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Política Democrática
Revista de Política e Cultura
www.politicademocratica.com.br
Conselho de Redação
Conselho Editorial
Ficha catalográica
Agosto 2009
A
s obras que embelezam a capa e a contracapa desta edi-
ção pertencem ao artista plástico Sérgio Pinheiro (nascido
em Jaguaribe/CE, em 1949). Desde muito jovem é artista e
“vive enganando a todos fazendo coisas belas”, como ele mesmo diz.
No início dos anos 1960, desenvolveu amizade e aprendizagem, em
múltiplas técnicas artísticas, com o mestre Zenon Barreto e viajou
pela América Latina. Em 1970, foi para o Rio de Janeiro, onde du-
rante um ano estudou comunicação visual, no Museu de Arte Mo-
derna, com os professores, entre outros, Frederico Morais e Aloísio
Carvão. No MAM, participou da exposição Arte Agora/70, a convite
do pintor João Câmara. Nas décadas de 1970/90, fez exposições
individuais no Brasil e exterior. Nos anos 1980, estudou artes plás-
ticas, como bolsista do governo francês e sob a direção do professor
Frank Popper, na Universidade de Paris, onde obteve o diploma de
Mestre. Participou do Salão dos Independentes e da Exposição La-
tino-Americana de Artistas, inaugurada pelo presidente Miterrand,
no Grand-Palais, em Paris. Expôs individualmente em Versailles,
na agência do Banco Crédit-Lyonnais, e participou de coletivas com
colegas bolsistas, vencendo concurso para cartão de Natal de 1981.
Participou da mostra “Art en Boite”, exibida em diversos países.
Ainda nos anos 1980, foi para a Inglaterra, ali residindo por quatro
anos. Expôs individualmente na Universidade de Durham e reair-
mou relação proissional com a Galeria Denise René, de Paris, porta
de entrada de todos que se interessam pelo construtivismo na Eu-
ropa e no mundo. Na segunda metade dos anos 1980 e no início dos
anos 1990, expôs na França, Inglaterra e Ceará o resultado de estu-
dos feitos a partir de embalagens de papelão servindo como suporte
para a pintura. Em 2007, teve mostra e comemorou quarenta anos
de pintura, no Memorial da Cultura Cearense, do Centro Dragão do
Mar de Arte e Cultura, com o tema “Os Ambulantes”. Há dois anos,
trabalha interpretações deste tema com a ajuda do computador.
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I. Apresentação
Os Editores ...................................................................................................................9
II. Entrevista
Luiz Werneck Vianna ................................................................................................. 13
O poder político
Luiz Viégas da Motta Lima ......................................................................................... 57
VIII. Ensaio
IX. Mundo
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X. Memória
XII. Resenha
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Os Editores
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L
uiz Werneck Vianna é um “clássico moderno”. Egresso da
cultura comunista – do comunismo do antigo PCB –, este
cientista social e político dirige-se, no entanto, a todas as
forças e personalidades da cena pública, no melhor sentido daquela
cultura, e isto desde o seu primeiro livro, Liberalismo e sindicato no
Brasil. Os traços da modernização conservadora, ou da revolução-
restauração, que assinalam a reconstrução da vida republicana,
particularmente a partir de 1930, encontram uma formulação cris-
talina já neste livro.
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Werneck Vianna – Apenas digo que esta foi uma possibilidade que
se frustrou também por volta de 1980, 1981. Quando a direção do
PCB voltou ao Brasil, a minha posição foi abrir um terceiro caminho.
Prestes de um lado, Giocondo do outro, e nós numa terceira posição.
Fizemos, àquela altura, uma reunião, e fui amplamente derrotado.
A ideia vitoriosa foi a de que deveríamos nos associar ao Giocondo,
que era o caminho possível etc. Eu me bati por um terceiro caminho,
mas era inteiramente dependente do David [Capistrano Filho] para
fazer esse movimento, pois ele tinha o controle de São Paulo. Mas aí
o passado pesa, não é? Houve quem dissesse que não faria esse mo-
vimento para não virar “renegado” e coisas do gênero. O fato é que,
se isso tivesse sido feito, nada garante, a meu ver, que teria dado
certo, mas pelo menos teríamos tentado um movimento garibaldino e
não um movimento mazziniano. Porque dentro do partido havia esse
movimento mazziniano. Bom, eu não vou identiicar a essa altura
quem, a meu ver, consagrava melhor isso. Não faz sentido. Mas ha-
via. E, nesse sentido, a “Declaração de Março de 1958”, com todos os
elementos de revolução passiva que ela, inconscientemente, estimu-
lava, também não ajudava, principalmente no seu determinismo que
induzia a crença de que “os fatos” trabalhavam a nosso favor. Não
houve o corte ali, e, nisso, Gramsci tornou-se mais vivo nos cenácu-
los da cultura universitária do que na política. Porque ele icou sem
portador dentro da política.. Enim, o “grupo eurocomunista” não se
constituindo como tal, Gramsci vai sair da política, vai ser capturado
pelo campo da educação, dos estudos sobre folclore, da religiosidade
popular, qualquer coisa que não a política. E todo esse nosso movi-
mento então foi inteiramente decapitado, ao se dispersar em várias
direções. Uma fração dele, mais animada, foi para o PT, mas sem
partir de uma relexão própria. Se nos levantássemos naquela hora e
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etc. Nós também temos duas matrizes. No caso dos americanos, não,
eles têm uma matriz única.
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Werneck Vianna – Seja Serra, seja Dilma. Isso signiica que, com
modulações, com variações para lá e para cá, vige uma única pauta.
O que há são interpretações da mesma pauta.
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Werneck Vianna – Não tem feito em São Paulo... Quanto a isso não
há dúvida. E a Dilma, fará? Poderá fazer, mas ela também não tem
se chocado com o agronegócio. Ela vai suportar a pressão do agro-
negócio, com a alegação, por parte deste, de que sustenta o país e
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to várias vezes, tanta gente escreveu sobre este dado, digamos, xiita
da formação. O partido chega para atingir um determinado objetivo,
não tem como atingi-lo, a não ser parcialmente e na dependência
pessoal do chefe. Então, todos icam nesta dependência e monta-se
um equilíbrio que não tem como ser quebrado, até que o próprio che-
fe se autonomiza e declara: “O programa do partido não me regula,
eu me adapto às circunstâncias. Sou um político de faro, de intuição.
Sou um político pragmático”.
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N
os seus 120 anos de história, a República no Brasil com-
portou fases e períodos distintos e peculiares que, a grosso
modo, poderiam ser divididos ou resumidos em cinco: 1889-
1930, liberal-oligárquico; 1930-1945, centralizadora e ditatorial;
1945-1964, liberal; 1964-1985, ditatorial e 1985... democrática-li-
beral. Apesar dessas fases e períodos serem diversos entre si, eles
têm algumas características essenciais comuns: restrição aos direi-
tos civis, sociais e políticos; limitações do caráter público do Estado,
apropriado ou privatizado indevidamente por grupos e/ou facções
da classe dominante; utilização de formas arbitrárias, opressivas,
repressivas e/ou coercitivas de exercício do poder; presença de uma
cultura política antidemocrática, preservando e reproduzindo traços
perversos, presentes no clientelismo, no isiologismo, no patrimonia-
lismo, no corporativismo.
Em 15 de novembro de 1889 a República foi implantada através
da intervenção do Exército, como se estivesse realizando uma parada
militar. Para o destronamento do todo poderoso império dos senho-
res e sua substituição pelo regime republicano bastou uma simples
proclamação militar e foi realizada de um só golpe (pacíico e sem ne-
nhuma resistência), fruto de conspiração de um pequeníssimo grupo
na calada da noite. Pasmada, a sociedade brasileira só tomou conhe-
cimento do fato depois acontecido.
Instaurada a República, o governo provisório, chefiado pelo
Marechal Deodoro da Fonseca, tomou diversas medidas visando a
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Referências
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SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Cidadania e justiça. Rio de Ja-
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Giorgio Napolitano
Presidente da República Italiana. Formado em Direito, foi eleito deputado pela pri-
meira vez em 1953 pelo Partido Comunista Italiano, sendo reeleito por sucessivos
mandatos. Passou pela presidência da Câmara dos Deputados da Itália, foi ministro
do Interior e tornou-se europarlamentar de 1999 e 2004. Em 23 de setembro de 2005,
foi nomeado senador vitalício pelo presidente italiano Carlo Azeglio Ciampi.
Rudá Ricci
U
m artigo escrito por Carlos Alberto Di Franco, intitulado
“Simbiose – oligarquia e populismo”, motivou esta relexão
sobre o quanto o presidencialismo de coalizão montado pelo
lulismo confere uma sobrevida (e enquadra) às oligarquias e corone-
lismos regionais. Di Franco recupera a avaliação do sociólogo Leôn-
cio Martins Rodrigues para quem a multiplicação de escândalos não
punidos é fruto da aliança entre os grupos de Lula e de Sarney. Na
verdade, trata-se de um preço pago pelo lulismo pelo apoio que Sar-
ney deu ao presidente Lula durante o auge da denúncia do esquema
que icou conhecido como mensalão.
Para Leôncio, “o líder das oligarquias tradicionais do Nordeste
junta-se ao líder das novas classes ascendentes” e, ainda, “a união
foi possível por que os “novos” aderiram rapidamente ao projeto dos
“velhos”, de fazer da política uma escada para obter proveitos pes-
soais, enriquecimento e desfrute puro e simples do poder. É algo
de fato original. Entre nós, a ascensão dos plebeus não signiicou a
expulsão dos velhos oligarcas. Eles se entenderam, chegamos aonde
chegamos.”
Di Franco parece acertar o alvo quando airma, em seu artigo, que
o “presidente da República, invariavelmente, sai em defesa daqueles
que compõem o seu cinturão de proteção”. Mas, a partir daí, perde
o prumo porque parte para uma análise personalista, fulanizando a
política. Reairma a tese da oposição para quem o lulismo seria le-
niente. Perde, assim, a chance de aprofundar a análise sobre a lógica
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Giorgio Napolitano
À
s vésperas do dia 25 de abril de 2009, dia em que foram co-
memorados os 64 anos da libertação da Itália do nazifascis-
mo, o atual primeiro ministro italiano, Silvio Berlusconi, se
jogou numa campanha pela necessidade de reformar a Constitui-
ção italiana em nome das exigências de governabilidade. Para isso,
em sucessivas declarações, procurou mostrar que a Constituição de
1948 era, por um lado, pró-soviética; e por outro lado, um empecilho
às exigências de governar o país de maneira mais eiciente.
Homem político absolutamente contrário àquilo que Berlusconi
representa, o presidente da República, Giorgio Napolitano, teve uma
rápida reação. Assim, na abertura da 1a Bienal Democracia de Turim,
o presidente Napolitano deixou claro o seu posicionamento contrário
às intenções pouco democráticas de Berlusconi, recorrendo às ideias
do ilósofo italiano Norberto Bobbio, para quem “a denúncia da ingo-
vernabilidade tende a sugerir soluções autoritárias”, como se verá a
seguir. O trecho do discurso foi publicado no jornal italiano La Repu-
blica, edição de 23/04/2009.
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a teoria, as agremiações partidárias existem para buscar a
conquista do poder político e passar a dirigir a nação. Nada
mais legítimo. Objetivam levar à prática, por imposição ou
persuasão, seu ideário, seu programa ou suas normas de vida em so-
ciedade. Assumindo o poder, estruturam o controle do Estado atra-
vés de um novo governo.
De imediato, não estamos questionando a forma como se dá essa
conquista. Se existirem condições objetivas e subjetivas, ela poderá ser
legitimada, tanto em movimento pacíico como em processo violento.
Por um só partido político ou por uma frente partidária. Isto sem levar
em conta que, muitas vezes, de forma condenável, o poder é alcançado
por golpe de força. Geralmente, isto acontece para imposição de normas
até então inexistentes ou completa supressão do “status quo”. Outras
vezes, para simples substituição de pessoas ou grupo no poder.
A história está repleta de exemplos onde organizações partidárias
pregam ou pregaram, abertamente, a substituição de governos, mes-
mo sem quebra das normas existentes. São os casos de renúncia,
muito frequentes nos regimes parlamentares, mediante apresenta-
ção de moção de desconiança. Ou, ainda, pela pressão popular e
política, como no nosso episódio de “impeachment”.
Mas, em quaisquer destes casos, mesmo na pacíica pressão po-
pular, pode desencadear-se processo revolucionário, assim entendido
aquele que transcende as normas existentes e impõe a substituição,
não só do governo e da estrutura de poder, mas do próprio regime.
Pouco importando, pois, o caráter inicial do movimento, havendo
resistência dos grupos governistas, ele poderá modiicar-se e trans-
formar-se em confronto armado. Outras vezes, podendo ter início
como luta armada, porém sem possuir conteúdo revolucionário, resulta
frustrante acordo entre os “litigantes”, para repartição do poder.
Nos países da chamada democracia representativa – o que mais
nos diz respeito – essa disputa acontece ou deveria acontecer através
do voto dos cidadãos conscientizados, em campanha eleitoral livre e
abrangente, sem pressões ou coações de qualquer natureza.
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Na prática, porém, não é bem assim. Mesmo nos países tidos como
os mais avançados, é inegável a existência de contrafações. A mais
comum é a inluência do poder econômico, que interfere de todas as
formas no tecido social, sobretudo na mídia. Durante a campanha
eleitoral, ou mesmo, antes dela, na elaboração do arcabouço legal
que a preside. As próprias agremiações partidárias, em sua essência,
pecam por ausência de conteúdo ideológico. Nos Estados Unidos da
América, alardeados como a maior democracia vigente, ica mais do
que lagrante a falta de espaço para qualquer outro partido, além dos
dois dominantes, que se alternam no poder, sem que haja, entre eles,
diferenças fundamentais. E o processo eleitoral, especíico em cada
estado federado, não está isento de episódios suspeitos. Como na
votação e recontagem dos votos ocorridas na Flórida, por ocasião da
reeleição de Bush, ilho. O “padrão democrático” dos nossos irmãos
do norte não é, como eles tentam fazer crer, exemplo de democra-
cia a ser impingido a quem quer que seja. A eleição de Obama, em
decorrência de uma intensa participação popular, pode representar
um sinal auspicioso de mudança, pois há menos de 60 anos, os ne-
gros, nos EUA, não podiam, sequer, sentar nos bancos da frente, nos
transportes coletivos. Hoje, a Casa Branca é ocupada por um negro,
com delegação para dirigir a maior potência do mundo.
Em nosso país, também é mais ou menos desse modo o que vem
ocorrendo. Desde o antigo “parlamentarismo” do Império, passando pela
Velha República, pela Revolução de 1930, até os nossos dias. Entre-
tanto, seria dramático se não pudéssemos assinalar alguma evolução.
Lógico que da época das “eleições a bico de pena” até os dias de hoje,
acentuada foi a evolução, tanto em métodos de votação e de apuração
do pleito, quanto em formas e amplitude de participação. O direito de
voto foi estendido a quase todos os cidadãos maiores de 16 anos. Tam-
bém evoluiu o melhor esclarecimento do eleitorado. Até mesmo surgi-
ram esboços de organizações políticas com algum conteúdo ideológico
ou, pelo menos, programático. Sejam elas à esquerda ou não.
Mas persiste, no fundamental, a inluência do fator econômico, da
manipulação da mídia e de profunda deiciência da propaganda elei-
toral. E a gritante falta de compromisso programático. Poderíamos, mes-
mo, assegurar a inexistência de partidos políticos autenticamente de
âmbito nacional, como impõe a lei, ou caracterizados por inequí-
voca posição ideológica. Daí a facilidade com que os políticos trocam
de legendas. Eis porque a verve popular caracteriza os partidos, em
geral, como “sopa de letras”, ou “coração de mãe”, onde sempre cabe
mais um. Esta a razão pela qual aqui não teve êxito a verticalização
dos votos, intentada pela Justiça Eleitoral. Em cada estado ou, até
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Evelyne Pieiller
Escritora, autora entre otras obras de Dick, le zappeur des mondes, La Quinzaine
littéraire, París, 2005; e L’Almanach des contrariés, Gallimard, colección “L’arpenteur”,
París, 2002, nenhum ainda traduzido para o português.
Giuseppe Vacca
Presidente da Fundação Instituto Gramsci, em Roma, formado em Filosoia do Direito,
e autor, entre outros, de Por um novo reformismo, editado pela Fundação Astrojildo
Pereira e pela Editora Contraponto. Esteve na London School of Economics, seguindo
cursos de História Econômica dos Estados Unidos e da União Soviética. De 1978 a
1983, fez parte do Conselho de Administração da RAI (Rádio e Televisão Italiana).
Dênis de Moraes
Escritor, professor da UFF. Este texto é parte do ensaio “Imaginário social, hegemonia
cultural e comunicação”, incluído no seu novo livro, A batalha da mídia. Rio de Janei-
ro: Pão e Rosas, 2009.
Eric Hobsbawm
A
prova de uma política progressista não é privada, mas sim
pública. A prioridade não é o aumento do lucro e do con-
sumo, mas sim a ampliação das oportunidades e, como diz
Amartya Sen, das capacidades de todos por meio da ação coletiva.
Isso signiica iniciativa pública não baseada na busca de lucro. De-
cisões públicas dirigidas a melhorias sociais coletivas com as quais
todos sairiam ganhando. Esta é a base de uma política progressista,
não a maximização do crescimento econômico e da riqueza pessoal.
Seja qual for o logotipo ideológico que adotemos, o deslocamento
do mercado livre para a ação pública deve ser maior do que os políti-
cos imaginam. O século XX já icou para trás, mas ainda não apren-
demos a viver no século XXI, ou ao menos pensá-lo de um modo
apropriado. Não deveria ser tão difícil como parece, dado que a ideia
básica que dominou a economia e a política no século passado de-
sapareceu, claramente, pelo sumidouro da história. O que tínhamos
era um modo de pensar as modernas economias industriais – em
realidade todas as economias –, em termos de dois opostos mutua-
mente excludentes: capitalismo ou socialismo.
Conhecemos duas tentativas práticas de realizar ambos sis-
temas em sua forma pura: por um lado, as economias de plani-
ficação estatal, centralizadas, de tipo soviético; por outro, a eco-
nomia capitalista de livre mercado isenta de qualquer restrição e
controle. As primeiras vieram abaixo na década de 1980, e com
elas os sistemas políticos comunistas europeus; a segunda está se
decompondo diante de nossos olhos na maior crise do capitalismo
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a pique, o que era uma possibilidade real, tinha que ser objeto de
uma atualização.
Mas não foi. Sob o impacto do que considerou a revitalização eco-
nômica thatcherista, o New Labour, a partir de 1997, engoliu inteira
a ideologia, ou melhor, a teologia, do fundamentalismo do mercado
livre global. O Reino Unido desregulamentou seus mercados, vendeu
suas indústrias a quem pagou mais, deixou de fabricar produtos para
a exportação (ao contrário do que izeram Alemanha, França e Suíça) e
apostou todo seu dinheiro em sua conversão a centro mundial dos ser-
viços inanceiros, tornando-se também um paraíso de bilionários lava-
dores de dinheiro. Assim, o impacto atual da crise mundial sobre a libra
e a economia britânica será provavelmente o mais catastróico de todas
as economias ocidentais e o com a recuperação mais difícil também.
É possível airmar que tudo isso já são águas passadas. Que so-
mos livres para regressar à economia mista e que a velha caixa de
ferramentas trabalhista está aí a nossa disposição – inclusive a na-
cionalização –, de modo que tudo o que precisamos fazer é utilizar de
novo essas ferramentas que o New Labour nunca deixou de usar. No
entanto, essa ideia sugere que sabemos o que fazer com as ferramen-
tas. Mas não é assim.
Por um lado, não sabemos como superar a crise atual. Não há
ninguém, nem os governos, nem os bancos centrais, nem as institui-
ções inanceiras mundiais que saiba o que fazer: todos estão como
um cego que tenta sair do labirinto tateando as paredes com todo
tipo de bastões na esperança de encontrar o caminho da saída.
Por outro lado, subestimamos o persistente grau de dependência
dos governos e dos responsáveis pelas políticas às receitas do livre
mercado, que tanto prazer lhes proporcionaram durante décadas.
Por acaso se livraram do pressuposto básico de que a empresa pri-
vada voltada ao lucro é sempre o melhor e mais eicaz meio de fazer
as coisas? Ou de que a organização e a contabilidade empresariais
deveriam ser os modelos inclusive da função pública, da educação
e da pesquisa? Ou de que o crescente abismo entre os bilionários
e o resto da população não é tão importante, uma vez que todos os
demais – exceto uma minoria de pobres – estejam um pouquinho
melhor? Ou de que o que um país necessita, em qualquer caso, é um
máximo de crescimento econômico e de competitividade comercial?
Não creio que tenham superado tudo isso.
No entanto, uma política progressista requer algo mais que uma
ruptura um pouco maior com os pressupostos econômicos e morais
dos últimos 30 anos.
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Evelyne Pieiller
A
questão não é nova, mas cada vez mais candente. As promes-
sas de Liberdade-lgualdade-Fraternidade anunciadas pela
República apontavam para um mundo compartilhado, e não
se cumpriram. Como fazer para que esses compromissos não sejam
apenas enunciados formalmente, como direitos, mas tornem-se da-
dos concretos, efetivos?
Evidentemente, é no domínio da “igualdade” que o descumpri-
mento é mais lagrante, traduzindo-se tanto em diferenças gritantes
de renda quanto na famosa “pane” do elevador social, ou, ainda, na
crescente vulnerabilidade dos mais pobres que se convencionou cha-
mar de “acidentes da vida”, advindas do desemprego, das doenças,
entre outros...
Da mesma forma, a “liberdade” só tem sentido completo quando
se pode escolher uma proissão, ou o lugar onde se quer morar. To-
dos livres e iguais, mas, claro, uns mais que outros...
A missão tradicional da “esquerda” é buscar atenuar as dispari-
dades. Mas depois da chamada “queda do comunismo”, as referên-
cias se relativizaram. Segundo alguns analistas, teríamos entrado
então numa era radicalmente nova, marcada pelo famoso im das
ideologias, ou, na verdade, pelo im da História.1 Ainda que essa air-
mação pareça um tanto arrogante, seria necessário, ao menos, re-
conhecer a morte da “utopia” comunista e o triunfo do bom senso e,
com mais ou menos entusiasmo, aceitar que a economia de mercado
e a democracia são intrinsecamente ligadas.
A partir daí, tudo se torna mais simpliicado e mais complicado
ao mesmo tempo. Simpliicado porque tal ideia consagra o “mercado”
como um dado natural e julga qualquer “revolução” destinada a inven-
tar outra economia como um equívoco, tanto no plano das liberdades
quanto no da eicácia – e a prova seriam os países do Leste Europeu.
E complicado porque com os dois “extremos” legitimadamente desqua-
1 Francis Fukuyama, La fin de l’histoire et le dernier homme [O fim da história e o último homem],
Paris, Flammarion, 1992.
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5 Citado por Serge Audier, em Raymond Aron, philosophe de I’histoire. Obra coletiva sob
a direção de Serge Audier, Marc Olivier Baruch, e Perrine Simon-Nahum, Paris, Edition de
Fallois, 2008.
6 Esta obra é a continuação de La contre-démocratie. La politique à l’âge de la défiance, Le Seuil,
2006 (reeditado por Points-Seuil, 2008).
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Giuseppe Vacca
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1 Graduado em História pela FFLCH-USP, mestre e doutor em História Social pela mesma fa-
culdade. Realizou estudos de pós-doutorado na área de História da América Contemporânea
na Universidade de Valência (Espanha). Atualmente é professor adjunto da Unesp, campus de
Franca.
2 Editor do site Gramsci e o Brasil, ensaísta, tradutor e um dos organizadores das obras de Antonio
Gramsci em português, especialmente a nova edição de Cartas do Cárcere.
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Dênis de Moraes
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S
e o número de entidades que falam em nome da demanda
popular por reforma agrária passar das 89 recentemente lis-
tadas por pesquisadora da Unesp, provavelmente não haverá
trabalhadores rurais sem terra, em número suiciente, para tanta
organização política falando e pleiteando em nome deles. Estamos
em face de um curioso fenômeno histórico e político, raro, senão
único, na história das lutas agrárias que acompanharam a crise do
antigo regime e o nascimento e expansão do capitalismo nos últimos
dois séculos. É o da lentidão e da demora na suposta desagregação
da velha ordem latifundista e na superação de suas sobrevivências,
entre nós.
Porque reforma agrária é isso: a remoção e superação dos arcaís-
mos que na tradição fundiária travam o desenvolvimento da econo-
mia moderna. Ou, então, nosso impasse agrário é de outra natureza,
de mera disputa de interesses partidários, o que se pode suspeitar
com base na proliferação de agentes de reivindicação, sem a coerên-
cia ideológica que nos diga que estamos, de fato, em face de um im-
passe histórico que pede uma ação política em nome dos pobres da
terra e com sua participação ativa. E não, como se está vendo, uma
luta de escritórios de serviços políticos, e lideranças de classe média,
não raro sustentados por verbas do próprio governo.
Não é a história que está em jogo e sim o poder. Justamente por
isso a reforma agrária, no Brasil, tornou-se irrelevante em face da
87
88 Política Democrática · Nº 24
89
90 Política Democrática · Nº 24
T
rata-se de conceitos se complementam e constituem, sem dú-
vida, matérias de interesses para o Chile e os demais países da
América Latina. Governabilidade é um conceito pluridimen-
sional. Sua expressão fundamental tem relação com a democracia,
que dispõe de mecanismos legitimados para resolver civilizadamente
as discrepâncias ou as diferentes opções que aparecem na sociedade,
recorrendo ao acatamento das minorias frente à opinião das maio-
rias, assim como do respeito às minorias por parte das maiorias;
tudo isso, na moldura do Estado de Direito. Democracia e governabi-
lidade são termos complementares. Para que exista governabilidade,
deve ocorrer o funcionamento estável das instituições, a legitimidade
dos governantes, um projeto de país majoritariamente compartilha-
do, e o bem-estar da população em relação à diversidade e respeito
aos direitos humanos.
Governabilidade é também a capacidade de ação do governo; a ei-
cácia de suas políticas públicas, particularmente aquelas orientadas
para os setores mais desprotegidos; a capacidade de dispor de um
sistema de educação equitativo e de qualidade; a transparência e a
eiciência da gestão pública; o desenvolvimento ou a incorporação da
ciência e tecnologia; a possibilidade de resolver os conlitos sociais;
atingir consensos sociais em matérias fundamentais; impulsionar o
crescimento sustentado e proteger o meio ambiente. Assim mesmo,
está relacionada com a capacidade de antecipar soluções frente a fatos
que podem se converter em destoantes de mal-estar social.
A governabilidade deve incorporar a participação e a organização da
sociedade civil para que esta cumpra um papel de maior protagonismo
na defesa de seus direitos e na formulação de suas aspirações e pro-
postas. Desta maneira, ela pode envolver-se no diálogo nacional e na
tomada de decisões sobre os grandes temas que preocupam os países.
A governabilidade democrática respeita os direitos das pessoas e resolve
os conlitos através de canais que permitem o diálogo, a negociação.
91
92 Política Democrática · Nº 24
seja uma das tarefas que seremos capazes de cumprir, apesar de que
já levamos 17 anos de transição democrática.
Os países da América Latina têm melhorado sua situação eco-
nômica e têm avançado num processo de inserção no mundo glo-
balizado. Persistem, não obstante, altos indicadores de pobreza,
marginalidade social, carências na educação, saúde, moradia e sub-
desenvolvimento rural. Ainda que tenha existido progresso, coexis-
tem na América Latina segmentos sociais de modernidade e riqueza
comparáveis com os países desenvolvidos junto com setores sociais
majoritários que vivem no atraso e na pobreza – às vezes, extrema.
Essa situação tem provocado descontentamento, desconiança nas
instituições públicas e na política; tudo isso afeta a validade da de-
mocracia e é germe de ingovernabilidade.
O Chile tem diferenças e semelhanças em relação aos demais pa-
íses latino-americanos. Entre suas diferenças temos, por exemplo, a
conquista de termos diminuído consideravelmente a pobreza por mais
da metade, descendo de 38,6% em 1990 – primeiro ano de governo de-
mocrático – a 13,7% em 2006. Assim, na década de 1990, o Chile du-
plicou sua produção, o que lhe permitiu alcançar maior crescimento
e bem-estar social. Ambos os resultados fortaleceram a governabilida-
de. Paralelamente, temos conseguido equilibrar os macroindicadores
econômicos e incrementar o investimento e a poupança nacional. A
estratégia de desenvolvimento impulsionada pelo Chile está vinculada
a sua capacidade exportadora. Para isso, tem dado importância aos
tratados bilaterais e multilaterais de livre comércio, cuidadosamente
negociados, cuja principal característica foi estabelecer condições de
intercâmbio de mútua equidade com países ou blocos. Esperamos que
isso implique proteção a longo prazo para os setores mais débeis da
economia nacional. Hoje, o Chile possui tratado de livre comércio com
85% da população mundial. O que não deixa de ser bastante notável
para um país de 15 milhões de habitantes.
Além da desigualdade de renda, entre as semelhanças do Chile
com os demais países latino-americanos está o baixo prestígio de
instituições como o Poder Judiciário, o Congresso Nacional e os
partidos políticos. A grande variável externa para nossos países é
a globalização, processo que mesmo podendo gerar oportunidades,
também produz inequidade.
O capital inanceiro especulativo é um dos causadores da crise
em nossos países. Há dois efeitos que são consequência da globaliza-
ção: por um lado, pode produzir uma forte tendência a integração e
a interdependência, mas, por outro, produz processos de fragmenta-
ção e erosão cultural de etnias e nacionalidades.
93
94 Política Democrática · Nº 24
95
Coesão Social
Não se pode falar de governabilidade se não existe coesão social,
ou seja, se nossas sociedades não são inclusivas. Estar excluído dos
benefícios econômicos produz uma baixa credibilidade dos governos,
da política e dos partidos políticos que não são capazes de gerar al-
ternativas para resolver situações de iniquidade. A América Latina é,
de acordo com os organismos internacionais, a região mais desigual
do mundo, particularmente no que se refere à distribuição de ren-
da. Apesar da diminuição percentual dos pobres, o número absolu-
to aumentou concentrando-se particularmente nos setores rurais; o
desemprego segue em alta, cresce o trabalho informal sem proteção
social e coexiste um mercado de trabalho precário e instável. Por ou-
tro lado se tem produzido uma alta concentração do capital e o surgi-
mento de oligopólios que desprezam pequenos e médios empresários.
Tudo isto produz exclusão. Na América Latina, em 2005, quase 40%
da população vivia em condições de indigência. Estas cifras, de acor-
do com a Cepal, sofreram uma pequena baixa em 2006.
A população indígena da América Latina chega a 30 milhões de
pessoas, cuja maioria habita zonas rurais; tal população é constituí-
da por 650 povos caracterizados por uma grande diversiicação étni-
ca e cultural. A grande maioria dos indígenas latino-americanos vive
em situação de pobreza e marginalidade. Estamos longe de cumprir a
Convenção 169 da OIT que, entre outras coisas, assume um compro-
misso com a não discriminação; direito à integridade cultural; direito
à propriedade, uso, controle e acesso às terras e seus recursos; o
direito ao desenvolvimento e ao bem-estar social; direitos de partici-
pação política com consentimento livre, prévio e informado.
Até o momento, os modelos de desenvolvimento dos países da
América Latina e Caribe não conseguiram avançar suicientemente
em equidade e coesão social. Venezuela e Bolívia, com governos de-
mocraticamente eleitos, exploram novas vias para alcançar o bem-
estar de seus povos, nas quais o econômico se afasta da ortodoxia do
Consenso de Washington e no social buscam construir democracias
mais participativas. Em ambos os países, o Estado assume novas
funções, como um novo trato com empresas estrangeiras que explo-
ram os recursos naturais e uma maior ingerência no que se refere
ao âmbito econômico e social. O tempo se ocupará de demonstrar
seus resultados. Brasil, Argentina, Equador e Nicarágua, têm ou-
tras características, também impulsionam projetos de mudanças,
que no caso de suas instituições democráticas, tem conseguido su-
perar gradualmente as desigualdades anteriores e promover o cres-
cimento e bem-estar.
96 Política Democrática · Nº 24
Chile tem seguido uma via distinta, de acordo com sua própria
realidade. A estratégia desenvolvida por nossos governos de Con-
certación é definida como um crescimento sustentável com equi-
dade e tem aumentado consideravelmente os empregos, sendo que
a metade destes novos empregos estão sendo ocupado por mulhe-
res – e ainda temos a mais baixa jornada de trabalho feminina da
América Latina.
Temos aumentado os gastos com saúde, ampliando sua cobertura
(os gastos com saúde por habitante aumentaram a uma taxa anual
de 10%); foram construídos mais de um milhão de habitações (sob o
comando do governo de Concertación,1990-2006, foram construídos
mais de um terço das habitações que existem atualmente em nosso
país), 72,6% destas habitações são ocupadas por seus proprietários;
os salários aumentaram em termos reais, 90% entre 1990 e 2006; se
constata um aumento considerável da taxa de investimento e se me-
lhorou o capital humano. Atualmente, de dez estudantes que entram
na universidade, sete deles são os primeiros da família que estão em
uma unidade de ensino superior. Na educação, temos tentado fazer
reformas curriculares e melhorar a capacitação docente, assim como
a ampliação da infraestrutura educativa junto com a obrigação do
Estado de elevar para 12 anos a educação obrigatória. Podemos dizer
que o último censo demonstrou uma melhora signiicativa na quali-
dade de vida da população, dentre outras coisas, em razão ao acesso
à habitação, à educação e a equipamentos como televisão, aparelhos
de som, lavadora etc...
Ainda que tenha existido progresso, que é inegável e do qual es-
tamos muitos orgulhosos, considero que a estratégia econômica do
Chile tem dado indícios de que está se esgotando em razão de temas
muito complicados. Temos um mercado altamente desregulado e,
ao mesmo tempo, uma economia altamente privatizada, na qual a
busca de lucro, muitas vezes, predomina em detrimento da quali-
dade do serviço prestado, entre eles a previdência social e a saúde.
Ambos componentes – falta de regulação e privatização – têm criado
uma alta concentração da riqueza além de termos uma educação
insuiciente em qualidade e um sistema de pensões que estamos em
via de reformar.
Esta mesma estratégia de desenvolvimento tem se mostrado de
grande utilidade para algumas empresas transnacionais que explo-
ram o cobre, e que pagam ao Estado baixíssimos impostos. Estas
empresas entregaram ao Estado, entre 1991 e 2004, uma receita mé-
dia de 225 milhões de dólares produzindo mais de 50% do cobre na-
cional. Por outro lado, a empresa estatal Codelco, tem entregado ao
97
98 Política Democrática · Nº 24
99
101
103
I – Introdução
A
nação está constatando indignada o que poderíamos deno-
minar de sedimentação cultural da corrupção. Diariamente a
imprensa nacional divulga a prática constante e habitual de
ilícitos cometidos em face do poder público por cidadãos que ocupam
funções públicas. O que assusta a todos é que os cofres públicos são
objeto de um butim permanente e os assaltantes não são punidos.
Praticam tais assaltos como se fossem inerentes ao exercício dos car-
gos que ocupam. Ficamos com a impressão de que a locupletação
ilícita virou regra.
A nação precisa reagir e apontar soluções.
No meu entender, dois são os principais fatores que consolidaram
essa situação: o exercício permanente de uma velha prática política
que utiliza o Estado como fonte de benefício privado e a certeza da
impunidade.
Os sucessivos episódios pondo a nu o parlamento e o Poder Exe-
cutivo mostram a fragilidade das instituições brasileiras no combate
à corrupção.
Não possuímos instrumentos seguros e ágeis que possam contra-
balançar, de um lado a pronta resposta que o Estado deve dar aos
seus cidadãos e de outro assegurar ampla defesa aos eventualmente
envolvidos.
107
II – A presunção da inocência
No que diz respeito à adoção de medidas coibidoras imediatas aos
agentes que, no exercício de atividades públicas, praticam atos de
corrupção, o principal argumento obstativo que surge é a arguição
do princípio constitucional da presunção da inocência.
Com efeito, é da tradição de nosso direito o respeito a esse prin-
cípio universalmente formulado1.
Diz a nossa Constituição [art. 5º, inciso LVII] que ninguém será con-
siderado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condena-
tória. Vale dizer, ninguém pode ser considerado culpado enquanto não
tiver contra si uma sentença condenatória irrecorrível. Sempre defendi
– e continuo defendendo – esse importante fundamento. É básico para
a manutenção do Estado Democrático de Direito.
Mas, convenhamos, o princípio tem por inalidade proteger o in-
divíduo em relação a eventual desmando ou arbitrariedade provindos
de autoridade pública, investida no poder momentaneamente domi-
nante e não o contrário.
109
IV – Proposta
A proposta poderia icar assim sintetizada: publicado o acórdão,
o condenado por ato lesivo ao patrimônio público, em segundo grau
de jurisdição, em processo criminal, ação civil pública, ação popular
ou em ação de improbidade ica impedido de exercer mandato, cargo
ou função de qualquer origem ou natureza, civil ou militar, cuja in-
vestidura decorra de eleição, concurso, nomeação ou indicação, em
qualquer dos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e
dos municípios, na administração direta ou indireta, nas autarquias
proissionais, entidades sindicais, partidos políticos, organizações
sociais, serviços sociais ou organizações internacionais das quais a
República Federativa do Brasil seja membro.
Como se pode notar a proposta é de larga abrangência. Alcança
todas as entidades, públicas ou privadas que recebam recursos i-
nanceiros do poder público. Foi assim pensada e estruturada para
não excluir nenhum dirigente dessas entidades, que manipulem ver-
bas advindas dos cofres públicos, sejam federais, estaduais, distri-
tais ou municipais.
A edição de uma súmula nesse sentido permitiria uma pronta
coibição, pois bastaria uma reclamação junto ao Supremo Tribunal
Federal para se obter uma decisão imediata não permitindo o acesso
ou a continuidade da gestão do condenado por corrupção.
Possuir uma ferramenta dessa natureza, criteriosamente analisa-
da pelo mais importante tribunal do país, seria um bom recomeço no
combate à endêmica corrupção que estamos vivenciando e um alento
para os que acreditam na seriedade do exercício da função pública.
Eis um bom debate cidadão.
111
O
conceito de hermenêutica remonta a Hermes Termegisto, do
antigo Egito, (séc.V antes da era cristã) com quem Pitágoras
e depois Platão teriam conversado acerca da imortalidade
da alma e dos fenômenos ou acontecimentos sobrenaturais, segundo
nos informa Diógenes Laércio, em sua Vida dos Filósofos Ilustres. Até
então, em razão da especialidade de Hermes nas “ciências ocultas” ou
“sagradas”, hermenêutica signiicava tão somente a interpretação que
o grande sábio e mago egípcio fazia das coisas do além túmulo.
Em razão dessa origem a “operação de Hermes” ou “hermenêuti-
ca” por muito tempo signiicou a interpretação dos textos bíblicos e
religiosos, e foi desenvolvida por místicos de todos os matizes.
Convém observar que, por um período bem longo, na Mesopo-
tâmia e na Grécia, a ideia de uma justiça divina ou sobrenatural
serviu de base ou fundamento aos decretos, regulamentos ou leis
das cidades antigas. A ideia divulgada para o povo ensinava que a lei
civil ou nomos traz em si uma verdade religiosa e divina, daí porque
a única atitude que o povo haveria de assumir diante da legislação
seria uma conduta de total obediência. Os povos mesopotâmicos ali-
mentavam a crença segundo a qual a ordem dos acontecimentos do
mundo físico e social era providenciada pelo deus Anu, responsável,
pois, por tudo que ocorria no mundo terreno e celestial. Caso alguém
ousasse desrespeitar os comandos de Anu, teria de haver-se com
Enlil, o deus da tempestade, dos raios e dos trovões, responsável
pela administração do castigo aos que se atrevessem a se opor às
determinações de Anu. Como vemos, à ideia de obediência estava
ligado o conceito de penalidade a quem não anuísse com a vontade
do deus supremo.
A ideologia religiosa, por muitos séculos, serviu de fundamento
justiicador das leis editadas por reis, tiranos, chefes militares e go-
vernantes em geral, que circunstancialmente dominavam o aparelho
administrativo e político do Estado. Daí porque os ilósofos soistas
113
115
117
Referências
ARISTóTELES. La Política. Traducción directa del griego por Antonio
Tovar, bajo la dirección de Rodolfo Mondolfo. Ed. Bilíngue. Argentina:
Editora Universitária Buenos Aires – Eudeba, 1966.
119
O
Poder Judiciário, como órgão de um Estado democrático
está estruturado em função da soberania popular e tem por
objetivo último o respeito integral dos direitos fundamentais
da pessoa humana. Vale ressaltar que:
[...] diferentemente dos demais poderes públicos, o Judiciário apre-
senta uma notável particularidade. Embora seja ele, por deinição, a
principal garantia do respeito integral aos direitos humanos, na ge-
neralidade dos países os magistrados, salvo raras exceções, não são
escolhidos pelo voto popular (COMPARATO, 2004, p. 151).
Assim,
[...] se a transformação de regimes autoritários em direção à democra-
cia liberal levanta a questão das condições mínimas de independência
do Judiciário necessárias para que um regime seja considerado ver-
dadeiramente liberal, o crescimento do poder judicial em democracias
liberais consolidadas e com muito tempo de existência, bem como a
designação das principais responsabilidades do Judiciário em demo-
cracias liberais emergentes ou novas, levanta uma questão oposta de
quão independente um Judiciário forte pode ser independente sem
debilitar a democracia. Aqui, o princípio liberal da independência do
Judiciário vai de encontro ao princípio democrático de Accountability
(RUSSELL, 2001, p. 2, tradução nossa).
121
123
Referências
COMPARATO. Fábio Konder. O Poder Judiciário no Regime Democrá-
tico. Estudos Avançados. São Paulo. V. 18, n. 51, maio/agosto 2004.
DOMINGO, Pilar. Judicial Independence and Judicial Reform in La-
tin America. In The Self Restraining State: power and Accountability
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HAMILTON, MADISON, JAy. O Federalista. Coleção os Pensadores.
São Paulo: Abril Cultural, 1979.
MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis. Coleção os Pensadores. São
Paulo: Abril Cultural, 1979.
O’DONNELL, Guillermo. Accountability Horizontal e Novas Poliar-
quias. Lua Nova, n. 44, 1998.
______.Relections on Contemporary South American Democracies.
Journal of Latin American Studies, v. 33: 2001.
RUSSELL. Peter H. Toward a General Theory of Judicial Independen-
ce. In Judicial Independence in the Age of Democracy. Critical Perspec-
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ville, 2001.
SADEK, Maria Tereza Aina. Judiciário: Mudanças nem Sempre à
Vista. Cadernos Adenauer, VII, n. 3, 2006.
125
Patrícia Rangel
E
m 2007, a eleição da primeira parlamentar completou 100
anos. Não é surpreendente que tenha sido obra da Finlândia,
país de excepcional histórico de acolhimento da mulher na
vida política. Infelizmente, na maior parte dos países, as mulheres
tiveram de esperar muito para serem eleitas e a representação femi-
nina não tem progredido satisfatoriamente.
Muitos elementos inluenciam a performance de candidatas que
concorrem a uma cadeira em assembleias legislativas. Contudo, cada
vez mais se destacam a relação entre representação de mulheres e ti-
pos de sistemas eleitorais e as novas interpretações sobre os vínculos
entre as duas dimensões. Mas será que o sistema eleitoral é, por si
só, uma variável suiciente para determinar o sucesso ou o fracasso
das eleições de mulheres para cargos legislativos? Em que medida
fatores culturais, socioeconômicos e outros fatores políticos também
inluenciam a presença feminina nos parlamentos?
O intuito do trabalho é analisar o impacto dos sistemas eleitorais
na eleição de mulheres e apontar outros fatores que possam inluen-
ciar o que chamaremos de feminização das assembleias legislativas,
explorando o modelo analítico proposto por Manon Tremblay em sua
obra Women and Legislative Representation (2007). A contribuição
do artigo se encontra em promover o debate sobre representação,
gênero e política. Como airma Cynthia Enloe (2000), introduzir e
129
1 A participação partidária e eleitoral vai desde o ato de votar até apoiar candidatos, passando
por estar no debate político, contribuir financeiramente com os partidos, candidatar-se a cargos
eleitorais e ocupar cargos públicos etc.
131
2) Fatores culturais
3) Fatores políticos
133
4) Fatores Socioeconômicos
III – Conclusões
A sub-representação das mulheres é um sintoma do déicit de-
mocrático presente em diversos regimes eletivos. Falamos em déicit
democrático pois, considerando o princípio da representação descri-
tiva, uma assembleia legislativa só é considerada representativa se
sua composição for uma reprodução reduzida da sociedade. Assim,
podemos dizer que existe um déicit de representação em Estados
nos quais não existe paridade entre os sexos nas casas legislativas.
Vimos, neste breve compêndio de ideias, que as regras eleito-
rais inluenciam diretamente as chances das candidaturas femini-
nas. Observamos também que a forma como a sociedade se organiza
materialmente e a cultura têm peso no processo de feminização das
assembleias legislativas. Acredita-se que a política seja uma arena
135
Referências
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tema Eleitoral sobre as Chances das Mulheres nas Eleições e suas
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Problems of Operationalization Studies in Comparative International
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137
Marc Lazar
Professor de História e Sociologia Política do Instituto de Estudos Políticos de Paris.
Sigrid Andersen
A
posição do presidente eleito do Paraguai, Fernando Lugo, de
rever as cláusulas do Tratado de Itaipu, desperta a velha ge-
opolítica do Prata de um sono letárgico de mais de 40 anos.
O Paraguai exige o aumento no preço da energia excedente que vende
ao Brasil; liberdade para vender a energia a terceiros países e; a redu-
ção drástica da dívida que lhe coube na construção da hidrelétrica de
Itaipu. Por ter sido uma obra em litígio com a Argentina, Itaipu não
pode ser inanciada por bancos multilaterais de desenvolvimento. Foi
inanciada por bancos comerciais norte-americanos movidos a juros
de mercado; foi originalmente orçada em US$ 3.5 bilhões, custou
aproximadamente U$S 20 bilhões e tem prestações até 2023.
Nacionalismos exagerados, tanto de brasileiros quanto de para-
guaios, são pouco úteis neste momento de integração, de construção
de um bloco sul-americano que melhor se posicione no mundo glo-
balizado e que acima de tudo, dê dignidade de vida à sua população.
Ademais, para entender as demandas do Paraguai há que se consi-
derar os vários elementos em jogo. Não se exige apenas conhecimen-
tos de economia e direito internacional. Requer memória histórica,
em especial, sobre as teorias geopolíticas concebidas por Mário Tra-
vassos nos anos 30, aprimoradas no âmbito da Escola Superior de
Guerra, e postas em prática durante os sucessivos governos milita-
res do Brasil, entre 1964 e 1985. Coube, em grande parte, ao General
Golbery do Couto e Silva a realização da tarefa.
141
143
Um imbróglio previsível
As relações Brasil-Argentina foram estremecidas na época, mas
a reconciliação veio sob o marco da integração regional, a partir dos
anos 90, com o Mercosul, a Unasul e outras formas de cooperação
bilateral. Já o embate atual entre Brasil e Paraguai era mais do que
previsível. A eleição do presidente Fernando Lugo interrompe a di-
nastia dos “colorados” que sustentaram o longevo governo ditatorial
de Stroessner marcado pela abertura do país à ocupação brasileira.
Eleito por uma coalizão de forças de esquerda e liberais, a campanha
do presidente Lugo centrou-se na revisão do Tratado de Itaipu e na
reforma agrária no país.
Teme-se que o preço a ser pago pela recusa na revisão do Tratado,
pelo Brasil, possa recair sobre os brasiguaios. A ameaça de expulsão,
seja pela desapropriação oicial de terras para a reforma agrária, seja
pelas invasões de campesinos sin terras, deliberadamente não contidas
Referências
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Effects of Brazilian Geopolitics on the Natural Environments of Ama-
zonia and the Plata River Basin. Tese de doutorado. Universidade de
Aberdeen, Escócia, 2005.
CAUBET, C.G. As Grandes Manobras de Itaipu: Energia, Diplomacia e
Direito na Bacia do Prata. São Paulo: Editora Acadêmica, 1989.
GUGLIALMELLI, J. H. Geopolítica Del Cono Sur. México: El Cid, 1979.
KOHLHEPP, G. Problems of Dependent Regional Development in
Eastern Paraguay, Institut fur Wissenschafttliche Zusammenarbeit,
Printed by Georg Hauser, Metzingen, Germany, 1983.
LAINO, D. Paraguay, Fronteiras e Penetração Brasileira, São Paulo,
Global Editora, 1979.
RIVAROLA. Estado, Modernización Agrícola y Diferenciación Campesi-
na en el Paraguay. Asunción: Centro Paraguayo de Estúdios Socioló-
gicos, 1982.
145
E
xiste, hoje, no contexto da guerra entre Israel e Hamas,
“realidades”. Realidades diversiicadas, onde grande parte
delas estão contaminadas por tendências. Não existe na mí-
dia uma procura de entender a realidade de forma profunda, muito
menos objetiva, muito menos sequer dentro de uma visão humaniza-
dora. O que existe é uma grande lavagem cerebral, manipulação des-
sas “realidades”, em que cada lado usa a mídia como uma efetiva e
poderosa arma de guerra para conseguir ganhos na opinião pública.
A manipulação é total e absoluta, o objetivo é desumanizar o outro
lado como forma de deslegitimar o adversário.
Não devemos cair nessa armadilha da lavagem cerebral de que
“sionismo é racismo”, “ataque nazista” etc ou como “todo Islã é ter-
ror”, “todo palestino quer destruir o Estado de Israel”.
Quem se posiciona com uma postura humanista deverá procurar
ter uma prática e uma linguagem diferente da manipulação desses
dois lados do conlito. Poderia enviar a vocês dezenas de ilmes feitos
em Israel e por seus simpatizantes no mundo onde se “prova”, com
as fotos de mortes, o sangue e destruição dos atentados terroristas
e os foguetes nas cidades de Israel. Poderia também enviar a todos
plataforma do Hamas, do Hezbollah e do Irã onde anunciam de forma
clara a destruição de Israel.
Mas essa não poderá ser a questão principal de nossos discursos,
pois cairíamos na armadilha de um dos lados. Nós, humanistas, de-
vemos estar conscientes em não cair num discurso desumanizador.
Importante entender que não existe um cidadão israelense que não
perdeu alguém próximo no Holocausto, ou num atentado terrorista ou
numa das sete guerras destes seus 60 anos de existência. Assim como
não existe uma família palestina que não perdeu um de seus queridos
numa das guerras com Israel. Isso se chama tragédia humana!
O conceito da guerra Israel-Hamas, aqui no Oriente Médio, não é
como se pensa ou se faz ser entendido como mais uma guerra isola-
147
humanista de diálogo e paz, pois isso não vende jornais, nem dá Ibo-
pe na TV, e os meios de comunicação estão contaminados por uma
dessas duas alternativas ameaçadoras.
Para nós, humanistas que vivemos em Israel, o conlito e a guer-
ra fazem parte da nossa triste “realidade” de vida. A tendência num
conlito é ver somente um lado, o seu lado, o lugar onde você vive,
porém a nossa luta aqui é outra! Ela é maior ainda, pois temos que
bater de frente contra essas duas forças opressivas, pois neste delírio
do ódio vivido no Oriente Médio devemos estar em estado de cons-
tante consciência frente a uma forte e poderosa opinião publica que
justiica a guerra em Israel. Consciência é saber que mesmo como
minoria vamos fazer escutar nossos gritos e que não vamos abrir
mão de nossa postura e opinião.
Com certeza que vemos “realidades” e aspectos diferentes de mui-
tos de vocês que estão do outro lado do planeta, porém o diálogo é
justo, o ódio não! E o mais importante é saber que a nossa luta aqui
é a luta de vocês, e a luta no Brasil também é a nossa luta, que não
estamos sozinhos e temos que unir todas as forças humanistas em
cada canto desse planeta, criar juntos, através da educação e da
conscientização, uma massa crítica de seres humanos onde cada um
possa assumir responsabilidades sociais e ecológicas no seu espaço
de atuação, organizando manifestações de ativismo, de não violên-
cia. Queremos fazer de nossos atos e ações “realidades” diferentes ao
capitalismo global e ao fundamentalismo religioso.
Nós, humanistas, devemos criar em nossas ações e em nossos
atos a possibilidade prática de criar um novo conceito de vida para
o mundo e para os seres humanos. Queremos uma terceira via de
esperança, que reivindica uma sociedade diferente dessa que vive-
mos hoje, em que a vida seja sagrada e seres humanos tenham esse
simples direito, o de nascer, viver e morrer em paz, com dignidade,
sem guerra e sem violência.
Shalom, Salam, Paz!
Marc Lazar
O
resultado das eleições europeias, que penalizou a esquerda,
suscita duas interrogações iniciais: a primeira é sobre o seu
atual estado de saúde; o segundo sobre seu futuro, que já
diz respeito ao pós-socialismo. Delineiam-se duas respostas de sinal
contrário. A primeira relativiza o insucesso e insiste sobre o caráter
particular dessa consulta eleitoral, apelando para a especiicidade
de cada país e recordando que a história da esquerda registra um
alternar-se ininterrupto de ciclos ora favoráveis, ora negativos. A se-
gunda, mesmo reconhecendo a pertinência de tais argumentos, vê
nessas eleições europeias – que já foram precedidas de outras perdas
– uma derrota histórica. E é essa última resposta que devemos levar
em consideração.
De fato, a esquerda reformista teve de engolir nada menos que 16
derrotas, algumas das quais de considerável relevo, que golpeiam as
suas formações mais importantes e emblemáticas.
A esquerda foi atingida não obstante a sua atual colocação – na
oposição, sozinha no poder ou associada a coalizões de governo –
e independentemente da sua trajetória histórica. Como explicar tal
desastre? Reunindo uma série de considerações de fato, de razões
conjunturais e de fatores mais estruturais.
O recorde de abstenções registrado nas eleições europeias deve
ser relacionado ao eleitorado predileto da esquerda: os jovens e, so-
bretudo, as camadas populares e operárias e os eleitores com nível
de instrução mais modesto, que são hoje os mais despolitizados e os
menos interessados na Europa. Os simpatizantes da esquerda que
foram às urnas dispersaram os seus votos. Quem vê na União Europeia
a causa de cada uma das suas atuais diiculdades votou nos partidos
eurocéticos, ou quem sabe naqueles xenófobos e populistas, como
parece tenha sido o caso de uma parte do eleitorado popular. Os
149
151
Dimas Macedo
Poeta e critico literário, professor da Universidade Federal do Ceará e membro da Aca-
demia Cearense de Letras.
José Serra
E
u iz questão de preparar uma fala a respeito da criação deste
Instituto, que representasse ao mesmo tempo uma visão do
Governo de São Paulo a respeito da pessoa e do papel que
teve na nossa história o Vladimir Herzog. Algo como uma espécie de
documento oicial. Esta cerimônia é um ato, na verdade, voltado para
o futuro, testemunho de uma vontade de contribuir para o que há de
melhor neste país.
É um momento em que reverenciamos a memória do Vladimir
Herzog, o Vlado, como era conhecido por seus amigos – eu nunca o
conheci – associando ao futuro esse empreendimento e pretendendo
marcá-lo com seu nome e, mais ainda, com sua presença. O que este
instituto virá a ser no futuro não depende do passado, mas sim do
que os seus organizadores e futuros colaboradores vierem a fazer.
Eu creio, espero mesmo, que o nome do Vlado sirva como fonte de
inspiração para coisas boas, construtivas, como estímulo para ideias
inovadoras e boas iniciativas.
Além de razões pessoais de seus amigos e familiares, evidente-
mente, reverenciar a memória do Vladimir Herzog se justiica por
motivos políticos e por motivos morais. Do ponto de vista político,
sua morte nas mãos do aparelho repressor do regime militar foi o
marco decisivo no processo de distensão então desencadeado pelo
general (Ernesto) Geisel (ex-presidente da República), pois provocou
uma confrontação decisiva com os setores mais duros do regime,
que resistiam a qualquer forma, por mínima que fosse, de liberalização:
155
Mindlin – ou, talvez exatamente por isso, foi encarado como um pe-
rigo para a ditadura.
Era um homem, segundo todos os testemunhos que eu tenho, do
Markun, do Goldman e de tanta gente, afável, de modos tranquilos,
quase sempre sorridente. Não tinha nada de agitador, do polemista,
de líder autoritário. Isto acabou elevando a repulsa moral ao regime.
Não havia mais recuo possível. Se o Vlado tinha morrido vítima da
repressão, ninguém poderia se sentir seguro, pois não havia limites
para a violência da ditadura. O ato na Sé mostrou que havia espaço
para uma oposição moral, intelectual e política ao regime militar – e
que essa oposição expressava os sentimentos da imensa maioria, e
que seria tanto mais eicaz quanto mais ampla e mais pacíica, su-
perando as divisões ideológicas sem perder a irmeza e a clareza do
objetivo comum: a volta à democracia.
O culto e o enterro foram atos de serena coragem, de superio-
ridade moral da sociedade civil sobre um regime antidemocrático e
cruel. O movimento que levaria a ditadura a sucessivas derrotas elei-
torais, ao ressurgimento da luta sindical e, inalmente, à campanha
das Diretas e à eleição de Tancredo Neves. Para não dizer da própria
anistia, da qual eu fui um dos beneiciários depois de 14 anos de
exílio. Aliás, o sucesso eleitoral da oposição, o MDB (Movimento De-
mocrático Brasileiro, antecessor do atual PMDB), nas eleições de 74,
é preciso ter claro isso, havia sido o fator desencadeante da ofensiva
dos setores mais radicais do regime sobre as forças que, dentro da
oposição, pregavam a participação ativa nas campanhas eleitorais,
apesar das intimidações e das limitações às liberdades de palavra.
Uma grande parte da oposição, mais militante, era inclusive con-
trária à participação nas eleições, na perspectiva de que a única saída
era o enfrentamento, era um confronto, algo frontal contra a ditadu-
ra. Mas havia forças que defendiam a exploração das possibilidades
democráticas das eleições então existentes. E, dado os resultados de
1974, passaram a ser essas forças o alvo principal dos ataques dos
setores mais radicais da ditadura. A vítima maior desse momento foi
o Partido Comunista Brasileiro, o PCB, que não pregava a luta arma-
da, que teve muito dos seus militantes presos, torturados e assassi-
nados. Alguns, quero dizer aqui, amigos meus, próximos, pessoais.
A memória de Vlado certamente estava na mente de muitos dos
que levaram adiante, a partir daí, a luta democrática. Sobretudo,
anonimamente. Mesmo porque ele já estava engajado, intelectual e
proissionalmente, naquela mesma direção. Vale lembrar aqui uma
frase escrita por ele numa reportagem que investigou o clima reinante
157
159
Mas sua morte não foi o seu im. Ele viveu na redemocratização
e, depois de 34 anos, continua vivendo na nossa memória – a prova
é esta noite. Eu, na época de estudante, nos primeiros anos de mi-
litância política, aprendi uma consideração a respeito do presente:
era ver o presente como futuro. Isso é que dá sentido a uma militân-
cia política bastante intensa, bastante agressiva: encarar o presente
como história, e nós estamos fazendo história.
Ao longo dos anos aprendi outra coisa, e a noite de hoje é uma de-
monstração: que o passado sempre erra, e teima em se colocar junto
ao presente. O passado, na verdade, nos trás ao presente, nos ajuda
a entender o presente.
Por isso, depois de 34 anos, ele (o Vlado) continua vivendo na
nossa memória, e continuará com mais razão, na medida em que
esse Instituto for dando os seus frutos.
Que seus amigos diretos, e seus amigos indiretos, como eu, sai-
bam fazer prevalecer em nosso país padrões de desempenho que, in-
felizmente, ainda são escassos entre nós: a tolerância e o respeito na
convivência política, o respeito intransigente aos direitos humanos
individuais, a clareza e a coerência nas propostas e, sobretudo, entre
as propostas e as ações práticas, o mínimo de caráter na militância
política e social, uma visão de médio e longo prazo para o nosso país,
que mire as suas particularidades e seus grandes interesses – por-
que o país tem interesses que são os interesses da sociedade, e hoje
essa consideração parece até subversiva. Que privilegiem não apenas
grandes performances nos discursos, na comunicação, mas também
que as práticas não teimem em contradizer ponto por ponto aquilo
que se prega, aquilo que se diz, aquilo que se alardeia.
Para este Instituto, desejo toda a sorte do mundo. Porque a sorte
do Instituto fará bem a todos nós. E quero me colocar à disposição
como governador de São Paulo e, mais adiante, quando eu não for
mais o governador, para que o Instituto se fortaleça e cumpra o papel
que a sua família, que os seus amigos deiniram.
Conte comigo, Clarice. E contem todos os amigos diretos do
Vladimir e indiretos, meus colegas.
Dimas Macedo
N
o princípio era o verbo. E o verbo, encarnado, fez-se justo.
E o verbo, soberano, se chamava Augusto e de seus ramos,
imponentes, se ergueram as Pontes. E as fontes do saber, em
Augusto, se tornaram densas. Imensas as suas simetrias com o seu
prenome, posto que Francisco antecedia Augusto e posto que Augus-
to precedia a Pontes.
E Augusto Pontes, para todo o sempre, em rendas de opala, tinha
a fala mansa e o olhar agudo. E era quase-surdo, o nosso persona-
gem, para as vilanias. Se queria a dúvida e a pluralidade do conheci-
mento. E o seu argumento, quase-que socrático ou paripatético, se
fazia ascético, em tudo; e em quase-nada era viperino.
Augusto era divino num ponto: aquilo que o ligava ao próximo,
em grau de amizade. E a felicidade, para ele, consistia nisto: a vida,
enquanto sinergia, é o que pensamos, posto que o mundo, feito nor-
ma pura, é expressão da arte.
Em parte, era um grego; e na outra parte, o rapaz latino era
um andarilho irresignado. E mais do que amado, com o passar do
tempo, se tornou um mito. E meio sem soberba tinha a alma acesa
de hilaridades.
Era polifônico e mais do que irônico o nosso grande Augusto.
E sempre dava susto, na ilosoia, com suas estocadas. E não con-
descendia, em quase-nada ou tudo, com a ignorância. Ou quando
se ingia, em grau de sonolência, quando conversava.
1 Augusto Pontes: formado em Jornalismo na UnB, onde foi professor de Comunicação, foi se-
cretário de Cultura do Ceará (Governo Ciro Gomes), publicitário, editor na Rede Globo, guru
de várias gerações, incentivando cabeças para a música, literatura, jornalismo e artes plásticas.
Esteve nos bastidores dos movimentos culturais que sacudiram Fortaleza, dos anos 1960 a 1990,
idealizando festivais, gravação de discos, edição de livros, poeta parceiro de Ednardo, Fagner e
Rodger Rogério. Foi militante e dirigente estadual do PCB, nos anos 1960/70, estando ligado ao
Centro Popular de Cultura, da UNE, no período anterior ao golpe de 1964, sendo preso e sofrido
perseguições.
161
E
m janeiro de 1945, seria realizado em São Paulo o I Con-
gresso Brasileiro de Escritores, organizado pela Associação
Brasileira de Escritores. A relevância do encontro no âmbito
do processo de redemocratização tem sido apontada seja em estudos
referentes à história do PCB ou sobre a trajetória de alguns inte-
lectuais brasileiros. No entanto pouco tem sido pesquisado sobre a
organização da associação que convoca este e outros Congressos de
Escritores que se realizarão seguidamente e que serão palco de in-
tensas disputas.
O Congresso reuniria delegados de diversos estados brasileiros.
Podem ser citadas a modo de exemplo algumas representações im-
portantes como Graciliano Ramos e Aurélio Buarque de Holanda de
Alagoas, do Ceará estaria presente Raquel de Queiroz, Raimundo
Magalhães e Herman Lima. O Distrito Federal, teria sua represen-
tação composta de vinte membros tais como Affonso Arinos, Apa-
rício Torely, Augusto Frederico Schmidt, José Lins do Rego, Moacir
Wernneck de Castro, Manuel Bandeira, Sergio Buarque de Holanda
etc. Do Estado do Rio com Astrojildo Pereira, de São Paulo com Caio
Prado, Antonio Candido, Mário de Andrade, Monteiro Lobato e várias
delegações estrangeiras da França, Suíça, Inglaterra, Rússia, Áus-
tria, Itália, Espanha, Portugal, Alemanha, Grécia, Estados Unidos,
Canadá, República Dominicana, Paraguai, Panamá e México.2
A abertura faz-se oicialmente com o discurso do presidente da
sessão de São Paulo, Sérgio Milliet no qual airma as sérias diicul-
dades da realização do encontro, não apenas pelas comuns questões
financeiras, mas pelo desinteresse da categoria. O discurso, no
entanto, faz apelo as responsabilidades do escritor frente ao mundo.
No mesmo sentido é pronunciado o discurso de Aníbal Machado,
163
165
9 MORAES, Dênis, O velho Graça: uma biografia de Graciliano Ramos. Rio de Janeiro: José Olym-
pio, 1993, p. 248.
10 Jornal do Brasil, 23 de janeiro de 1945.
11 SODRÉ, Nelson Wernneck. Memórias de um escritor. Rio de Janeiro: Civilização. Brasileira,
1970, p. 335.
12 Anais. Op. cit. p. 145.
167
Referências
LEME, MARIO (org.). Plataforma da Nova geração. Porto Alegre: Ed.
Livraria Globo, 1945.
HALLEWELL. Carlos Laurence. O livro no Brasil: sua história. São
Paulo: T. A. Queiroz/Edusp, 1985.
O
s primeiros historiadores da arte na Amazônia procuraram ir-
mar o ano de 1888 como o principal marco das origens da
“história” da arte no extremo norte do Brasil. Estavam em jogo
os valores da liberdade e da abolição assim como os signiicados da
crença republicana, cultivados, em larga medida, a partir da década
de 1890.1 A literatura, no entanto, precedeu as artes visuais quan-
do o tema foi a luta pela liberdade e o engajamento no movimento
abolicionista na Amazônia. Nesta atividade, seria difícil encontrar
concorrente para Luiz Demétrio Juvenal Tavares (1850-1907). Para-
ense de Cametá, veio para Belém, ainda moço, estudar no Seminário
de Santo Antônio a im de seguir a carreira sacerdotal. Sua ativida-
de política e a vocação literária, no entanto, parecem tê-lo desviado
da missão. Ainda no seminário, mostrava sua veia nacionalista: era
1870, ano em que publicou no Liberal do Pará, na sessão “A
pedidos”, um poema exaltando a vitória do Brasil na Guerra do Pa-
raguai.2 Dois anos depois, após saber a notícia da morte do pai,
saía do seminário para trabalhar como professor de francês. Os tem-
pos eram difíceis e o poeta revelava-se descrente, inclusive em seus
1 BRAGA, Theodoro “A arte no Pará, 1888-1918: retrospecto histórico dos últimos trinta annos”.
Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Pará. Belém 7: 149-159, 1934.
2 SALLES, Vicente. “Luiz Demétrio Juvenal Tavares: cronologia”. In: TAVARES, Juvenal. Serões
da Mãe Preta: contos populares para crianças. 2. ed. Belém: Secult, 1990 [1897], p.14. Sobre
este contexto paraense ver BEZERRA NETO, José Maia. “Nos bastidores da guerra: fugas escra-
vas e fugitivos na época da Guerra do Paraguai (Grão-Pará: 1864-1870)”. História e Perspectivas.
n. 20/21, 1999, p. 85-104.
171
3 FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. “Páginas antigas: uma introdução à leitura dos jornais paraen-
ses, 1822-1922”. Margens. V. 2, n. 3, 2005, p. 245-266.
4 Até hoje não foi possível localizar um único exemplar desse jornal. O Papagaio, periódico
semanal, teve o seu primeiro número lançado em 10 de agosto de 1882. Cf. BIBLIOTECA
PúBLICA DO PARá, Jornais paraoaras: catálogo. Belém: Secult, 1985, p. 89.
173
A um escravocrata
9 MOTTA-MAUÉS, Maria Angélica. “O que a mulata tem a ver com a Senhora Aparecida?
Discursos sobre cor, raça e gênero no Brasil (na virada do século XIX e do XX)”. Humanitas.
v. 20, n. 1/2, 2005, p. 7-27 e FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Negro em terra de índio: matrizes
intelectuais das teorias racistas na Amazônia do século XIX. In: CAMPOS; Cleise et al (Orgs.).
Políticas públicas de cultura do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Sirius; UERJ, 2007,
p. 131-145.
10 TAVARES, Luiz D. Juvenal. Versos: antigos e modernos. Belém: Typ. de A. F. da Costa,
1889, p. 27.
175
Sermos nós mesmos sempre é chegar a ser esse outro que somos e que
trazemos escondido no nosso interior, mais do que tudo como promes-
sa ou possibilidade de ser.1
O
ensaísta e poeta mexicano Octavio Paz (1914-1998) partici-
pou de uma geração de escritores latino-americanos que se
dedicou a questões clássicas, como a modernidade, a identi-
dade coletiva das sociedades da América Latina, os modelos de orde-
namento social, os complexos vínculos com os países desenvolvidos e
o consequente futuro de suas regiões. Ele nasceu e morreu na Cida-
de do México, formou-se em Direito pela Universidade Autônoma do
México (Unam) com especialização em literatura mexicana, estaduni-
dense, parisiense e japonesa. Ao longo de sua trajetória, empenhou-
se pela divulgação da cultura no país e, para tanto, acompanhou a
história mexicana, em seu âmbito cultural, político e social, a partir
da fundação de grandes revistas, tais como a Barandal (1933), Cuar-
denos del Valle del México (1933), Taller (1938-1941), Plural (1971-
1976) e Vuelta (1976-1993).
Autor de obras críticas insubstituíveis e previamente conhecidas
por seu amplo foco analítico (arte, poesia, crítica, política, história
e ilosoia), irmou-se como a persona literária mais inluente, re-
conhecida e controvertida do século XX. Ao receber o Prêmio Nobel
de Literatura, em 1990, consagrou-se no grupo dos melhores litera-
tos latino-americanos. Octavio Paz também recebeu outros prêmios,
como o Cervantes (1981), o Aléxis de Tocqueville (1984), o Prínci-
pe das Astúrias (1993) e a Grã-Cruz da Legião de Honra da França
(1994). Um reconhecimento obtido pela autoria de obras célebres,
como O Labirinto da Solidão (1951), Filhos do Barro (1974), O Ogro
Filantrópico: história e política (1979) e Templo Nublado (1984). Assim
como, por suas grandes obras poéticas, tais quais Pedra do Sol
1 Paz, Octávio. O Labirinto da Solidão e post-scriptum. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1992,
p. 155.
177
2 Octávio Paz exerceu vários cargos ao longo de sua vida. Foi poeta, escritor, diplomata, professor
de Universidades e editor-chefe de revistas.
3 A heterogeneidade nas obras do autor é costumeiramente debatida por estudiosos, assim como o
jogo dos contrários que utiliza como recurso linguístico para assinalar as labirínticas construções
históricas, sociais, políticas e culturais. Exemplo: a tradição e o moderno; o eu e o outro; a vida e
a morte; o mito e a História.
4 LAFER, Celso. Sua palavra se ajusta à criação e à crítica. Jornal da Poesia, São Paulo, 1998.
Domingo, 26 de Abril.
pelo clássico ensaio de Samuel Ramos intitulado “El peril del hombre
y la cultura en México” (1934) envolto pela ânsia em traçar uma iden-
tidade e uma ilosoia mexicanas. Há, não obstante, na obra, uma
sondagem sobre a clausura mexicana – país fechado ao mundo e a si
mesmo – e também sobre os instrumentos que o mexicano utilizaria
para tal im: as máscaras.
Como airma Octávio Paz em post-scriptum,
O labirinto da solidão foi um exercício da imaginação crítica: uma vi-
são e simultaneamente uma revisão. Uma coisa muito diferente de
um ensaio de ilosoia do mexicano ou da procura do nosso pretenso
ser. O mexicano não é uma essência e sim uma história. Nem ontolo-
gia nem psicologia. O que me intrigava (e intriga ainda) era menos ‘’o
caráter nacional’’ que aquilo que este caráter esconde: o que está por
trás da máscara.5
179
181
183
Referências
AGUIAR, M. Alice. Um diálogo com O Labirinto da Solidão e Post-Scrip-
tum de Octavio Paz.
LAFER, Celso. Sua palavra se ajusta à criação e à crítica. São Paulo,
1998. Encontra no site: http://www.jornaldepoesia.jor.br/opaz02c.html
PAZ, Octavio. El Laberinto de la Soledad. México: Siglo XXI, 1951.
______. O Labirinto da Solidão e Post-Scriptum. São Paulo: Editora Paz
e Terra, 1992, p. 155.
RODRIGUEZ, X. Ledesma. El concepto de Modernidad en Octavio
Paz. Colima: Revista de estudios sobre las culturas contemporáneas.
Diciembre, año/vol. V, número 10. Universidad de Colima, México,
p. 127-142.
E
m 2008, comemoraram-se os 60 anos da Declaração Univer-
sal dos Direitos Humanos, importante marco universalizador
que coroou a militância dos direitos humanos do pós-Segun-
da Guerra Mundial. Contudo, a marcha dos direitos humanos na
lida por sua airmação é bem anterior a saliente seção da Assem-
bleia Geral das Nações Unidas realizada em 10 de dezembro de 1948.
Trata-se, a bem da verdade, de uma labuta que ultrapassou séculos,
modos de produções divergentes e que se banhou de sangue em di-
versos momentos revolucionários.
As obras
Lançado em 2006, o livro Direitos humanos, de autoria do histo-
riador Marco Mondaini, apresenta-se oportunamente como um per-
tinente almanaque que reúne 50 escritos, de diversas datas e na-
tureza, selecionados por terem cumprido um importante papel na
airmação dos direitos humanos em sua jornada mundial, ao longo
da história moderna e contemporânea. Dentre tais escritos estão, ora
por meio de trechos, ora por meio de transcrições integrais, hinos,
discursos, encíclicas da Igreja Católica, e obras relevantes de gran-
des vultos do pensamento social universal, como Rousseau, Locke,
Montesquieu, Stuart Mill e Marx, dentre outros. Constam, também,
cartas de direito, como algumas constituições do século XX (mexicana,
187
Os ciclos de airmação
O primeiro ciclo de airmação dos direitos humanos na história
mundial ocorre, ao longo dos séculos XVII e XVIII, com o paulatino
advento de um novo modo de produção hegemônico, o capitalismo,
em superação ao feudalismo, e com a ascensão de uma nova classe
social: a burguesia. Pode-se dizer que sua origem remonta a Inglater-
ra, Estados Unidos e França. Em seu bojo está a luta pelo reconheci-
mento dos direitos civis e políticos, possibilitando, para um segundo
momento, a ampliação do relevo inicial, para contemplar direitos no
sentido das liberdades coletivas e, principalmente, da igualdade po-
lítica, com a labuta pelo sufrágio universal.
Já o segundo ciclo de airmação dos direitos humanos foi forte-
mente inluenciado pela luta entre as classes burguesa – a esta altura
passando a assumir um papel reacionário – e a trabalhadora. Nesse
período o pensamento socialista e as ações inspiradas por este, pos-
suindo em sua essência a crítica, a lógica da produção e reprodução
da desigualdade no capitalismo, passa a vincular-se intensamente
com as lutas em defesa dos direitos humanos.
Por im, o terceiro ciclo da airmação dos direitos humanos no
mundo é marcado por uma luta dupla: em defesa da efetiva realiza-
ção de direitos já conquistados em momentos anteriores, mas ainda
não estendido a todos na prática, e da ampliação do hall de direitos,
com a inclusão de novas demandas a somarem-se com as conquistas
já obtidas.
No cenário brasileiro, abordado na obra Direitos Humanos no
Brasil contemporâneo, é peculiar uma inversão que não deve ser
ignorada. Nada que necessariamente esteja ligada à nomenclatura
até então utilizada, mas sim à dinâmica clássica, segundo Mar-
shall, de constituição dos direitos e seu corolário. A ascensão
dos direitos humanos em âmbito nacional se inicia no “Brasil con-
temporâneo” (a partir da década de 30) e é marcada pela garantia
189
191
D
epois da publicação de Memorial dos Palmares, o historiador
Ivan Alves Filho vem sendo considerado um típico especia-
lista sobre história do passado, na mesma acepção que o
seu livro, lançado 20 anos após a sua primeira concepção na Escola
de Altos Estudos de Ciências Sociais, de Paris, e recomendado pelo
Centre National de Recherche Scientiique entre as obras considera-
das “outils de recherche” – ou instrumento de pesquisa da instituição
– é, no gênero, o trabalho mais atualizado sobre a saga de Zumbi
dos Palmares, equiparando-se em concepção e qualidade, às obras
referenciais, sobre o período, que são O quilombo dos Palmares, de
Édison Carneiro, Rebeliões da Senzala, de Clóvis Moura, e Palmares:
a guerra dos escravos, de Décio Freitas – todas, sem exceção, pionei-
ras no que se referem aos estudos sobre conlitos raciais iniciados no
Brasil Colônia.
Com Memorial dos Palmares, no entanto, Ivan Alves Filho inaugu-
ra uma nova fase dos estudos coloniais brasileiros, a partir da tópica
dos estudos que tem, como pano de fundo, não apenas a natureza
política dos movimentos guerrilheiros, mas a natureza histórica e
social dos mesmos, carregada na observação de que, a grande reação
gerada em Palmares, vem de encontro a uma forte ação bélica do re-
gime colonialista, sob o comando do império português.
No seu livro, é importante observar, a idedignidade pela busca
histórica de documentos, em fontes primárias, sobretudo nos arqui-
vos europeus, como o da Torre do Tombo, fortalece a ideia de que
Palmares foi o maior quilombo já surgido no Brasil, não só em ta-
manho populacional (chegou a reunir aproximadamente 30 mil pes-
soas), mas também em longevidade, já que teria resistido por mais
de 120 anos, pois nascido por volta de 1596, em 1716 ainda foram
registrados cerca de “8 ataques palmarinos”, o que, sem sombra de
dúvida, nos induz a pensar que o quilombo não se extingue com a
morte de Zumbi, em 20 de novembro de 1695, tese defendida por
uma grande parcela da historiograia.
193
Sobre a obra: Ivan Alves Filho. Memorial dos Palmares. Brasilia: FAP,
2009, 200p.
195
A
publicação do último romance de Chico Buarque, Leite derra-
mado, provocou na crítica literária nacional uma instigante
polêmica sobre o valor artístico da narrativa e, também, so-
bre o alcance das inluências machadianas que nela estariam pre-
sentes. A meu ver, tal discussão, embora aponte para questões reais
do universo iccional do autor, não poderá nos levar a compreender
o sentido literário do romance em análise.
Depois do visível amadurecimento literário de Chico, constata-
do nas páginas de Budapeste, quando o tema da identidade indi-
vidual de um ser humano na sociedade mercantilizada de hoje foi
trabalhado com grande sensibilidade narrativa, a crítica e o público
leitor aguardavam com ansiedade a publicação do novo livro. Tal
expectativa, porém, foi mal conduzida já a partir das primeiras aná-
lises que se izeram a respeito do romance, seja daqueles que, como
Carlos Graieb (Veja, 05.04.2009), consideram que Chico pretende
fazer um “panorama sociológico” dos últimos cem anos da história
brasileira, seja daqueles que, como Roberto Schwarz (Folha de S.
Paulo, 28.03.2009), dirigem o olhar para o objeto estético-literário
produzido pelo autor a partir de condicionantes históricos e sociais,
porém nem sempre destacando a originalidade da solução literária
encontrada por Chico.
Há nessas análises, contudo, muitos aspectos positivos que nos
ajudam a situar melhor a compreensão do romance. A obra de Chico
é icção literária, e tal caráter é alcançado reunindo ao mesmo tempo
vários elementos distintos (sociais e literários), entre eles aspectos da
história brasileira e temas caros a Machado de Assis, como o ciúme
doentio, expressão do egoísmo de classe do narrador.
De que nos fala Chico? O livro narra na primeira pessoa a
vida de um representante da elite brasileira, Eulálio Montenegro
D’Assumpção (assim mesmo, com p, para diferenciar-se de um
Assunção qualquer), que, de seu leito de morte num hospital infes-
tado de baratas, conta-nos a história da decadência de sua família
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FICHA TÉCNICA
Corpo do texto: Bookman Old Style (10/12, 8)
Títulos: Bookman (20/24)
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