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i d = 7
A POÉTICADO CINEMA
E A QUESTÃODO MÉTODOEM ANÁLrSErÍlurCe
WilsonGomes
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apreciador. Os modos de estruturação do filme não operamcomo
camadas justapostas, o filme é ele mesmouma composição no qual
se sintetizamas várias composiçõese usos dos elementos e
materiais.O filme como um todo é a programação de efeitos,a
logística que rege e coordenaas estratégias fundamentais e os usos
dos seus recursos elementares.Além disso, não seria correto
i m a g i n a rq u e o s f i l m e s s e c o m p o n h a me, m i g u a l m e d i d a ,d a s
diversas composiçõeselementares.Cada filme, enquanto obra
singular, é um programa artístico específicoe solicita, numa
específica medidae realizandoum conjuntoprecisode escolhas,a
naturezae os modos dos seus efeitospróprios.Cada filme, cada
classe ou gênero deles tem um especialsabor, uma têmpera
particular,decorrentedo modo peculiarcomo nele se combinamos
e l e m e n t oes d a q u a n t i d a dee q u a l i d a ddeo s i n g r e d i e n t eesn v o l v i d o s .
Assim,ampliandoAristóteles, o filme não se qualifícaapenaspelo
gênerode efeitosemocionais que prevêe solicita,mas tambémpela
determinação do tipo de composição que ele comportae da famíliade
efeitosque ele engendra.A históriada arte em gerale a histórÍada
teoriado filme em particularsão um contínuosucederde disputas
entreescolassobreaquiloque a arte cinematográfica e o filmesãoou
deveriam ser. E freqüentementeos termos da escolha são
justamenteas três formasde composição indicadas acima.Um fílme
q u a l q u edr e v eo u n ã od e v ec o n t e ru m a m e n s a g e mu,m a d e n ú n c i o au
uma informação? Quandoissoacontece tal coisase dá a prejuízodas
suas propriedades artísticase expressivas? Um bom filme não deve
ser engajado,criticardeterminados modosde vida, fazer pensare
defenderas causas justas? Aquiloque torna um filme artísticonão é
justamenteo fato de que ele nãoestáali parafazerpensarem nada
(nãoé unratese,é arte!),mas paraexpressar, fazersentir?Um filme
voltado para a comoçãonão estaria degradandoa sua função
artística,de um lado, óu a sua funçãocrítióa,de outroZÉ,evidente
que as escolas"artísticas", voltadasparadefendero especificamente
artísticocomo o não-conceitual, insistírãoque o que caracterizaria
especificamente o filmecomoarte estariana sua composição estética
e no empregoartísticodos recursoscinematográficos. Nessesentido,
as "vanguardas estéticas"e as suasinovações da "linguagem"e dos
recursosexpressivos são as preferidas por esta escola.Já as escolas
conceituais insistemna funçãocomunicativa do filme, no bom e no
mau sentido.No bom sentido, quando o cinemaexercea sua função
críticada sociedadee dos seus modosde vida, quandodenuncia,
quandofaz pensar,quandose engajanas causaseticamente justas.
No mau sentido,porquea leituracrítícado cinemademonstraria o
quantoa indústriacinematográfica produzmensagens voltadaspara
a manutençãodo status QUo,da dominaçãodo homem sobre o
homeme para o apoÍoe adesãoao modo de vida das sociedades
centraisna forma atual de capitalismo. Comumtanto à perspectiva
do cinemade vanguardaestéticaquãntoà perspectiva do cínema
engajadoé a avaliação negativa sobre a composição poética. O
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cinemade mensagens desprezao cinemade lágrimastanto quantoo
cinemaestéticoofaz. Taisdisputas,na medidaem que solicitamuma
escolhaentre os modosde composíção, findam por Ser uma arena
política.Todasessasformasde composição fizeramparte da formas
de realização artísticadesdesempree não parecemdar sinaisde
esgotamento.A nossa experiêncianos diz que elas estão
freqüentemente combinadas nas obrasde arte que apreciamos. Mas
no diz também que a fenomenologia das formas de composição é
muitovariávele que a escolhaapriorística de uma ou de outra não
nosajudariaa compreender melhor o fato artístico. Há obrasem que
uma forma de composição é predominante e, de algumamaneira,
silenciaou controlatodas as outras:é o caso dos filmes-denúncia,
dosfilmesde vanguardas expressivas ou dos melodramas lacrimosos,
por exemplo,em que a buscade produção de idéiasou sensações ou
sentimentos esgotam praticamente todos oS recursos empregados na
obra. Há obras em que oS programasde efeitosse combinamde
maneiramais homogênea, há obrasem que apenasdoisdelesestão
presentes. Nenhumadessasformasdo fenômenoé, por isso,maisou
menosartísticado que a outra.Nessesentido,um fÍlmedeveSempre
Ser capazde dizero modo como quer Ser apreciado,O modo e a
dosagemcomo as váriascomposições são, por sua vez, compostas
numlodo que é dado à apreciação. E a obra que rege,tambémno
cinema,os parâmetros da sua própria apreciação e, por conseguinte,
os parâmetrosda sua própriaanálise.ParaJakobsonum trabalho
literáriose faz com um grupode códigosem interação'mas de modo
tal que um códigoé sempredominante. Em certospoemaslíricos,por
exemplo,aliteraçõese assonâncias, que seriam códigossonoros,
controlariamas inflexões dos outros códigos como narrativa,
repetição,imagens.De modo análogo,talvezse deva dizer que as
váriasformasde composição interagemconstantemente no interior
da peçacinematográfica, mas que, tendencialmente, há pelo menos
uma forma que controla as outras composiçõese sobre elas
r e um melodrama
p r e d o m i n aA. s s i m ,r e c l a m a d que ele não realize
denúncia s o c i a l ,p o r e x e m p l oé, e x i g i rd o f i l m e u e e l e r e n u n c i ea o
q
seucódigodominante,a composição poética,e as suasestratégias de
comoção,para assumir um código que nele certamentenão é
estratégiaimportante.Estuda-sepouquíssimo, em teoria e estética
do cinema, as composiçãoestéticase poétÍcasdos filmes. Por
conseqüência, elassãoaplicadas rarae desordenadamente na análise
e interpretação de filmes.E fazem falta. Se por um lado, a instâncÍa
da realização manipulaos recursos e materiaisdo filme paraproduzir
oS efeitos desejadosporque certamenteconhece e domina a
composiçãopoeticacomo tecnologiae savoir faire, a teoria e a
análisenão sabemmuitoo que fazercom essesmateriaise os acaba
desperdiçando em Sua abordagemteóricaou em sua aproximação
analítica.A semióticaaplicadaao cinema, por exemplo,tem se
reveladoeficientecomo estudo interno da mecânicados filmes,
naquilo que neles é a estratégiade produção de sentido e
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significação.A sua meta é perfeitamentecompreensívelse for
compreendida como a proposição de modeloshabilitados a explicar
como um filme adquiresignificadono ato da sua apreciaçãoou
interpretação.Estaráfora da sua órbita específicade competência,
todavia,pretenderexaminaro filme como estratégiasensorialou
sentimental.Trata-se,portanto,de dimensõesaindaa explorar.No
horizonteteórico e metodológico da poéticado cinema,atividade
fundamentaldo analista é, portanto, movimentar-seentre a
apreciação os efeitosque cadafilme
e o texto do filme, identificando
realizasobre O apreciadOr para, entãO,remontaraos progrAmas
dispostosna composição da obra.