embasada
numa visão de que

os direitos dos homens nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares, para finalmente
encontrarem sua plena realização como direitos positivos universais.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 1. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 30.

A Declaração de Viena, de 1993, reafirma essa postura, como fica claro no seu parágrafo 5º:

Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional
deve tratar os direitos humanos globalmente, de maneira justa e equânime, com os mesmos parâmetros e com igual ênfase.
As particularidades nacionais e regionais e bases históricas, culturais e religiosas devem ser consideradas, mas é obrigação dos
Estados, independentemente de seu sistema político, econômico e cultural, promover e proteger todos os direitos humanos e as
liberdades fundamentais.
CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE DIREITOS HUMANOS, 1993, Viena.
Declaração e Programa de Ação de Viena.

A perspectiva universalista, portanto, entende que a realidade social é única e absoluta, sendo sua existência independente
das representações dos seres humanos a respeito dos fenômenos da vida social. Por esse motivo, torna-se problemático
considerar certas práticas como violadoras dos direitos universais, uma vez que elas apenas são consideradas com base nos
valores daqueles que analisam a prática violadora. Um dos maiores riscos que a perspectiva universalista corre é a de adotar uma
postura etnocêntrica, que toma como referência a visão de mundo de um grupo e a imponha como universal a todos os demais.
É nesse sentido que a visão multiculturalista se diferencia da visão universalista dos direitos humanos. Para os multiculturalistas,
os direitos universais seriam uma construção tipicamente ocidental que não encontraria parâmetros nas demais culturas. Desse
modo, não é possível falar em proteção dos direitos humanos sem considerarmos as particularidades de cada contexto cultural.

German Federal Archive / Domínio Público


German Federal Archive / Domínio Público

Wilhelm Brasse / Domínio Público

6 Coleção Filosofia / Sociologia

SOCPRV2_SOC.indb 6 28/02/19 09:26 AM


A Diversidade Cultural e os Direitos Humanos

A perspectiva multiculturalista surge já com um grande Uma das críticas mais contundentes veio do mundo
viés político. Pois, os primeiros intelectuais a se dedicarem islâmico, por meio de uma série de documentos que
a essa perspectiva foram docentes universitários afro- criticavam a visão ocidental, eurocêntrica e cristã da
-americanos que, por meio de seus estudos nas áreas de Declaração Universal dos Direitos Humanos proposta pela
Ciências Sociais, levantaram importantes questões sociais, Assembleia Geral da ONU de 1948.
políticas e culturais, denunciando a exclusão dos negros na
Destacam-se dois documentos: A Declaração Islâmica
sociedade americana e a subalternidade de grupos sociais
Universal dos Direito Humanos (DIUDH), de 1981, e a
minoritários e colonizados.
Declaração do Cairo sobre Direitos Humanos no Islã (DDHI),
Esses apontamentos foram de fundamental importância
de 1990, também conhecida como Carta do Cairo. Ambas
para que a igualdade de direitos fosse extensiva também
foram propostas e assinadas pelos 57 países-membros da
aos negros, na sociedade estadunidense, abrindo caminhos
Organização da Conferência Islâmica, voltada para a defesa
para que outras formas de exclusão social pudessem ser
da matriz cultural baseada na fé maometana e para o diálogo
politizadas, ou seja, pudessem ser trazidas ao debate público

SOCIOLOGIA
com as demais culturas.
para que fossem reconhecidas. Nesse viés, para a perspectiva
multiculturalista, o Estado tem um papel de extrema As duas declarações paralelas não se opõem à DUDH,
importância, pois é ele quem garante as políticas que visam mas pretendem apresentar valores e normas também
à proteção e ao reconhecimento de grupos que se encontram considerados universais sob uma ótica islâmica e em
excluídos e vulneráveis em relação ao restante da sociedade. consonância com os textos sagrados muçulmanos.
Se pensarmos, no caso brasileiro, as políticas de cotas Comparando-se os três textos, percebe-se que há
raciais para ingresso no funcionalismo público e nas consonância em relação a vários aspectos (proteção à
universidades federais, bem como o ensino de História infância e regulação do trabalho, por exemplo), mas há
da África, inserem-se nesse contexto de reconhecimento discordância quanto a vários outros, especialmente no que
cultural e na tentativa de correção das desvantagens sociais diz respeito às questões morais. Por exemplo, as cartas
que incidiram sobre a população negra no Brasil. árabes adotam a postura tradicionalista islâmica quanto
Portanto, o multiculturalismo surge, primordialmente, como ao padrão familiar, devendo a mulher ser vista como
uma estratégia política, visando conceder representação aos subordinada ao homem e com acesso restrito a direitos.
grupos sociais minoritários da sociedade e, assim sendo, não Há restrições também à homossexualidade, entendida como
pode ser compreendido fora do contexto das lutas sociais. “prática antinatural”, e há a defesa da pena de morte como
Nesse sentido, questões relacionadas a etnia, raça, religião, alternativa jurídico-legal.
sexualidade, gênero, entre outras, passam a ganhar grande Constata-se que existem proximidades e afastamentos
relevância na esfera política. entre as Declarações Islâmicas e a DUDH. Aproximam-se
Dessa maneira, podemos pontuar que o projeto cosmopolita porque consagram direitos muito análogos de natureza civil,
moderno, aquele baseado na crença da superioridade europeia, política, social e econômica. Porém, também se distanciam
não se cumpriu. Além disso, fez crescer a noção de que a porque todos esses direitos estão limitados à sua própria
justiça social não se faz apenas com a busca por igualdade visão de mundo, construída sobre solos culturais específicos
jurídica, entre grupos sociais e indivíduos, mas, principalmente, e compreendidos como universais por seus propositores.
pelo respeito às diferenças, às identidades e pela valorização
O intenso debate em torno da existência, ou não, de
das culturas que, ao longo do processo de modernização,
valores e normas universais não deve, contudo, levar
foram desconsideradas por diferirem do cânone europeu.
ao abandono ou à rejeição de propostas de regulação
Nesse contexto, então, abre-se o caminho para o surgimento
internacional e de proteção aos indivíduos e às suas culturas.
do multiculturalismo, que se difundiu em conjunto com o
fenômeno da globalização. Ainda que não haja consenso quanto a vários aspectos
específicos, é possível perceber que determinados valores

Críticas à fundamentais estão presentes de alguma forma: valorização

Declaração Universal
dos Direitos Humanos
Como vimos anteriormente, a universalidade da
Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) é
·~· da vida, condenação da tortura, abominação do estupro,
direito ao habeas corpus, direito a refúgio e asilo político,
condenação de crimes de guerra, proteção de liberdades
individuais. Esses princípios são muito importantes para
que indivíduos e grupos sociais tenham algum amparo
jurídico contra abusos de poder e contra as várias formas
discutível, não existindo de fato um consenso em torno de de violência cometidas por outros indivíduos, corporações ou
quais valores e normas abrangem todos os povos e culturas pelos próprios Estados, mesmo que haja dissensos quanto
ao redor do mundo. aos seus limites e aplicabilidades.

Bernoulli Sistema de Ensino 7

SOCPRV2_SOC.indb 7 28/02/19 09:26 AM


Frente A Módulo 07

O Multiculturalismo
na Era da Globalização ·~·
O mundo globalizado encurtou as distâncias geográficas
e também diminuiu a noção de tempo à medida que as
novas tecnologias de comunicação permitiram a troca de
Podemos entender, então, que o respeito à diferença é a
principal questão para o multiculturalismo, ao contrário do
universalismo, que se preocupa com os pontos de contato
entre diferentes sistemas culturais.
A grande contribuição política do multiculturalismo reside
no fato de que ele não apenas aponta a importância de se
refletir sobre as diferenças entre os distintos segmentos da
informações, em tempo real, a partir de pontos distantes sociedade, mas, também, busca modos amparados na lei e
da Terra. Essas novas possibilidades de interação fizeram nas políticas públicas de produzir um sistema político e social
com que culturas e visões de mundo distintas encontrassem em que as diferenças sejam respeitadas e as desvantagens
outras maneiras de estabelecer contato, propiciando um sociais sejam ao menos atenuadas.
novo olhar para a diversidade cultural do mundo.
Por esse motivo, a formação de identidades culturais se
A maior evidência das diferenças culturais propiciada torna fundamental para que os grupos sociais organizem suas
pela globalização obriga, sobretudo o Ocidente, a repensar demandas políticas e exprimam seus pontos de vista perante a
suas atitudes e posicionamentos frente a outros sistemas sociedade em geral e diante do poder público. A coesão social
culturais. Em função do caráter de urgência que essas somente é possível quando ocorre a identificação cultural e o
questões tomaram, a sociedade civil passou a elaborar respeito à alteridade. Assim, a formação de identidades sociais
ainda mais demandas de cunho cultural, tornando a relação facilita o intercâmbio de reivindicações e o reconhecimento de
entre cultura e política ainda mais estreita. Por esse motivo, grupos desfavorecidos socialmente.
a Globalização se articula de modo tão forte com o fenômeno Uma das expectativas criadas em torno da Globalização
do multiculturalismo. foi a de que uma homogeneidade cultural seria criada, tendo
De acordo com vários estudiosos do multiculturalismo, como base a cultura hegemônica dos países centrais, sendo
esse fenômeno se dá com a coexistência de diversas que nesse processo as culturas minoritárias estariam fadadas
práticas culturais distintas que conformam uma mesma ao desaparecimento. O que se viu, porém, foi o surgimento
sociedade. Em outras palavras, compreender a sociedade de novos conflitos sociais, em virtude da grande politização
como composta pela pluralidade de identidades, baseadas de aspectos da vida cotidiana (luta por moradia, direitos dos
na heterogeneidade e na diversidade de etnias, classes idosos, das donas de casa, etc.), que foram potencializados
sociais, valores, gêneros, padrões culturais e outros traços pela facilidade de troca de informações, permitindo, assim,
identitários, é o que o multiculturalismo destaca como que novos atores políticos passassem a apresentar novas
fundamental. Ademais, os marcadores identitários, para o demandas e a construir novas identidades políticas.
multiculturalismo, não devem ser escamoteados em busca
de uma pretensa homogeneização. Ao contrário, eles devem
ser explicitados e tematizados em nome da convivência da
diferença. Em sua obra, Multiculturalismo, Semprini (1999)
destaca o multiculturalismo como sendo constituinte de uma
ruptura epistemológica com o projeto da modernidade.
Ou seja, ao invés de estar relacionado com as ideias,
Mas, afinal, o que é
diversidade cultural?
Pelo percurso que traçamos até o momento, você já
·~·
aprendeu que as diferenças culturais entre os indivíduos
foram mote para a construção da perspectiva cosmopolita,
oriundas da modernidade, em que a homogeneidade cultural
para o surgimento do fenômeno do multiculturalismo,
e a evolução “natural” da humanidade levariam as sociedades
além de terem servido para justificar atrocidades como
à construção universal do progresso e da civilização,
o Holocausto.
o multiculturalismo está no bojo de um ponto de vista pós-
O conceito de diversidade cultural aponta justamente
-moderno de sociedade. Então, a diversidade, a diferença
para as diferenças das expressões culturais entre os
e a descontinuidade são entendidas como categorias
diversos povos do planeta, mas não apenas isso. A noção
fundamentais pelos adeptos da perspectiva multicultural.
de diversidade cultural se relaciona com dois fenômenos
Paralelamente, o multiculturalismo, diferentemente da
distintos: podemos nos referir tanto a formações sociais
concepção moderna e iluminista da identidade (vista como
diferentes, como nações, tribos indígenas, civilizações
uma essência, estável, universal e fixa), entende-a imersa
antigas, como também podemos nos referir às dimensões
em um movimento de constante construção e reconstrução.
culturais que ganharam importantes contornos políticos no
Logo, a identidade, nos termos do multiculturalismo,
mundo atual, como os movimentos negros, movimentos
é múltipla e descentrada.
pelos direitos dos homossexuais, pelos direitos ambientais,
A ampliação dos canais de comunicação entre os indivíduos entre outros. Por isso a questão da diversidade cultural e
facilita o intercâmbio de ideias e, consequentemente, cria do multiculturalismo não é periférica e relegada somente ao
novas possibilidades para a manifestação política. Por esse domínio da moral pessoal. Ao contrário, ela é profundamente
motivo, a diversidade e o intercâmbio cultural tornam-se politizada e entra em choque com a homogeneização, que
uma questão de grande relevância política, pois a existência é característica da globalização, difundida pelo mercado
de diversas culturas em um mesmo país, por exemplo, exige e pela indústria cultural como estratégia de formação de
do Estado mais atenção em termos de respeito à diversidade. consumidores em larga escala.

8 Coleção Filosofia / Sociologia

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A Diversidade Cultural e os Direitos Humanos

Em tempos de globalização, o que vemos é uma profusão de identidades políticas sendo elaboradas, demarcando os conflitos
existentes em nossa sociedade que se valem da facilidade e agilidade de troca de informações para que tais identidades se
tornem visíveis. Essa pluralidade de demandas políticas fez com que a diversidade cultural se tornasse uma questão social
de suma importância.

O termo diversidade cultural significa a possibilidade de pensar condições para que os indivíduos tenham acesso ao exercício
efetivo de seus direitos sociais, seja por meio de políticas públicas, de acesso a canais democráticos de apresentação de
demandas sociais, ou qualquer outro elemento que culmine no reconhecimento da sua condição cidadã.

Monitoramento internacional
A situação dos direitos humanos no Brasil foi examinada pela terceira vez de acordo com o processo de Revisão Periódica Universal da
ONU. O Brasil recebeu 246 recomendações, entre outras: com relação aos direitos dos povos indígenas à terra; aos homicídios cometidos

SOCIOLOGIA
por policiais; à tortura e às condições degradantes nas prisões; e à proteção aos defensores de direitos humanos. Em maio, a Corte
Interamericana de Direitos Humanos emitiu uma sentença contra o Brasil por sua omissão em fazer justiça pelos homicídios de 26 pessoas,
cometidos pela polícia na favela Nova Brasília, no Complexo do Alemão, na cidade do Rio de Janeiro, em outubro de 1994 e maio de 1995. [...]

CONDIÇÕES PRISIONAIS
O sistema prisional continuou superlotado e os presos eram mantidos em condições degradantes e desumanas. A população carcerária
era de 727.000 pessoas, das quais 55% tinham entre 18 e 29 anos e 64% eram afrodescendentes, segundo o Ministério da Justiça. Uma
parcela significativa dos internos – 40% no âmbito nacional – estava detida provisoriamente, situação em que costumam permanecer por
vários meses até serem julgados.

No estado do Rio de Janeiro, as condições prisionais desumanas foram ainda mais degradadas pela crise financeira, pondo em risco o
abastecimento de comida, água e medicamentos para mais de 50.800 presos. A tuberculose e as doenças de pele atingiram proporções
epidêmicas nas prisões do estado. No dia 2 de outubro, transcorreu o 25° aniversário do massacre do Carandiru, em que 111 homens
foram mortos pela polícia na Casa de Detenção de São Paulo, conhecida por Carandiru. Os responsáveis pelo massacre ainda não haviam
sido responsabilizados. [...]

DEFENSORES DE DIREITOS HUMANOS


Defensores de direitos humanos, principalmente nas áreas rurais, continuaram a ser ameaçados, atacados e assassinados. O Pará e o
Maranhão estavam entre os estados nos quais os defensores corriam maior perigo. Segundo o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores
de Direitos Humanos, uma coalizão da sociedade civil, 62 defensores foram mortos entre janeiro e setembro, mais do que no ano anterior.
A maioria foi morta em conflitos por terras e recursos naturais. Cortes no orçamento e falta de vontade política para priorizar a proteção
aos defensores de direitos humanos resultaram no desmonte do Programa Nacional de Proteção, deixando centenas de pessoas expostas
a um alto risco de ataques. [...]

DIREITOS DE LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS,


TRANSGÊNEROS E INTERSEXOS
Segundo o Grupo Gay da Bahia, 277 pessoas LGBTI foram assassinadas no Brasil entre 1 de janeiro e 20 de setembro, o maior número
registrado desde que o grupo começou a compilar esses dados em 1980. [...]

LIBERDADE DE RELIGIÃO E CRENÇA


Durante todo o ano, locais de culto (terreiros) das religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, no estado do Rio de
Janeiro foram alvos de vários ataques cometidos por particulares, por gangues criminosas e por integrantes de outras religiões. Em agosto
e setembro, pelo menos oito centros religiosos foram atacados e destruídos, a maioria na cidade do Rio de Janeiro e nos municípios da
Baixada Fluminense, na região metropolitana do Rio.

ANISTIA INTERNACIONAL. Informe 2017/18: O estado dos direitos humanos no mundo. Disponível em: <https://anistia.org.br/wp-
content/uploads/2018/02/informe2017-18-online1.pdf>. Acesso em: 18 fev. 2019.

Bernoulli Sistema de Ensino 9

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Frente A Módulo 07

Exercícios 03. (UERJ–2016)


Cidade maravilhosa
Propostos Cidade maravilhosa
Cheia de encantos mil
01. (UFU-MG–2016) A humanidade cessa nas fronteiras da Cidade maravilhosa
tribo, do grupo linguístico, às vezes mesmo da aldeia;
Coração do meu Brasil
a tal ponto, que um grande número de populações ditas
primitivas se autodesigna com um nome que significa ‘os Berço do samba e de lindas canções
homens’ (ou às vezes – digamo-lo com mais discrição? Que vivem n’alma da gente
– os ‘bons’, os ‘excelentes’, ‘os completos’), implicando
És o altar dos nossos corações
assim que as outras tribos, grupos ou aldeias não
Que cantam alegremente
participam das virtudes ou mesmo da natureza humana,
mas são, quando muito, compostos de ‘maus’, ‘malvados’, [...]
André Filho e Silva Sobreira, 1935.
‘macacos da terra’ ou de ‘ovos de piolho’.
Disponível em: <http://letras.mus.br>.
LÉVI-STRAUSS, C. Raça e História. Antropologia
Estrutural Dois. São Paulo: Tempo Brasileiro, 1989: 334. Rio 40 graus

Rio 40 graus Sorrateiros


Nesse trecho, o antropólogo Claude Lévi-Strauss descreve
a reação de estranhamento que é comum às das sociedades Cidade maravilha Ocultando comandos...
humanas quando defrontadas com a diversidade cultural. Purgatório da beleza [...]
Tal reação pode ser definida como uma tendência E do caos Gatilho de disket
[...]
A) etnocêntrica. C) relativista. Marcação pagode, funk
O Rio é uma cidade
De gatilho marcação
B) iluminista. D) ideológica. De cidades misturadas
De samba-lance
O Rio é uma cidade
02. (Unesp) Cada cultura tem suas virtudes, seus vícios, seus Com batuque digital
De cidades camufladas
conhecimentos, seus modos de vida, seus erros, suas Com governos Na sub-uzi musical
ilusões. Na nossa atual era planetária, o mais importante [misturados De batucada digital
é cada nação aspirar a integrar aquilo que as outras têm Camuflados, paralelos [...]
de melhor, e a buscar a simbiose do melhor de todas as Fernanda Abreu, 1992.
culturas. A França deve ser considerada em sua história As letras das canções “Cidade maravilhosa”, de 1935,
não somente segundo os ideais de Liberdade-Igualdade- e “Rio 40 graus”, de 1992, parecem não retratar a
-Fraternidade promulgados por sua Revolução, mas mesma cidade.
também segundo o comportamento de uma potência que, As diferentes percepções do Rio de Janeiro, retratadas
como seus vizinhos europeus, praticou durante séculos em cada letra, podem ser associadas, respectivamente,
a escravidão em massa, e em sua colonização oprimiu às ideias de
povos e negou suas aspirações à emancipação. Há uma A) ostentação da beleza natural – reformulação da
barbárie europeia cuja cultura produziu o colonialismo segurança pública.
e os totalitarismos fascistas, nazistas, comunistas. B) mistificação da relevância política – caracterização da
Devemos considerar uma cultura não somente segundo desordem urbana.
seus nobres ideais, mas também segundo sua maneira C) enaltecimento da tranquilidade social – valorização
de camuflar sua barbárie sob esses ideais. da integração étnica.
MORIN, E. Le Monde, 08 fev. 2012. D) glorificação da identidade local – reconhecimento da
diversidade cultural.
No texto citado, o pensador contemporâneo Edgard Morin
desenvolve 04. (Unioeste-PR) Do ponto de vista sociológico, a expressão
A) reflexões elogiosas acerca das consequências do “diversidade cultural” sustenta

etnocentrismo ocidental sobre outras culturas. A) o processo por meio do qual as classes dominantes com-
batem as formas de expressão dos grupos populares.
B) um ponto de vista idealista sobre a expansão dos
B) a pluralidade de manifestações e expressões como:
ideais da Revolução Francesa na história. rituais, práticas, comemorações, lamentações, produtos,
C) argumentos que defendem o isolamento como forma hábitos dos grupos que constituem uma sociedade.
de proteção dos valores culturais. C) ideologia subjacente ao exercício da cidadania das
classes sociais hegemônicas.
D) uma reflexão crítica acerca do contato entre a cultura
D) apenas a defesa dos direitos de negros, mulheres
ocidental e outras culturas na história.
e indígenas.
E) uma defesa do caráter absoluto dos valores culturais E) apenas os direitos de membros das classes subalter-
da Revolução Francesa. nas da sociedade.

10 Coleção Filosofia / Sociologia

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A Diversidade Cultural e os Direitos Humanos

05. (UEL-PR) O etnocentrismo pode ser definido como Assinale a alternativa correta.
uma “atitude emocionalmente condicionada que leva a A) Somente a afirmativa I está correta.
considerar e julgar sociedades culturalmente diversas B) Somente as afirmativas II e III estão corretas.
com critérios fornecidos pela própria cultura. Assim, C) Somente as afirmativas I e IV estão corretas.
compreende-se a tendência para menosprezar ou
D) Todas as afirmativas estão corretas.
odiar culturas cujos padrões se afastam ou divergem
E) Somente as afirmativas II e IV estão corretas.
dos da cultura do observador que exterioriza a atitude
etnocêntrica. [...] Preconceito racial, nacionalismo,
preconceito de classe ou de profissão, intolerância
07. (UEG-GO) Não quero que a minha casa seja cercada de
FQ9G muros por todos os lados, nem que minhas janelas sejam
religiosa são algumas formas de etnocentrismo”.
tapadas. Quero que as culturas de todas as terras sejam
WILLEMS, E. Dicionário de Sociologia.
sopradas para dentro de minha casa, o mais livremente
Porto Alegre: Globo, 1970. p. 125.
possível. Mas recuso-me a ser desapossado da minha por
Com base no texto e nos conhecimentos de Sociologia, qualquer outra.
assinale a alternativa cujo discurso revela uma atitude
GANDHI, M.

SOCIOLOGIA
etnocêntrica. Relatório do desenvolvimento humano 2004.
A) A existência de culturas subdesenvolvidas relaciona- In: TERRA, Lygia; COELHO, Marcos de A.
-se à presença, em sua formação, de etnias de tipo Geografia geral. São Paulo: Moderna, 2005. p. 137.
incivilizado.
Considerando-se as ideias pressupostas, o texto
B) Os povos indígenas possuem um acúmulo de saberes
que podem influenciar as formas de conhecimentos A) afirma que a globalização aumentou, de modo sem
ocidentais. precedente, os contatos e a união entre os povos
e seus valores, reforçando o respeito às diferenças
C) Os critérios de julgamento das culturas diferentes
socioculturais.
devem primar pela tolerância e pela compreensão
dos valores, da lógica e da dinâmica própria a cada B) critica a intolerância com relação a outras culturas,
uma delas. gerando assim os conflitos comuns neste novo século.
D) As culturas podem conviver de forma democrática, C) indica o reconhecimento à diversidade cultural, além
dada a inexistência de relações de superioridade e das necessidades de afirmação e de identidade, seja
inferioridade entre elas. étnica, seja cultural, seja religiosa.
E) O encontro entre diferentes culturas propicia a huma- D) nega a existência da exclusão cultural e ressalta a
nização das relações sociais, a partir do aprendizado homogeneização mundial e a superação/eliminação
sobre as diferentes visões de mundo. de fronteiras culturais.

06. (UNISC-RS) As considerações sobre cultura nos levam 08. (Unesp–2015) Projeto no Iraque reduz a idade mínima
a uma importante conclusão: a existência de uma F4UW de casamento para xiitas mulheres para 9 anos. Xiitas
imensa diversidade cultural – tanto nos níveis regionais iraquianas, caso o texto seja aprovado, só poderão sair
e nacionais como na sociedade global – implica a de casa com autorização do marido e deverão estar
existência de diferenças, mas não de desigualdades.
sempre disponíveis para relações sexuais. Esse tipo de
Em outras palavras, a Antropologia nos ensina hoje
notícia coloca em xeque os ungidos multiculturalistas
que sociedades e grupos sociais cujos valores, práticas
ocidentais. Como, segundo estes, não há culturas atra-
e conhecimentos não são iguais aos nossos não são
sadas mas apenas “diferentes”, e porque a democracia,
primitivos ou inferiores: são diferentes.
entendida apenas como escolha da maioria, é um valor
As diferenças só passam a ser sinônimo de desigualdade absoluto, por que condenar quando a maioria de um
quando estão inseridas em relações de dominação povo escolhe por voto a sharia*? Chegamos ao impasse
e exploração. dos multiculturalistas: aceitam que cada cultura seja
SANTOS, Rafael José.
“apenas diferente” e que, portanto, não há bárbaros,
Antropologia para quem não vai ser antropólogo.
ou constatam o óbvio, ou seja, que certas sociedades
Porto Alegre: Tomo Editorial, 2005. p. 32-33.
ainda vivem presas a valores abjetos, que ignoram
Considerando a ideia de diversidade cultural apresentada completamente as liberdades básicas dos indivíduos.
no texto anterior, avalie as seguintes afirmativas: Qual vai ser a opção?
I. A diversidade cultural existe porque as diferentes CONSTANTINO, Rodrigo.
sociedades encontram-se em estágios diferentes de Pedofilia? No Iraque islâmico é permitido por lei!
evolução social. Disponível em: <http://www.veja.com.br>.
Acesso em: 02 maio 2014 (Adaptação).
II. Estudo e reconhecimento da diversidade cultural
não permitem a classificação de sociedades em *Sharia: lei islâmica.
primitivas e evoluídas. Para o autor, o conflito suscitado opõe essencialmente
A) iluminismo e racionalismo.
III. As diferenças biológicas entre os seres humanos deter-
minam as diferenças de hábitos e costumes culturais. B) democracia e estados de exceção.
C) cristianismo e islamismo.
IV. As diferenças culturais são transformadas em desi-
gualdades culturais quando duas ou mais culturas são D) relativismo e universalidade.
colocadas em contato por relações de força. E) multiculturalismo e antropologia.

Bernoulli Sistema de Ensino 11

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frente a módulo 07

09.
KJMQ
(UFU-MG) Todo sistema cultural tem a sua própria lógica
e não passa de um ato primário de etnocentrismo tentar
seção enem ~ RESOLU~ESNO
~ BernoulliPlay
transferir a lógica de um sistema para outro. 01. (Enem–2018) Em algumas línguas de Moçambique não
existe a palavra “pobre”. O indivíduo é pobre quando
LARAIA, Roque. Cultura, um conceito antropológico.
não tem parentes. A pobreza é a solidão, a ruptura das
8. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.
relações familiares que, na sociedade rural, servem de
Considerando o texto acima, marque a alternativa correta apoio à sobrevivência. Os consultores internacionais,
acerca das afirmações a seguir: especialistas em elaborar relatórios sobre a miséria, talvez
não tenham em conta o impacto dramático da destruição
I. As sociedades tribais são tão eficientes para produzir
dos laços familiares e das relações de entreajuda. Nações
cultura quanto qualquer outra, mesmo quando não
inteiras estão tornando-se “órfãs”, e a mendicidade parece
possuem certos recursos culturais presentes em
ser a única via de uma agonizante sobrevivência.
outras culturas.
COUTO, M. E se Obama fosse africano? & outras
II. As sociedades selvagens são capazes de produzir intervenções. Portugal: Caminho, 2009 (Adaptação).
cultura, mas estão mal adaptadas ao meio ambiente
Em uma leitura que extrapola a esfera econômica, o autor
e, por isso, algumas nem sequer possuem o Estado.
associa o acirramento da pobreza à
III. As chamadas sociedades indígenas são dotadas A) afirmação das origens ancestrais.
de recursos materiais e simbólicos eficientes para
B) fragilização das redes de sociabilidade.
produzir cultura como qualquer outra, faltando-lhes
C) padronização das políticas educacionais.
apenas uma linguagem própria.
D) fragmentação das propriedades agrícolas.
IV. As chamadas sociedades primitivas conseguiram E) globalização das tecnologias de comunicação.
produzir cultura plenamente, ao longo do processo
evolutivo, quando instituíram o Estado e as institui- 02. (Enem–2017) Muitos países se caracterizam por terem
ções escolares. NBHZ populações multiétnicas. Com frequência, evoluíram
desse modo ao longo de séculos. Outras sociedades se
A) I e II estão corretas. tornaram multiétnicas mais rapidamente, como resultado
B) Apenas I está correta. de políticas incentivando a migração, ou por conta de
C) I e III estão corretas. legados coloniais e imperiais.

D) I e IV estão corretas. GIDDENS. A. Sociologia. Porto Alegre:


Penso, 2012 (Adaptação).

10. (UEM-PR) Considerando a temática da diversidade étnica, Do ponto de vista do funcionamento das democracias
assinale o que for correto. contemporâneas, o modelo de sociedade descrito
demanda, simultaneamente,
1. A abordagem sociológica da cultura dos diferentes
grupos étnicos exige que o pesquisador não crie A) defesa do patriotismo e rejeição ao hibridismo.

hierarquias entre eles. B) universalização de direitos e respeito à diversidade.


C) segregação do território e estímulo ao autogoverno.
2. O olhar etnocêntrico é aquele que vê a cultura
D) políticas de compensação e homogeneização do
do outro a partir de referências dadas pela sua
idioma.
própria cultura.
E) padronização da cultura e repressão aos particula-
4. A concepção de que a Europa tem uma cultura mais rismos.
avançada do que a do “Novo Mundo” legitimou as
ações colonialistas, que visavam à dominação de
diversos povos e de suas culturas. Gabarito meu aproveitamento

8. A análise crítica da cultura dos povos indígenas Propostos acertei ______ errei ______
e dos grupos étnicos que habitam as regiões
•0 01. A •0 06. E
Norte e Nordeste do Brasil confere centralidade •0 02. D •0 07. C
aos aspectos climáticos que determinam suas •0 03. D •0 08. D
práticas culturais. •0 04. B •0 09. B

16. A diversidade cultural se explica em razão do


•0 05. A •0 10. Soma = 23

processo histórico de singularização das culturas seção enem acertei ______ errei ______
dos diversos grupos sociais que integram uma
mesma sociedade.
•0 01. B •0 02. B

Soma ( ) total dos meus acertos: _____ de _____ . ______ %

12 Coleção Filosofia / Sociologia

SOCPRV2_SOC.indb 12 28/02/19 09:26 AM


Frente Módulo

SOCIOLOGIA A 08
Religião e Sociedade
A SOCIOLOGIA
DA RELIGIÃO ·~·
O objetivo de uma sociologia da religião é investigar como
as crenças em um plano transcendente afetam a organização
social e os padrões de comportamento das pessoas. Sendo
Mas de qual maneira a religião estabelece os fundamentos
para uma vida em sociedade? Essa prerrogativa está baseada
na forma como a crença institui a divisão entre duas categorias
distintas: o sagrado e o profano. Nesse sentido, o sagrado
surge como uma esfera separada do mundo físico, remetendo
ao extraterreno, ao metafísico e ao intangível. Já o profano é
aquilo que é comum na vida cotidiana, secular, destituído de
assim, não compete à Sociologia estabelecer se existe
um significado transcendente e, portanto, impuro.
algum deus, se o universo foi criado por alguma entidade
sobrenatural ou se há vida após a morte. O que interessa a Essa oposição entre o sagrado e o profano organiza a vida
essa ciência é o modo variado como o fenômeno religioso social, estabelecendo uma hierarquia entre os assuntos e as
se manifesta em diversas culturas e a grande influência que práticas cotidianas. Podemos considerar, sob essa perspectiva,
exerce na organização das sociedades. Logo, não se pode que o âmbito do sagrado se configura como o centro
pensar sociologicamente as religiões sem levar em conta os organizador de uma determinada cultura religiosa, que sempre
aspectos da cultura na qual se inserem. se coloca como externo ao universo cotidiano dos membros
Em seus aspectos culturais, a religião necessita ser da coletividade. Esse centro organizador pode ser um deus,
legitimada socialmente, ou seja, os membros de uma o cosmos, entre outras divindades ou formas religiosas.
comunidade religiosa devem acreditar e respeitar as normas
sociais impostas pela religião. Somente dessa maneira é O sagrado e o profano foram sempre e por toda parte concebidos
que o controle social, sobre as vontades individuais, pode pelo espírito humano como gêneros separados, como dois
se fazer eficaz. Uma comunidade religiosa representa não mundos entre os quais nada há em comum [...]. Uma vez que
a noção de sagrado é, no pensamento dos homens, sempre
apenas um controle sobre os indivíduos, mas também uma
e por toda parte separada da noção do profano [...]. Mas o
rede de apoio psicológico, econômico e até mesmo político,
aspecto característico do fenômeno religioso é o fato de que
especialmente no mundo moderno. ele pressupõe uma divisão bipartida do universo conhecido
Ao contrário de afirmar que “religião não se discute”, e conhecível em dois gêneros que compreendem tudo o que
como o ditado do senso comum, a Sociologia e as Ciências existe, mas que se excluem radicalmente. As coisas sagradas
Humanas entendem que a relação entre religião e sociedade são aquelas que os interditos protegem e isolam; as coisas
possui inúmeros objetos que merecem muita atenção e profanas aquelas às quais esses interditos se aplicam e que
devem permanecer à distância das primeiras.
discussão pública para que não incorramos em modelos
fundamentalistas, autoritários e discriminatórios, como ocorreu DURKHEIM, Émile. As formas elementares de vida religiosa.
tantas vezes na história da humanidade. Não seria por outro São Paulo: Paulinas, 1989. p. 70-72.
motivo que se tem debatido bastante atualmente acerca da
legitimidade das religiões, da necessidade de que o Estado Socialmente, a relação entre os indivíduos e o plano sagrado
Moderno seja laico, da pluralidade de manifestações religiosas é mediada pelo uso de símbolos, pelo compartilhamento
e do fundamentalismo religioso, especialmente relacionado aos de mitos de origem do mundo e pela participação em ritos
atentados terroristas. Discutir esse tema é de fundamental sagrados. Conforme já estudamos, a relação do ser humano
importância para as sociedades modernas, cada vez mais com sua cultura é estabelecida no plano simbólico, ou seja,
diversificadas, com grande variedade de credos e doutrinas, na capacidade que temos de dar significado ao mundo ao
em nome de uma convivência mais harmônica e respeitosa. nosso redor por meio da linguagem.

O SAGRADO E O PROFANO
·~·
A relação do ser humano com um plano transcendente ao
seu mundo físico é uma constante em todo e qualquer grupo
humano. Portanto, não podemos deixar de considerar esse
aspecto como de fundamental importância para compreen-
O mito, do grego mythos, significa literalmente “narração”
ou “discurso” e está na base de qualquer religião. Desse
modo, os mitos se apresentam como narrativas que contam
a maneira como o universo foi criado, assim como o ser
humano e a realidade surgiram, atualizando o passado,
contextualizando o presente e dando direcionamento ao
futuro de uma determinada comunidade religiosa. Já os ritos
dermos o modo como se dá a coesão entre os indivíduos são dramatizações, formas que os indivíduos encontram para
em um grupo social e, igualmente, como a crença religiosa vivenciar a sua relação com o sagrado, e ocorrem por meio
serve de substrato para ações dos indivíduos no mundo. de cerimônias, danças, sacrifícios, entre outras ações.

Bernoulli Sistema de Ensino 13

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frente a módulo 08

As religiões, assentadas sobre seus mitos, são as principais No entanto, com a complexificação das sociedades e a
fornecedoras das regras morais que organizam as noções de mudança no tipo predominante de solidariedade, da mecânica
bom e ruim, de certo e errado, de bem e mal, na maioria das para a orgânica, as religiões foram perdendo espaço na ordem
sociedades humanas. Seja pelo temor ou pelo amor a um social para outras instituições, como o trabalho e a economia.
ou mais deuses, os seres humanos encontram na religião Enquanto, para Durkheim, a religião tem a função de
as normas para orientar suas vidas, as respostas para suas agregar os indivíduos, Max Weber entende que, nas
dúvidas e o consolo para suas angústias. sociedades modernas, as crenças religiosas são o resultado
Conhecendo como as religiões estabelecem os padrões da crescente racionalização das ações individuais. Por esse
de comportamento entre seus seguidores, é cabível, agora, motivo, Weber procurava enxergar as práticas religiosas
saber como os principais pensadores da Sociologia enxergam como ações racionais que visavam a objetivos específicos.
a relação entre a religião e o mundo moderno. A religião, ao influenciar a ação dos indivíduos, faz com
que determinados valores e atitudes sejam incorporados

·~·
à vida prática.
a reliGião Para Ao contrário de Durkheim, para quem a religião teria
DUrKHeim, Weber e marX suas características generalizáveis a qualquer sociedade,
uma vez que era fundamental para garantir a coesão social,
As primeiras reflexões sociológicas a respeito da religião Weber não se preocupou em formular uma teoria geral a
levavam em consideração o advento da modernidade como respeito da religião. Para ele, as religiões também seriam
ponto de partida para se pensar sobre a importância da religião um componente importante na vida social, porém deveriam
para a vida social em um contexto completamente distinto sempre ser tomadas, interpretadas e compreendidas
daquele que existia nas sociedades tradicionais. Nestas, em relação ao contexto histórico em que são praticadas.
a religião possuía a função de garantir a ordem social, uma vez Portanto, ao contrário dos pensadores positivistas, que viam
que detinha um grande peso sobre as ações individuais. na religião um elemento estranho à ordem social moderna,
Weber a entende como um fator fundamental na constituição
Desse modo, devido à grande influência do positivismo na
do mundo moderno. Por esse motivo, a relação entre religião
constituição da Sociologia, a religião era vista como uma forma
e economia, por exemplo, era um dos objetos principais da
de conhecimento da realidade que deveria ser superada pelo
sociologia da religião desse pensador.
conhecimento científico. Essa era a visão de pensadores como
Auguste Comte, Edward Tylor e Herbert Spencer. Ainda sob
forte influência do pensamento positivista, Émile Durkheim,
em seus estudos sobre a religião, buscava encontrar aquilo que
havia em comum entre todas as religiões e, para tanto, iniciou
seus estudos com a religião dos povos aborígines da Austrália.
Posteriormente, ele generalizou suas conclusões para as outras
religiões do mundo moderno, definindo a religião como

Um sistema de crenças e práticas em relação ao sagrado,


que unem em uma mesma comunidade moral todos os que
a ela aderem.

DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa:


o sistema totêmico na Austrália. São Paulo: Paulinas, 1989, p. 79.

Em sua concepção, a religião era um fato social e, portanto,


estava além da consciência individual. Logo, a religião é
fundamental para que as pessoas se mantenham agregadas
socialmente. É nesse sentido que devemos entender os
vínculos morais que a religião ajuda a estabelecer, pois, para
que os indivíduos constituam grupos, deve sempre haver
valores que sejam superiores aos individuais.
Para Durkheim, tanto as religiões antigas (como o
totemismo) quanto as modernas são representações da
consciência coletiva que possuem enorme importância para
a organização da vida social, ditando valores e normas que
orientam as ações dos indivíduos. Esses valores e normas
Rubens Lima

são atualizados e reforçados pelos ritos, que normalmente


são públicos, regulares e produzem o reforço da fé e a coesão
social do grupo. Representações do sagrado e do profano no imaginário social.

14 Coleção Filosofia / Sociologia

SOCPRV2_SOC.indb 14 28/02/19 09:26 AM


Religião e Sociedade

Weber dedicou uma atenção especial ao fenômeno do A importância dada à religião por Durkheim e Weber,
protestantismo, estudando não só sua origem histórica, como objeto de estudo, não foi acompanhada por Karl
mas também seu impacto na formação das sociedades Marx, sendo relegada ao segundo plano em seus estudos.
ocidentais modernas. Em sua obra A ética protestante e Para Marx, a realidade humana é produzida no processo de
o espírito do capitalismo (1902), Weber analisa a grande transformação da natureza por meio do trabalho. Sendo
assim, a essência do ser humano está atrelada à produção do
importância que teve o modo de pensar dos protestantes
mundo material. Qualquer aspecto da existência humana que
na consolidação do capitalismo na Europa. Ao contrário
não tenha relação direta com o processo produtivo faz parte
dos católicos, os protestantes, em geral, e calvinistas,
da superestrutura da sociedade e, assim, sua única função
em particular, defendiam a liberdade, o individualismo,
é manter o processo de dominação da classe burguesa em
a democracia, o progresso e o livre-comércio, valorizando uma sociedade capitalista.
sobremaneira o mérito individual por meio do trabalho e,
Logo, a religião seria um instrumento de dominação
por conseguinte, a acumulação de capital. Esse processo
da burguesia, uma vez que participaria do processo de

SOCIOLOGIA
foi tratado por Weber como “racionalização religiosa”, que alienação. Dessa forma, faria com que as classes dominadas
corresponde a um desencantamento do mundo, verificado acreditassem em um esquema interpretativo da realidade
pela crescente intervenção da racionalidade na configuração que ocultasse o modo como se dá a dominação social,
de algumas religiões cristãs na modernidade, especialmente nesse caso, por meio das posições de classes, instituídas
no calvinismo do século XVII. a partir da revolução econômica. Ao contrário de Weber,
para quem a religião pode impulsionar comportamentos
O desencantamento do mundo, propiciado pelo cresci-
individuais que resultem em mudanças na esfera social,
mento da racionalização, do individualismo e da ciência,
como é o caso da superação da ordem econômica feudal para
fazia com que as ações sociais de tipo racional (com
a economia capitalista, Marx entende a religião como uma
relação a valores e com relação a fins) passassem a ser
força conservadora que contribui para manter o privilégio
predominantes em detrimento da ação social tradicional,
das classes abastadas.
que era mais comum nas religiões tradicionais, como
A famosa frase de Marx “a religião é o ópio do povo”,
o catolicismo.
presente no livro Crítica à Filosofia do Direito de Hegel
Assim, as práticas cotidianas dos protestantes buscavam (1844), resume a visão do teórico socialista acerca do
assegurar a salvação (temporal e eterna) não por meio de fenômeno religioso: assim como o ópio anestesia o corpo,
ritos, nem por uma fuga mística do mundo ou por um asce- impedindo que o indivíduo sinta dor e busque combater
tismo transcendente, mas se afirmando no mundo material sua causa, para ele, a religião anestesia a consciência dos
por intermédio do trabalho, da profissão, da inserção social. indivíduos, impedindo que eles reconheçam a dominação
Nesse contexto, os dogmas religiosos e sua interpretação a que estão submetidos e tentem lutar contra ela. Seja o
por parte dos indivíduos são componentes integrantes dessa cristianismo ou qualquer outra religião, a crença em uma
esfera transcendente faz com que os indivíduos se resignem
nova visão de mundo. Weber entende que:
às injustiças da vida material, deixando de se indignar com as
causas reais de toda injustiça: a acumulação da propriedade
[...] para os calvinistas, o controle constante da conduta privada dos meios de produção por uma classe, que submete
moral foi precondição psicológica para a instauração de um as demais à exploração do trabalho. Por isso, para Marx,
racionalismo econômico. Esse ativismo econômico puritano, a religião é um componente da ideologia que acaba por
sem dúvida, foi um poderoso fator de desenraizamento reforçar a dominação de classe.
do homem de sua conduta tradicional, que possibilitou
a formação do homem capitalista moderno. [...] Weber
conclui que haveria uma “afinidade eletiva” entre o
protestantismo ascético e o espírito do capitalismo, e seu
resultado foi a formação de uma classe de empreendedores
e homens de negócios, bem como uma classe de artesãos
e operários, para os quais o uso racional do tempo e do
SECULARIZAÇÃO E
PLURALISMO RELIGIOSO ·~·
Como já vimos, a religião cumpria uma função importante
nas sociedades tradicionais, que era justamente a de
manter a coesão social. Porém, com o desenvolvimento
trabalho, para a obtenção de lucro, consistia no fim em
das sociedades capitalistas, muito se questionou a respeito
si mesmo.
do papel da religião nesse novo contexto. De acordo com
GRACINO JÚNIOR, Paulo. alguns pensadores positivistas, como Comte e Spencer,
Dos interesses weberianos dos sociólogos da religião: a religião sofreria um paulatino processo de perda de sua
um olhar perspectivo sobre as interpretações
importância nas sociedades modernas, chegando, inclusive,
do pentecostalismo no Brasil. Horizonte,
ao seu desaparecimento. Esse processo ficou conhecido
Belo Horizonte, v. 6, n. 12, p. 69-92, jun. 2008.
como secularização.

Bernoulli Sistema de Ensino 15

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frente a módulo 08

Como você pode perceber, essa competição é fruto direto


Por secularização entendemos o processo pelo qual setores
do deslocamento da religião para a esfera privada. Como
da sociedade e da cultura são subtraídos à dominação das
afirma o próprio Berger, as religiões, de certa forma,
instituições e símbolos religiosos. Quando falamos sobre a
se tornam mercantilizadas, pois passam a buscar a
história ocidental moderna, a secularização manifesta-se na
preferência dos indivíduos, e não mais atuam de forma
retirada das Igrejas cristãs de áreas que antes estavam sob
coercitiva nas sociedades modernas. Assim, enquanto,
seu controle e influência: separação da Igreja e do Estado, nas sociedades tradicionais, as religiões detinham o
expropriação das terras da Igreja, ou emancipação da poder de legitimar o mundo exterior, na modernidade,
educação do poder eclesiástico [...]. Ela afeta a totalidade da a disputa é pela legitimidade de universos particulares,
vida cultural e da ideação e pode ser observada no declínio da subjetividade de cada indivíduo.
dos conteúdos religiosos nas artes, na filosofia, na literatura
e, sobretudo, na ascensão da ciência, como uma perspectiva A característica-chave de todas as situações pluralistas,
autônoma e inteiramente secular, do mundo. quaisquer que sejam os detalhes de seu pano de fundo
Mais ainda, subentende-se aqui que a secularização também histórico, é que os ex-monopólios religiosos não podem
tem um lado subjetivo. Assim como há uma secularização mais contar com a submissão das populações. A submissão
da sociedade e da cultura, também há uma secularização é voluntária e, assim, por definição, não é segura.
da consciência. Resulta daí que a tradição religiosa, que antigamente podia
BERGER, Peter. O dossel sagrado: ser imposta pela autoridade, agora tem que ser colocada no
elementos para uma teoria sociológica da religião. mercado. Ela tem que ser “vendida” para uma clientela que
São Paulo: Paulinas, 1985. p. 118-119. não está mais obrigada a “comprar”. Nelas as instituições
religiosas tornam-se agências de mercado e as tradições
No entanto, ao contrário do que previam os positivistas religiosas tornam-se comodidades de consumo.
e defensores do cientificismo, as religiões não foram BERGER, Peter. O dossel sagrado:
extintas com o avanço da industrialização. Dados mostram elementos para uma teoria sociológica da religião.
que o fenômeno é bem mais complexo: ao mesmo tempo São Paulo: Paulinas, 1985. p. 149
em que há um aumento do número de pessoas que se
identificam com o agnosticismo e o ateísmo, nota-se um
recrudescimento do sentimento religioso, principalmente
nas classes mais populares.
Sociólogos como Peter Berger entendem, inclusive,
que o próprio processo de secularização é o responsável
pela grande diversidade de crenças religiosas no mundo
moderno. Segundo Berger, o que acontece é, de fato, um
processo de secularização, mas que não leva à extinção
Foto: echiner1 / Creative Commons. Arte: Rubens Lima

das religiões. Esse processo ocorre de modo distinto em


diferentes esferas da sociedade e se torna uma característica
do mundo moderno.
Desse modo, podemos entender que a constituição
do Estado apresenta um processo de secularização mais
acentuado que o âmbito da família, por exemplo. Essa
situação denota um processo caro à religião no mundo atual,
que é o de sair da esfera pública e se fazer valer de modo
mais forte no âmbito privado. Se, nas sociedades tradicionais,
a religião determinava fortemente a identidade dos indivíduos
em função de sua maior presença na cultura, as sociedades Por esse motivo, um dos fenômenos que mais tem
modernas atribuem ao indivíduo a possibilidade de ele próprio chamado a atenção dos sociólogos contemporâneos
construir sua identidade, e, assim, a religião passa a se diz respeito aos novos meios utilizados pelas religiões
relacionar a questões de foro privado. para conseguir novos adeptos. Em uma era fortemente
Portanto, a religião nas sociedades modernas não tem influenciada pelos meios de comunicação de massa, muitas
o papel de unificar todos os indivíduos em torno de um religiões têm aderido às novas tecnologias de comunicação
significado religioso, o que possibilita a maior pluralidade para transmitir suas mensagens, doutrinar e ganhar novos
de crenças religiosas no mundo atual. fiéis. Seja pela transmissão ao vivo de cultos ou rituais,
Porém, por mais que a religião se torne mais importante por programas de socorro espiritual ou pelo domínio de
no âmbito privado que na esfera pública, ela não deixa canais inteiros, com transmissão de conteúdo religioso em
de gerar efeitos em toda a sociedade. Na visão de tempo integral, várias denominações religiosas disputam
Berger, o pluralismo religioso enseja uma competição um mercado de comunicação que antes estava associado
entre as religiões em busca de novos seguidores. somente aos setores comerciais e de entretenimento.

16 Coleção Filosofia / Sociologia

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religião e sociedade

Obviamente, esse fenômeno não escapa da leitura Em um mundo onde os fluxos culturais são constantes, as
realizada pela Teoria Crítica, pois ele apresenta as mesmas religiões, muitas vezes, são elementos para a defesa de um
características de qualquer outro produto da indústria cultural, ponto de vista particular da realidade, em oposição a uma
especialmente a midiatização e a espetacularização. Essa situação opressora.
relação está intimamente associada à mercantilização da Nesse caso, o fundamentalismo passa a ser o principal
fé: em um mundo capitalista e voltado para o consumo, responsável pela intolerância religiosa, que dificulta o
a fé e seus benefícios (como os milagres) muitas vezes reconhecimento da diversidade e da legitimidade de outras
são anunciados como produtos ou serviços e recebem
crenças, podendo gerar um ambiente hostil ao diálogo e
um tratamento mercadológico, incluindo investimento em
à convivência.
propaganda publicitária e garantia de satisfação.

·~·
O fundamentalismo, em geral, não é somente uma forma de
fUnDamentalismo teologia, é antes uma ideologia que se alia a interesses sociais

e Globalização e políticos de grupos identificáveis, contrários a qualquer

soCioloGia
tipo de pluralismo. O seu empenho não se limita unicamente
a preservar a fé, mas deseja transformar o mundo de tal
Ao pensarmos a relação entre cultura e religião, não
maneira que a fé possa ser mais facilmente preservada.
podemos deixar de refletir sobre o papel da religião em
Na sua manifestação mais profunda, o fundamentalismo
uma cultura globalizada como aquela em que vivemos.
não reconhece uma linha divisória entre religião e política.
Por globalização, devemos entender o estágio atual das
A religião não é concebida como algo privativo do indivíduo
sociedades modernas e pós-industriais, em que há um
tal como propicia a modernidade.
intercâmbio cada vez maior de capitais, símbolos, valores,
GARCIA RUÍZ, M. Fundamentalismo. In: MORENO VILLA,
costumes e instituições sociais, propiciado pela rapidez de
Mariano (Coord.). Dicionário de pensamento contemporâneo.
veiculação de conteúdos e imagens e pela potencialização Tradução coordenada por Honório Dalbosco.
dos contatos entre pessoas de culturas distintas. Como esse São Paulo: Paulus, 2000. p. 364.
contexto pode afetar a dinâmica das religiões?
As religiões apresentam um caráter dual em relação à Geralmente, o senso comum associa o fundamentalismo
globalização. Ao mesmo tempo em que elas podem ser religioso à religião islâmica, em razão dos eventos envolvendo
usadas como um elemento identitário, valorizando uma atentados suicidas praticados por fiéis muçulmanos nas últi-
cultura particular e servindo, inclusive, de referência para mas décadas. Nesse contexto, o atentado às Torres Gêmeas
ações políticas, podem também fazer parte de um discurso em Nova Iorque, no ano de 2001, tornou-se emblemático.
que busca expandir uma religião específica para outros O fundamentalismo, porém, não é um fenômeno exclusivo
povos e para outras culturas. Por esse motivo, são tão do mundo islâmico. As leituras radicais e intolerantes são
presentes, nos dias atuais, os discursos que remontam ao constantes em várias religiões ao redor do mundo.
fundamentalismo religioso. Em um mundo cada vez mais global, em que o mul-
O fundamentalismo consiste, basicamente, no apego ao ticulturalismo se mostra uma realidade inescapável,
cumprimento estrito e literal dos preceitos e normas contidos a intolerância religiosa é um problema de proporções
nos textos sagrados. Essa postura, também chamada de consideráveis por interferir diretamente na estabilidade
fanatismo religioso, não é recente na história da humanidade, da estrutura social. Exatamente por esse motivo, as ini-
porém tem se tornado um grande problema nas sociedades ciativas governamentais e civis têm sido intensificadas –
inclusive promovidas por muitas instituições religiosas –
contemporâneas devido ao processo de globalização.
e voltadas para a promoção de uma educação religiosa
Conforme afirma o sociólogo espanhol Manuel Castells,
que valorize o conhecimento da história das religiões,
em seu livro O Poder da Identidade (1999), quando o
as noções de cultura religiosa e o reconhecimento da
fundamentalismo toma conta do discurso religioso, entramos diversidade natural intrínseca ao universo humano,
em um âmbito em que a religião passa a ser algo muito incentivando o respeito e a tolerância para com a liberdade
maior que a possiblidade de conforto espiritual para as nesse âmbito.
imprevisibilidades da vida. Uma religião, quando tem
Uma das iniciativas atuais é a do ecumenismo: movi-
exacerbada a sua vertente fundamentalista, na realidade,
mento de integração de várias denominações cristãs, que
produz uma identidade que é utilizada para se opor a uma
busca valorizar os aspectos em comum entre elas em vez
determinada configuração social e política.
de acentuar suas divergências. Fazem parte do movimento
O fundamentalismo religioso se apresenta quando uma ecumênico brasileiro: a Igreja Católica Apostólica Romana,
orientação religiosa é utilizada para a ação direta no mundo social A Igreja Cristã Ortodoxa, a Igreja Evangélica Luterana e a
e político, não raro buscando intervenções diretas na realidade. Igreja Anglicana.

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Frente A Módulo 08

RELIGIOSIDADE,
AGNOSTICISMO E ATEÍSMO
Alguns teóricos, como o sociólogo George Simmel e
o filósofo André Comte-Sponville, fazem uma distinção
·~· BRASIL: RELIGIOSIDADE
E SINCRETISMO ·~·
Como se sabe, o Brasil surgiu da confluência entre várias
matrizes culturais, sendo as mais expressivas: a indígena,
a lusitana (portuguesa) e a africana. Cada uma delas é
interessante entre religiosidade e religião. Eles afirmam que
composta de uma grande variedade de grupos étnicos
a religiosidade corresponde a um fenômeno psíquico ligado
(especialmente as matrizes indígena e africana), cada qual
à disposição individual para a crença religiosa. Contudo,
com seu conjunto cultural, seus credos e rituais.
não necessariamente, a religiosidade está associada a
Porém, ao longo da constituição do Brasil como nação,
alguma instituição religiosa específica. Não é incomum em
a matriz de origem europeia obteve hegemonia econômica
pesquisas sobre religião pessoas se manifestarem crentes
e política e, por conseguinte, domínio cultural. Em razão
em algo sobrenatural, mas sem se identificar com algum
disso, a religião cristã católica trazida pelos portugueses
sistema de crenças ou determinada doutrina. se tornou oficial no país, congregando maior número de
Outro elemento importante ao tratar da questão religiosa fiéis. A Constituição Brasileira de 1824 estabelecia em
diz respeito ao crescimento daqueles que se proclamam seu artigo 5º: “A religião Catholica Apostolica Romana
“sem religião” ou “sem fé”. Normalmente, tais indivíduos continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras
são divididos em dois grupos: ateus e agnósticos, e, nesse religiões serão permitidas com seu culto doméstico,
ou particular em casas para isso destinadas, sem forma
contexto, é importante diferenciá-los.
alguma exterior ao Templo”. Porém, já a Constituição
O ateísmo é a postura religiosa que afirma a inexistência
Republicana de 1891 defendia que “nenhum culto ou
de um deus. Já o agnóstico – do grego gnose (conhecimento) igreja gozará de subvenção oficial, nem terá relações
mais a (partícula de negação) – considera que não é possível de dependência ou aliança com o Governo da União
que a humanidade, com o conhecimento que detém, afirme ou dos Estados”, o que foi ratificado pela Constituição
se Deus existe ou não, sendo mais adequada uma postura democrática de 1988, em que fica claro que:
cética, de suspensão do juízo. Para um agnóstico, sua vida e
seus valores não dependem da existência ou da inexistência Artigo 5º (Caput).
de Deus. IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado
o anonimato;
É interessante observar que tanto o ateísmo quanto o
agnosticismo (nem sempre as pesquisas diferenciam um do VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença
religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as
outro) tendem a ser crescentes em países com maior nível de
invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta
escolarização e alto IDH, como Suécia, Finlândia e Noruega, e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.
por exemplo. Esse número também vem crescendo no Artigo 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal
Brasil. Segundo o Censo de 2010, cerca de 8% da população e aos Municípios:
brasileira se declarou “sem religião”, contra 0,8% na década I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los,
de 1970. Mas ainda faltam dados mais específicos sobre embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou
seus representantes relações de dependência ou aliança,
qual porcentagem desse grupo equivale a ateus e agnósticos
ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.
propriamente ditos.
BRASIL. Constituição (1988).
Um dado relevante apurado pela revista Veja em 2007 Constituição [da] República Federativa do Brasil.
diz respeito à grande rejeição sofrida pelos ateus no Brasil, Brasília, DF: Senado Federal.

configurando-se como um grupo alvo de discriminação


religiosa. Segundo essa pesquisa, Apesar de a Constituição de 1891 já estabelecer as bases de
um Estado laico e secular, não há como negar que o Brasil se
[...] cerca de 84% dos brasileiros votariam em um negro para
constituiu como um país de maioria católica, e essa herança
presidente; 57%, em uma mulher; 32%, em um homossexual...
foi fundamental para definir nossa consciência coletiva e nossa
e apenas 13%, em um ateu. [...]
moral. No desenvolvimento da história da religião no Brasil,
fica evidente o sincretismo, isto é, a fusão de doutrinas de
Disponível em: <http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/ diversas origens, misturando crenças, elementos, símbolos e
os-ateus-no-brasil-e-seu-medo-de-sair-do-armario>.
ritos diversos, frequentemente contraditórios, numa mesma
Acesso em: 01 fev. 2019.
confluência religiosa polissêmica e híbrida.

18 Coleção Filosofia / Sociologia

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religião e sociedade

Catolicismo Porém, foi somente no século XX que aconteceu uma


expansão considerável de religiões protestantes, graças
O Brasil é considerado o maior país católico do mundo,
às denominações pentecostais e neopentecostais.
com cerca de 130 milhões de pessoas se autodeclarando
Esses grupos, que incluem a Igreja Universal do Reino de Deus,
fiéis ao Vaticano. Porém, apesar de ainda ser um país de a Assembleia de Deus, a Igreja do Evangelho Quadrangular,
maioria católica, é evidente o declínio quanto à proporção a Igreja Internacional da Graça e muitas outras, crescem
de fiéis nas últimas décadas: segundo o Censo em número de fiéis e em expressão política, defendendo
de 1970, 91,8% dos brasileiros eram católicos, uma visão religiosa mais espiritualista, que professa a luta
contra 64,6% em 2010. direta contra o mal, o contato pessoal com o divino e a
O catolicismo no Brasil é bastante possibilidade do milagre pela fé. Utilizando-se largamente
peculiar, pois, além dos ritos que com- dos recursos midiáticos, como rádio, TV e Internet, tais
põem o cânone e a liturgia romana oficial, grupos têm atraído muitos fiéis. Segundo o Censo de 2010,
também se agregaram muitos elementos de fé 22% da população brasileira se declarou crente de alguma
denominação protestante, e as religiões pentecostais /
popular, misticismo e sincretismo, criando uma

Rubens Lima

soCioloGia
neopentecostais, foram as que registraram as maiores taxas
forma de catolicismo que ganha contornos
de crescimento.
regionais e próprios.
Há de se considerar, por exemplo, uma grande quantidade
de indivíduos que se dizem “católicos não praticantes”,
o que pode ser considerado uma categoria paradoxal,
a
im
mas deixa entrever os modos particulares da religiosidade ben
sL
Ru
popular no Brasil.
Não há como negar a enorme influência que o catolicismo espiritismo
exerceu sobre a cultura brasileira, em função de ter sido
O espiritismo, também chamado de kardecismo por causa
a religião oficial do período colonial. Essa influência,
da importância de Allan Kardec, considerado seu fundador
que se manifesta nos costumes, nas festas populares,
no século XIX, é a terceira maior religião do país, com quase
no calendário, nos símbolos, no vocabulário e foi apropriada
4 milhões de adeptos, segundo o Censo de 2010. A doutrina
pela fé popular de modos muito diversos e ricos, revela-se
espírita abrange o segmento social mais escolarizado e de
uma questão problemática para a política, em um Estado
maior renda no país.
democrático que se proclama laico. Os limites entre religião
Tendo sido concebido como uma
e política no Brasil ainda são muito tênues.
doutrina filosófica por Allan Kardec, por
No final do século XX, surgiram movimentos pentecostais
meio de seu O livro dos espíritos, de
na Igreja Católica, dentre os quais se destaca a Renovação 1857, o espiritismo foi incorporado à
Carismática, com práticas e ritos que se assemelham aos cultura brasileira de forma ressignificada,
das igrejas evangélicas pentecostais e neopentecostais. assumindo um caráter fortemente religioso a
Lim
ns
Essa nova forma tem atraído uma grande quantidade de e místico. Nomes como Bezerra de Menezes Ru
be

fiéis, especialmente pela promessa de um contato pessoal e Chico Xavier popularizaram e difundiram a
com Deus e pelo uso intenso dos meios de comunicação crença espírita em território nacional.
de massa.

Protestantismo
Em primeiro lugar, é necessário esclarecer que “evangélico”
pode designar uma grande variedade de praticantes de
diferentes instituições protestantes. O protestantismo não
é uma instituição religiosa, mas designa uma vertente que
reliGiÕes afro-brasileiras:
CanDomblé e UmbanDa
Durante o Período Colonial e boa parte do Brasil Império,
era vetado aos africanos e a seus descendentes, trazidos na
·~·
condição de escravos, manifestar livremente suas crenças e
é composta por uma série de subgrupos que não possuem realizar seus rituais. Lutando para preservar sua identidade e
identidade e uniformidade entre si. suas crenças, como solução para esse problema, os diversos
O protestantismo clássico ou tradicional é composto grupos afrodescendentes adotavam o culto católico oficial,
por denominações que derivam diretamente da Reforma porém continuavam cultuando seus próprios deuses de
Protestante do século XVI, tendo chegado ao Brasil ainda no forma disfarçada. Essa prática de resistência e sobrevivência
Período Colonial. Incluía luteranos, anglicanos e metodistas, cultural deu origem a uma enorme e incomparável riqueza
de origem alemã e inglesa, principalmente. Ainda no século religiosa, que não se limitava a reproduzir as religiões de
XIX, o Brasil recebeu uma grande leva de protestantes de matriz africana, mas que também produzia uma cultura
denominações Batista, Presbiteriana e Episcopal. religiosa híbrida e sincrética.

Bernoulli Sistema de Ensino 19

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Frente A Módulo 08

Na segunda metade do século XIX, surgiram, em diversas europeu, matrizes afro-brasileiras, elementos new age e
cidades do Brasil, grupos organizados de escravos que xamanismo ameríndio. Antes restrita apenas à região Norte
recriavam cultos religiosos, reproduzindo não somente a do Brasil, hoje o Santo Daime já se expandiu para todo o
religião africana, mas também outros aspectos de sua cultura território nacional e até para outros países.
na África. Nascia uma religião autenticamente brasileira,
No que tange a essa questão, é interessante destacar
o candomblé, primeiramente na Bahia, posteriormente
que o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD)
no Rio de Janeiro e, por fim, pelo território nacional onde
realizou estudos sobre a ayahuasca e concluiu que seu
houvesse afrodescendentes.
uso em contexto religioso é legal perante a legislação do
O candomblé é uma religião que tem suas origens na
Brasil. Portanto, a adoção da substância para tal fim é
África, porém foi recriada pelos africanos trazidos para
regulamentada em território brasileiro.
o Brasil em condição de escravidão ao longo de mais de
trezentos anos, entre os séculos XVI e XIX. Há ainda outras religiões brasileiras, como a Barquinha e a
Esses africanos provinham das mais diferentes partes da União do Vegetal, que utilizam a bebida, de origem indígena,
África e eram de diversas etnias, porém os grupos que mais considerada sagrada por seus adeptos.
influenciaram a cultura brasileira foram os bantos, de língua Em suma, o Santo Daime, pelas suas peculiaridades de
iorubá, até o século XVIII.
formação, é um ótimo exemplo para evidenciar a dinâmica
Os grupos religiosos recriavam as relações de hierarquia, do campo religioso brasileiro. Tanto esse campo quanto a
subordinação e lealdade baseadas nos padrões familiares referida religião são sincréticos, fluídos e operam por meio
e de parentesco existentes na África, fazendo da família
de ressignificações simbólicas, justamente pela configuração
de santo uma espécie de miniatura simbólica da família
híbrida e plural da nossa cultura.
iorubá original. A mais antiga casa de candomblé, a

·~·
Casa Branca, foi fundada por volta de 1830 na cidade de
Salvador, na Bahia, por três escravas libertadas vindas O DESAFIO DA
de Kétu, Adetá, Ìyá Kalá e Ìyá Nasò, e foi chefiada pela
última. Segundo o Censo de 2010, há cerca de 167.000 TOLERÂNCIA RELIGIOSA
praticantes de candomblé no Brasil. Um dos maiores desafios que a modernidade enfrenta,
Já a umbanda é uma religião também de origem brasileira, tanto no Brasil quanto no restante do mundo, diz respeito
que mistura, de forma sincrética e heterodoxa, referências à intolerância religiosa.
do cristianismo, do espiritismo kardecista e de religiões de
O assunto é de enorme importância e foi tema, inclusive,
origem africana.
da proposta de redação do Enem em 2016. Entre os textos
As religiões de matriz africana são alvo de preconceito motivadores, destaca-se o gráfico que revela que as religiões
cultural e racial desde o período colonial, tendo sido proibida
de matriz africana, como o candomblé e a umbanda, são as
a sua manifestação em grande parte da história nacional.
que mais sofrem discriminação religiosa no Brasil.
A visão religiosa tradicional, aliada ao racismo presente
em toda nossa história, foi responsável por alimentar A intolerância religiosa é definida pela legislação bra-
um imaginário popular negativo e inverídico acerca das sileira como
religiões de matriz africana. Afetados por uma profunda
ignorância, ainda hoje são os grupos religiosos que mais [...] um conjunto de ideologias e atitudes ofensivas a crenças
sofrem discriminação e atos de violência por parte de grupos e práticas religiosas ou a quem não segue uma religião. [...]
fundamentalistas.

·~·
Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/
materias/2013/04/16/intolerancia-religiosa-e-ainda-e-
MATRIZ INDÍGENA desafio-a-convivencia-democratica>.
Acesso em: 01 fev. 2019.

Justamente pelo sincretismo, característico do Brasil,


ocorreu o surgimento de novas religiões, originalmente A intolerância configura uma ação de ódio, que fere
brasileiras, híbridas e sincréticas. O melhor exemplo para a Declaração Universal dos Direitos Humanos e viola os
tal situação é o Santo Daime. Criada em plena Floresta princípios básicos de convivência democrática e plural.
Amazônica, no início do século XX, o Santo Daime Muitas vezes, a intolerância é praticada sob pretexto de
tem por singularidade a ingestão da ayahuasca. Essa liberdade de expressão, porém é importante diferenciar
bebida é preparada a partir da combinação entre o cipó uma da outra. A crítica a dogmas ou a encaminhamentos
jagube (Banisteriopsis caapi) e as folhas de chacrona religiosos é permitida pela legislação brasileira, sustentada
(Psychotria viridis). pelas liberdades de opinião e de expressão, desde que
A configuração da doutrina do Santo Daime é diversa. não seja ofensiva, desrespeitosa nem estimule o ódio ou a
Conforme apontam pesquisadores da área como Labate violência contra algum indivíduo ou grupo. Igualmente, não
(2004), Macrae (1992) e Ramos Filho (2016), ela foi pode acontecer tratamento diferenciado ou discriminatório
edificada a partir das mais diversas ressignificações e em relação a alguém em ambiente público em razão de sua
reelaborações simbólicas entre o esoterismo e o catolicismo crença religiosa.

20 Coleção Filosofia / Sociologia

SOCPRV2_SOC.indb 20 28/02/19 09:26 AM


religião e sociedade

Restrições religiosas atingem 75% da população mundial


Uma pesquisa mundial feita em 2009 e 2010 indicou o aumento da intolerância religiosa. Segundo o Instituto Pew Research
Center, com sede nos Estados Unidos, 5,2 bilhões de pessoas (75% da população mundial) vivem em locais com restrições a crenças.
[...]
Mesmo nos países com nível moderado ou baixo de restrições, houve aumento da intolerância. Na Suíça, foi proibida a construção
de novos minaretes (torres em mesquitas). O aumento dessas restrições foi atribuído a fatores como crescimento de crimes e
violência motivada por ódio religioso.
[...]
Níveis de restrição a religiões

soCioloGia
□ baixa
baixa D mode rad a D alta ■ muito alta D sem
sem informações
informacoes
Fonte: Pew Research Center

STECK, J. Intolerância religiosa ainda é desafio à convivência democrática. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/
materias/2013/04/16/intolerancia-religiosa-e-ainda-e-desafio-a-convivencia-democratica>. Acesso em: 01 fev. 2019.

O Brasil é apontado pela pesquisa como um país com baixo grau de restrição religiosa, em razão de nossa legislação estar
associada à Declaração dos Direitos Humanos e valorizar o pluralismo religioso. Porém, isso não significa que não tenhamos
problemas com a intolerância religiosa. Práticas de perseguição, principalmente a religiões de matriz africana, herdadas do
Período Colonial, ainda persistem na atualidade.
Outro tema de discussão em nosso país diz respeito à presença majoritária do cristianismo no Estado brasileiro, seja pela
presença de símbolos religiosos em prédios públicos, seja pelas principais datas comemorativas nacionais, seja pela realização
de cultos religiosos durante sessões do Congresso. A Constituição brasileira de 1988 assegura a laicidade do Estado e garante
aos indivíduos a liberdade de crença e culto.

liberDaDe reliGiosa é Direito ConstitUCional Dos CiDaDãos


[...] A Constituição Federal serve como orientação para como esse tipo de crime não prescreve. Deste modo, os acusados podem
todos os brasileiros devem se portar: é um direito dos brasileiros ser responsabilizados independentemente da data da denúncia.
escolher o credo que mais condiz com seus valores.
[...] o que é o preconceito religioso?
Segundo o Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e É quando as pessoas são humilhadas por causa da religião que
Estatística (IBGE), existem 40 grupos religiosos no País. Naquele seguem. Em 2017, o Disque 100 recebeu 537 denúncias de intolerância
ano, 64,6% dos brasileiros se declararam católicos. Outros 22,2% religiosa. O mecanismo para registro de ocorrências funciona 24 horas
se disseram evangélicos e 2% eram espíritas. O levantamento por dia e recebe as denúncias via telefone e Internet. Quando há
ainda registrou que 0,3% eram seguidores da umbanda e do violência nessas agressões, o artigo 208 do Código Penal prevê que a
candomblé. Essa diversidade demanda que o respeito à crença pena para os condenados seja ampliada em um terço.
religiosa seja a tônica das relações sociais.

o que diz a lei sobre o que a Constituição fala


a intolerância religiosa? sobre religião?
A discriminação motivada pela religião é considerada crime no O artigo 5º da Constituição Federal, que descreve os direitos fun-
Brasil. A Lei 9.459/2007 pune com multa e até prisão de um a três damentais dos cidadãos, especifica que a liberdade de consciência
anos quem zombar ou ofender outra pessoa por causa do credo e de crença não pode ser violada. Desse modo, a lei garante que
que ela professa ou impedir e atrapalhar cerimônias religiosas. o culto religioso é livre para todos os brasileiros. Por isso, os locais
Nesses casos, não cabe sequer o pagamento de fiança para considerados sagrados para cada credo e os símbolos e elementos
que o acusado responda ao processo em liberdade. Além disso, religiosos devem ser protegidos.

Bernoulli Sistema de Ensino 21

SOCPRV2_SOC.indb 21 28/02/19 09:26 AM


Frente A Módulo 08

O que é liberdade de expressão religiosa?


É o direito de exercer livremente sua religião, em um ambiente de respeito às diversas crenças, religiões, ritos e símbolos sagrados.
Por isso, em 21 de janeiro é celebrado o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. A data marca justamente a luta para que a
expressão religiosa possa ocorrer sem qualquer tipo de constrangimento. Isso porque, nos anos 2000, a Iyalorixá Mãe Gilda morreu vítima
de um infarto, após o terreiro comandado por ela ser atacado e outros seguidores agredidos.[...]
BRASIL. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Liberdade religiosa é direito constitucional dos cidadãos.
Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/noticias/cidadania-e-inclusao/2019/01/liberdade-religiosa-e-direito-constitucional-dos-
cidadaos>. Acesso em: 18 fev. 2019.

EXERCÍCIOS ~ RESOLU~ES NO
C) A religião, na modernidade, deixou de desempenhar
um papel importante, o que refletiu a diminuição do
~ BernoulliPlay
PROPOSTOS número das igrejas, templos e santuários.
D) A crença no sobrenatural não é universal, existindo
01. (Unioeste-PR–2017) As religiões são manifestações sociais grupos sociais que não apresentam nenhuma mani-
que atuam na organização social. Suas origens remetem festação de espiritualidade.
às primeiras comunidades humanas, nas quais, por
E) A religião é chamada magia quando pratica um
meio de rituais e expressões, os homens daquela época
cerimonial coletivo.
procuravam manifestar o culto a uma ou mais divindades,
portanto, o fenômeno religioso ajuda no entendimento
das sociedades humanas. Levando-se em consideração as 03. (EBMSP–2016) O Estado Islâmico demoliu três tumbas
visões de Karl Marx, Max Weber e Emile Durkheim sobre na cidade histórica síria de Palmira, disse ontem, 4 de
religião, é incorreto afirma que setembro de 2015, o diretor de antiguidades do país,
Maamoun Abdulkarim. A informação é divulgada dias após
A) Durkheim, ao analisar os fenômenos religiosos, o grupo radical destruir templos que eram dois dos mais
percebeu que uma religião é um sistema solidário de antigos e venerados locais religiosos do Oriente Médio.
crenças e práticas relativas a coisas sagradas, isto é,
separadas, interditas, crenças e práticas que unem Nesta semana, o grupo detonou explosivos no Templo de
em uma mesma comunidade moral, chamada igreja, Bel, que tinha 2 mil anos de idade, em sua campanha para
todos aqueles que a ela aderem. destruir monumentos antigos e artefatos considerados
por eles contrários ao Islã.
B) para Durkheim, a grande característica da religião
EI destrói três tumbas históricas em Palmira.
é o seu poder de unir um determinado grupo social
Estadão Conteúdo, in A TARDE. Salvador: A TARDE,
em função de um sistema de crenças comuns. Dessa
05 set. 2015, Caderno B-9. (Adaptação).
forma, para ele, a religião não deixa de ser uma
manifestação da própria organização social, pois A violência cultural executada pelo Estado Islâmico pode
ela reflete no convívio das pessoas as crenças que ser identificada, também, no Brasil,
elas possuem.
A) na violência urbana, em que o cidadão é continuamente
C) Max Weber, ao estudar o espírito do capitalismo, assaltado por marginais que agem fora do controle
percebeu que parte do comportamento social típico dos órgãos responsáveis pela segurança da sociedade.
que ajudou no desenvolvimento daquele sistema tinha
suas origens nas práticas puritanas dos burgueses B) na ação de milícias e grupos de extermínio que
protestantes. perseguem, sem descanso, os traficantes e usuários
de drogas.
D) para Max Weber, os burgueses protestantes acredi-
tavam que o trabalho duro, a economia do dinheiro C) nos conflitos de terras que atingem povos indígenas,
e uma conduta severa diante da sociedade eram populações quilombolas e posseiros contra fazendeiros
importantes formas de servir a Deus. Essa ética pro- e grandes proprietários de terras.
testante possibilitou o desenvolvimento do espírito D) nas lutas religiosas entre católicos e protestantes pela
do capitalismo ou seus valores básicos. conquista de maior número de adeptos nas grandes
E) Karl Marx, ao escrever sobre o fenômeno da religião, cidades contemporâneas.
percebe que o Estado e a Igreja colocavam-se em E) nos ataques de extremistas e fundamentalistas reli-
polos opostos. O clero não concordava com as ações giosos a terreiros e símbolos religiosos do candomblé,
do Estado e manifestava-se em favor dos explorados expressão da religiosidade afro-brasileira.
e Marx entendeu que a Igreja servia para emancipar
as pessoas.
04. (UFU-MG–2018) Quando de longe observamos o mundo
árabe e o mundo judeu, vemos o contraste entre duas
02. (Unicentro-PR) A respeito dos estudos sociológicos sobre
religiões – a judaica, baseada no Tanakh (da qual a Torá é
religiões, é correto afirmar:
parte) e a muçulmana, baseada no Alcorão ou no Corão.
A) Quatro características são importantes para concei- Menos comum é vermos as semelhanças tal como o ritual
tuar religião: ser monoteísta, identificar preceitos de circuncisão masculina que, em ambas as religiões, se
morais, explicar as modificações do mundo e estar realiza a partir dos oito dias de vida e representa o pacto
relacionada com o sobrenatural. entre Deus e os homens.
B) As religiões envolvem um conjunto de símbolos, que Por isso, entre sistemas com diferenças, também pode
invocam sentimentos de reverência ou temor, e estão haver semelhanças e, para abarcar essa dupla realidade,
ligadas a rituais ou cerimônias. as Ciências Sociais criaram o conceito de

22 Coleção Filosofia / Sociologia

SOCPRV2_SOC.indb 22 28/02/19 09:26 AM


Religião e Sociedade

A) religiosidade como propensão particular a crenças 07. (UERJ)


divinas universais. KHAR A série histórica das religiões no Brasil
B) identidade como sistemas de diferenças culturais em %
99,7 98,9
internas. católicos ~
100
89
C) alteridade como direito particular às diferenças
95 93,5 93,1
91,8 -....83
r---... 80
universais.
D) cultura como conjuntos de sistemas simbólicos. '
73,6
64,6
'- 60

40
05. (Unesp) A República Islâmica do Irã abençoa e incentiva
.
15,4 22,2
,,,.,.
operações de troca de sexo, em nome de uma política que
considera todo cidadão não heterossexual como espírito
nascido no corpo errado. Com ao menos 50 cirurgias
por ano, o país é recordista mundial em mudança de
evangélicos
sem religião
1,0

0,1
2,6 3,4 4,0 5,2 6,6 9,0

0,5 0,6 0,6 0,8 1,9


- ~
4,7
-
7,4
,....
1872 1890 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2010
8,0
20

sexo, após a Tailândia. Oficialmente, gays não existem

SOCIOLOGIA
O censo de 2010 revelou mudanças significativas
no país. Ficou famosa a frase do presidente Mahmoud
Ahmadinejad dita a uma plateia de estudantes nos na escolha de religião pelos brasileiros, como se
EUA em 2007, de que “não há homossexuais no Irã”. pode observar no gráfico. A mudança registrada nos
A homossexualidade nem consta da lei. Mas sodomia percentuais de evangélicos para o período 1980-2010 se
é passível de execução. […] Uma transexual operada explica principalmente pelo seguinte fator:
confidenciou um sentimento amplamente compartilhado A) estímulo à migração de fiéis, institucionalizando a
em silêncio: “Não teria mutilado meu corpo se a sociedade criação de novos templos.
tivesse me aceitado do jeito que eu nasci”.
B) obrigatoriedade do ensino religioso na educação
ADGHIRNY, S. Operação antigay. básica, favorecendo a conversão.
Folha de S.Paulo, 13 jan. 2013.
C) capacitação de funções de liderança, priorizando a
O incentivo a cirurgias de troca de sexo no Irã é mo- formação superior de pastores.
tivado por
D) ampliação de práticas missionárias, mobilizando os
A) tabus sexuais decorrentes do fundamentalismo meios de comunicação de massa.
religioso hegemônico naquele país.
B) critérios de natureza científica que definem o que é 08. (UEM-PR–2015) A busca racional do lucro era um
uma “sexualidade normal”. UD3D dos aspectos essenciais do modelo que Max Weber
(1864-1920) construiu para compreender a origem
C) uma política governamental fundamentada em prin-
do capitalismo moderno. Segundo Everaldo Lorensetti
cípios liberais de cidadania.
(2006), o sociólogo alemão considerava que essa
D) influências ocidentais ocasionadas pelo processo de característica teve como uma de suas origens a ação
globalização cultural pela Internet. social dos protestantes, especialmente dos calvinistas,
E) pressões exercidas pelos movimentos sociais homos- que “tinham uma ética de vida voltada ao trabalho e
sexuais pelo direito à cirurgia. à disciplina muito forte, pois acreditavam que trabalho
e sucesso seriam indícios de que além de estarem
glorificando a Deus estariam garantindo a sua salvação”.
06. (Unioeste-PR) Por meio de seus estudos a respeito da
religião, Émile Durkheim aponta, para além dos aspectos LORENSETTI, Everaldo.
básicos de qualquer instituição social: coesão social, As teorias sociológicas na compreensão do presente.
fortalecimento social, solidariedade, etc., que In: LORENSETTI, Everaldo et al. Sociologia: ensino médio.
Curitiba: SEED-PR, 2006 p. 42.
A) toda religião, ao expressar os mais altos valores de
uma determinada sociedade, faz com que não haja A partir dessa afirmação, é correto afirmar que:
nenhuma que seja falsa.
1. Weber desmereceu a importância da religião para o
B) para ele, a religião, ao servir-se dos homens e apaziguar nascimento do capitalismo.
a sociedade, é apenas um aspecto da construção
2. Weber destacou a importância da religião para
ideológica da sociedade contemporânea.
diminuir a ânsia capitalista por lucro.
C) a religião nada mais é que um fóssil cultural, daí
4. Weber considerou que, apesar da importância da
a perpetuação da religião primitiva, o que pode
religiosidade na vida das pessoas, ela não teve
ser facilmente visto pela sua pouca ou nenhuma
influência sobre a origem do capitalismo moderno.
relevância social no mundo contemporâneo.
8. Weber destacou uma relação de influência da ética
D) seus estudos sobre religião são mínimos e pouco
da religião calvinista sobre o objetivo de acumulação
relevantes, pois seu foco foi os fenômenos sociais,
de riquezas por parte dos indivíduos nas sociedades
aos quais denominava fatos sociais.
capitalistas.
E) a religião como prática social está subordinada aos
16. Para Weber, a ética religiosa pode ter uma influência
aspectos econômicos, estes sim determinantes das
decisiva sobre a vida econômica.
ações sociais dos indivíduos e explicativos das visões
de mundo adotadas pelas sociedades. Soma ( )

Bernoulli Sistema de Ensino 23

SOCPRV2_SOC.indb 23 28/02/19 09:26 AM


frente a módulo 08

09. (UEM-PR) Considere o texto a seguir e assinale o que for


correto sobre o fenômeno religioso.
seção enem
Transe, possessão e mediunidade são fenômenos 01. (Enem–2017) Na antiga Vila de São José del Rei,
a atual cidade de Tiradentes (MG), na primeira metade
religiosos recorrentes na sociedade brasileira. No can-
do século XVIII, mais de cinco mil escravos trabalhavam
domblé, na umbanda, no espiritismo, no pentecosta- na mineração aurífera. Construíram sua capela, dedicada
lismo e em outros grupos religiosos, entidades, guias, a Nossa Senhora do Rosário. Na fachada, colocaram um
o Espírito Santo, orixás descem ou sobem, se incorpo- oratório com a imagem de São Benedito. A comunidade do
ram, se comunicam, etc. através de cavalos, aparelhos, século XVIII era organizada mediante a cor, por isso cada
ou do que costumamos denominar de indivíduo agente grupo tinha sua irmandade: a dos brancos, dos crioulos,
empírico, unidade significativa da sociedade ocidental dos mulatos, dos pardos. Em cada localidade se construía
moderna nos termos de Louis Dumont. uma igreja dedicada a Nossa Senhora do Rosário. Com a
decadência da mineração, a população negra foi levada
VELHO, Gilberto. Indivíduo e religião na cultura brasileira. para arraiais com atividades lucrativas diversas. Eles se
In: VELHO, Gilberto. Projeto e Metamorfose. foram e ficou a igreja. Mas, hoje, está sendo resgatada
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. p. 53. a festa do Rosário e o Terno de Congado.
CRUZ, L. Fé e identidade cultural. Disponível em:
1. Os sistemas de crença são construções sociais criadas <www.revistadehistoria.com.br>. Acesso em: 04 jul. 2012.
pelos indivíduos para organizar o mundo em que vivem.
Na lógica analisada, as duas festividades retomadas
2. A análise sociológica das crenças e de seus sistemas recentemente, na cidade mineira de Tiradentes, têm
de representação nos permite compreender as como propósito
ligações entre os mundos sagrado e profano. A) valorizar a cultura afrodescendente e suas tradições
religiosas.
4. As religiões e os cultos anteriormente mencionados
revelam pluralidades de técnicas corporais e visões B) retomar a veneração católica aos valores do passado
de mundo expressas por seus seguidores. colonial.
C) reunir os elementos constitutivos da história econô-
8. Por ser o Brasil um país majoritariamente católico, mica regional.
o respeito e a tolerância pelas mais diversas religiões
D) combater o preconceito contra os adeptos do catoli-
não conseguem obter amparo legal.
cismo popular.
16. Na abordagem anteriormente apresentada, o indivíduo E) produzir eventos turísticos voltados a religiões de
agente empírico é o personagem das dramatizações origem africana.
religiosas, sendo, dessa forma, o sujeito da investigação
sociológica.
02. (Enem–2017) Pude entender o discurso do cacique Aniceto,
na assembleia dos bispos, padres e missionários, em
Soma ( ) que exigia nada mais, nada menos que os índios fossem
batizados. Contestava a pastoral da Igreja, de não interferir
10. (UEM-PR–2016) “Os romeiros sobem a ladeira / cheia nos costumes tribais, evitando missas e batizados. Para
9S2T de espinhos, cheia de pedras, / sobem a ladeira que Aniceto, o batismo aparecia como sinal do branco, que dava
leva a Deus / e vão deixando culpas no caminho / [...] / reconhecimento de cristão, isto é, de humano, ao índio.
Os romeiros pedem com os olhos,/ pedem com a boca, MARTINS, J. S. A chegada do estranho.
pedem com as mãos. / Jesus já cansado de tanto São Paulo: Hucitec, 1993 (Adaptação).
pedido / dorme sonhando com outra humanidade.” O objetivo do posicionamento do cacique xavante em
relação ao sistema religioso externo às tribos era
ANDRADE, C. D. de. Antologia poética.
São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 58-59. A) flexibilizar a crença católica e seus rituais como forma
de evolução cultural.
Sobre a forma como a sociologia entende o tema da B) acatar a cosmologia cristã e suas divindades como
religião, é correto afirmar que: orientação ideológica legítima.
1. Os rituais e cerimônias são acontecimentos centrais C) incorporar a religiosidade dominante e seus sacra-
na constituição de um sistema religioso. mentos como estratégia de aceitação social.
D) prevenir retaliações de grupos missionários como
2. A expressão de devoção religiosa envolve tanto um
defesa de práticas religiosas sincréticas.
estado subjetivo de manifestação da fé quanto um
certo padrão de demonstração coletiva e comparti- E) reorganizar os comportamentos tribais como instru-
mento de resistência da comunidade indígena.
lhada de sentimentos.
4. Os pedidos feitos pelos fiéis a seus santos de devoção
podem ser vistos como o estabelecimento de alianças
de trocas simbólicas entre o mundo profano e o
Gabarito meu aproveitamento
mundo sagrado. Propostos acertei ______ errei ______
•0 01. E •
0 06. A
8. A Constituição Brasileira assegura a liberdade de
•0 02. B •
0 07. D
•0 •0
consciência e de crença religiosa. Tal direito pressupõe,
portanto, a liberdade de não ter crença religiosa, 03. E 08. Soma= 24
ou seja, de ser ateu ou agnóstico. •0 04. D •0 09. Soma = 23

16. A religião é uma manifestação natural do comporta-


•0 05. A •0 10. Soma = 15

mento humano, um fenômeno de caráter individual e seção enem acertei ______ errei ______
espiritual, cuja investigação científica somente pode
ser alcançada por meio da teologia.
•0 01. A •0 02. C

Soma ( ) total dos meus acertos: _____ de _____ . ______ %

24 Coleção Filosofia / Sociologia

SOCPRV2_SOC.indb 24 28/02/19 09:26 AM


FRENTE MÓDULO

SOCIOLOGIA a 09
estado moderno,
Democracia e sociedade Civil
o ConCeito De PoDer
·~·
O tema deste capítulo é o estudo do Estado, da Democracia
e da sociedade civil, por isso iniciaremos nosso percurso
pela definição do que é poder, tratando, também, de sua
influência nas relações sociais, especialmente naquelas de
O filósofo Michel Foucault (1926-1984) foi muito
importante por demonstrar como o poder macropolítico
(configurado no Estado) se ramifica e é exercido em
dimensões menores, cotidianas, aparentemente inofensivas.
É o que ele chama de microfísica do poder. Mesmo ações
diárias que aparentemente são destituídas de qualquer
conotação política, acabam por reforçar no nível micro
cunho político. Nesse sentido, tem poder quem (podemos
as relações de dominação encontradas no nível macro,
nos referir a pessoas, grupos sociais, objetos ou fenômenos
reatualizando as estruturas de controle sobre os indivíduos.
naturais) possui a capacidade ou a possibilidade de agir e,
por meio de sua ação, produzir efeitos. Neste capítulo, o tipo de poder que nos interessa em
nossos estudos é o poder político e, portanto, cabe a nós
Porém, conhecer o significado de poder em termos
compreender quais são as bases sociais em que se fundaram
sociais, além do fato de nos remeter à capacidade de
o poder dos Estados e como o advento deste propiciou o
ação, auxilia-nos a compreender a competência que
surgimento da sociedade civil.
certos indivíduos ou grupos possuem para determinar o
comportamento de outros indivíduos. Assim, a noção de Podemos considerar o Estado como uma instituição que
poder social nos faz pensar que os sujeitos não são apenas detém o domínio sobre uma determinada comunidade
portadores da capacidade de agir, mas, também, sofrem política e um território específico, por meio do uso legítimo da
violência e da coerção. Mas, para que a relação de dominação
a ação decorrente dessa capacidade.
seja, de fato, estabelecida, é necessário que os indivíduos
Nesse sentido, o poder é um fenômeno que se manifesta reconheçam o poder do Estado.
de forma relacional, ou seja, para que exista uma relação de
Nesse sentido, a principal formulação sociológica a respeito
poder, temos de ter, de um lado, indivíduos ou grupos que
do poder e de sua legitimidade foi proposta por Max Weber
exercem o domínio, e, do outro, grupos ou indivíduos que
(1864-1920). Para Weber, ao longo da história, a legitimidade
recebem esse domínio ou são induzidos a se comportar de
e o reconhecimento do poder por parte dos indivíduos se
acordo com a vontade daqueles que desempenham papéis
basearam em três tipos específicos: o poder tradicional,
de dominação. Logo, o poder não é algo que se possui como
que era aquele exercido pelos senhores feudais, calcado nos
se fosse um objeto, mas um fenômeno que ocorre e se
costumes e nas tradições das sociedades do período medieval;
estabelece dentro das relações sociais.
o poder carismático, que designa o papel de dominação
Outro aspecto de suma importância para compreendermos àqueles que possuem dons específicos e extraordinários,
as relações de poder é atentarmos para o contexto em que conferindo a tais indivíduos uma aura messiânica; e, por fim,
estas são estabelecidas, pois, em cada esfera social, o poder o poder racional-legal, que é característico dos Estados
se manifesta de uma maneira distinta. O poder de um chefe de Modernos, por ser pautado em um estatuto legal, fundado em
família, do gerente de algum setor comercial ou de um professor, regras racionalmente estabelecidas, o que leva os indivíduos
por exemplo, só faz sentido dentro de um contexto específico. a obedecerem a tais normas.
Creative Commons / Ilustrações: Rubens Lima / David Liuzzo /
Fotos: Vicente Villamón / Dallas Epperson / Ron Cogswell /

U.S. Government / Domínio Público

SOCPRV2_SOC.indb 25 28/02/19 09:26 AM


Frente A Módulo 09

Em função de ter o seu poder fundado na lei, o Estado Desse modo, a figura do Estado como regulador da vida
assume, na modernidade, a concepção de instituição política social não foi a única preocupação dos contratualistas, que
fundamental. Para Max Weber, são duas as principais também refletiram a respeito da constituição da chamada
características dos Estados Modernos: a territorialidade e o sociedade civil. De acordo com tal corrente, o surgimento
monopólio da violência legítima. do Estado implica a separação entre o Estado e a sociedade,
uma vez que passam a coexistir duas esferas sociais: a esfera
[…] a violência não é o único instrumento de que se vale o política e a esfera civil. A primeira é formada pelas instituições
Estado – não se tenha a respeito qualquer dúvida –, mas é estatais que garantem seu poder soberano. Já a sociedade
o seu instrumento específico. Na atualidade, a relação entre civil seria o fundamento da vida social.
o Estado e a violência é particularmente íntima. […] nos
Thomas Hobbes (1588-1679), em Leviatã (1651),
dias de hoje devemos conceber o Estado contemporâneo
como uma comunidade humana que, dentro dos limites de entendia que os seres humanos nasciam portadores de direitos
determinado território, reivindica o monopólio do uso legítimo inatos, independentes dos direitos positivos (instituídos por um
da violência física. Estado). Além de proteger esses direitos, o Estado deve, para
Hobbes, mediar os conflitos entre os indivíduos para evitar
WEBER, Max. Ciência e Política: duas vocações. Tradução
de Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2001, p. 60. o retorno à barbárie. Para o filósofo inglês, o poder estatal
deveria estar sob o controle de uma pessoa, que se valeria
da violência para defender a boa convivência na sociedade.
Desde a Antiguidade, com a formação dos Impérios,
Logo, o Estado, em Hobbes, tem uma concepção absolutista,
o Estado se apresenta como uma instituição que demonstra
sendo a sociedade civil subordinada ao poder estatal.
a maneira pela qual a distribuição do poder dentro de uma
comunidade política acontece. No entanto, não se pode John Locke (1632-1704) é um dos pais do liberalismo
negar que, a partir do Iluminismo, o Estado, além de ser político, cujo pilar é a ideia da propriedade privada como
uma evidência histórica, passou a ser considerado como um direito natural do ser humano. A liberdade do estado
um resultado da racionalidade humana em controlar os de natureza, para Locke, ameaçaria a propriedade privada
meios de distribuição do poder no seio de determinada porque não haveria regulação para as ações individuais. Por
sociedade. Por esse motivo, o Estado passou a fazer parte isso, era necessário um Estado que garantisse a plenitude
das reflexões filosóficas, especialmente entre os chamados dos direitos individuais.
filósofos contratualistas, que buscavam compreender os Ao contrário de Hobbes, Locke defendia uma república de
fundamentos do poder do Estado. base democrática, em que os governantes fossem eleitos
Consolidado o modo de produção capitalista, a figura do pela sociedade civil. Esta última seria formada por homens
Estado se modificou, uma vez que novas esferas sociais, como livres, contudo poderiam se manifestar apenas aqueles que
a Nação e a sociedade civil, passaram a controlar a atividade detivessem uma propriedade privada. Logo, temos, em
do Estado com o fim do Estado Absolutista. No que se refere Locke, uma concepção liberal dos direitos.
a tal contexto, a seguir, estudaremos mais detidamente o Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) adotava uma
percurso histórico das transformações que permearam a posição diferente das de Locke e Hobbes. Para ele, o estado
relação entre Estado e sociedade civil. de natureza era uma circunstância positiva. Mas, uma vez
que a sociedade havia corrompido os indivíduos, tornando-

O CONTRATO SOCIAL -os desiguais entre si, somente o contrato social poderia

E A CONSTITUIÇÃO
DA SOCIEDADE CIVIL ·~·
A gênese dos Estados Nacionais se deu com a crise do
feudalismo durante o século XVI, e, desde então, vários
devolver-lhes a liberdade. Logo, o poder do estado seria a
representação da vontade geral, que diz respeito ao interesse
comum, enquanto a vontade de todos se refere ao interesse
privado. Portanto, a voz do povo se faz ouvir por intermédio
da vontade geral, que se materializa nas leis.
Portanto, podemos concluir que o conceito de sociedade
pensadores se dedicaram a refletir sobre a legitimidade civil, em seus primórdios, representa uma oposição ao estado
dessa instituição que surgiu para regular politicamente as de natureza, e, nesse sentido, o termo sociedade civil recobre
sociedades modernas. Durante o processo de constituição tanto a noção de uma sociedade civilizada, que teria superado
dos Estados Nacionais, as teorias mais influentes sobre a o estado da barbárie, como a de sociedade política, que
origem do Estado foram aquelas do chamado contrato social. indicaria a submissão dos cidadãos aos poderes do Estado.
Entre os principais pensadores contratualistas, podemos Uma visão completamente distinta daquela proposta pelos
citar Hobbes, Locke e Rousseau, que entendiam as sociedades contratualistas é a noção de sociedade civil em G. Hegel
humanas a partir da dicotomia estado de natureza versus (1770-1831). Se, para os contratualistas, o Estado é fruto
estado de sociedade. Olhando-se por esse prisma, temos, de um consenso entre os indivíduos, para Hegel, o Estado é
de um lado, a oposição de um modo de vida em que os o resultado do alto grau de racionalidade atingido pelo ser
indivíduos são governados por seus instintos em busca da humano. Assim, o Estado é o instrumento máximo de coesão
satisfação de suas necessidades, e, do outro, um modo de social, por meio do qual os indivíduos adquirem a possibilidade
vida em que os sujeitos, por meio de um “contrato”, abrem de constituir uma sociedade política que, por sua vez, é um
mão de suas liberdades para serem protegidos pelo Estado. estágio de agrupamento social superior à sociedade civil.

26 Coleção Filosofia / Sociologia

PRV2_SOC_A9.indd 26 15/03/19 16:02


estado moderno, Democracia e sociedade Civil

. . -.-..... , ..." .......


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+- ------------- ---1 -- os - INDIVfDuos;- contrato social.

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HEG'EL
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soCioloGia
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Rubens Lima
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O que os contratualistas entendiam como uma dualidade


entre estado de natureza e estado de sociedade é visto por
Hegel como uma dualidade entre sociedade civil e sociedade
política. A sociedade civil, para Hegel, é o espaço próprio da
anarquia e da luta por satisfação das necessidades pessoais.
Por esse motivo, o Estado deve existir na concepção hegeliana
para conter a anarquia da sociedade civil, representando, dessa
a formação
Dos estaDos naCionais
No processo de transição entre a Idade Média, marcada
pelo modo de produção feudal, para a Era Moderna, marcada
pelo desenvolvimento e consolidação do sistema capitalista,
·~·
forma, a submissão dos interesses gerais aos particulares, temos o surgimento da primeira forma de Estado Moderno,
trazendo, assim, a liberdade aos indivíduos. Portanto, para que é o Estado Absolutista. O Estado Absolutista surge,
haver estabilidade social, segundo a concepção de Hegel, então, como um contraponto à fragmentação política do
é necessário que a sociedade civil, na condição de um estágio Período Medieval, em que cada feudo tinha seu próprio
prévio do Estado, legitime o poder deste. governo. Nesse formato de Estado, o poder se concentrava
nas mãos de um monarca, que o exercia sem o controle de
Como pudemos notar até o momento, a noção de sociedade
nenhuma outra esfera de poder.
civil surgiu com a modernidade europeia. Na Grécia Antiga,
por exemplo, a pólis era, ao mesmo tempo, uma comunidade Assim sendo, no início do desenvolvimento capitalista, não
civil e política. O grande vetor de transformações sociais a apenas as relações feudais de trabalho coexistiam com o
partir da modernidade europeia foi o desenvolvimento do trabalho assalariado ainda incipiente, como também o Estado
capitalismo, em especial o estabelecimento do mercado Absolutista ainda contava com um segmento social dirigente
como um novo espaço para a interação social. O mercado que se constituiu no modo de produção feudal. Logo, também
de bens colocava os indivíduos em várias redes de interação, no âmbito do Estado, era possível enxergar a dualidade entre
dinamizando as relações entre eles, sendo estas coordenadas estruturas feudais e modernas, uma vez que, ainda que fosse
por leis unificadas pelos Estados Nacionais. comandado por dirigentes provenientes do Período Feudal,
o Estado Absolutista já apresentava algumas características
Assim, o dinamismo conferido pelo mercado se explicava
típicas de um Estado Moderno. Sobre esse processo, podemos
pelo fato de que a vida social deixava de ter como único
dizer que:
fundamento os desígnios dos governantes, fossem eles
chefes de um clã, príncipes, reis, entre outras autoridades
As monarquias absolutas introduziram exércitos regulares,
políticas. Além do desenvolvimento da sociedade civil,
uma burocracia permanente, o sistema tributário nacional,
o capitalismo também foi importante para a consolidação
a codificação do direito e os primórdios de um mercado unificado.
do Estado-nação, conforme veremos ainda neste capítulo.

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Frente A Módulo 09

Todas estas características parecem ser eminentemente capitalistas. Uma vez que elas coincidem com o desaparecimento da
servidão, [...] a propriedade agrária aristocrática impedia um mercado livre na terra e a mobilidade efetiva do elemento humano –
em outras palavras, enquanto o trabalho não foi separado de suas condições sociais de existência para se transformar em “força
de trabalho” –, as relações de produção rural permaneciam feudais.
Com a comutação generalizada das obrigações, transformadas em rendas monetárias, a unidade celular de opressão política e econômica
do campesinato foi gravemente debilitada e ameaçada a dissolução (o final desse processo foi o “trabalho livre” e o “contrato salarial”).
O poder de classe dos senhores feudais estava assim diretamente em risco com o desaparecimento gradual da servidão. O resultado disso
foi um deslocamento da coerção político-legal no sentido ascendente, de uma cúpula centralizada e militarizada – o Estado Absolutista.
ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado Absolutista. 3. ed. 1ª reimpressão.
São Paulo: Brasiliense. 1998, p. 17-19.

O período de transição entre o feudalismo e o capitalismo não foi importante apenas em termos políticos com a centralização
do poder nas mãos do Estado Absolutista. De acordo com o sociólogo alemão Norbert Elias, no aspecto social, a formação dos
Estados Nacionais foi importante por desencadear um processo civilizador que mudou por completo os modos e os costumes
das pessoas durante esse período.
Com a ascensão econômica da burguesia, os membros dessa classe passaram a comprar títulos nobiliárquicos em
busca do prestígio social. Desse modo, burguesia e nobreza passaram a ter um convívio social mais próximo, fazendo
com que aqueles incorporassem uma série de preceitos e costumes considerados refinados para se equipararem,
em termos de prestígio social, aos nobres.
Esse controle das condutas comportamentais aos poucos foi sendo disseminado pelo tecido social, se transformando
em estruturas psicológicas que moldavam o comportamento dos indivíduos, evitando as pulsões individuais e reprimindo
comportamentos que eram considerados inadequados. Portanto, para Elias, juntamente com a centralização do poder estatal,
o controle sobre os princípios de conduta individual foi algo que também não escapou ao processo de racionalização que
marca o mundo moderno.

Com a divisão de funções, aumentou a produtividade do trabalho. A maior produtividade era precondição para a elevação dos
padrões de vida de classes que cresciam em número; com a divisão de funções, acentuou-se a dependência das classes superiores;
e só num estágio muito adiantado dessa divisão de funções que, finalmente, tornou-se possível a formação de monopólios mais
estáveis de força física e tributação, dotados de administrações altamente especializadas, isto é, a formação de Estados no sentido
ocidental da palavra, através dos quais a vida do indivíduo ganhou, aos poucos, maior “segurança”. O aumento da divisão de
funções, porém, colocou também maior número de pessoas, e áreas habitadas sempre maiores, em dependência recíproca, exigiu
e instilou maior contenção no indivíduo, controle mais rigoroso de suas paixões e conduta, e determinou uma regulação mais
estrita das emoções e – a partir de determinado estágio – um autocontrole ainda maior.
ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Formação do Estado e da Civilização.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993, p. 256.

Max Weber também identificou na racionalização uma característica do processo de modernização do Ocidente e,
consequentemente, um elemento importante na formação dos Estados Modernos. O Estado Moderno passou, então,
a se pautar e ser regulado por leis, e a funcionar com o auxílio de um aparato de funcionários especializados, como militares,
políticos e servidores, o que Weber definiu como burocracia. Sendo assim, o Estado Moderno é, ao mesmo tempo, uma instituição
organizacional que legisla e tributa os membros de uma sociedade e uma instituição normativa, pois também é o próprio
ordenamento jurídico que garante as leis que cria.
Além dos aspectos sociais e políticos, é importante nos atentarmos para os aspectos culturais que contribuíram para a
formação dos Estados Nacionais. O Estado Moderno, inclusive o absolutista, apresenta-se como uma construção artificial, em
que um povo, unido por um sistema cultural em comum e ocupando um determinado território, organiza-se para legitimar
um centro de poder que rege a vida social. A reunião desses elementos deu origem ao Estado-nação.
Por Estado-nação, devemos entender que se trata de uma unidade político-territorial, na qual os membros compartilham
uma história comum, organizada politicamente para a realização de objetivos, como a manutenção interna da ordem,
segurança em relação a perigos externos, busca pelo desenvolvimento econômico, autonomia nacional, entre outros.
Os Estados-nação são, portanto, organizações políticas típicas do sistema capitalista.
A consolidação do sistema capitalista foi importante para o desenvolvimento dos Estados-nação, uma vez que, a partir
do momento em que os territórios europeus passaram a ser delimitados por fronteiras fixas, os Estados, na condição de
organizações burocráticas e sistemas normativo-jurídicos, puderam implementar políticas que favorecessem o crescimento
das burguesias industriais por meio do avanço tecnológico, além de tal definição territorial ter contribuído para a criação de
um mercado consumidor interno.

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Estado Moderno, Democracia e Sociedade Civil

O Estado Absolutista e o Estado-nação possuem di-


ferenças que são importantes salientarmos em termos
sociológicos. Enquanto o Estado Absolutista se preocu-
pava primordialmente em cobrar impostos para a sua
manutenção, não desenvolvendo políticas específicas de
integração econômica e cultural, a questão fundamental
para os Estados-nação seria o seu papel na competição
A CONSTITUIÇÃO
DO ESTADO LIBERAL ·~·
O embate entre burguesia e aristocracia na busca pelo
poder político rendeu ao mundo três revoluções que ficaram
conhecidas como revoluções liberais. A Revolução Gloriosa
internacional, não apenas no quesito econômico, mas na Inglaterra (1688), a Revolução Americana nos Estados
também no contexto militar, mediante o aumento de seu Unidos (1776) e a Revolução Francesa (1789) tinham em
poderio em outros territórios. comum a luta para que o Estado garantisse os direitos
Por esse motivo, a busca por uma unificação cultural em individuais dos cidadãos, o que significava a limitação do
seus territórios é uma característica importante dos Estados- poder estatal.
-nação. Essa busca se dá, por exemplo, por meio da adoção Assim, o Estado Liberal surge com o declínio do modelo
de uma língua comum, bem como de uma educação que

SOCIOLOGIA
absolutista de Estado, tendo como características funda-
garanta a expansão de um universo simbólico partilhado mentais a consolidação dos direitos civis e políticos. Esse
por toda a população. processo de consolidação de tais direitos foi consequência
Além disso, o desenvolvimento do sistema capitalista da submissão das monarquias absolutistas à Constituição
passou a exigir dos governos uma maior condução do e, também, da extensão dos direitos de votar. Nessa nova
desenvolvimento econômico por meio de políticas que configuração, o rei era controlado pelo parlamento, que era
estimulassem tal desenvolvimento, como a estabilidade controlado por meio de mecanismos democráticos.
de preços em um mercado específico e políticas industriais
O Estado Liberal surge, então, da limitação dos poderes
que favorecessem as empresas nacionais. Assim, o Estado
que o Estado detinha no período do absolutismo. Essa
Absolutista foi, aos poucos, dando espaço para outra forma
limitação não se deu apenas na questão do poder do Estado
de Estado, o Estado Liberal.
sobre a sociedade, mas, também, na própria concepção
de quais seriam suas funções. Se o Estado agora deveria
estar submetido à Constituição, suas funções de legislar,
AS CULTURAS NACIONAIS tributar e julgar também deveriam estar em mãos de órgãos

COMO COMUNIDADES estatais separados, interdependentes e com poderes de


fiscalização mútua.
IMAGINADAS Ao fim das revoluções liberais, em especial a Revolução
Francesa e a Revolução Gloriosa, que ocorreram em solo
No mundo moderno, as culturas nacionais em que nascemos se
europeu, a temática da liberdade se tornou um importante
constituem em uma das principais fontes de identidade cultural.
Ao nos definirmos, algumas vezes dizemos que somos ingleses
ideal político das sociedades europeias a partir do século
ou galeses ou indianos ou jamaicanos. Obviamente, ao fazer XVIII. O ideal de liberdade se adequava ao pensamento
isso estamos falando de forma metafórica. Essas identidades não burguês da época, uma vez que o prestígio social dessa
estão literalmente impressas em nossos genes. Entretanto, nós classe se pautava no acúmulo material proporcionado pelo
efetivamente pensamos nelas como se fossem parte de nossa sucesso no comércio e no âmbito industrial, por meio da
natureza essencial.
iniciativa individual dessa classe emergente. Logo, o ideário
[...]
de liberdade e igualdade dizia mais sobre os interesses da
As culturas nacionais são uma forma distintivamente moderna. burguesia do que propriamente da sociedade de modo geral.
A lealdade e a identificação que, numa era pré-moderna ou em
sociedades mais tradicionais, eram dadas à tribo, ao povo, à religião Por esse motivo, o Estado Liberal recebeu fortes críticas de
e à região, foram transferidas, gradualmente, nas sociedades Karl Marx. Para Marx, o Estado Liberal nada mais é do que
ocidentais, à cultura nacional. a expressão de um estado burguês, tendo como principal
[...] ideal a manutenção dos privilégios dessa classe. Segundo
A formação de uma cultura nacional contribuiu para criar Marx, as normas jurídicas, bem como as forças militares
padrões de alfabetização universais, generalizou uma única língua empregadas para manter a ordem social, somente existem
vernácula como o meio dominante de comunicação em toda para garantir o domínio burguês na sociedade.
a Nação, criou uma cultura homogênea e manteve instituições
O Estado Liberal que se formou no contexto capitalista é
culturais nacionais, como, por exemplo, um sistema educacional
nacional. Dessa e de outras formas, a cultura nacional se tornou a expressão das relações entre dominantes e dominados,
uma característica-chave da industrialização e um dispositivo que se estabelece nas interações sociais e, na concepção
da modernidade. marxiana, nas econômicas. Por esse motivo, ao contrário dos
STUART, Hall. contratualistas, Marx não considera a sociedade civil como
As culturas nacionais como comunidades imaginadas. uma esfera separada do Estado, visto que toda a formação
In: A identidade cultural na pós-modernidade. do Estado é reflexo da luta de classes que se dá no âmbito
São Paulo: DP&A Editora, 2003. p. 47-48.
da sociedade.

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Frente A Módulo 09

Logo, de acordo com Marx, o Estado não representa uma Um dos pensadores contemporâneos que mais contribuiu
instituição social que se sobrepõe e supera a sociedade civil, para o desenvolvimento atual do conceito de sociedade
ao contrário, o Estado Liberal é um reflexo das relações civil é o alemão Jürgen Habermas (1929-). Em sua
sociais estabelecidas na sociedade civil. Na concepção do teoria da ação comunicativa, Habermas sugere que,
em vez do trabalho, tal qual ocorre na teoria de Karl Marx,
filósofo, pensar que o Estado seria uma instituição social,
a interação simbólica e a comunicação interpessoal são as
com uma lógica interna própria de funcionamento, tal qual
responsáveis pela construção do ser social e do mundo que
pensavam os filósofos contratualistas, contribuiria para
nos rodeia. Nesse sentido, Habermas entende que lançar o
esconder os mecanismos da dominação social. foco de toda a capacidade de transformação do ser humano
Desse modo, o que a postura liberal entende como algo apenas no trabalho seria desconsiderar o espaço das
natural do ser humano acaba por ignorar a construção relações humanas, o que Habermas chama de “mundo da
histórica das desigualdades, as quais ficam cada vez mais vida”, e se configura como o locus da elaboração simbólica
explícitas com o desenvolvimento e a consolidação do e intelectual da existência humana. Assim, as interações
humanas, uma vez baseadas em nossa capacidade de
sistema capitalista. Porém, novas formas de compreender
comunicação, seriam um espaço propício à elaboração de
a sociedade civil já foram propostas, tentando, justamente,
consensos, inclusive políticos. Tais consensos, na visão de
adequar melhor os conceitos apresentados por Hegel, Marx e
Habermas, são fundamentais para que a sociedade civil não
também pelos contratualistas. seja “colonizada” pelo mercado ou pelo governo.
Andrew Arato (1944-) e Jean Cohen (1946-),
A forma de intercâmbio, condicionada pelas forças de produção dois pensadores contemporâneos, complementam essa
existentes em todas as fases históricas anteriores e que, por perspectiva de Habermas quando elaboram uma definição
sua vez, as condiciona, é a sociedade civil [...]. A sociedade mais atual para o conceito de sociedade civil. De acordo com
civil abrange todo intercâmbio material dos indivíduos, no Habermas, a sociedade civil tem que se defender do domínio
interior de uma fase determinada de desenvolvimento das do mercado e dos governantes. Cohen e Arato entendem
forças produtivas. Abrange toda a vida comercial e industrial que a sociedade civil não apenas deve se resguardar do
de uma dada fase e, neste sentido, ultrapassa o Estado e a controle exercido por tais esferas, como também saber
nação, se bem que, por outro lado, deve se fazer valer frente propor alternativas e novas visões a respeito de suas
ao exterior como nacionalidade e organizar-se no interior demandas políticas.
como Estado. A sociedade civil aparece no século XVIII,
Nesse sentido, a sociedade civil, na concepção de Arato
quando as relações de propriedade já se tinham desprendido
e Cohen, é o espaço em que movimentos civis e outras
da comunidade antiga e medieval. A sociedade civil, como
instituições se organizam para que nem os interesses do
tal, desenvolve-se apenas com a burguesia; entretanto,
capital se sobreponham aos interesses da comunidade, nem
a organização social que se desenvolve imediatamente a partir
desmandos governamentais possam ocorrer. Com relação
da produção e do intercâmbio e que forma em todas as épocas
a isso, considera-se também o fato de ser a sociedade
a base do Estado e do resto da superestrutura idealista foi
civil o espaço em que os indivíduos se organizam em torno
sempre designada, invariavelmente, com o mesmo nome.
de interesses comuns. Como exemplo, podemos citar o
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã – caso das ONGs (Organizações não governamentais), que
Feuerbach. Trad. Carlos Bruni e Marco Aurélio Nogueira.
são associações formalmente organizadas que atuam
5 ed. São Paulo: HUCITEC, 1986, p. 52-53.
especialmente no âmbito das políticas públicas, buscando
atender a determinadas carências sociais. As ONGs são
O CONCEITO DE SOCIEDADE
CIVIL NA ATUALIDADE
Neste capítulo, foi possível compreender como as
noções de Estado e sociedade civil se encontram inter-
-relacionadas no pensamento social. Assim, vimos que,
·~· calcadas, principalmente, em suas capacidades comunicativas,
não apenas para congregar seus membros, mas também para
conseguir veicular suas reivindicações. Assim, a sociedade
civil é o espaço no qual se dá a ação política sem a mediação
de órgãos institucionais, como os partidos políticos.
A sociedade civil, em uma perspectiva atual, se configura
como uma esfera em um modelo triádico de sociedade,
entre os contratualistas, a sociedade civil é entendida como ao lado do mercado e do Estado. Por esse motivo,
um âmbito oposto ao do estado natural, enquanto Hegel a sociedade civil e as associações nela constituídas são
a entendia como um estágio anterior à sociedade política. também conhecidas como Terceiro Setor. O importante é
entendermos que a sociedade civil constitui um âmbito da
Com o desenvolvimento do sistema capitalista e a crescente
vida moderna, ligado à vida associativa, aos movimentos
participação dos mercados na vida social, fez-se necessário
sociais que não se opõem ao mercado e ao mundo da
conhecer melhor o modo como a sociedade civil é entendida
política. Desse modo, a sociedade civil busca evitar que
nesse contexto atual, no qual o processo de globalização, por qualquer uma dessas esferas a domine, configurando-se,
meio do atual estágio do capitalismo, faz com que os mercados também, como um espaço de proposição de alternativas
sejam uma esfera social que exerce bastante influência, tanto à exploração capitalista e à negligência, ou omissão,
nas decisões políticas quanto na vida das pessoas. dos governos em determinados aspectos.

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Estado Moderno, Democracia e Sociedade Civil

Porém, é importante reforçar que a sociedade civil não Em termos políticos, a busca pela maior liberdade indi-
é homogênea e harmônica. Ao contrário, dentro do que vidual criou o espaço necessário para que as revoluções
chamamos de “povo” ou “nação” há uma enormidade liberais se tornassem elementos de grande importância
de subgrupos, classes, segmentos heterogêneos, com para compreendermos não apenas a formação dos Estados
diferentes configurações, interesses e entendimentos sobre o Modernos, como também a própria noção de democracia.
que é o “bem comum”. Há que se cuidar para que a expressão A superação do Estado Absolutista na Europa é uma conse-
sociedade civil não seja usada como uma generalização quência direta da Revolução Gloriosa na Inglaterra (1688),
abstrata que apaga e invisibiliza as diferenças e os conflitos que, além de proclamar a Bill Of Rights, que defendia a
presentes na vida social. liberdade individual frente aos desmandos dos governantes,

·~·
também submeteu o poder dos reis à Constituição.
Democracia Outro importante aspecto dessas transformações foi o fato
de a Revolução Francesa (1789) institucionalizar o chamado
e Estado moderno Estado de Direito Liberal, que se tornou a primeira forma de
Estado capitalista. Devemos entender Estado como a estrutura
A democracia ateniense antiga

SOCIOLOGIA
política e jurídica de uma sociedade, e, nesse sentido, o Estado
A palavra democracia surgiu na fase clássica da antiga Liberal tornou objetivas as novas relações sociais e econômicas,
Atenas, por volta do século V a.C. O termo grego reúne advindas da ascensão da burguesia com seu poderio econômico
as palavras kratia – “poder”, “autoridade” ou “governo” – e a perda de influência da nobreza. Nesse sentido, os direitos a
e demos – “povo” ou “muitos” –, sendo normalmente serem assegurados pelo nascente Estado Liberal deveriam ser
traduzido como “governo do povo”, “governo de muitos” aqueles que garantissem a manutenção da ordem burguesa:
ou, ainda, “governo da maioria”. Dessa forma, a democracia a defesa da liberdade para expansão dos negócios e a igualdade
se opunha às duas formas de governo mais comuns na jurídica de modo que todos os indivíduos fossem equiparados
Antiguidade: a monarquia / tirania, que consiste no perante a lei, visando, principalmente, que a aristocracia, ainda
poder de um só sobre todos, e a oligarquia / aristocracia, detentora do poder político, não excedesse em suas imposições
governo de poucos sobre todos. à burguesia e em seu ímpeto econômico.
Em sua acepção mais ampla, a democracia seria um Além da menor participação na economia e do zelo pela
sistema político no qual o povo tem o direito de tomar igualdade jurídica dos cidadãos independentemente da
decisões acerca dos assuntos da pólis, isto é, dos assuntos classe a que estes pertencessem, o Estado Liberal seria
que interessam à coletividade no âmbito público. Esse regido pela Constituição, que, além de garantir direitos
direito de tomar decisões seria exercido pelos cidadãos – individuais, limitaria o poder dos governantes e determinaria
os sujeitos políticos da democracia – por meio de uma série a divisão do poder estatal em três: o Executivo, o Legislativo
de instituições políticas, leis e regras. Porém, a noção de e o Judiciário, que seriam poderes independentes entre si
cidadania no mundo grego era consideravelmente restrita e harmônicos, exercendo o controle uns sobre os outros.
e excluía a maioria da população de Atenas. Essa nova estruturação do Estado na modernidade abriu
Mesmo que ela tenha ficado à margem da história desde espaço para uma nova concepção de governo, o representativo,
o final da Antiguidade até o século XVIII e apesar de suas uma vez que a forma direta de governo não mais se adequava
limitações internas, a experiência democrática grega foi a um mundo com novas instituições políticas. Na modernidade,
fundamental para estabelecer princípios e práticas políticas, a relação entre Estado, Nação e sociedade civil tem como
como a garantia de direitos aos cidadãos, a igualdade núcleo fundamental a supremacia da lei, o consentimento dos
governados e também a representação do poder e seu exercício.
perante a lei, a expansão do acesso ao poder, um maior
controle sobre os cargos públicos e a responsabilização Ao contrário da ideia de poder divino dos reis, no Estado
dos governantes. Sua retomada nos séculos XVIII e XIX, Moderno, os governantes não são mais os donos do poder, mas o
em um contexto consideravelmente diferente daquele em recebem do povo, este sim titular do poder e da delegação para
que foi criada em Atenas, foi acompanhada de intenso exercê-lo. Sendo assim, em vez de súditos do poder real, temos
debate filosófico que levou à sua gradativa ampliação e cidadãos portadores de direitos que delegam aos governantes
universalização. o exercício do poder. Essa nova configuração da relação entre
Estado, Nação e sociedade civil criou as condições necessárias
O Estado liberal e o Estado social para o retorno da democracia ao cenário político moderno.
Como você já sabe, a democracia surge na Grécia Antiga,
O surgimento do Estado Moderno mantém relação direta com
mais precisamente na pólis de Atenas, por volta do ano
as mudanças nos paradigmas sociais, políticos e econômicos
508 a.C. A principal característica da democracia grega era
do período de transição entre a Idade Média, baseada no modo
justamente a possibilidade de participação dos cidadãos
de produção feudal, e o início da Era Moderna, caracterizada
no governo da pólis, modelo de democracia que ficou
pelo desenvolvimento do sistema capitalista. conhecida como a democracia direta. No entanto, com o
No âmbito econômico, o desenvolvimento dos mercados desenvolvimento dos direitos individuais, da complexidade
criou um novo espaço para a interação social, em que o das sociedades modernas e da constituição do Estado de
valor supremo era o individualismo e a defesa da liberdade Direito, a democracia no mundo moderno não pode mais
de cada um na busca do lucro e do acúmulo material. ser exercida nos moldes da Grécia Antiga.

Bernoulli Sistema de Ensino 31

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Frente A Módulo 09

Assim, a democracia representativa moderna é fruto de uma Segunda Guerra Mundial. Os direitos humanos abrangem
concepção individualista de sociedade, em que a constituição uma série de categorias de direitos, que passam a ser
da vida política de uma sociedade é resultado das vontades dos considerados prerrogativas das Democracias Modernas e
indivíduos. Essa perspectiva individualista surge não apenas com obrigações dos Estados para com seus cidadãos.
a filosofia contratualista, que entendia a sociedade civil como Fazem parte dessas obrigações os direitos políticos e
um acordo entre os indivíduos para garantia das liberdades civis, além dos direitos econômicos, sociais e culturais, que
individuais, mas, também, com o desenvolvimento da economia são expostos em trinta artigos assinados por 42 países no
e a consequente concepção de homo economicus, que entende contexto pós-Segunda Guerra Mundial. Os direitos humanos
os indivíduos como seres que, ao buscarem o próprio interesse, são considerados direitos fundamentais dos indivíduos
produzem o bem para toda a coletividade.
e das coletividades, especialmente dos grupos sociais
Em contraponto ao Estado Liberal, que contribuiu para a considerados em situação de vulnerabilidade social ou que
expansão do sistema capitalista, existe o Estado Social, que se encontram política e socialmente excluídos das sociedades
foi uma configuração do poder estatal que buscava ser mais democráticas. A expansão e garantia dos direitos são parte
atento às desigualdades sociais criadas pelo capitalismo, em constituinte do conceito de democracia representativa, que
especial, às condições precárias em que viviam e trabalhavam veremos adiante.

·~·
os operários durante a consolidação das grandes indústrias
na Europa. Foi justamente a Revolução Russa de 1917 que,
pela primeira vez, rompeu com os fundamentos do Estado
REGIMES POLÍTICOS
Liberal. Assim, o Estado Russo pós-revolução garantiu maior
Seguindo a taxonomia proposta pelo cientista político
participação do Estado na economia, tentando conter a
contínua exploração do proletariado. A ação mais importante Robert Henry Srour, em seu livro Classes, Regimes e
do Estado Social, porém, esteve na busca em promover a Ideologias (1987), vamos diferenciar quatro tipos de regimes
justiça social, ao reconsiderar a igualdade jurídica formal políticos, destacando as relações entre Estado e sociedade
entre os indivíduos, pregada pelo Estado Liberal, e propor civil em cada um deles.
a igualdade material entre os indivíduos.
Podemos entender a igualdade material como a busca Regime Totalitário
em equiparar os indivíduos, levando em consideração O regime totalitário se distingue das tiranias autori-
suas desigualdades. Isso quer dizer que, se não levarmos tárias e das ditaduras militares, burocráticas, cesaristas,
em consideração as desigualdades de oportunidades e de oligárquicas e teocráticas – todas variantes de um regime
acesso aos recursos sociais entre os indivíduos, iremos autoritário – porque tende a estabelecer uma dominação
tratar a igualdade como algo fictício, isto é, uma forma de total sobre o conjunto da sociedade. Com isso, almeja o
compreender as relações econômicas, políticas e sociais sem grau máximo de centralização e de concentração de poder,
considerar as condições objetivas que contribuem para a suprimindo toda a autonomia da sociedade civil, cooptando
formação dos seres sociais. todas as organizações para se colocarem a serviço do Estado,
perseguindo e dissolvendo seus adversários.
Esses dois modelos de Estado que se consolidam no
regime capitalista expressam, também, dois modelos Na cena totalitária, exemplificada pelos regimes nazista
distintos de democracia: a democracia liberal, que vincula a alemão e fascista italiano nos anos 1930, a sociedade
cidadania às liberdades individuais, ou seja, os direitos civis civil é vista como um mero prolongamento do Estado.
e representados pela liberdade de expressão, de ir e vir e O Estado maximizado exerce seu poder por meio da vio-
de igualdade perante a lei, entre outros; e a democracia lência física (polícias e exército) e pelo controle ideológico
social, que acrescenta a cidadania aos direitos individuais, (mídia, propaganda, escolas). Esse controle ideológico
trabalhistas e de cunho social, que devem ser prestados exerce forte pressão sobre os indivíduos e, por vezes,
pelo Estado na forma de direito à educação, à saúde e à traduz-se em manifestações de consenso popular, fruto da
previdência social, por exemplo. manipulação ideológica.
Como afirma T. H. Marshall (1893-1981), os direitos O poder executivo possui mais força que os demais aparatos
civis, sociais e políticos surgem a partir da tensão entre a estatais e controla o legislativo e o judiciário. Dessa forma,
busca da igualdade dos indivíduos e a constante produção a elaboração das leis e o seu cumprimento passam a ser
de desigualdades sociais próprias do sistema capitalista. aparelhadas (isto é, dispostas para servir) ao duce ou ao führer.
Ao contrário do Estado Absolutista e Monárquico, que não
consideravam em hipótese alguma a participação popular, Regime Autoritário
fosse por meio de eleições, fosse por meio de controle Os regimes autoritários se caracterizam por um Estado
do poder estatal pela sociedade civil, o Estado Moderno, forte, que necessita consolidar seu poder pela violência
ao trazer de volta o regime democrático para a política, passa física (polícias) e exclui a sociedade civil do domínio político.
a ser alvo de maior controle e suas ações passam a ter como Mesmo que seu controle ideológico seja menor do que em
condição inicial o fundamento na Constituição. um estado totalitário, em regimes como ditaduras militares
Essa evolução dos direitos é acompanhada pela ou burocráticas há um intenso patrulhamento ideológico para
Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização que as organizações ou os indivíduos da sociedade civil não
das Nações Unidas (ONU), de 1948, logo após o fim da interfiram na condução da política.

32 Coleção Filosofia / Sociologia

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Estado Moderno, Democracia e Sociedade Civil

Com isso, a sociedade civil fica bastante enfraquecida Conta nos seus quadros com partidos políticos que possuem
perante o Estado, tendo pouca possibilidade de resistir programas ideológicos bem definidos e não são meramente
ao domínio político e legislativo. O poder encontra-se fisiologistas ou partidos de aluguel, que pressionam o poder
centralizado e concentrado, geralmente, no Executivo. instituído e os próprios grupos de poder em nome de direitos
Este pode ser controlado pelas Forças Armadas, por uma e interesses coletivos. Esta seria a forma predominante nos
oligarquia, por um autocrata que encarna os interesses dos EUA atualmente.
grupos dominantes ou por uma figura carismática. Porém, o Estado liberal ainda não deve ser entendido como
Pode haver algum grau de participação política em regimes plenamente democrático. As disparidades sociais decorrentes
autoritários, mas tende a ser bastante restrito ou meramente da distribuição desigual da propriedade privada impedem que
formal. Partidos políticos, quando existem, tendem a ser todos os setores da sociedade exerçam sua participação política
regidos por interesses de sobrevivência e não por um de forma equânime, o que faz com que os princípios básicos
programa ideológico. Clientelismo, cooptação, chantagem, da democracia não se materializem totalmente.
corporativismo e falta de transparência são comportamentos
recorrentes neste tipo de regime, em que a oposição é Regime Democrático

SOCIOLOGIA
bastante restrita ou inexistente. Há uma diferença qualitativa entre os regimes liberal e demo-
No caso brasileiro, tanto o Estado Novo de Getúlio Vargas, crático: enquanto o primeiro favorece as classes proprietárias,
o segundo se concentra na ampliação dos direitos individuais
quanto os Regimes Militares entre 1964 e 1985 devem ser
e na consolidação de igualdades materiais entre os indivíduos.
considerados autoritários porque centralizaram o poder em
O Estado democrático, baseado na isonomia entre os indivíduos,
torno do Executivo, retiraram direitos políticos e sociais da é um regime aberto, em que muitas associações coletivas e
sociedade civil e enfraqueceram qualquer possibilidade de entidades livres da sociedade civil têm capacidade de intervir
resistência ao poder Estatal. na esfera pública, participando ativamente das decisões da
coletividade. As instituições políticas e sociais são fortes,
Regime Liberal mas são exercidas mediante a intervenção popular através
Os regimes liberais são variados, mas têm em comum a de mecanismos de participação, sendo o voto somente um
deles – mas não o único.
premissa de priorizar as liberdades individuais e econômicas,
valorizando, assim, a estrutura de mercado acima da própria Neste cenário o Estado não é um controlador da sociedade
noção de Estado. Nessas acepções o Estado deve ser mínimo, civil, ao contrário, é ela que passa a ter controle sobre a
esfera política e sobre os seus representantes, mantendo
evitando intervir na economia. O mercado deve se autorregular,
com eles diálogo efetivo e responsável.
ditando suas próprias regras de acordo com a lei da oferta e da
Falaremos mais sobre a democracia nos próximos tópicos.
procura. Cabem ao Estado as funções de legislar para proteger
a propriedade privada e as liberdades individuais, assim como
a manutenção da ordem pública através dos seus aparatos
coercitivos (polícia).
Diferentemente dos regimes autoritário e totalitário, nos quais
o poder raramente é exercido com legitimidade, no regime liberal
há maior abertura para a participação política da sociedade civil,
uma vez que o surgimento do liberalismo está intimamente
A DEMOCRACIA
REPRESENTATIVA ·~·
O retorno da democracia ao cenário político moderno
não ocorreu do mesmo modo que a democracia direta
ateniense. O desenvolvimento do Estado Liberal ensejou
a criação de um novo regime democrático, a democracia
associado à luta pela liberdade e pela participação no poder.
representativa. De acordo com o filósofo político Norberto
Robert Srour identifica pelo menos quatro variações do Bobbio (1909-2004), a democracia representativa significa
regime liberal: a) na forma liberal-oligárquica, o poder político é que as deliberações a respeito de fatos que tangem à
exercido principalmente pelos grandes proprietários industriais coletividade são tomadas por pessoas que foram escolhidas
e latifundiários, que detêm o controle sobre os mecanismos pelos membros de tal coletividade. Assim:
de poder. A sociedade civil é forte, porém restrita, porque
está associada aos grupos de poder econômico. Foi uma das [...] as democracias representativas que conhecemos são
formas mais constantes na história brasileira, excetuando-se democracias nas quais por representante entende-se uma
os regimes autoritários; b) na forma liberal-militar há uma pessoa que tem duas características bem estabelecidas:
“tutela velada” das forças armadas, que tendem a ter controle
a) na medida em que goza da confiança do corpo eleitoral,
político de bastidores e sobre a sociedade civil. Boa parte
uma vez eleito não é mais responsável perante os próprios
dos governos militares brasileiros nas décadas de 1960 e
eleitores e seu mandato, portanto, não é revogável;
1970 tiveram características desta forma de regime liberal,
b) não é responsável diretamente perante os seus eleitores
favorecendo consideravelmente a penetração de capital
exatamente porque é convocado a tutelar os interesses
estrangeiro e de empresas multinacionais; c) a forma liberal-
gerais da sociedade civil e não os interesses particulares
-ampliada tende a ter uma sociedade civil ampla, porém
desta ou daquela categoria.
fraca e fragmentada, em que não raras vezes é favorecido
o surgimento de populismos e figuras carismáticas; d) na BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia –
uma defesa das regras do jogo.
forma liberal-democrática a sociedade civil é ampla e está
São Paulo: Paz e Terra, 1986. p. 42.
em processo de fortalecimento em relação ao Estado.

Bernoulli Sistema de Ensino 33

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Frente A Módulo 09

Dada a complexidade das sociedades modernas, em que


os indivíduos se encontram em uma multiplicidade de papéis
sociais – sejam eles de gênero, de classe, de categorias
profissionais, entre outras questões que confrontam a coesão
social – a democracia representativa, além de regular a
distribuição do poder nas complexas sociedades modernas,
também é um sistema que sofre pressões das desigualdades
DEMOCRACIA
E CIDADANIA NO BRASIL
Do Império à República Velha
(1822-1930)
·~·
impostas pelo sistema capitalista. A história da cidadania no Brasil está vinculada ao
No que tange à distribuição do poder, a democracia desenvolvimento das Constituições do país desde o ano
de 1824, quando a primeira foi proposta ainda no Governo
moderna recorre a procedimentos e mecanismos que
Imperial, dois anos após a Declaração de Independência do
compõem o processo de representação. Esses mecanismos
Brasil em relação à Coroa Portuguesa. Desse modo, podemos
se ligam a dois processos históricos distintos, de acordo
afirmar que a concepção de cidadania em nosso país surge
com o filósofo político Giovanni Sartori (1924-2017): antes da noção de democracia.
a formação dos partidos políticos a partir do surgimento
Porém, na Constituição de 1824 somente há o prevaleci-
dos parlamentos como controladores dos governantes e
mento de um modelo oligárquico e restritivo de cidadania,
a expansão dos votos e, consequentemente, dos direitos
baseado no voto censitário – em que só podiam participar das
políticos. É justamente a ampliação dos direitos políticos
votações aqueles que possuíam renda superior a cem mil réis.
que garante a participação do povo de forma mais direta no Isso significava, na prática, menos de 1% da população total.
sistema democrático, que, além das eleições, pode participar A quase totalidade dos brasileiros se encontrava excluída do
por meio de plebiscitos, de referendos e da produção de leis processo político.
de iniciativa popular.
Somente após 1889, com a Proclamação da República e a
No que se refere às pressões do sistema capitalista sobre escrita de uma nova Constituição, em 1891, o Estado brasileiro
o sistema democrático, as desigualdades sociais atingem se assumiu como republicano, dividindo-se em três poderes
um dos pilares da democracia, que é a igualdade entre os e abolindo o poder moderador até então exercido pela figura
indivíduos. Nesse sentido, não podemos entender a defesa do imperador. Nesse novo contexto, a cidadania se expandiu
de direitos se não levarmos em consideração as condições um pouco mais em relação ao Período Imperial, mas ainda
socioeconômicas em que os indivíduos conduzem suas permaneceu tímida e restrita a poucos grupos privilegiados,
vidas. Se, além da igualdade, a democracia se baseia na pois, a despeito da abolição do voto censitário, o sufrágio
liberdade e, nesse sentido, nega qualquer tipo de privilégio continuou restrito às elites e aos homens alfabetizados.
destinado a uma parcela dos indivíduos, há aí uma tensão Desse modo, o processo eleitoral era manipulado abertamente
pelo coronelismo, que se valia de diversas estratégias no voto
entre a perspectiva individualista e a necessidade de
de cabresto, incluindo o uso da violência, para fazer valer seu
reconhecer direitos sociais que primam, justamente, por
comando regional.
dar um tratamento diferenciado àqueles que estão em
condições sociais desfavoráveis. Os direitos sociais, portanto, A experiência de cidadania vivenciada nos períodos do Brasil
Império (1822-1889) e da República Velha (1889-1930) foi
representam não apenas a participação no poder político,
claramente restrita e precária, o que nos leva à conclusão
mas também a busca pela maior e mais justa distribuição
de que o sistema se constituía em uma pseudodemocracia:
social da riqueza produzida pela sociedade. Essa é a distinção
o discurso democrático entrava em choque com a realidade
entre igualdade formal e igualdade material. Enquanto a
oligárquica e coronelista.
igualdade formal é presumida e abstrata, em relação às leis,
a igualdade material diz respeito à realidade, à efetivação
da igualdade nas condições reais da vida dos indivíduos. Getúlio Vargas e o Estado Novo
Logo, a igualdade perante a lei (igualdade formal) será (1934-1945)
maior em determinada sociedade quanto menos forem O governo de Getúlio Vargas foi marcado por dois
as discrepâncias de poder entre os integrantes dessa momentos significativos para o processo de construção da
sociedade (igualdade material). Isso inclui assimetrias de cidadania no Brasil. O primeiro foi a redação da Constituição
poder ocasionadas pelo dinheiro, pelo acesso a recursos de 1934, considerada progressista quando comparada às
como educação e saúde e até em relação à capacidade de anteriores devido à incorporação de uma série de direitos
mobilização para reivindicar direitos. Conforme pudemos sociais, como os direitos trabalhistas e políticos, ligados à
acompanhar, por meio da análise histórica da formação do criação da Justiça Eleitoral e à permissão do voto feminino,
Estado Liberal e do retorno da democracia ao cenário político, além da instauração do sigilo no voto.
haverá sempre uma tensão entre o Estado de Direito e o Três anos após a Constituição, até então a mais democrática,
Estado Social. Enquanto o primeiro representa a manutenção foi instaurado o Estado Novo pelo próprio Getúlio Vargas, em
do status quo de uma sociedade, o segundo diz respeito ao que passou a vigorar uma nova Constituição, promulgada
dinamismo da vida social e às constantes lutas por igualdade no mesmo ano do golpe e que possuía traços autoritários
e justiça social. e centralizadores em torno da Presidência da República.
Tendo em vista a evolução da relação entre democracia O Poder Legislativo foi extinto em todos os níveis (nacional,
representativa, Estado de Direito e Estado Social no estadual e municipal), várias liberdades individuais foram
continente europeu, analisaremos agora como se deu essa cassadas em nome da Segurança Nacional e direitos
relação no Brasil e também como procedeu a evolução do sociais garantidos pelo próprio presidente foram revogados,
conceito de cidadania em nosso país. violando-se várias premissas do Estado Democrático.

34 Coleção Filosofia / Sociologia

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Estado Moderno, Democracia e Sociedade Civil

A retomada da democracia (1946-1964) O mais grave de todos os documentos foi, sem dúvida,
o AI-5, que revogou direitos civis, sociais e políticos funda-
Com o fim do Estado Novo em 1946, o Brasil passou por um mentais dos cidadãos e instaurou um Estado de permanente
período mais promissor na sua até então limitada experiência suspeição sobre qualquer pessoa. Os resultantes desse
democrática. Uma Assembleia Constituinte foi formada processo foram: perseguições, prisões, sessões de tortura,
para elaborar uma nova Constituição, que resgatou aquela julgamentos e condenações sumárias, além de uma série
de 1934, que havia sido revogada pelo golpe de Getúlio. de violações aos direitos humanos e constitucionais que já
Uma série de liberdades foram restituídas aos cidadãos e a haviam sido reconhecidos e legitimados pelo Estado Moderno.
tripartição do Estado nos poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário foi retomada.
O período de redemocratização
Porém, apesar dos significativos avanços do período,
estima-se que somente 24% da população adulta votou e a Constituição Cidadã
nas eleições de 1962 – o que indica um acesso ainda muito
restrito à efetiva participação política. O período ditatorial no Brasil perdurou oficialmente
até 1985. Porém, no final dos anos 1970 iniciou-se a

SOCIOLOGIA
O Período Ditatorial (1964-1985) abertura política que visava retomar gradualmente a
democracia. Nesse movimento, a participação popular foi
Em 1° de abril de 1964 teve lugar a autoproclamada “revolução decisiva para pressionar o Estado autoritário em direção à
democrática”, que, sob a influência política estadunidense no retomada dos direitos que haviam sido cassados. Em 1979,
contexto da Guerra Fria, depôs o então presidente João Goulart, o pluripartidarismo foi readmitido no Congresso Nacional.
que havia sido eleito democraticamente como vice-presidente
Em 1984, uma série de manifestações sociais de
na chapa de Jânio Quadros. Após a deposição, o Poder
oposição ao Regime Militar ganhou as ruas, reivindicando
Executivo foi assumido por uma junta militar, que revogou
o retorno da votação direta para presidente no movimento
uma série de direitos civis e políticos que vigoravam desde
“Diretas Já”, pois as primeiras eleições para presidente
1946. Apesar de se autoproclamar uma revolução, o regime
realizadas em 1985 foram indiretas. Porém, a formação da
instaurado possuía características absolutamente ditatoriais,
Assembleia Constituinte e a elaboração da Constituição de
visto que várias medidas antidemocráticas foram tomadas em
1988 foram um ganho inestimável para os defensores da
nome da Segurança Nacional, especialmente na Constituição
redemocratização. A legislação máxima aprovada naquele
de 1967 e nos Atos Institucionais e Complementares que se
ano foi chamada, não sem razão, de “A Constituição Cidadã”,
seguiram. A Constituição de 1967 revogou direitos dos cidadãos
e modificou a estrutura política democrática, voltando, como em função do espírito progressista que assumiu.
no período do Estado Novo, a concentrar o poder nas mãos Nesse documento foram incorporadas reivindicações
do Executivo, retirando uma série de prerrogativas do Poder de movimentos sociais e sindicais, além de direitos que
Legislativo, estabelecendo eleições indiretas para presidente, já haviam vigorado em outras épocas, mas tinham sido
criminalizando qualquer forma de oposição ao governo militar, revogados pela Ditadura Militar. Entre as garantias políticas
instituindo a limitação da liberdade individual e da liberdade restabelecidas pela Constituição Cidadã, estão o direito
de imprensa, submetendo informações e obras artísticas a ao voto direto para os cargos dos poderes Executivo e
processos de censura. Legislativo, em todas as instâncias da federação (federal,
No entanto, além do texto da Constituição, os militares estadual e municipal); estabelecimento do direito ao voto
se valeram dos Atos Institucionais – dezessete durante para analfabetos, definição do voto facultativo para jovens
todo o período – para garantir a manutenção do regime, à entre 16 e 18 anos e ratificação do pluripartidarismo;
revelia dos direitos democráticos. Os Atos Institucionais mais quanto aos direitos civis, restabelecimento das liberdades
conhecidos são os cinco promulgados entre 1964 e 1968: individuais, inclusive expressão e sigilo, além do decreto
ao fim da censura imposta sobre a imprensa e às artes.
Ato Institucional 1 – Autoriza a cassação de políticos e
Do ponto de vista dos direitos sociais, o Estado passou a
cidadãos opositores ao Regime Militar.
garantir o acesso universal e igualitário à educação, à saúde
Ato Institucional 2 – Extingue os partidos existentes e (com a criação do Sistema Único de Saúde), à moradia,
valida o bipartidarismo.
ao emprego e à previdência social.
Ato Institucional 3 – Estabelece eleições indiretas para A concepção de cidadão enunciada pela Constituição de
os governadores dos estados; prefeitos de capitais e de 1988 é a mais abrangente e democrática da história do
“municípios considerados área de segurança nacional” país, atribuindo uma série de direitos novos e reafirmando
passam a ser nomeados pelos governadores. garantias antigas. Contudo, se do ponto de vista formal – isto
Ato Institucional 4 – Convoca o Congresso Nacional para é, na letra da lei – a concepção de cidadania é progressista,
discutir, votar e promulgar o estabelecimento de uma nova a democrática, do ponto de vista real, ainda permite uma
Carta Constitucional, revogando a Constituição de 1946. enorme desigualdade de acesso aos direitos constitucionais
Ato Institucional 5 – Fecha o Congresso Nacional, suspende por significativas parcelas da população. A partir da década de
garantias constitucionais, como as liberdades individuais 1990, o desafio do Estado e da sociedade civil não se limita
e concede poder ao Executivo para legislar sobre todos somente à luta pelo reconhecimento de direitos, mas também
os assuntos. pela sua materialização na vida cotidiana dos cidadãos.

Bernoulli Sistema de Ensino 35

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Frente A Módulo 09

Porém, como afirmou a filósofa Marilena Chauí, o Brasil Segundo Thomas Hobbes, o ser humano em seu estado
é um país com uma democracia muito recente e instável natural é selvagem e cada um é inimigo do outro;
e que possui muitos traços conservadores e autoritários mas, quando o ser humano abre mão de sua própria
em suas instituições e na vida social dos indivíduos. As liberdade e a autoridade plena do Estado é estabelecida,
desigualdades e as violências praticadas pelo poder público passam a predominar a ordem, a paz e a prosperidade.
desde o período colonial, intensificadas nos períodos de Para John Locke, o ser humano já é dotado em seu estado
exceção (Estado Novo e Governos Militares), reforçaram natural dos direitos de vida, liberdade e felicidade e, assim,
um imaginário social antidemocrático, sustentado nas a autoridade do Estado só é legítima quando reconhece
práticas de resolução de conflitos por meio da violência e respeita esses direitos e, para que isso se concretize,
física, da chantagem ou do “jeitinho”. é necessário limitar os poderes do Estado.
Assinale a alternativa que apresenta as duas concepções
BRASILEIROS SÃO OS políticas associadas, respectivamente, a esses filósofos.

QUE MENOS CONFIAM EM A) Mercantilismo e Fisiocracia.


B) Classicismo e Barroco.
DEMOCRACIA NA AMÉRICA C) Absolutismo e Liberalismo.

LATINA, DIZ PESQUISA D) Subjetivismo e Objetivismo.


E) Nacionalismo e Internacionalismo.
Uma pesquisa realizada em dezoito países da América
Latina revelou que os brasileiros são os mais insatisfeitos com 02. (Unimontes-MG–2015) A sociedade civil é crescente-
a democracia. Somente 13% dos brasileiros responderam mente o agente transformador em regimes políticos
estar “muito satisfeitos” e “satisfeitos” com ela, segundo o democráticos, podendo determinar o curso do Estado.
levantamento da Latinobarómetro. É um fenômeno histórico que resulta do processo de
De acordo com a pesquisa, [...] o índice de satisfação dos diferenciação social.
brasileiros ficou abaixo da média da região, que é de 30%. Considerando essa perspectiva de análise, assinale a
Os cinco primeiros mais satisfeitos com a democracia em alternativa incorreta.
seus países são Uruguai (57%), Nicarágua (52%), Equador A) De modo geral, a sociedade civil luta por interesses
(51%), Costa Rica (45%) e Argentina (38%). coletivos, mas pode também expressar reivindicações
O levantamento é anual e vem sendo realizado desde 1995. de grupos específicos.
B) A sociedade civil agrega grupos de pessoas e variados
Em entrevista à BBC Brasil, a socióloga chilena Marta Lagos,
tipos de organizações sociais, não sendo possível
diretora da ONG Latinobarómetro, disse que o mal-estar dos
tratá-los como unidades físicas bem delimitadas no
brasileiros com a democracia é antigo. “O Brasil sempre foi
espaço social.
meio desconfiado, mas a avaliação está especialmente pior
agora”, disse. [...] C) A sociedade civil é um movimento oligárquico de defesa
do fortalecimento tecnocrático e passivo do Estado.
Confiança no Congresso D) A sociedade civil é importante porque dota os cidadãos
privados de uma maneira efetiva de influenciar as
A pesquisa mostrou também que somente 11% das pessoas
políticas públicas.
no país confiam “muito” ou “razoavelmente” no Congresso
Nacional. Neste ranking, o Brasil ficou em penúltimo lugar - a
03. (UFU-MG–2017) Um sistema político democrático con-
lanterna ficou com o Paraguai, com 10%. A Venezuela (37%),
temporâneo é aquele que
o Uruguai (34%) e a Bolívia (32%) estão entre os que mais
confiam em seus parlamentos. A) estabelece o direito ao voto como única forma de
participação política.
CARMO, M. Brasileiros são os que menos confiam em
democracia na América Latina, diz pesquisa. Disponível B) controla e limita a participação política de determi-
em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-41780226>. nados grupos da sociedade civil.
Acesso em: 07 fev. 2019.
C) garante apenas aos cidadãos letrados o acesso aos
debates no espaço público.

EXERCÍCIOS
D) permite a elaboração de direitos políticos universali-
~ RESOl.~ES NO záveis.
~
PROPOSTOS
BernoulliPlay
04. (Unioeste-PR) Segundo a filosofia política clássica,
01. (UFF-RJ) Desde a Idade Moderna, quase todas as mesmo considerando a diversidade de concepções de
sociedades enfrentaram o dilema de optar entre duas contrato partilhada por seus principais representantes
concepções distintas e opostas sobre o poder. Dois (Hobbes, Locke e Rousseau), a constituição do estado
filósofos ingleses, Thomas Hobbes e John Locke, foram civil ou sociedade política marcaria uma ruptura
responsáveis por sintetizarem essas concepções. profunda no ordenamento da sociedade humana.

36 Coleção Filosofia / Sociologia

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Estado Moderno, Democracia e Sociedade Civil

Com base na ideia de contrato defendida por estes B) estamos vivendo o maior período de experiência
autores, é correto afirmar que a constituição do estado democrática brasileira desde o processo de rede-
civil ou sociedade política representaria mocratização na década de 1980. As eleições e o
A) a superação do estado de natureza. sufrágio universal são duas características impor-
tantes desse processo.
B) a redenção teológica da humanidade.
C) a democracia no Brasil foi instaurada e mantida desde
C) um retorno à idílica Idade de Ouro da história humana. a Proclamação da República.
D) uma regressão da vida em sociedade ao estado de D) Getúlio Vargas, João Figueiredo, José Sarney,
selvageria. Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva
E) a superação da exploração do homem pelo homem e foram alguns dos presidentes eleitos via democracia
o fim da propriedade privada dos meios de produção. representativa no Brasil.

05. (UERJ–2016) 07. (IFSP) Os debates atuais sobre a legitimidade do poder


1W8O político ocupam lugar de destaque na agenda internacio-

SOCIOLOGIA
DEMOCRACIA VERSUS DITADURA
70% nal contemporânea. Alguns críticos da democracia liberal
66%
/ democracia burguesa afirmam que esta modalidade de governo está
60% é sempre
em crise e precisa, urgentemente, incorporar novos me-
I\ /~, I
V

-
melhor
/-\
50%
,v "--V -------- canismos para dotar o poder de maior representatividade.
I \V V
Nesse sentido, novas experiências têm sido sugeridas,
40%
dentre as quais é correto apontar
30%
/ A) a república presidencialista.
20%
'
----::
1---.. /[\
"',/
""- ;- I\ ..____ 15% B) a república parlamentarista.
~ 1/
10%
P""""
"" "
V / tanto faz
I"-v ::::::::
12%
ditadura
é melhor
C) a democracia deliberativa.
D) a democracia representativa.
set nov mar fev set dez mar nov dez set mar set jun mar jul dez fev dez E) a monarquia parlamentarista.
89 90 92 93 94 95 00 03 05 08 14

Sarney Collor Itamar FHC Lula Dilma 08. (Unicamp-SP-2019) Como regime social, o fascismo social
PMDB PRN PRN PSDB PT PT L9ØK
pode coexistir com a democracia política liberal. Em vez
Folha de São Paulo. 15 mar. 2015 (Adaptação). de sacrificar a democracia às exigências do capitalismo
global, trivializa a democracia até o ponto de não ser
No dia 15 de março de 1985, a presidência da República necessário sacrificá-la para promover o capitalismo.
no Brasil foi assumida por um civil após anos de governos Trata-se, pois, de um fascismo pluralista e, por isso,
militares. Nos trinta anos posteriores, houve um conjunto de uma forma de fascismo que nunca existiu. Podemos
de mudanças destinadas a pôr fim às práticas autoritárias estar entrando num período em que as sociedades são
até então vigentes. A partir da análise do gráfico, a politicamente democráticas e socialmente fascistas.
tendência observável na opinião pública resulta de uma
SANTOS, B. S. Epistemologias do sul.
nova conjuntura caracterizada por
São Paulo: Corteza. 2010, p. 47. (Adaptação).
A) regularidade das eleições.
De acordo com o texto e os conhecimentos sobre o
B) extinção do unipartidarismo.
assunto, a coexistência entre fascismo e democracia é
C) fortalecimento do poder executivo. A) facilitada por processos eleitorais que dão continuidade
D) valorização da liberdade de expressão. a fascismos que sempre existiram.
B) promovida pela aceitação social que banaliza a
06. (UFU-MG) A democracia como regime de governo nun- democracia em favor do capitalismo global.
ca teve tanto alcance como valor global como nos dias
C) dificultada por processos eleitorais que renovam a
atuais, o que se pode perceber pelas pressões interna-
democracia, inviabilizando os fascismos.
cionais para a implantação e manutenção de regimes
democráticos nos diferentes países do mundo. D) possibilitada pela aceitação social de sociedades
politicamente fascistas e socialmente democráticas.
A defesa das instituições políticas, do Estado, da liberdade
de expressão, da liberdade política, da tolerância religiosa
09. (UEMA–2016) Até meados de 1970, mais de dois terços de
e principalmente os direitos dos cidadãos ao voto são
todas as sociedades do mundo poderiam ser consideradas
questões centrais para a democracia.
autoritárias. Atualmente menos de um terço das sociedades
Sobre a democracia no Brasil, é correto afirmar que é de natureza autoritária. A democracia não está mais
A) a democracia brasileira é recente, sendo relevante concentrada nos países ocidentais, ela agora é defendida,
para essa análise considerar a experiência democrática ao menos em princípio, em muitas regiões do mundo.
de 1930 a 1964 como o principal momento de GIDDENS, Anthony. Sociologia. 4.ed.
fortalecimento das instituições políticas no país. Porto Alegre: Artmed, 2005.

Bernoulli Sistema de Ensino 37

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Frente A Módulo 09

Um exemplo de situação vivenciada em países demo-


cráticos é
SEÇÃO ENEM
A) a disseminação das expressões artísticas, literárias
01. (Enem–2018) A tribo não possui um rei, mas um chefe que
e musicais, para que a população se adeque às
não é chefe de Estado. O que significa isso? Simplesmente
estratificações sociais.
que o chefe não dispõe de nenhuma autoridade, de nenhum
B) a possibilidade de consulta popular, em forma de poder de coerção, de nenhum meio de dar uma ordem. O
plebiscito, para que o povo expresse suas opiniões a chefe não é um comandante, as pessoas da tribo não têm
respeito de uma questão específica. nenhum dever de obediência. O espaço da chefia não é o
C) a redução de oportunidades, para que o cidadão lugar do poder. Essencialmente encarregado de eliminar
possa intervir em aspectos da vida pública, junto com conflitos que podem surgir entre indivíduos, famílias e
o Governo. linhagens, o chefe só dispõe, para restabelecer a ordem e
a concórdia, do prestígio que lhe reconhece a sociedade.
D) a concentração de riquezas nas mãos do Estado, para
Mas evidentemente prestígio não significa poder, e os meios
que o governo possa aumentar as igualdades sociais.
que o chefe detém para realizar sua tarefa de pacificador
E) o grande número de partidos políticos, para que os limitam-se ao uso exclusivo da palavra.
políticos usem, de forma ilimitada, o poder.
CLASTRES, P. A sociedade contra o Estado.
Rio de Janeiro: Francisco Alves. 1982 (Adaptação).
10. (Unesp–2017)
BPPB O modelo político das sociedades discutidas no texto
Texto 1
contrasta com o do Estado liberal burguês porque se
Nunca houve no mundo tanta gente vivendo com suas
baseia em:
necessidades básicas atendidas, nunca uma porcentagem
tão alta da população mundial viveu fora da miséria – A) Imposição ideológica e normas hierárquicas.
uma vitória espetacular, num planeta com 7 bilhões de B) Determinação divina e soberania monárquica.
habitantes. Nunca houve menos fome. Nunca tantos
tiveram tanta educação nem tanto acesso à saúde. C) Intervenção consensual e autonomia comunitária.
GUZZO, José Roberto. Um mundo de angústias. D) Mediação jurídica e regras contratualistas.
Veja, 25 jan. 2017.
E) Gestão coletiva e obrigações tributárias.
Texto 2
Mais sóbrio – e talvez mais pessimista – é olhar para 02. (Enem–2017) Plebiscito e referendo são consultas ao
quanto cada grupo se apropriou do crescimento total: povo para decidir sobre matéria de relevância para a
os 10% mais ricos da população global se apropriaram nação em questões de natureza constitucional, legislativa
de 60% de todo o crescimento do mundo entre 1988 e ou administrativa. A principal distinção entre eles é a de
2008. Uma grande massa de população melhorou de vida, que o plebiscito é convocado previamente à criação do
é verdade, mas o que esse dado demonstra é que poderia ato legislativo ou administrativo que trate do assunto
ter melhorado muito mais se o resultado do crescimento em pauta, e o referendo é convocado posteriormente,
não terminasse tão concentrado nas mãos dos ricos. cabendo ao povo ratificar ou rejeitar a proposta. Ambos
O que está em jogo é mais do que dinheiro. Em um estão previstos no art. 14 da Constituição Federal.
mundo globalizado, os estados nacionais perdem força. PLEBISCITOS E REFERENDOS. Disponível em: <www.tse.jus.
Um grupo pequeno de pessoas com muita riqueza tem br>. Acesso em: 29 jan. 2015 (Adaptação).
grande poder de colocar as cartas a seu favor. Em casos
extremos, a desigualdade é uma ameaça à democracia. As formas de consulta popular descritas são exemplos de
um tipo de prática política baseada em
MEDEIROS, Marcelo. O mundo é o lugar mais desigual do
mundo. Disponível em: <http://piaui.folha.uol.com.br>. A) colégio eleitoral.
Acesso em: jun. 2016 (Adaptação). B) democracia direta.
O confronto entre os dois textos permite concluir corre- C) conselho comunitário.
tamente que
D) sufrágio representativo.
A) ambos manifestam um ponto de vista liberal em
E) autogestão participativa.
termos ideológicos, pois repercutem as vantagens
da valorização do livre mercado e da meritocracia.
B) o texto 1 pressupõe concordância com o liberalismo
econômico, enquanto o texto 2 integra problemas
GABARITO Meu aproveitamento
econômicos com tendências de retrocesso político.
C) o texto 1 critica o progresso entendido como
Propostos Acertei ______ Errei ______
aperfeiçoamento contínuo da humanidade, enquanto •0 01. C •0 03. D •0 05. D •0 07. C •0 09. B
o texto 2 valoriza a globalização econômica.
•0 02. C •0 04. A •0 06. B •0 08. B •0 10. B
D) ambos apresentam um enfoque crítico e negativo
sobre os efeitos do neoliberalismo econômico e suas Seção Enem Acertei ______ Errei ______
fortes tendências de diminuição dos gastos públicos.
E) ambos manifestam um ponto de vista socialista em •0 01. C •0 02. B

termos ideológicos, pois enfatizam a necessidade de


diminuição da concentração de renda mundial. Total dos meus acertos: _____ de _____ . ______ %

38 Coleção Filosofia / Sociologia

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FRENTE MÓDULO

SOCIOLOGIA a 10
movimentos sociais e Participação Política
movimentos soCiais
·~·
Os movimentos sociais são definidos, geralmente, como
mobilizações coletivas que pretendem produzir mudanças na
sociedade por meio do embate político. No entanto, existem
várias categorias de movimentos sociais, e cada uma possui
A atuação desses movimentos é de enorme importância
para a estrutura política de uma sociedade. Eles expressam
os anseios da sociedade civil e a possibilidade de se fazer
política fora das instituições oficiais do Estado e do governo,
uma vez que tanto os cidadãos sem vínculo partidário quanto
os grupos sociais e as organizações não governamentais
atuam politicamente de modo a pressionar o Estado por
configurações distintas – grau de integração e teor das
mudanças. Não há dúvida de que os movimentos sociais
reivindicações, por exemplo. Diversas teorias sociológicas
estão entre as formas mais poderosas de atuação política
já foram desenvolvidas na tentativa de interpretar e criar
nas sociedades contemporâneas e de que grande parte
tipologias para categorizá-los, mas não há unanimidade dos direitos que estão “à disposição” das democracias na
quanto às suas formas ou aos seus tipos básicos. atualidade foi conquistada arduamente pela atuação de
Um dos pontos consensuais encontra-se na admissão da diversos movimentos ao longo da história.
confluência entre os movimentos sociais e a sociedade civil.
Esta última é o espaço em que os indivíduos estabelecem Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que os movimentos
suas interações sociais, ou seja, é uma esfera social que sociais são ações sociais de caráter sociopolítico e cultural,
não se confunde com o mercado e com o Estado, embora que revelam formas distintas de os indivíduos e grupos se
seja evidentemente afetada tanto por um quanto pelo outro. organizarem e expressarem suas demandas.
Portanto, é o âmbito no qual os indivíduos vivem suas vidas Na prática, observam-se diferentes estratégias que variam
cotidianas e elaboram suas demandas políticas frente às da denúncia, passando pela pressão direta (assembleias,
estruturas de poder. Por esse motivo, a noção de sociedade concentrações, passeatas, etc.) até às pressões indiretas (lobby,
civil é tão importante para compreendermos os movimentos promoção de ações judiciais). Na atualidade, os principais
sociais, pois é uma esfera social que, quanto mais desenvolvida, movimentos sociais atuam por meio de redes sociais, que podem
melhor pode contribuir para a defesa da cidadania. ser locais, regionais, nacionais e internacionais, sendo comum
a utilização dos meios de comunicação.
Essa é a razão pela qual, apesar de existirem mobilizações
de teor político, bem como revoltas e revoluções em toda [...]
a história, considera-se inapropriado falar de movimentos As análises sobre a mudança social desenvolvidas por
sociais antes da consolidação da cidadania no contexto dos alguns pensadores do século XIX, tais como Comte, Spencer
Estados Modernos. Nessa fase específica é que ocorre o e Marx, estavam marcadas por uma visão linear e teleológica.
desenvolvimento de sociedades civis mais bem organizadas, A tradição marxista considerava que os movimentos sociais
eram meras expressões de condições estruturais de classe
o que possibilitou a solidificação dos ideais ligados à
e suas contradições, que seriam suprimidas com o fim da
cidadania, fomentando a luta popular por direitos.
sociedade capitalista.
Os movimentos sociais caracterizam-se pelo fato de [...]
envolverem atores sociais coletivos, isto é, grupos sociais
Diferencia-se dessa interpretação Georg Simmel (1983),
da sociedade civil organizados em torno de ideais e causas que deu um sentido sociológico ao conflito, identificando
comuns. Normalmente, compreende-se a sociedade civil sua função social. Deste modo, o conflito é pensado como
como o conjunto dos indivíduos no exercício de sua cidadania, um processo fundamental para a mudança de uma forma de
o que geralmente exclui os atores sociais diretamente ligados organização à outra, como necessário à vida do grupo, pois
à política profissional, grupos ou corporações econômicas, age como um elemento que possibilita sua coesão, já que
pessoas jurídicas em geral e membros de ordens militares. suscita a busca pelo consenso.

MIRANDA, Ana Paula Mendes de. Movimentos sociais,


a construção de sujeitos de direitos e a busca por
democratização do Estado. Lex Humana,
Petrópolis, n. 1, p. 218. 2009.

Características dos movimentos sociais


Uma das mais importantes intérpretes dos movimentos
sociais na atualidade é a socióloga brasileira e professora da
Unicamp Maria da Glória Gohn. Em diversos trabalhos, como
Pagina3 / Creative Commons

em Teoria dos Movimentos Sociais (1997), ela busca estabele-


cer critérios para interpretar adequadamente esse fenômeno
plural e complexo. Apesar de muito diversificados, é possível
afirmar que os movimentos sociais compartilham algumas
características básicas, que são apresentadas a seguir:

Bernoulli Sistema de Ensino 39

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Frente A Módulo 10

• O projeto: consiste na proposta do movimento, Um outro aspecto que deve ser considerado ao se analisar
podendo ter o objetivo de mudar ou de conservar os movimentos sociais diz respeito à sua ação pública,
as relações sociais vigentes. O projeto pode ser marcada por diferentes táticas, estratégias e ações de
relacionado diretamente às metas e aos objetivos do enfrentamento. Cada movimento, conforme sua identidade,
movimento social, bem como às suas estratégias de sua demanda e de acordo com o adversário a que se
ação. Ele é um conjunto de procedimentos mais ou coloca, lança mão de diferentes meios para se fazer ouvir.
menos definidos por meio do qual o grupo buscará Em geral, as formas mais comuns estão associadas à
alcançar seus objetivos. É bem verdade que existe desobediência civil, consagrada pelo filósofo americano
uma grande diversidade de métodos de organização Henry David Thoureau (1817-1862), ainda no século XIX,
e mobilização entre os movimentos sociais, sendo como principal meio de enfrentamento não violento em prol
possível encontrar grupos com maior ou menor de direitos. Passeatas, manifestações, carreatas, buzinaços,
capacidade de definir rigorosamente seu projeto. panelaços, campanhas de conscientização ou panfletagens
fazem parte do rol de estratégias que são comumente
Cada movimento social define suas estratégias con-
utilizadas por diversos movimentos para chamar a atenção
forme seus objetivos, o contexto em que se insere e
da sociedade civil e das autoridades para sua pauta.
o seu opositor. Historicamente foram utilizadas muitas
estratégias e táticas, sendo que algumas se tornaram Juntamente com essas ações consideradas não violentas,
clássicas, por exemplo: as greves (movimentos sindi- algumas organizações podem adotar medidas mais incisivas,
cais), passeatas, protestos, ocupações, acampamentos como a ocupação de prédios e de espaços públicos ou privados,
e, em alguns casos, a luta armada. a resistência violenta ou a adoção de táticas de guerrilha
urbana. A estratégia a ser adotada depende, em grande parte,
• A ideologia ou teoria subjacente: corresponde à do grupo contra o qual o movimento se posiciona e da reação
visão de mundo predominante no movimento social, das autoridades diante da atuação do movimento. Como
que delimita a concepção de sociedade, os ideais e as não são raros os casos de repressão violenta por parte das
propostas que vigoram entre seus membros. É possível polícias em manifestações populares, também não são raros
dizer que todo movimento social, como todo grupo, os casos de reação enérgica por parte dos manifestantes com
possui uma ideologia, ainda que de forma implícita. os instrumentos que possuem à disposição.
É necessário esclarecer que a definição de ideologia
Porém, como afirmava o ativista norte-americano Malcolm X
adotada equivale à sua concepção mais geral, que
(1925-1965), “não podemos confundir a reação do agredido
se refere a um conjunto qualquer de ideias que
com a violência do agressor”. Muitas vezes, ações noticiadas
expressa uma determinada visão de mundo, e não
como bárbaras, agressivas ou violentas pela mídia são o
necessariamente à visão marxista de ideologia, que
único meio encontrado por grupos para se fazerem ouvir,
atribui um sentido permanentemente negativo ao termo,
após sucessivas tentativas fracassadas de diálogos e
associando-o à dominação de classe.
negociações com as autoridades.
É a ideologia que fundamenta os projetos e as práticas
dos movimentos e define o sentido de suas lutas, Movimentos sociais e a democracia
estabelecendo os parâmetros teóricos e o próprio
sentido da existência da luta social. Os movimentos sociais são expressão da cidadania nas
sociedades contemporâneas, uma vez que tendem a ser
Alguns movimentos sociais podem ter mais ou menos
alimentados pelos próprios cidadãos que se organizam e
consciência dos seus componentes ideológicos,
se mobilizam em torno de interesses comuns, os quais, em
a depender da sua história, do seu caráter e dos
membros que os constituem. geral, dizem respeito à busca por melhores condições sociais
ou por direitos. Essa busca pode ser qualificada como uma
• A organização: normalmente, os movimentos sociais forma de ativismo político, ainda que não faça uso das formas
possuem algum tipo de organização hierárquica, que
políticas institucionalizadas, como os partidos políticos, os
pode ser centralizada em torno de uma liderança
representantes e os órgãos governamentais. Nesse sentido,
explícita ou pode estar descentralizada e distribuída
o britânico Anthony Giddens (1938-), em obras como
entre segmentos, subgrupos e demais participantes
do movimento. A constituição da Sociedade (1984) e Consequências da
Modernidade (1990), considera os movimentos sociais “a alma
A estrutura de organização de um movimento social produz da democracia”, uma vez que servem como termômetro da
impactos relevantes com relação à sua atuação e possui
participação efetiva da população e de sua liberdade política,
reflexos em seu sucesso ou fracasso. Cada movimento
contribuindo para a expansão de direitos e para a promoção
possui uma demanda própria de organização, não sendo
possível estabelecer, a princípio, como cada estrutura deve de debates sobre temas de interesse público.
ser constituída. Porém, a organização interna se reflete Os movimentos sociais podem ser locais, regionais,
nas estratégias, na articulação entre as ações e no nível nacionais ou mesmo internacionais, ultrapassando as
de harmonia entre seus membros. Há o risco de dois fronteiras dos países. Em um mundo globalizado e integrado
extremos: de um lado, a desarticulação completa entre pelos meios de comunicação de massa cada vez mais rápidos,
projeto, ideologia e organização, o que frequentemente
não é de se surpreender o crescimento dos movimentos em
gera ações espontâneas, desarticuladas e desorganizadas,
escala global, especialmente daqueles ligados a causas
fato que pode enfraquecer a luta social; por outro lado,
a imposição de poder por parte das lideranças, o que pode políticas e ambientais, alimentados pelas redes sociais –
levar os demais participantes a desempenhar o papel de como ficou evidente nos eventos de 2011 relacionados à
“massa de manobra”, servindo a interesses pouco nítidos Primavera Árabe, quase completamente articulados via
ou objetivos secundários. Internet por membros na Tunísia, Argélia e Egito.

40 Coleção Filosofia / Sociologia

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movimentos sociais e Participação Política

Um dos fatores mais importantes a serem mencionados Tratou-se de um fenômeno notável, no entanto muitos
sobre o crescimento de movimentos reivindicatórios ao redor analistas brasileiros e estrangeiros ainda têm dificuldade
do mundo diz respeito à crítica à capacidade dos governos de fazer uma leitura precisa de tudo o que aconteceu, dada
de darem respostas rápidas e satisfatórias à população, a grande complexidade das manifestações. A enorme va-
que tem acesso cada vez maior à informação e ao debate. riedade de grupos, tendências e ideologias que ocupou as
Temas de interesse global, como guerras, meio ambiente, ruas mostra a diversidade democrática e, ao mesmo tempo,
alternativas energéticas, alimentos transgênicos, mobilidade a existência de interesses conflitantes no cenário público.
urbana, desigualdade social, entre outros, têm despertado As manifestações de 2013, chamadas de Jornadas de
cada vez mais o interesse da sociedade civil, que se recusa a Junho ou Copa das Manifestações, ganharam atenção dos
permanecer passiva e cobra posturas mais contundentes por noticiários, principalmente a partir dos protestos organizados
parte das instituições políticas, embora nem sempre receba por movimentos sociais estudantis, como o Movimento
as respostas e as ações que espera. Esse cenário de crítica Passe Livre (MPL), que criticavam o aumento dos preços
à capacidade dos Estados de satisfazer às necessidades das passagens de ônibus em vários municípios brasileiros,
da população tem incitado o surgimento de novos sujeitos como São Paulo, Recife, Belo Horizonte e Porto Alegre.
políticos, que dialogam com as formas tradicionais e forçam A frase “Não é pelos 20 centavos, é por nossos direitos”
novas práticas de enfrentamento de dilemas. ganhou as ruas rapidamente, gerando adesão de sindicatos

soCioloGia
As ONGs, os coletivos, os cidadãos, as manifestações e e outros movimentos sociais. Mas, rapidamente, aconteceu
os movimentos sociais, em geral, são expressões desse um processo de catalisação de insatisfações de outras
anseio de participação nas decisões referentes aos rumos ordens. Esse processo foi potencializado pelo fato de o Brasil,
tomados pela sociedade e, ao mesmo tempo, figuram como conforme já mencionado, estar se preparando para grandes
formas de crítica aos modelos políticos tradicionais, que vêm eventos, como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas
apresentando desgaste e insuficiência. de 2016. A Copa das Confederações, evento-teste realizado
nas cidades-sede da Copa do Mundo FIFA, em junho de
Não há como ignorar a atual crise de representativi-
2013, forneceu o pano de fundo para atrair a visibilidade da
dade na política, diagnosticada por vários cientistas sociais
imprensa internacional e para reunir críticas contra muitos
desde o fim do século passado. Percebida como um fenômeno
aspectos da vida político-social brasileira.
mundial, esta crise de representatividade é evidenciada pelos
mecanismos de participação das democracias representativas e Sob os brados de “O gigante acordou!” e “Vem pra rua,
pelos modelos de representação tradicionais (contidos nas vem!”, milhões de brasileiros participaram dos protestos, que
figuras dos presidentes, senadores, deputados, partidos foram os mais relevantes numericamente no Brasil desde
políticos), denunciando seu distanciamento em relação aos os Caras Pintadas, em 1992. Mas o fenômeno é complexo.
verdadeiros interesses da população e os constantes desvios Como analisou o sociólogo espanhol Manuel Castells, em
de poder que se instauram na política profissional. Por esse seu livro Redes de Indignação e Esperança (2013), os movi-
motivo, desde o início dos anos 2000, muitos movimentos – mentos aconteceram “de forma confusa, raivosa e otimista”
como o “Occupy Wall Street”, nos EUA; e o “Podemos”, na (p. 185), sem lideranças aparentes e pouca participação
Espanha – se organizaram para lutar contra o atual sistema inicial de partidos políticos e sindicatos. De certa maneira,
liberal-democrático em voga em várias partes do mundo. tais movimentos demonstraram uma insatisfação generali-
zada contra a política profissional, os partidos políticos e o
modelo de democracia representativa.
Desde o início de 2013 até as primeiras semanas do
mês de junho daquele ano, as lutas sociais possuíam uma
Mariana Criola /Romerito Pontes / Creative Commons / Julie
Missbutterflies /Creative Commons. Leonardo Lara/Aldeia.

pauta com características que tangiam à esquerda (ou


de cunho social-democrata), posicionando-se contra o
aumento das passagens de ônibus e em favor da melhoria
de serviços públicos, como saúde e educação (em vários
. ... cartazes, podiam ser vistos os dizeres: “Queremos saúde
e educação padrão FIFA”). A intensa repressão policial
em vários estados brasileiros contribuiu para alimentar a
empatia de outros manifestantes para com as passeatas
~ :
Arte: Rubens Lima

estudantis. Até aquele momento, a grande imprensa havia


'\:: -
adotado uma postura editorial de desvalorização e crítica
às manifestações.
Entretanto, no decorrer do mês de junho e com o ingresso
No Brasil, verificou-se situação semelhante principalmen- de muitos outros manifestantes que não estavam vinculados
te no ano de 2013, que se tornou emblemático em virtude diretamente às pautas iniciais, houve a ampliação das
da grande quantidade de manifestações que tomaram as temáticas e das reivindicações, que passaram a abranger,
ruas em diversas cidades brasileiras. Muitos movimentos por exemplo, a crítica à corrupção política. A partir daquele
expressaram sua indignação contra as formas de represen- momento, grupos de oposição ao governo, incluindo
tatividade do liberalismo-democrático e acusaram a política partidos políticos (liberais e conservadores) e a própria
de subserviência à economia, por ocasião da discussão imprensa, começaram a participar mais ativamente das
sobre as obras para a Copa do Mundo de 2014 e, em me- manifestações, ampliando seu destaque nos noticiários e,
nor escala, para as Olimpíadas de 2016. Nesse contexto, inclusive, demonstrando apoio aos protestos. Havia vários
convém ressaltar que boa parte da mobilização aconteceu grupos, por outro lado, que defendiam que as manifestações
por meio das redes sociais, como o Facebook, demonstran- deveriam ser “apartidárias”, o que desencadeou posturas
do o grande poder de disseminação de informações e arti- de hostilidade com relação a pessoas e a movimentos que
culação social que os meios digitais possuem na atualidade. levantavam bandeiras partidárias.

Bernoulli Sistema de Ensino 41

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Frente A Módulo 10

Ainda é difícil pesar adequadamente os pontos positivos e reivindicando novos direitos, seja lutando pela manutenção
negativos das manifestações. Vários teóricos argumentam daqueles que foram arduamente conquistados. É o caso do
que a insatisfação generalizada da população teria sido MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e das
direcionada contra um único partido político, o que a organizações de direito LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais
transformou em massa de manobra para outros interesses e Transexuais), além dos movimentos sindical, feminista,
políticos. Outros teóricos enxergam nas manifestações estudantil, negro (afrodescendente), entre muitos outros
um legado de expansão da consciência democrática, de cunho local, regional ou nacional.
o que permitiu um exercício de ativismo que muitos sujeitos Cada um dos movimentos citados foi e continua sendo
políticos nunca haviam experimentado. De qualquer modo, responsável por uma grande quantidade de ações coletivas
as manifestações de 2013 trouxeram novas perspectivas à que explicitam tensões na sociedade e exigem reflexões
sociedade brasileira no que tange à participação política. mais aprofundadas com relação a uma série de elementos
da estrutura social. É o caso do MST, que desde a década
Classificações dos movimentos sociais de 1980 luta pela promoção da reforma agrária em uma
Não é fácil criar tipologias para os movimentos sociais, sociedade fortemente marcada pela concentração de terras,
pois eles assumem muitas formas e possuem uma grande situação acentuada pelo modelo econômico do agronegócio e
diversidade de projetos e organizações, conforme já foi do latifúndio vigente no país. Por essa razão, tal movimento
mencionado. Porém, com a finalidade de sistematizar os enfrenta grandes dificuldades políticas e jurídicas para ter
estudos e facilitar a compreensão, os movimentos sociais suas reivindicações reconhecidas e atendidas pelo poder
serão divididos, neste capítulo, em três categorias. público e por grande parcela da sociedade civil.

Movimentos sociais reivindicatórios: são aqueles



que exigem mudanças mais imediatas em determinada
Os novos movimentos sociais
estrutura – normas, processos ou legislações As análises clássicas sobre os movimentos sociais são
específicas, por exemplo –, a fim de que situações geralmente derivadas do modelo marxista de análise,
insatisfatórias à população sejam alteradas. o que significa dizer que eles eram vistos como resultado
do descontentamento dos grupos sociais com um sistema
• Movimentos sociais políticos: são aqueles cujo
produtivo específico, a saber, o capitalismo.
objetivo é produzir discussões mais amplas em torno
da participação política, além de sugerir mudanças de Nesse sentido, podemos dizer que as primeiras análises
maior alcance na estrutura política. sociológicas sobre os movimentos sociais atentavam para
aspectos macroestruturais, ou seja, a economia e a política
• Movimentos sociais de classe: caracterizam-se pela
seriam as esferas que exerceriam maior influência sobre a
forte consciência da desigualdade socioeconômica. Tais
vida dos indivíduos. Logo, os movimentos sociais seriam
movimentos objetivam consolidar a noção de classe
resultado do descontentamento destes com os desmandos
e questionar a ordem econômica, podendo adotar,
políticos e as crises econômicas. Sob essa perspectiva
muitas vezes, ações de cunho revolucionário.
marxista, os movimentos sociais se constituiriam a partir
de classes sociais definidas, como o proletariado ou os
Também é possível dividir os movimentos sociais quanto à
trabalhadores camponeses, ou surgiriam de organizações
sua posição em relação à situação social vigente, conforme
institucionalizadas, como os partidos políticos.
mostrado a seguir:
No entanto, a partir dos anos 1960, a perspectiva
• Movimentos reformistas: buscam mudanças pontuais
marxista de análise dos movimentos sociais passou a ser
na estrutura social, sem, no entanto, pretender alterá-la
questionada dentro da teoria sociológica. Durante o referido
por completo;
período, novas formas de ações coletivas ganharam espaço
• Movimentos revolucionários: visam a mudanças na cena política, especialmente na Europa e nos Estados
estruturais profundas na sociedade, de modo a Unidos, chegando mais tarde ao Brasil. Esses novos
transformar a ordem vigente e a implementar outra, movimentos sociais tinham como pontos a serem criticados
considerada superior; as visões totalizadoras da sociedade, que negavam, por
• Movimentos reacionários: objetivam reagir contra exemplo, a existência de diferenças individuais, e também
mudanças sociais que estão em curso, almejando a as reivindicações que visavam atender apenas a uma
manutenção de determinada estrutura social ou o determinada classe social.
retorno a um estágio anterior da sociedade. Portanto, o foco dos novos movimentos sociais recairia
sobre a construção de identidades coletivas e os problemas
Movimentos sociais da vida cotidiana dos indivíduos, ou seja, aspectos ligados
ao âmbito da cultura e não apenas restritos ao universo
emblemáticos no Brasil da política e da economia. Nesse sentido é que surgem
Conforme afirmado no início do capítulo, o conceito os movimentos sociais feministas, os de defesa do meio
de movimento social é aplicado de forma mais direta no ambiente, os que lutam em prol das causas étnicas, etc.
contexto da consolidação do Estado Moderno, republicano e Enfim, passou a existir uma pluralidade de reivindicações que
democrático, que ocorre no século XX. Porém, se desejarmos ampliaram o modo de conceber e fazer política.
fazer uma abordagem mais ampla, é possível falar de A prática política passa a estar dispersa nos mais variados
movimentos sociais desde o Período Colonial brasileiro, espaços sociais, como na família, no trabalho, no lazer,
como as muitas revoltas e insurreições que ocorreram no e não apenas na relação entre Estado e sociedade civil.
país desde o início de sua formação. Portanto, os novos movimentos sociais buscam lutar contra
No panorama do século XX, diversos movimentos sociais o poder estabelecido no nível micro das relações sociais,
se destacam pela importância que tiveram ao longo da e, mais importante que isso, são movimentos que buscam
história e pela sua presença ainda na atualidade, seja evidenciar as diferenças entre determinados grupos sociais,

42 Coleção Filosofia / Sociologia

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Movimentos Sociais e Participação Política

em vez de adotar discursos universalistas. Nesse sentido, os conflitos políticos se transferem para o âmbito da cultura,
pois, em muitos momentos, o que está em voga na luta dos movimentos sociais é a elaboração de identidades e também a
ampliação de temas que possam ser considerados políticos.
Dessa maneira, os movimentos que despontaram após a década de 1960 apresentaram, ao mesmo tempo, pautas
políticas e culturais, lutando por causas identitárias. Frequentemente associados a grupos sociais minoritários (isto é,
com menor poder político), os novos movimentos sociais pretendiam criticar as desigualdades, fomentar o debate sobre
as formas de exclusão social e propor alternativas para incluir grupos que estavam sendo socialmente marginalizados.
Nesse contexto, alguns dos movimentos mais emblemáticos são o movimento negro, o movimento LGBT, o movimento
feminista e o indígena.

Movimentos negros
O movimento negro no Brasil surgiu durante o Período Colonial, a partir das várias comunidades quilombolas que se
organizaram contra a escravização. Mas foi somente com a instauração de um Estado Republicano, em 1889, que começou
a haver lutas por direitos propriamente ditos. Desde o final do século XIX, diversos grupos da sociedade civil se organizaram
para denunciar as profundas diferenças entre brancos e negros no Brasil, herdadas do período escravista e pouco alteradas

SOCIOLOGIA
pela fase republicana. Foram criadas associações e entidades civis por “homens de cor”, como os negros eram chamados à
época, voltadas para a promoção de atividades recreativas, culturais e políticas. Na década de 1930, surgiram também jornais
e revistas advindos da denominada “imprensa negra”, cujo objetivo era denunciar as situações vivenciadas pela população
negra e dar destaque a temas ligados à população periférica, os quais eram pouco explorados pela imprensa tradicional.
Ademais, diversos grupos contribuíram para a discussão estética acerca da questão racial, trazendo à tona o debate sobre
racismo e discriminação também para o domínio artístico. Exemplo disso é o Teatro Experimental do Negro (TEN), criado em
1944 pelo político, professor, escritor e ativista Abdias Nascimento (1914-2011).
O golpe militar de 1964 enfraqueceu a luta política dos negros, desarticulando a coalizão de forças que enfrentava o
“preconceito de cor” no país. Com isso, o movimento negro organizado entrou em refluxo, as ações de resistência passaram a
ser criminalizadas e seus militantes foram estigmatizados e acusados pelos militares de criar um problema que supostamente
não existia: o racismo no Brasil. A repressão policial desmobilizou as lideranças negras, lançando-as numa espécie
de semiclandestinidade.
Somente a partir do início da redemocratização, em 1978, é que os movimentos sociais em geral, e o movimento negro
em particular, voltaram a se organizar e se mobilizar. Impulsionados pela luta do movimento negro norte-americano da
década de 1960, liderada por Martin Luther King, Malcolm X e os Panteras Negras, entre outros, diversos movimentos
brasileiros começaram a se articular em nome de uma defesa mais incisiva da igualdade de direitos para brancos e negros.
A Constituição brasileira de 1988 refletiu essa luta, dando destaque aos artigos de promoção da igualdade e de combate a
todas as formas de discriminação.
O quadro a seguir resume alguns dos aspectos das fases do movimento negro no Brasil, segundo a concepção de Petrônio Domingues:
Movimento Negro
Primeira fase (1889-1937) Segunda fase (1945-1964) Terceira fase (1978-2000)
Brasileiro
Tipo de discurso
Moderado Moderado Contundente
racial predominante
Estratégia cultural Diferencialista (igualdade
Assimilacionista Integracionista
de “inclusão” na diferença)
Principais princípios Nacionalismo e defesa das Nacionalismo e defesa das Internacionalismo e defesa das
ideológicos e forças políticas de “direita”, forças políticas de “centro” e de forças políticas da esquerda
posições políticas nos anos 1930 direita, nos anos 1940 e 1950 marxista, nos anos 1970 e 1980
Adoção “oficial” do termo “negro”.
Principais termos de Posteriormente usa-se, também,
Homem de cor, negro e preto Homem de cor, negro e preto
autoidentificação o “afro-brasileiro”
e “afrodescendente”
Pela via educacional e cultural, Pela via política (“negro no
eliminando o complexo poder!”), nos marcos de uma
Pela via educacional e moral,
Solução para de inferioridade do negro sociedade socialista, a única que
nos marcos do capitalismo ou
o racismo reeducando racialmente o branco, seria capaz de eliminar com todas
da sociedade burguesa
nos marcos do capitalismo ou as formas de opressão, inclusive
sociedade burguesa a racial
Criação de agremiações Teatro, imprensa, eventos Manifestações públicas, imprensa,
Métodos negras, palestras, atos “acadêmicos” e ações visando à formação de comitês de base,
de lutas públicos “cívicos” e publicação sensibilização da elite branca para formação de um movimento
de jornais o problema do negro no país nacional
DOMINGUES, Petrônio. Movimento Negro Brasileiro: alguns apontamentos históricos.
Revista Tempo, v. 12, n. 23, p. 117-118. 2007.

Como todo movimento social de amplo espectro, o movimento negro possui divergências internas, segmentações,
dissidências, tensões quanto às pautas e aos métodos de ação. Apesar desse fato, o movimento conseguiu importantes
avanços na promoção da igualdade racial. Exemplo disso foram: a implementação das políticas de cotas raciais nas
universidades públicas, que estão em vigor desde o ano de 2012; a criação da Secretaria de Assuntos Raciais, em 2010;

Bernoulli Sistema de Ensino 43

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Frente A Módulo 10

a criminalização do racismo mediante a Lei Caó (n. 7716 de 1989); a introdução do ensino de história e culturas africanas
e indígenas nos currículos escolares, implantada pela lei 11.645 de 2008. Com relação a esta última lei, sua intenção é produzir
conhecimento para além do eurocentrismo presente nos currículos tradicionais, que reforça os preconceitos contra africanos
e indígenas, negando a eles o mesmo status de importância que é atribuído aos europeus, à sua história e à sua sociedade.
Obter conhecimento sobre o universo histórico e cultural desses povos constitui um passo essencial para desmitificar inúmeros
preconceitos que continuam a alimentar atos discriminatórios e racistas na atualidade.
Apesar de polêmicas, as ações afirmativas foram declaradas constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal no ano de
2012, por unanimidade entre os ministros. As ações afirmativas são conjuntos de medidas tomadas pelo Estado e pela
iniciativa privada para combater os efeitos da discriminação racial, acumulados ao longo de décadas. As cotas sócio-raciais
são exemplos de ações afirmativas. Adotadas nas universidades públicas federais desde o ano 2012, baseiam-se na reserva
de vagas para grupos sociais minoritários e historicamente excluídos (indígenas, negros), visando promover a inclusão social
e a mobilidade social por meio da educação.

Movimentos feministas
Os movimentos feministas despontaram ainda no século XIX com as sufragistas inglesas e francesas – grupos de mulheres que
reivindicavam o direito de votar. Desde então, o movimento se desenvolveu e passou a incluir muitos outros pontos de pauta.
Tais movimentos envolvem uma série de teorias, filosofias e ideais e lutam pela igualdade entre as mulheres e os homens,
buscando proporcionar a garantia dos direitos das mulheres na vida em sociedade. Desde seus primórdios, o movimento feminista
não se configura de forma homogênea. Ou seja, ele é um movimento fragmentado, com diversos objetivos e manifestações,
o que impede uma generalização a seu respeito.
Há de se observar que uma parte do conhecimento científico e acadêmico é absorvido por alguns movimentos feministas.
Autoras como a filósofa pós-estruturalista Judith Butler (1956-) e a historiadora Joan Scott (1941-) são exemplos. O próprio
Pierre Bourdieu, um dos sociólogos mais reconhecidos do século passado, em A dominação masculina (1998), tratou, de certa
forma, da temática ao refletir sobre a dominação masculina como uma violência simbólica.
Algumas questões abordadas pelos movimentos feministas são: a violência contra a mulher, a diferença salarial entre homens e
mulheres, a pouca inserção feminina na política e em cargos de chefia, o assédio e o preconceito contra a mulher. Nesse sentido,
tais movimentos reivindicam a criação de políticas públicas que garantam os direitos da população feminina, resguardando
suas vidas, combatendo o assédio sexual, velado ou explícito, e garantindo sua participação em espaços sem preconceitos.

Movimentos LGBT
Os movimentos LGBT (anteriormente denominados GLS – Gays, Lésbicas e Simpatizantes) se desenvolveram a partir da
década de 1960, na esteira dos movimentos identitários negro e feminista. A sigla LGBT define os principais grupos que visa
representar: lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, transgêneros e travestis.
O movimento LGBT, juntamente com o movimento feminista que surgiu após a década de 1970, produziu importantes reflexões
acerca da sexualidade humana e dos múltiplos fatores culturais que a influenciam. Apoiados em estudos interdisciplinares, Michel
Foucault, em seu livro A História da Sexualidade (1976), e Pierre Bourdieu, em A Dominação Masculina (1998), começaram a
analisar com maior profundidade os mecanismos sociais de manutenção da heteronormatividade masculina. Em outras palavras,
esses pensadores investigaram valores, práticas e discursos que reforçam os padrões heterossexuais e masculinos, predominantes
nas sociedades ocidentais. Essa heteronormatividade impõe um ideário cisgênero: termo que se refere à identificação entre sexo
(biológico) e gênero (social), definindo somente a heterossexualidade como “normal”. No Brasil, cientistas renomados em suas áreas
acadêmicas, como Peter Fry (1941-), professor da UFRJ, e Edward Macrae (1946-), professor da UFBA, também desenvolveram
reflexões teóricas sobre a questão da homossexualidade.
Diversas organizações já se posicionaram sobre a questão. Por exemplo: a Organização Mundial de Saúde, a partir de 1990,
retirou a homossexualidade e a bissexualidade do catálogo de doenças e transtornos; a Associação Psiquiátrica do Estados Unidos,
na década de 70, considerou a homossexualidade e a bissexualidade como manifestações tão normais quanto a heterossexualidade.
Em solo brasileiro, desde 1985, a associação que representa os psicólogos proibiu que profissionais da área lidem com aqueles
que não se identificam como heterossexuais como doentes.
As Paradas do Orgulho Gay (Gay Pride) tornaram-se a principal forma de manifestação pública dos vários movimentos LGBT,
chegando a atrair milhões de defensores da causa em grandes cidades ao redor do mundo e dando visibilidade às pautas do
movimento. Entre as reivindicações, está a criminalização da homofobia, que ainda não está tipificada como crime de ódio em
nível federativo. A luta é baseada também em dados: no Brasil, a violência contra homossexuais e travestis é tão intensa que o
país detém o título negativo de campeão de assassinatos contra travestis. Os dados são da ONG TGEU, uma rede europeia de
organizações que lidam com essa determinada causa. A pesquisa mostra que, entre 2008 e 2014, foram registradas 604 mortes
no Brasil. O relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil, publicado em 2012 pela Secretaria de Direitos Humanos, apontou o
recebimento, através do Disque 100, de 3.084 denúncias de violações relacionadas à população LGBT.
Por fim, outros pontos de pauta envolvem o reconhecimento legal da união afetiva entre casais homoafetivos, que, apesar
de ter sido permitida pelo Conselho Nacional de Justiça em 2014, ainda é alvo de debate por grupos que defendem uma leitura
mais restrita do Estatuto da Família e argumentam que somente um casal heterossexual deveria receber o nome de “família”.
Outro ponto está associado à possibilidade de adoção de crianças por casais homoafetivos, tema que ainda não está regulamentado
e também é alvo de discussão na sociedade.

44 Coleção Filosofia / Sociologia

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Movimentos Sociais e Participação Política

O Movimento indígena [...] criminalizar não é utilizar a força policial para reprimir
manifestações (tratar como “caso de polícia”), mas é trans-
[...] formar (caracterizar ou tipificar) uma determinada ação em
um crime. Utilizando mecanismos legais, a intenção é fazer
com que ações e pessoas sejam vistas e julgadas (pela opinião
O que busca o movimento indígena pública, pelo órgão estatal responsável) como atos criminosos
Os indígenas possuem como objetivo central de sua e bandidos (iniciativas feitas à margem da lei).
movimentação política a conservação e delimitação de áreas SAUER, Sérgio. Processos recentes
indígenas, ou seja, terra. Porém, esse conceito é muito mais de criminalização de movimentos sociais populares.
amplo do que o conceito literal. Dentro do conceito “terra”, estão Disponível em: <http://terradedireitos.org.br/wp-
inseridas reivindicações como educação, saúde diferenciada, content/uploads/2008/10/Processos-recentes-de-
criminaliza%C3%A7%C3%A3o-dos-movimentos-sociais-
respeito e reconhecimento à cultura, projetos socioeconômicos
populares.pdf>. Acesso em: 01 fev. 2019.
destinados aos diversos povos, áreas de preservação e fiscalização
ao cumprimento de leis e demarcações.

SOCIOLOGIA
A partir das considerações de Sauer, acima expostas,
[...]
percebe-se que a criminalização dos movimentos sociais
seria uma estratégia de uma parcela determinada da
O que diz a lei sobre os indígenas sociedade civil para tentar controlar a atuação dos cidadãos
Em 1973, foi promulgada a lei 6.001, que ficou conhecida como que se mobilizam para transformações em alguns setores
“Estatuto do Índio”. Na época de sua formulação, a cultura indí- da sociedade. Então, tal ato se configuraria, para os
gena era vista como “transitória” e o índio como “relativamente manifestantes e para os defensores dos movimentos, como
incapaz”. Seguindo essa visão, os povos indígenas eram conside- uma forma de deslegitimar a busca por direitos, tratando-a
rados tutela do Estado até que sua integração com a sociedade como uma ameaça à lei e à ordem.
brasileira fosse realizada. A responsabilidade seria do Serviço de
Usualmente, a criminalização vem acompanhada de ações
Proteção ao Índio, órgão que deu espaço para atual Fundação
policiais, que se tornaram parte da relação entre Estado
Nacional do Índio – FUNAI.
e sociedade civil no Brasil. Pode-se observar tais tensões,
Após a constituinte de 1988 – processo no qual os índios fize- entre a sociedade civil e o Estado, por intermédio dos
ram-se presentes – passa a ser assegurado o direito à sua própria
meios de comunicação, que sempre trazem notícias sobre a
cultura, direito processual e direito às terras tradicionalmente
ocorrência de fatos violentos em determinadas manifestações.
ocupadas, impondo à União o dever de zelar pelo cumprimento
A violência demonstra, possivelmente, alguns traços
dos seus direitos:
autoritários da sociedade brasileira e as falhas de uma
Art. 231, CF. São reconhecidos aos índios sua organização democracia recente, ainda em processo de construção,
social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos
em que canais de negociação e diálogo nem sempre estão à
originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam,
disposição de todos os setores da sociedade.
competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar
todos os seus bens.

Em 2002, no Novo Código Civil, o índio deixa de ser considerado Política e sociedade:
relativamente incapaz e sua capacidade deve ser regulada
por legislação especial:
as manifestações
Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são de rua de 2013 e 2015
partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus
direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os As manifestações de junho de 2013, marcadas pela forte
atos do processo. presença de jovens, reuniram no mesmo espaço público
[...] integrantes de movimentos que defendiam a manifestação como
uma ação política e uma massa de indignados com a política e
FAHS, A. O movimento indígena. Disponível em:
<http://www.politize.com.br/movimento-indigena/>. com a ação governamental. Mas, mesmo estes, que rejeitavam
Acesso em: 01 fev. 2019. a política, fizeram política.

Os manifestantes fizeram política porque se posicionaram em

CRIMINALIZAÇÃO DOS
MOVIMENTOS SOCIAIS
·~·
Criminalizar consiste em caracterizar como criminoso
algo que não necessariamente está tipificado como tal.
Assim, como afirma Sérgio Sauer, sociólogo e professor da
Universidade de Brasília:
relação a temas relevantes da vida social, procurando se fazer
ouvir no espaço público. Uns se manifestaram contra a política.
Outros, em relação a uma política ou a medidas no âmbito de
políticas específicas: contra o aumento das passagens; contra a
repressão policial; contra a corrupção; pela qualidade dos serviços
públicos; contra os gastos da Copa.

Bernoulli Sistema de Ensino 45

SOCPRV2_SOC.indb 45 28/02/19 09:26 AM


Frente A Módulo 10

Analistas e integrantes de movimentos sociais e de organizações 8. As greves trabalhistas, os movimentos por melhores
políticas tradicionais manifestaram sua perplexidade diante da condições de vida na cidade e no campo, os movimentos
eclosão de um movimento que extravasava as formas tradicionais étnicos, feministas, ambientais e estudantis são exem-
de ação coletiva. [...] O movimento era múltiplo em seu foco e plos de movimentos sociais.
em sua composição, resultando ainda de uma nova forma de 16. As ações dos movimentos sociais têm o poder de re-
mobilização na esfera pública, por meio das redes sociais. verter ou de determinar políticas públicas de desenvol-
vimento econômico, social, educacional e trabalhista.
Ainda que difusas e multifacetadas, as manifestações foram
ouvidas pelos políticos: novos temas foram incorporados pela Soma ( )

agenda de partidos à direita e à esquerda. Após as manifestações,


02. (Unioeste-PR)
disputaram lugar na mídia programas partidários que procuravam
incorporar a voz das ruas (ou dela se apropriar). [...]

Os temas levantados pelas manifestações repercutiram também


na agenda governamental. No nível municipal e estadual, em
vários pontos do país, foram revogados aumentos de tarifas de
ônibus. No nível federal, medidas foram propostas em diversas
áreas (responsabilidade fiscal, reforma política, mobilidade urbana,
O símbolo acima reproduzido ficou nacionalmente conhecido
educação e saúde), em resposta à multifacetada agenda societária.
após uma série de manifestações públicas que ocorreram
A presença ativa da sociedade civil no espaço público não é em junho de 2013 e representa o Movimento Passe Livre:
algo novo no Brasil. Vale lembrar não apenas do movimento das um movimento social que luta pela implantação da ‘tarifa
Diretas Já, mas, também, da importância dos movimentos sociais zero’ no transporte público, como forma de garantir o
urbanos, nos anos 70, na luta contra a ditadura, no combate à acesso ao transporte para todas as camadas da população.
carestia e na luta pelo direito à saúde, à creche, à moradia e ao Tendo em vista aqueles acontecimentos, assinale qual das
transporte público. Na construção de políticas públicas no contexto alternativas a seguir é correta.
democrático participaram o movimento feminista, o movimento A) Os movimentos sociais deveriam ser proibidos porque
negro, organizações indígenas e o movimento LGBT, assim como provocam tumultos e depredações.
movimentos em torno do combate à violência e da defesa do B) Os movimentos sociais são movimentos de oposição
meio ambiente. [...] aos governos.
A influência da sociedade na democratização e no desenho C) Os movimentos sociais só acontecem em épocas de
de novas políticas públicas não foi um processo linear e isento crise.
de conflitos. É justamente esta uma das características centrais D) Os movimentos sociais são importantes instrumentos
da política – a disputa (civilizada) entre propostas, derivadas de na luta pelo reconhecimento de novos direitos.
diferentes visões a respeito da sociedade e de seus problemas. E) Os movimentos sociais têm como objetivo a conquista
[...] do Estado.

FARAH, M. Política e sociedade: as manifestações de rua de


03. (UEMA) No Brasil, segundo Juliana Tavares (In: Revista
2013 e 2015. Disponível em: <http://politica.estadao.com.
br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/politica-e-sociedade-
Sociologia. São Paulo: Escala, ano 1, nº 3, 2007), o custo
as-manifestacoes-de-rua-de-2013-e-2015/>. do fracasso das mobilizações sociais e as tentativas de
Acesso em: 01 fev. 2019. mudanças sociais evidenciam a questão do desemprego,
da violência institucional e do agravamento no processo
de marginalização. Nesse contexto, o povo convive e

EXERCÍCIOS se acomoda pacificamente com a miséria cotidiana,

PROPOSTOS
(®e:=tli Play) sem perspectiva de mudança. A partir desse raciocínio,
identifique os conceitos sociológicos relacionados a
movimentos sociais no Brasil.
01. (UEM-PR) Considerando a dinâmica dos movimentos
sociais, assinale o que for correto. A) Cidadania; indústria cultural; identidade; individua-
1. Os movimentos sociais visam ao confronto político e lismo; resistência social.
estabelecem ora uma relação de oposição, ora uma B) Participação política; violência; desmobilização;
relação de parceria com o Estado. alienação; individualismo.
2. Os movimentos sociais que combatem a homofobia C) Ideologia; participação política; cidadania; identidade;
procuram disseminar visões de mundo que aumentam
projeto político.
os preconceitos e as discriminações contra os
homossexuais. D) Identidade; comportamento de massa; propriedade;
cidadania; alienação.
4. Os movimentos sociais não precisam de um princípio
norteador para estruturá-los ou para garantir que eles E) Projeto político; cidadania; propriedade; alienação;
atuem como uma forma de organização coletiva. identidade.

46 Coleção Filosofia / Sociologia

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Movimentos Sociais e Participação Política

04. (Unicentro-PR) Os novos movimentos sociais são dife- 07. (UFU–MG) Apesar da diversidade dos movimentos sociais
rentes das ações coletivas de antes, por eles politizarem ocorridos no Brasil, dos anos 60 do século passado até
a esfera privada e tornarem públicas as problemáticas o presente, podem-se apontar alguns traços comuns
das minorias sociais. Assim, dentre esses movimentos, nesses movimentos.
destacam-se aqueles que Assinale a única alternativa que, mostrando esses traços
A) envolvem negros, indígenas, sem-terra e sem-teto. comuns, relaciona, respectivamente:
B) determinam a opinião pública sobre as questões 1. Um obstáculo, real ou potencial, a esses movimentos;
ecológicas.
2. O tipo de reivindicação dos grupos envolvidos;
C) produzem discussões locais e regionais, não abarcando
3. Uma possibilidade no campo político democrático.
questões globais.
D) se desenvolvem a partir do controle do Estado e dos A) A cultura política autoritária / a identidade das
partidos políticos. minorias / a ampliação da cidadania.
E) realizam pressão política, apoiando contestação da B) A falta de unidade / a reivindicação de melhorias
política econômica, e lutam por melhores salários. materiais / a revolução social.
C) A falta de unidade / a defesa das minorias / a revolução

SOCIOLOGIA
05. (UFU-MG) Atualmente, a temática dos movimentos sociais social.
apresenta uma multiplicidade de abordagens que nos
D) A cultura política autoritária / a luta por direitos /
permite transitar por dimensões diversas, assim como
a ampliação da cidadania.
convergir características que estiveram tradicionalmente
separadas.
08. (UFU-MG) Em anos recentes, no Brasil, os movimentos
Assinale a alternativa incorreta quanto aos movimentos 3TW6 sociais de afrodescendentes têm defendido a definição de
antiglobalização. cotas de vagas nas universidades e nos postos de trabalho
A) São movimentos sociais que apresentam entre seus dos setores públicos, como forma de resgatar a dívida
principais atores as redes de ação direta ou, ainda, social contraída pela escravidão e pela discriminação racial
as ações de grupos informais que possuem como ao longo de mais de quatrocentos anos.
marca o caráter não hierárquico de sua organização De acordo com o texto lido, considere as proposições a seguir,
e estruturação. identificando aquelas que têm pertinência sociológica.
B) São movimentos sociais que, visando à autonomia e à I. As reivindicações dos afrodescendentes fazem parte
participação mais efetiva da sociedade civil, justapõem do conjunto de reivindicações de outros sujeitos
oposição e resistência em suas formas de atuação. sociais discriminados, e pode-se aventar a hipótese
C) São movimentos sociais que apresentam uma homo- que deverão reforçar o conjunto das lutas sociais por
geneidade em termos de sua composição, diferente- cidadania, incluindo as lutas das etnias indígenas e
mente dos movimentos sociais do início do século XX. dos desempregados, por exemplo.
D) São movimentos sociais que reúnem atores sociais II. As reivindicações dos movimentos sociais de
e organismos diferentes a partir da contraposição a afrodescendentes reafirmam a existência de uma
uma situação específica, como o modelo de política memória histórica dos africanos no Brasil inteiramente
econômica mundial e suas consequências para as compartilhada por todos os brasileiros, sem distinção
de origem étnica e de posição social.
comunidades locais.
III. As reivindicações políticas dos afrodescendentes
são improcedentes, porque, depois do fim da
06. (UFU-MG–2016) Até a noite de 28 de junho [de 1969],
Ditadura Militar, em 1985, a democracia no Brasil
lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT)
foi definitivamente consolidada, basta ver que as
eram, sistematicamente, acuados e sofriam todo tipo
universidades e o mercado de trabalho estão abertos
de preconceitos, agressões e represálias por parte do
e acessíveis a todos.
departamento de polícia de Nova Iorque. Mas, nesta noite,
a população LGBT, presente no bar Stonewall Inn, se revoltou IV. As reivindicações dos afrodescendentes são proce-
dentes, como todas as que buscam garantir direitos
contra as provocações e investidas da polícia e, munida de
de cidadania, mas a particularidade histórica da dis-
coragem, deu um basta àquela triste realidade de opressão.
criminação racial e a dificuldade de escolha da base
Por três dias e por três noites, pessoas LGBT, e aliadas,
de cálculo para o estabelecimento de cotas impedem
resistiram ao cerco policial, e a data ficou conhecida como
medidas concretas, definitivamente.
a Revolta de Stonewall. Surgiu o Gay Pride, e a resistência
conseguiu a atenção de muitos países, em especial a do Assinale a alternativa correta.
governo estadunidense, para os seus problemas.
A) As alternativas II e III são pertinentes.
Disponível em: <http://www.cepac.org.br/ B) Apenas a alternativa I é pertinente.
agentesdacidadania/?page_id=185>.
C) As alternativas II, III e IV são pertinentes.
Considerando o texto, é correto afirmar que os novos D) As alternativas III e IV são pertinentes.
movimentos sociais
A) são definidos por sua associação às organizações de 09. (UEL-PR-2017) Leia o texto a seguir.
M1QD
classe e defesa da população marginalizada. Uma parte considerável dos novos ativistas já compareceu
B) ampliam e redefinem as formas de participação a protestos e a encontros presenciais, mas há muitos que
política em regimes democráticos. se manifestam exclusivamente na Internet sob a forma
de textos, hashtags e vídeos. E o volume de informação
C) lutam exclusivamente em defesa de seus interesses produzido por eles sinaliza a centralidade que a política
econômicos a partir de estruturas partidárias. assumiu no dia a dia dos brasileiros.
D) reivindicam a extensão de direitos sociais, civis e CIRNE, S. Somos todos ativistas. Galileu.
políticos, necessariamente universalizáveis. abr. 2016, p. 41 (Adaptação).

Bernoulli Sistema de Ensino 47

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frente a módulo 10

As formas de ativismo online e offline, no Brasil,


demonstram a emergência, na sociedade civil, de novos
seção enem
atores políticos, que se articulam por meio de ações
01. (Enem–2017) O racismo institucional é a negação
coletivas em rede.
coletiva de uma organização em prestar serviços
Com base no texto e nos conhecimentos sobre as recentes adequados para pessoas por causa de sua cor, cultura
formas de mobilização dos atores da sociedade civil, ou origem étnica. Pode estar associado a formas de
assinale a alternativa correta. preconceito inconsciente, desconsideração e reforço
A) As ações coletivas em rede podem ser comparadas de estereótipos que colocam algumas pessoas em
aos movimentos sindicais brasileiros da década de situações de desvantagem.
1970, por adotarem práticas de organização e de GIDDENS, A. Sociologia.
mobilização em defesa da esfera privada contra a
Porto Alegre: Penso, 2012. (Adaptação).
opressão estatal.
B) As manifestações políticas organizadas em redes de O argumento apresentado no texto permite o questio-
movimentos caracterizam-se pela participação de namento de pressupostos de universalidade e justifica a
diversos grupos e de múltiplos atores imersos na vida institucionalização de políticas antirracismo. No Brasil,
cotidiana, com militância parcial e efêmera. um exemplo desse tipo de política é a

C) O atual ativismo político no Brasil, a exemplo do A) reforma do Código Penal.


mundo, mobiliza entidades e organizações ideologi- B) elevação da renda mínima.
camente unificadas e com práticas comuns no mer-
C) adoção de ações afirmativas.
cado, a fim de obter vantagens coletivas trabalhistas
e salariais. D) revisão da legislação eleitoral.

D) O ciberativismo, na contemporaneidade, envolve, E) censura aos meios de comunicação.


como no passado, a mobilização das grandes classes
e a afirmação do movimento operário como principal 02. (Enem–2017) No Brasil, assim como em vários outros
protagonista das transformações socioeconômicas. países, os modernos movimentos LGBT representam um
E) Os sujeitos dos movimentos favoráveis às políticas desafio às formas de condenação e perseguição social
neoliberais, na atualidade brasileira, organizam-se em contra desejos e comportamentos sexuais anticonven-
rede para a defesa da intervenção e da regulação da cionais associados à vergonha, imoralidade, pecado,
economia e das relações de trabalho, pelo Estado. degeneração, doença. Falar do movimento LGBT implica,
portanto, chamar a atenção para a sexualidade como
10. (UEL-PR) O vídeo “Kony 2012” tornou-se o maior fonte de estigmas, intolerância e opressão.
VY21 sucesso da história virtual, independente da polêmica
SIMÕES, J. Homossexualidade e movimento LGBT: estigma,
causada por ele. Em seis dias, atingiu a espantosa soma
diversidade e cidadania. In: BOTELHO, A; SCHWARCZ, L. M.
de 100 milhões de espectadores, aproximadamente.
No primeiro dia na Internet, o vídeo foi visto por Cidadania, um projeto em construção. São Paulo:
aproximadamente 100 000 visitantes. Claro Enigma, 2012 (Adaptação).

PETRY, A. O Mocinho vai prender o bandido... O movimento social abordado justifica-se pela defesa
e 100 milhões de jovens querem ver. Veja, ano 45, do direito de
n. 12, 2 261 ed., 21 mar. 2012 (Adaptação). A) organização sindical.

A Internet revelou-se um poderoso instrumento para a B) participação partidária.


ação política de ONGs e de movimentos sociais. C) manifestação religiosa.
A respeito das formas de expressão de necessidades cole- D) formação profissional.
tivas no mundo globalizado, assinale a alternativa correta.
E) afirmação identitária.
A) As ONGs e os novos movimentos sociais têm como
característica comum a construção de estruturas hierar-
quizadas e rígidas para a realização das lutas coletivas. Gabarito meu aproveitamento
B) Como toda luta política, a conquista do poder de
Estado é o referencial a partir do qual se constroem Propostos acertei ______ errei ______
as ações das novas reivindicações coletivas de
ONGs e movimentos sociais. •0 01. Soma = 25 •0 06. B

C) Demandas ligadas ao trabalho perderam sua impor- •0 02. D •0 07. D

tância para as novas lutas coletivas expressas pelas •0 03. C •0 08. B


ONGs e pelos recentes movimentos sociais. •0 04. A •0 09. B
D) Nas novas lutas coletivas, há o predomínio dos
novos sujeitos sociais, os grupos sociologicamente
•0 05. C •0 10. E

minoritários, com um projeto definido e uniforme de seção enem acertei ______ errei ______
construção da sociedade.
E) O ativismo de ONGs e de movimentos sociais nas •0 01. C •0 02. E

redes virtuais diversifica as agendas políticas e as


práticas que buscam inovar o modo de fazer política. total dos meus acertos: _____ de _____ . ______ %

48 Coleção Filosofia / Sociologia

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FRENTE MÓDULO

SOCIOLOGIA a 11
trabalho, economia e sociedade
o CarÁter ontolóGiCo Do trabalHo
e a reProDUção Do ser soCial ·~·
A sobrevivência da espécie humana está diretamente associada ao trabalho, já que, por meio de uma série de atividades,
o ser humano consegue modificar a natureza e extrair dela os recursos necessários para sua sobrevivência e evolução.
Dessa forma, o termo “trabalho” ganha um significado especial, pois não se refere somente às atividades econômicas remuneradas,
isto é, não é sinônimo de emprego ou ocupação, definição corrente nos dias atuais. Em sentido amplo, trabalho se refere a toda e
qualquer atividade humana que transforma a natureza de modo intencional, planejada e direcionada para um fim.
Pensar na relação que os indivíduos estabelecem com o trabalho é também pensar na relação dos indivíduos com o mundo
natural. Assim, o trabalho é, na realidade, um elemento que faz a mediação entre os indivíduos e a natureza. A partir do momento
em que essa relação é estabelecida, o trabalho passa a ser um elemento constitutivo da sociabilidade e da própria condição
humana, demonstrando seu caráter ontológico e garantindo a reprodução do indivíduo como ser social. Por caráter ontológico do
trabalho, devemos entender que o trabalho é um processo que contribui para a nossa constituição como seres sociais. Uma vez
que o homem criou um instrumento como uma lança para caçar, ele é um novo indivíduo, já que agora é um ser conhecedor da
lança e das possibilidades que passa a ter com seu uso.
Por meio do trabalho, não apenas a natureza é transformada, mas também o próprio ser humano. Logo, a consciência dos indivíduos
a respeito de seu mundo social é modificada pelo seu trabalho e também pelos produtos de sua atividade laboral. Pensemos, por
exemplo, na produção de determinado objeto: sua fabricação somente é possível por meio do conhecimento de certas técnicas e,
mais adiante, sua possível venda ou troca somente se efetiva quando os indivíduos atribuem valor a ele.
Isso significa que confeccionar um objeto por meio do trabalho é materializar as possibilidades humanas em todas as suas
dimensões – físicas, intelectuais, culturais e econômicas –, marcando também a passagem do homem do estado natural para o
estado social, de modo a contribuir para a formação de nosso mundo social, não apenas sob aspectos materiais e econômicos,
mas também sob termos simbólicos.
É por isso que todo o conhecimento de técnicas aplicáveis ao trabalho humano somente pode ser compartilhado e consolidado
por meio das interações sociais. Por esse motivo, trabalho e sociedade guardam uma relação intrínseca; cada sociedade,
circunscrita a determinado período histórico, tem seu próprio modo de conceber, representar e legitimar o trabalho, uma vez
que ele se relaciona diretamente com a cultura.
No decorrer da história da humanidade, modos de produção distintos desenvolveram diferentes concepções
a respeito do valor simbólico do trabalho. Assim, podemos afirmar que as mudanças estruturais na maneira
como uma sociedade organiza a produção de bens e serviços geram vários impactos na forma como os
indivíduos se relacionam com sua atividade laboral. Logo, em uma sociedade cujo modo de produção
se baseie, por exemplo, no trabalho escravo, é impossível pensarmos na existência de direitos
trabalhistas, pois o caráter estrutural de tais direitos torna a sua existência inviável em um contexto
escravocrata.
A característica elementar do modo de produção escravista consiste no fato de que o escravo é
considerado propriedade do seu senhor. Enquanto propriedade privada, o escravo possui status similar
ao de objeto ou bem. Contudo, trata-se de propriedade de grande valor, na medida em que possui a
força produtiva que será aplicada conforme as necessidades estabelecidas por seu senhor. Vale ressaltar
que o trabalho não era valorizado pelos grupos sociais dominantes, sendo, portanto, reservado aos grupos
considerados inferiores dentro de determinada sociedade. Desse modo, nas sociedades escravocratas,
como aquelas que existiram no período das colônias nas Américas ou na Grécia Antiga, o trabalho não era
tido como atributo a ser preservado por aqueles indivíduos que se consideravam livres.
As características do trabalho em uma sociedade escravista são, portanto, bastante diferentes das
características do trabalho em uma sociedade capitalista. São essas diferenças e contradições, em
relação aos aspectos estruturais do trabalho e ao modo como certos paradigmas das atividades
laborais dos seres humanos são elaborados e ultrapassados, que interessam ao estudo sociológico
do trabalho; e é a isso que iremos nos dedicar neste capítulo.
Rubens Lima

49

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Frente A Módulo 11

É interessante observar as características sociais da • A balança comercial favorável, em que a acumulação


Economia, que a aproxima mais das ciências humanas e sociais de capital era de interesse dos Estados Nacionais e de
do que das ciências exatas ou naturais. Apesar de lidar com suas burguesias, seguindo o lema “vender sempre,
ferramentas como a Matemática e a Estatística, as Ciências comprar nunca”. Assim, a classe burguesa ficava
Econômicas não são exatas e lidam com variáveis humanas paulatinamente mais rica e poderosa e alcançava maior
como trabalho, demanda, desejo, produção de riquezas e prestígio político.
todos os aspectos morais, políticos e psíquicos que compõem
• O metalismo, em que os metais preciosos, especialmente
as escolhas humanas. O fato de nos encontrarmos numa fase
ouro e prata, tornaram-se padrões de medida da
altamente elaborada do capitalismo, marcada pelo domínio das
acumulação de capital. Logo, a quantidade de metais
finanças e da virtualização financeira, às vezes não nos deixa
adquirida passa a ser a medida da riqueza nacional.
perceber que o domínio da economia e das políticas econômicas
está associado ao trabalho, que é prática existencial humana,
Durante o século XIX, desenvolveu-se a segunda fase do
e ao terreno bastante pantanoso das escolhas e dos desejos
capitalismo, chamado capitalismo industrial-financeiro,
individuais, que movimentam boa parte do mercado e,
que teve início com a Primeira Revolução Industrial.
por conseguinte, da produção industrial.
O primeiro país a realizar a Revolução Industrial foi a Inglaterra,

·~·
em meados do século XVIII. Posteriormente, já no século
AS FASES DO XIX, outros países, como França, Alemanha, Bélgica, Itália,

CAPITALISMO Rússia, Estados Unidos e Japão, iniciaram a implementação


do sistema fabril e do trabalho maquinofaturado.
Conforme já vimos, cada sociedade, inscrita em um O capitalismo industrial, firmando-se como o modo de
determinado período histórico, entende e concebe o trabalho produção hegemônico no Ocidente, produziu uma nova
de modo distinto. Essas mudanças de concepção em relação classe social – o operariado, classe trabalhadora das
ao trabalho estão ligadas, por sua vez, às mudanças em indústrias – e estabeleceu um novo conjunto de relações
seu caráter estrutural. Pensemos, por exemplo, no modo de produção, especialmente ligadas ao trabalho assalariado.
de produção feudal.
As revoluções industriais intensificaram o desenvolvimento
A derrocada do modo de produção feudal se deu pela
tecnológico aplicado à produção, aumentando enormemente
conjunção de três fatores estruturais, a saber: o acréscimo
o crescimento econômico do período e o enriquecimento
populacional, exigindo um aumento na demanda por produtos
da classe burguesa. O desenvolvimento tecnológico era
que se tornou impossível de ser atendida; a impossibilidade
totalmente voltado ao subsídio das indústrias a fim de que
de aproveitar os recursos naturais em razão do nível da
produzissem cada vez mais, gerando um acúmulo de capital
tecnologia desenvolvida até então; e o crescimento do
comércio nas cidades, o que gerou uma mudança no regime que possibilitou o surgimento de instituições financeiras,
de trabalho, pautado no assalariamento, e não na servidão. que começaram a comercializar dinheiro por meio de
empréstimos, financiamentos e cobrança de juros. Essa maior
A crise do sistema feudal abriu espaço para o desenvolvimento
disponibilidade de crédito no mercado contribuiu para estimular
do sistema capitalista à medida que transportava do campo
a implementação de novas tecnologias industriais visando
para a cidade o lócus do desenvolvimento das atividades
aumentar a competitividade entre as indústrias, gerando um
comerciais, estimulando o surgimento de corporações de
ofícios entre os trabalhadores. Além disso, a mudança operada desenvolvimento cíclico no sistema capitalista.
facilitou o processo de formação dos Estados Nacionais ao
centralizar o controle político em territórios bem mais vastos
que os dos feudos.
Entretanto, é importante atentarmos às transformações
ocorridas dentro do próprio sistema capitalista e suas
distintas fases. Entre os séculos XV e XVIII, há a chamada
fase do capitalismo comercial ou mercantil, que se
A INVESTIGAÇÃO SOCIAL
SOBRE O TRABALHO ·~·
O processo de mecanização fez com que também houvesse
uma divisão social do trabalho bastante acentuada. Devemos
entender essa divisão como uma condição necessária para
caracterizou pela acumulação primitiva de capitais por parte
o desenvolvimento dos sistemas sociais de produção de
das potências europeias com a exploração de suas colônias,
mercadorias. Nesse contexto, temos duas formas de divisão
não apenas por meio da busca de metais preciosos, mas
social do trabalho: a primeira diz respeito a todas as formas
também por intermédio do comércio de produtos valorizados
de atividades laborais que, em conjunto, formam o complexo
no mercado europeu e apenas encontrados nas colônias.
econômico de uma sociedade. Como exemplo, podemos
Foram marcas desse período: pensar nos diferentes setores de uma economia, como o
• O protecionismo comercial, em que os Estados absolu- setor têxtil, automobilístico, naval, etc. Há também a divisão
tistas dificultavam a entrada de gêneros estrangeiros social do trabalho, que ocorre internamente em cada fábrica,
em seus mercados; ao passo que protegiam, em seu empresa ou indústria. Essa divisão se refere às funções
mercado interno, os produtos nacionais, bem como os entre os trabalhadores, necessárias para o funcionamento
provenientes das colônias. da fábrica, indústria ou empresa.

50 Coleção Filosofia / Sociologia

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Trabalho, Economia e Sociedade

Não podemos nos esquecer de que a divisão das funções Essa revolução produtiva elevou os Estados Unidos e a
era determinada pelo próprio desenvolvimento tecnológico, Alemanha à condição de grandes potências industriais e
ou seja, a cada inovação tecnológica, as funções eram econômicas. Evidentemente essas mudanças não poderiam
criadas para que fosse possível operacionalizar as máquinas. ocorrer sem afetar também a esfera do trabalho. Assim,
a possiblidade de lucrar cada vez mais com expansão dos
Desse modo, o trabalho artesanal passou a ser substituído
mercados consumidores exigiu das indústrias novos modelos
por funções que foram modificadas e até mesmo criadas,
de gestão do trabalho em suas dependências.
dada a funcionalidade do maquinário.
É nesse contexto de maior exigência de produtividade que
Adam Smith (1723–1790) e David Ricardo (1772–1823)
modelos de gestão dos trabalhadores, como o taylorismo
são alguns dos nomes associados às primeiras reflexões
e o fordismo, fizeram-se conhecidos a partir do século
sobre o trabalho e o mercado, buscando interpretações que
XIX. Em comum, esses dois modelos de gestão produtiva
fossem adequadas ao sistema que surgia sob os interesses
aprofundavam a divisão de tarefas dentro da produção,
da classe burguesa. Filiados ao liberalismo econômico,
pregavam o pagamento vinculado à produtividade e exigiam
defendiam a liberdade econômica como princípio fundamental
que a produção fosse realizada no menor tempo possível,

SOCIOLOGIA
e acreditavam que o mercado deveria se autorregular de
atrelando o trabalho ao cronômetro.
acordo com a lei da oferta e da procura. Logo, a “mão livre do
O taylorismo surge em 1911 com a publicação do livro
mercado”, e não o Estado, é que deveria regular a qualidade
Os princípios da administração científica, escrito pelo
e a quantidade do que se produz, os preços das mercadorias
engenheiro estadunidense Frederick W. Taylor. Além dos
e os salários pagos aos trabalhadores.
princípios já citados, Taylor propunha uma divisão entre
Karl Marx (1813–1883) foi o pensador social que produziu os operários, que deveriam executar tarefas manuais
análises fundamentais para a compreensão do modo de especializadas e repetitivas; os gerentes seriam responsáveis
produção capitalista e do modo como o trabalho se enquadraria pelo trabalho intelectual, pelo controle do processo de
neste, até então, novo modo de produção. De acordo com produção, além de criarem meios para premiar os operários
Marx, no capitalismo, a principal característica estrutural do mais produtivos.
trabalho reside no fato de que o trabalhador é aquele que vende
Quem primeiro colocou em prática as ideias de Taylor
sua força de trabalho em troca de salário. Assim, segundo foi Henry Ford (1863-1947), fundador da empresa
ele, no capitalismo, o trabalho perde seu caráter ontológico automobilística Ford. Ao longo do tempo, o processo de
e se transforma em mercadoria a ser negociada no mercado. produção da Ford foi sendo aprimorado e, mais tarde, ficou
Um outro aspecto fundamental do trabalho em uma sociedade conhecido como fordismo. Suas principais características
capitalista seria o fato de este produzir a mais-valia, conceito são a produção em massa de produtos similares, o uso
que consiste na parcela do lucro que não é repassada ao da fragmentação de funções entre gerentes e operários,
trabalhador e permite o acúmulo de capital por parte da concentração de toda a produção no espaço da fábrica e
classe burguesa. grande contingente de operários para executar funções
similares. Para o sociólogo brasileiro Ricardo Antunes,
estudioso do mundo do trabalho:
Trabalho produtivo no sentido da produção capitalista é o trabalho
assalariado que, na troca pela variável do capital (a parte do
capital despendida em salário), além de reproduzir essa parte O fordismo pode ser compreendido, fundamentalmente,
do capital (ou o valor da própria força de trabalho), ainda produz como a forma pela qual a indústria e o processo de trabalho
mais-valia para o capitalista. Só por esse meio, mercadoria consolidaram-se ao longo deste século [...], e cujos
ou dinheiro se converte em capital, se produz o capital. Só é elementos constitutivos básicos eram dados pela produção
produtivo o trabalho assalariado que produz capital. Isso equivale em massa, através da linha de montagem e de produtos mais
a dizer que o trabalho assalariado reproduz, aumentada, a soma homogêneos; através do controle do tempo e movimentos,
de valor nele empregada, o que restitui mais trabalho ao que pelo cronômetro taylorista e produção em série fordista.
recebe na forma de salário. Por conseguinte, só é produtiva a ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as
força de trabalho que produz valor maior que o próprio. metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho.
São Paulo: Cortez, 1995. p. 17.
MARX, Karl. Trabalho Assalariado e Capital.
São Paulo: Global Editora, 1980. p. 132.
Ainda que seja semelhante ao taylorismo, no que se refere
à separação entre planejamento e execução, o fordismo
Um período de extrema importância para a configuração
é mais importante que o taylorismo se considerarmos os
moderna do mundo do trabalho se deu a partir do final do impactos sociais causados por ele. Por ser orientada para o
século XIX, quando teve início a chamada Segunda Revolução consumo em massa, a produção fordista necessita de um
Industrial, um processo que durou até a década de 70 do mercado interno forte e consolidado, ou seja, é necessária
século passado. Nesse período, a energia elétrica passou a a existência de uma população com bom poder de compra
ser utilizada como uma das principais fontes energéticas, para consumir / adquirir essa produção. Para que tal
bem como o petróleo, possibilitando o desenvolvimento estratégia funcionasse, era necessário que a produção fosse
das indústrias petroquímicas, metalúrgicas, siderúrgicas desenvolvida, com o aumento da produção, e os preços
e automobilísticas. caíssem, gerando maior consumo e mais lucros.

Bernoulli Sistema de Ensino 51

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Frente A Módulo 11

Nesse sentido, o fordismo adquiriu importante relevância social. Uma vez que era preciso assegurar certo padrão de vida
que garantisse o consumo por parte dos trabalhadores, os sindicatos, empresários e os Estados centrais do capitalismo, por
meio de negociações coletivas, criaram um pacto social em torno do trabalho assalariado, que garantiu contratos de trabalho
de longo prazo, limites impostos às demissões em massa, entre outros direitos. Nesse contexto, o poder de consumo era
garantido pelo fato de os salários crescerem em relação aos preços dos produtos. Por esse motivo, era necessária a atuação
forte do Estado, não apenas em termos de regulação da economia, mas na promoção de políticas públicas que garantissem
o status social do trabalho assalariado.
O modelo fordista e o mercado consumidor por ele criado foram os grandes motores da economia mundial até a crise
de 1929. Enquanto a Europa foi um importante mercado consumidor dos Estados Unidos em seu período de reconstrução,
durante o pós-Primeira Guerra Mundial, a economia mundial se manteve equilibrada. No entanto, à medida que os europeus,
aos poucos, foram resgatando seu mercado interno – e a indústria estadunidense não diminuiu sua produção –, houve uma
saturação de seus produtos no mercado mundial.
A esse quadro somou-se a especulação financeira em torno da Bolsa de Valores dos Estados Unidos, que deixou de ser
um instrumento de capitalização e fortalecimento para as indústrias do país para se tornar um espaço onde as ações eram
vendidas a preços supervalorizados. Assim, para superar a crise sob a égide do liberalismo econômico, a saída foi apostar em
um Estado mais presente na economia, ancorado no plano elaborado nas ideias do economista inglês John Maynard Keynes
(1883-1946), o chamado New Deal.
O Estado intervencionista adotado nos Estados Unidos e na Europa conduziu a economia mundial a um período de apogeu
e força, compreendido entre o fim da Segunda Guerra Mundial e os anos 70 do século passado. Esse período contribuiu para
solidificar nos países centrais do capitalismo a concepção de que o trabalho era um elemento fundamental para a inserção
social dos indivíduos. Isso significa dizer que, por meio do trabalho, os indivíduos europeus asseguravam o direito a uma série
de garantias sociais, como saúde, previdência e educação, que podemos entender como uma proteção que o Estado nos países
europeus oferecia aos trabalhadores contra riscos sociais, como doenças e desemprego.
Essa configuração societária ficou conhecida como Estado de Bem-estar Social. Por meio dele, além de o trabalhador
europeu ter garantidas as condições mínimas para sua reprodução social, o Estado de Bem-estar Social europeu também
garantia aos trabalhadores a condição de consumidores em caso de perda do emprego, o que, evidentemente, era importante
para fomentar o mercado de consumo.
Esse período de ouro do sistema capitalista é entendido, por diversos autores, como um momento em que a relação
entre capital e trabalho era estabelecida de forma a produzir uma espécie de conforto social para os trabalhadores,
visto que a relação de complementaridade entre trabalhadores e empresários, com a mediação do Estado, mostrava-se
como o pilar do desenvolvimento capitalista. Notemos que essa configuração social primava por uma relação harmoniosa
entre a esfera econômica e a esfera social. Em tal contexto, o Estado detinha o controle sobre as forças ordenadoras do
mercado capitalista.

A CRISE DO FORDISMO: TOYOTISMO E A


REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DO CAPITALISMO
·~·
Durante os anos 70, o modelo do Estado de Bem-Estar Social, ancorado no fordismo, entrou em crise em função
da recessão econômica causada pela diminuição da taxa de lucros. Conforme vimos, a lógica fordista foi implemen-
tada com um grande apoio dos Estados Nacionais, no sentido de garantirem uma série de direitos aos trabalhadores.
A preocupação de manter os trabalhadores como consumidores fez com que a mão de obra se tornasse cara no sistema
fordista. Assim, os lucros por parte dos empresários foram diminuindo para que o sistema fosse mantido.
A crise do sistema fordista exigiu uma reestruturação do modo de produção capitalista. Essa reestruturação buscava retomar
o mesmo patamar de lucro dos anos anteriores. Para tanto, ocorreu um maciço investimento em inovações tecnológicas que
possibilitou o surgimento de um novo modelo de organização produtiva: o toyotismo, que surgiu nas fábricas de automóveis
da montadora Toyota, no Japão, nos anos 70.
Esse novo modelo se consolidou na década como um modelo de produção que substituiu o fordismo, aprofundando o processo
de exploração da mão de obra. Em relação ao fordismo, o toyotismo se diferencia por eliminar o trabalho repetitivo, exigindo
que os trabalhadores sejam multifuncionais para operarem mais de uma máquina.
Desse modo, as inovações tecnológicas aplicadas à produção, implementadas pelo toyotismo, permitiram às
indústrias reduzir o número de empregados diretamente envolvidos na produção. Entre as principais características
do toyotismo, temos a produção variando de acordo com a demanda, além da horizontalização da produção,
ou seja, baixo número de funcionários nas fábricas e utilização de terceirização de mão de obra e subcontratações.
O primeiro impacto dessas mudanças no mundo do trabalho foi a diminuição dos postos de trabalho, originando o chamado
desemprego estrutural.

52 Coleção Filosofia / Sociologia

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Trabalho, Economia e Sociedade

Uma vez desempregados, o retorno dos operários aos postos de trabalho se dava ao sabor das condições do mercado.
Por isso, esse retorno acontecia de maneira temporária, ou então de forma precária na condição de subcontratação ou pela
terceirização, sem as garantias sociais que outrora eram fortalecidas pelo emprego, como férias remuneradas e aposentadoria.
Cabe ressaltar que essas transformações não ficaram restritas aos países centrais do capitalismo, chegando também aos
países periféricos e em desenvolvimento, como o Brasil.
Por buscar a flexibilização do trabalho (por meio da redução das garantias sociais ligadas ao trabalho), dos mercados
(desconcentração fabril, com instalação de fábricas em países com mão de obra mais barata) e dos produtos (produção
atrelada à demanda, para evitar a superprodução), o toyotismo também ficou conhecido como processo de “acumulação
flexível”, uma vez que a recuperação econômica, para que fosse possibilitada a acumulação de capital, aconteceu com a
flexibilização dos segmentos citados.
Para os trabalhadores, as transformações impostas pelo toyotismo significaram a redução de seu poder aquisitivo.
Além disso, houve uma diminuição da capacidade dos sindicatos de reivindicarem melhores condições para os operários,
até mesmo em razão da redução de empregados contratados formalmente, contribuindo para dificultar a união da classe
trabalhadora em torno de demandas coletivas. As novas relações de trabalho estabelecidas foram vantajosas para os

SOCIOLOGIA
detentores do poder econômico, uma vez que a contratação da mão de obra não tinha o mesmo amparo jurídico e social
de outrora, aumentando, assim, a exploração do trabalho nas indústrias.
O processo de acumulação flexível marca um novo contexto político, econômico e social, pois deixa explícita uma contradição
básica dos tempos modernos: o aumento do crescimento econômico e do desenvolvimento tecnológico concomitante ao
aumento das desigualdades e à diminuição dos direitos sociais. Esse paradoxo se torna ainda mais evidente a partir do
momento em que o papel do Estado na economia também foi repensado, dando início à adoção de medidas neoliberais,
conforme veremos a seguir.

Fotos: Chris Collins of the Margaret Thatcher Foundation / Creative Commons.


Gabinete Executivo do Presidente dos Estados Unidos / Domínio Público.
Arte: Rubens Lima

DESENVOLVIMENTISMO, DEPENDÊNCIA
E MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA
·~·
No Brasil desenvolveram-se uma série de teorias socioeconômicas, ao longo do século XX, que buscavam, ao mesmo tempo,
explicar e produzir diretrizes para o crescimento econômico do país. Entre elas, destacaremos o desenvolvimentismo, de Celso
Furtado (1920-2004); a teoria da dependência, que contou com teóricos como o sociólogo e ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso (1931-); e a crítica à modernização conservadora realizada por Florestan Fernandes (1920-1995).

Bernoulli Sistema de Ensino 53

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Frente A Módulo 11

A teoria desenvolvimentista foi defendida principalmente A teoria da dependência passou a ser largamente associada
pelo economista Celso Furtado e buscava ser uma resposta à ao modelo neoliberal, por defender a primazia dos interesses
Grande Depressão da década de 1930, fruto da quebra da bolsa de mercado sobre os interesses sociais. No neoliberalismo,
de Nova Iorque em 1929. O desenvolvimentismo defendia
os altos índices de PIB e os grandes lucros de multinacionais
uma política econômica que inseria o Estado ativamente
mascaram os salários baixos; os investimentos em educação
na economia capitalista, tendo um papel preponderante
na alimentação do crescimento da produção industrial, em mostram-se limitados; a formação de mão de obra industrial
investimentos na ampliação da infraestrutura, investimentos e os indicadores sociais são consideravelmente precários.
no progresso técnico e incentivo ao consumo por parte da O sociólogo Florestan Fernandes, atento a tais fatores sociais,
população. O Estado seria responsável por criar as condições realizou uma leitura crítica tanto do desenvolvimentismo
propícias para o desenvolvimento econômico, por intermédio de
quanto da teoria da dependência, denominando ambas de
incentivos fiscais e da criação de planos de metas de crescimento.
formas de modernização conservadora. Na leitura feita
No entanto, o desenvolvimentismo não equivale ao modo de
produção socialista / comunista, pois, como afirmamos, não se por Florestan Fernandes, as políticas econômicas, adotadas ao
baseia na estatização da economia, e sim na compreensão de longo do século XX no Brasil e em outros países periféricos,
que o Estado é um agente econômico privilegiado dentro da não se esforçaram para realizar reformas de base em
estrutura capitalista. Porém, assim como as escolas econômicas nome de uma democratização da economia e do progresso
de base keynesiana (John Maynard Keynes, defensor do Estado social; ao contrário, tanto o desenvolvimentismo quanto
de Bem-Estar Social), o Estado teria o papel de articular a
(e principalmente) a teoria da dependência reforçaram as
economia para que ela beneficie toda a população e favoreça o
profundas desigualdades econômicas oriundas do Período
progresso social, e não somente os grupos que são detentores
do capital industrial-financeiro. Colonial, renovando as antigas alianças oligárquicas sob novas
roupagens consideradas “modernas”, como a industrialização
O desenvolvimentismo, aliado a uma proposta nacionalista,
que buscava o fortalecimento do mercado interno e um burguesa e a submissão ao capital internacional. Sua crítica
desenvolvimento autônomo, foi apropriado por diversos se estende com a percepção de que as questões relativas a
governos ao longo do século XX, incluindo o de Vargas até avanços sociais, educacionais e de direitos permaneceram
o dos militares da década de 1970, recebendo diversos sempre em segundo plano em relação aos investimentos
formatos. Procurava atrelar desenvolvimento industrial nos grandes setores da economia, mantendo os progressos
com desenvolvimento social, associando o aumento do PIB
socioculturais distantes da realidade social.
e a geração de empregos a avanços de direitos sociais.
Na prática, no entanto, os avanços sociais não acompanharam A falta de investimento em educação, problema que
os investimentos econômicos. remonta ao Período Colonial e se mantém atualmente, mesmo
Na década de 1960, surgiu a teoria da dependência. Entre após a retomada democrática na década de 1980, é um dos
seus criadores, encontrava-se o sociólogo Fernando Henrique sintomas dessa modernização conservadora, que insiste na
Cardoso, que viria a se tornar presidente da República em formação de quadros funcionais voltados para alimentar a
1994. Essa teoria defendia a tese de que as economias de indústria de base, com pouca atenção dada à educação básica
países periféricos dependiam das economias de países centrais de qualidade e à formação científico-tecnológica de alto nível.
(EUA e nações industrializadas europeias) para se desenvolver
Com isso, os grupos economicamente dominantes se valem
economicamente. Argumentando que os investimentos
das instituições políticas para manter a estrutura econômica
estrangeiros não eram obstáculos ao desenvolvimento das
economias dos países periféricos, pelo contrário, seriam a sua que lhes beneficia e reforçar as relações de dominação e
alavanca, os teóricos da teoria da dependência alegavam que dependência para com o capital internacional.
o capitalismo, como estrutura internacional, impossibilitaria o
desenvolvimento de uma economia nacional autônoma. Assim,
somente restaria aos países subdesenvolvidos (de terceiro
mundo) desempenharem sua função na lógica da globalização
dos mercados, em busca de extrair benefício dela. Na visão
de seus defensores, o desenvolvimento econômico para a
América Latina somente seria possível mediante a abertura do
A DIFUSÃO DO
MODELO NEOLIBERAL ·~·
A crise estrutural do sistema capitalista, que eclodiu
nos anos de 1970, exigiu não apenas uma reestruturação
produtiva, como também uma reestruturação política
mercado nacional ao capital estrangeiro, por meio de incentivos
à instalação de fábricas de empresas multinacionais, tornando consolidada na expansão da perspectiva neoliberal. Apesar
o país um “dependente-associado”. Apenas com a entrada do de ter surgido no pós-Segunda Guerra Mundial, na Europa
capital estrangeiro seria possível promover avanços internos e nos EUA, o neoliberalismo somente encontrou terreno
que levariam ao desenvolvimento econômico. Segundo essa fértil para que fosse efetivamente praticado pelos Estados
tese, metaforicamente, seria necessário primeiro aumentar o Nacionais europeus e americanos após a derrocada do Estado
bolo para depois reparti-lo. de Bem-Estar Social.

54 Coleção Filosofia / Sociologia

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Trabalho, Economia e Sociedade

Considerada a obra fundante do pensamento neoliberal,


[...] acrescentamos que tanto os assalariados da indústria
O caminho da servidão, escrito pelo economista austríaco
quanto os da agroindústria e do setor de telemarketing e
Friederich Hayek e publicado em 1944, tinha como propósito
call center são partes constitutivas das forças sociais do
criticar a intervenção estatal na economia, que, segundo trabalho, que participam direta ou indiretamente da geração
Hayek, estaria na base da crise estrutural do capitalismo. de mais-valia e da valorização do capital. Oscilando entre a
Em sua visão, o mercado constitui uma esfera social grande heterogeneidade em sua forma de ser (gênero, etnia,
autorregulável, e teorias como o keynesianismo, que pregava geração, espaço, qualificação, nacionalidade, etc.) e a impulsão
forte atuação estatal no mercado – seja na garantia de tendencial para uma forte homogeneização que resulta da
direitos trabalhistas, seja na esfera produtiva e de serviços condição precarizada presente em distintas modalidades de
por meio das empresas estatais –, são entraves para o trabalho que se ampliam em várias partes do mundo e também
crescimento econômico. no Brasil, eles [os trabalhadores] se convertem cada vez mais
Os preceitos neoliberais passaram a fazer parte dos em partícipes ativos no desencadeamento de novas lutas sociais
e sindicais que vêm se ampliando em escala global.
governos dos países centrais do capitalismo a partir de 1979,

SOCIOLOGIA
com o governo da primeira ministra Margareth Thatcher, ANTUNES, Ricardo. Desenhando a nova morfologia do trabalho
no Brasil. Estudos Avançados, São Paulo, v. 28, n. 81, p. 39-53,
na Inglaterra, e de Ronald Reagan, em 1980, nos Estados
ago. 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ea/
Unidos. No entanto, esse processo de redução da atuação v28n81/v28n81a04.pdf>. Acesso em: 01 fev. 2019.
estatal na esfera social e no mercado chegou também à
América Latina, em especial com o governo de Pinochet, no
Chile, em 1973, que, para implementar o ideário neoliberal, A CENTRALIDADE DO TRABALHO
reprimiu de forma bastante violenta os movimentos operários
e sociais chilenos. No Brasil, o neoliberalismo se iniciou com
o Governo Sarney (1985-1990), permeou os governos de
Collor (1990-1992) e Itamar Franco (1992-1995), até se
consolidar durante os mandatos de Fernando Henrique
Cardoso (1995-2002).
E AS NOVAS RELAÇÕES
PRODUTIVAS NO SÉCULO XXI
Neste século, em que o processo de Globalização se en-
contra cada vez mais consolidado em virtude do desenvolvi-
mento dos meios de comunicação, a relação entre sociedade
·~·
Em comum, todos esses governos guiaram suas políticas e trabalho encerra mais um momento de mudanças. Assim,
econômicas baseando-se na disciplina fiscal, na estabilidade temos um deslocamento da ação produtiva única e exclusi-
monetária, na redução de gastos públicos, na liberalização vamente centrada na relação entre detentores dos meios de
financeira e comercial, na alteração das taxas de câmbio, produção e aqueles que vendem sua mão de obra, para a
no investimento direto estrangeiro, nas privatizações e na valorização financeira da informação e do capital financeiro,
desregulamentação das leis trabalhistas. representado pelos mercados de ações, títulos e câmbio,
enfim, pelas práticas que não necessitam diretamente da
relação produtiva baseada no trabalho.
Desenhando a nova morfologia
Nesse novo contexto, a globalização contribui para um fluxo
do trabalho no Brasil
constante de pessoas, produtos e capital pelas fronteiras
Contrariamente às teses que advogam a perda de relevância nacionais, para a difusão de empresas multinacionais e
do trabalho no mundo contemporâneo, estamos desafiados a transnacionais e para a revolução tecnológica, que é marcada
compreender sua nova morfologia, cujo elemento mais visível é especialmente pela expansão da Internet.
o seu desenho multifacetado, resultado das fortes mutações que
Devido aos avanços das novas tecnologias informacionais, que
afetaram o capitalismo nas últimas décadas. Nova morfologia
se tornam cada vez mais presentes no universo do trabalho,
que, no Brasil, compreende desde o operariado industrial e
rural até os assalariados de serviços, os novos contingentes de
exige-se cada vez mais formação dos trabalhadores para
homens e mulheres terceirizados, subcontratados, temporários atuarem nesse mercado. Isso porque, devido à automação
que se ampliam. Nova morfologia que presencia a ampliação dos sistemas produtivos, cada vez mais atrelados ao
de novos proletários do mundo industrial, de serviços e da desenvolvimento de softwares e programas de computadores,
agroindústria, de que são exemplos as trabalhadoras de os trabalhos manuais e repetitivos têm diminuído bastante.
telemarketing e call center, das tecnologias de informação Logo, a capacidade de raciocínio lógico e abstrato tem sido
e comunicação que se desenvolvem na era digital, além dos bastante requerida dos trabalhadores, o que não acontecia
digitalizadores que laboram nos bancos, dos assalariados séculos atrás, quando a especialização dos trabalhadores
do fast food, dos trabalhadores jovens dos hipermercados, significava exatamente a execução de tarefas repetitivas.
dos motoboys [...] usando suas motocicletas para transportar Essa mudança na exigência de maior qualificação por
mercadorias, etc. E essas distintas modalidades de trabalho parte dos trabalhadores é fruto do processo de flexibilização
vêm desempenhando um papel de destaque, não só na
proposto pelo toyotismo. Da mesma forma, é herança desse
agilização da circulação de informações, vital para a reprodução
sistema produtivo o surgimento do trabalho terceirizado e
do capital, como também no desencadeamento de novas lutas
da precarização do trabalho devido à perda das garantias
sociais e sindicais.
sociais que a ele se atrelavam.

Bernoulli Sistema de Ensino 55

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Frente A Módulo 11

Com a crise do capitalismo deflagrada nos anos 70, o consequente crescimento do desemprego e a redução dos direitos
sociais ligados ao trabalho, vários sociólogos passaram a questionar se de fato a categoria trabalho seguiria sendo central
para a compreensão das sociedades modernas. Assim, pensadores sociais como André Gorz (1923-2007), Jurgen Habermas
(1929-) e Clauss Offe (1940-) passaram a lançar dúvidas em relação à possibilidade de as sociedades modernas se organizarem
em torno do trabalho e, dessa maneira, conseguirem produzir a coesão social, uma vez que subcontratações e a constituição
de um mercado informal ganhavam cada vez mais importância no mundo capitalista pós-crise dos anos 70.
Contudo, ainda que, juntamente com a recuperação da indústria, tenha ocorrido um aumento do desemprego não apenas
nos países centrais, mas também em países como o Brasil, não podemos afirmar que o trabalho perdeu sua centralidade
no mundo contemporâneo. Em primeiro lugar, porque o trabalho não regulado por leis formais sempre existiu no sistema
capitalista; a mudança operada pelo fordismo foi o combate a esse tipo de trabalho, já que o trabalho formal gerava mais
vantagens para trabalhadores, empresários e até mesmo para o Estado. Em segundo lugar, não podemos definir o trabalho
informal como um tipo de trabalho que, além de estar à margem das leis trabalhistas, seja sinônimo de trabalho de baixa
produtividade e que não gere impactos na economia formal.
Se considerarmos a informalidade como algo negativo apenas por se diferenciar do modelo de pleno emprego, não seria
possível compreender o campo do trabalho em países como o Brasil, no qual o fordismo e o Estado de Bem-Estar nunca
chegaram a ser realidades bem definidas, como ocorreu nos países centrais do capitalismo europeu. Em países como o Brasil,
a informalidade é parte da estrutura econômica e também abriga setores da economia extremamente rentáveis, muitas vezes
não apresentando disparidade de renda entre os trabalhadores que se encontram nesse setor e os que estão no setor formal.
O maior problema do trabalho informal está na sua desregulamentação, isto é, no fato de que o trabalhador muitas vezes
se encontra legalmente desamparado. Mas, como mostra Jessé Sousa (1960-), a relação entre trabalho formal e informal é mais
complexa do que parece à primeira vista, levando-se em conta a precarização do trabalho formal.

O trabalhador precariamente qualificado está entre o desemprego (real ou potencial), a escolarização média e o trabalho
precário. Ele experimenta a sensação de insegurança devido à produção socioescolar, nos últimos anos, de um verdadeiro
exército de reserva minimamente escolarizado para o trabalho precário. A produção de uma população com maior grau de
escolarização não é a garantia de uma sociedade com pessoas em empregos melhores. [...] É preciso também dizer que o fato
de possuir um vínculo formal e em uma empresa ajuda a construir uma falsa oposição com o emprego informal, que imaginamos
ser frequentemente instável e de baixa remuneração. O mais importante aqui é compreender quais as condições sociais da
vida que um tipo de trabalho reproduz.
A oposição entre formal e informal também não ajuda a perceber que a formalidade tem um lado de extrema exploração e que
alguém na informalidade pode estar, em alguns casos, em uma situação geral melhor (ou seja, com melhores salários e sendo
dono do próprio negócio informal) do que a de um trabalhador formal empregado.
SOUZA, J. Os Batalhadores Brasileiros. Belo Horizonte: UFMG, 2010. p. 78-79.

Vale lembrar que o chamado setor informal abriga também trabalhadores autônomos que se colocam à margem das
leis e da regulação estatal para escapar ao pagamento de impostos, mas que, ainda assim, não deixam de movimentar
importantes somas financeiras. Logo, a informalidade é um aspecto que guarda em si uma série de situações heterogêneas
dentro da nova configuração do mundo do trabalho neste novo século.
Quanto ao mundo do trabalho contemporâneo, ainda devemos atentar para outras configurações que vão além do binômio
formal / informal. Em relação ao universo do trabalho que foi moldado pelo fordismo, temos mudanças significativas, por
exemplo, a maior inserção das mulheres no mercado de trabalho. Tal evidência nos leva a novos questionamentos, como o
fato de as mulheres, de maneira geral, ainda ganharem menos que os homens, mesmo exercendo funções similares, o que
denota uma clara diferenciação de gênero também nas relações de trabalho.
Também constitui uma grande diferença a expansão do setor de serviços que não se baseiam na produção de bens materiais,
como comércio, transportes, telecomunicações, atividades ligadas ao lazer (por exemplo, a criação de games), entre outros.
Essa expansão está cada vez mais atrelada à flexibilização do trabalho em nossa sociedade e se vale do desenvolvimento
tecnológico para se estabelecer e fortalecer.
Finalmente, vivemos em um momento do desenvolvimento capitalista em que vários aspectos – como a heterogeneidade do
trabalho informal, o aumento da insegurança no trabalho, as exigências de qualificação e seu vínculo com a educação – desafiam
a compreensão do mundo do trabalho no século XXI, para além do modo como o capitalismo o forjou ainda no século passado.

Flexibilização do trabalho
·~·
Vimos que uma das marcas da terceira fase do capitalismo, chamado de industrial-financeiro, é a flexibilização do trabalho.
No entanto, é necessário compreender o que é essa flexibilização e algumas de suas implicações para a dinâmica social na
atual configuração socioeconômica.
O termo “flexibilização” normalmente se refere a novas configurações nas relações de emprego, que seriam demandadas pelas
próprias estruturas produtiva e de mercado atuais e se caracterizariam por uma relação mais dinâmica de empregabilidade, mais
flexível em relação à legislação trabalhista. No Brasil, a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas, promulgada na Era Vargas),

56 Coleção Filosofia / Sociologia

SOCPRV2_SOC.indb 56 28/02/19 09:26 AM


Trabalho, Economia e Sociedade

vem sendo questionada pelos setores empresariais, que a consideram enrijecida e inadequada para as atuais demandas do
mercado de trabalho. A OIT (Organização Internacional do Trabalho) considera que essa relação aberta pode ser interessante
para as empresas, mas representa um risco para os trabalhadores. Um dos seus riscos é o da desregulamentação, isto é,
a perda parcial das leis trabalhistas. Essa desregulamentação também é chamada de precarização, uma vez que a situação
trabalhista, para alguns teóricos, passa a se caracterizar pela insegurança jurídica permanente, assentada na assimetria de
poder em relação aos interesses corporativos / empresariais.
Teóricos como o sociólogo húngaro Istvan Mészáros (1930-2017) chamam a atenção para o fato de que o interesse da
flexibilização está, sobretudo, no aumento da produtividade e do lucro sobre o trabalho assalariado por parte das empresas.

Nesse ínterim, a selvageria real do sistema continua ininterruptamente não só a expulsar cada vez mais pessoas do processo de
trabalho como, numa contradição característica, também a estender o tempo de trabalho, sempre que o capital possa conseguir
isso. Para mencionar um exemplo muito importante, no Japão o governo introduziu recentemente um projeto de lei “para elevar os
limites superiores do dia de trabalho de 9 para 10 horas, e a semana de trabalho de 48 para 52 horas. Tal disposição legal permitirá
a uma empresa forçar os empregados a trabalharem mais horas quando estiver ocupada enquanto o total de horas trabalhadas em
um ano não exceder o limite fixado”, tal como os “mercadores da flexibilidade” propõem em França, na Itália e por toda a parte.

SOCIOLOGIA
Além disso, o mesmo projeto de lei pretende também estender os chamados “cronogramas de trabalho arbitrários” (discretionary work
schedules) a fim de “permitir a uma empresa que pague aos seus trabalhadores de colarinho branco apenas 8 horas de trabalho mesmo
que eles possam ter trabalhado mais”. Alguns assustadores exemplos dos efeitos destrutivos desumanos do tal “trabalho arbitrário” são
relatados nos campos onde já estão em prática, agora a serem estendidos. Exemplo: um jovem programador de computador morreu
devido ao enorme excesso de trabalho, segundo julgamento do Tribunal Distrital de Tóquio. Lemos que “o seu tempo médio anual de
trabalho era superior a 3000 horas. Nos três meses anteriores à sua morte ele trabalhou 300 horas por mês. Naquele momento ele
estava empenhado em desenvolver um sistema de software para bancos”. Outro jovem que morreu de ataque de coração devido a um
excesso de trabalho brutal, “nas duas semanas anteriores à sua morte trabalhou em média 16 horas e 10 minutos por dia”.

MÉSZÁROS, Istvan. Desemprego e precarização: um grande desafio para a esquerda. In: Antunes, R. (Org.).
Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006. p. 32-33.

A socióloga Graça Druck, professora da UFBA, em artigo intitulado “Trabalho, precarização e resistências: novos e velhos
desafios” (2011), descreveu cinco faces ou tipos da precarização do trabalho:
1º. vulnerabilidade das formas de inserção e desigualdades sociais: a força de trabalho vista como uma mera mercadoria produz
um mercado de trabalho heterogêneo, segmentado, marcado por uma vulnerabilidade estrutural e com formas de inserção
(contratos) precárias, sem proteção social, com altas taxas de desemprego;
2º. intensificação do trabalho e terceirização: imposição de metas inalcançáveis; extensão da jornada de trabalho;
polivalência, sustentada na gestão pelo medo, na discriminação criada pela terceirização e nas formas de abuso de
poder, através do assédio moral;
3º. insegurança e saúde no trabalho: resultado dos padrões de gestão, que desrespeitam o necessário treinamento, ignoram
as informações sobre riscos e as medidas preventivas coletivas, na busca de maior produtividade a qualquer custo, o
que ameaça inclusive vidas humanas;
4º. perda das identidades individual e coletiva: a ameaça permanente da perda do emprego tem se constituído numa
eficiente estratégia de dominação e subordinação no âmbito do trabalho. O isolamento e a perda de enraizamento,
de vínculos, de inserção, de uma perspectiva de identidade coletiva, resultantes da descartabilidade, da desvalorização
e da exclusão do trabalhador;
5º. fragilização da organização dos trabalhadores (sindicatos e entidades de classe): indica a pulverização da atividade sindical
a partir das dificuldades institucionais para que tais instituições cumpram seu papel social de defesa dos trabalhadores.
A terceirização, a criação de novas relações de empregabilidade, a cooptação política de entidades de classe e a sua
própria heterogeneidade dificultam a organização sindical e inviabilizam a luta e a representação dos trabalhadores.

Em uma sociedade democrática, normalmente, as discussões sobre determinado assunto não refletem somente argumentos
homogêneos. Com o tema da flexibilização do trabalho não é diferente. Primeiramente, mostramos o lado que, por uma série
de motivos, enxerga essa relação de flexibilizar as leis trabalhistas de forma problemática. Contudo, existem indivíduos,
pessoas e instituições que acreditam que a flexibilização do trabalho é algo necessário para que se possa construir uma nova
morfologia para o trabalho no Brasil.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI), por exemplo, considera a legislação trabalhista brasileira muito rígida. Por essa
característica, as relações de trabalho atuais impediriam um maior crescimento econômico e produtivo. Um dos argumentos
levantados pela CNI é que a CLT é antiga e precisa de reformas. Para essa instituição, o Brasil de hoje é diferente daquele
quando a CLT foi produzida, sendo necessária uma nova configuração para abarcar o mercado de trabalho contemporâneo.
Assim, a CNI acredita que há um descompasso entre a legislação e a realidade brasileira. Tal obstáculo se configuraria como
um empecilho para o diálogo entre as empresas e os trabalhadores, pois, segundo a CNI, a marca moderna das relações de
trabalho é a possibilidade de diálogo entre os trabalhadores e as empresas. A valorização da negociação coletiva, a redução
do intervalo intrajornada e formas alternativas ao ponto eletrônico (por assinatura digital, por exemplo) são propostas
levantadas por tal organização.

Bernoulli Sistema de Ensino 57

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Frente A Módulo 11

Na questão da terceirização a CNI também aponta possíveis caminhos. Para essa instituição as empresas terceirizam
serviços para obterem melhoras na produtividade e ganhos na competividade do mercado, fato que permite o fornecimento
de produtos e serviços com custos reduzidos para o consumidor.
Ainda na questão da terceirização, o presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG) Olavo
Machado Júnior afirma que a regulamentação da terceirização trará segurança jurídica para a gestão do processo produtivo,
fortalecendo a competitividade da indústria nacional, resultando em mais empregos e produção.
Nas palavras de Olavo Júnior: “A adoção dessas medidas traria um aumento imediato na produtividade do setor industrial,
estimularia a geração de empregos e reduziria sobremaneira a insegurança jurídica para as empresas. Tudo isso sem
comprometer direitos trabalhistas, até porque a Fiemg sempre acreditou que capital e trabalho não são adversários, e sim
parceiros. E, como toda parceria, só vai dar certo se funcionar para as duas partes”.
Na avaliação de José Márcio Camargo, professor da PUC-Rio, a legislação brasileira é muito complexa. O excesso de regras
afasta os investimentos, dificultando o conhecimento do custo real do trabalho pelas empresas, de acordo com Camargo.
Por fim, é importante ressaltar a complexidade do tema, independente das posições aqui relatadas. Tal assunto está
extremamente presente na esfera pública brasileira e seus caminhos devem passar por uma discussão profunda acerca das
possibilidades para que se possa encontrar um caminho plausível para a questão do trabalho.

Nova classe média ou nova classe trabalhadora?


·~·
Apesar de não haver consenso entre os pesquisadores sobre os critérios ideais para definir quem pertence a qual classe
social no Brasil, não há dúvida de que houve uma significativa mobilidade social no país do início dos anos 2000 até o presente
momento. Segundo dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e do SAE (Serviço de Assuntos Estratégicos
do Governo Federal) de 2013, entre 2001 e 2011 houve um aumento de 33% na renda per capita do brasileiro, em média.
Esse aumento estaria associado à ampliação da população economicamente ativa (8%), ao aumento e à formalização de
empregos e à melhoria salarial. Também houve ampliação da escolaridade média, que saltou de 6,7 anos em 2001 para
8,5 anos em 2011, crescimento de 27%. Grande parte graças à ampliação de vagas nas universidades e de programas de
crédito universitário. Mas vale destacar que, apesar desse crescimento, o Brasil ainda possui um deficit escolar considerável,
e a maior parte da população tem formação ligeiramente acima do fundamental completo.
Outro fator relevante foi a ampliação dos créditos para a aquisição de habitação, de automóveis e de eletrodomésticos
(a chamada linha branca: geladeira, fogão, máquina de lavar, entre outros), que permitiram acesso a bens duráveis de maior
valor – o que impacta a chamada renda permanente. A renda permanente corresponde ao patrimônio adquirido, enquanto
a renda variável corresponde ao salário e a outros ganhos financeiros. Em 2011, para o conjunto das famílias, a renda do
trabalho por adulto era 20% maior que em 2001, e para a classe média houve aumento de 40%.
A maior fatia de mobilidade social teria ocorrido das classes mais baixas (D e E) para a classe média (C). Esse fenômeno
tem sido definido por alguns como “ascensão da classe média”, ou como a “nova classe média” brasileira. A pirâmide social
brasileira transformou-se em um losango. Cerca de 108 milhões de pessoas, de uma população de 203 milhões em 2013,
passaram a ocupar a posição de classe média. Essa parcela da população teria sido responsável por movimentar 58% do
crédito e gastar mais de 1,17 trilhão de reais no ano de referência de 2013. A chamada nova classe média concentra-se no
Sudeste, com 43%, seguida do Nordeste (26%), Sul (15%), Centro-Oeste (8%) e Norte (8%), segundo estudos da Serasa
Experian e do Data Popular.
A supremacia da classe C
Segundo a FGV, a pobreza despencou desde 2002.
Com isso, o miolo da pirâmide engordou e agora é maioria absoluta

Em 2002 13% renda familiar acima 15,5% Hoje


de R$ 4.591
Elite
(classes A e B)
de R$ 1.066
até R$ 4.591
Classe média
(classe C)
44% de R$ 768
Remediados
12,5%
até R$ 1.064 52%
(classe D)
14%
30,5% renda abaixo
de R$ 768
Pobres
(classe E)
18,5%
FGV / 2008.

58 Coleção Filosofia / Sociologia

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Trabalho, Economia e Sociedade

Há mudanças significativas quanto à mentalidade da chamada nova classe média, de acordo com um levantamento feito
pela Fundação Getúlio Vargas, em 2013. Segundo exposto pelo sociólogo e cientista político Rudá Ricci no artigo “O maior
fenômeno sociológico do Brasil: a nova classe média” (2013), a nova classe média seria substancialmente diferente da
classe média tradicional (anterior aos anos 2000). Essa “nova classe média” seria marcada por um capital cultural pequeno
(isto é, pouca relevância dada a aspectos culturais, com pouca leitura e baixo conhecimento sócio-histórico); pragmática e
utilitarista; visão imediatista da política, voltada para o atendimento de demandas de curto prazo; alta religiosidade; com
hábitos consumistas e individualista.
No entanto, há críticas a essa compreensão de que existe uma “nova classe média” no Brasil. Embora diversos pesquisadores
reconheçam a redução da concentração de riqueza, a diminuição na desigualdade social, o aumento real do salário mínimo e
a expansão do emprego formal entre os anos 2001 e 2013, Jessé de Souza e Eduardo Fagnani, por exemplo, não consideram
que a mobilidade social foi completa e real, porque se concentrou especificamente em aspectos econômicos, e não em um
amplo conjunto de elementos socioculturais. O sociólogo Jessé Souza, autor de obras importantes como A construção social
da subcidadania (2006) e Os Batalhadores Brasileiros (2010), critica a expressão “nova classe média”, preferindo adotar o
termo “nova classe trabalhadora”, identificando que as condições sociais, morais e culturais também devem ser levadas em
conta na definição de uma classe social, e não somente a questão econômica. Souza percebe que, do ponto de vista tanto

SOCIOLOGIA
sociocultural quanto trabalhista, a chamada “nova classe média” é simplesmente uma classe trabalhadora com um pouco
mais de capacidade econômica. Tal fato se reflete tanto nos seus hábitos de consumo quanto na baixa formação cultural,
nos reduzidos hábitos de leitura, no comportamento político, pragmático e imediatista, na visão estreita das questões sociais
e no individualismo.

O que é o trabalho escravo atualmente?


O termo escravidão logo traz à tona a imagem do aprisionamento e da venda de africanos, forçados a trabalhar para seus proprietários nas
lavouras ou nas casas. Essa foi a realidade do Brasil até o final do século 19, quando, por fim, a prática foi considerada ilegal pela Lei Áurea,
de 13 de maio de 1888.
Mais de um século depois, porém, o Brasil e o mundo não podem dizer que estão livres do trabalho escravo [...]. A Organização
Internacional do Trabalho (OIT) estima que existam pelo menos 12,3 milhões de pessoas submetidas a trabalho forçado em todo o mundo,
e no mínimo 1,3 milhão na América Latina.
Estudos já identificaram 122 produtos fabricados com o uso de trabalho forçado ou infantil em 58 países diferentes. A OIT calculou em
US$ 31,7 bilhões os lucros gerados pelo produto do trabalho escravo a cada ano, sendo que metade disso fica em países ricos, industrializados.
A mobilização internacional para denunciar e combater o trabalho escravo começou quatro décadas após a assinatura da Lei Áurea. Com
base nas observações sobre as condições de trabalho em diversos países, a OIT aprovou, em 1930, a Convenção 29, que pede a eliminação
do trabalho forçado ou obrigatório.
Mais tarde, em 1957, a Convenção 105 foi além, ao proibir, nos países que assinaram o documento, “o uso de toda forma de trabalho
forçado ou obrigatório como meio de coerção ou de educação política; como castigo por expressão de opiniões políticas ou ideológicas;
como mobilização de mão de obra; como medida disciplinar no trabalho; como punição por participação em greves; ou como medida
de discriminação”.
O Brasil, que assina as convenções, só reconheceu em 1995 que brasileiros ainda eram submetidos a trabalho escravo. Mesmo com
seguidas denúncias, foi preciso que o país fosse processado junto à Organização dos Estados Americanos (OEA) para que se aparelhasse
para combater o problema.
De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), entidade ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e responsável pelas
primeiras denúncias de trabalho escravo no país, são escravizados a cada ano pelo menos 25 mil trabalhadores, muitos deles crianças ou
adolescentes. Apesar dos esforços do governo e de organizações não governamentais, faltam estimativas mais precisas sobre o trabalho escravo
atualmente, até por se tratar de uma atividade ilegal, criminosa.
Sem informações exatas, o poder público e a sociedade organizada ainda lutam para prevenir e erradicar essa prática. Pior que isso,
o país enfrenta grandes dificuldades para punir os responsáveis pelo trabalho escravo atualmente.
Ainda assim, o Brasil avançou. O próprio reconhecimento e a consequente adoção de uma política pública e de ações do Estado para
reprimir a ocorrência de trabalho escravo são apontados como exemplos pela OIT.
Foram libertados 40 mil trabalhadores brasileiros de trabalho degradante desde a criação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel e do
Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado, ambos de 1995.
Em 2003, foi lançado o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, e para o seu acompanhamento foi criada a Comissão
Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), com a participação de instituições da sociedade civil pioneiras nas ações de
combate ao trabalho escravo no país.
Em dezembro do mesmo ano, o Congresso aprovou uma alteração no Código Penal para melhor caracterizar o crime de “reduzir alguém
a condição análoga à de escravo”, que passou a ser definido como aquele em que há submissão a trabalhos forçados, jornada exaustiva
ou condições degradantes, e restrição de locomoção em razão de dívida contraída, a chamada servidão por dívida.
O crime de trabalho escravo atualmente deve ser punido com prisão de dois a oito anos. A pena pode chegar a 12 anos se o crime for cometido
contra criança ou por preconceito. A iniciativa acompanhou a legislação internacional, que considera o trabalho escravo um crime que pode ser
equiparado ao genocídio e julgado pelo Tribunal Penal Internacional.

Bernoulli Sistema de Ensino 59

SOCPRV2_SOC.indb 59 28/02/19 09:26 AM


Frente A Módulo 11

Porém, [...] a legislação praticamente não foi aplicada, deixando no ar a sensação de impunidade, apontada pela OIT como uma das principais
causas do trabalho forçado no mundo. Tanto que já há propostas no Congresso que aumentam a pena e tentam definir de maneira mais precisa
o crime da escravização contemporânea.
Disponível em: <https://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/trabalho-
escravo/trabalho-escravo-atualmente.aspx>. Acesso em: 01 fev. 2019.

EXERCÍCIOS ~ RESOLU~ES NO
D) A reprodução de classes marginalizadas envolve
a produção e a reprodução das condições morais,
~ BernoulliPlay
PROPOSTOS culturais e políticas da marginalidade, que vão para
além do problema da renda per capita.

01. (UERJ–2017) 04. (UFU-MG) A crise do compromisso fordista, devido


Há dinamite de pavio aceso no orçamento AD1H às greves operárias radicais, à impossibilidade de
O ponto central, que já deveria ser tema de um amplo intensificar a divisão parcelar do trabalho, à crise
debate no Congresso, no Executivo e fora deles, é que a econômica internacional e ao acirramento da concorrência
crise fiscal implodiu os alicerces da Constituição de 1988. A internacional, provocou uma série de mudanças no modo
ideia de um Estado que seria capaz de eliminar a miséria, de acumulação capitalista, entre elas:
reduzir a pobreza e ainda fornecer serviços básicos como
saúde e educação com eficiência faliu. Aceite-se ou não. A) A difusão de novas formas de organização do processo
O Globo, 13 dez. 2015. de trabalho, chamadas de “modelo fordista”, fundadas
na flexibilidade e no trabalho em grupo.
De acordo com a reportagem, o modelo político de Estado
que estaria inviabilizado no atual contexto brasileiro é B) A difusão de novas formas de organização do pro-
denominado cesso de trabalho, fundadas na rigidez e na produção
A) bem-estar social. em massa.
B) liberal-federativo.
C) A difusão de novas formas de organização do processo
C) democrático-nacionalista.
de trabalho, chamadas de “modelo japonês” ou
D) unitário-desenvolvimentista.
“toyotismo”, fundadas na flexibilidade.
02. (UEMA) Com o pós-fordismo e o avanço da política neoli- D) A difusão de novas formas de organização do processo
beral, as relações sociais sofreram diversas transformações de trabalho, chamadas de “modelo toyotista”,
estruturais no mundo do trabalho, que são analisadas pela fundadas na rigidez e no trabalho fragmentado.
Sociologia. Nesse sentido, indique em qual opção estão
os conceitos, relacionados à reestruturação produtiva,
aplicados ao mundo do trabalho. 05. (UERJ) Andy Warhol (1928-1987) é um artista conhecido
A) Precarização do trabalho; privatização; automação; por criações que abordaram valores da sociedade de
produção flexível. consumo; em especial, o uso e o abuso da repetição.
B) Privatização; estabilidade no emprego; produção em Esses traços estão presentes, por exemplo, na obra que
série; pleno emprego.
retrata as latas de sopa Campbell’s, de 1962.
C) Estabilidade no emprego; tecnologia de informação;
gestão de conhecimento; hierarquização do trabalho.
D) Privatização; estabilidade no emprego; flexibilidade
do trabalho; produção organizada.
E) Automação; pleno emprego; produção em série;
precarização do trabalho.

03. (Unimontes-MG–2016) No Brasil, o problema das desi-


gualdades sociais ocupa a agenda de pesquisa e reflexão
dos principais cientistas sociais do país. Jessé Souza, um
dos mais destacados sociólogos da atualidade, enxerga,
na fragmentação do conhecimento e na fragmentação
da percepção da realidade, os principais obstáculos para
o enfrentamento do problema.
Considerando esse ponto de vista do sociólogo, pode-se
afirmar:
A) Desigualdade social é um problema exclusivamente
de conjuntura econômica, podendo ser superado com O modelo de desenvolvimento do capitalismo e o cor-
o crescimento econômico. respondente elemento da organização da produção
industrial representados neste trabalho de Warhol estão
B) O aumento da renda e o acesso ao emprego resolvem
o problema das desigualdades sociais no Brasil. apontados em:

C) No Brasil, com o surgimento de “uma nova classe A) taylorismo – produção flexível.


média” (como se difunde em jornais e televisão), B) fordismo – produção em série.
o problema das desigualdades sociais desaparece por
C) toyotismo – fragmentação da produção.
causa, principalmente, do acesso generalizado aos
bens de consumo. D) neofordismo – terceirização da produção.

60 Coleção Filosofia / Sociologia

SOCPRV2_SOC.indb 60 28/02/19 09:26 AM


Trabalho, Economia e Sociedade

06. (UERJ) Nas últimas décadas, várias foram as mudanças A) Unidade entre concepção e execução, instaurando um
incorporadas ao processo de produção industrial. trabalho de conteúdo enriquecido, preservando-se,
O modelo de produção relacionado a estas recentes assim, as qualificações dos trabalhadores.
transformações está definido em B) Substituição do trabalho fragmentado e simplificado,
A) sistêmico-flexível, que incorpora a pesquisa como típico da Revolução Industrial, pelas “ilhas de produção”,
base para a reorganização da produção. onde o trabalho é realizado em equipes.

B) taylorista, que implica a crescente integração do C) Supressão progressiva do trabalhador taylorizado


trabalhador qualificado à atividade mecânica. e, consequentemente, combate ao “homem boi”,
realizador de trabalhos desqualificados, restituindo-se,
C) fordista, que se apoia na fragmentação do trabalho
humano em inúmeras etapas simplificadas. em seu lugar, o trabalhador polivalente.

D) toyotista, que altera a organização das unidades D) Controle dos tempos e movimentos do trabalho,
produtivas com a introdução da linha de montagem. com a introdução da esteira rolante, e de salários
mais elevados em relação à média paga nas demais

SOCIOLOGIA
07. (UEL-PR) Segundo Braverman: empresas.

O mais antigo princípio inovador do modo capitalista de E) Redução das distâncias hierárquicas no interior da
produção foi a divisão manufatureira do trabalho [...] empresa, como forma de estimular o trabalho em
A divisão do trabalho na indústria capitalista não é de grupos, resultando em menos defeitos de fabricação
modo algum idêntica ao fenômeno da distribuição de e maior produção.
tarefas, ofícios ou especialidades da produção [...].
09. (Unicamp–SP) O Plenário da Câmara aprovou, em segundo
BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista. K6I4
turno, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 438/01,
Tradução de Nathanael C. Caixeiro.
do Senado, que permite a expropriação de imóveis rurais
Rio de Janeiro: Zahar, 1981. p. 70.
e urbanos onde a fiscalização encontrar exploração de
O que difere a divisão do trabalho na indústria capitalista trabalho escravo, e os destina à reforma agrária e a
das formas de distribuição anteriores do trabalho? programas de habitação popular. A proposta é oriunda
A) A formação de associações de ofício que criaram o do Senado e, como foi modificada na Câmara, volta para
trabalho assalariado e a padronização de processos exame dos senadores.
industriais. Aprovada PEC do trabalho escravo. Notícias online no
sítio da Comissão Pastoral da Terra. Disponível em:
B) A realização de atividades produtivas sob a forma
<http://www.cptnacional.org.br/index.php/
de unidades de famílias e mestres, o que aumenta a
noticias/49-trabalhoescravo/ 1099-aprovada-pec-
produtividade do trabalho e a independência individual do-trabalho-escravo>. Acesso em: 04 ago. 2012.
de cada trabalhador.
Embora o Brasil esteja plenamente inserido na era
C) O exercício de atividades produtivas por meio da
da denominada sociedade digital e do consumo, e a
divisão do trabalho por idade e gênero, o que leva à
população tenha conquistado algumas garantias para o
exclusão das mulheres do mercado de trabalho.
exercício de sua cidadania, o país ainda enfrenta relações
D) O controle do ritmo e da distribuição da produção pelo de exploração de trabalho análogas às do período da
trabalhador, o que resulta em mais riqueza para essa escravidão. Sobre o trabalho escravo no Brasil, pode-se
parcela da sociedade. afirmar que
E) A subdivisão do trabalho de cada especialidade A) é uma prática mantida por fazendeiros do interior
produtiva em operações limitadas, o que conduz do Brasil que, embora registrem em carteira seus
ao aumento da produtividade e à alienação do funcionários, não realizam de maneira adequada o
trabalhador. pagamento de um salário mínimo, conforme obriga
a lei em vigor.
08. (UEL-PR) Fordismo é um termo que se generalizou a
QBGQ B) as relações de exploração de trabalho análogas
partir da concepção de Antônio Gramsci, que o utiliza para
à escravidão são identificadas pelos fiscais do
caracterizar o sistema de produção e gestão empregado por
Ministério do Trabalho apenas em regiões distantes
Henry Ford, em sua fábrica, a Ford Motor Co., em Highland
dos grandes centros urbanos, onde a presença do
Park, Detroit, em 1913. O método fordista de organização
Estado é precária.
do trabalho produziu surpreendente crescimento da
produtividade, garantindo, assim, produção em larga C) é uma prática mais comum nas fazendas de produção
escala para consumo de massa. O papel desempenhado de carvão e de criação de gado do interior do Brasil,
pelo fordismo, enquanto sistema produtivo, despertou, sendo quase inexistente nas fazendas modernas de
por exemplo, a atenção de Charles Chaplin, que o retratou produção de grãos e de cana-de-açúcar.
com ironia no filme Tempos modernos. Assinale a alternativa D) relações de exploração de trabalho análogas à escra-
que apresenta características desse método de gestão e de vidão ainda são encontradas em diferentes partes do
organização técnica da produção de mercadorias. país, tanto em áreas rurais quanto em áreas urbanas.

Bernoulli Sistema de Ensino 61

SOCPRV2_SOC.indb 61 28/02/19 09:26 AM


frente a módulo 11

10. (UFPA) Como reflexos das transformações nas políticas de O crescimento do PNB pode ser muito importante como
gestão e de organização do trabalho no contexto atual de um meio de expandir as liberdades. Mas as liberdades
globalização, tem-se o novo perfil de trabalhador ou da dependem também de outros determinantes, como os
classe social que vive do trabalho e uma reconfiguração serviços de educação e saúde e os direitos civis.
no mercado de trabalho. SEN, A.
Desenvolvimento como liberdade.
Assim, podemos afirmar corretamente que um dos
São Paulo: Cia. das Letras, 2010.
impactos da atual globalização e da reestruturação
produtiva no mundo do trabalho, na virada do século XX A concepção de desenvolvimento proposta no texto
para o século XXI, é o(a) fundamenta-se no vínculo entre
A) aumento do contingente de trabalhadores fabris. A) incremento da indústria e atuação no mercado
B) redução significativa dos índices de trabalho feminino financeiro.
e infantil. B) criação de programas assistenciais e controle de
C) aumento da inclusão de jovens no mercado de trabalho. preços.

D) aumento do número de trabalhadores no setor de C) elevação da renda média e arrecadação de impostos.


serviços.
D) garantia da cidadania e ascensão econômica.
E) redução do número de trabalhadores no setor informal
E) ajuste de políticas econômicas e incentivos fiscais.
da economia.

Gabarito meu aproveitamento


seção enem ~ RESOLU~liESND
\,,0 BernoulliPlay

01. (Enem–2017) A tecelagem é numa sala com quatro Propostos acertei ______ errei ______
janelas e 150 operários. O salário é por obra. No começo
da fábrica, os tecelões ganhavam em média 170$000
réis mensais. Mais tarde não conseguiam ganhar mais
•0 01. A

do que 90$000; e pelo último rebaixamento, a média era


de 75$000! E se a vida fosse barata! Mas as casas que a
•0 02. A

fábrica aluga, com dois quartos e cozinha, são a 20$000


réis por mês; as outras são de 25$ a 30$000 réis. Quanto
•0 03. D

aos gêneros de primeira necessidade, em regra custam


mais do que em São Paulo.
•0 04. C

CARONE, E.
Movimento operário no Brasil.
•0 05. B

São Paulo: Difel, 1979.


•0 06. A
Essas condições de trabalho, próprias de uma sociedade
em processo de industrialização como a brasileira do
•0 07. E
início do século XX, indicam a

A) exploração burguesa. •0 08. D

B) organização dos sindicatos.

C) ausência de especialização.
•0 09. D

D) industrialização acelerada.
•0 10. D
E) alta de preços.

02. (Enem–2017) Procuramos demonstrar que o de- seção enem acertei ______ errei ______
P94H senvolvimento pode ser visto como um processo de
expansão das liberdades reais que as pessoas des- •0 01. A
frutam. O enfoque nas liberdades humanas contrasta
com visões mais restritas de desenvolvimento, como •0 02. D
as que identificam desenvolvimento com crescimen-
to do Produto Nacional Bruto, ou industrialização. total dos meus acertos: _____ de _____ . ______ %

62 Coleção Filosofia / Sociologia

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FRENTE MÓDULO

SOCIOLOGIA a 12
Globalização
o qUe é Globalização?
·~·
O maior fluxo global entre pessoas, produtos, mercadorias e sistemas culturais teve início com as grandes navegações e a
busca por novas terras nas Américas, ainda no século XVI. Com a chegada dos europeus, em solo americano, tivemos a difusão
do catolicismo, dando início ao processo que concorreu para o advento do sincretismo entre crenças africanas e religiosidades
europeias, a integração econômica, ainda que subordinada dessa região do mundo à Europa, e a difusão de valores políticos europeus
em nosso continente. Seria o século XVI o início do processo de Globalização em virtude da integração mundial por ele gerada?
A resposta para a pergunta é não. O que de fato teve início, ou melhor, acentuou-se com o período das Grandes Navegações,
foi o contato entre pessoas e culturas geograficamente distantes. Esse fato nunca deixou de existir na história da humanidade,
tendo, em alguns momentos, maior e, em outros, menor intensidade. Assim, o período das Grandes Navegações deve ser
entendido como um processo de mundialização em que Estados Nacionais europeus, na busca por novas colônias, integraram
a economia e o fluxo de pessoas e produtos em nível global.
Por outro lado, como Globalização devemos entender a integração mundial que se dá sob a influência da maior flexibilidade
dos capitais. Esse processo possibilita que estes se desloquem de um país a outro com grande facilidade, visando à redução
de custos na produção e contribuindo para a precarização das relações de trabalho nos países de Terceiro Mundo, como vimos
no capítulo anterior.
O processo de Globalização causa transformações nos aspectos sociais,

Fotos: Mariano Vale / Terabass / Creative Commons. Arte: Rubens Lima


políticos e culturais das sociedades modernas, e essas mudanças são
potencializadas pelo desenvolvimento das tecnologias de informação. Nesse
sentido, por mais que a Globalização transmita a noção de unidade global,
é um processo que também deixa à mostra e em constante contato a grande
diversidade e pluralidade de universos sociais existentes no globo. Por esse
motivo, não apenas os choques culturais se tornam evidentes, como também
surgem questionamentos em relação à universalidade da democracia ocidental
como valor absoluto, além de o capitalismo ser colocado em xeque como único
modo de produção viável. Como afirmou o sociólogo português Boaventura de
Sousa Santos (1940-),

Nas três últimas décadas, as interações transnacionais conheceram uma


intensificação dramática, desde a globalização dos sistemas de produção e das
transferências financeiras, à disseminação, a uma escala mundial, de informação
e imagens através dos meios de comunicação social ou às deslocações em massa
de pessoas, quer como turistas, quer como trabalhadores migrantes ou refugiados.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A globalização e as Ciências Sociais.
3. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2005. p. 25.

Nesse contexto, as representações sociais a respeito de povos, culturas,


nações, línguas e religiões se tornam totalmente influenciadas pela compreensão
de espaço e tempo propostas pela Globalização. Eventos que ocorrem em um
espaço determinado atingem várias outras localidades e causam influência na
vida dessas sociedades, ainda que geograficamente distantes.
Em termos produtivos, a Globalização é o resultado de uma junção de fatores
que já tivemos a oportunidade de estudar em capítulos anteriores. Por exemplo:
o desemprego ocasionado pela reestruturação produtiva pós-crise dos anos 1970;
a crise do Estado de Bem-Estar Social; a maior segmentação do mercado de
trabalho. Esses eventos, que contribuíram para a maior integração econômica
entre os países do Ocidente, denotam também um dos dois aspectos contraditórios
que dominam a análise sociológica sobre o fenômeno da Globalização. Tal aspecto
é a homogeneização social, política, cultural em contraste com os movimentos
sociais e políticos de resistência aos resultados desse processo.

SOCPRV2_SOC.indb 63 28/02/19 09:26 AM


Frente A Módulo 12

O sociólogo britânico Anthony Giddens (1938-) define O sociólogo espanhol Manuel Castells (1942-), no entanto,
globalização como entende que devemos fazer uma diferenciação entre informação,
elemento presente em toda e qualquer sociedade ao longo da
a intensificação de relações sociais mundiais que unem história, e “informacionalismo”, que seria um fenômeno típico
localidades distantes de tal modo que os acontecimentos das sociedades modernas e globalizadas.
locais são condicionados por eventos que acontecem a
muitas milhas de distância e vice-versa. O processo de Globalização não teria ocorrido caso
não tivesse acontecido a revolução operada no campo da
GIDDENS, A. Sociologia.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1984, p. 64. tecnologia da informação. A partir da década de 1970, os
avanços na informática e nas comunicações fizeram com
Por esse motivo, Boaventura de Souza Santos entende que o fluxo de informações se tornasse a base de interação
que o processo de Globalização combina a busca pela da sociedade globalizada. Esses avanços tecnológicos
universalização e o rompimento das fronteiras nacionais possibilitaram a organização das sociedades modernas em
com a busca pelo particularismo, pelo respeito à diversidade torno de redes, as quais transformaram a vida moderna nos
cultural, étnica e religiosa. Na percepção desse importante âmbitos sociais, políticos e econômicos.
sociólogo português, a Globalização econômica se desdobra Por intermédio do desenvolvimento das tecnologias de
em diferentes esferas: Globalização social, Globalização comunicação, tornou-se possível a ocorrência da reestrutu-
política, Globalização cultural, em que se percebem intensos ração da produção capitalista pós-crise dos anos 1970. Isso
conflitos entre uma lógica hegemônica de nível internacional porque, assim, foi facilitado o processo de armazenamento
e uma lógica particularista e local, muitas vezes engolida
e processamento de informações e também de descentra-
pelo poder global.
lização das funções.
Santos destaca que é no domínio da Globalização cultural
Por isso o sociólogo brasileiro Octávio Ianni (1926-2004),
que o fenômeno se insere com mais frequência. Com as tec-
da USP, afirma que o processo de globalização que decorre
nologias da informação, atreladas ao poder midiático cada vez
desde a década de 1970 é um processo novo, apesar de
mais intenso, os termos ocidentalização ou americanização
sua aparente continuidade com as etapas anteriores. Novo
são entendidos como possíveis substitutos do conceito de
porque ele se caracteriza pelo predomínio de uma lógica de
globalização. A motivação para esse fato é que os símbolos,
mercado específica (neoliberalismo) que se vale de um quadro
a cultura e os valores, que estão no processo de globalização,
comunicacional bastante específico (avançadas tecnologias
são oriundos do ocidente e, geralmente, ligados à esfera dos
de comunicação e transporte).
Estados Unidos. Há uma série de exemplos de objetos, ideias
ou valores nessa situação, tais como: a Internet, a televisão, Paradoxalmente, Ianni enxerga que a ampliação do
o utilitarismo, a democracia política, o individualismo, a publi- contato entre diversas sociedades fez emergir um profundo
cidade, o cinema, a racionalidade, a economia, entre outros. “desentendimento mútuo”, fruto de um processo de integração
social que reúne diversos grupos sob o título de A Sociedade
Contudo, cabe notar que tanto a busca pela universalidade
Global, quando na verdade tratam-se de inúmeros grupos
quanto pelo particularismo acaba por gerar os mais diversos
sociais extremamente diversificados que se veem atrelados a
conflitos no plano mundial.
um sistema único, muitas vezes contra a sua própria vontade.

·~·
O local e o global passam a se determinar mutuamente, mas
A GLOBALIZAÇÃO E A de forma assimétrica, desigual e desencontrada.

SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO Na medida em que os mercados se abrem e há uma


maior interação comercial, também ocorrem outros tipos
O desenvolvimento da sociedade informacional contribui de trocas e imposições nos níveis político e cultural, que
para que as noções de espaço e tempo sejam comprimidas possuem grande influência na configuração das sociedades
na Modernidade, ou seja, eventos que ocorrem em partes e das vidas individuais nesse novo contexto. Nesse sentido,
distantes do globo são rapidamente difundidos por todas as podem ser observados vários fenômenos: a cultura de
partes do planeta. Porém, pode-se afirmar que não é apenas massa passa a ter um grande peso na estrutura cultural das
isso. Em nossa vida cotidiana, podemos fazer transferências sociedades ocidentais; há uma difusão maciça de produtos
financeiras para qualquer parte do planeta, entrar em contato industrializados ao redor do mundo; ocorre o fenômeno da
com pessoas em países distintos, entre outras situações que divisão internacional do trabalho, na qual um produto possui
demonstram como as conexões nas sociedades modernas sua cadeia produtiva distribuída ao redor do globo; os centros
e globalizadas permitem interações entre os indivíduos que de poder deslocam-se para os grandes centros comerciais,
prescindem do compartilhamento de um mesmo espaço e formando uma nova dinâmica política fortemente marcada
do tempo para que elas possam ocorrer. pela economia; comportamentos, tendências e gostos são
largamente difundidos através dos meios de comunicação de
Nesse contexto de grande desenvolvimento dos meios de
massa, cada vez mais desenvolvidos e influentes; as nações
comunicação, a informação ganha centralidade no que tange
passam a fazer parte de um intrincado sistema-mundo,
à organização das sociedades modernas. Notemos que a
altamente interconectado e complexo.
informação sempre foi um elemento de extrema relevância
e importância para a coesão social em qualquer sociedade. O conceito de Aldeia Global criado pelo sociólogo canadense
Quem detinha o monopólio da informação sempre teve nas mãos a Marshall McLuhan (1911-1980) se tornou uma referência
capacidade de melhor influir em todo um contexto social específico. para os estudos sobre a relação entre a cultura e a Globalização.

64 Coleção Filosofia / Sociologia

SOCPRV2_SOC.indb 64 28/02/19 09:26 AM


Globalização

Esse conceito, criado em 1962, tenta traduzir o processo de Esse contexto marcou o desenvolvimento do chamado
compressão da relação entre espaço e tempo, o qual passou neoliberalismo, que, posto em prática a partir da década
a servir de parâmetro para designar um novo modelo cultural de 1980 por Margaret Thatcher na Inglaterra, procurou
que começava a se impor de forma maciça, por força dos justamente submeter o Estado e sua capacidade de governo
meios de comunicação que cada vez conseguiam atingir um às leis de mercado. Como consequência, o Estado reduziria,
número maior de pessoas e em tempo real. sob essa lógica, sua atuação, de modo que teria mais
Esse novo contexto se caracteriza pela quebra de dificuldade para garantir direitos básicos à sua população em
vários paradigmas consolidados na sociedade ocidental, prol de uma adequação às mudanças do sistema capitalista
especialmente os relacionados aos valores ligados ao do final do século XX.
Iluminismo e às Revoluções Burguesas. Na atualidade, tudo
Outra evidência do enfraquecimento dos Estados-nação
é volátil, passageiro, transitório, definido de forma instável
pelos meios de comunicação de massa, num amálgama de frente ao poder dos organismos supranacionais e das
valores, comportamentos e tendências que denotam a enorme empresas multinacionais é a formação de blocos econômicos
diversidade da Globalização. Por outro lado, ao mesmo tempo, como Mercosul e União Europeia, os quais colocam os seus

soCioloGia
observa-se também a sua fragilidade, por não conseguir dar membros em melhores condições de negociação na esfera
sentido profundo e estável à vida dos indivíduos, cada vez global. Assim, temos uma mudança sociológica importante,
mais definidos pelo consumo e pela moda. o mesmo Estado-nação que foi primordial para a consolidação
do sistema capitalista, perdeu sua força no momento da
O desenvolvimento das tecnologias de informação também
reestruturação das forças produtivas.
possibilitou a formação de novos movimentos sociais, que
não se limitavam a questionar as diferenças de classes e o Ao pensarmos a Globalização em termos sociológicos,
processo excludente do sistema capitalista. Mais que isso, devemos levar em consideração não apenas a perda
envolviam também a luta por igualdade de direitos ligados da centralidade do Estado-nação em um novo contexto
à questão de gênero, à defesa do meio ambiente, à questão capitalista. Devemos observar principalmente como
feminista, entre outras reivindicações.
a Globalização causa efeitos nos principais pilares de
Na era da informação, as forças produtivas, a circulação sustentação da sociedade moderna que surge logo após
dos códigos culturais e até mesmo o exercício do poder a Revolução Industrial. Entre esses pilares pode-se citar
estão diretamente relacionados ao poder tecnológico de uma o industrialismo, a crença no racionalismo, a formação das
sociedade. Uma vez que a expansão do capitalismo pós-crise ideologias liberais e socialistas, a família, a relação entre
de 1970 dependeu da ampliação dos mercados consumidores, religião e sociedade. Enfim, em cada um desses segmentos,
em um primeiro momento, bem como do investimento em podemos refletir sobre como os efeitos da Globalização
regiões do globo em que a mão de obra fosse mais barata, em produzem efeitos nas nossas representações a respeito de
um segundo momento, a mobilidade de capitais necessitava cada uma dessas esferas.
de maior agilidade em seu fluxo, de forma que as empresas
necessitavam de um acúmulo maior de informações para Como não poderia ser diferente, a facilidade de comuni-
que melhor direcionassem seus investimentos. Assim sendo, cação contribui para que movimentos sociais de resistência
a produtividade se baseia na busca incessante pela inovação e questionamentos às mudanças provocadas pela Globaliza-
tecnológica, valendo-se das tecnologias de comunicação ção sejam incorporados à esfera da representação política.
e transporte para criar uma interdependência em rede das Por esse motivo, cada vez mais as temáticas relacionadas
economias, em escala global, de maneira a gerar impactos à exclusão, orientações religiosas, identidades culturais,
nos âmbitos político e social. entre outras, ganham relevância no debate político atual.
Esse processo de expansão de mercados e maior
integração econômica entre os países do globo
ganhou ainda mais força com o fim da Guerra
Fria, que levou à consequente extinção do bloco
comunista. Isso fez com que os países anteriormente
Rubens Lima / Reprodução / Open Knowledge / Mike Licht / Creative Commons

integrados à União Soviética fossem incorporados


à lógica capitalista. Nesse novo contexto de expansão
de mercados, os Estados Nacionais se viram bastante
enfraquecidos no que se refere à sua soberania, uma ECR.IAR.
R.ESISTIR.
R.ES/~IR.E TRANSFOR.MAR.
vez que órgãos supranacionais como o FMI (Fundo
Monetário Internacional), BM (Banco Mundial) e ONU
(Organização das Nações Unidas) passaram a ter forte
ingerência sobre as políticas nacionais. Tal fato pode t=oru.M SodoJ Mu... dco.l
ser observado especialmente na esfera econômica,
desencadeando uma série de privatizações de
empresas estatais, desregulamentação dos mercados
para favorecimento de investidores, além de uma
reestruturação da burocracia estatal visando a uma
redução dos gastos de manutenção do Estado.
CJ
Bernoulli Sistema de Ensino 65

SOCPRV2_SOC.indb 65 28/02/19 09:26 AM


Frente A Módulo 12

POR UMA OUTRA GLOBALIZAÇÃO


·~·
O geógrafo brasileiro Milton Santos (1926-2001) é uma das principais referências nos estudos sobre a Globalização com
sua obra Por uma outra globalização (2000), na qual analisa o fenômeno a partir de vários aspectos. Santos identifica que
há pelo menos três grandes faces da mundialização: o mundo como fábula (como querem que o vejamos); o mundo como
perversidade (como ele realmente é); o mundo como possibilidade (como poderia ser).
É importante destacar que Milton Santos não era contra a Globalização em si, porém se posicionava criticamente contra o
modelo de Globalização perversa vigente no mundo, que ele chamava de globalitarismo (globalização autoritária). Analisando
as contradições e os paradoxos desse modelo econômico e cultural, Santos enxergou a possibilidade de construção de outra
realidade, mais justa e mais humana.

“Por uma outra globalização”, de Milton Santos


O mundo tal como nos fazem crer: a Globalização como fábula
Este mundo globalizado, visto como fábula, erige como verdade um certo número de fantasias, cuja repetição, entretanto, acaba
por se tornar uma base aparentemente sólida de sua interpretação (Maria da Conceição Tavares, Destruição não criadora, 1999).
A máquina ideológica que sustenta as ações preponderantes da atualidade é feita de peças que se alimentam mutuamente e põem
em movimento os elementos essenciais à continuidade do sistema. Damos aqui alguns exemplos. Fala-se, por exemplo, em aldeia
global para fazer crer que a difusão instantânea de notícias realmente informa as pessoas. A partir desse mito e do encurtamento
das distâncias – para aqueles que realmente podem viajar – também se difunde a noção de tempo e espaço contraídos. É como
se o mundo se houvesse tornado, para todos, ao alcance da mão. Um mercado avassalador dito global é apresentado como capaz
de homogeneizar o planeta quando, na verdade, as diferenças locais são aprofundadas. Há uma busca de uniformidade, ao serviço
dos atores hegemônicos, mas o mundo se torna menos unido, tornando mais distante o sonho de uma cidadania verdadeiramente
universal. Enquanto isso, o culto ao consumo é estimulado.
Fala-se, igualmente, com insistência, na morte do Estado, mas o que estamos vendo é seu fortalecimento para atender aos
reclamos da finança e de outros grandes interesses internacionais, em detrimento dos cuidados com as populações cuja vida se
torna mais difícil. Esses poucos exemplos, recolhidos numa lista interminável, permitem indagar se, no lugar do fim da ideologia
proclamado pelos que sustentam a bondade dos presentes processos de Globalização, não estaríamos, de fato, diante da presença
de uma ideologização maciça, segundo a qual a realização do mundo atual exige como condição essencial o exercício de fabulações.
O mundo como é: a Globalização como perversidade
De fato, para a grande maior parte da humanidade a Globalização está se impondo como uma fábrica de perversidades.
O desemprego crescente torna-se crônico. A pobreza aumenta e as classes médias perdem em qualidade de vida. O salário
médio tende a baixar. A fome e o desabrigo se generalizam em todos os continentes. Novas enfermidades como a SIDA (aids)
se instalam e velhas doenças, supostamente extirpadas, fazem seu retorno triunfal. A mortalidade infantil permanece, a despeito
dos progressos médicos e da informação. A educação de qualidade é cada vez mais inacessível. Alastram-se e aprofundam-se
males espirituais e morais, como os egoísmos, os cinismos, a corrupção.
A perversidade sistêmica que está na raiz dessa evolução negativa da humanidade tem relação com a adesão desenfreada aos
comportamentos competitivos que atualmente caracterizam as ações hegemônicas. Todas essas mazelas são direta ou indiretamente
imputáveis ao presente processo de globalização.
O mundo como pode ser: uma outra Globalização
Todavia, podemos pensar na construção de um outro mundo, mediante uma Globalização mais humana. As bases materiais do período
atual são, entre outras, a unicidade da técnica, a convergência dos momentos e o conhecimento do planeta. É nessas bases técnicas
que o grande capital se apoia para construir a Globalização perversa de que falamos [...]. Mas, essas mesmas bases técnicas poderão
servir a outros objetivos, se forem postas ao serviço de outros fundamentos sociais e políticos. Parece que as condições históricas do fim
do século XX apontavam para esta última possibilidade. Tais novas condições tanto se dão no plano empírico quanto no plano teórico.
Considerando o que atualmente se verifica no plano empírico, podemos, em primeiro lugar, reconhecer um certo número de
fatos novos indicativos da emergência de uma nova história. O primeiro desses fenômenos é a enorme mistura de povos, raças,
culturas, gostos, em todos os continentes. A isso se acrescente, graças aos progressos da informação, a “mistura” de filosofias,
em detrimento do racionalismo europeu. Um outro dado de nossa era, indicativo da possibilidade de mudanças, é a produção de
uma população aglomerada em áreas cada vez menores, o que permite ainda maior dinamismo àquela mistura entre pessoas e
filosofias. As massas de que falava Ortega y Gasset na primeira metade do século (La rebelión de las masas, 1937), ganham uma
nova qualidade em virtude da sua aglomeração exponencial e de sua diversificação. Trata-se da existência de uma verdadeira
sociodiversidade, historicamente muito mais significativa que a própria biodiversidade.
Junte-se a esses fatos a emergência de uma cultura popular que se serve dos meios técnicos antes exclusivos da cultura de
massas, permitindo-lhe exercer sobre esta última uma verdadeira revanche ou vingança.
É sobre tais alicerces que se edifica o discurso da escassez, afinal descoberta pelas massas. A população aglomerada em poucos
pontos da superfície da Terra constitui uma das bases de reconstrução e de sobrevivência das relações locais, abrindo a possibilidade
de utilização, ao serviço dos homens, do sistema técnico atual. No plano teórico, o que verificamos é a possibilidade de produção
de um novo discurso, de uma nova metanarrativa, um novo grande relato. Esse novo discurso ganha relevância pelo fato de que,
pela primeira vez na história do homem, se pode constatar a existência de uma universalidade empírica. A universalidade deixa de
ser apenas uma elaboração abstrata na mente dos filósofos para resultar da experiência ordinária de cada homem. De tal modo,
em um mundo datado como o nosso, a explicação do acontecer pode ser feita a partir de categorias de uma história concreta.
É isso, também, que permite conhecer as possibilidades existentes e escrever uma nova história.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. RJ/SP: Record, 2001. p. 17-20.

66 Coleção Filosofia / Sociologia

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Globalização

Os efeitos da globalização na pós-modernidade


O sociólogo jamaicano Stuart Hall (1932-2014) foi um dos mais aguçados analistas da pós-modernidade, tendo se
dedicado a compreender as mudanças culturais produzidas pelas múltiplas variáveis presentes na Globalização. Oriundo de
·~·
um país periférico, Hall forneceu importantes elementos para analisar os efeitos da Globalização a partir do ponto de vista de
países que não são seus protagonistas e maiores beneficiários, mas sim de povos que tendem a sofrer os efeitos negativos
desse processo. Em seu famoso livro A Identidade Cultural na Pós-Modernidade, Hall identifica que os indivíduos enfrentam
uma profunda crise na formação de sua identidade, em função das rupturas com as instituições tradicionais, acompanhadas da
multiplicidade de valores, crenças e inovações que têm lugar no agitado e veloz mundo pós-moderno. A identidade do sujeito,
antes sólida, amparada pela tradição, agora se vê fragmentada e descentrada. A subjetividade é afetada e as coletividades
também. As culturas do passado forneciam as bases seguras para o desenvolvimento psíquico social do indivíduo; a partir da
segunda metade do século XX, isso não é mais possível. Como diz o próprio Hall, “[...] o sujeito do Iluminismo, visto como tendo
uma identidade fixa e estável, foi descentrado, resultando nas identidades abertas, contraditórias, inacabadas, fragmentadas,
do sujeito pós-moderno” (HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Porto Alegre: Lamparina, 2003. p. 46).
Hall vislumbra três possíveis consequências para as identidades culturais no processo de Globalização: a primeira estaria

SOCIOLOGIA
associada à desintegração das identidades nacionais, resultado de um crescimento da homogeneização cultural; a segunda
seria marcada pela resistência à Globalização com o reforço das identidades locais; a terceira seria vista na produção de
novas identidades culturais – as culturas híbridas. Todas as três consequências trazem à tona relações de poder político e
econômico que impactam a questão cultural. As nações de centro, com maior poderio, tendem a exercer grande pressão
sobre nações periféricas e grupos minoritários ou tradicionais. Ao mesmo tempo que ocorre a homogeneização cultural,
existem também processos delicados de manutenção de tradições culturais e de retorno a discursos reacionários e radicais,
como comprovam as eclosões de discursos fundamentalistas ao redor do mundo – inclusive no Brasil. Neonazistas, neofascistas,
religiosos fundamentalistas são faces da reação ao processo globalizador, que, no entanto, defende um fechamento cultural
acompanhado da aniquilação do outro, do diferente.
A perda da identidade original e a fragmentação da cultura parecem indicar um limite para o processo de Globalização cultural.
Percebe-se que, apesar do discurso dominante de respeito à diversidade, o diferente é muito mais alguém a ser dissolvido
do que a ter sua cultura compreendida e partilhada. A Globalização não diminui as desigualdades políticas e econômicas, ao
contrário, as reforça por meio de mecanismos simbólicos de poder. As culturas dos países periféricos e dos grupos minoritários se
veem diante de uma coerção cultural, ou são assimiladas e homogeneizadas, abrindo mão de suas características e identidades
em nome da Globalização, ou tendem a ser vistas como estrangeiras, diferentes, estranhas dentro do seu próprio território.
Como dizia Julia Kristeva: “Se voltarmos no tempo e nas estruturas sociais, o estrangeiro é o outro da família, do clã, da tribo.
Inicialmente, ele se confunde com o inimigo. Exterior à minha religião também, ele pode ser o infiel, herético. Não tendo prestado
fidelidade ao meu senhor, ele é nativo de uma outra terra, estranho ao reino e ao império.” (KRISTEVA, J. Estrangeiros para
nós mesmos. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. p. 100).

É preciso descolonizar a Globalização


Um dos principais desafios para construção de um outro mundo possível, na busca pela igualdade entre os seres humanos, é fazer
aquilo que está simbolizado na própria logomarca do Fórum Social Mundial: tratar os continentes de forma igualitária. E um dos primeiros
e mais estratégicos passos neste sentido é o desafio da descolonização do pensamento e do conhecimento produzido e distribuído nas
duas regiões mais pobres do planeta: a África e a América Latina. Este foi um dos temas debatidos em Salvador, durante o Fórum Social
Mundial Temático da Bahia, onde professores, pesquisadores e militantes do movimento social chegaram à conclusão de que a própria
globalização também precisa ser descolonizada.
“Descolonizar o pensamento é enfrentar os desafios colocados pelo eurocentrismo e pelo etnocentrismo como modos de pensar dominantes.
No quadro histórico marcado pelo colonialismo europeu, quando essa visão, centrada na Europa, é utilizada como grade de leitura e interpretação
da realidade de todo o mundo, constrói-se uma visão distorcida dos padrões e da natureza dos povos”, explica o senegalês Sampa Buri Mboup,
professor da Universidade da África do Sul.
Essência do pensamento colonial, o eurocentrismo foi, durante séculos, a base do projeto predatório e opressivo aplicado pelas elites e
povos do continente Europeu, garantindo a manutenção de seus interesses. No Brasil, o colonialismo e o pensamento produzido no período
estão diretamente relacionados à construção da sociedade brasileira. Era preciso construir um discurso que justificasse a escravidão e a
opressão contra os povos indígenas e negros.
“Os dominadores se utilizaram de um discurso religioso, que dizia que os negros precisavam ser purificados através do batismo. Todos os
que aqui chegavam eram batizados e catequizados. O discurso ideológico, aliado à força, foi um instrumento usado para manter o poder e
construir a estabilidade para a classe dominante”, conta Edson França, coordenador da Unegro.
Com a crise provocada pela Reforma e a ascensão do Iluminismo, foi preciso encontrar uma justificativa racional para a supremacia do
eurocentrismo e a consequente manutenção da escravidão no Brasil. Chega então ao país o discurso chamado de racismo científico, cuja base é
a classificação racial, onde o branco está no alto da pirâmide, do ponto vista da sua superioridade biológica, e o negro abaixo de qualquer etnia.
“Esse discurso permitiu animalizar e fazer dele o uso necessário [...]. Durante todo o processo de dominação ele não foi contestado na
academia e acabou assimilado pelo senso comum. Quando o papa disse que negro não tinha alma, ninguém se contrapôs. Era preciso não apenas
justificar a escravidão para as classes dominantes, mas fazer com que o próprio dominado também absorvesse o discurso. A baixa autoestima
da população negra permitiu, então, a intensificação na fragmentação, em vez da unidade para fazer o combate ao pensamento e à estrutura
social vigente”, explica Edson França.

Bernoulli Sistema de Ensino 67

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Frente A Módulo 12

Quando o racismo deixou de servir aos interesses do capitalismo moderno – e veio a ideia de que era preciso libertar os escravos para
aumentar a massa de consumidores –, o discurso colonizado apostou na miscigenação como forma de “branquear o Brasil”. E até hoje os
efeitos provocados pelo pensamento colonial são estruturantes para a desigualdade entre brancos e não brancos em nosso país.

Descolonizar a Globalização

Para os movimentos que se organizam em torno do Fórum Social Mundial, há um número de desafios e apostas estratégicas que se
colocam pela frente na construção deste outro mundo possível no que diz respeito à descolonização do pensamento. Para o professor
Samba Buri MBoup, é preciso começar descolonizando a compreensão do próprio conceito de globalização, já que o mundo global também
tem sustentado essa desigualdade. São tarefas que vão da desconstrução do mito da África como um continente sem história ao combate
à ideia da marginalidade do continente no comércio e na economia.

“Apesar do discurso dominante, há muitas provas de que a África foi palco de uma história e ciência tão antigas quanto os primórdios
do mundo e central em todos os momentos da economia mundial: na fase de acumulação primitiva, na colonização, na revolução
industrial, na era pós-colonial e até hoje. A realidade é apresentada de cabeça para baixo, para que olhemos para nós mesmos
como se fôssemos menores, enquanto nosso continente é o berço da civilização humana. É preciso reavaliar o potencial da herança
africana”, cobra MBoup.

No continente mais esquecido do planeta, a alternativa ao discurso colonial da África é chamada de Renascimento Africano, um projeto
global de sociedade e civilização construído na resposta coletiva e organizada da África aos desafios da globalização. O projeto, já encampado
por 20 países, propõe o domínio do conhecimento científico e da tecnologia; a autonomia e rejuvenescimento da consciência política
africana – como resposta à crise de lideranças no continente –; e a conscientização baseada na unidade dos povos africanos.

“Há estudos que demonstram de forma clara e irrefutável a profunda unidade cultural dos povos africanos. Hoje interceptam
o potencial de desenvolvimento africano, a serviço de uma causa que não é nossa, ao imporem uma situação de monolitismo e
intolerância religiosa, quando a história africana é de pluralismo. Esta é uma tarefa que também temos que ensinar nas escolas”,
conclui Samba Buri MBoup.

BARBOSA, B. É preciso descolonizar a globalização. Disponível em: <https://www.cartamaior.com.br/


?/Editoria/Internacional/%252527e-precisodescolonizar-a-globalizacao%252527/6/15571>.
Acesso em: 01 fev. 2019.

EXERCÍCIOS ~ AESOL~ES NO C) A integração da economia mundial, a estatização


~ BernoulliPlay
PROPOSTOS da indústria pesada e a internacionalização das
empresas.

01. (UFFS) O processo de integração e de circulação de D) A estatização da indústria pesada, o protecionismo e


mercadorias para muito além das fronteiras nacionais o controle de preços da cesta básica.
existe há muito tempo e não é suficiente para caracterizar
E) O surgimento de um mundo multipolar, o enfraque-
algo novo. Marx e Engels já escreveram sobre isso na obra cimento dos Estados Unidos no cenário internacional
Manifesto Comunista, ainda em 1848, na qual mostram
e o aumento da importância econômica e política dos
o avanço do capitalismo no mundo.
países do hemisfério sul.
Nesse sentido, podemos dizer que esse antigo pro­cesso
de circulação de mercadorias é hoje designado 03. (Unimontes-MG–2016) O processo de globalização esta-
A) Política Neoliberal. belece intensa circulação, não somente de mercadoria,
B) Revolução Industrial. mas também do capital financeiro. Nesse contexto de
C) Revolução Administrativa. mundialização, predomina a competição em todos os ní-

D) Globalização da Economia. veis, a liberalização dos mercados, a desregulamentação


dos mecanismos de controle da economia, a flexibilização
E) Legitimação do Capital Internacional.
das relações de trabalho, etc.

02. (Unioeste-PR) O que significa globalização? Marque a Sobre o fenômeno da globalização, é possível afirmar,
alternativa correta. exceto
A) A expansão da lógica da produção mercantil para A) De acordo com o sociólogo britânico Anthony Giddens,
a maior parte do globo, através da mundialização a globalização atinge também a dimensão das ideias
do capital e da disseminação universal da cultura e valores, e os indivíduos são “desencaixados de seus
ocidental. contextos locais”.
B) O protecionismo, a subsunção da produção de mer- B) A globalização é um fenômeno estritamente empresa-
cadorias às necessidades humanas e a estatização rial e não interfere no desenvolvimento autônomo da
da economia. América do Sul e do principal país da região: o Brasil.

68 Coleção Filosofia / Sociologia

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Globalização

C) Com a globalização, o Estado perde força no planejamen- A) extinguiu as diferenças sociais entre as culturas, abrindo
to e na implementação de políticas públicas e sociais. as portas para a afirmação de governos democráticos.
D) No contexto da globalização, a ideologia neoliberal B) realizou feitos culturais importantes para a solidarie-
estabelece sua hegemonia, e o mercado firma-se como dade entre os povos, apesar das dificuldades socioe-
o grande regulador e dinamizador da vida econômica. conômicas existentes.
C) criou condições imediatas para a consolidação de uma
04. (UEL-PR) Adquira o óvulo em um país, faça a fertilização em
sociedade sem violência, graças às riquezas sociais
outro e contrate a mãe de aluguel num terceiro. Está pronto
existentes.
o seu filho com muita economia.
D) entrou num período de paz trazido pela atuação da
COSTA, C. Bebê globalizado. Supernovas. Superinteressante.
Organização das Nações Unidas, da qual participam
São Paulo: Editora Abril, ed. 296, out. 2011, p. 28.
todos os países do mundo.
O texto apresenta um aspecto da reprodução humana E) afirmou sua vontade política radical de democratizar
assistida. Sobre as mudanças no referido processo social, o mundo, impedindo a volta do fascismo e da vio-

SOCIOLOGIA
assinale a alternativa correta. lência política.
A) A diversidade de arranjos familiares passou a exis-
tir a partir do acesso aos serviços de reprodução 07. (UENP-PR) Um dos traços marcantes do atual período
humana assistida. histórico é, pois, o papel verdadeiramente despótico
B) A globalização das economias e as redefinições da informação. Conforme já vimos, as novas técnicas
culturais têm favorecido os processos de reprodução deveriam permitir a ampliação do conhecimento do
assistida. planeta, dos objetos que o formam, das sociedades que
o habitam e dos homens em sua realidade intrínseca.
C) A reprodução humana assistida tem sido um caminho
Todavia, nas condições atuais, as técnicas de informação
eficaz para reduzir, nos últimos anos, o ritmo de
crescimento demográfico mundial. são principalmente utilizadas por um punhado de atores em
função de seus objetivos particulares [...] aprofundando
D) O direito à liberdade de uso do próprio corpo choca-se
assim os processos de criação de desigualdades.
frontalmente com a proposta de reprodução humana
sem atividade sexual. SANTOS, Milton.
Por uma outra globalização.
E) O referido processo, aceito socialmente, coloca-se
Rio de Janeiro, Record, 2000.
como a base para a existência de uma sociedade
globalizada sem imperfeições. O fragmento de texto critica as redes informacionais
surgidas com a Globalização, por quê?
05. (IFSP) No Brasil, a adoção de políticas neoliberais alcançou A) Difundem a ideologia da classe dominante, contribuin-
grande êxito no controle do processo inflacionário através do do, dessa forma, para a acumulação capitalista.
Plano Real, implementado por Fernando Henrique Cardoso. B) Favorecem discordâncias entre as elites.
Assinale a alternativa que indica corretamente caracte- C) Contrapõem interesses políticos e econômicos.
rísticas do neoliberalismo.
D) Difundem e ampliam o conhecimento favorecendo
A) Incentivo à indústria, intervencionismo estatal e a inclusão.
controle alfandegário, visando à acumulação de
E) Estão nas mãos das grandes empresas midiáticas e
capitais nacionais.
são utilizadas por “um punhado de atores”.
B) Política de monopólios das reservas naturais e controle
estatal dos preços de produtos e serviços. 08. (UEG-GO) A emergência do fenômeno da globalização
C) Política de privatização de empresas estatais, livre foi acompanhada de mudanças na esfera da produção e
circulação de capitais internacionais e ênfase na do Estado. Nesse contexto, no caso europeu, é correto
globalização. afirmar:

D) Intervenção no mercado de trabalho e criação de A) A partir da década de 1980, emergiu o regime de


obras de infraestrutura e serviços sociais por parte acumulação flexível, caracterizado pelo pós-fordismo
do Estado. e pelo Estado de bem-estar social.
B) A partir da década de 1980, iniciou-se o processo de
E) Abertura ao capital estrangeiro, fim da autonomia do
reestruturação produtiva e a implantação do Estado
capital privado e tutela da classe trabalhadora.
neoliberal.

06. (UFAL) Mudanças na tecnologia e massificação da sociedade C) A partir dos anos 1970, emergiu a sociedade pós-
ZLIK -moderna globalizadora e organizada em torno do
contribuíram para o crescimento da Globalização. Hoje,
o mundo se transformou num grande mercado, com infor- Estado neoliberal e do fordismo / taylorismo.
mações circulando nos meios de comunicação de maneira D) A partir dos anos 1980, emergiu o Estado de bem-
veloz. Com a Globalização, a sociedade internacional -estar social e a reestruturação produtiva.

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frente a módulo 12

09. (Unioeste-PR) O fim do regime soviético e a queda do TEXTO II


4EVU muro de Berlim foram fatos históricos que marcaram As últimas barreiras ao livre movimento do dinheiro
o nascimento de um novo período caracterizado pela e das mercadorias e informação que rendem dinheiro
expansão do capital fi ctício, do consumismo e das andam de mãos dadas com a pressão para cavar novos
políticas neoliberais. No interior de um mundo em rápida fossos e erigir novas muralhas que barrem o movimento
transformação, a Globalização pode ser considerada daqueles que em consequência perdem, física ou
como o principal veículo de transmissão das novas espiritualmente, suas raízes.
tendências políticas, econômicas e sociais. Assim, sobre BAUMAN, Z. Globalização: as consequências humanas.
a Globalização é correto afirmar que Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
A) a Globalização é um fenômeno caracterizado ex-
A ressignificação contemporânea da ideia de fronteira
clusivamente pela expansão de padrões culturais
compreende a
homogêneos, garantidores do consumo em massa e
A) liberação da circulação de pessoas.
da construção de uma identidade única.
B) preponderância dos limites naturais.
B) a Globalização é um fenômeno chave para a com-
preensão da atual fase do capitalismo por envolver C) supressão dos obstáculos aduaneiros.
simultaneamente as dimensões política, econômica D) desvalorização da noção de nacionalismo.
e cultural. E) seletividade dos mecanismos segregadores.
C) a Globalização, que é denominada muitas vezes
de mundialização de capitais, é um fenômeno 02. (Enem–2017) O desenvolvimento científico digital-
fundamentalmente econômico, que possui pouco -molecular de certa forma desterritorializou as localizações
impacto em outras dimensões da vida social. produtivas; os novos métodos de organização do trabalho
D) a Globalização atinge todos os países de forma industrial também vão na mesma direção: just in time,
equivalente. Nações que até pouco tempo atrás kamban, organização flexível.
eram fechadas foram invadidas por novos valores e OLIVEIRA, F. As contradições do ão: globalização, nação,
por uma nova cultura, transformando-se em nações região, metropolização. Belo Horizonte: Cedeplar UFMG, 2004.
democráticas, como ocorreu, por exemplo, nos casos
As mudanças descritas no texto referentes aos processos
da Coreia do Norte e do Irã. produtivos são favorecidas pela
E) as diversas tentativas de valorização das tradições A) ampliação da intervenção do Estado.
e dos valores regionais não possuem relação com
B) adoção de barreiras alfandegárias.
os processos de Globalização, já que as mesmas
representam a manutenção das identidades locais. C) expansão das redes informacionais.
D) predominância de empresas locais.
10. (UFU-MG-2018) Desde o final do século passado, os E) concentração dos polos de fabricação.
R36J cientistas sociais vêm afirmando que as transformações
globais têm levado a uma nova forma de sociedade,
definida por sociedade em rede. De acordo com as
análises desse período, afirma-se que foram marcos Gabarito meu aproveitamento
importantes na emergência desse novo modelo de
sociedade Propostos acertei ______ errei ______
A) a rede mundial de computadores e os novos movi- •0 01. D
mentos sociais.
•0 02. A
B) os fluxos globais de mão de obra e o capital industrial.
•0 03. B
C) a revolução tecnológica da informação e a reestrutu-
ração do capitalismo. •0 04. B

D) o ciberespaço, as guerras e a fome que aceleraram •0 05. C

os fluxos migratórios. •0 06. B

•0 07. A

seção enem •0 08. B

•0 09. B
01. (Enem–2018) •0 10. C
TEXTO I
As fronteiras, ao mesmo tempo que se separam, unem seção enem acertei ______ errei ______
e articulam, por elas passando discursos de legitimação
da ordem social tanto quanto do conflito. • 01. E

CUNHA, L. Terras lusitanas e gentes dos brasis: • 02. C

a nação e o seu retrato literário.


Revista Ciências Sociais, n. 2, 2009. total dos meus acertos: _____ de _____ . ______ %

70 Coleção Filosofia / Sociologia

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