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UNIDADE 3

CIÊNCIA E UTILITARISMO

Carga horária
• Quatro horas EAD – 6ª semana.

Objetivos
• Demonstrar a influência do pensamento científico no
âmbito da ética moderna.

• Comentar sobre a relação evolucionismo X ética.

• Comentar a respeito da ética utilitarista no estabelecimento


de uma nova visão sobre a ação humana.

Conteúdo
• Pensamento de Isaac Newton e sua influência no
entendimento do mundo humano.

• Nova visão sobre a ação humana a partir do evolucionismo


de Charles Darwin.

• Utilitarismo de Jeremy Bentham e de John Stuart Mill.


UNIDADE 3
Licenciatura em Filosofia

1 INTRODUÇÃO
Nas unidades anteriores podemos perceber que o pensamento ocidental pós
Idade Média foi se construindo basicamente por meio das relações entre o Estado e seus
membros.

Com isso, a ética não podia ser dissociada da realização do homem enquanto
parte integrante de um grupo social que se entende como uma nação, o que de certa
forma foi a grande transformação do período.

Entretanto é importante considerar outra grande mudança ocorrida e que, de


maneira alguma, pode ser ignorada ao se falar em ética: a ciência moderna.

Lembremos a situação de tolhimento do pensar científico enquanto a sociedade


estava sob a tutela da Igreja. Não se podia pensar de outra maneira, pois tudo já era
dado: havia uma clara concepção (imposta) da não-possibilidade de se conhecer o mundo
(e suas possíveis leis de regência), considerando-se que tal conhecimento unicamente
cabia a Deus, ou seja, não se podia ir além daquilo que era dito pelo clero – único capaz
de interpretar a revelação da vontade divina.

Pode-se dizer que havia aí uma opressão?

Certamente, entretanto, possuía-se estabilidade e segurança (graças às certezas


criadas pela religião) em relação às questões humanas fundamentais, como: De onde
viemos? Para onde vamos? Qual o sentido de nossa existência?

Mas a segurança para o homem medieval era também segurança de poder – o


clero conservava, assim, sua total influência sociopolítico-econômica.

Toda a cultura era baseada nas regras ditadas pela religião e o conhecimento
do mundo pela ciência devia seguir os caminhos propostos (impostos).

O que veio mudar toda esta situação, abrindo a possibilidade de se pensar além,
foi a Revolução Científica, nos seus quase 150 anos (desde Nicolau Copérnico, com sua
obra De revolutionibus, até Isaac Newton, com a obra Philosophiae naturalis principia
mathematica).

Tendo estudado a disciplina História da Filosofia Moderna, já fica clara a


contribuição do pensar científico para a cultura. A ética que, por sua vez, é analisada a
partir de seus contextos, sofrerá também grandes modificações neste período por conta
da ciência.

Nesta unidade não nos deteremos especificamente na Revolução Científica, mas


sim veremos especificamente suas influências no campo ético, sobretudo pelo pensamento
de Isaac Newton e de Charles Darwin. É possível que, após as contribuições do primeiro,
o segundo tenha sido o outro grande nome ao tratarmos das idéias que abalaram a ética,
exigindo desta, um novo olhar para seus princípios.

Após tal reflexão, propomos o estudo de uma corrente ético-política que


surgiu nos fins do século 18 e fundamentou muitos pensamentos desde então, a saber, o
utilitarismo, com Jeremy Bentham e John Stuart Mill.

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Desta forma, poderemos analisar os fundamentos de uma ética utilitarista e ATENÇÃO!


Novamente lembramos que
algumas conseqüências dela na ação humana. os conteúdos deste material
referencial são insuficientes, e
necessitam ser complementados
pelas leituras dos clássicos, bem

2 ISAAC NEWTON (1642-1727) como de comentadores. Consulte


as referências bibliográficas.

Newton foi um cientista inglês, nascido em Londres, descobridor de várias leis


da física, dentre elas a lei da gravidade. Ele pode ser considerado o último grande nome
da Revolução Científica.

Suas teorias, de maneira singular, influenciaram toda a visão de mundo moderna;


na verdade, um novo mundo foi construído: o mundo previsível pelas leis naturais.

De acordo com ele, há uma ordem no universo, e esta pode ser racionalmente
conhecida. Nos Princípios Matemáticos encontramos:

Hipótese I

Não se hão de admitir mais causas das coisas naturais do que as que sejam
verdadeiras e, ao mesmo tempo, bastem para explicar os fenômenos de tudo.
Figura 1 Isaac Newton
A natureza, com efeito, é simples e não se serve do luxo de causas supérfluas Isaac Newton (1642-1727),
cientista inglês mais reconhecido
das coisas. como físico e matemático.

Hipótese II

Logo, os efeitos naturais da mesma espécie têm as mesmas causas.

Assim, as causas da respiração no homem e no animal, da descida das pedras


na Europa e na América, da luz no fogo de cozinha e no sol, da reflexão da luz
na terra e nos planetas.

Hipótese III

Todo corpo pode transformar-se num corpo de qualquer outra espécie e adquirir
sucessivamente todos os graus intermediários das qualidades.

Hipótese IV

O centro do sistema do mundo está em repouso. ATENÇÃO!


Procure ler as obras de Newton:
(NEWTON, 1974, p. 24). você irá compreender com
maior profundidade os conceitos
estudados.
Sabemos que o filósofo representa o auge da autonomia da ciência. Os resultados
da ciência são sempre mais efetivos e eficazes, e o conhecimento através dela produzido
será visto como algo público, e não mais dirigido pelo viés religioso.

Isto não significa que haverá uma total separação, pois, mesmo assim, toda a
produção científica será indiretamente influenciada pela religião. Neste sentido, o pensar
científico também encontrará uma libertação dos valores sociais.

A partir de Newton o mundo pode ser entendido como uma grande


PARA VOCÊ REFLETIR:
máquina.
Quais as implicações de se
pensar o mundo como uma
grande máquina? Qual sua
opinião?

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É importante observar que todo o mecanismo de funcionamento desta “máquina”


pode ser conhecido pelo método experimental.

Mas qual seria a causa/origem do mundo?

O pensador afirma, então, que deve haver um ser, superior, inteligente e


poderoso, que projetou todo o universo.

Vimos assim que a ciência liberta o homem da religião que o prendia, e até
mesmo a existência de Deus pode ser comprovada a partir da ordem do universo.

3 CHARLES DARWIN (1809-1882)


Autor da teoria evolucionista, Darwin pôde desenvolver um pensamento que
Figura 2 Charles Robert Darwin também abalou as estruturas do pensar humano. Mais uma vez, o que era seguro acaba
por desfazer-se, deixando o homem perdido em um infinito de possibilidades.
Charles Robert Darwin. (1809-
1882) foi um naturalista britânico
que alcançou fama ao convencer Podemos dizer que após Isaac Newton, e suas leis que mostraram o mundo
a comunidade científica da
ocorrência da evolução e propor
como uma máquina previsível, é Darwin quem possibilita vislumbrar um novo mundo. Na
uma teoria para explicar como introdução da obra A origem das espécies, ele afirma:
ela se dá por meio da seleção
natural e sexual.
Estou plenamente convencido de que as espécies não são imutáveis; convenci-
me de que as espécies pertinentes ao que denominamos de o mesmo gênero
derivam diretamente de qualquer outra espécie ordinariamente distinta, do
mesmo modo que as variedades reconhecidas de uma espécie, seja qual for,
derivam diretamente desta, convicto estou, enfim, de que a seleção natural tem
ATENÇÃO!
A leitura da obra A origem das desempenhado o principal papel na modificação das espécies, embora outros
espécies é fundamental para a agentes tenham-na igualmente partilhado (DARWIN, 2003, p. 20).
compreensão do pensamento de
Darwin, por isso, não deixe de
realizá-la. É importante verificar, comparando os dois autores, que, enquanto Newton
apresenta um mundo pronto, acabado e previsível (concebido por um ser superior),
Darwin mostra o mundo inacabado, em perene transformação. Assim, o ser humano,
enquanto inserido na classe dos animais, é fruto de um processo para o qual não podemos
vislumbrar um fim.

A partir do darwinismo foi possível uma base para o que conhecemos por ética
evolutiva, que concebe a moral como produto de hábitos adquiridos pela humanidade
(no processo de evolução).

Percebemos que a idéia de homem foi subvertida pelo darwinismo e, a partir de


então, a própria avaliação da ação humana foi modificada.

4 UTILITARISMO
O que é o utilitarismo? Quais são as suas concepções? Quais as pretensões
e implicações de uma ética utilitarista? Convidamos você a responder estas e outras
questões a partir de agora.

Inicialmente é importante dizer que para esta corrente de pensamento, toda


ação deve visar ao útil, e este, por sua vez, tem como fim a felicidade humana.

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Ou seja, útil é aquilo que pode levar à felicidade: quanto maior a utilidade, PARA VOCÊ REFLETIR:
Reflita sobre a seguinte
maior a felicidade.
afirmação: “útil é aquilo que pode
levar à felicidade: quanto maior
a utilidade, maior a felicidade”.
Você concorda com ela? Por
Com base neste pressuposto é que a ação humana será julgada: a ação correta que?
é a mais útil, que proporciona maior felicidade, e por isso deve ser preservada; enquanto
que a ação que menos visar à felicidade deve ser condenada.

Cabe dizer que a felicidade da qual falamos nunca é individual, mas sim aquela
que traz felicidade para o maior número de pessoas.

Notemos aqui uma grande contraposição à ética formal de Kant, que analisamos
na Unidade II. Enquanto para Kant a ação boa será considerada apenas pela sua intenção,
para o utilitarismo serão os resultados que possibilitarão tal classificação (melhores
resultados, para um número maior de pessoas: melhor opção).

Observemos, também, que David Hume já havia tentado analisar a ação humana
pela sua utilidade, embora não tenha chegado ao modo como os utilitaristas a elaboraram.

Vamos conhecer agora alguns dos pensadores utilitaristas.

Jeremy Bentham (1748-1832)


Jeremy Bentham (1748-1832) pode ser considerado o fundador do utilitarismo.
De início, o filósofo dedicou-se ao Direito e à jurisprudência encaminhando-se depois à Figura 3 Jeremy Bentham (1748-
reflexão de caráter ético-política. 1832)

Suas idéias fundamentais podem ser pensadas a partir do prazer e da dor (o


primeiro é bom e a segunda é má); desta maneira, a ação moral é aquela que busca o
mais alto bem para o maior número de pessoas.

Bentham afirma:

A natureza colocou o gênero humano sob o domínio de dois senhores soberanos:


a dor e o prazer. Somente a eles compete apontar o que devemos fazer, bem
como determinar o que na realidade faremos. Ao trono desses dois senhores está
vinculada, por uma parte, a norma que distingue o que é reto do que é errado, e,
por outra, a cadeia das causas e dos efeitos (BENTHAM, 1974, p. 9).

Desta forma, a função do legislador deve ser a de fazer leis que proporcionem
o bem mais extensivo (pensando na relação dor/prazer), uma vez que, segundo o autor,
PARA VOCÊ REFLETIR:
“a missão dos governantes consiste em promover a felicidade da sociedade, punindo e Qual corrente de pensamento
recompensando” (BENTHAM, 1974, p.25). nos lembra esta idéia de
promover a felicidade e o prazer?
Uma vez que se pensa na felicidade e no prazer, é possível aproximar o Você se lembra?
utilitarismo do hedonismo, entretanto, um hedonismo calculado, já que existe na ética
utilitarista, um cálculo da própria moral.

Para concluir, tomamos novamente o comentário de Bentham:

IV – Impõe-se observar também que ao rol das conseqüências de um


ato pertencem não somente as que poderiam ter derivado dele, mesmo
independentemente da intenção, senão também as que dependem da conexão
que pode existir entre as conseqüências acima mencionadas e a intenção. A
conexão que existe entre a intenção e certas conseqüências constitui, como
veremos abaixo, um meio de produzir outras conseqüências. Nisto reside a
diferença entre o agir racional e o agir irracional (BENTHAM, 1974, p. 25).

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Depois de Bentham, o pensador que melhor assimilou as idéias utilitaristas foi


James Mill (1773-1836), embora tenha sido seu filho John Stuart Mill o maior expoente do
pensamento utilitarista: vamos conhecê-lo.

John Stuart Mill (1806-1873)4

John Stuart Mill (1806-1873), seguindo o pensamento anterior, põe-se um


questionamento: quando toda necessidade for sanada, qual será, então, a ação que trará
Figura 4 John Stuart Mill (1806- a felicidade?
1873).
A conclusão que chega é que os objetivos de sua felicidade pessoal devem ser
postos a partir da felicidade dos outros. Desta maneira, é útil para minha felicidade, que
o outro também seja.

John Stuart Mill afirma que as ciências que se dedicam à moral podem prever
as ações humanas, mas, de maneira alguma, isso afeta a idéia de liberdade, pois, mesmo
PARA VOCÊ REFLETIR:
Tente responder à questão sendo previstas, as ações podem ter sua causa transformada; há possibilidades de previsão
colocada por Mill, a saber: sem cair em um determinismo.
“Quando toda necessidade for
sanada, qual será, então, a ação
que trará a felicidade?”. Qual foi Para o pensador, o indivíduo tem o direito de viver como bem quiser – a felicidade
a sua resposta?
não pode vir da idéia de apenas uma classe, pois cada um é que decide sobre a ação
correta.

Neste sentido, Reale comenta:

PARA VOCÊ REFLETIR: Naturalmente, a liberdade de cada qual encontra o seu limite na liberdade do
Qual sua opinião a respeito da
outro. Cabe ao indivíduo “não lesar os interesses alheios ou aquele determinado
afirmação: “as ciências que se
dedicam à moral podem prever grupo de interesses que, por expressa disposição da lei ou por tácito consenso,
as ações humanas”? Será que deva ser considerado como direitos”. Cabe-lhe também “assumir a sua parte
isso é realmente possível? Por
nas responsabilidades e sacrifícios necessários à defesa da sociedade e dos seus
quê? Como?
membros contra todo prejuízo ou dano”. A liberdade civil implica: a) liberdade
de pensamento, de religião e de expressão; b) liberdade de gostos e liberdade
de projetar a nossa vida segundo o nosso caráter; c) liberdade de associação.
Portanto, a idéia de Mill é a da maior liberdade possível de cada um para o bem-
estar de todos (REALE, 1990, p. 325).

Enfim, entendemos o utilitarismo como uma teoria ética não egoísta, pois
não tem como fim último o bem individual, visto que sem o bem do outro não é possível
alcançar o bem para si próprio, portanto, o agir humano deve se pautar pela felicidade que
pode ser trazida ao outro também.

5 CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade demos prosseguimento aos nossos estudos sobre ética, focando,
sobretudo, as contribuições da ciência e do utilitarismo.

Atualmente vemos a grande relação existente entre o progresso científico e


a ética; enquanto a ciência leva a grandes mudanças de paradigmas (sob os quais se
estabelecerá a reflexão ética), a ética visa nortear o desenvolvimento científico, para que
este não se perca em suas possibilidades.

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Também, em muitos aspectos, nossa sociedade é utilitarista, embora nem


sempre o seja à maneira das propostas advindas de Bentham e Stuart Mill. Com estes
pensadores – e ainda mais com os que estudaremos a seguir – entendemos como será
possível a constituição da ética contemporânea.

6 E-REFERÊNCIAS
Lista de figuras
Figura 1 Isaac Newton – Disponivel em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Isaac_Newton>.
Acesso em 04 set. 2006.
Figura 2 Charles Robert Darwin – Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/
Charles_Darwin>. Acesso em 04 set. 2006.
Figura 3 Jeremy Bentham – Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:
Bentham.jpg>. Acesso em 04 set. 2006.
Figura 4 John Stuart Mill – Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:
JohnStuartMill.jpg>. Acesso em 04 set. 2006.

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