Você está na página 1de 12

MECÂNICA

DOS SOLOS

Cleber de Freitas Floriano


Compressibilidade dos solos
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
„„ Identificar a importância da compressibilidade nos solos.
„„ Conhecer os mecanismos de ocorrência da compressibilidade
nos solos.
„„ Reconhecer por meio de analogia o fenômeno da compressibili-
dade dos solos.

Introdução
Neste texto, você vai identificar o que é a compressibilidade no caso
aplicado aos solos por meio do conhecimento dos mecanismos que
fazem os solos, em especial os solos argilosos saturados, terem um
comportamento mecânico especial, que requer atenção extrema nas
obras de engenharia. Verá, também, uma analogia que contribui para
o entendimento do fenômeno da compressibilidade nos solos.

O que é um solo compressível


Você já viu que qualquer material pode ser compressível. No instante em que
aplicamos alguma solicitação (carregamento externo), um material deve sofrer
uma resposta àquele estado de tensões. E, normalmente o material se deforma.
Podemos citar dois exemplos clássicos antes de falarmos sobre os solos,
os quais são os materiais objeto de nossos estudos. Esses dois materiais clás-
sicos são: uma borracha de apagar lápis e uma peça cúbica de concreto. São
materiais de nosso dia a dia. Como já notamos intuitivamente apresentam
propriedades muito diferentes. A borracha apresenta comportamento elástico,
ou seja, quando recebe um carregamento (a força de nossos dedos apertando-
-a), deforma-se muito e, após a descarga, volta ao tamanho original, evidente-
mente se não exagerarmos no carregamento. Já o concreto quando aplicamos
um nível de carregamento de nossa capacidade física (tente apertar com seus
dedos...), notamos que não ocorrem deformações visíveis, daí achamos que o
concreto é um elemento indeformável. No entanto, não é bem esse o conceito
correto, pois, basta colocarmos a peça em uma prensa e se pudermos medir

Mecanicas_Solos_U3_C9.indd 114 22/09/2016 17:01:52


Compressibilidade dos solos 115

a deformação, verificamos que para o concreto existe um patamar onde as


solicitações passam a ter expressão e, portanto, causam deformações na peça.
Primeiro, vão acontecer as deformações como as que vemos na borracha, que
são chamadas de deformações elásticas, ou seja, aquelas que quando descar-
regarmos (aliviarmos as cargas), observamos que a peça volta a sua dimensão
original. Mas se continuarmos carregando (aumentando a carga) veremos que
em determinado estado de tensões a peça de concreto entra no patamar de
escoamento, o que corresponde à plastificação do concreto. A esse estado de
tensões, onde existem deformações permanentes, chamamos de tensão de es-
coamento. As deformações a partir daí, passam a ser permanentes, ou seja, a
peça deforma, mas não retorna à dimensão original, permanecendo com uma
deformação residual.
Enfim, dois comportamentos mecânicos governam os materiais em geral:
o comportamento elástico e o comportamento plástico (ver Figura 1). Ambos
são intrínsecos do material, podendo ocorrerem juntos ou de forma expressi-
vamente separadas (desconsidere aqui o tempo de carregamento).
Nos solos, a resposta à aplicação de tensões é semelhante, no entanto, na
maioria dos casos, a carga que aplicamos é a partir da superfície, portanto, um
carregamento externo de compressão em uma massa confinada. A resposta
a essas solicitações instigou e instiga muitos engenheiros a entender como os
solos se comportam mecanicamente. Poderia ser a mesma situação de mate-
riais como a borracha ou seria como o comportamento do concreto? Em ver-
dade, os solos como materiais naturais se comportam de maneira única, em
cada local ou cada ambiente. Os solos levaram milhares ou mesmo milhões de
anos para se formarem, compondo uma estrutura complexa trifásica, algumas
vezes quase homogênea, mas, na maioria dos casos, difícil até mesmo de de-
finir como se distribuem as camadas no espaço subterrâneo.
Com essa instigante atividade desafiadora da engenharia, durante muitos
anos ocorre acúmulo de conhecimentos sobre a ciência da mecânica dos solos
que vem evoluindo e trazendo diariamente novas experiências de cada obra
de engenharia importante no planeta. Podemos citar alguns limiares classica-
mente identificados como é o caso da divisão do comportamento mecânico
de areias (granulares, de fácil drenagem e deformações em curto prazo) e
das argilas (solos muito finos, com dificultosa drenagem e deformações de
longo prazo). Vale ressaltar que a drenagem, aqui, é a passagem de água pelo
interior (poros) do solo. Sobre a compressibilidade dos solos, portanto, é im-
portante notar que a resposta a deformabilidade dos solos, em especial dos
solos argilosos, está diretamente relacionada ao tempo de carregamento.

Mecanicas_Solos_U3_C9.indd 115 22/09/2016 17:01:52


116 Mecânicas dos solos

As deformações plásticas e elásticas ocorrem gradativamente, em ver-


dade, na velocidade de execução das obras (cargas). Nos casos de solos argi-
losos saturados, podem também ocorrer posterior a execução destas. Eis que
surge um grande desafio, pois as deformações diferencias no solo implicam
em danos a estrutura.
É fato que a deformabilidade dos solos depende de diversas condições como:
estado do solo, a granulometria e o tipo de grão, o índice de vazios, a permeabi-
lidade, etc. O que fazemos com este material natural é tentar ao máximo padro-
nizar os diversos comportamentos mecânicos o que nada mais é do uma forma
de matematização da natureza. Para isso, usa-se as respostas de ensaios de la-
boratório e campo combinado com o sucesso e insucesso das obras geotécnicas
monitoradas, bem como o embasamento científico, assim, constata-se que pode
existir modelos que se aproximam do comportamento destes materiais naturais.
A condição de grande importância prática na engenharia civil sob o ponto
de vista da compressibilidade dos solos é a definição de recalque e o tempo
que leva para acontecer o recalque em uma camada saturada e confinada late-
ralmente. Portanto, vamos enfatizar essa situação nesta e nas próximas aulas.
Sobre a compressibilidade dos solos, todavia, é importante notar que a res-
posta a deformabilidade, em especial dos solos argilosos, está diretamente re-
lacionada ao tempo de carregamento. Para estimar a ordem de grandeza desse
tempo em função do carregamento de uma camada de solo, não obstante, além
do conhecimento das propriedades do material, geometria e condições de nível
d’água, precisamos conhecer como se distribuem as tensões nos solos.

Figura 1. Gráfico da deformação relativa em


função da carga de compressão (q).

Mecanicas_Solos_U3_C9.indd 116 22/09/2016 17:01:52


Compressibilidade dos solos 117

Por serem materiais de massas notáveis, os solos apresentam nível de confinamento


dependente da sua profundidade. Portanto, quanto maior a profundidade, mais confi-
nado estará o solo. Esse nível de confinamento corresponde a comportamentos mecâ-
nicos distintos para um mesmo material.

Por que ocorre a compressibilidade?


Para explicar como ocorre o fenômeno da compressibilidade, em especial nos
casos das argilas saturadas, como já frisamos anteriormente, nada melhor que
tomar um exemplo típico de uma condição de obra. Analise o caso da Figura
2, onde observamos a construção de um aterro sobre uma fina camada de
areia e, logo abaixo, uma camada de argila saturada compressível limitada
pelo leito rochoso impermeável.
O aterro funciona como sobrecarga. Assim, para um ponto M qualquer da
camada compressível de argila saturada, admitimos que a pressão transmitida
pela sobrecarga do aterro seja .
Você nota que o nível d’água encontra-se junto a superfície do terreno
natural, assim, parte dessa pressão, u, será transmitida à água que está preen-
chendo os vazios do solo e a outra parte, q, a pressão entre contato de partí-
culas sólidas, sendo, portanto:

O acréscimo de pressão

Figura 2. Aterro condicionado à sobrecarga em uma camada compressível de solo ar-


giloso saturado.

Mecanicas_Solos_U3_C9.indd 117 22/09/2016 17:01:52


118 Mecânicas dos solos

Como a água é incompressível, ou seja, não sofre deformação com a ação


de carregamento, essa sobrepressão busca um caminho de dissipação, e esse
caminho será vertical e junto à camada de areia, como mostra a Figura 3.
Sabendo que as argilas têm baixíssima permeabilidade, notamos que esse pro-
cesso de migração da água é bastante lento.
À medida que a água migra lentamente dos poros da argila para os poros
da areia (que apresenta permeabilidade elevada), a sobrepressão, , vai dimi-
nuindo até anular-se, enquanto que a tensão efetiva, de contato entre grão,
ganha magnitude, aumentado na mesma proporção, uma vez que (altura da
camada de aterro), é constante.

Figura 3. Direção do fluxo de dissipação de sobrepressão da água nos poros saturados do


solo argiloso.

No instante da aplicação da carga, temos que e . Passado o


tempo necessário para dissipar a sobrepressão hidrostática, quando termina
a transferência de para p, na prática temos que e . Em qualquer
outra fase, ou seja, no meio tempo entre inicio de carregamento e final de
dissipação de sobrepressão hidrostática, teremos:

visto que tanto q quanto u são funções do tempo.


Ao final do estágio, a expulsão de água acarreta perda volumétrica, cor-
respondendo à redução de volume da camada de argila, proporcionando um
recalque ( ) que poderia ser medido no topo do aterro, como você pode ob-
servar na Figura 4.

Mecanicas_Solos_U3_C9.indd 118 22/09/2016 17:01:53


Compressibilidade dos solos 119

Figura 4. Adensamento final da camada de argila.

Exemplos de mecanismos como este podem ser aplicados também para uma fun-
dação superficial. Por exemplo, a sapata de um prédio solicitando uma camada de
solo onde o acréscimo de tensões atinge uma segunda camada de solo compressível
e ocasiona ao final do processo o recalque. Nas estruturas prediais, grande parte das
patologias provenientes de fundações ocorre em função dessa imprevisibilidade. Cha-
mamos esse mecanismo de recalques diferenciais.

Alguns autores identificam essa equação fundamental como a mais im-


portante da mecânica dos solos. Portanto, trata-se da lei fundamental que rege
o fenômeno do adensamento das camadas de solo mole.

Figura 5. Transferência de pressões em uma argila saturada.

Mecanicas_Solos_U3_C9.indd 119 22/09/2016 17:01:53


120 Mecânicas dos solos

Além do conceito de carga hidráulica, a água quando exerce fluxo, também proporciona
força nas partículas. A este assunto, chamamos de tensões no solo submetidas a perco-
lação da água. A força de percolação é importantíssima nos casos de fluxo ascendente,
pois acaba reduzindo as tensões efetivas no solo. Em projetos de barragem de terra você
deve ter uma atenção imensa para que não atingir gradientes críticos que venham a causar
danos por ruptura hidráulica, tanto no corpo da barragem como nas suas fundações.

A analogia mecânica de Terzaghi


A conhecida analogia de Terzaghi que foi apresentada por Taylor (1948, p.
223) relaciona faz uma correspondência do fenômeno de adensamento com
uma mola dentro de um êmbolo com água.
A explicação da analogia segue a orientação da Figura 6, na qual você pode
verificar, passo a passo, indicações sobre as diferentes situações do fenômeno.
De antemão podemos associar o seguinte:

a.  o êmbolo é o espaço confinado do solo argiloso;


b.  a mola são as partículas sólidas do solo argiloso (o contato entre estas);
c.  a torneira é o mecanismo que associa a baixa permeabilidade das ar-
gilas, que corresponde a vazão de drenagem entre os poros do solo;
d.  o carregamento externo ao êmbolo (20 kN) corresponde ao acréscimo
de tensão de um aterro sobre o solo argiloso, por exemplo.

Vejamos:

„„ Na posição 1, observamos a condição inicial onde temos o êmbolo


cheio de água com a mola totalmente esticada e a torneira de saída
d’água permanece fechada. Isso corresponde ao estado natural do solo.
„„ Na posição 2, aplicamos o carregamento externo de 20kN, mas per-
manecemos com torneira fechada. Isso corresponde a situação do car-
regamento instantâneo de uma camada de aterro ou de uma fundação
no solo. Veja que, nesta condição, a carga aplicada é transferida na sua
totalidade para a água.
„„ Na posição 3, você abre a torneira. Nesse instante, a carga aplicada
ainda é absorvida 100% pela água dentro do êmbolo. Isso corresponde
ao instante t=0 onde inicia-se o processo de adensamento.

Mecanicas_Solos_U3_C9.indd 120 22/09/2016 17:01:53


Compressibilidade dos solos 121

„„ Na posição 4, mantendo-se a torneira aberta, observamos que a carga


aplicada de 20 kN está sendo lentamente transferida para a mola;
15 kN ainda são suportados pela água e 5 kN pela mola. Isso cor-
responde a uma etapa do adensamento de 25% do tempo total, onde
a tensão efetiva está aumentando à medida que a pressão neutra vai
sendo dissipada.
„„ Na posição 5, mantendo a torneira aberta, você observa que da carga
aplicada de 20 kN já foram transferidos 10 kN para a mola, e a água
restante suporta os outros 10 kN do carregamento. Isso corresponde
a uma etapa do adensamento de 50% do tempo total, onde a tensão
efetiva continua a aumentar à medida que a pressão neutra está sendo
dissipada.
„„ Na posição 6, mantendo a torneira aberta, você observa que da carga
aplicada de 20 kN já foram transferidos 15 kN para a mola, e a água
restante suporta os outros 5 kN do carregamento. Isso corresponde
a uma etapa do adensamento de 75% do tempo total, onde a tensão
efetiva continua a aumentar à medida que a pressão neutra está sendo
dissipada.
„„ Na posição 7, mantendo a torneira aberta, você observa que a carga
aplicada de 20 kN foi absorvida completamente para a mola. A partir
desse instante, não há mais deformações da mola, nem saída d’água
pela torneira. Isso corresponde a 100% do tempo total de adensa-
mento, onde já ocorreu dissipação total da sobrepressão e ocorreu
transferência total da carga aplicada para as tensões efetivas do solo.
Nesse instante, o adensamento está hipoteticamente finalizado para
a carga de 20 kN.

Dessa analogia, você conclui que, para a ocorrência de adensamento,


é necessária a presença de solos compressíveis, que corresponde aos solos
de baixa permeabilidade, como os solos argilosos. A analogia é válida para
o caso de solos saturados de água. Quando aplicamos um carregamento a
uma camada de solo compressível, verificamos que existe um acréscimo de
tensões e esse acréscimo de tensões é instantaneamente transferido como
pressão de água e lentamente dissipada com ganho de tensões efetivas. A
consequência da dissipação e expulsão vertical da água corresponde ao um
adensamento da camada de solo que será exposta por meio de um desloca-
mento (recalque) na superfície.

Mecanicas_Solos_U3_C9.indd 121 22/09/2016 17:01:53


122 Mecânicas dos solos

2 3

1 4 5 6 7

Figura 6. Analogia mecânica de Terzaghi para o fenômeno de adensamento.

Nos terrenos muito permeáveis, como os solos arenosos ou pedregulhosos sem a pre-
sença de matriz argilosa, não se aplica a situação explícita do fenômeno de adensa-
mento em função do tempo, pois as deformações são instantâneas, neste caso.

ALMEIDA, M. S. S.; MARQUES, M. E. S. Aterros sobre solos moles: projeto e desempenho.


São Paulo: Oficina de Textos, 2010.

CAPUTO, H. P. Mecânica dos solos e suas aplicações. Rio de Janeiro: LTC, 1987.

GRAIG, R. F.; KNAPPETT, J. A. Graig mecânica dos solos. 8. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2015.

PINTO, C. S. Curso básico de mecânica dos solos em 16 aulas. 2. ed. São Paulo: Oficina de
Textos, 2012.

TAYLOR, D. W. Fundamentals of soil mechanics. New York: John Wiley e Sons, 1948.

Mecanicas_Solos_U3_C9.indd 122 22/09/2016 17:01:54

Você também pode gostar