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AS RELAÇÕES DE
TRABALHO DISRUPTIVAS
SUBORDINAÇÃO, TRABALHO VIA PLATAFORMAS DIGITAIS E A
EXPLORAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Londrina/PR
2023
Dados Internacionais de Catalogação na
Publicação (CIP)
215 p.
© Direitos de Publicação Editora Thoth. Bibliografias: 201-214
Londrina/PR. ISBN 978-65-5959-468-9
www.editorathoth.com.br
contato@editorathoth.com.br 1. Relação de emprego. 2. Trabalho
autônomo. 3. Plataformas de trabalho. I.
Título.
CDD 342.6
Vinícius de Morais
APRESENTAÇÃO
1. Art. 2º. Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos
da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
2. Art. 3º. Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não
eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
alicerce teórico consagrado pelo direito laboral diz respeito à caracterização
de seu objeto como uma relação jurídica estabelecida invariavelmente entre
sujeitos desiguais. Uma relação, portanto, presumidamente assimétrica. Assim,
a literatura juslaboral amplamente majoritária, tanto a clássica quanto a
contemporânea, encontra na hipossuficiência o principal fundamento para a
própria existência do direito do trabalho e de seu princípio basilar – o da
proteção dos trabalhadores.
Por sua vez, essa premissa teórica de hipossuficiência foi
normativamente traduzida por “dependência” não apenas no Brasil, mas
também em outros tantos sistemas jurídicos3. O trabalhador hipossuficiente
seria legalmente aquele que labora sob a dependência patronal. Em que pese a
indeterminação do termo “dependência” e as discussões teóricas inicialmente
travadas para defini-lo, doutrinariamente restou consagrada a sua adjetivação
como “hierárquica”4 ou “jurídico-pessoal”5, o que nos remete à ideia triunfante
da subordinação como elemento fundamental na caracterização da relação de
emprego. E aqui se tem o postulado fundamental consagrado pela teoria
geral da relação de emprego clássica: o trabalhador beneficiário da proteção
juslaboral, por sua hipossuficiência, é aquele subordinado (dependência hierárquica ou
jurídico-pessoal) ao empregador. E aqui se tem a essência da operacionalidade
instrumental característica do direito do trabalho clássico, tão bem ilustrada
por Vilhena em sua metáfora da pirâmide invertida: “Imagine-se uma pirâmide
de cabeça para baixo e ver-se-á, em seu plano superior, todo o Direito do
Trabalho e em sua ponta inferior a subordinação”6.
No entanto, este modelo vem perdendo sua hegemonia. Talvez
não como elemento normativo, talvez não como premissa teórica, mas
inegavelmente vem perdendo o status de omnipresença enquanto fato
socioeconômico. Já de algum tempo o capitalismo vem atravessando um
processo de profunda reestruturação caracterizada, entre outros aspectos,
pela flexibilidade e descentralização produtivas, pela organização empresarial
em redes, pelo declínio da influência do movimento sindical, pela
3. Romita, em estudo realizado e publicado nos anos 1970, aponta o uso da expressão
“dependência” como referencial para caracterizar a relação de trabalho objeto do direito
laboral, de então, em diversos países, tais como Argentina, Espanha, Guatemala, Venezuela,
entre outros. ROMITA, Arion Sayão, Conceito objetivo de subordinação, Arquivos do Ministério
da Justiça, Rio de Janeiro, ano 35, n. 148, out./dez. 1978, p. 78-80. Cabanellas, em estudo
semelhante, também faz referência aos marcos regulatórios da Itália, Equador e México.
CABANELLAS, Guillermo. Tratado de derecho laboral. Buenos Aires: El Grafico, 1949, tomo II,
p. 198-199.
4. GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho. 6. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1975, v. 1,p. 202-204.
5. KROTOSCHIN, Ernesto. Instituciones de derecho del trabajo. 2. ed. Buenos Aires: Depalma, 1968,
p. 34-37.
6. VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos. 3. ed. São
Paulo: LTr, 2005, p. 511.
individualização e diversificação das relações de trabalho, pela incorporação
de novos grupos sociais em condições nem sempre favoráveis no mundo
do trabalho, pelo enfraquecimento do papel regulador do Estado, pelo
aumento da concorrência econômica global e, ainda, pelo aumento das
diferenças sociais nos (e entre os) países7. Mais recentemente, avançamos ao
pós-industrialismo digital, onde sobressaem o “neotaylorismo digital”8 e o
“capitalismo de plataformas”, com suas “retóricas de suavização do avanço
do mercado”9 (economia de compartilhamento ou de colaboração, nas quais
os trabalhadores são substituídos por “parceiros”, “colaboradores” etc.),
com seu processo de autodestruição da legitimidade institucional e política
e com seu potencial desconstrutivo para a democracia, para o Estado Social
e para os direitos humanos10. As repercussões destas transformações na
seara juslaboral, por óbvio, são inevitáveis e extremamente impactantes.
A teoria geral clássica do direito do trabalho tem como outra
de suas premissas fundamentais a universalização da relação de emprego e,
consequentemente, a uniformização (padronização) da hipossuficiência, engessada
doutrinária e jurisprudencialmente nos contornos estritos de uma
subordinação “subjetiva”. Neste sentido, para o direito do trabalho, a relação
de emprego, sob uma ótica instrumental-normativa, ainda hoje, identifica-
se por um intercâmbio entre proteção e subordinação. Em outras palavras,
na relação de trabalho em que o direito laboral identifica a subordinação,
incide integralmente a sua proteção típica; já naquela relação em que a
subordinação não é identificada, não há a incidência da proteção, nem
mesmo parcialmente11. Então, o direito do trabalho não se aplica naquelas
relações de trabalho em que a subordinação é ausente, ou ainda, tem
dificuldade de incidir nas relações em que a subordinação se faz presente,
mas não é aparente ou não se apresenta da forma típica. Isso, mesmo que
haja outros tipos de vulnerabilidades na relação, que não a hierárquica.
7. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002, p. 39-40.
8. COSENTINO FILHO, Carlo Benito. Neotaylorismo digital e a economia do (des)
compartilhamento. CARELLI, Rodrigo de Lacerda; CAVALCANTI, Tiago Muniz;
FONSECA, Vanessa Patriota da. Futuro do trabalho: os efeitos da revolução digital na sociedade.
Brasília : ESMPU, 2020, p. 417-429.
9. FALCÃO, Thiago; MARQUES, Daniel; MUSSA, Ivan. #BOYCOTTBLIZZARD: capitalismo
de plataforma e a colonização do jogo. Revista Contracampo. Niterói, v. 39, nº 2, p. 59-78, ago./
nov. 2020.
10. OLIVEIRA JUNIOR, José Alcebíades. Estado social e luta de classes no mundo globalizado:
reflexões sobre a autodestruição da legitimidade institucional na era digital. BRAVO, Álvaro
Sánchez (editor). Derecho, inteligencia artificial y nuevos entornos digitales. España: AADMDS, 2020,
p. 278-297.
11. SUPIOT, Alain, Introductory remarks: between market and regulation: new social regulations
for life long security? In AUER, Peter, GAZIER, Bernard (eds.). The future of work, employment
and social protection. Geneva: International institute for labour estudies (ILO), 2002, p. 149-151.
No mundo do trabalho pós-industrial e “4.0”, que se notabiliza cada
vez mais pela diversificação e complexificação das relações de trabalho,
esses limites recém-descritos tornam-se cada vez mais problemáticos. Pelo
olhar ainda hegemônico, homens e mulheres que disponibilizam sua energia
laboral por meio de aplicativos, em dias de chuva ou de sol escaldante, de
frio ou de calor, pela manhã, tarde ou noite (quando não nos três turnos),
mas sempre longe das vistas de um “chefe” que lhe fiscalize ou lhe exija
um horário de trabalho rígido, são autônomos. Como tais, não fazem jus à
proteção tipicamente juslaboral, não importando que haja outros tipos de
vulnerabilidades (econômica, negocial, informativa etc.) em suas relações
jurídicas de trabalho.
Será esse olhar adequado para o mundo do trabalho contemporâneo?
Ou se lhe apresenta uma gravíssima miopia (para não dizer cegueira)? Em
apertada síntese, este é o contexto da discussão e da pesquisa acadêmicas
ilustradas nesta obra. Discussão, aliás, cujo objeto nos direciona os sentidos
para o direito do trabalho com o qual certamente lidaremos nos próximos
anos. Pesquisa, aliás, aprovada com grau máximo em um dos pós-graduações
em direito mais bem conceituados do Brasil.
Parabéns, Roberta, pela pesquisa e pela obra! E muito obrigado por
ter me oportunizado participar um pouquinho dela!
INTRODUÇÃO ..........................................................................................................21
CAPÍTULO 1
OS IMPACTOS DAS TECNOLOGIAS DISRUPTIVAS NAS RELAÇÕES
DE TRABALHO CLÁSSICAS ................................................................................25
1.1 Formação e requisitos da relação de emprego em sentido estrito .................33
1.2 A subordinação como elemento essencial da relação de emprego ................40
1.2.1 Subordinação subjetiva ......................................................................................47
1.2.2 Subordinação objetiva .......................................................................................50
2.2.3 Subordinação estrutural ....................................................................................55
1.2.4 Subordinação integrativa ..................................................................................57
1.2.5 Subordinação potencial......................................................................................59
1.2.6 Subordinação estrutural-reticular ....................................................................61
1.2.7 Subordinação por algoritmos ...........................................................................63
1.3 Parassubordinação ................................................................................................67
1.4 O trabalho autônomo ...........................................................................................71
1.4.1 O trabalhador autônomo economicamente dependente ............................75
1.4.2 Alteridade e alienidade como fatores de diferenciação entre subordinação e
trabalho autônomo .....................................................................................................79
CAPÍTULO 2
A NOVA REALIDADE LABORAL DISRUPTIVA ..........................................83
2.1 A quarta revolução industrial ..............................................................................88
2.1.1 Mudança de Paradigma do Trabalho ...............................................................92
2.1.2 A Economia Colaborativa e a Intermediação do Trabalho Humano ..... 102
2.2 Reconfiguração do trabalho via plataformas digitais ................................... 111
2.2.1 Trabalho Digital na Sociedade da Informação............................................ 117
2.2.2 As Plataformas Digitais ................................................................................ 122
2.2.3 As Principais Plataformas Digitais de Trabalho ........................................ 125
2.2.3.1 Plataformas de mobilidade urbana e entrega.............................................127
2.2.3.1.1 Uber .............................................................................................................127
2.2.3.1.2 BlaBlaCar ....................................................................................................129
2.2.3.1.3 iFood.............................................................................................................130
2.2.3.2 Plataformas de serviços................................................................................132
2.2.3.2.1. Amazon mechanical turk – MTurk ........................................................132
2.2.3.2.2 Workana ......................................................................................................134
2.2.3.2.3 Dog Hero ....................................................................................................136
2.2.4 Enquadramento das Principais Plataformas de Trabalho na Economia do
Compartilhamento .................................................................................................... 136
CAPÍTULO 3
O TRABALHO DA MULTIDÃO PRODUTORA ATRAVÉS DE
PLATAFORMAS DIGITAIS ............................................................................... 139
3.1 A intermediação de trabalho via plataformas digitais .................................. 143
3.1.1 Multiterceirização: o trabalho na modalidade crowdsourcing ...................... 150
3.1.1.1 Crowdsourcing on-line ........................................................................................154
3.1.1.2 Crowdsourcing off-line .......................................................................................162
3.2 O trabalho crowdwork e os direitos dos trabalhadores subordinados ......... 165
3.2.1 Subordinação no Trabalho Prestado Através de Plataformas Digitais .. 168
3.2.2 Pessoalidade como Componente da Relação de Emprego no Trabalho
Crowdsourcing .............................................................................................................. 172
3.2.3 Dependência Econômica .............................................................................. 174
3.3 Releitura do direito do trabalho clássico e o trabalho crowdsourcing ............. 181
3.4 Fundamentos para a tutela dos trabalhadores em plataformas digitais .... 185
19. BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. 11. ed. São Paulo: LTr, 2017, p. 49.
20. MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 10. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2000, p. 34.
21. COIMBRA, Rodrigo. A natureza jurídica do direito coletivo do trabalho no Brasil. In: Revista
Eletrônica de Direito Público, vol. I n. 2, junho 2014, p. 459-487, p. 465.
22. BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. 11. ed. São Paulo: LTr, 2017, p. 50.
23. MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 10. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2000, p. 36.
24. PORTO, Lorena Vasconcelos. A Subordinação no Contrato de Trabalho: uma releitura necessária.
São Paulo: LTr, 2009, p. 23.
25. MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 10. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2000, p. 36.
ROBERTA PHILIPPSEN JANZ 29
26. BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. 11. ed. São Paulo: LTr, 2017, p. 50.
27. NASCIMENTO, Amauri Mascaro; NASCIMENTO Sônia Mascaro. Curso de Direito do
Trabalho. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 415-416.
28. ROMAR, Carla Teresa Martins. Direito do Trabalho Esquematizado. 5. ed. São Paulo: Saraiva
Educação, 2018, p. 42.
29. PORTO, Lorena Vasconcelos. A Subordinação no Contrato de Trabalho: uma releitura necessária.
São Paulo: LTr, 2009, p. 24.