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Ementa e Acórdão

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05/08/2020 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 460.320 P ARANÁ

RELATOR : MIN. GILMAR MENDES


REDATOR DO : MIN. DIAS TOFFOLI
ACÓRDÃO
RECTE.(S) : VOLVO DO BRASIL VEÍCULOS LTDA E
OUTRO(A/S)
ADV.(A/S) : BEATRIZ DONAIRE DE MELLO E OLIVEIRA E
OUTRO(A/S)
RECTE.(S) : UNIÃO
ADV.(A/S) : PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL
RECDO.(A/S) : OS MESMOS

EMENTA

Recursos extraordinários. Direito Tributário. Convenção entre o


Brasil e a Suécia para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de
Impostos sobre a Renda (Decreto nº 77.053/76). Imposto de renda retido
na fonte. Isenção. Dividendos distribuídos por empresas nacionais
sediadas no Brasil a sociedade da Suécia residente naquele país.
Empate no julgamento do apelo extremo interposto pela União.
Proclamação de solução contrária à pretendida pela recorrente (art. 146
do RISTF).
1. Trata-se de controvérsia, tendo presente a Convenção entre o
Brasil e a Suécia para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos
sobre a Renda (Decreto nº 77.053/76), acerca da isenção, garantida pelo
Superior Tribunal de Justiça (STJ), do imposto de renda retido na fonte
incidente sobre dividendos distribuídos por empresas nacionais sediadas
no Brasil a sociedade da Suécia residente naquele país, todas citadas nos
autos. Verificação de empate no julgamento do recurso extraordinário da
União interposto contra acórdão do STJ.
2. No que se refere à condição jurídica dos tratados internacionais
em face de normas de direito interno, os principais entendimentos dos
Ministros integrantes da corrente a favor do provimento de tal recurso

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podem ser sintetizados do seguinte modo: de um lado, defendeu-se que


(i) tratados internacionais são espécies normativas infraconstitucionais
distintas e autônomas, as quais não se confundem com normas federais,
tais como decretos-legislativos, decretos executivos, medidas provisórias,
leis ordinárias ou leis complementares e (ii) a Carta Federal não respalda
o paradigma dualista; de outro lado, alegou-se existir paridade normativa
entre atos internacionais e leis infraconstitucionais de direito interno,
resolvendo-se as antinomias entre essas normas pelo critério cronológico
ou da especialidade e ressalvando-se os tratados e as convenções
internacionais sobre direitos humanos. Argumentou-se, também, que o
art. 98 do CTN, de modo legítimo, atribui precedência aos tratados ou
convenções internacionais em matéria tributária e estabelece, em virtude
do critério da especialidade, a suspensão provisória da eficácia e da
aplicabilidade do ordenamento positivo interno. O entendimento sobre a
alegada afronta ao princípio da isonomia é de que o acórdão recorrido
confundiu o critério de conexão nacionalidade com o de residência,
estendendo a todos os súditos suecos residentes no exterior benefícios
fiscais apenas concedidos aos residentes no Brasil.
3. A argumentação da corrente contra o provimento do apelo
extremo da União pode ser resumida da seguinte maneira: para se
ultrapassar o entendimento da Corte Superior, a qual consignou ter
aquela convenção vedado a dupla tributação e a distinção entre nacionais
e residentes, seria necessário o reexame da causa à luz da legislação
infraconstitucional pertinente, o que não é permitido em sede de recurso
extraordinário.
4. Os Ministros julgaram prejudicado, por unanimidade, o recurso
extraordinário interposto pela Volvo do Brasil Veículos LTDA e outros
contra o acórdão do TRF-4. Foi negado provimento ao recurso
extraordinário da União em razão do empate na votação, nos termos do
art. 146 do RISTF.
ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do

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Supremo Tribunal Federal, em sessão virtual do Plenário de 26/6 a 4/8/20,


na conformidade da ata do julgamento, preliminarmente, por
unanimidade, em julgar prejudicado o recurso extraordinário interposto
pela Volvo do Brasil Veículos LTDA. e outros. Ademais, em razão de
empate na votação e nos termos do art. 146 do Regimento Interno do
Supremo Tribunal Federal, acordam os Ministros em negar provimento
ao recurso extraordinário da União. Votaram pela negativa de
provimento do recurso extraordinário os Ministros Dias Toffoli
(Presidente e Redator para o acórdão), Marco Aurélio, Ricardo
Lewandowski, Cármen Lúcia e Rosa Weber. Os Ministros Gilmar Mendes
(Relator), Edson Fachin, Roberto Barroso e Celso de Mello davam
provimento ao recurso extraordinário da União Federal, afastando a
concessão da isenção de imposto de renda retido na fonte conferida pelo
acórdão recorrido aos não residentes, bem como julgavam improcedente
a presente ação declaratória. O Ministro Alexandre de Moraes
acompanhou o Relator com ressalvas. Impedido o Ministro Luiz Fux.

Brasília, 5 de agosto de 2020.

Ministro Dias Toffoli


Presidente e Relator para o acórdão

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RELATOR : MIN. GILMAR MENDES


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ADV.(A/S) : BEATRIZ DONAIRE DE MELLO E OLIVEIRA E
OUTRO(A/S)
RECTE.(S) : UNIÃO
ADV.(A/S) : PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL
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RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - (Relator): Cuida-se


de recursos extraordinários interpostos por VOLVO DO BRASIL
VEÍCULOS LTDA. e OUTROS (fls. 221/248) e pela União Federal (fls.
358/376), com fundamento no art. 102, III, “a”, da Constituição.
No caso, VOLVO DO BRASIL VEÍCULOS LTDA. e OUTROS
ajuizaram ação declaratória de ausência de relação jurídica que obrigue o
recolhimento ou pagamento de imposto de renda retido na fonte,
competência do ano-base 1993, em razão do tratamento previsto em
Convenção Internacional para Evitar Dupla Tributação, celebrada entre a
República Federativa do Brasil e o Reino da Suécia e promulgada por
meio do Decreto Legislativo n. 93/1975 e do Decreto n. 77.053/1976.
Os contribuintes pleiteiam tratamento isonômico entre os residentes
ou domiciliados na Suécia e no Brasil, aplicando-se àqueles a isenção
prevista no art. 75, da Lei n. 8.383/1991, in verbis:

“ Art. 75. Sobre os lucros apurados a partir de 1° de janeiro


de 1993 não incidirá o imposto de renda na fonte sobre o lucro
líquido, de que trata o art. 35 da Lei n° 7.713, de 1988,
permanecendo em vigor a não-incidência do imposto sobre o
que for distribuído a pessoas físicas ou jurídicas, residentes ou
domiciliadas no País.”

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Em síntese, VOLVO DO BRASIL VEÍCULOS LTDA. e OUTROS


alegam que a limitação da referida isenção aos residentes e domiciliados
no Brasil desrespeita a isonomia, tratando-se desigualmente contribuintes
que se encontram em situações equivalentes. Protestam que, nos termos
do art. 98 do CTN, “os tratados e as convenções internacionais revogam ou
modificam a legislação interna e serão observados pela que lhes sobrevenha”, pelo
que o legislador interno não poderia revogar a isonomia prevista em
acordo internacional.
Julgada improcedente a demanda em primeiro grau (fls. 110/117), o
Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou provimento à apelação dos
contribuintes em aresto com a seguinte ementa:

“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. PESSOA


JURÍDICA DOMICILIADA NO EXTERIOR. DISTRIBUIÇÃO
DE LUCROS. RETENÇÃO NA FONTE. PRETENSÃO DE
TRATAMENTO IDÊNTICO AOS CONTRIBUINTES
NACIONAIS. INVIABILIDADE.
1. Considerando que, no ordenamento jurídico brasileiro,
inexiste superioridade hierárquica dos tratados e convenções
internacionais em relação à Lei Ordinária, válida a exigência do
Imposto de Renda na fonte, relativamente ao sócio residente no
exterior, tendo em vista a expressa previsão na legislação
posterior à ‘Convenção Internacional entre Brasil e Suécia para
evitar dupla tributação sobre a renda’ (Decreto 77.053/76).
2. Não vislumbrada a violação ao princípio constitucional
da isonomia tributária, pois inexiste relação de similitude entre
o sócio, residente e domiciliado em território estrangeiro, súdito
do Reino da Suécia e o sócio residente e domiciliado no Brasil.
3. Apelação improvida” (fl. 162).

Em face desse acórdão, VOLVO DO BRASIL VEÍCULOS LTDA. e


OUTROS interpuseram recursos especial e extraordinário, este último
alegando violação aos arts. 4º; 5º, § 2º; e 150, II, da Carta Magna. No
entanto, o recurso especial foi provido pela Primeira Turma do STJ, em

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apertada maioria. Eis a ementa do acórdão do STJ:

“TRIBUTÁRIO. REGIME INTERNACIONAL. DUPLA


TRIBUTAÇÃO. IRRPF. IMPEDIMENTO. ACORDO GATT.
BRASIL E SUÉCIA. DIVIDENDOS ENVIADOS A SÓCIO
RESIDENTE NO EXTERIOR. ARTS. 98 DO CTN, 2º DA LEI
4.131/62, 3º DO GATT.
- Os direitos fundamentais globalizados, atualmente, estão
sempre no caminho do impedimento da dupla tributação. Esta
vem sendo condenada por princípios que estão acima até da
própria norma constitucional.
- O Brasil adota para o capital estrangeiro um regime de
equiparação de tratamento (art. 2º da Lei 4131/62, recepcionado
pelo art. 172 da CF), legalmente reconhecido no art. 150, II, da
CF, que, embora se dirija, de modo explícito, à ordem interna,
também é dirigido às relações externas.
- O art. 98 do CTN permite a distinção entre os chamados
tratados-contratos e os tratados-leis. Toda a construção a
respeito da prevalência da norma interna com o poder de
revogar os tratados, equiparando-os à legislação ordinária, foi
feita tendo em vista os designados tratados-contratos, e não os
tratados-leis.
- Sendo o princípio da não-discriminação tributária
adotado na ordem interna, deve ser adotado também na ordem
internacional, sob pena de desvalorizarmos as relações
internacionais e a melhor convivência entre os países.
- Supremacia do princípio da não-discriminação do
regime internacional tributário e do art. 3º do GATT.
- Recurso especial provido” (fl. 340).

Rejeitados os declaratórios (fls. 350/354), a União Federal, por sua


vez, interpôs recurso extraordinário contra o aresto do Superior Tribunal
de Justiça, alegando desrespeito aos arts. 2º; 5º, II e § 2º; 49, I; 84, VIII; 97; e
150, II, da Constituição Federal.
Em seu apelo extremo, a União Federal pretende manter a tributação
de VOLVO DO BRASIL VEÍCULOS LTDA. e OUTROS, como a dos

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demais contribuintes residentes e domiciliados fora do Brasil, à alíquota


de 15%, com base no art. 756, do Decreto n. 1.041/1994 (Regulamento do
Imposto de Renda de 1994 – RIR/1994), nos termos de previsão do art. 77
da Lei n. 8.383, de 30 de dezembro de 1991:

“Art. 77. A partir de 1° de janeiro de 1993, a alíquota do


imposto de renda incidente na fonte sobre lucros e dividendos
de que trata o art. 97 do Decreto-Lei n° 5.844, de 23 de setembro
de 1943, com as modificações posteriormente introduzidas,
passará a ser de quinze por cento”.

Primeiramente, a União Federal sustenta a violação do art. 97 da


Carta Magna, porquanto o afastamento “dos arts. 75, 76 e 77 da Lei n.
8.383/81 e do art. 756 do RIR/94, com base em princípios supraconstitucionais e
constitucionais, especialmente o princípio da superioridade hierárquica dos
tratados em relação às leis ordinárias, equivaleu a uma verdadeira alegação de
inconstitucionalidade dos referidos dispositivos legais, por órgão
constitucionalmente incompetente” (fl. 365).
Além disso, aduziu que a aplicação do art. 98 do CTN ao tratado em
apreço acarretou ofensa aos arts. 2º; 5º, II e § 2º; 49, I; 84, VIII, da
Constituição Federal, uma vez que conferida superioridade hierárquica
aos tratados internacionais em relação à lei ordinária.
Ainda aponta suposta violação do art. 150, II, da Constituição
Federal, alegando que o mencionado dispositivo só se refere à vedação de
discriminação entre os entes federados e que não há violação do princípio
da isonomia, pois tanto o nacional sueco, quanto o brasileiro têm direito à
isenção prevista no art. 75, da Lei n. 8.383/1991, desde que residentes ou
domiciliados no Brasil.
Admitidos ambos os apelos extremos (fls. 266/267 e 387/388), o
Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso da União
Federal e pela perda do objeto do recurso da VOLVO DO BRASIL
VEÍCULOS LTDA. e OUTROS (fls. 395/410).
É o relatório.

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VOTO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - (Relator): Tendo em


vista questão de prejudicialidade, examino em primeiro lugar o recurso
extraordinário interposto pela União Federal.
Preliminarmente, incumbe dizer que esta Corte tem admitido,
inequivocamente, o cabimento de recurso extraordinário contra decisão
proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, nos seguintes casos:
I – tratando-se de recurso da parte vencida, no ponto, pela decisão
do tribunal de segundo grau, se a questão constitucional objeto do
recurso extraordinário for diversa daquela já resolvida pela instância
ordinária (se for a mesma, haverá preclusão), ou se ela for concernente a
aspecto estritamente formal da disciplina constitucional aplicável às
deliberações do Superior Tribunal de Justiça. Em síntese: apenas para as
questões novas, surgidas originariamente no STJ, tem cabimento o
recurso extraordinário;
II – tratando-se, porém, de recurso da parte vencedora, no ponto,
pela decisão do tribunal de segundo grau, a recorribilidade
extraordinária a partir do pronunciamento do Superior Tribunal de
Justiça é ampla – observados os requisitos gerais pertinentes –, porque
não se terá verificado, em princípio, qualquer preclusão processual.
No caso, a União restou vencedora integralmente no acórdão
regional de fls. 155/162 e insurge-se, por meio de recurso extraordinário,
contra a decisão de última instância do Superior Tribunal de Justiça,
alegando violação aos arts. 2º; 5º, II e § 2º; 49, I; 84, VIII; 97; e 150, II, da
Constituição Federal.
Portanto, a partir desse ponto de vista, o apelo extremo da União
Federal é perfeitamente admissível.
No que se refere à alegada violação do art. 97 da Constituição

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Federal, é certo que esta Corte tem entendido que “reputa-se declaratório de
inconstitucionalidade o acórdão que – embora sem o explicitar – afasta a
incidência da norma ordinária pertinente à lide para decidi-la sob critérios
diversos alegadamente extraídos da Constituição” (RE 240.096/RJ, 1ª T., Rel.
Min. Sepúlveda Pertence, DJ 21.5.1999. No mesmo sentido: AI-AgR
466.506/SC, 2ª T., de minha relatoria, DJ 11.6.04).
A propósito, esta Corte editou a Súmula Vinculante 10, que dispõe:

“Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a


decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não
declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou
em parte”.

No entanto, o acórdão recorrido não afastou a aplicação do art. 77 da


Lei nº 8.383/1991 ao caso em apreço em razão de disposições
constitucionais, mas em virtude de outras normas infraconstitucionais,
sobretudo do art. 24 da “Convenção entre o Brasil e a Suécia para Evitar a
Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre a Renda” e do art. 98 do
CTN.
Ou seja, não se trata de declaração de inconstitucionalidade nem de
interpretação conforme a Constituição, consoante asseverado no voto
condutor do aresto atacado:

“A única discordância que tenho na mensagem do parecer


apresentado é que penso não se tratar de inconstitucionalidade
do art. 77 da Lei n° 8.383, mas de ilegalidade, em face dos
princípios expostos. O Supremo Tribunal Federal tem feito
muito essa diferenciação entre seu campo de atuação, que
apenas se opera no campo da inconstitucionalidade e da
ilegalidade.
Em face de determinadas situações concretas, reconhecemos que
a lei continua válida . Para determinado fato concreto, se for
aplicada, a lei é ilegal. Por essa razão, o Supremo construiu a
tese dos chamados reflexos indiretos de inconstitucionalidade,

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ou seja, o não-conhecimento de determinadas questões por


serem reflexos indiretos” (fl. 302, destaquei).

Ressalte-se que o aresto recorrido não considerou inaplicáveis os


arts. 75 e 77 da Lei nº 8.383/1991 de maneira irrestrita e geral, mas apenas
na espécie em que o contribuinte é amparado por tratado internacional.
No caso, a inaplicabilidade dos mencionados dispositivos, com
fundamento em normas internacionais, não equivale à declaração de
inconstitucionalidade, nem demanda a reserva de plenário.
Logo, não se verifica a sustentada violação ao art. 97 da Carta
Magna.
No que tange à suposta ofensa aos arts. 2º; 5º; II e § 2º; 49, I; 84, VIII,
da Constituição Federal, insurge-se a União Federal contra a aplicação do
art. 98 do CTN “para impedir que a lei ordinária (arts. 75, 76 e 77 da Lei n.°
8.383/1991 e o art. 756 RIR/1994) revogue um tratado-lei (Decreto n.°
77.053/1976 que ratificou a ‘Convenção entre o Brasil e a Suécia para Evitar a
Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre a Renda’”.
Em síntese, defende a União que não se pode atribuir superioridade
hierárquica entre tratados internacionais e leis ordinárias, assentando:

“Isso porque, aplicar-se o art. 98 do CTN nessa hipótese


implica em limitar o exercício do Poder Legislativo, inclusive do
próprio constituinte derivado, restrições estas que só seriam
cabíveis em texto constitucional, mas jamais em lei, ainda que
lei complementar, o que implica em ofensa frontal aos
princípios constitucionais da separação dos poderes e da
legalidade (art. 2º e 5º, II, da CF/88)” (fl. 371).

Dessa forma, a questão constitucional cinge-se à relação entre


normas internas infraconstitucionais e tratados internacionais em matéria
tributária. Especificamente, pondera-se a recepção, ou não, do art. 98 do
CTN pela Carta Magna.
Dispensada a discussão quanto à eventual incompatibilidade entre
normas constitucionais e acordos internacionais, porquanto estranha ao

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caso em apreço, é importante destacar a evolução da jurisprudência desta


Corte no âmbito da aplicação de acordos internacionais em face da
legislação interna infraconstitucional.
Evidentemente, a controvérsia passa pela relação, de forma geral,
entre Direito Interno e Direito Internacional – inclusive quanto à polêmica
irreconciliável entre as teorias dualista (cf. TRIEPEL, Karl Heinrich. “As
Relações entre o Direito Interno e o Direito Internacional” in Revista da
Faculdade de Direito, Ano XVII, n.° 6. Outubro de 1966. Trad: Amílcar de
Castro. p. 7/64) e monista (cf. KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do
Estado. 3ª ed. Trad: Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p.
515 e ss.; e VERDROSS & SIMMA. Universelles Völkerrecht. Berlin:
Duncker und Humblot, 1984. p. 53 e ss.) –, mas tem contornos específicos
no direito tributário, de acordo com a jurisprudência deste Supremo
Tribunal Federal.
Sob a Constituição de 1891, este Tribunal reconheceu o primado dos
tratados internacionais em face de legislação interna posterior.
Emblemático, nesse aspecto, é o julgamento da Extradição n.° 7, Rel. Min.
Canuto Saraiva, ocorrido em 7.1.1914, em que se anulou julgamento

anterior para afastar a aplicação dos requisitos para extradição da Lei nº


2.416, de 28.6.1911, em proveito do tratado de extradição entre os
governos do Brasil e do Império Alemão, de 17.9.1877 (cf. RODRIGUES,
Manoel Coelho. A Extradição no Direito Brasileiro e na Legislação Comparada.
Tomo III, Anexo B. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1931. p. 75/78).
Em matéria tributária, especificamente, a preponderância das
normas internacionais sobre normas internas infraconstitucionais já foi
admitida por este STF na vigência da Constituição de 1937, nos termos da
Apelação Cível 7.872/RS, Rel. Min. Philadelpho de Azevedo, julgada em
11.10.1943.
Na oportunidade, a Corte manteve afastada a aplicação do imposto
adicional de 10% criado pelo Decreto nº 24.343, de 5.6.1934, em privilégio
das disposições de tratado entre o Brasil e o Uruguai, firmado em
25.8.1933 e promulgado pelo Decreto nº 23.710, de 9.1.1934.
O eminente relator – que pouco depois seria nomeado Juiz da Corte

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Internacional de Justiça em Haia – apreciou exaustivamente a questão, em


brilhante e minucioso voto, assim concluindo:
“Chegamos, assim, ao ponto nevrálgico da questão – a
atuação do tratado, como lei interna, no sistema de aplicação do
direito no tempo, segundo o equilíbrio de normas, em regra
afetadas as mais antigas pelas mais recentes.
O Ministro Carlos Maximiliano chegou a considerar o ato
internacional de aplicação genérica no espaço, alcançando até
súditos de países a ele estranhos, quando tiver a categoria do
Código, com o conhecido pelo nome Bustamante (voto in
Direito, vol. 8, pgs. 329).
Haveria talvez aí um exagero, interessando, antes,
examinar, em suas devidas proporções, o problema do tratado
no tempo, sendo claro que ele, em princípio, altera as leis
anteriores, afastando sua incidência, nos casos especialmente
regulados.
A dificuldade está, porém, no efeito inverso, último
aspecto a que desejávamos atingir – o tratado é revogado por lei
ordinárias posteriores, ao menos nas hipóteses em que o seria
uma outra lei?
A equiparação absoluta entre a lei e o tratado conduziria à
resposta afirmativa, mas evidente o desacerto de solução tão
simplista, ante o caráter convencional do tratado, qualquer que
seja a categoria atribuída às regras de direito internacional.
Em país em que ao Judiciário se veda apreciar a
legitimidade de atos do legislativo ou do executivo se poderia
preferir tal solução, deixando ao Governo a responsabilidade de
se haver com as potências contratantes que reclamarem contra a
indevida e unilateral revogação de um pacto por lei posterior;
nunca, porém, na grande maioria das nações em que o sistema
constitucional reserva aquele poder, com ou sem limitações.
Na América, em geral, tem assim força vinculatória a
regra de que um país não pode modificar o tratado, sem o
acordo dos demais contratantes; proclama-o até o art. 10 da
Convenção sobre Tratados, assinada na 6ª Conferência
Americana de Havana, e entre nós promulgada pelo Decreto

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RE 460.320 / PR

18.956, de 22 de outubro de 1929, embora não o havendo feito,


até 1938, o Uruguai, também seu signatário.
Esse era, aliás, o princípio já codificado por EPITÁCIO
PESSOA que estendia ainda a vinculação ao que, perante a
equidade, os costumes e os princípios de direito internacional,
pudesse ser considerado como tendo estado na intenção dos
pactuantes (Código, art. 208); nenhuma das partes se exoneraria
e assim isoladamente (art. 210) podendo apenas fazer denúncia,
segundo o combinado ou de acordo com a cláusula rebus sic
stantibus subentendida, aliás, na ausência de prazo
determinado.
Clóvis Beviláqua também não se afastou desses princípios
universais e eternos, acentuando quão fielmente devem ser
executados os tratados, não alteráveis unilateralmente e
interpretados segundo a equidade, a boa fé e o próprio sistema
dos mesmos (D.T. Público, vol. 2, pgs. 31 e 32).
Igualmente Hildebrando Acioli, em seu precioso Tratado
de Direito Internacional, acentua os mesmos postulados, ainda
quando o tratado se incorpora à lei interna e enseja a formação
de direitos subjetivos (vol. 2, § 1.309).
É certo que, em caso de dúvida, qualquer limitação de
soberania deva ser interpretada restritamente (Acioli, p. cit. §
1.341 nº 13), o que levou Bas Devant, Gastón Jeze e Nicolas
Politis a subscreverem parecer favorável à Tchecoslováquia,
quanto à desapropriação de latifúndios, ainda que pertencentes
a alemães, que invocavam o Tratado de Versalhes (les traités de
paix, ont-ils limité la competence lègislative de certains ètats? Paris,
1.927); em contrário, a Alemanha teve de revogar, em
homenagem àquele pacto, o art. 61 da Constituição de Weimar
que conferia à Áustria o direito de se representar no Reichstag.
Sem embargo, a Convenção de Havana já aludida, assentou que
os tratados continuarão a produzir seus efeitos, ainda quando
se modifique a constituição interna do Estado, salvo caso de
impossibilidade, em que serão eles adaptados às novas
condições (art. 11)”. (Ação Cível n.° 7.872/RS, Rel. Min.
Philadelpho de Azevedo, julgada em 11.10.1943)

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Sob a égide da Constituição de 1946, o Supremo Tribunal Federal


confirmou esse entendimento nos autos da Apelação Cível 9.587/RS, Rel.
Min. Lafayette de Andrada, julgada em 21.8.1951, aplicando tratamento
tributário previsto no “Tratado de Comércio entre os Estados Unidos do
Brasil e os Estado Unidos da América”, firmado em 2.2.1935 e
promulgado por meio do Decreto 542, de 21.12.1935, em detrimento das
disposições do Decreto-Lei nº 7.404, de 22.3.1945. Na ocasião, assentou o
voto condutor desse aresto:

“A controvérsia girou sobre a prevalência de tratado da


União com Estados estrangeiros.
Nego provimento à apelação. A sentença bem apreciou a
hipótese dos autos.
Realmente não pode ter aplicação a autora os dispositivos
do dec.-lei 7.404 de 1942 porque há um Tratado entre o Brasil e
os Estados Unidos da América do Norte e Inglaterra, pelo qual
o Imposto de consumo deveria ser cobrado de acordo com o
regulamento vigente à época de sua promulgação.
Está expresso no art. 7º do referido Tratado que os países
signatários não podem elevar ‘as taxas, custas, exações ou
encargos internos nacionais, ou federais que sejam diferentes ou
mais elevados do que o estabelecido ou previstos,
respectivamente, nas leis dos Estados Unidos da América, em
vigor no dia da assinatura do Tratado.’
Portanto, as leis posteriores que alteram a vigorante
naquela oportunidade ficam sem aplicação nos produtos
importados nos países signatários dessa convenção.
(...)
Já sustentei, ao proferir voto nos embargos na apelação
cível 9.583, de 22 de junho de 1950, que os tratados constituem
leis especiais e por isso não ficam sujeitos às leis gerais de cada
país, porque, em regra, visam justamente à exclusão dessas
mesmas leis.
(...)
Sem dúvida que o tratado revoga as leis que lhe são

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anteriores, mas não pode ser revogado pelas leis posteriores, se


estas não se referirem expressamente a essa revogação ou se
não denunciarem o tratado.
A meu ver, por isso, uma simples lei que dispõe sobre
imposto de consumo não tem força para alterar os termos de
um tratado internacional”. (Apelação Cível n.° 9.587/RS, Rel.
Min. Lafayette de Andrada, julgada em 21.8.1951)

Nesse contexto, foi editado o Código Tributário Nacional, em


25.10.1966, prevendo explicitamente a preponderância dos tratados sobre
normas infraconstitucionais internas em matéria tributária:

“Art. 98. Os tratados e convenções internacionais revogam


ou modificam a legislação tributária interna e serão observados
pela que lhe sobrevenha”.

Na vigência da Carta de 1967, com redação dada pela EC nº 1/69, por sua
vez, o Pleno do Supremo Tribunal Federal, acolhendo clara concepção
monista, decidiu que os tratados internacionais, de forma geral, “têm
aplicação imediata, inclusive naquilo em que modificam a legislação interna” (RE
71.154/PR, Rel. Min. Oswaldo Trigueiro, julgado em 4.8.1971, DJ
25.8.1971).
Além disso, com base no art. 98 do CTN, o Plenário aprovou, em
15.12.1976, a Súmula 575/STF, que assenta o seguinte: “à mercadoria
importada de País Signatário do GATT, ou membro da ALALC, estende-se a
isenção do imposto de circulação de mercadorias concedida a similar nacional”
(DJ 3.1.1977).
É certo que, a partir do julgamento do RE 80.004/SE (Rel. p/ o
acórdão Min. Cunha Peixoto, Pleno, DJ 29.12.1977), o STF alterou seu
entendimento tradicional quanto à relação entre Direito Interno e Direito
Internacional, admitindo a paridade entre tratados internacionais e
normas internas infraconstitucionais e, consequentemente, o afastamento
da aplicação de normas internacionais em virtude de normas internas
posteriores.

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No mencionado leading case, o voto vencedor do Min. Cunha Peixoto


assentou, com fundamento na teoria dualista de TRIEPEL, que “não há
nenhum artigo [na Constituição] que declare irrevogável uma lei positiva
brasileira pelo fato ter sua origem em um tratado”. A propósito do art. 98 do
CTN, manifestou-se o Min. Cunha Peixoto em obiter dictum:

“Nem se diga estar a irrevogabilidade dos tratados e


convenções por lei ordinária interna consagrado no direito
positivo brasileiro, porque está expresso no art. 98 do Código
Tributário Nacional, verbis: ‘os tratados e as convenções
internacionais revogam ou modificam a legislação tributária
interna, e serão observados pelas que lhe sobrevenham’.
Como se verifica, o dispositivo refere-se a tratados e
convenções. Isto, porque os tratados podem ser normativos, ou
contratuais. Os primeiros traçam regras sobre pontos de
interesse geral, empenhando o futuro pela admissão de
princípio abstrato, no dizer de Tito Fulgêncio. Contratuais são
acordos entre governantes acerca de qualquer assunto. O
contratual, é, pois, título de direito subjetivo.
Daí o art. 98 declarar que tratado ou convenção não é
revogado por lei tributária interna. É que se trata de um
contrato, que deve ser respeitado pelas partes.
Encontra-se o mesmo princípio na órbita interna, no
tocante à isenção, em que o art. 178 do código Tributário
Nacional proíbe sua revogação, quando concedida por tempo
determinado. É que houve um contrato entre a entidade pública
e o particular, que, transformado em direito subjetivo, deve ser
respeitado naquele período.
Por isso mesmo, ao art. 98 só se refere à legislação
tributária, deixando, destarte, claro, não ser o princípio de
ordem geral. Se a lei ordinária não pudesse, pela Constituição,
revogar a que advém de um tratado, não seria necessário
dispositivo expresso de ordem tributária.
Mesmo com relação ao direito tributário, além do
dispositivo ser de constitucionalidade duvidosa, a norma não é
aceita por todos os países, por todos os doutrinadores. Triepel

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traz à colação o seguinte caso: ‘Por um decreto de 1893, o


governo italiano exigiu que todos os direitos aduaneiros fossem
pagos em metal, ou em meios de liberação análogos. A Suíça
reclamou e, apoiando-se na cláusula compromissória do art. 14
do tratado de comércio, provocou a instauração do Tribunal
arbitral, previsto para as dificuldades que surgissem quanto à
interpretação e aplicação do tratado. A Itália não o aceitou, e,
em nossa opinião, com razão, porque a modificação do direito
italiano, de que a Suíça se queixava, era apenas modificação do
direito interno suposto, não ordenado, pelo tratado de
comércio.’ (ob. cit., pág. 50).
Por outro lado, a lei tributária fala em tratado e convenção,
pressupondo serem contratuais, e não relativas às leis positivas
brasileiras, que tiveram origem em um tratado. É que este
transformou-se em direito positivo, deixou de ser tratado”.
(Voto do Min. Cunha Peixoto, RE 80.004/SE, DJ 29.12.1977)

Na oportunidade, os Ministros Cordeiro Guerra, Leitão de Abreu,


Rodrigues Alckmin e Thompson Flores acompanharam expressamente as
considerações do voto condutor de que o art. 98 só se aplicaria aos
denominados tratados-contratos.
É exatamente esse o precedente que ampara os votos vencidos no
acórdão recorrido, os quais dão interpretação conforme a Constituição ao
art. 98 do CTN, para aplicá-lo apenas aos tratados contratos.
Nessa linha de entendimento, eventuais antinomias entre tratados
internacionais e leis internas seriam resolvidas apenas por critérios de
cronologia (lex posteriori derogat priori) e de especialidade (lex specialis
derogat generali).
A respeito da perspectiva da especialidade, o Pleno deste STF
destacou que “na colisão entre a lei e o tratado, prevalece este, porque contém
normas específicas” (HC 58.727/DF, Rel Min. Soares Muñoz, Pleno, DJ
3.4.1981).
Em que pese à dúvida a respeito da constitucionalidade do art. 98 do
CTN levantada em obiter dictum por alguns Ministros no julgamento do
RE 80.004/SE, a questão não foi definitivamente examinada pela Corte a

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 18 de 88

RE 460.320 / PR

época.
Com efeito, mesmo após a fixação do novo entendimento a respeito
ausência de preponderância dos acordos internacionais, de forma geral,
sobre normas internas infraconstitucionais, o Plenário desta Corte aplicou
o mencionado art. 98 do CTN para privilegiar o Tratado de Montevidéu –
firmado em 18.2.1960 e promulgado pelo Decreto nº 50.656, de 24.5.1961 –
em detrimento da incidência de preço de referência criado pelo Decreto-
Lei nº 1.111/70, de 10.7.1970.
Trata-se do RE 90.824/SP (Rel. Min. Moreira Alves, Pleno, julgado em
25.6.1980, DJ 19.9.1980), cujo voto condutor destaca:

“De feito, em matéria tributária, independentemente da


natureza do tratado internacional, se observa o princípio contido no
artigo 98 do Código Tributário Nacional:
(...)
É indiscutível que o sistema de preço de referência criado
pelo Decreto-Lei 1.111/70 pertence ao terreno do direito
tributário, como resulta inequívoco do art. 5º desse mesmo
Decreto-lei:
(...)
Trata-se, pois, de gravame à importação, e gravame que
visa a proteger a indústria nacional similar. Não se confunde,
por outro lado, com a denominada pauta de valor mínimo,
como, aliás, tem sido reconhecido pelo Tribunal Federal de
Recursos, e pela própria legislação promulgada posteriormente,
como é o caso do Decreto-lei 1.169, de 29 de abril de 1971, que
distingue ambos os institutos – preço de referência e pauta de
valor mínimo – em seu art. 5°, verbis:
(...)
Ora, o Tratado de Montevidéu, em consonância com o
princípio estabelecido em seu art. 23 (integrante do capítulo
relativo às cláusulas de salvaguarda) – princípio esse que só
admite, provisoriamente e respeitadas certas condições,
restrições e importações procedentes dos países da ALALC,
com vistas à proteção da indústria nacional, se autorizadas

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 19 de 88

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pelas Partes Contratantes -, veda, também, em seu artigo 48,


alteração no regime de imposição de gravames à importação,
nestes termos:
(...)
Como se vê, a única alteração no regime de imposição de
gravames à importação submetida ao Tratado de Montevidéu –
e gravame para esse Tratado é, consoante a parte final do artigo
3º, ‘os direitos a quaisquer outros encargos de efeito
equivalente’ – sejam de caráter fiscal, monetário ou cambial –
que incidam sobre as importações, excetuados, apenas, as ‘taxas
ou encargos análogos, quando correspondam ao custo dos
serviços prestados’ – que é permitida diz respeito à pauta de
valor mínimo, e, assim mesmo, quando a atualização
corresponder exclusivamente ao valor real da mercadoria.
Como as exceções se interpretam estritamente, não pode a
exceção em causa ser estendida a instituto diverso da pauta de
valor mínimo, como é o do preço de referência, em cuja
formação, aliás, que se faz estatisticamente, não entram os
valores encontrados nas importações originárias de países da
ALALC, o que implica não ser esse preço, para tais
importações, correspondente ao valor real da mercadoria.
Impõe-se, portanto, a meu ver, a conclusão de que o
sistema do preço de referência, que é um gravame à importação
para os fins do tratado de Montevidéu, não pode ser aplicado, por
força desse Tratado, que tem de ser respeitado pela legislação fiscal
brasileira a ele posterior, às importações originárias de países
pertecentes à ALALC. E, em razão disso, deve prevalecer a
interpretação segundo a qual o § 2º do artigo 3º do Decreto-lei
1.111/70 partiu da premissa implícita de que essas importações
estavam excluídas do regime do preço de referência”. (RE
90.824/SP, Rel. Min. Moreira Alves, Pleno, DJ 19.9.1980).

Na ocasião, o voto vogal do Min. Cordeiro Guerra, ao acompanhar o


Min. Moreira Alves, afastou a aplicação do entendimento fixado no RE
80.004/SE, em virtude do art. 98 do CTN:

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“(...) O Tratado de Montevidéu só reconhece a pauta de


valor mínimo, e o Código Tributário Nacional diz que,
enquanto viger o tratado, não se pode alterá-lo, em se tratando
de matéria tributária fiscal. É o que está no art. 98 do Código. Se
não fosse tributária, diria que podia ser alterado por lei interna,
como nós já decidimos no Recurso Extraordinário n° 80.004, de
Sergipe”.

Apesar de o tratado de Montevidéu ter sido considerado


posteriormente tratado-contrato (RE 99.376/RS, Rel. Min. Moreira Alves,
2ª T., DJ 18.6.1984) e de a norma interna posterior não ter sido afastada,
mas apenas interpretada consoante as disposições do tratado
internacional, restava clara a tendência do STF de privilegiar as normas
internacionais em matéria tributária sobre as normas internas posteriores.
Nesse sentido, o Tribunal:
(i) examinou se o aumento da alíquota de IOF por meio do Decreto-
Lei nº 1.783/1980 violava os termos do Tratado de Montevidéu e do
General Agreement on Tariffs and Trade - GATT, v.g. AI-AgR 98.324/SP, Rel.
Min. Sydney Sanches, 1ª T., DJ 19.10.1984; AI-AgR 101.336/SP, Rel. Min.
Néri da Silveira, DJ 5.9.1986; e AI-AgR 93.564/RJ, Rel. Min. Djaci Falcão, 2ª
T., 23.9.1983; e
(ii) reconheceu violação ao art. 98 do CTN, para estender a produtos
importados de países signatários do GATT, internalizado no Brasil por
meio do Decreto Legislativo n.° 43, de 20.6.1950, isenção de ICM
concedida a similar nacional por legislação posterior, v.g. RE 99.335/SP,
Rel. Min. Soares Muñoz, 1ª T., DJ 10.6.1983 e RE 100.553/RJ, Rel. Min.
Francisco Rezek, 2ª T., DJ 23.9.1983.
Especificamente, esta Corte privilegiou acordo internacional do
GATT em detrimento do Convênio Interestadual ICM nº 7/1980,
entendendo que “cláusula de convênio interestadual não afasta a incidência de
norma internacional” (RE 111.711/RJ, Rel. Min. Rafael Mayer, 1ª T., DJ
12.12.1986). No mesmo sentido: RE 114.504/RJ, Rel. Min. Célio Borja, 2ª T.,
DJ 1º.7.1988; RE 115.655/RJ, Rel. Min. Francisco Rezek, 2ª T., DJ 22.4.1988;
e RE 116.944/SP, rel. Min. Carlos Madeira, 2ª T., DJ 27.10.1988.

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Dentre esses precedentes, que continuavam a aplicar a citada


Súmula 575/STF, destaco o RE 100.904/RJ, Rel. Min. Rafael Mayer, 1ª T.,
DJ 16.12.83:

“ICM. Isenção. Bacalhau importado. Similar nacional.


GATT. CTN, art. 98. – Prequestionado o art. 98 do CTN a ele se
deu interpretação compatível com a supremacia da norma
tributária advinda de ato internacional. Recurso Extraordinário
não conhecido”.

Finalmente, quanto à Constituição Federal de 1988, exatamente em 23


de novembro de 1995, o Plenário do STF voltou a discutir a matéria no
HC nº 72.131/RJ, Red. p/ o acórdão Min. Moreira Alves, DJ 1.8.2003, tendo
como foco a prisão civil do devedor como depositário infiel na alienação
fiduciária em garantia.
Na oportunidade, reafirmou-se o entendimento de que os diplomas
normativos de caráter internacional adentram o ordenamento jurídico
interno no patamar da legislação ordinária e eventuais conflitos
normativos resolvem-se pela regra lex posterior derogat legi priori.
No importante julgamento da medida cautelar na ADI 1.480/DF, Rel.
Min. Celso de Mello, DJ 4.9.1997, o Tribunal concluiu, por maioria, não só
pela submissão dos tratados internacionais à Carta Magna e por sua
paridade com as leis internas, como também assentou que não podem
versar sobre matéria reservada a leis complementares. Lê-se da ementa
do referido julgado, no pertinente:

“(...) PROCEDIMENTO CONSTITUCIONAL DE


INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS OU CONVENÇÕES
INTERNACIONAIS.
– É na Constituição da República – e não na controvérsia
doutrinária que antagoniza monistas e dualistas - que se deve
buscar a solução normativa para a questão da incorporação dos
atos internacionais ao sistema de direito positivo interno
brasileiro.
O exame da vigente Constituição Federal permite

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constatar que a execução dos tratados internacionais e a sua


incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema
adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo,
resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do
Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante
decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos
internacionais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República,
que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional
(CF, art. 84, VIII), também dispõe – enquanto Chefe de Estado
que é - da competência para promulgá-los mediante decreto.
O iter procedimental de incorporação dos tratados
internacionais – superadas as fases prévias da celebração da
convenção internacional, de sua aprovação congressional e da
ratificação pelo Chefe de Estado - conclui-se com a expedição,
pelo Presidente da República, de decreto, de cuja edição
derivam três efeitos básicos que lhe são inerentes: (a) a
promulgação do tratado internacional; (b) a publicação oficial
de seu texto; e (c) a executoriedade do ato internacional, que
passa, então, e somente então, a vincular e a obrigar no plano
do direito positivo interno. Precedentes.
SUBORDINAÇÃO NORMATIVA DOS TRATADOS
INTERNACIONAIS À CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
- No sistema jurídico brasileiro, os tratados ou convenções
internacionais estão hierarquicamente subordinados à
autoridade normativa da Constituição da República. Em
conseqüência, nenhum valor jurídico terão os tratados
internacionais, que, incorporados ao sistema de direito positivo
interno, transgredirem, formal ou materialmente, o texto da
Carta Política.
O exercício do treaty-making power, pelo Estado
brasileiro - não obstante o polêmico art. 46 da Convenção de
Viena sobre o Direito dos Tratados (ainda em curso de
tramitação perante o Congresso Nacional) -, está sujeito à
necessária observância das limitações jurídicas impostas pelo
texto constitucional.
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE

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TRATADOS INTERNACIONAIS NO SISTEMA JURÍDICO


BRASILEIRO.
– O Poder Judiciário – fundado na supremacia da
Constituição da República – dispõe de competência, para, quer
em sede de fiscalização abstrata, quer no âmbito do controle
difuso, efetuar o exame de constitucionalidade dos tratados ou
convenções internacionais já incorporados ao sistema de direito
positivo interno. Doutrina e Jurisprudência.
PARIDADE NORMATIVA ENTRE ATOS
INTERNACIONAIS E NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS
DE DIREITO INTERNO.
– Os tratados ou convenções internacionais, uma vez
regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no
sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de
eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis
ordinárias, havendo, em conseqüência, entre estas e os atos de
direito internacional público, mera relação de paridade
normativa. Precedentes.
No sistema jurídico brasileiro, os atos internacionais não
dispõem de primazia hierárquica sobre as normas de direito
interno. A eventual precedência dos tratados ou convenções
internacionais sobre as regras infraconstitucionais de direito
interno somente se justificará quando a situação de antinomia
com o ordenamento doméstico impuser, para a solução do
conflito, a aplicação alternativa do critério cronológico ("lex
posterior derogat priori") ou, quando cabível, do critério da
especialidade. Precedentes.
TRATADO INTERNACIONAL E RESERVA
CONSTITUCIONAL DE LEI COMPLEMENTAR.
– O primado da Constituição, no sistema jurídico
brasileiro, é oponível ao princípio “pacta sunt servanda”,
inexistindo, por isso mesmo, no direito positivo nacional, o
problema da concorrência entre tratados internacionais e a Lei
Fundamental da República, cuja suprema autoridade normativa
deverá sempre prevalecer sobre os atos de direito internacional
público.

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Os tratados internacionais celebrados pelo Brasil - ou aos


quais o Brasil venha a aderir - não podem, em conseqüência,
versar matéria posta sob reserva constitucional de lei
complementar. É que, em tal situação, a própria Carta Política
subordina o tratamento legislativo de determinado tema ao
exclusivo domínio normativo da lei complementar, que não
pode ser substituída por qualquer outra espécie normativa
infraconstitucional, inclusive pelos atos internacionais já
incorporados ao direito positivo interno (...)”. (ADI-MC 1.480-
3/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 4.9.1997)

No âmbito tributário, este STF concluiu, em julgamento recente, que


é possível a concessão de isenção de tributos estaduais e municipais por
meio de tratados internacionais (RE 229.096/RS, Red. p/ acórdão Min.
Cármen Lúcia, Pleno, DJ 11.4.2008)
Especificamente ao direito tributário, no julgamento da ADI
1.600/DF (Red. p/ acórdão Min. Nelson Jobim, DJ 20.6.2003), o Tribunal já
havia admitido a isenção de ICMS, prevista na Lei Complementar nº
87/96 e nas legislações estaduais posteriores, às empresas estrangeiras de
transporte aéreo internacional, mediante tratados internacionais.
Todavia, o voto condutor da ADI 1.600/DF não teve como
fundamento a prevalência dos tratados internacionais, mas o art. 178 da
Carta Magna, que determina “quanto à ordenação do transporte
internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da
reciprocidade”. Na ocasião, aduziu o Min. Moreira Alves a respeito do
referido art. 98 do CTN:

“Sr. Presidente, o problema aqui é um pouco diferente. O


próprio procurador da Fazenda foi obrigado a lançar mão de
um dispositivo do Código Tributário Nacional [art. 98] que,
evidentemente, é inconstitucional. E hoje foi revogado pela
Constituição. Já teria sido antes, pois é aquele que estabelece
hierarquia de tratado com relação à lei ordinária. Se a
Constituição estabelece que estão no mesmo nível, obviamente
não será um decreto-lei, recebido como lei complementar, que

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iria estabelecer hierarquização de princípio. Tanto que eles não


se valeram do art. 178, porque, nas próprias informações,
devem ter tido dúvidas sérias com relação ao problema
tributário mediante um dispositivo que está na atividade
econômica, o que diz respeito, portanto, ao problema de
ordenação. (...)” (aparte do Min. Moreira Alves no voto do Min.
Nelson Jobim).

Dessa forma, prevalecia a perspectiva de que “o sistema constitucional


brasileiro – que não exige a edição de lei para efeito de incorporação do ato
internacional ao direito interno (visão dualista extremada) – satisfaz-se, para
efeito de executoriedade doméstica dos tratados internacionais, com a adoção de
iter procedimental que compreenda a aprovação congressional e a promulgação
executiva do texto convencional (visão dualista moderada)”, consoante
acentuou o Min. Celso de Mello na supracitada ADIN-MC 1.480/DF.
Recentemente, entretanto, este Supremo Tribunal Federal procedeu,
no tocante aos tratados internacionais de direitos humanos, à revisão
crítica desse entendimento.
Com efeito, impulsionado pela nova redação da Emenda
Constitucional nº 45/2004, o Tribunal, no julgamento do RE 466.343/SP,
Rel. Min. Cezar Peluso, Pleno, DJ 5.6.2009, reviu a orientação em acórdão
assim ementado:
“PRISÃO CIVIL. Depósito. Depositário infiel. Alienação
fiduciária. Decretação da medida coercitiva. Inadmissibilidade
absoluta. Insubsistência da previsão constitucional e das
normas subalternas. Interpretação do art. 5º, inc. LXVII e §§ 1º,
2º e 3º, da CF, à luz do art. 7º, § 7, da Convenção Americana de
Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Recurso
improvido. Julgamento conjunto do RE nº 349.703 e dos HCs nº
87.585 e nº 92.566. É ilícita a prisão civil de depositário infiel,
qualquer que seja a modalidade do depósito”.

Nesse ponto, cumpre transcrever trecho do voto que proferi na


sessão de 22.11.2006, na qual tive a oportunidade de suscitar a referida
atualização da jurisprudência sobre a aplicação dos tratados

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internacionais, em especial quanto aos direitos humanos:

“É preciso ponderar, no entanto, se, no contexto atual, em


que se pode observar a abertura cada vez maior do Estado
constitucional a ordens jurídicas supranacionais de proteção de
direitos humanos, essa jurisprudência não teria se tornado
completamente defasada.
Não se pode perder de vista que, hoje, vivemos em um
‘Estado Constitucional Cooperativo’, identificado pelo
Professor Peter Häberle como aquele que não mais se apresenta
como um Estado Constitucional voltado para si mesmo, mas
que se disponibiliza como referência para os outros Estados
Constitucionais membros de uma comunidade, e no qual ganha
relevo o papel dos direitos humanos e fundamentais1.
Para Häberle, ainda que, numa perspectiva internacional,
muitas vezes a cooperação entre os Estados ocupe o lugar de
mera coordenação e de simples ordenamento para a
coexistência pacífica (ou seja, de mera delimitação dos âmbitos
das soberanias nacionais), no campo do direito constitucional
nacional, tal fenômeno, por si só, pode induzir ao menos a
tendências que apontem para um enfraquecimento dos limites
entre o interno e o externo, gerando uma concepção que faz
prevalecer o direito comunitário sobre o direito interno2.
Nesse contexto, mesmo conscientes de que os motivos que
conduzem à concepção de um Estado Constitucional
Cooperativo são complexos, é preciso reconhecer os aspectos
sociológico-econômico e ideal-moral3 como os mais evidentes. E
no que se refere ao aspecto ideal-moral, não se pode deixar de
considerar a proteção aos direitos humanos como a fórmula
mais concreta de que dispõe o sistema constitucional, a exigir

1 ÄBERLE, Peter. El estado constitucional. Trad. de Hector Fix-Fierro. México:


Universidad Nacional Autónoma de México, 2003. p. 75-77.
2 ÄBERLE, Peter. El estado constitucional. Trad. de Hector Fix-Fierro. México:
Universidad Nacional Autónoma de México, 2003. p. 74.

3 HÄBERLE, Peter. El estado constitucional. Trad. de Hector Fix-


Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2003. p. 68.

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dos atores da vida sócio-política do Estado uma contribuição


positiva para a máxima eficácia das normas das Constituições
modernas que protegem a cooperação internacional amistosa
como princípio vetor das relações entre os Estados Nacionais 4 e
a proteção dos direitos humanos como corolário da própria
garantia da dignidade da pessoa humana.
Na realidade européia, é importante mencionar a abertura
institucional a ordens supranacionais consagrada em diversos
textos constitucionais (cf. v.g. Preâmbulo da Lei Fundamental
de Bonn e art. 24, (I); o art. 11 da Constituição italiana 5; os arts.
8°6 e 167 da Constituição portuguesa; e, por fim, os arts. 9° (2) e

4 HÄBERLE, Peter. El estado constitucional. Tradução de


Hector Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México,
2003. p. 67.
5 art. 11 da Constituição italiana preceitua que a Itália “consente, em condições de
reciprocidade com outros Estados, nas limitações de soberania necessárias a uma ordem
asseguradora da paz e da justiça entre as Nações”.
6 Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da
Constituição, p. 725-727. Dispõe o atual art. 8.º da Constituição da República Portuguesa
(Quarta Revisão/1997): “Art. 8.º (direito internacional). 1. As normas e os princípios de
direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português. 2. As
normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas
vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internamente
o Estado Português. 3. As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações
internacionais de que Portugal seja parte vigoram directamente na ordem interna, desde que
tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos”.
7 O art. 16, nº 1 da Constituição Portuguesa preceitua que: “os direitos fundamentais
consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras
aplicáveis de direito internacional”. Ademais, o art. 16, n° 2 aduz que: "os preceitos
constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e
integrados em harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem.”

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96 (1) da Constituição espanhola8; dentre outros)9.


Ressalte-se, nesse sentido, que há disposições da
Constituição de 1988 que remetem o intérprete para realidades
normativas relativamente diferenciadas em face da concepção
tradicional do direito internacional público. Refiro-me,
especificamente, a quatro disposições que sinalizam para uma
maior abertura constitucional ao direito internacional e, na
visão de alguns, ao direito supranacional.
A primeira cláusula consta do parágrafo único do art. 4º,
que estabelece que a ‘República Federativa do Brasil buscará a
integração econômica, política, social e cultural dos povos da América
Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de
nações’.
Em comentário a este artigo, o saudoso Professor Celso
Bastos ensinava que tal dispositivo constitucional representa
uma clara opção do constituinte pela integração do Brasil em
organismos supranacionais10.
A segunda cláusula é aquela constante do § 2º do art. 5º,
ao estabelecer que os direitos e garantias expressos na
Constituição brasileira ‘não excluem outros decorrentes do regime e
dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que
a República Federativa do Brasil seja parte’.
A terceira e quarta cláusulas foram acrescentadas pela
Emenda Constitucional nº 45, de 8.12.2004, constantes dos §§ 3º
e 4º do art. 5º, que rezam, respectivamente, que ‘os tratados e
convenções internacionais sobre direitos humanos que forem

8 A Constituição espanhola, em seu art. 9 nº 2, afirma que: “As normas relativas aos
direitos fundamentais e às liberdades que a Constituição reconhece se interpretarão de
conformidade com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e os tratados e acordos
internacionais sobre as mesmas matérias ratificadas pela Espanha”. Ademais, no art. 96, n.º
1, dita a regra de que: “os tratados internacionais, logo que publicados oficialmente na
Espanha farão parte da ordem interna espanhola”.
9 Cf. FROWEIN, Jochen Abr. Die Europäisierung des Verfassungsrechts. In: BADURA,
Peter e DREIER, Horst. Festschrift des Bundesverfassungsgerichts. Bd. I, 2001. pp. 209-210.
10 , Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São
Paulo: Saraiva; 1988, p. 466.

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aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois


turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros,
serão equivalentes às emendas constitucionais’, e ‘o Brasil se
submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja
criação tenha manifestado adesão.’
Lembre-se, também, que vários países latino-americanos
já avançaram no sentido de sua inserção em contextos
supranacionais, reservando aos tratados internacionais de
direitos humanos lugar especial no ordenamento jurídico,
algumas vezes concedendo-lhes valor normativo constitucional.
Assim, Paraguai (art. 9o da Constituição)11 e Argentina
(art. 75 inc. 24)12, provavelmente influenciados pela
institucionalização da União Européia, inseriram conceitos de
supranacionalidade em suas Constituições. A Constituição
uruguaia, por sua vez, promulgada em fevereiro de 1967,
inseriu novo inciso em seu artigo 6 o, em 1994, porém mais
tímido que seus vizinhos argentinos e paraguaios, ao prever
que ‘A República procurará a integração social e econômica dos
Estados latino-americanos, especialmente no que se refere à defesa
comum de seus produtos e matérias primas. Assim mesmo,
propenderá a efetiva complementação de seus serviços públicos.’
Esses dados revelam uma tendência contemporânea do
constitucionalismo mundial de prestigiar as normas
internacionais destinadas à proteção do ser humano. Por
conseguinte, a partir desse universo jurídico voltado aos
direitos e garantias fundamentais, as constituições não apenas
apresentam maiores possibilidades de concretização de sua

11 Constituição do Paraguai, de 20.06.1992, artigo 9º: “A República do Paraguai, em


condições de igualdade com outros Estados, admite uma ordem jurídica supranacional que
garanta a vigência dos direitos humanos, da paz, da justiça, da cooperação e do
desenvolvimento político, econômico, social e cultural.”
12 A Constituição da Argentina, no inciso 24 do Artigo 75, estabelece que "Corresponde
ao Congresso: aprovar tratados de integração que deleguem competências e jurisdição a
organizações supraestatais em condições de reciprocidade e igualdade, e que respeitem a
ordem democrática e os direitos humanos. As normas ditadas em sua conseqüência têm
hierarquia superior às leis."

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eficácia normativa, como também somente podem ser


concebidas em uma abordagem que aproxime o Direito
Internacional do Direito Constitucional.
No continente americano, o regime de responsabilidade
do Estado pela violação de tratados internacionais vem
apresentando uma considerável evolução desde a criação da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também
denominada Pacto de San José da Costa Rica, adotada por
conferência interamericana especializada sobre direitos
humanos, em 21 de novembro de 1969.
Entretanto, na prática, a mudança da forma pela qual tais
direitos são tratados pelo Estado brasileiro ainda ocorre de
maneira lenta e gradual. E um dos fatores primordiais desse
fato está no modo como se tem concebido o processo de
incorporação de tratados internacionais de direitos humanos na
ordem jurídica interna.
Tudo indica, portanto, que a jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal, sem sombra de dúvidas, tem de ser revisitada
criticamente”.

Na ocasião, em que foram apreciados em conjunto também o RE


349.703/RS, em que fui redator para o acórdão, Pleno, DJ 5.6.2009, e o HC
87.585/TO, Rel. Min. Marco Aurélio, Pleno, a maioria do Plenário
entendeu que as convenções internacionais de direitos humanos têm
status supralegal, isto é, prevalecem sobre a legislação interna,
submetendo-se apenas à Constituição Federal, contra os votos dos
Ministros Celso de Mello, Cezar Peluso, Ellen Gracie e Eros Grau, que
avançavam ainda mais e reconheciam o status constitucional desses
tratados. O RE 349.703/RS, restou assim ementado, no pertinente:

“PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL EM FACE


DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS
HUMANOS. INTERPRETAÇÃO DA PARTE FINAL DO
INCISO LXVII DO ART. 5O DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA
DE 1988. POSIÇÃO HIERÁRQUICO-NORMATIVA DOS
TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

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NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. Desde a


adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional
dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana
sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art.
7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão
civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses
diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva
lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da
Constituição, porém acima da legislação interna. O status
normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos
humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação
infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou
posterior ao ato de adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do
Código Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n° 911/69, assim como
em relação ao art. 652 do Novo Código Civil (Lei n°
10.406/2002).
(...)
RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E NÃO
PROVIDO”. (RE 349.703/RS, Redator para o acórdão Min.
Gilmar Mendes, Pleno, DJ 5.6.2009)

Dessa forma, não só o fenômeno da substituição de um arcaico


Estado voltado para si por um “Estado Constitucional Cooperativo”,
como identificado pelo Professor Peter Häberle, como o próprio texto da
Carta Magna, sobretudo com as alterações da EC 45/2004, exigem essa
nova interpretação da relação entre direito internacional e normas
infraconstitucionais internas.
No âmbito tributário, a cooperação internacional viabiliza a
expansão das operações transnacionais que impulsionam o
desenvolvimento econômico – como o fluxo recíproco de capitais, bens,
pessoas, tecnologia e serviços –, combate a dupla tributação internacional
e a evasão fiscal internacional, e contribui para o estreitamento das
relações culturais, sociais e políticas entre as nações (cf. BORGES, Antônio
de Moura. Convenções sobre Dupla Tributação Internacional. Teresina:
EDUFPI, 1992. p. 154).

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Daí que tratados das mais diversas matérias contenham cláusulas de


natureza tributária, v.g. acordos de comércio, de formação de zonas
aduaneiras, de regulação de navegação aérea, de emigração, de proteção
de investimentos, de cooperação cultural, científica ou militar, convenções
de imunidades diplomáticas e consulares, de serviço postal e regime das
organizações internacionais e seus empregados etc. (cf. XAVIER, Alberto.
Direito Tributário Internacional do Brasil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
2005. p. 95).
Entretanto, por suas próprias peculiaridades, os tratados
internacionais em matéria tributária tocam em pontos sensíveis da
soberania dos Estados.
De fato, em virtude da crescente restrição sobre (i) a atividade
empresarial; (ii) a receita de senhoriagem por meio da emissão de moeda;
e (iii) a emissão de títulos por parte do Estado, a tributação consolidou-se
como a forma mais importante de financiamento estatal.
A esse respeito, Paul Kirchhof escreveu que o poder de imposição
tributária decorreria não da mera existência do Estado e de suas
necessidades financeiras, mas antes da própria concepção de Estado
liberal, pois “se o Estado garante ao indivíduo a liberdade para sua esfera
profissional ou de propriedade, tolerando as bases e os meios para o
enriquecimento privado, deve negar que o sistema financeiro se baseie na
economia estatal, no planejamento econômico ou, de modo principal, na
expropriação ou na emissão da moeda”.
A isso acrescenta Kirchhof: “Enquanto a Constituição deixa em poder
dos particulares o domínio individual sobre os bens econômicos (...), o Estado só
pode financiar-se por meio da participação no êxito da economia privada”
(KIRCHHOF, Paul. “La Influencia de la Constitucón Alemana em su
Legislación Tributaria”, In: Garantias Constitucionales del Contribuyente,
Tirant lo Blanch, Valencia, 1998, p. 26).
Em regra, os Estados concordam em limitar o exercício de sua
competência originária de tributar, ao disporem e coordenarem sobre seu
poder de impor tributos por meio de tratados internacionais. Isto é, em
geral, os Estados abrem mão, ao menos inicialmente, de receita tributária

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para atingir determinados fins, como o desenvolvimento das atividades


transnacionais.
No caso específico dos tratados para evitar a dupla tributação –
como o acordo internacional em comento –, o Professor Klaus Vogel
ensina, em clássico estudo, que constituem meio pelo qual os Estados-
partes se obrigam reciprocamente a não exigir, no todo ou em parte,
tributos reservados ao outro Estado, criando verdadeira restrição ao
direito tributário interno - Beschränkung des innerstaatlichen Steuerrechts –
(VOGEL, Klaus. “Einleitung” Rz. 70/72 in VOGEL & LEHNER.
Doppelbesteuerungsabkommen. 4ª ed. München: Beck, 2003. p. 137-138).
Assim, tais acordos internacionais demandam um extenso e
cuidadoso processo de negociação, com participação não só de
diplomatas, mas de funcionários das respectivas administrações
tributárias, de modo a conciliar interesses e a concluir instrumento que
atinja os objetivos de cada Estado, com o menor custo possível para sua
respectiva receita tributária.
Essa complexa cooperação internacional é garantida essencialmente
pelo pacta sunt servanda.
No atual contexto cooperativo, o professor Mosche Hirsch,
empregando a célebre Teoria dos Jogos (Game Theory) e o modelo da
Decisão Racional (Rational Choice), destaca que a crescente intensificação
(i) das relações internacionais; (ii) da interdependência entre as nações;
(iii) das alternativas de retaliação; (iv) da celeridade e do acesso a
informações confiáveis, inclusive sobre o cumprimento dos termos dos
tratados; e (v) do retorno dos efeitos negativos (rebounded externalities)
aumenta o impacto do desrespeito aos tratados e privilegia o devido
cumprimento de suas disposições (HIRSCH, Moshe. “Compliance with
International Norms” in The Impact of International Law on International
Cooperation. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 184-188).
Tanto quanto possível, o Estado Constitucional Cooperativo
demanda a manutenção da boa-fé e da segurança dos compromissos
internacionais, ainda que em face da legislação infraconstitucional,
principalmente quanto ao direito tributário, que envolve garantias

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fundamentais dos contribuintes e cujo descumprimento coloca em risco


os benefícios de cooperação cuidadosamente articulada no cenário
internacional.
É precisamente o caso dos autos. Enquanto o acordo com a Suécia,
ao menos em tese, permitiu a entrada de investimentos e de tecnologia –
possivelmente por meio dos próprios contribuintes ora recorrentes –, a
preponderância da legislação interna posterior desestimula o novo
ingresso de capitais externos, gera insegurança dos investidores, dificulta
a negociação de novos tratados não só com a Suécia, mas com todos os
sujeitos de direito internacional, além de oportunizar eventuais
retaliações em outras formas de cooperação.
Importante deixar claro, também, que a tese da legalidade ordinária,
na medida em que permite às entidades federativas internas do Estado
brasileiro o descumprimento unilateral de acordo internacional, vai de
encontro aos princípios internacionais fixados pela Convenção de Viena
sobre o Direito dos Tratados, de 1969, a qual, em seu art. 27, determina
que nenhum Estado pactuante “pode invocar as disposições de seu direito
interno para justificar o inadimplemento de um tratado”.
Ressalte-se que a mencionada convenção, ratificada há pouco tempo
pelo Estado brasileiro (Decreto nº 7.030, de 14 de dezembro de 2009),
codificou princípios já exigidos como costume internacional, como
decidiu a Corte Internacional de Justiça no caso Namíbia [Legal
Consequences for States of the Continued Presence of South Africa in Namibia
(South West Africa) notwithstanding Security Council Resolution 276 (1970),
First Advisory Opinion, ICJ Reports 1971, p. 16, §§ 94-95].
A propósito, defendendo a interpretação da Constituição alemã pela
prevalência do direito internacional sobre as normas infraconstitucionais,
acentua o professor Klaus Vogel:
“(...) de forma crescente, prevalece internacionalmente a
noção de que as leis que contrariam tratados internacionais
devem ser inconstitucionais e, consequentemente, nulas”.
(Zunehmend setzt sich international die Auffassung durch, dass
Gesetze, die gegen völkerrechtliche Verträge verstoβen,
verfassungswidrig und daher nichtig sein sollte) (VOGEL,

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Klaus. “Einleitung” Rz. 204-205 in VOGEL, Klaus & LEHNER,


Moris. Doppelbesteuerungsabkommen. 4ª ed. München: Beck, 2003.
p. 137-138)

Portanto, parece evidente que a possibilidade de afastar a aplicação


de normas internacionais tributárias por meio de legislação ordinária
(treaty override), inclusive no âmbito estadual e municipal, está defasada
com relação às exigências de cooperação, boa-fé e estabilidade do atual
cenário internacional e, sem sombra de dúvidas, precisa ser refutada por
esta Corte.
Como enfatizei no voto do RE 466.343/SP, o texto constitucional
admite a preponderância das normas internacionais sobre normas
infraconstitucionais e claramente remete o intérprete para realidades
normativas diferenciadas em face da concepção tradicional do direito
internacional público.
Referi-me, naquela oportunidade, aos arts. 4º, parágrafo único, e 5º,
parágrafos 2º, 3º e 4º, da Constituição Federal, que sinalizam para uma
maior abertura constitucional ao direito internacional e, na visão de
alguns, ao direito supranacional.
Além desses dispositivos, o entendimento de predomínio dos
tratados internacionais em nenhum aspecto conflita com os arts. 2º, 5º, II,
e § 2º, 49, I, 84, VIII, da Constituição Federal.
Especificamente, os arts. 49, I, e 84, VIII, da Constituição Federal,
repetidos com redação similar desde a Constituição de 1891
(respectivamente arts. 34, 12º; e 48, 16º da CF/1891), não demandam a
paridade entre leis ordinárias e convenções internacionais. Ao contrário,
indicam a existência de normas infraconstitucionais autônomas que não
precisam ser perfiladas a outras espécies de atos normativos internos, ao
dispor:
“Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso
Nacional:
I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos
internacionais que acarretem encargos ou compromissos
gravosos ao patrimônio nacional;

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

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RE 460.320 / PR

(...)
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da
República:
VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais,
sujeitos a referendo do Congresso Nacional;”

Na realidade, os mencionados dispositivos não tratam da mera


incorporação, no plano interno, mas da própria criação das normas
internacionais.
Com efeito, no plano internacional, é essencial que os Estados-partes
tenham a intenção de criar obrigações legais entre elas mediante seu
acordo, daí a imprescindibilidade do consentimento para a norma
internacional. (SHAW, Malcom. International Law. Cambridge: Cambridge
University Press, 2003. p. 812).
No Brasil, o consentimento materializa-se na ratificação pelo
Presidente da República (art. 84, VIII, da CF/1988), precedida pela
aprovação do texto do tratado pelo Congresso Nacional (art. 49, I, da
CF/1988). A propósito, o Min. Francisco Rezek, em trabalho doutrinário,
esclarece:

“30. Pressupostos constitucionais do consentimento:


generalidades. O tema em que ingressamos é de direito interno.
O direito internacional, como ficou visto, oferece a exata
disciplina à representação exterior dos Estados, valorizando
quando por eles falem certos dignatários, em razão de suas
funções. Não versa, porém, aquilo que escapa ao seu domínio,
porque inerente ao sistema de poder consagrado no âmbito de
toda ordem jurídica soberana. Presume-se, em direito das
gentes, que os governantes habilitados, segundo suas regras, á
assunção de compromissos internacionais – todos eles, observe-
se, vinculados ao poder Executivo – procedem na conformidade
da respectiva ordem interna, e só excepcionalmente uma
conduta avessa a essa ordem poderia, no plano internacional,
comprometer a validade do tratado.
Dado que o consentimento convencional se materializa

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sempre num ato de governo – a assinatura, a ratificação, a


adesão -, parece claro que seus pressupostos, ditados pelo
direito interno tenham normalmente a forma da consulta ao
poder Legislativo. Onde o Executivo depende, para
comprometer externamente o Estado, de algo mais que sua
própria vontade, isto vem a ser em regra a aprovação
parlamentar, configurando exceção o modelo suíço onde o
referendo popular precondiciona a conclusão de certos
tratados. O estudo dos pressupostos constitucionais do
consentimento é, assim, fundamentalmente, o estudo da
partilha do treaty-making power entre os dois poderes políticos –
Legislativo e Executivo – em determinada ordem jurídica
estatal”. (REZEK, Francisco. Direito Internacional Público. São
Paulo: Saraiva, 2002. p. 57-58)

Assim, a aprovação pelo Congresso Nacional e a ratificação pelo


Presidente da República constituem regras de importância fundamental
para a validade das normas tanto no plano internacional quanto no plano
interno.
Em outras palavras, a República Federativa do Brasil, como sujeito
de direito público externo, não pode assumir obrigações, nem criar
normas jurídicas internacionais, à revelia da Carta Magna, mas deve
observar suas disposições e requisitos fundamentais para vincular-se em
obrigações de direito internacional.
Destaque-se que a aprovação do texto do tratado e a ratificação pelo
Presidente da República são necessários, porém não suficientes à
existência da norma internacional. Daí que a inaplicabilidade de
disposições previstas em acordo internacional aprovado pelo Congresso
Nacional e ratificado pelo Executivo é possível, tanto no âmbito interno
quanto no internacional, no caso de ausência de ratificação pelo outro
Estado-parte ou de não concretização de alguma outra condição prevista.
Ora, se o texto constitucional dispõe sobre a criação de normas
internacionais e prescinde de sua conversão em espécies normativas
internas – na esteira do entendido no RE 71.154/PR, Rel. Min. Oswaldo
Trigueiro, Pleno, DJ 25.8.1971 – deve o intérprete constitucional

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 38 de 88

RE 460.320 / PR

inevitavelmente concluir: (i) que os tratados internacionais constituem,


por si sós, espécies normativas infraconstitucionais distintas e autônomas,
que não se confundem com as normas federais, tais como decreto-
legislativo, decretos executivos, medidas provisórias, leis ordinárias ou
leis complementares; e (ii) que a Carta Magna não respalda o paradigma
dualista.
Tanto é assim, que o art. 105, III, “a” da Constituição Federal reserva
a possibilidade de interposição de recurso especial contra decisão judicial
que “contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência”. Note-se
que a equiparação entre “tratado” e “lei federal” no mencionado
dispositivo não indica paridade com “lei federal ordinária”, mesmo
porque o termo “lei federal” contempla outras espécies normativas, como
decreto, lei complementar, decreto-legislativo, medida provisória etc.
Na verdade, a equiparação absoluta entre tratados internacionais e
leis ordinárias federais procura enquadrar as normas internacionais em
atos normativos internos, o que não tem qualquer sustentação na
estrutura constitucional. Constitui solução inadequada à complexa
questão da aplicação das normas internacionais, conforme já apontara o
saudoso Min. Philadelpho de Azevedo no julgamento de 11.10.1943
(Apelação Cível 7.872/RS).
Como exposto, o tratado internacional não necessita ser aplicado na
estrutura de lei ordinária ou lei complementar, nem ter status paritário
com qualquer deles, pois tem assento próprio na Carta Magna, com
requisitos materiais e formais peculiares.
Dessa forma, à luz dos atuais elementos de integração e abertura do
Estado à cooperação internacional, tutelados no texto constitucional, o
entendimento que privilegie a boa-fé e a segurança dos pactos
internacionais revela-se mais fiel à Carta Magna.
No mínimo, a Constituição Federal permite que norma geral,
também recebida como lei complementar por regular as limitações
constitucionais ao poder de tributar (art. 146, II e III, da CF/1988), garanta
estabilidade dos tratados internacionais em matéria tributária, em
detrimento de legislação infraconstitucional interna superveniente, a teor

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do art. 98 do CTN, como defende autorizada doutrina (cf. XAVIER,


Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 6ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2005. p. 132; BORGES, Antônio de Moura. Convenções sobre Dupla
Tributação Internacional. Teresina: EDUFPI, 1992. pp. 141/142; MACHADO,
Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 26ª ed. São Paulo: Malheiros,
2005. p.98/99; TÔRRES, Heleno. Pluritributação Internacional sobre as
Rendas de Empresas. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. pp. 578-
582; BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da Isenção Tributária. 3ª ed. São
Paulo: Malheiros, 2007. pp. 290-292; e AMARAL, Antônio Carlos
Rodrigues do. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários ao Código
Tributário Nacional. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006. pp.39/44, entre outros).
Registre-se que, nessa linha, a recepção do art. 98 do CTN pela
Constituição Federal independe da desatualizada classificação em
tratados-contratos (contractual treaties, traités-contrats, rechtgeschäftlichen
Verträge) e tratados-leis (law-making treaties, traités-lois, rechtsetzende
Verträge), que, aliás, tem perdido prestígio na doutrina especializada (cf.
REZEK, Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2002.
p. 28-29; SHAW, Malcom. International Law. Cambridge: Cambridge
University Press, 2003. p. 812; VERDROSS & SIMMA. Universelles
Völkerrecht. Berlin: Duncker und Humblot, 1984. p. 339; HERDEGEN,
Matthias. Völkerrecht. 4ª ed. München: Beck, 2005. pp. 112-113).
Além disso, ressalte-se que, por sua própria natureza
constitucionalmente estabelecida, os tratados internacionais não se
sujeitam aos limites formais e materiais das demais normas
infraconstitucionais, ainda que federais. Por esse motivo, o Plenário, em
decisão unânime, reconheceu a possibilidade de tratados internacionais
conferirem isenção a tributos estaduais e municipais, na sessão de
16.8.2007 (RE 229.096/RS, Red. p/ acórdão Min. Cármen Lúcia, Pleno, DJ
11.4.2008 ).
De fato, não é razoável limitar a atuação do sujeito de direito público
externo em função de restrições impostas à União, como entidade de
direito público interno, consoante já haviam reconhecido os Ministros
Nelson Jobim e Celso de Mello na ADI 1.600/DF, Pleno, DJ 20.6.2003.

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Igualmente, não se justifica a restrição da cooperação internacional


pela República Federativa do Brasil, resguardada no art. 4º, IX, da Carta
Magna, em razão de regramentos típicos do âmbito interno, aplicados
analogicamente, como reservas de iniciativa, distribuição de
competências internas, ritos e procedimentos legislativos.
Os acordos internacionais, de forma geral e na medida em que
atendidos seus específicos requisitos constitucionais, respeitam, a
princípio, a separação de Poderes, a autonomia dos entes federativos e o
princípio da legalidade. Na espécie, inexiste qualquer elemento concreto
que enseje violação aos arts. 2º, 5º, II e § 2º, da Constituição Federal, seja
por parte do acordo contra a bitributação entre Brasil e Suécia, seja por
parte do entendimento esposado pelo acórdão do STJ.
Relativamente à alegada ofensa ao art. 150, II, da Constituição
Federal, sustenta-se que o aresto atacado aplicou, inadequadamente,
tratamento equivalente aos contribuintes residentes e domiciliados no
Brasil e àqueles residentes e domiciliados na Suécia, com fundamento no
art. 24 da Convenção Internacional para Evitar Bi-Tributação, firmada entre
os dois países.
Na ocasião, asseverou o voto do Min. José Delgado:

“A seguir, há o princípio da não-discriminação nas


convenções internacionais e a sua aplicação a partir do acordo
Brasil e Suécia, princípio a que já me referi, embora não com a
profundidade que o assunto exige. A sua mensagem é muito
clara. Se adotamos, na ordem interna, o princípio da não-
discriminação tributária, com mais razão temos que adotá-lo na
ordem internacional, sob pena de estarmos na contramão da
história, não valorizando as chamadas relações internacionais e
a melhor convivência entre os países.
A respeito do tratado específico Brasil e Suécia, devemos
observar que o princípio da não-discriminação é uma evidência
larga ao homenagear, no art. 24, todos os princípios aqui postos,
até para facilitar as relações internacionais/comerciais, favorecer
a atração do capital estrangeiro para o País e permitir o seu
regulamento de forma que beneficie o desenvolvimento

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nacional”. (fls. 302-303)

Nesse mesmo sentido, os Ministros Francisco Falcão e Denise


Arruda assentaram, em seus votos vencedores, respectivamente, que “os
termos do tratado em comento são claros em estabelecer regras de isonomia
tributária entre os signatários” (fl. 307) e “o que foi consignado [no art. 24 da
convenção internacional] foi a vedação de tratamento não-isonômico entre sócios,
bem como entre empresas, levando em consideração apenas a nacionalidade ou a
residência ou domicílio das pessoas físicas” (fl. 336).
Não obstante a sutil distinção entre os institutos na doutrina
internacional (cf. RUST, Alexander “Art. 24” Rz. 2/4 in VOGEL &
LEHNER. Doppelbesteuerungsabkommen. 4ª ed. München: Beck, 2003. p.
1817-1818), a vedação à discriminação (Diskriminierungsverbote) de
contribuintes estrangeiros não se confunde com a isonomia tributária
(steuerliche Gleichbehandlung).
Por meio da vedação à discriminação, prevista no tratado
internacional em comento, os estados pactuantes acordam não conferir
tratamento desvantajoso aos súditos do outro Estado-parte, em função
dos critérios de conexão (cf. TÔRRES, Heleno. Pluritributação Internacional
sobre as Rendas de Empresas. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
p. 95 e ss.) e das hipóteses de incidência tributária previstas em cada
Estado Parte.
Com efeito, a vedação à discriminação, ao contrário da isonomia
tributária, impede apenas o tratamento desvantajoso (Benachteiligung) do
estrangeiro, não aquele mais benéfico (Bevorzugung). Em outras palavras,
a vedação à discriminação protege os súditos dos Estados pactuantes
contra as desvantagens, sem impedir eventual tratamento mais vantajoso
(RUST, Alexander “Art. 24” Rz. 2/4 in VOGEL & LEHNER.
Doppelbesteuerungsabkommen. 4ª ed. München: Beck, 2003. p. 1817-1818).
Assim, o tratamento tributário equivalente a sócios provenientes da
Suécia e do Brasil atende ao princípio da isonomia tributária, mormente
considerando-se a reciprocidade entre as administrações tributárias de
cada país signatário da convenção internacional em apreço.
No entanto, o acórdão recorrido foi além e tornou equivalentes

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situações incomparáveis, isto é, misturou critérios distintos como a


residência e a nacionalidade.
De fato, o elemento de conexão predominante no art. 24 da
Convenção Brasil-Suécia, e geralmente tutelado na vedação à
discriminação prevista em todos os tratados contra a bitributação da
renda, é a nacionalidade.
Dispõe o art. 24 da Convenção entre o Brasil e a Suécia para evitar a
Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre a Renda:

“1. Os nacionais de um estado contratante não ficarão


sujeitos no outro estado contratante a nenhuma tributação ou
obrigação correspondente, diferente ou mais onerosa do que
aquelas a que estiverem sujeitos os nacionais desse outro estado
que se encontrem na mesma situação.
2. O termo 'nacionais' designa:
a) todas as pessoas físicas que possuam a nacionalidade de
um estado contratante;
b) todas as pessoas jurídicas, sociedades de pessoas e
associações constituídas de acordo com a legislação em vigor
num estado contratante.
3. A tributação de um estabelecimento permanente que
uma empresa de um estado contratante possuir no outro estado
contratante não será menos favorável do que as das empresas
desse outro estado contratante que exerçam a mesma atividade.
Esta disposição não poderá ser interpretada no sentido de
obrigar um estado contratante a conceder às pessoas residentes
do outro estado contratante as deduções pessoais, os
abatimentos e reduções de impostos em função do estado civil
ou encargos familiares concedidos aos seus próprios residentes.
4. As empresas de um estado contratante cujo capital
pertencer ou for controlado, total ou parcialmente, direta ou
indiretamente, por uma ou várias pessoas residentes do outro
estado contratante, não ficarão sujeitas, no primeiro estado, a
nenhuma tributação ou obrigação correspondente diversa ou
mais onerosa do que aquelas a que estiverem ou puderem estar
sujeitas as outras empresas da mesma natureza desse primeiro

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 43 de 88

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estado.
5. No presente artigo, o termo 'tributação' designa os
impostos de qualquer natureza ou denominação“. (destacamos)

De outra sorte, o dispositivo da lei interna posterior cuida de outro


elemento de conexão, a residência. Com efeito, o art. 77 da Lei n. 8.383, de
30 de dezembro de 1991, impõe a alíquota de 15% no imposto de renda na
fonte incidente sobre lucros e dividendos de residentes ou domiciliados
no exterior, na forma do art. 97 do Decreto-Lei n. 5.844, de 23.9.1943, com
redação dada pela Lei 154/1947, que assim determina:

“Art. 97. Sofrerão o desconto do imposto à razão de 15% os


rendimentos percebidos.
a) pelas pessoas físicas ou jurídicas residentes ou
domiciliadas no estrangeiro;
b) pelos residentes no país que estiverem ausentes no
exterior por mais de doze meses, salvo os referidos no art. 73;
c) pelos residentes no estrangeiro que permaneceram no
território nacional por menos de doze meses“.

Assim, enquanto os residentes no Brasil foram isentos de imposto de


renda na fonte por lucros e dividendos apurados em 1993 (art. 75 da Lei
n. 8.383/1991), os residentes no exterior tiveram que pagar alíquota de
15% (art. 75 da Lei n. 8.383/1991), independentemente da nacionalidade
do contribuinte.
Em outras palavras, a legislação brasileira assegurou ao súdito sueco
a isenção, desde que tivesse residência no Brasil. Por outro lado, a
mencionada norma exigiu do brasileiro residente no Reino da Suécia, ou
em qualquer outro lugar do exterior, a alíquota de 15% no imposto de
renda retido na fonte dos lucros e dividendos distribuídos por empresas
brasileiras.
Ressalte-se que, atualmente, tanto os residentes, como os não
residentes estão isentos do imposto de renda retido na fonte quanto aos
redimentos provenientes de dividendos ou lucros distribuídos por

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pessoas jurídicas tributadas no Brasil (art. 10, Lei n. 9.249/1995).


No caso, repita-se, o acórdão recorrido confundiu indevidamente o
critério de conexão nacionalidade com o critério de conexão residência,
uma vez que estendeu a todos os súditos suecos residentes no exterior
benefícios fiscais apenas concedidos aos residentes no Brasil.
Isto é, o aresto atacado assegurou ao nacional sueco a isenção do
referido tributo tanto aos residentes quanto aos não residentes, ainda que
os brasileiros não residentes não gozassem do benefício fiscal.
Logo, a interpretação conferida pelo acórdão recorrido ao art. 24 da
Convenção Internacional em comento – além de contrária à expressa
disposição literal do tratado internacional – é flagrantemente ofensiva ao
art. 150, II, da Carta Magna, porque torna equivalentes situações
claramente distintas, não em razão da nacionalidade, repita-se, mas da
residência.
Dessa forma, conclui-se que, na espécie: (i) não houve violação à
reserva de plenário prevista no art. 97 da Constituição Federal; (ii) o art.
98 do CTN foi recepcionado pela Constituição Federal e sua subsunção,
na espécie, não ofende aos arts. 2º, 5º, II e § 2º, 49, I, 84, VIII, da
Constituição Federal; mas (iii) a extensão da isenção concedida pelo STJ
ofendeu o art. 150, II, da Carta Magna, por estender aos súditos suecos
tratamento que não era concedido aos nacionais brasileiros.
Portanto, o recurso extraordinário da União Federal deve ser
provido, para afastar a concessão da isenção de imposto de renda retido
na fonte para os não residentes conferida pelo acórdão recorrido e julgar
improcedente a presente ação declaratória, restando prejudicado o apelo
extremo da VOLVO DO BRASIL VEÍCULOS LTDA. e OUTROS.
É como voto.

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Vista

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31/08/2011 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 460.320 P ARANÁ

RELATOR : MIN. GILMAR MENDES


REDATOR DO : MIN. DIAS TOFFOLI
ACÓRDÃO
RECTE.(S) : VOLVO DO BRASIL VEÍCULOS LTDA E
OUTRO(A/S)
ADV.(A/S) : BEATRIZ DONAIRE DE MELLO E OLIVEIRA E
OUTRO(A/S)
RECTE.(S) : UNIÃO
ADV.(A/S) : PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL
RECDO.(A/S) : OS MESMOS

VISTA

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:


Senhor Presidente, inicio por parabenizar o eminente Ministro
Gilmar Mendes pelo brilhante voto, que realmente trouxe um panorama
da questão relativa aos tratados. Como ocorreu num outro caso análogo a
este, o Recurso Extraordinário nº 450.239/PR, decidi no sentido de as
normas serem infraconstitucionais. No entanto, ante o brilhantíssimo voto
trazido pelo eminente Relator, peço vista para refletir sobre o tema.

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Supremo Tribunal Federal
Extrato de Ata - 31/08/2011

Inteiro Teor do Acórdão - Página 46 de 88

PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 460.320


PROCED. : PARANÁ
RELATOR : MIN. GILMAR MENDES
RECTE.(S) : VOLVO DO BRASIL VEÍCULOS LTDA
ADV.(A/S) : BEATRIZ DONAIRE DE MELLO E OLIVEIRA E OUTRO(A/S)
RECTE.(S) : UNIÃO
ADV.(A/S) : PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL
RECDO.(A/S) : OS MESMOS

Decisão: Após o voto do Senhor Ministro Gilmar Mendes


(Relator), que dava provimento ao recurso da União, para julgar
improcedente a ação, prejudicado o recurso das autoras, pediu
vista dos autos o Senhor Ministro Dias Toffoli. Impedido o Senhor
Ministro Luiz Fux. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro
Joaquim Barbosa. Falaram, pelas recorrentes, o Dr. Carlos Eduardo
Caputo Bastos e, pela União, a Dra. Cláudia Aparecida de Souza
Trindade, Procuradora da Fazenda Nacional. Presidência do Senhor
Ministro Cezar Peluso. Plenário, 31.08.2011.

Presidência do Senhor Ministro Cezar Peluso. Presentes à


sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar
Mendes, Ayres Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias
Toffoli e Luiz Fux.

Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel


Santos.

p/Luiz Tomimatsu
Secretário

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Voto Vista

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05/08/2020 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 460.320 P ARANÁ

VOTO - VISTA

O Senhor Ministro Dias Toffoli:


Os autores da ação pleitearam, na origem, que fosse reconhecida a
inexistência de relação jurídica que obrigasse Volvo do Brasil Veículos
Ltda. e Comércio e Participação Volvo Ltda. ao recolhimento e a Volvo
Lastvagnar AB ao pagamento do imposto de renda na fonte sobre os
dividendos distribuídos por fonte localizada no Brasil (competência do
ano-base de 1993), tendo em vista a Convenção para evitar a Dupla
Tributação em Matéria de Impostos sobre a Renda Brasil-Suécia
(doravante, convenção), promulgada por meio do Decreto nº 77.053/76.
Na primeira instância, o pedido foi julgado improcedente. A
apelação interposta pelos autores não foi provida. Em face do acórdão do
Tribunal Regional Federal da 4ª Região, eles interpuseram recurso
extraordinário e recurso especial, tendo sido o último provido, nos
termos da seguinte ementa:

“TRIBUTÁRIO. REGIME INTERNACIONAL. DUPLA


TRIBUTAÇÃO. IRRPF. IMPEDIMENTO. ACORDO GATT.
BRASIL E SUÉCIA. DIVIDENDOS ENVIADOS A SÓCIO
RESIDENTE NO EXTERIOR. ARTS. 98 DO CTN, 2º DA LEI
4.131⁄62, 3º DO GATT.
- Os direitos fundamentais globalizados, atualmente, estão
sempre no caminho do impedimento da dupla tributação. Esta
vem sendo condenada por princípios que estão acima até da
própria norma constitucional.
- O Brasil adota para o capital estrangeiro um regime de
equiparação de tratamento (art. 2º da Lei 4131⁄62, recepcionado
pelo art. 172 da CF), legalmente reconhecido no art. 150, II, da
CF, que, embora se dirija, de modo explícito, à ordem interna,
também é dirigido às relações externas.
- O art. 98 do CTN permite a distinção entre os chamados
tratados-contratos e os tratados-leis. Toda a construção a

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respeito da prevalência da norma interna com o poder de


revogar os tratados, equiparando-os à legislação ordinária, foi
feita tendo em vista os designados tratados, contratos, e não os
tratados-leis.
- Sendo o princípio da não-discriminação tributária
adotado na ordem interna, deve ser adotado também na ordem
internacional, sob pena de desvalorizarmos as relações
internacionais e a melhor convivência entre os países.
- Supremacia do princípio da não-discriminação do
regime internacional tributário e do art. 3º do GATT.
- Recurso especial provido.”

Contra o acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a União


interpôs apelo extremo.
De acordo com o Relator, Ministro Gilmar Mendes,

“(...) o recurso extraordinário da União Federal deve ser


provido, para afastar a concessão da isenção de imposto de
renda retido na fonte para os não residentes conferida pelo
acórdão recorrido e julgar improcedente a presente ação
declaratória, restando prejudicado o apelo extremo da Volvo do
Brasil Veículos Ltda. e outros”.

Pedi vista dos autos para refletir sobre o tema.


Com a devida vênia, entendo que, para se prover o recurso
extraordinário da União, seria necessário reexaminar o caso à luz da
própria convenção, do Código Tributário Nacional e da legislação
ordinária de regência, o que não é admitido em sede de recurso
extraordinário. Ressalte-se, a propósito, que tal convenção não equivale a
uma emenda constitucional, por não se enquadrar na hipótese do § 3º do
art. 5º da Constituição Federal.
Vejamos.
No STJ, os ministros discutiram a respeito de qual norma seria
aplicável ao caso, isto é, se seria a do art. 10 ou a do art. 24 da convenção,
tendo presentes o sentido e o alcance de cada um desses dispositivos.

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Transcrevo o teor dos artigos nas partes que interessam:

“Artigo 10
Dividendos
1. Os dividendos pagos por uma sociedade residente por
um Estado Contratante a um residente do outro Estado
Contratante são tributáveis nesse outro Estado.
2. Todavia, esses dividendos podem ser tributados no
Estado Contratante onde reside a sociedade que os paga, e de
acordo com a legislação desse estado, mas o imposto assim
estabelecido não poderá exercer:
a) 15 por cento no montante bruto dos dividendos se o
beneficiário for uma sociedade (excluindo-se as sociedades de
pessoas);
b) 25 por cento no montante bruto dos dividendos em
todos os demais casos. (...)” (grifo nosso).

“Artigo 24
Não Discriminação
1. Os nacionais de um Estado Contratante não ficarão
sujeitos no outro Estado Contratante a nenhuma tributação ou
obrigação correspondente, diferente ou mais onerosa do que
aquelas a que estiverem sujeitos os nacionais desse outro
Estado que se encontrem na mesma situação.
2. O termo ‘nacionais’ designa:
a) todas as pessoas físicas que possuam a nacionalidade de
um Estado Contratante;
b) todas as pessoas jurídicas, sociedades de pessoas e
associações constituídas de acordo com a legislação em vigor
num Estado Contratante. (...)” (grifo nosso).

Para o Saudoso Ministro Teori Zavascki, o art. 10 deteria caráter


especial e regeria o caso em tela. Segundo Sua Excelência, esse dispositivo
permitiria ao estado contratante onde reside a sociedade que paga
dividendos a um residente do outro estado tributá-los em até 15% do
montante bruto, no caso de o beneficiário ser sociedade (excluindo-se as

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de pessoas). Ademais, em seu modo de ver, a legislação interna não iria


de encontro a isso. Nesse sentido, Sua Excelência citou os arts. 77 da Lei
nº 8.383/91 e 97 do Decreto-lei nº 5.844/43:

Lei nº 8.383/91:
“Art. 77. A partir de 1° de janeiro de 1993, a alíquota do
imposto de renda incidente na fonte sobre lucros e dividendos
de que trata o art. 97 do Decreto-Lei n° 5.844, de 23 de setembro
de 1943, com as modificações posteriormente introduzidas,
passará a ser de quinze por cento”.

Decreto-lei nº 5.844/43:
“Art. 97. Sofrerão o desconto do impôsto à razão de 15% os
rendimentos percebidos. (Redação dada pela Lei nº 154, de
1947)
a) pelas pessoas físicas ou jurídicas residentes ou
domiciliadas no estrangeiro; (Vide Lei nº 154, de 1947)
b) pelos residentes no país que estiverem ausentes no
exterior por mais de doze meses, salvo os referidos no art. 73;
c) pelos residentes no estrangeiro que permaneceram no
território nacional por menos de doze meses.”

Já para o Ministro José Delgado, Relator designado para o acórdão,


o art. 24 da convenção é que seria aplicável à espécie. Segundo Sua
Excelência, esse dispositivo teria por objetivo vedar a dupla tributação,
não sendo possível fazer-se, assim, distinção entre nacional e residente. O
Relator ainda destacou em seu voto que a tese de que a legislação
infraconstitucional revoga as convenções e os tratados internacionais não
seria aplicável à hipótese.
A Ministra Denise Arruda, por sua vez, sustentou que o art. 24 da
convenção teria buscado assegurar a mesma tributação entre nacionais e
não nacionais. Segundo a óptica de Sua Excelência, convencionou-se a
isonomia tributária entre os sócios de diferentes nacionalidades.
Ou seja, para se dar provimento ao recurso extraordinário da União,

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seria necessário, em primeiro lugar, saber se o art. 24 teria, ou não, a


amplitude dada pelo Superior Tribunal de Justiça a partir da análise da
legislação ordinária interna e do próprio tratado.
Destaco que, no RE nº 450.239/PR, DJe de 4/8/10, examinei caso
análogo, concluindo pela natureza infraconstitucional da discussão.
Naquela ocasião, aliás, o recorrente impugnava acórdão assim ementado
na parte que interessa:

“IMPOSTO DE RENDA. REMESSA DE JUROS AO


EXTERIOR. CONVENÇÃO INTERNACIONAL ENTRE
BRASIL E JAPÃO. CONTRATO COM FILIAL SEDIADA NO
PANAMÁ. BITRIBUTAÇÃO.”

Nesse precedente, ainda citei o seguinte julgado sobre o assunto,


proferido pela Ministra Cármen Lúcia no AI nº 785.255/SP, que restou
assim ementado por Sua Excelência:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO


DE RENDA PESSOA JURÍDICA - IRPJ. REMESSA DE JUROS
PARA O EXTERIOR. BENEFÍCIO PECUNIÁRIO.
NECESSIDADE DA ANÁLISE PRÉVIA DE LEGISLAÇÃO
INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA CONSTITUCIONAL
INDIRETA. AGRAVO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO”
(AI nº 785.255/SP, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de
11/3/10).

Corroborando o entendimento acerca da natureza


infraconstitucional da controvérsia, também destaco o seguinte julgado,
de relatoria do Ministro Luiz Fux:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO.


TRATADO INTERNACIONAL. REPÚBLICA FEDERATIVA DO
BRASIL E REPÚBLICA DA CORÉIA. PRINCÍPIO DA
RECIPROCIDADE. ISENÇÃO DE CPMF NÃO PREVISTA NO
ROL DO ACORDO INTERNACIONAL. ANÁLISE DE

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LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA


DO STJ PARA O JULGAMENTO DA MATÉRIA. INCIDÊNCIA
DO ENUNCIADO 283, DA SÚMULA DO STF.
1. A violação constitucional dependente da análise de
malferimento de dispositivo infraconstitucional encerra
violação reflexa e oblíqua, tornando inadmissível o recurso
extraordinário. Nesse sentido: RE 596.682 Rel. Min. Carlos
Britto, DJe de 21/10/10, e AI 808.361, Rel. Min. Marco Aurélio,
DJe de 08/09/10, entre outros.
2. In casu, a discussão cinge-se à abrangência e
interpretação do Tratado Internacional celebrado entre a
República Federativa do Brasil e a República da Coréia,
recepcionado no ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto
354/91, no que tange à isenção de impostos com base na
aplicação do princípio da reciprocidade, previsto no artigo 178
da Constituição Federal.
3. É inadmissível o recurso extraordinário, quando a
decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente
e o recurso não abrange todos eles (Enunciado 283, da Súmula
do STF).
4. Agravo de instrumento a que se nega seguimento” (AI
nº 740.321/SP, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 5/3/12).

Ainda na mesma direção vai o seguinte julgado: ARE nº 955.262/RJ,


Relator o Ministro Roberto Barroso, DJe de 30/6/16.
No tocante ao recurso extraordinário interposto pela Volvo do Brasil
Veículos Ltda. e outros, julgo ele prejudicado, tendo em vista o
provimento do recurso especial manejado pelos autores.
Ante o exposto, nego seguimento ao recurso extraordinário.

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05/08/2020 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 460.320 P ARANÁ

RELATOR : MIN. GILMAR MENDES


REDATOR DO : MIN. DIAS TOFFOLI
ACÓRDÃO
RECTE.(S) : VOLVO DO BRASIL VEÍCULOS LTDA E
OUTRO(A/S)
ADV.(A/S) : BEATRIZ DONAIRE DE MELLO E OLIVEIRA E
OUTRO(A/S)
RECTE.(S) : UNIÃO
ADV.(A/S) : PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL
RECDO.(A/S) : OS MESMOS

VOTO

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES: Na origem, VOLVO


DO BRASIL VEÍCULOS LTDA., COMÉRCIO E PARTICIPAÇÃO VOLVO
LTDA e VOLVO LASTVAGNAR AB ajuizaram ação contra a UNIÃO,
pleiteando a declaração de inexistência de relação jurídica quanto ao
recolhimento, pelas duas primeiras autoras (empresas brasileiras), e ao
pagamento, pela terceira (empresa sueca), do imposto de renda retido na
fonte relativo aos dividendos distribuídos no ano-base de 1993, pelas
firmas brasileiras à estrangeira.

No período em questão, o art. 756 do Decreto 1.041/1994


(Regulamento do Imposto de Renda de 1994 -RIR/1994) previa a alíquota
de 15% sobre os lucros ou dividendos distribuídos em benefício de pessoa
física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior.

Tal Decreto regulamentava o art. 77 da Lei 8.383/1991, que dispõe:

“Art. 77. A partir de 1° de janeiro de 1993, a alíquota do


imposto de renda incidente na fonte sobre lucros e dividendos
de que trata o art. 97 do Decreto-Lei n° 5.844, de 23 de setembro

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RE 460320 / PR

de 1943, com as modificações posteriormente introduzidas,


passará a ser de quinze por cento. “

Todavia, sobre os mesmos rendimentos (lucros ou dividendos), não


incidia a tributação quando fossem distribuídos a beneficiários residentes
ou domiciliados no Brasil, conforme a disposição do art. 75 da Lei
8.383/1991:

“Art. 75. Sobre os lucros apurados a partir de 1° de janeiro


de 1993 não incidirá o imposto de renda na fonte sobre o lucro
líquido, de que trata o art. 35 da Lei n° 7.713, de 1988,
permanecendo em vigor a não-incidência do imposto sobre o
que for distribuído a pessoas físicas ou jurídicas, residentes ou
domiciliadas no País. “

Em razão dessas disposições normativas, as empresas alegavam


violação ao princípio constitucional da isonomia tributária, pois conferia-
se tratamento diferenciado a contribuintes que estavam em situação
equivalente, desrespeitando-se também a “Convenção para evitar a dupla
tributação sobre a renda entre Brasil e Suécia", internalizada pelo Decreto
77.053/1976.

Para tanto, sustentaram o seguinte:

a) o tratamento diferenciado a contribuintes que estão em situação


equivalente fere o princípio da isonomia, preceito esse que foi consagrado
na convenção celebrada entre o Brasil e a Suécia, promulgada pelo
Decreto 77.053/1976 (Convenção para evitar a dupla tributação sobre a
renda entre Brasil e Suécia); e

b) lei posterior não pode revogar disposições contidas em tratados e


convenções internacionais, conforme dispõe o art. 98 do CTN e o art.
1.028 do Regulamento do Imposto sobre a Renda de 1994 (RIR/94).

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RE 460320 / PR

Ao fim, insurgiram-se contra a decisão administrativa da Receita


Federal que entendeu pela incidência da exação, e requereram ao Juízo da
primeira instância autorização para efetivarem o depósito para suspensão
do crédito tributário.
Ato contínuo, a sentença deferiu o depósito, contudo julgou
improcedente o pedido inicial, aos fundamentos de que (fls. 128-135, Vol.
2):

(a) o requisito territorial eleito pela lei é razoável para condicionar a


incidência do imposto de renda, haja vista que o critério é a residência ou
o domicílio do sujeito passivo, independentemente de sua nacionalidade.
Assim, tanto o brasileiro como o sueco, residentes e domiciliados na
Suécia estarão sujeitos à mesma carga tributária pelo recebimento de
lucros e dividendos de empresas localizadas no Brasil;

(b) o Estado pode se valer da função extrafiscal dos tributos para


intervir na economia, mormente para evitar a remessa nociva de divisas
para o exterior;

(c) o Superior Tribunal de Justiça sufragou o entendimento de que


apenas os atos internacionais de natureza contratual são infensos aos
efeitos revogatórios de legislação posterior; disso decorre que as normas
oriundas de tratados normativos anteriores à Lei 8.383/1991, e com ela
conflitantes, foram revogadas; e

(d) o Decreto 77.053/1976 dispõe acerca do imposto de renda das


empresas; a Lei 8.383/1991 cuida da incidência desse tributo sobre lucros
e dividendos recebidos das empresas. Por isso, não se afigura qualquer
discriminação entre as empresas com base na constituição de seu capital.

(i) Processamento e Julgamento do Processo no Tribunal Regional


Federal da 4ª Região

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Interposta apelação, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou


provimento ao recurso, ao entendimento de que, conquanto a
“Convenção para evitar a dupla tributação sobre a renda entre Brasil e
Suécia", promulgada pelo Decreto 77.053/1976, tenha assegurado
tratamento não discriminatório, tal acordo foi revogado pela legislação
subsequente (Lei 8.383/1981, regulamentada pelo Decreto 1.041/1994 -
Regulamento do Imposto de Renda - RIR/94), que isentou de imposto de
renda na fonte apenas os lucros recebidos por sócios residentes e
domiciliados no Brasil.

Aduziu não vislumbrar violação ao princípio da isonomia, pois


inexistente relação de similitude entre os sócios residentes e domiciliados
em território estrangeiro e os que residem e tem domicílio no Brasil.
Ademais, pontuou que o tratamento tributário isonômico não consta
do rol de direitos fundamentais assegurado pelo Estado brasileiro aos
estrangeiros, sobretudo, como na espécie, em que o alienígena sequer
reside no País.
O acórdão recorrido recebeu a seguinte ementa (fl. 14, Vol. 3):

“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. PESSOA


JURÍDICA DOMICILIADA NO EXTERIOR. DISTRIBUIÇÃO
DE LUCROS. RETENÇÃO NA FONTE. PRETENSÃO DE
TRATAMENTO IDÊNTICO AOS CONTRIBUINTES
NACIONAIS. INVIABILIDADE.
1. Considerando que, no ordenamento jurídico brasileiro,
inexiste superioridade hierárquica dos tratados e convenções
internacionais em relação à Lei Ordinária, válida a exigência do
Imposto de Renda na fonte, relativamente ao sócio residente no
exterior, tendo em vista a expressa previsão na legislação
posterior à Convenção Internacional entre Brasil e Suécia para
evitar dupla tributação sobre a renda (Decreto 77.053/76).
2. Não vislumbrada a violação ao princípio constitucional
da isonomia tributária, pois inexiste relação de similitude entre
o sócio, residente e domiciliado em território estrangeiro, súdito
do Reino da Suécia e o sócio residente e domiciliado no Brasil.

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3. Apelação improvida”.

Opostos embargos de declaração pelas empresas, foram desprovidos


(fl. 42, Vol. 3).

Irresignadas, a VOLVO DO BRASIL VEÍCULOS LTDA.,


COMÉRCIO E PARTICIPAÇÃO VOLVO LTDA., e VOLVO
LASTVAGNAR AB interpuseram Recurso Especial (fls. 47-76, Vol. 3) e
Recurso Extraordinário (fls. 77-105, Vol. 3).

No apelo extremo, alegam violação aos arts. 4º; 5º, § 2º, e 150, II, da
Carta Magna, ao argumento de que o artigo 77 da Lei 8.383/1991,
promoveu discriminação entre os sócios brasileiros e suecos em virtude
do local de sua residência ou domicílio.
Postulam o provimento do recurso, a fim de que UNIÃO, em
respeito à garantia individual prevista pela Constituição, bem como por
força da convenção internacional celebrada entre Brasil e Suécia (Decreto
77.053/1976), abstenha-se de praticar quaisquer atos que impliquem a
cobrança do Imposto de Renda Retido na Fonte sobre o valor dos
dividendos distribuídos por fonte localizada no Brasil, na competência do
ano-base de 1993, conforme previsto no supracitado dispositivo legal,
(fls. 77-105, Vol. 3).

A UNIÃO juntou contrarrazões ao recurso especial (fls. 113-117, Vol.


3) e apelo extremo (fls. 118-121, Vol. 3) .

Ambos os apelos foram admitidos pelo Tribunal Regional Federal da


4ª Região (fls. 122-123; e 124-125, Vol. 3), com a subsequente remessa dos
autos ao Superior Tribunal de Justiça.

(ii) Processamento e Julgamento do Processo no Superior Tribunal


de Justiça

Recebidos os autos no STJ, a Primeira Turma do STJ, por maioria,

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vencidos o Min. Relator, TEORI ZAVASCKI, e o Min. LUIX FUX, deu


provimento ao recurso especial das empresas (fl. 20, Vol. 4). O acórdão foi
assim ementado (fl. 158, Vol. 3):

“TRIBUTÁRIO. REGIME INTERNACIONAL. DUPLA


TRIBUTAÇÃO. IRRPF. IMPEDIMENTO. ACORDO GATT.
BRASIL E SUÉCIA. DIVIDENDOS ENVIADOS A SÓCIO
RESIDENTE NO EXTERIOR. ARTS. 98 DO CTN, 2º DA LEI
4.131/62, 3º DO GATT.
- Os direitos fundamentais globalizados, atualmente, estão
sempre no caminho do impedimento da dupla tributação. Esta
vem sendo condenada por princípios que estão acima até da
própria norma constitucional.
- O Brasil adota para o capital estrangeiro um regime de
equiparação de tratamento (art. 2º da Lei 4131/62, recepcionado
pelo art. 172 da CF), legalmente reconhecido no art. 150, II, da
CF, que, embora se dirija, de modo explícito, à ordem interna,
também é dirigido às relações externas.
- O art. 98 do CTN permite a distinção entre os chamados
tratados-contratos e os tratados-leis. Toda a construção a
respeito da prevalência da norma interna com o poder de
revogar os tratados, equiparando-os à legislação ordinária, foi
feita tendo em vista os designados tratados-contratos, e não os
tratados-leis.
- Sendo o princípio da não-discriminação tributária
adotado na ordem interna, deve ser adotado também na ordem
internacional, sob pena de desvalorizarmos as relações
internacionais e a melhor convivência entre os países.
- Supremacia do princípio da não-discriminação do
regime internacional tributário e do art. 3º do GATT.
- Recurso especial provido (fl. 340).”

Em face desse acórdão, a União opôs embargos de declaração, que


foram rejeitados por unanimidade (fls. 37-38, Vol. 4).

Inconformado, o ente federal interpôs Recurso Extraordinário, com

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 59 de 88

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fundamento no art. 102, III, “a”, da CF/88, em que alega ofensa aos arts.
2º; 5º, II e § 2º; 49, I; 84, VIII; 97 e 150, II, da Constituição Federal (fls. 40-
58, Vol. 4). Sustenta, em suma, que:

a) ”Os arts. 75, 76 e 77 da Lei n° 8.383/81 e o art. 756 do RIR/94, todos


posteriores ao Decreto n° 77.053/76 que ratificou a ‘Convenção
Internacional entre Brasil e Suécia para evitar dupla tributação sobre a
renda’, são expressos em preverem a incidência na fonte do Imposto
sobre a Renda no presente caso concreto, o qual versa sobre a distribuição
de lucro de empresa sediada no Brasil aos seus sócios residentes ou
domiciliados na Suécia” (fl. 44, Vol. 4);

b) “a decisão da 1ª Turma do Tribunal de Justiça de afastar a


aplicação dos arts. 75, 76 e 77 da Lei n° 8.383/1981 e do art. 756 do RIR/94,
com base em princípios supraconstitucionais e constitucionais,
especialmente o princípio da superioridade hierárquica dos tratados em
relação às leis ordinárias, equivaleu a uma verdadeira declaração de
inconstitucionalidade dos referidos dispositivos legais, por órgão
constitucionalmente incompetente, haja vista o princípio constitucional
do full bench previsto no art. 97 da CF/88” (fl. 47, Vol.4 );

c) o acórdão recorrido afrontou os arts. 2º, 5°, II (princípio da


legalidade), 49, I, e 84, VIII, da Carta Magna, pois, “consoante esses dois
últimos dispositivos constitucionais, tem-se que o tratado firmado pelo
Presidente da República só opera na ordem internacional, sendo que sua
incorporação no ordenamento jurídico interno depende de sua aprovação
pelo Congresso Nacional, o qual também tem poderes para decidir sobre
sua revogação mediante lei superveniente (art. 49, I, da CF/88)” (fl. 49.
Vol. 4);
d) “nenhuma norma Constitucional coloca o tratado, especialmente
o tratado-lei (norma) em posição superior à lei ordinária, razão pela qual
conferir tal superioridade ao tratado implica em manifesta afronta ao
princípio da legalidade previsto no art. 5°, II, da Constituição Federal” (fl.

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49, Vol. 4);


e) “a tese acatada pelo STJ, implica em violação ao princípio da
separação dos poderes (art. 2° da CF/88), haja vista que estaria a impedir
o Congresso Nacional de exercer sua função legislativa - inovando o
ordenamento jurídico - sem qualquer norma Constitucional que lhe
vedasse tal mister” (fl. 50, Vol. 4);

f) “a aplicação pelo STJ da segunda parte do art. 98 do CTN para


impedir que a lei ordinária (arts. 75, 76 e 77 da Lei n.° 8.383/1991 e o art.
756 RIR/1994) revogue um tratado-lei (Decreto n.° 77.053/1976 que
ratificou a “Convenção entre o Brasil e a Suécia para evitar a dupla
tributação sobre a renda”) é manifestamente inconstitucional por
acarretar ofensa frontal aos arts. 2º, 5°, II, § 2º, 49, I, 84, VIII, todos da
CF/88” (fl. 53, Vol .4); e

g) “não houve qualquer discriminação no art. 77 da Lei n° 8.383/91


que importe em violação ao princípio da isonomia previsto no art. 150, II,
da CF/88, uma vez que não se discriminou o brasileiro do estrangeiro
sueco, haja vista que o brasileiro, que residente ou domiciliado na Suécia,
também estará sujeito à mesma carga tributária do contribuinte sueco que
seja residente ou domiciliado naquele país” (fl. 57, Vol. 4);

Em contrarrazões, a VOLVO DO BRASIL VEÍCULOS LTDA.,


COMÉRCIO E PARTICIPAÇÃO VOLVO LTDA, e VOLVO
LASTVAGNAR AB alegam, em preliminar, a ausência de violação direta
do texto constitucional, o que impede o conhecimento do recurso
extraordinário da UNIÃO. No mérito, pugnam pelo desprovimento do
apelo (Fls. 61-68, Vol. 4).

O apelo extremo da UNIÃO foi admitido pelo STJ (fls. 70-71, Vol. 4).

(iii) Manifestação do Ministério Público Federal

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O Parquet manifestou-se pelo não conhecimento do Recurso


Extraordinário, interposto pela VOLVO DO BRASIL VEÍCULOS LTDA e
Outros, contra o acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª
Região. Asseverou que, com o provimento, pelo Superior Tribunal de
Justiça, do Recurso Especial das empresas que visavam ao mesmo fim do
extraordinário, o apelo extremo ficou prejudicado por perda do seu
objeto.

Em relação ao Recurso Extraordinário da UNIÃO, que impugnou o


aresto proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, opinou pelo
provimento do recurso (fls. 78-93, Vol. 4).

Feita essa breve síntese, passo ao exame da matéria.

(iv) Relação de hierarquia entre as normas ordinárias de direito


interno e as decorrentes de atos ou tratados internacionais

Alega a UNIÃO que os arts. 75, 76 e 77 da Lei 8.383/1981 e o art. 756


do Regulamento do Imposto de Renda de 1994, todos posteriores ao
Decreto 77.053/1976, que ratificou a "Convenção Internacional entre
Brasil e Suécia para evitar dupla tributação sobre a renda", previam, de
forma expressa, para o ano-base de 1993, a incidência do Imposto de
Renda sobre a distribuição de lucro, por empresa sediada no Brasil, aos
seus sócios residentes ou domiciliados no exterior.
Sustenta ter o referido diploma legal revogado as disposições da
citada convenção com ele incompatíveis, uma vez que não há
superioridade hierárquica dos tratados internacionais em relação às leis
ordinárias. Portanto, a aplicação, pelo STJ, da segunda parte do art. 98 do
CTN, para impedir que a lei ordinária (arts. 75, 76 e 77 da Lei 8.383/1991 e
o art. 756 RIR/1994) revogue um tratado-lei (Decreto 77.053/1976, que
ratificou a “Convenção entre o Brasil e a Suécia para evitar a dupla
tributação sobre a renda”), é manifestamente inconstitucional.
Preconiza que o Poder Legislativo detém competência para inovar

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no ordenamento jurídico e, portanto, sua função legislativa não pode ser


obstada por norma de tratado internacional, pois ao Congresso Nacional
cabe a revogação de atos normativos mediante a edição de lei
superveniente.
Agrega que o art. 77 da Lei 8.383/1991 não promove discriminação
entre brasileiros ou suecos, haja vista que o contribuinte brasileiro,
residente ou domiciliado na Suécia, estará sujeito à mesma carga
tributária do contribuinte sueco que residir ou tiver domicílio naquele
país estrangeiro.

Pois bem. A controvérsia inicial destes autos gira em torno da


eventual relação de superioridade hierárquica entre tratados
internacionais e a legislação infraconstitucional interna.

A propósito, o Eminente Min. GILMAR MENDES, relator deste


processo, em seu voto, traçou minucioso escorço histórico, desde a
Constituição de 1891, perpassando por todas as Cartas posteriores até a
promulgação da Lei Fundamental de 1988, em que demonstrou a
evolução do entendimento do STF acerca dessa matéria.

Especificamente quanto à questão tributária, destacou que,


tradicionalmente, a jurisprudência desta CORTE compreendia que os
tratados internacionais deveriam prevalecer sobre normas
infraconstitucionais.

Tal compreensão foi, então, fortalecida pela edição do Código


Tributário Nacional, em 25/10/1966, cuja norma inscrita em seu art. 98
dispôs que “[o]s tratados e convenções internacionais revogam ou modificam a
legislação tributária interna e serão observados pela que lhe sobrevenha.”

Todavia, ressaltou que, quando do julgamento do RE 80.004/SE (Rel.


p/ o acórdão Min. CUNHA PEIXOTO, Pleno, DJ 29/12/1977), houve a
superação desse entendimento, para admitir-se a paridade entre tratados

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internacionais e normas internas infraconstitucionais, com a possibilidade


de revogação dos primeiros em decorrência da edição de normas internas
posteriores e com eles conflitantes.
Vale aqui renovar as razões aduzidas naquele julgamento, pelo Min.
CUNHA PEIXOTO, em obiter dictum, que reinterpretou a norma inscrita
no art. 98 do CTN:

“Nem se diga estar a irrevogabilidade dos tratados e


convenções por lei ordinária interna consagrado no direito
positivo brasileiro, porque está expresso no art. 98 do Código
Tributário Nacional, verbis: os tratados e as convenções
internacionais revogam ou modificam a legislação tributária
interna, e serão observados pelas que lhe sobrevenham.
Como se verifica, o dispositivo refere-se a tratados e
convenções. Isto, porque os tratados podem ser normativos, ou
contratuais. Os primeiros traçam regras sobre pontos de
interesse geral, empenhando o futuro pela admissão de
princípio abstrato, no dizer de Tito Fulgêncio. Contratuais são
acordos entre governantes acerca de qualquer assunto. O
contratual, é, pois, título de direito subjetivo.
Daí o art. 98 declarar que tratado ou convenção não é
revogado por lei tributária interna. É que se trata de um
contrato, que deve ser respeitado pelas partes.”

Essa distinção entre tratados (ou convenções) internacionais


normativos e contratuais também foi evidenciada pelo saudoso Min.
TEORI ZAVASCKI, relator do voto vencido no acórdão do STJ. Em sua
manifestação, assentou que eventual antinomia entre acordo
internacional e legislação interna posterior resolve-se com prevalência da
última, mormente quando se trata de convenção que ostenta caráter
normativo. Pela pertinência, confira-se trecho elucidativo de sua
manifestação (fls. 153-157, Vol. 3):

Ainda que assim não fosse, ou seja,' ainda que houvesse


antinomia entre o que consta da Convenção Internacional e o

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que estabeleceu a superveniente legislação interna, ainda assim


não teria razão a recorrente. Sobre o tema, em caso análogo,
sustentei, em julgamento perante o TRF da 4ª Região, que tal
antinomia se resolve, em nosso sistema, pela prevalência da
legislação interna. Reproduze o teor do citado voto:

"Sustenta-se, aqui e acolá, com base no artigo 98 do


CTN, que as normas de isenção insertas em tais acordos
ou tratados não podem ser modificadas pelo direito
ordinário interno superveniente, dada a prevalência que
sobre estes tem os tratados e as convenções internacionais.
Enfrentemos o tema. Diante das duas grandes correntes
doutrinárias que posicionam os tratados internacionais em
face do direito interno - uma afirmando que o tratado é
fonte formal de direito positivo interno desde o momento
em que é firmado, e a outra que condiciona a vigência
interna do tratado a ato legislativo de adaptação da not
fria internacional à norma nacional - o Brasil, sem sombra
de dúvida, filiou-se à segunda corrente. Com isso,
enquanto não integrado à legislação interna pelo
referendo do Congresso Nacional (art. 49, I e 84, VIII, da
Constituição Federal) o tratado firmado pelo Presidente
da República só opera na ordem internacional, não
revogando nem suspendendo a eficácia das normas
nacionais.
De logo ressalta, portanto, a necessidade de
distinguir-se as duas ordens de eficácia dos tratados: a
ordem internacional e a ordem interna. Na ordem
internacional, o tratado possui forma própria de criação e
revogação, diferente da forma de criação e revogação das
normas que atuam na ordem interna. A revogação das
normas internacionais, na ordem internacional, será a
denúncia; a revogação da norma interna, na ordem
interna, ocorre com lei posterior (Lei de Introdução, artigo
2°). O tratado internacional, enquanto norma
internacional, atuando na ordem internacional, somente

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será revogado pela denúncia; enquanto norma integrada


ao direito positivo interno, porém, sua revogação se dará
pelo mesmo processo de revogação das demais espécies
normativas da ordem interna. Realmente, se a revogação
ae um tratado integrado a legislação interna somente fosse
possível pela denúncia (forma de revogação na ordem
internacional) estar-se-ia dando a tal tratado uma
condição superior a das próprias normas constitucionais,
pois em nossa Constituição inexiste dispositivo
considerando irrevogável lei positiva pelo fato de ter sua
origem em tratado internacional. Em acórdão sempre
invocado, proferido no RE 80.004 (R.TJ. 83/809-848) o
Supremo Tribunal Federal abordou exaustivamente a
matéria em foco, cabendo trazer à lume os seguintes
excertos de voto:
'Não existe, na Constituição, nenhum dispositivo
que impeça ao membro do Congresso Nacional de
apresentar projeto que revogue, tácita ou expressamente,
uma lei que tenha sua origem em um tratado. Pode o
Presidente da República vetar o projeto, se aprovado pelo
Congresso, mas também seu veto pode ser recusado. A lei,
provinda do Congresso, só pode ter sua vigência
interrompida se ferir dispositivo da Constituição e, nesta,
não há nenhum artigo que declare irrevogável uma lei
positiva brasileira pelo fato de ter sua origem em um'
Tratado. Do contrário, teríamos, então - e isto sim seria
inconstitucional - uma lei que só poderia ser revogada
pelo Chefe do Poder Executivo, através da denúncia do
Tratado. Portanto, ou o Tratado não se transforma, pela
simples ratificação, em lei ordinária, no Brasil, ou então,
poderá ser revogada ou modificada pelo Congresso, como
qualquer outra lei' (voto do Ministro Cunha Peixoto, pág.
823).
'Argumenta-se que a denúncia é o meio próprio de
revogar um tratado internacional. Sim, no campo do
direito internacional, não porém, no campo do direito

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interno. Quando muito poderá, face à derrogação do


tratado por lei federal posterior, ensejar reclamação de
urna outra parte contratante perante o governo, sem
contudo afetar as questões de direito interno.
Fosse a denúncia internacional o único meio de
nulificar um tratado, e não se compreenderia pudesse o
Supremo Tribunal Federal negar-lhe validade por vício de
inconstitucionalidade'. (voto do Min. Cordeiro Guerra,
pág. 829).
'A Constituição Federal não encerra norma que, na
hierarquia das leis, outorgue aos tratados posição de
preeminência, exigindo a prévia denúncia deles para que,
só então, a legislação interna possa dispor em sentido
contrário ao que neles se contenha' (voto do Min.
Rodrigues Alckmin, pág. 840).
Considerando o exposto, bem assim a circunstância
de que ao Judiciário compete aplicar o direito vigente na
ordem interna, não há como deixar de concluir que,
independentemente da revogação do tratado, pela
denúncia, na ordem internacional, a norma interna
posterior, incompatível com a do tratado, é de aplicação
obrigatória pelos Tribunais. Triepel, citado pelo Ministro
Cunha Peixoto no RE n° 80.004 (op. cit. pág. 823) afirma,
com inteira propriedade, que 'o dever de obediência dos
súditos perante a lei do Estado é absoluto, seja qual for a
atitude tomada por essa lei em relação ao direito
internacional. A lei interna contrária ao direito
internacional obriga os súditos tanto quanto a lei
conforme a esse direito... O princípio que assentamos não
é menos importante para os titulares de funções públicas,
e, especialmente, para os juízes: são todos obrigados a
aplicar o direito interno, mesmo contrário ao direito
internacional'.
Até mesmo os que negam que a legislação interna
possa revogar norma de tratado internacional, como o
Min. João Leitão de Abreu, não deixam de assegurar que

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'estão os órgãos estatais incumbidos de aplicar o direito


obrigados a emprestar eficácia às leis do País, ou seja, ao
direito interno, somente se achando autorizados a recusar-
lhe autoridade nos casos previstos na Constituição. Entre
esses casos se compreendem os de conflito entre a Carta
Constitucional e as leis, podendo neles se incluir, também,
se para isso houver, na Carta Política, previsão expressa, o
de conflito entre lei e tratado internacional ou norma de
direito internacional comum....
Como autorização dessa natureza, segundo entendo,
não figura em nosso direito positivo, pois que a
Constituição não atribui ao Judiciário competência, seja
para anular, no mesmo caso, tais leis, a conseqüência que
me parece inevitável é que os tribunais estão obrigados, na
falta de título jurídico para proceder de outro modo, a
aplicar as leis incriminadas de incompatibilidade com o
tratado'.
Os próprios defensores da primazia do direito
internacional sobre o interno não encontram alternativa'
jurídica ao reconhecimento da obrigatoriedade das
normas nacionais contrárias a tratado. No dizer de
Francisco Campos (op. cit., pág. 826/7) 'Verdross, que é o
campeão da doutrina do primado do direito internacional
sobre o direito interno, reconhece, entretanto, que a lei não
deixa de ser obrigatória pelo fato de estar em contradição
com o disposto em tratado internacional em que é parte o
Estado quer o editou... Assim... malgrado a primazia do
Direito Internacional em relação ao Direito Interno, em
caso de conflito entre um e outro, a Justiça está vinculada
à observância da lei interna, pois é órgão de uma ordem
jurídica que lhe prescreve a obrigação de aplicar as
normas editadas na conformidade do direito próprio ao
sistema estatal a que pertence'.
Contra tal entendimento tem-se pretendido sustentar
a cavaleiro do que dispõe o artigo 98, do Código
Tributário Nacional, in verbis:

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'Art. 98 - Os tratados e as convenções internacionais


revogam ou modificam a legislação tributária interna, e
serão observados pela que lhes sobrevenha'.
O argumento, porém, não procede, conforme se
demonstrará.
A determinação legal de que 'os tratados e as
convenções internacionais revogam ou modificam a
legislação tributária interna, representa, nada mais, nada
menos, do que a reafirmação do princípio de que lex
posterior derogat priori. Realmente, no momento em que
ocorre a recepção da norma do tratado pelo direito
interno, através do ato legislativo constitucionalmente
previsto, opera-se fenômeno idêntico ao de edição de
qualquer outra nova lei: ficam revogadas ou modificadas
as disposições anteriores com ela incompatíveis. Assim, a
afirmação do princípio pelo artigo 98 do CTN, antes de
alçar a norma internacional a posição de prevalência em
relação ao direito nacional, como entendem alguns,
posiciona-a em nível igual ao da norma interna,
atribuindo-lhe idênticos efeitos.
Já a segunda parte do artigo 98, citado, quando
dispõe que os tratados e as convenções internacionais
serão observados pela legislação tributária que lhes
sobrevenha, merece análise mais aprofundada, a menos
que, desde logo, se opte pela sua flagrante
inconstitucionalidade. Com efeito, uma apressada
interpretação deste preceito poderia levar à convicção de
que ele estaria vedando ao legislador a edição de normas
contrárias a tratados e convenções. Tal interpretação, por
isso, eivaria o dispositivo de flagrante
inconstitucionalidade, pois implicaria consagrar restrições
e limitações ao exercício do Poder Legislativo, inclusive do
próprio poder constituinte derivado, restrições e
limitações estas só cabíveis em texto constitucional, jamais
em lei, ainda que lei complementar à Constituição.
Assim, há que se afastar, de logo, o entendimento de

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que o art. 98 do CTN veda ao Poder Legislativo editar


norma contrária a tratados e convenções. A parte final do
citado normativo deverá ser interpretada e aplicada nos
exatos limites em que o fez o Supremo Tribunal Federal,
no acórdão aqui tantas vezes citado:
'Nem se diga estar a irrevogabilidade dos tratados e
convenções por lei ordinária interna consagrado no direito
positivo brasileiro, porque está expresso no art. 98 do
Código Tributário Nacional, verbis: 'os tratados e as
convenções internacionais' revogam ou modificam a
legislação tributária interna, e serão observadas pela que
lhe sobrevenham'.
Como se verifica, o dispositivo refere-se a tratados e
convenções. Isto, porque os tratados podem ser
normativos, ou contratuais. Os primeiros traçam regras
sobre pontos de interesse geral, empenhando o futuro pela
admissão de princípio abstrato, no dizer de Tito
Fulgêncio. Contratuais são acordos entre governantes
acerca de qualquer assunto. O contratual é, pois, título de
direito subjetivo.
Daí o art. 98 declarar que tratado ou convenção não é
revogado por lei tributária interna. É que se trata de um
contrato, que deve ser respeitado pelas partes.
Encontra-se o mesmo princípio na órbita interna, no
tocante à isenção, em que o art. 178 do Código Tributário
Nacional proíbe sua revogação, quando concedida por
tempo determinado. É que houve um contrato entre a
entidade pública e o particular, que, transformado em
direito subjetivo, deve ser respeitado naquele período'.
(RTJ, 83/823-4, voto do Min. Cunha Peixoto).
'Argumentou-se com o art. 98 do Código Tributário
Nacional, para concluir pela irrevogabilidade dos tratados
por legislação tributária interna que lhes sobrevenha. Mas
como bem observou o ilustre Ministro Cunha Peixoto, sob
pena de inconstitucionalidade deve ser compreendido
como limitado aos acordos contratuais de tarifas, durante

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a vigência destes'. (op. cit pág. 829, voto do Min. Cordeiro


Guerra).
'... essa norma do Código Tributário é aplicável aos
tratados de natureza contratual, não quanto aos tratados-
leis' (op. cit, pág. 838, Min. Leitão de Abreu)". (RTRF- 48
Região, vol. 8, p. 264, 273).

Considerando que a Convenção em análise, como diz seu


próprio nome, é um conjunto de regras destinadas a evitar a
dupla tributação em matéria de impostos sobre a renda, não há
dúvida de que se trata de um acordo normativo. Assim, caso
admitíssemos que o referido acordo, analisado isoladamente,
confere o tratamento fiscal pretendido pela recorrente, ainda
assim seria inviável sua aplicação, pois a segunda parte do art.
98 do CTN, que justificaria afastar a legislação interna
superveniente, se aplica somente em face de tratados
contratuais. “

Nada obstante, o Eminente Min. GILMAR MENDES, em seu voto,


argumentou que o entendimento que admite a possibilidade de afastar a
aplicação de normas internacionais tributárias por meio de legislação
ordinária está defasado em face das exigências de cooperação, boa-fé e de
estabilidade do atual cenário internacional.
Pontuou, ainda, amparado em abalizada doutrina, que a
classificação em tratados-contratos e tratados-leis mostra-se
desatualizada, e que a Constituição Federal assegura a estabilidade dos
tratados internacionais em matéria tributária, em detrimento de
legislação infraconstitucional interna superveniente.
Em que pese o brilhantismo de seu pronunciamento, com todas as
vênias, divirjo desse entendimento, pois, como já tive oportunidade de
me manifestar em estudo doutrinário, filio-me à corrente que entende
pela paridade normativa entre atos internacionais e leis
infraconstitucionais de direito interno, uma vez que:

- os tratados e convenções internacionais ao serem

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incorporados formalmente ao ordenamento jurídico nacional


qualificam-se como atos normativos infraconstitucionais;
- não existe hierarquia entre as normas ordinárias de
direito interno e as decorrentes de atos ou tratados
internacionais. A ocorrência de eventual conflito entre essas
normas será resolvida ou pela aplicação do critério cronológico,
devendo a norma posterior revogar a anterior, ou pelo princípio
da especialidade;
- esses atos normativos são passíveis de controle difuso e
concentrado de constitucionalidade, pois apesar de originários
de instrumento internacional não guardam nenhuma validade
no ordenamento jurídico interno se afrontarem qualquer
preceito da Constituição Federal (Direito constitucional. 36. ed.
rev. e atual. até a EC nº 95, de 15 de dezembro de 2016 – São Paulo:
Atlas, 2020).

Aliás, essa também tem sido o entendimento desta CORTE. Confira-


se o acórdão proferido pelo Plenário do SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL, na ADI 1.480 MC (Rel. Min. CELSO DE MELLO, Tribunal
Pleno, DJ de 18/5/2001), na qual se concluiu inexistir superioridade
hierárquica dos tratados e convenções internacionais em relação à
legislação infraconstitucional interna, e que eventual incompatibilidade
entre essas normas deve ser dirimida pelos critérios temporal ou da
especialidade. Confira-se trecho do precedente que bem ilustra essa
compreensão:

“PARIDADE NORMATIVA ENTRE ATOS


INTERNACIONAIS E NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS
DE DIREITO INTERNO. - Os tratados ou convenções
internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito
interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos
planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se
posicionam as leis ordinárias, havendo, em conseqüência, entre
estas e os atos de direito internacional público, mera relação de
paridade normativa. Precedentes. No sistema jurídico

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RE 460320 / PR

brasileiro, os atos internacionais não dispõem de primazia


hierárquica sobre as normas de direito interno. A eventual
precedência dos tratados ou convenções internacionais sobre as
regras infraconstitucionais de direito interno somente se
justificará quando a situação de antinomia com o ordenamento
doméstico impuser, para a solução do conflito, a aplicação
alternativa do critério cronológico ("lex posterior derogat priori")
ou, quando cabível, do critério da especialidade. Precedentes.”

No mesmo sentido:

Ementa: Direito do consumidor. Transporte aéreo


internacional. Conflito entre lei e tratado. Indenização. Prazo
prescricional previsto em convenção internacional.
Aplicabilidade. 1. Salvo quando versem sobre direitos
humanos, os tratados e convenções internacionais ingressam
no direito brasileiro com status equivalente ao de lei
ordinária. Em princípio, portanto, as antinomias entre normas
domésticas e convencionais resolvem-se pelos tradicionais
critérios da cronologia e da especialidade. 2. Nada obstante,
quanto à ordenação do transporte internacional, o art. 178 da
Constituição estabelece regra especial de solução de antinomias,
no sentido da prevalência dos tratados sobre a legislação
doméstica, seja ela anterior ou posterior àqueles. Essa conclusão
também se aplica quando o conflito envolve o Código de Defesa
do Consumidor. 3. Tese afirmada em sede de repercussão geral:
“Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as
normas e os tratados internacionais limitadores da
responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros,
especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm
prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor”.
4. Recurso extraordinário provido.(ARE 766.618, Relator(a):
Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, DJe de 13/11/2017)
(grifei)

(v) Isonomia tributária entre nacionais e estrangeiros

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RE 460320 / PR

A UNIÃO também sustenta que o art. 77 da Lei 8.383/1991 não


importa em violação ao princípio da isonomia previsto no art. 150, II, da
CF/1988, uma vez que não se discriminou o brasileiro do estrangeiro
sueco, pois, ambos, quando residentes ou domiciliados na Suécia, estarão
sujeitos à mesma carga tributária.
Nesse ponto, vou companhar o Eminente Relator que identificou
com precisão ter o acórdão do Superior Tribunal de Justiça confundido
indevidamente critérios distintos, como o da residência e da
nacionalidade.
O STJ deu provimento ao Recurso Especial das empresas, fundado
na compreensão de que o art. 24 da Convenção Internacional para evitar
bi-tributação, firmado entre o Brasil e a Suécia, consagrou a isonomia
tributária entre os signatários.
Por isso, vislumbrou que a Lei 8.383/1991, ao isentar da tributação do
do imposto de renda unicamente os lucros e dividendos distribuídos a
residentes ou domiciliados no País, e não aqueles baseados no exterior,
conferiu tratamento discriminatório aos sócios suecos.
Todavia, essa premissa foi afastada no voto vencido do Min. TEORI
ZAVASCKI, o qual cito, mais uma vez, pelas precisas e esclarecedoras
razões ali aduzidas. Vejamos (fl. 152, Vol. 3):

3. Ao tratar sobre dividendos, a Convenção determina, no


item 1. de seu art. 10., que "os dividendos pagos por urna
sociedade por um Estado Contratante a um residente do outro
Estado Contratante são tributáveis nesse outro Estado". Logo
em seguida estabelece ressalva, dizendo no item 2. que "esses
dividendos podem ser tributados no Estado contratante onde
reside a sociedade que os paga, e de acordo com a legislação
desse Estado, mas o imposto assim estabelecido não poderá
exceder: a) 15% do montante bruto dos dividendos se o
beneficiário for uma sociedade (excluindo-se as sociedades de
pessoas); b) 25% do montante bruto dos dividendos em todos
os demais casos".

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Portanto, examinando apenas as regras especificamente


dirigidas à tributação de rendimentos destinados pela empresa
brasileira a sócio residente na Suécia, não se vislumbra
qualquer antinomia entre a Convenção e a legislação interna do
imposto de renda. A recorrente, contudo, defende que a regra
do acordo internacional que enseja o propalado conflito é o art.
24, caracterizado pela epígrafe "não discriminação".
Examinemos seus itens:
1. Os nacionais de um Estado Contratante não ficarão
sujeitos no outro Estado Contratante a nenhuma tributação ou
obrigação correspondente, diferente ou mais onerosa do que
aquelas a que estiverem sujeitos os nacionais desse outro
Estado que se encontrem na mesma situação.
2. O termo "nacionais" designa:
a) todas as pessoas físicas que possuam a nacionalidade de
um Estado Contratante;
b) todas as pessoas jurídicas, sociedades de pessoas e
associações constituídas de acordo com a legislação em vigor
num Estado Contratante.
3. A tributação de um estabelecimento permanente que
uma empresa de um Estado Contratante possuir no outro.
Estado Contratante não será menos favorável do que as das
empresas desse outro Estado Contratante que exerçam a mesma
atividade.
Esta disposição não poderá ser interpretada no sentido de
obrigar um Estado Contratante a conceder às pessoas residentes
de outro Estado contratante as deduções pessoais, os
abatimentos e reduções de impostos em função do estado civil
ou encargos familiares concedidos aos seus próprios residentes.
4. As empresas de um Estado contratante cujo capital pertencer
ou for controlado, total ou parcialmente, direta ou
indiretamente, por uma ou várias pessoas residentes do outro
Estado Contratante, não ficarão sujeitas, no primeiro Estado, a
nenhuma tributação ou obrigação correspondente diversa ou
mais onerosa do que aquelas a que estiverem ou puderem estar
sujeitas as outras empresas da mesma natureza desse primeiro

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Estado.
5. No presente artigo, o termo "tributação" designa os
impostos de qualquer natureza ou denominação.
É permitido concluir, em primeiro lugar, que o regramento
contido no art. 10 goza de especialidade em relação ao do art.
24, detendo primazia de aplicação. Conforme visto, a situação
fática de que tratam os autos ajusta-se perfeitamente ao suporte
fático hipotético daquela norma, e há nela a permissão para que
o Estado contratante onde se encontra a empresa remetente dos
dividendos tribute-os na forma de sua legislação, observados os
limites quanto à alíquota.
Resta, então, perquirir se no regramento genérico sobre
"não discriminação" há alguma disposição que se sobreponha às
regras do art. 10 e revele a impossibilidade de impor a
indigitada exação. Sustenta a recorrente que o item 1. do art. 24
veda o tratamento diferenciado entre os sócios em função do
local onde estão domiciliados. Sem razão, porém. O que todas
as disposições do art. 24 buscam reprimir é a discriminação
fundada na nacionalidade. O primeiro sinal inequívoco dessa
orientação está na parte final do item 1. Estatui-se que um
Estado contratante não pode estabelecer ao nacional do outro
Estado "tributação ou obrigação correspondente, diferente ou mais
onerosa" do que a estabelecida aos nacionais do primeiro
Estado, desde que estejam na mesma situação. Há significativa
diferença entre um nacional estar domiciliado em seu Estado de
origem ou no Estado estrangeiro - tanto que a Convenção, em
diversas oportunidades, estabeleceu regras específicas para
disciplinar a situação do nacional residente em seu Estado de
origem quanto a fatos jurídicos ocorridos no Estado estrangeiro.
Veja-se a respeito o art. 7, que trata do lucro das empresas, o art.
11, cuidando de juros, o art. 12, sobre royalties, o art. 16,
disciplinando as remunerações de direção, o já citado art. 10 e,
principalmente, a segunda parte do item 3. do próprio art. 24,
ao enfatizar que a primeira parte do mesmo item, ao vedar
tratamento diferenciado ao estabelecimento permanente que
um Estado contratante mantenha no outro Estado, não implica

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RE 460320 / PR

a concessão de determinados benefícios aos residentes no


Estado estrangeiro. Tal regra expressa inequivocamente que não
há como interpretar as normas presumindo a aplicação geral e
irrestrita aos nacionais domiciliados em Estados diferentes.
O magistrado de primeiro grau, dr. Nicolau Konkel Júnior,
fez exposição precisa sobre a questão:

"Deveras, o item 1. impede a imposição de


tratamento tributário diverso em função da nacionalidade
do sujeito passivo. Ora, disto o art. 77 da Lei n° 8.383/91
não trata. O critério de discriminação eleito por este
dispositivo legal é a residência ou o domicílio do sujeito
passivo, independentemente de sua nacionalidade. Deste
modo, o brasileiro residente e domiciliado na Suécia estará
sujeito à mesma carga tributária suportada pelo
contribuinte sueco que resida ou esteja domiciliado
naquele pais, pelo recebimento de lucros e dividendos de
empresas localizadas no Brasil".

Enfim, a presente hipótese é regrada pelo art. 10 da


Convenção, o qual em nada se indispõe com a legislação
nacional posterior. O item 1. do art. 24 pressupõe perfeita
identidade de situações entre os nacionais, o que não se verifica
no caso, em que se comparam sócios residentes no Brasil e na
Suécia.” (grifos no original)

Como ficou claro na transcrição acima, “o que todas as disposições do


art. 24 (da Convenção entre o Brasil e a Suécia para evitar a Dupla
Tributação em Matéria de Impostos sobre a Renda) buscam reprimir é a
discriminação fundada na nacionalidade”. Vale conferir o texto dessa norma:

“1. Os nacionais de um estado contratante não ficarão


sujeitos no outro estado contratante a nenhuma tributação ou
obrigação correspondente, diferente ou mais onerosa do que
aquelas a que estiverem sujeitos os nacionais desse outro estado
que se encontrem na mesma situação.

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2. O termo 'nacionais' designa:


a) todas as pessoas físicas que possuam a nacionalidade de
um estado contratante;
b) todas as pessoas jurídicas, sociedades de pessoas e
associações constituídas de acordo com a legislação em vigor
num estado contratante.
3. A tributação de um estabelecimento permanente que
uma empresa de um estado contratante possuir no outro estado
contratante não será menos favorável do que as das empresas
desse outro estado contratante que exerçam a mesma atividade.
Esta disposição não poderá ser interpretada no sentido de
obrigar um estado contratante a conceder às pessoas residentes
do outro estado contratante as deduções pessoais, os
abatimentos e reduções de impostos em função do estado civil
ou encargos familiares concedidos aos seus próprios residentes.
4. As empresas de um estado contratante cujo capital
pertencer ou for controlado, total ou parcialmente, direta ou
indiretamente, por uma ou várias pessoas residentes do outro
estado contratante, não ficarão sujeitas, no primeiro estado, a
nenhuma tributação ou obrigação correspondente diversa ou
mais onerosa do que aquelas a que estiverem ou puderem estar
sujeitas as outras empresas da mesma natureza desse primeiro
estado.
5. No presente artigo, o termo 'tributação' designa os
impostos de qualquer natureza ou denominação.”

A disposição normativa preceitua que “os nacionais de um estado


contratante não ficarão sujeitos no outro estado contratante a nenhuma
tributação ou obrigação correspondente, diferente ou mais onerosa do que aquelas
a que estiverem sujeitos os nacionais desse outro estado que se encontrem na
mesma situação”.
Ora, os estrangeiros suecos residentes ou domiciliados na Suécia não
estão na mesma situação dos brasileiros, ou até mesmo dos suecos, que
residem ou têm domicílio no Brasil.

O art. 77 da Lei 8.383/1991 previa, para o ano-base de 1993, a

25

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RE 460320 / PR

alíquota do imposto de renda de 15% sobre os lucros ou dividendos


distribuídos em benefício de pessoa física ou jurídica residente ou
domiciliada no exterior.

Dessa forma, era indiferente ser a pessoa brasileira ou sueca, pois o


critério diferenciador consistia no local de residência.
Portanto, não vislumbro tratamento discriminatório, uma vez que
mesmo o brasileiro, se residente no exterior, também era tributado
diferentemente do brasileiro residente no Brasil.

Por essas razões, com divergência parcial de fundamentação,


acompanho, no mérito, o Relator e DOU PROVIMENTO ao recurso
extraordinário da UNIÃO, para, afastando o Acórdão recorrido, julgar
improcedente o pedido inicial feito em ação declaratória.

FICA PREJUDICADO o apelo extremo da VOLVO DO BRASIL


VEÍCULOS LTDA. e OUTROS interposto em face do acórdão do Tribunal
Regional Federal da 4ª Região.

É o voto.

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05/08/2020 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 460.320 P ARANÁ

RELATOR : MIN. GILMAR MENDES


REDATOR DO : MIN. DIAS TOFFOLI
ACÓRDÃO
RECTE.(S) : VOLVO DO BRASIL VEÍCULOS LTDA E
OUTRO(A/S)
ADV.(A/S) : BEATRIZ DONAIRE DE MELLO E OLIVEIRA E
OUTRO(A/S)
RECTE.(S) : UNIÃO
ADV.(A/S) : PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL
RECDO.(A/S) : OS MESMOS

VOTO

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Os tratados


internacionais que não veiculam matéria de direitos humanos acham-se em
relação de paridade normativa com a legislação interna de nosso País
(RE 80.004/SE, Red. p/ o acórdão Min. CUNHA PEIXOTO – ADI 1.480-
-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), exceto se o ordenamento
positivo nacional, fundado no princípio básico da soberania do Estado
brasileiro, conferir precedência e primazia aos atos de direito internacional
público, seja porque lhes atribui posição de superioridade (ALIOMAR
BALEEIRO, “Direito Tributário Brasileiro”, p. 970, item n. 1, 12ª ed.,
2013, Forense; HUGO DE BRITO MACHADO, “Curso de Direito
Tributário Brasileiro”, p. 86, item n. 5, 37ª ed., 2016, Malheiros; KIYOSHI
HARADA , “Direito Financeiro e Tributário”, p. 344, item n. 8.5.2.8,
26ª ed., 2017, Atlas, v.g.), seja porque lhes reconhece situação legitimada
pelo critério da especialidade (LEANDRO PAULSEN, “Direito
Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da
jurisprudência”, p. 883, 13ª ed., 2011, Livraria do Advogado; ANTONIO
CARLOS RODRIGUES DO AMARAL, “Comentários ao Código
Tributário Nacional”, vol. 2/61-62, coordenação de Ives Gandra da Silva

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RE 460320 / PR

Martins, 7ª ed., 2013, Saraiva; EDUARDO SABBAG, “Manual de Direito


Tributário”, p. 595/598, item n. 2.1.9, 3ª ed., 2011, Saraiva, v.g.).

É certo que já prevaleceu em nosso sistema jurídico, notadamente


na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o primado do Direito
Internacional sobre o Direito Interno, como se vê de julgados desta Corte
Suprema proferidos há quase oito décadas (Apelação Cível nº 7.872/RS, Rel.
Min. PHILADELPHO DE AZEVEDO, julg. em 11/10/1943 – Apelação
Cível nº 9.587/RS, Rel. Min. LAFAYETTE DE ANDRADA, julg. em
21/08/1951, v.g.).

Esse entendimento, no entanto, evoluiu no sentido de reconhecer-se


situação de paridade normativa entre tratados internacionais e o direito
positivo interno.

Com efeito, Senhores Ministros, tornou-se regra geral o


reconhecimento de que a normatividade emergente dos tratados ou
convenções internacionais que disponham sobre matérias comuns, que não
aquelas de direitos humanos ou de natureza tributária, situa-se, no sistema
jurídico brasileiro, no que concerne à hierarquia das fontes, no mesmo plano
e no mesmo grau de eficácia em que se posicionam as leis internas,
ressalvadas situações em que tais atos de direito internacional veiculem
cláusulas especializantes, circunstância que lhes conferirá precedência por
efeito de sua qualificação como verdadeiras “leges speciales”, como tem
advertido a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 70/333 –
RTJ 100/1030 – RTJ 154/26 – RTJ 164/420-421, v.g.) e enfatizado o
magistério de eminentes doutrinadores (JOSÉ ALFREDO BORGES, “in”
Revista de Direito Tributário, vol. 27/28, p. 170/173; FRANCISCO
CAMPOS, “in” RDA 47/452; ANTÔNIO ROBERTO SAMPAIO DORIA,
“Da Lei Tributária no Tempo”, p. 41, 1968; GERALDO ATALIBA,
“Apontamentos de Ciência das Finanças, Direito Financeiro e
Tributário”, p. 110, 1969, RT; IRINEU STRENGER, “Curso de Direito

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RE 460320 / PR

Internacional Privado”, p. 108/112, 1978, Forense; JOSÉ FRANCISCO


REZEK, “Direito dos Tratados”, p. 470/475, itens 393/395, 1984, Forense,
v.g.).

A precedência dos atos internacionais sobre as normas de direito


interno somente ocorrerá – presente o contexto de eventual situação de
antinomia com o ordenamento doméstico –, não em virtude de uma
inexistente primazia hierárquica, mas, sempre, em face da aplicação do
critério da especialidade (RTJ 70/333 – RTJ 100/1030 – RT 554/434, v.g.).

Não se desconhece que já se registra, hoje, no plano do direito


comparado, clara tendência no sentido de os ordenamentos
constitucionais de diversos Países conferirem primazia jurídica aos
tratados e atos internacionais sobre as leis internas. É o que ocorre, por
exemplo, na Argentina (Constituição de 1853, substancialmente alterada
pela Reforma de 1994, Art. 75, n. 22), na Holanda (Constituição de 1982,
Art. 94), na Federação Russa (Constituição de 1993, Art. 15, n. 4), no
Paraguai (Constituição de 1992, Arts. 137 e 141) e na França
(Constituição de 1958, Art. 55).

Tal, porém, não ocorre no Brasil, seja por efeito de ausência de previsão
constitucional que confira superioridade jurídica aos tratados
internacionais sobre normas de direito interno, seja em virtude de
orientação firmada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,
como o revelam os precedentes anteriormente por mim referidos,
ressalvando-se, sempre, a posição hierárquica dos tratados ou convenções
internacionais de direitos humanos, além daqueles atos de direito
internacional aprovados segundo o rito procedimental definido no art. 5º,
§ 3º, da Constituição da República, como sucedeu, p. ex., com a
Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência.

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RE 460320 / PR

O art. 98 do Código Tributário Nacional atribui precedência aos


tratados ou convenções internacionais em matéria tributária e, embora
dispondo que tais atos de direito internacional “(...) revogam ou modificam a
legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha”,
estabelece, na realidade, em face do critério da especialidade, cláusula de
mera suspensão provisória de eficácia e de aplicabilidade do ordenamento
positivo interno, como observa RICARDO LOBO TORRES (“Curso de
Direito Financeiro e Tributário”, p. 42/44, item n. 16, 2ª ed., 1995,
Renovar), em lição que a seguir reproduzo:

“É particularidade do Direito Tributário brasileiro


reconhecer a prevalência do tratado internacional sobre a
legislação nacional. Diz o art. 98 do CTN que ‘os tratados e as
convenções internacionais revogam ou modificam a legislação
tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha’.
Observe-se que não se trata, a rigor, de revogação da legislação
interna, mas de suspensão da eficácia da norma tributária
nacional, que readquirirá a sua aptidão para produzir efeitos se e
quando o tratado for denunciado.
Essa característica do Direito Tributário brasileiro não se
estende a outros ramos do Direito, nem mesmo ao Financeiro,
pois o Supremo Tribunal Federal não generalizou a tese do
primado do Direito Internacional; admitiu, pelo contrário, que a
norma internacional sobre letras de câmbio e notas
promissórias, incorporada à legislação interna, fosse revogada
por lei ordinária federal posterior (RE 80.004, Ac. do Pleno,
de 1.6.77, Rel. Min. Cunha Peixoto, RTJ 83/809).” (grifei)

Não se desconhece que, na aplicação das regras que compõem o


ordenamento positivo, podem registrar-se situações de conflito normativo,
reveladoras da existência de antinomias em sentido próprio, eminentemente
solúveis, porque superáveis mediante utilização, em cada caso ocorrente, de
determinados fatores, tais como o critério hierárquico (“lex superior
derogat legi inferiori”), o critério cronológico (“lex posterior derogat legi
priori”) e o critério da especialidade (“lex specialis derogat legi generali”),

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 83 de 88

RE 460320 / PR

que têm a virtude de viabilizar a preservação da essencial coerência,


integridade e unidade sistêmica do ordenamento positivo (RTJ 172/226-227,
Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

Na interpretação do art. 98 do Código Tributário Nacional, torna-se


legítima, em havendo situação de conflito normativo, a utilização do critério
da especialidade, que representa solução ortodoxa destinada a resolver a
antinomia de primeiro grau caracterizada por eventual existência de
(aparente) conflito entre o direito tributário interno (“lex generalis”), de um
lado, e determinado tratado ou convenção internacional em matéria
tributária (“lex specialis”), de outro.

Essa concepção ortodoxa, que faz incidir, em situação de antinomia


aparente, o critério da especialidade, tem prevalecido, ordinariamente, no
entendimento de eminentes doutrinadores (HUGO DE BRITO
MACHADO, “Introdução ao Estudo do Direito”, p. 164/166 e 168,
itens ns. 1.2, 1.3 e 1.6, 2ª ed., 2004, Atlas; MARIA HELENA DINIZ, “Lei de
Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada”, p. 67/69, item n. 4,
e p. 72/75, item n. 7, 1994, Saraiva; ROBERTO CARLOS BATISTA,
“Antinomias Jurídicas e Critérios de Resolução”, “in” Revista de
Doutrina e Jurisprudência-TJDFT, vol. 58/25-38, 32-34, 1998; RAFAEL
MARINANGELO, “Critérios para Solução de Antinomias do
Ordenamento Jurídico”, “in” Revista do Instituto dos Advogados de São
Paulo, vol. 15/216-240, 232/233, 2005, RT, v.g.), valendo referir, entre eles, o
magistério, sempre lúcido e autorizado, de NORBERTO BOBBIO (“Teoria
do Ordenamento Jurídico”, p. 91/92 e 95/97, item n. 5, trad. Cláudio de
Cicco/Maria Celeste C. J. Santos, 1989, Polis/Editora UnB), para quem,
ocorrendo situação de conflito entre normas (aparentemente) incompatíveis,
deve prevalecer, por efeito do critério da especialidade, a convenção
internacional em matéria tributária, p. ex., “que subtrai de uma norma
[interna] uma parte de sua matéria, para submetê-la a uma regulamentação
diferente (contrária ou contraditória)...” (grifei).

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RE 460320 / PR

Cuidando-se, no entanto, de tratados ou convenções internacionais


de direitos humanos, há de se reconhecer tratamento diferenciado, pois
tais atos de direito internacional público revestem-se de hierarquia
constitucional, conforme penso, ou de caráter supralegal, como entendeu o
Plenário do Supremo Tribunal Federal, em votação majoritária,
por 05 (cinco) votos a 04 (quatro), quando do julgamento do
RE 349.703/RS, do RE 466.343/SP e do HC 87.585/TO.

Reconheço, pessoalmente, com apoio em expressivas lições


doutrinárias – como aquelas ministradas por ANTÔNIO AUGUSTO
CANÇADO TRINDADE (“Tratado de Direito Internacional dos Direitos
Humanos”, vol. I/513, item n. 13, 2ª ed., 2003, Fabris), FLÁVIA PIOVESAN
(“Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional”, p. 51/77,
7ª ed., 2006, Saraiva), CELSO LAFER (“A Internacionalização dos Direitos
Humanos: Constituição, Racismo e Relações Internacionais”, p. 16/18,
2005, Manole) e VALERIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI (“Curso de Direito
Internacional Público”, p. 682/702, item n. 8, 2ª ed., 2007, RT), dentre outros
eminentes autores – que os tratados internacionais de direitos humanos
assumem, na ordem positiva interna brasileira, qualificação constitucional,
sendo certo, ainda, que as convenções internacionais em matéria de direitos
humanos celebradas pelo Brasil antes do advento da EC nº 45/2004, como
ocorre, p. ex., com o Pacto de São José da Costa Rica ou com o Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, revestem-se de caráter
materialmente constitucional, compondo, sob tal perspectiva, a noção
conceitual de bloco de constitucionalidade:

“‘HABEAS CORPUS’ PREVENTIVO – (...) CONVENÇÃO


AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS (ARTIGO 7º, n. 7) –
HIERARQUIA CONSTITUCIONAL DOS TRATADOS
INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS – PEDIDO
DEFERIDO.
.......................................................................................................
TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS
HUMANOS: AS SUAS RELAÇÕES COM O DIREITO

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Voto Vogal

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RE 460320 / PR

INTERNO BRASILEIRO E A QUESTÃO DE SUA POSIÇÃO


HIERÁRQUICA.
– A Convenção Americana sobre Direitos Humanos
(Art. 7º, n. 7). Caráter subordinante dos tratados internacionais em
matéria de direitos humanos e o sistema de proteção dos direitos
básicos da pessoa humana.
– Relações entre o direito interno brasileiro e as convenções
internacionais de direitos humanos (CF, art. 5º e §§ 2º e 3º).
Precedentes.
– Posição hierárquica dos tratados internacionais de direitos
humanos no ordenamento positivo interno do Brasil: natureza
constitucional ou caráter de supralegalidade? - Entendimento
do Relator, Min. CELSO DE MELLO, que atribui hierarquia
constitucional às convenções internacionais em matéria de direitos
humanos.

A INTERPRETAÇÃO JUDICIAL COMO


INSTRUMENTO DE MUTAÇÃO INFORMAL DA
CONSTITUIÇÃO.
– A questão dos processos informais de mutação
constitucional e o papel do Poder Judiciário: a interpretação
judicial como instrumento juridicamente idôneo de mudança
informal da Constituição.
A legitimidade da adequação, mediante interpretação do
Poder Judiciário, da própria Constituição da República, se e quando
imperioso compatibilizá-la, mediante exegese atualizadora, com as
novas exigências, necessidades e transformações resultantes dos
processos sociais, econômicos e políticos que caracterizam, em seus
múltiplos e complexos aspectos, a sociedade contemporânea.

HERMENÊUTICA E DIREITOS HUMANOS: A NORMA


MAIS FAVORÁVEL COMO CRITÉRIO QUE DEVE REGER A
INTERPRETAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO.
– Os magistrados e Tribunais, no exercício de sua atividade
interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados internacionais
de direitos humanos, devem observar um princípio hermenêutico

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RE 460320 / PR

básico (tal como aquele proclamado no Artigo 29 da Convenção


Americana sobre Direitos Humanos), consistente em atribuir
primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana,
em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica.
– O Poder Judiciário, nesse processo hermenêutico que
prestigia o critério da norma mais favorável (que tanto pode ser
aquela prevista no tratado internacional como a que se acha
positivada no próprio direito interno do Estado), deverá extrair a
máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações
constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos
indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a
sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da
pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à
alteridade humana tornarem-se palavras vãs.
– Aplicação, ao caso, do Artigo 7º, n. 7, c/c o Artigo 29,
ambos da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São
José da Costa Rica): um caso típico de primazia da regra mais
favorável à proteção efetiva do ser humano.”
(HC 93.280/SC, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Embora entenda, como venho de assinalar, que os tratados internacionais


de direitos humanos qualificam-se, em nosso sistema normativo, como
diplomas de índole constitucional, consoante tive o ensejo de destacar por
ocasião do julgamento plenário do RE 349.703/RS, do RE 466.343/SP e do
HC 87.585/TO, cabe reconhecer – como precedentemente acentuei em
passagem anterior deste voto – que o Supremo Tribunal Federal, em
referidos precedentes, atribuiu, ainda que por exíguos 5 (cinco) votos
a 4 (quatro), caráter de supralegalidade a tais convenções, como
proclamou esta Corte Suprema nos casos acima mencionados:

“(...) o caráter especial desses diplomas internacionais


sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no
ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém
acima da legislação interna. O status normativo supralegal
dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo

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Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele


conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão (...)”
(RE 349.703/RS, Red. p/ o acórdão Min. GILMAR
MENDES – grifei)

De qualquer maneira, no entanto, o caso ora em exame, por não versar


matéria de direitos humanos, deve reger-se pela cláusula fundada no
art. 98 do Código Tributário Nacional que reconhece, de modo absolutamente
legítimo, que os tratados internacionais em matéria tributária, quando postos
em situação de antagonismo com o direito interno preexistente ou com o
ordenamento normativo superveniente, sempre prevalecerão quanto à sua
eficácia e aplicabilidade.

Sendo assim, e por tais razões, acompanho, com a ressalva posta


na fundamentação deste voto, a manifestação do eminente Relator.
Em consequência, dou provimento ao recurso extraordinário interposto
pela União Federal e julgo prejudicado o apelo extremo deduzido pela
Volvo do Brasil Veículos Ltda. e outros.

É o meu voto.

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Extrato de Ata - 05/08/2020

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PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 460.320


PROCED. : PARANÁ
RELATOR : MIN. GILMAR MENDES
REDATOR DO ACÓRDÃO : MIN. DIAS TOFFOLI
RECTE.(S) : VOLVO DO BRASIL VEÍCULOS LTDA E OUTRO(A/S)
ADV.(A/S) : BEATRIZ DONAIRE DE MELLO E OLIVEIRA (15315/DF) E
OUTRO(A/S)
RECTE.(S) : UNIÃO
ADV.(A/S) : PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL (00000/DF)
RECDO.(A/S) : OS MESMOS

Decisão: Após o voto do Senhor Ministro Gilmar Mendes


(Relator), que dava provimento ao recurso da União, para julgar
improcedente a ação, prejudicado o recurso das autoras, pediu
vista dos autos o Senhor Ministro Dias Toffoli. Impedido o Senhor
Ministro Luiz Fux. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro
Joaquim Barbosa. Falaram, pelas recorrentes, o Dr. Carlos Eduardo
Caputo Bastos e, pela União, a Dra. Cláudia Aparecida de Souza
Trindade, Procuradora da Fazenda Nacional. Presidência do Senhor
Ministro Cezar Peluso. Plenário, 31.08.2011.

Decisão: Preliminarmente, o Tribunal, por unanimidade, julgou


prejudicado o recurso extraordinário interposto pela Volvo do
Brasil Veículos LTDA. e outros. Na sequência, em razão de empate
na votação e nos termos do art. 146 do Regimento Interno do
Supremo Tribunal Federal, o Tribunal negou provimento ao recurso
extraordinário da União. Votaram pela negativa de provimento do
recurso extraordinário os Ministros Dias Toffoli (Presidente e
Redator para o acórdão), Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski,
Cármen Lúcia e Rosa Weber. Os Ministros Gilmar Mendes (Relator),
Edson Fachin, Roberto Barroso e Celso de Mello davam provimento ao
recurso extraordinário da União Federal, para afastar a concessão
da isenção de imposto de renda retido na fonte para os não
residentes conferida pelo acórdão recorrido e julgavam
improcedente a presente ação declaratória. O Ministro Alexandre de
Moraes acompanhou o Relator com ressalvas. Impedido o Ministro
Luiz Fux. Plenário, Sessão Virtual de 26.6.2020 a 4.8.2020.

Composição: Ministros Dias Toffoli (Presidente), Celso de


Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen
Lúcia, Luiz Fux, Rosa Weber, Roberto Barroso, Edson Fachin e
Alexandre de Moraes.

Carmen Lilian Oliveira de Souza


Assessora-Chefe do Plenário

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