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ão por algum tempo tem, a qualquer mornen-

se, se a situação se tornar difícil?". A proposta


s entre pesquisador e pesquisados, uma cornu-
. de maneira irreversível, sem possibilidade de
rs sujeitos observados"?
o de tais estudos, a despeito de sua inegável
»das as possibilidades. Representa tão-somen- CAMINHOS DE CONSTRUÇÃO DA PESQUISA
pios que se poderia dar, tendo por referência EM CIÊNCIAS HUMANAS
:lOS primeiros textos e aos últimos não quer
io; fosse assim, não estariam aqui. Tampouco PAULO DE SALLES OLIVEIRA
etapas evolutivas. Nem há linearidade nem a
lU mesmo definitiva. Como organizador, não

térprete destes autores; tenho para com eles


ologia poder compartilhá-la, mas não gostaria
experiência estimulante e singular do grande
s (re)descobrindo fontes, que parecem a todo A IMPORTÂNCIA DO MÉTODO
:teiro quando indica que "nenhum livro que
zro em quesrão ?", Recomenda enfaticamente QUA~ o SENTIDO que se pode emprestar à noção de método? Trata-se de conceito
s de clássicos, pois além do risco de deforma- que comporta múltiplas acepções. Nestes casos, sempre é bom começar por um di-
10SS0 desenvolvimento como leitores. Ainda cionário especializado. Lalande assinala: esforço para atingir um fim, investigação,
tarn-nos descobertas, furtam-nos sentimentos estudo; caminho pelo qual se chega a um determinado resultado; programa que regu-
.ossa incursão a páginas que nos ajudariam a la antecipadamente uma seqüência de operações a executar, assinalando certos erros
;amos. Eis por que, diz ele, "um clássico é um a evitar", Método indica, portanto, estrada, via de acesso e, simultaneamente, rumo,
lo que tinha para dizer"." discernimento de direção. Concluindo, com as palavras de Marilena Chauí, "metho-
ser concluída sem antes agradecei à professo- dos significa uma jnvestigaçãó que segue um modo ou uma maneira planejada e
ora desta coleção, pela confiança depositada, determinada para conheceralguma coisa; procedimento racional para o conhecimen-
el Marson, professores da Unicamp, e Oswal- to seguindo um percurso fixado-."
.la Unesp, pelas sugestõ'es valiosas e encoraja- O método assinala, portanto, um percurso escolhidoentre outrospossíveis. Não'
pre por perto deste e de outros trabalhos. é sempre, porém, que o pesquisador tem consciência de todos os aspectos que envol-
.s e, na ausência destes, aos familiares e edito- vem este seu caminhar; nem por isso deixa de assumir um método. Todavia, neste 'L;
li
:ação dos textos aqui reproduzidos, sem o que caso, corre muitos riscos de não proceder criteriosa e coerentemente com as premis-
fi
-se a forma na qual foram, apresentados nas sas teóricas que norteiam seu pensamento. Quer dizer, o método não representa tão- ç,

somente um caminho qualquer entre outros, mas um caminho seguro, uma via de U
2 C
acesso que permita interpretar com a maior coerência e correção possíveis as ques-
h
tões sociais propostas num dado estudo, dentro da perspectiva abraçada pelo pesqui- c
sador. Oobjeto da metodologia é, então, o de estudar as possibilidades explicativas ]<

C\.\IINHOS DE CONSTRUÇAO DA PESQUISA DI CIÊNCIAS SOCl ..\ IS 17


dos diferentes métodos, situando as peculiaridades de cada qual, as diferenças, as criadora, a atenção com a linguagem, rec
divergências, bem como os aspectos em comum. reabilitação da pesquisa como práticaart
Expoentes das ciências humanas têm reconhecido que as questões suscitadas pelo leitura? e tentaremos demonstrá-lo, realiz
método, não obstante sejam extremamente relevantes na pesquisa, nem sempre têm questão fundamental se refere às relações I
recebido a atenção que mereceriam de alguns pesquisadores. Curioso é notar que esse pesquisador. "Qs pensadores mais admirá'
tipo de desatenção possa estar, de alguma forma, vinculado à prática de se estudar .traiJalho de suas vidas. Encaram ambos d
metodologia. Wright Mills constata que: ção, e desejam usar cada uma dessas coisa
"Muitos autores instintivamente começam atacando os problemas do método de Ademais, promover a consonância e
forma acertada. Mas depois de estudarem metodologia, eles se tornam conscientes de mulante, pois atribui vida ao estudovret
numerosas armadilhas e outros perigos que os esperam. O resultado é que perdem a artificialismo, que-recobrem parte da pese;
sua segurança interior e são desviados ou tomam decisões inadequadas.":' contribuindo para a representação social <
Diante disso, recomenda um cuidado especial aos pesquisadores, o de buscar ainda encontra ressonância no conjunto c
fundamento nos autores expressivos que semearam.o terreno para nós e q!-1e, fortale- Um cuidado" todavia, parece necesss
cidos por essa empreitada, cada qual possa ser também seu "próprio teórico e seu pode l~;;-;~~'~;formismo,à reproduçãc
próprio metodólogo ?". Numa perspectiva ampla, é isso que se dá entre os filósofos, mente diversas~Por-lsso,previne o autor,
como mostra Marilena Chauí, ressalvando entretanto que, no sentido estrito, "o bom a experiência: "ser ao mesmo tempo.conf
método é aquele que permite conhecer verdadeiramente o maior número de coisas maduro?". Resumidamente: a incorporaçâ
com o menor número de regras ?:'. Mais recentemente, a autora acrescenta que se é à pesquisa, mas ceder às verdades cristali:
verdadeiro que as ciências do homem comportam vários ramos específicosçde acordo ducionistas, mesmo que supostamente di
com seus objetos e métodos, essa especificidade não deveria inibir aproximações en- inverso, o da mortificação.
tre as áreas, pois: "[... ] as ciências humanas tendem a apresentar resultados mais Na elaboração dos arquivos, o autor
completos e satisfatórios -q~~~d~ trabalham interdisciplinarrnente, de modo a abran- minúsculos detalhes, das coisas rnomentar
g~~' c;~~Jlt"ipio~';~'pe~to~simllltâneose sucessiv~~'d~~ f~~ô;;;~';os estudados.I" vas podem desvandar nexos hoje não perc
Assim, feitas estas considerações, espera-se que leitores e pesquisadores, longe de e absolutamente honesto ao coligir ou ao I
se apartarem da metodologia, dela se aproximem lapidando artesanalmente a cons- tas, por exemplo. Elas não são feitas aperu
trução de seus estudos, sem perder de vista a idéia de totalidade que recobre as ciên- e melhorados, mas com atitudes éticas en
cias humanas. mos a este ponto mais adiante, com o auxi
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Bons pesquisadores, esclarece Wright
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ro: ~~<:':~' mesmo porque na maioria das veze:
não poderiam antecipar. Além do que, pes
O ARTESÃO INTELECTUAL e pô-las em prática. O cultivo da capacidac
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et sador; somente a ell:g~Qh()sidade saberá r:
lU- Wright Mills reflete com beleza e mestria sobre este modo de proceder e discorre poderíamos sequer intentar pudessem um
sobre vários aspectos relevantes: a relação entre o tema de pesquisa e a biografia do Significaaprirnorar a percepção, refinar a
10-
p.
pesquisador, a importância de coligir anotações em arquivos, cuidados com o levanta- preensão, comover-se diante de práticas, I
rnento de dados e a produção denovas fontes, a importância de exercitar a imaginação prendidas no seu íntimo.

18 PAULO DE 5ALLE5 OLIVEIRA CA~IINHOS


t
oeculiaridadesde cada qual, as diferenças, as criadora, a atenção com a linguagem, recusando a afetação e o hermetismo, além da
ncomum. re~?ilitação da pesquisa.com()prática~1tesanalmente~<:~~tr~i~~ Nada substitui sua '
.rn reconhecido que as questões suscitadas pelo leitura? e tentaremos demonstrá-lo, realizando inciirsão ligeira a estes pontos. Uma
[lente relevantes na pesquisa, nem sempre têm questão fundamental se refere às relações entre o tema eleito para pesquisa e a vida do
alguns pesquisadores. Curioso é notar que esse pesquisador, "Ospensadores mais ad111iráveis"-:;- ensina o autor - "não separam seu
LIma forma, vinculado à prática de se estudar _..trabalho
" ".......•. -•......
,_
de suas vidas. Encaram ambos
,......... . demasiado a sério para permitir tal dissocia-
le: ção, e desejam usar cada uma dessas coisas para o enriquecimento da outra'".
omeçam atacando os problemas do método de Ademais, promover a consonância entre pesquisa e biografia é altamente esti-
em metodologia, eles se tornam conscientes de mulante, pois atribui vida ao estud~,~etira~d~ da produção intelectual poeiras de
s que os esperam. O resultado é que perdem a artificialismo, que recobrem parte da pesquisa acadêmica ou, senão isso, que acabam
ou tomam decisões inadequadas."? contribuindo para a representação social da universidade como redoma, imagem que
.' (
lado especial aos pesquisadores, o de buscar ainda encontra ressonância no conjunto da sociedade.
re semearam o terreno para nós e que, fortale- Um cuidado, todavia, parece necessário: a reiteração mecânica da experiência
possa ser também seu "próprio teórico e seu pode l;:;;~;~-;;;";;formismo,à reprodução da mesmice diante de situações completa-
:iva ampla, é isso que se dá entre os filósofos, mente diversas. Por isso, previne o autor, convém-manter uma relação ambígua com
ndo entretanto que, no sentido estrito, "o bom a experiência: "ser ao mesmo tempo.confiante e cético; essa a marca do trabalhador
r verdadeiramente o maior número de coisas rnaduro'". Resumidamente: a incorporação da experiência vivida pode conferir alma
is recentemente, a autora acrescenta que se é à pesquisa, mas ceder às verdades cristalizadas, a fórmulas vulgares, a esquemas re-
unportam vários ramos específicos, de acordo ducionistas, mesmo que supostamente didáticos, tudo isso pode trazer o resultado
ificidade não deveria inibir aproximações en- inverso, o da mortificação. 1 {.

manas tendem a apresentar resultados mais Na elaboração dos arquivos, o autor recomenda não descurar nem mesmo dos
lham interdisciplinarrnenn-, de modo a abran- minúsculos detalhes, das coisas momentaneamente vagas: Futuras associações criati-
: sucessivosd;~f~~6menos estudados. "6 vas podem desvandar nexoshoje não percebidos. Iml';;i:;~te também é ser criterioso
spera-se que leitores e pesquisadores, longe de e absolutamente honesto aocoligir ou ao produzir dados, como no caso das entrevis-
.proximem lapidando artesanalmente a cons- tas, por'exemplo. Elas não sãofeitas apenas com bons roteiros, previamente testados
ista a idéia de totalidade que recobre as ciên- e melhorados, mas com atitudes éticas em relação às pessoas pesquisadas. Voltare-
mos a este ponto mais adiante, com o auxílio das reflexões de Oswaldo Elias Xidieh.
Bons pesquisadores, esclarece Wright Mills, não se limitam à observância de re-
gras, mesmo porque na maioria das vezes experimentam situações que os manuais
~ã~ poderiam antecipar. Além do que, pesquisar não se restringe a absorver técnicas
e pô-las em prática. O cultivo da capacidade imaginadora separa o técnico do pesqui-
sador, somente a engenhosiclade saberá promover a associação de coisas, que não
estria sobre este modo de proceder e discorre poderíamos sequer intentar pudessem um dia se compor, num dado cenário social. 7 Wright Mills, Charles. Do arte-

ão entre o tema de pesquisa e a biografia do Significa aprimorar a percepção, refinar a sensibilidade, ampliar horizontes de com- sanato intelectual. In: - . Ob.
cit., p. 211-43.
orações em arquivos, cuidados com o levanta- preensão, comover-se diante de práticas, pequeninas na sua forma, calorosas e des- .< Ibidem, p. 211-12.
mtes;a importância de exercitar a imaginação prendidas no seu íntimo. " Ibidem, p. 213.

CA,IINHOS DE CONSTRUÇAO DA PESQUISA nl CIÊNCIAS SOCIAIS 19


Nervos sadios, entre tantos outros escritos de Walter Benjamin, exemplifica com UM FAZER MUITO ALÉM DAS TÉCl
inigualável encanto isto que estamos tratando. Refere-se à relação entre a cultura
visual e o cotidiano das pessoas, com base em exposição organizada por Ernst joél, Não é difícil encontrar quem conce
Não objetiva despejar informações aos expectadores na vã tentativa de torná-los mas isso significaria operar uma enorm
especialistas; pretende acionar o interesse dos visitantes para que dali não saiam do Método envolve, sim, técnicas que deve]
mesmo jeito que entraram. Cada proposta está orientada para rechaçar o distancia- põe; mas, além disso, diz respeito a fun
mento e a indiferença, almejando a conjunção entre arte, conhecimento e vida práti- reflexão. Ao se falar, por exemplo, em n
ca. Donde as surpresas, o aconchego dos cenários e peças, a mobilização elegante e cus são seria muito redutora se apenas al
criativa para prender a atenção, sem jamais perder a leveza. Assim, para representar vale para promover a alfabetização; seris
o consumo de um alcoólatra num dado período, que fez ele? "A idéia mais comum mento teórico, que dá suporte e consistê:
seria "acomodar um conjunto considerável de garrafas de vinho ou aguardente. Ao cação? Quais os pressupostos da relaçã
invés disso, joêl coloca, ao lado do quadro com a inscrição, um papelzinho todo questões podem interferir ria produção c
gasto e dobrado: a conta trimestral da venda"~o .. ". . A superação do entendimento mera
Coerente com tal encaminhamento, Wright Mills sublinha a necessidade de se per- se ela apenas representasse um conjunt
seguir, sempre que possível, o emprego da linguagem clara e simples. Não é nada fácil, desse dispor, independemente de suas c.
mesmo porque práticas anteriores consagraram linguagens específicas conforme a área: entre sujeito e objeto de pesquisa, reafirr
o psicologuês, o economês, o sociologuês e assim por diante. Entenda-se bem: não se dar conta dos procedimentos pelos quai
trata de vulgarizar questões e conceitos, mas de sempre se esforçar para enunciá-los manas.
com a clareza e linguagem simples. Questões complexas podem ter tratamento não- Pesquisarse aprende medianteopn
reducionista, usando-se clareza de expressão, de modo a que também se possa entender poderi~;~bstit~i~e;t<lprá.tica 12. Mesm~
a complexidade em sua plenitude. Escorregar a toda hora para o ininteligível, recorrer p~l~pesquisador no decorrer dos varia
a jargões, abusar de estrangeirismos, criar supostas novas semânticas quando uma aco- deduz, elas não estão, e nem sequer poc
modação criativa talvez fosse possível em português, ou, especialmente, quando tudo manual algum. Para obter depoimentos n
isto é feito a pretexto de rigor, como se a produção científica devesse permanecer maté- deveria proceder?Bastariachegar diante
ria de apreensão seletiva e assim distinguir com prestígio e mérito a quem a realiza, aí o quanto antes, a entrevista para não tom"
nó da questão. Fazer um estudo compreensível não é algo que, aprioristicamente, possa do pesquisador? Depende. O pesquisade
ser associado à superficialidade. "Escrever", ensina Wright Mills, "é pretender a aten- dinâmica mais profícua, que resguardass
ção dos leitores"!'. Fazê-lo com desembaraço, sem desvios banalizadores, é trabalho de tos pesquisados. No estudo da cultura P'
lapidação para a vida toda. Que o digam os literatos! vem de Oswaldo Elias Xidieh. Seu modo
"'Benjamin, Walter. Nervos sa- Todos esses aspectos convergem para a necessidade de o pesquisador se assumir deraçâo ao outro. Mostra que há: "[ ...] u
dios. In: Documentos de
'\ --o

cultura, documentos de barbárie.


como artesão pertinaz, paciente, atento, sensível e, ao mesmo tempo, despretensioso, ção particular em que a história pode ser
Vários tradutores. Seleção e in- zelador do consórcio entre teoria e prática, reservando exemplos probantes a cada do grupo e isso é o que realmente import
trodução de Wil1i Baile. São Pau- movimento importante de sua reflexão. As ciências humanas, ao serem exercidas dentro do contexto estudado, s~ não rec
lo: Cultrix/Edusp, 1986, p. 179- como ofício, permitem que cada pesquisador se sinta parte integrante da tradição
81.
arbitrários e exteriores sobretudo, se J

clássica, podendo fazer reviver, dentro de nós e entre nós, aquilo que de mais alenta- distinguir em que momento os sujeitos es
"Wright Mil1s, Charles. Ob. cit.,
p. 235" dor a condição humana pode oferecer. Em razão disso, vale a pena retomar
20 PAULO DE 5ALLE5 OLIVEIRA
itos de Walter Benjamin, exemplifica com UM FAZER MUITO ALÉM DAS TÉCNICAS
mdo. Refere-se à relação entre a cultura
em exposição organizada por Ernst joél, Não é difícil encontrar quem conceitue método como um conjunto. de técnicas,
>cpectadores na vã tentativa de torná-los mas isso significaria operar uma enorme redução naquilo que ele pode representar.
dos visitantes para que dali não saiam do Métodoenvolve, sim, técnicas que devem estar sintonizadas com aquilo que se pro-
-;~~ci~rient~aa para rechaçar o distancia- põe; mas, além disso, diz respeito a fundamentos e processos, nos quais se apóia a
ção entre' arte, conhecimento e vida práti- reflexão. Ao se falar, por exemplo, em ~~t~oPà-ulõFreire d~ aprendizagem, a dis-
:enários e peças, a mobilização elegante e cussão seria muito redutora se apenas aludisse aos recursos e instrumentos de que se
is perder a leveza. Assim, para representar vale para promover a alfabetização; seria necessário ir além para perceber o embasa-
eríodo, que fez ele? "A idéia mais comum mentoteórico, que dá suporte e consistência ao método. D~-q~-~-~õclo-eiJ.~~raa edu-
I de garrafas de vinho ou aguardente. Ao c;çio?-Q~ais os pressupostos da relação entre educádor e educandos? Como tais
lro com a inscrição, um papelzinho todo questões podem interferir ria produção do saber? E assim por diante.
lda"lO. A superação do entendimento meramente instrumental da metodologia, como
rizht Mills sublinha a necessidade de se per- se ela apenas representasse um conjunto de técnicas das quais o pesquisador pu-
lir~gllagemclª~ae simples. Não é nada fácil, desse dispor, independemente de suas concepções acerca do mundo e das relações
irarn linguagens específicas conforme a área: entre sujeito e objeto de pesquisa, reafirma a importância de uma reflexão, capaz de
e assim por diante. Entenda-se bem: não se dar conta dos procedimentos pelos quais se constrói uma pesquisa em ciências hu-
12Abramo, Perseu. Pesquisa em
nas de sempre se esforçar para enunciá-los manas. ciências sociais. In: Hirano, Sedi.
tões complexas podem ter tratamento não- Pesquisar se aprende mediante o próprio fazer, enfatizam os especialistas; nada (org.) Pesquisa social, projeto e
ão, de modo a que também se possa entender poderia substituir ~st';í?rát~c.ª-12. Mesmo porque muitas situações inusitadas esperam planejamento. 2.' ed. São Pau-
gar a toda hora para o ininteligível, recorrer per;;-p~~-q-;:;'is-;;'dor no decorrer dos variados momentos de seu trabalho e, como se lo: T. A. Queiroz, 1988, p. 21-
88.
supostas novas semânticas quando uma aco- deduz, elas não estão, e nem sequer poderiam estar, previamente decodificadas em l3Oliveira, Paulo de Salles. Mes-
português, ou,. especialmente, quando tudo manual algum. Para obter depoimentos na forma de entrevista, por exemplo, como se tre Xidieh, a cultura do povo e
a conaturalidade , Cadernos da
redução científic~ devesse permanecer maté- deveria proceder? Bastaria chegar diante dos sujeitos a serem pesquisados e iniciar, o
Faculdade de Filosofia e Ciên-
. com prestígio e mérito a quem a realiza, aí o quanto antes, a entrevista para não tomar tempo nem do entrevistado ou tampouco cias. Marília-SP, número espe-
sível não é algo que, aprioristicamente, possa do pesquisador? Depende. O pesquisador - e somente ele - poderia identificar a cial (dedicado ao estudo da obra
r", ensina Wright Mills, "é pretender a aten- dinâmica mais profícua, que resguardasse a integridade da maneira de ser dos sujei- de Oswaldo Elias Xidieh), p. 13-
tos pesquisados. No estudo da cultura popular, por exemplo, uma referência '~egura
21, 1996. Do próprio Oswaldo
aço, sem desvios banalizadores, é trabalho de Elias Xidieh, consultar: Nar-
os literatos! vem de Oswaldo Elias Xidieh. Seu modo de proceder reitera a importânciada consi- ratiuas populares. Belo Hori-
a a necessidade de o pesquisador se assumir dera<tão.a.?021:!to. Mostraque hX: "I...] um.1?!i~!nt2.Eara a narração. Há uma situa- zonte: Edus p/Ita ti a ia , 1993,
com introdução de Alfredo Bosi;
sensível e, ao mesmo tempo, despretensioso, ção particular em que a história pode ser contada, respeitando-se o contexto cultural
Semana santa cabocla. São Pau-
:ica, reservando exemplos probantes a cada do grupo e isso é o que realmente importa para o pesquisador. Se ele souber se situar lo: Instituto de Estudos Brasi-
'. As ciências humanas, ao serem exercidas dentro do contexto estudado, se nãorecortar a fala dos entrevi~º_~J?º~critérios leiros, 1972, além do artigo,
isador se sinta parte integrante da tradição arbitráriose exteriores e, sobrer;d;;,s-e não quis~~-c;rrigfr~ciepoimentos,sab~ Quadras populares e adjacên-
cias. Estudos auanç ados. São
le nós e entre nós, aquilo que de mais alenta- disti~~i~ em que momeiJ.to os-sujeitõS~esi:~~clàdõSPõdên1se. expressarTivremente 13:-;; Paulo, v. 11, n." 30: p. 309-34,
. Em;,:;za.ü-ôisso, vale a pena retomar a colocação de Perseu Abran;o~-~r,norizada maio-agosto de 1997.

CA~IINHOS DE CONSTRUÇÃO DA PESQUISA nI CIÊNCIAS SOCIAIS 21


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pelo acréscimo que lhe fez Gabriel Cohn: "o melhor aprendizado da pesquisa social é fonte de poder' Sem perder de vista que I
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fazê-la"; mas, preferencialmente: "fazê-la sabendo-se que se faz. "14 faz, ainda, em meio ao embate travado c'
Não deixa de ser curioso notar, com!
movimento de dessacralização do conhec
balho". Foram veementemente contestad
CONSTITUIÇÃO E POLITIZAÇÃO DO MÉTODO tas, as f.9.!.Il1Cl~cl.~ é>~~paç-~o'ªo:~~!11Jl() ;Zc;;
po em que se cultuava a disciplina do c
O métodoexisteparaajudara c()Ils~r~ir uJ:!1a J:~pre.sentação Cl ~~.'lllCl~~.4asques­ corpo pela té~~i~~--e'o-~estramentoda rm
tõ~~ Cl~~reII1estuclaclas. Ele foi constit~fcl() no âmbito de um movimento cuja origem de pensar foi concomitante à ascensão bl
remonta aoss~C:1.!to§ :x:YIe :X:VU.e que valorizava a capacidade do pensamento ra- em que se assentop sua emergência como
cional. Acreditava-se que, pelo uso da razão, seria possível aos homens não só conhe- Variadas formas de enfrentamento n
ce!()Il1_11Il~() mas,além4isso, transformá-lo. Esse discernimento que associai; a consolidação do projeto burguês, Política
razão dos homens à possibilidade de provocar mudanças na vida social já significava g~J:g:gl1!Zª.clºC:ºJ:!1º iIl~trurnentos capazes
o questionamento do saber diletante e contemplativo. Representava, também, uma discipliIlªr.oshºll1~Il§ àIógica da produti
cunha na supremacia das interpretações teocêntricas, propugnando a desvinculação nitivamente interiorizado nos homens o
da produção do saber da órbita eclesiástica para que ela pudesse se constituir no diria Edward Palmer Thompson";
interior do universo secular. qS.~rgLIl1.l:!1!g cia~Gl~acl_eI11}élsl~icéls trazia, portanto, .9.1:1.::: Auguste Comte, por sua vez, persegu
trªPQs§ibiliclªºe interpretª!i,ya, buscando explicações para os dramas sociais na pró- social, estipulanasegunda lição do Curs
pria dimensão humana de existência, sem a interferência dos componentes extra- ciência leva à previsão e daí à ação, com]
terrenos. Desde finsdóDezoito, oshornens da
Cuidou-se, então, de construir meios confiáveis para observar, para promover ras poderosas e dominadoras, capazes de
experimentos, bem como para elaborar hipóteses e princípios. O desenvolvimento ções, com o concurso do método. No case
destes instrumentos foi concomitante ao das técnicas; postulava-se, afinal, uma ciên- xo se interpõe: afinal é do homem que se t
cia de intervenção, que fosse atuante na prática e que estivesse, a um só tempo, sintoni- ao mesmo tempo, sujeito e objeto na inve
zada coma expansão capitalista e com o aumento da capacidade produtiva. Ordenar Além disso, sendo o sujeito do conh
as coisas, sistematizá-las, identificar unidade e diversidade, mensurar, decompor o mern-cientista, ele em tese pode tudo, mas
todo em partes, analisar - eis resumidamente a empreitada que se queria consolidar. ro de uma situação que, supostamente, f
Quem iria operacionalizar o método? A resposta a esta questão põe em evidência Como assim? É que, ao submeter o real"
a figura do sujeito do conhecimento. Trata-se de alguém com existência corpórea, para desvendar as tramas sociais em sua 1
versado nas l;abilidadesh;'CpoÜcoenunciadas, desejoso de fazer valer sua formação conhecimento é conduzido a olhar a soe:
científica para elaborar um saber que não só fosse capaz de dar explicações convin- ostentando olímpica exterioridade. Neste
centes sobre determinadas questões sociais mas que, sobretudo, pudesse ser aplicado põe e manipula o real em partes, desejoso
para interferir no rumo das coisas. temente rigorosa e acética, acaba por mt
Quando o desenvolvimento metodológico se torna recurso imprescindível para mundo social apªI'ei=.t?_<::ºl}geJªgg,,§.e!12.C:91
14Cohn, Gabriel. Apresentação.
In: Hirano, Sedi (org.) Ob. cit., insinuar, estabelecer ou mesmo justificar intervenções modificadoras da sociedade, as s~.m paradoxos. ,É a-rnortificaçâodo obje:
p. XII. relações entre ciência e sociedade se alteram: a produção do, saber se consagra como inertes, tal qua] cadáveres, prontos para o

22 I'.IULO DE SALLES OLIVEIRA


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: "o melhor aprendizado da pesquisa social é fonte d~.P()cle~)Sem perder de vista que esta união entre conhecimento e política se
la sabendo-se o que se faz. "14 faz, ainda, em meio ao embate travado com as origens teológicas do saber.
Não deixa de ser curioso notar, com Maria 3ylvia de Carvalho Franco, que a esse
movimento de dessacralização do conhecimento correspondeu a sacralização do tra-
balho!'. Foram veementemente contestados o exercício contemplativo, o ócio, as fes-
_ __ .•._--_.. _--------"
'OMÉTODO tas, as f.2!.JE<:l~_cl_e_()cupaç~ocl()_!e_J:!1.Q()ecoIl()l11icaJ:!1~p._!~!!lprodutiva.§\ ao mesmo tem-
po em que se cultuava a disciplina do corpo 3 do pensamento, a mecanização do /
truir uma representação adeqtl,~Aa,Aasques­ corpo pela t[ê~Té:~e;;-;destramento.damente..p.s.l.o método. A construção deste modo
.',',. .... .. ._- .,--' _. ".~ C"'''. "_,,..,,,

do no âmbito de um movimento cuja origem de pensar foi concomitante à ascensão burguesa e à constituição das bases jurídicas
valorizava a capacidade do pensamento ra- em que se assentou sua emergência como força política preponderante.
zão, seria possível aos homens não só conhe- Variadas formas de enfrentamento não irr.pediram que o Dezenove assistisse à
rmá-lo. Esse discernimento que associava- a consolidação do projeto burguês, I'Qlítiça eçiência_!.ecelJeIll enfimo r~coI1heciIl1eIlto
ivocar mudanças na vida social já significava gt;lleJ:.illizadQcomo.instrumentos capazes de p.omover o domínio da natureza e de
contemplativo. Representava, também, uma disciplinar._~hºIIleIlsàlógicadaJ)rodutividade e da acumulação. Estava, pois, defi-
; teocêntricas, propugnando a desvinculação nitivamente interiorizado nos homens o relógio moral desta outra dinâmica, como
istica para que ela pudesse se constituir no diria Edward Palmer Thompson",
ttodasacademias laicas trazia, portanto, ou- Auguste Comte, por sua vez, perseguindo a tarefa de delimitar o espaço da física
lo explicações para·;;-s-dra~as sociais na p;ó- social, estipulanasegunda lição do Curso de filosofia positiva" que o caminho da
H Franco, Maria Sylvia de Carva-
sem a interferência dos componentes extra- ciência leva à previsão e daí à ação, compondo a trilogia: sª.Qel, prever, agir. lho. Retórica e método. Consi-
Desde fintaol)~zoito,os "homens da ciência podem ser consid-~~;dos '~omo figu- derações sobre o "progresso da
ras poderosas e dominadoras, capazes de tudc entender e submeter às suas explica- ciência". Texto mimeografado,
os confiáveis para observar, para promover
novembro de 1980. Da mesma
r hipóteses e princípios. O desenvolvimento ções, com o concurso do método. No caso das ciências humanas, porém, um parado- autora, ver também a minuciosa
l das técnicas; postulava-se, afinal, uma ciên- xo se interpõe: afinal é do homem que se trata.1sto quer dizer que o homem se torna, reflexão so bre os fundamentos
iratica e que estivesse, a um só tempo, sintoni- ao mesmo tempo, suj~ito e objeto na investigação científica. da ciência e do liberalismo no
artigo: All the world was Ame-
)aumento da capacidade produtiva. Ordenar Alé~ disso, sendo o suj~ito .do conhecimsnto representado pela figura do ho- rica. Revista da U5P, n." 17: p.
iidade e diversidade, mensurar, decompor o mem-cientista, ele em tese pode tudo, mas, ao exercitar este poder, torna-se prisionei- 30-53, março-abril-maio de
mente a empreitada que se queria consolidar. ro de uma situação que, supostamente, é caplZ de controlar e, portanto, dominar. 1993.
Thompson, Edward Palmer.
Como assim? É que, ao submeter o real ao metodo_~ supondo-o neutro e eficiente
16
)? A resposta a esta questão põe em evidência Tradicion, reuuelta )' conciencia
rata-se de alguém com existência corpórea, para desvendar as tramas sociais em sua transparência plena e exata - o sujeito do de clase. Estudios sobre la crisis
ciadas, desejoso de fazer valer sua formação conhecimento é conduzido a olhar a sociedac.e como quem a vê de fora, de longe, de la sociedad preindustrial.
ostentando olímpica exterioridade. Neste empreendimento, recorta, disseca, decom- Trad. de E. Rodríguez. Barcelo-
ão só fosse capaz de dar explicações convin-
na: Crítica, 1979.
ais mas que, sobretudo, pudesse ser aplicado põe e manipula o real em partes, desejoso de melhor analisá-lo. Esta prática, aparen- 17 Comte, Auguste. Segunda lição.

temente rigorosa e acética, acaba por mutilar o universo soci<1I,.in10bilizando-o. O In: --o Curso de filosofia po-
ológico se torna recurso imprescindível para mundo social aparece.cºIlg~JªgS',_s~m<:ºI1.ttaciçºes,sem lutas, sem. enfrentamentos, sitiua. Trad. de J. A. Giannotti.
São Paulo: Abril Cultural, 1973,
. intervenções modificadoras da sociedade, as sem paradoxos. É amortificaçâodo objeto. Os homens transformam-se em objetos p. 29. (Coleção "Os Pensado-
.ram: a produção do saber se consagra como inertes, tal qual cadáveres, prontos para o exercício científico da anatomia, nas mãos res" )
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\ ~ CA.\IINHOS DE CDNSTRUÇAo DA PESQUISA Dl CIÊNCIAS SOCIAIS

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do médico legista ou do patologista. "A bem dizer" - esclarece Claude Lefort - "a
humanas, uma possibilidade fértil pode ju
ilusão começa quando imaginamos que de um lado há os fatos e de outro a teoria e
relações entre sujeito e objeto do conhecin
quando dissimulamos a posição em razão da qual esta divisão aparece. Somos então
Marilena Chauf", pela recusa do autorita
forçados a descrever o movimento do conhecimento como se nele não tomássemos
pela relativização da figura soberana do 51
parte e fixar sua origem de um lado ou do outro.v" métodos evidenciam.
O estudo de metodologia em ciências humanas necessitaria ser cuidadoso e zelar
para que homens concretos, sujeitos e objetos de suas indagações, não fossem mutila-
dos ou, então, não se tornassem objetos mortos nas mãos de cientistas dispostos a
fazer da ciência outro poderoso instrumento de dominação. Lucien Febvre se dedicou
PASSEIO DA ALMA NA ESTEIRA DEIX
à questão, que está na base da construção do saber: "O que vós chamais fatos? Que
colocaríeis por trás desta pequenina palavra 'fato'? Pensaisqueosfat?ss~??~.~?sà A mesma autora nos lembra, retoman
história como realidades substanciais, que o tempo enterrou mais ou menos profun-
ver um passeio daalma'' . Como aqui se tra
damente e que se trata tão simples~ente de desterrar, de limpar e de apresentar em
metod()ló.g.i~~~, fundamentando-se na lein
bela estampa a vossos contemporâneos? Ou então retornais à vossa conta a palavra
associaçõespossíveis, dialogando com auto
de Berthelot, exaltando a química no dia seguinte ao de seus primeiros triunfos - a
- prossegue ela, em outra formulação -
química, sua química, (i única entre todas as ciências, dizia ele orgulhosam~nte, que
pelo pensamento do outro. Ler é retomar,
fabrica~s~llo~j~!~:~~ que Berthelot se enganou. Por~ue todas as ciências fabricam paraotrélDéllho de nossapr§pri<lrefl~EªO.
seu objeto"19.
.. Supõe ~lt~~pa;sar ~uitas práticas e~'i
···.É..p(;~ível promover uma ruptura com estas práticas dominadoras? Sim e não,
sem se importar em distinguir ~s-p~c~ü~~i
poderíamos dizer. Se a idéia de ciência social estiver muito vinculada àquela prove-
iflt.e..:t:ess~ segundo a conveniência do (rnuii
niente das ciências dos fenômenos naturais, haverá nítida discordância com estas
mentária, sem recompor o encadeamento d
colocações. Se, ao contrário, o objetivo é ajustar as possibilidades explicativas das
pensar; ler um texto usando lentes e refere]
ciências humanas aos limites da peculiaridade que existe em se ter, simultaneamente,
Longe disso, ler implica identificar os
o homem como sujeito e objeto, a resposta se encaminharia para uma ruptura. Mes-
tões estudadas. A boa colheita na leitura, I
mo assim, resta contudo a indagação: como promovê-la?
escolher adequadamente os sentidos origin
Vários caminhos são possíveis. Um deles está em estudar e refletir acerca das
"A palavra que ell!elº (lego: colho) na
"- i II1 plic;içÕes dos fundamentos teórico-metodológicos que empregamos e assumimos livro desafia-me como a pergunta da Esfiru
ISLefort, Claude. O nascimento da
pa.r;;! nós como adequados e convenientes. O leque de possibilidades é variado: passa
o enigma é sempre o mesmo: O..q11.e eu qUI
ideologia e do humanismo. In: pela~fontes e as ciladas que escondem para um entendimento que supere as aparên- escrito. Mas, interpretar é eleger(ex-legere
- , As formas da história. En- cias e penetre nas entranhas dos reais interesses em jogo, nas ações dos sujeitos inter-
saios de antropologia política. mânticas, apenas aquelas que se movem no
locutores numa dada época; pelo processo de produção do conhecimento, ou seja quer dizer?"23
Trad., de L. R. S. Fortes e M.
Chauí. São Paulo: Brasiliense, pela transformação dos dados, com a mediaJ_~o..~: ..~?~ceit?s!em inte~pr~~~~?_~~ ..~: . ParaTnterpretar, respeitando aquilo qu
1979, p. 256. umdeterminado tema social; pelo âmbito, quer dizer, pela abrangência que se postula
19 Febvre, Lucien. Combats pour
tante decifrar o enigma do texto: o que diz c
para a pesquisa; além, airicG, da reflexão em torno das relações entresujeito e objeto
l'histoire. 2.'"'' ed. Paris:Armand o faz deste modo. Esse é um exercício que r
Colin, 1965, p. 115-6. (Tradu- do conhecimento e as decorrências aí implícitas.
Supõe uma mentalidade alargada, como dir
ção feita por mim, PSO.) Tendo em vista que nosso direcionamento é refletir no horizonte das ciências
ender as diferenças ent~~~~te;~~ aquele au
24 PAULO DE SALLES OLIVEIRA
O.\IINHOS C
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"A bem dizer" - esclarece Claude Lefort - "a humanas, uma possibilidade fértil pode justamente ser esta, a reavaliação crítica das
que de um lado há os fatos e de outro a teoria e relações entre sujeito e objeto do conhecimento. Esse trilhar se inicia, segundo indica
razão da qual esta divisão a]?arece. Somos então Marilena Chauf", pela recusa do autoritarismo da verdade, ou, em outras palavras
:lo conhecimento como se nele não tomássemos pelarelativização da figura soberanado sujeito do conhecimento, que determinados
ou do outro.Y" métodos evidenciam.
ncias humanas necessitaria ser cuidadoso e zelar
e objetos de suas indagações, não fossem mutila-
jetos mortos nas mãos de cientistas dispostos a
umento de dominação. Lucien Febvre se dedicou PASSEIO DA ALMA NA ESTEIRA DEIXADA PELOS OUTROS
rução do saber: "O que vós chamais fatos? Que
palavra 'fato'? Pensais que os fatos são dados à A mesma autora nos lembra, retomando os gregos antigos, que pensar é promo-
~~, que o tempo enterrou mais ou menos profun- ver um passeio da almtr' . Como aqui se trata de estudar diferentesprºpºstasJeºrjço~
lente de desterrar, de limpar e de apresentar em metodológicas, fundamentando-se na leitura, intelecção, discussão e elaboração de
eos? Ou então retomais à vossa conta a palavra associ~çÕ~~p~s~íveis, dialogando com autores consagrados, ler é.o...p~ss::>_i~~~~l.".~~.r."~
) dia seguinte ao de seus primeiros triunfos - a _ prossegue ela, em outra formulação - "é aprender a pensar na esteira deixada
todas as ciências, dizia ele orgulhosamente, que pelo pensamento do outro. Ler é retomar a reflexã-ü'de outrem como matéria-prima
t se enganou. Porque todas as ciências fabricam par-ã·o-trãbafhodenos~aprÓpria_refl~x~o."22 .
. Supõe-~ít~~p-~~~~~ muitas práticasenviesadas, tais como: l.er de~g_~()~xt~J:jº.L t9 c..,:,' l .

ra com estas práticas dominadoras? Sim e não, sem se importar em distinguir as peculiaridades do texto em SI; ler pinçando o que. I f- J.!:;.
:ia social estiver muito vinculada àquela prove- interessa, segundo a conveniência do (muito descuidado) leitor; ler de maneira fra_g~
naturais, haverá nítida discordância com estas mentária, sem recompor o encadeamento das idéias pelas quais um autor constrói seu
tivo é ajustar as possibilidades explicativas das pensar; ler um texto usando lentes e referenciaisestranhos ao aut<:>f..queo concebeu.
Lonze disso ler implica identificar. os significados 20 Chauí, Marilena. Cultura e de-
iliaridade que existe em se ter, simultaneamente, /:)' _ -. . -.que o autor confere às ques- mocracia. à discurso competen-
sposta se encaminharia para uma ruptura. Mes- tões estudadas. A boa colheita na Téitura, explica Alfredo Bosi, está em distinguir e te e outras falas. 5.' ed. São Pau-
): como promovê-la? escolher adequadamente os sentidos originalmente propostos. lo: Cortez, 1990, p. 3-13.
Um deles está em estudar e refletir acerca das "A palavra que ~llJejº_ (lego: colho) na sua ingrata renitência sobre a página do 21 Chauí, Marilena. Convite à fi-

losofia. São Paulo: Ática, 1994,


o-metodológicos que empregamos e assumimos livro desafia-me como a pergunta da Esfinge: a resposta pode variar ao infinito, mas
p. 15I.
entes. O leque de possibilidades é variado: passa o enigma é sempre o mesmo: o.que eu que.rQ.dige.../'.f. Ler é colher tudoquanto .Y~JTI 22 Chauí, Marilena. Os trabalhos

m para um entendimento que supere as aparên- escrito. Mas, interpretar é eleger (ex-Iegere: escolher), na messe de possibilidades se- da memória. In: Bo~, Ecléa. Me-
mória e sociedade. Lembranças
; interesses em jogo, nas ações dos sujeitos inter- mânticas, apenas aquelas q~e se movem no encalço da qll~st_ã.2_~Ell<:ial: o qllec)!(':?\.ts>
de velhos. 3.' ed. São Paulo:
'acesso de produção do conhecimento, ou seja quer dizer? "23 Companhia das Letras, 1994, p.
a mediação de conceitos, em interpretações de -raia' interpretar, respeitando aquilo que um autor quis realmente dizer, é impor- 2I.
ibito, quer dliêr;peIa abrangência quesepost~ra tante decifrar o enigma do texto: o que diz o autor e, metodologicamente, por que ele 23 Bosi, Alfredo. A interpretação
da obra literária. In: - . Céu,
.xão em torno das relações entre sujeito e objeto o faz deste modo. Esse é um exercício que requer mais que paciência e perseverança. inferno. Ensaios de crítica lite-
í implícitas. Supõe uma mentalidadealargada, como diria Hannah Asendt, capaz não só de apre- rária e ideológica. São Paulo:
:ionamento é refletir no horizonte das ciências ender as diferenças entre ~st~--ou aquele autor, mas de saber admirar um texto bem Ática, 1988, p. 274 e 275.

CA\IINHOS DE CONSTRUÇÃO DA PESQUISA DI CIÊNCIAS SOCIAIS 25


concebido, mesmo que e principalmente quando não haja concordância com a orien-
tação teórico-metodológica à qual nos filiamos. Prejulgar ou então fugir à verdade
inerente ao texto são procedimentos que todos nós pesquisadores precisamos a todo
custo evitar. Por isso, é fundamental o trabalho de reconstruir com nossa imaginação
o..i.tilJ..~~..Q!l~t);,lJ.Ǫ,Qrç\"Q.pçD~ª,mçntº.gQJl\!tt:º-,
~ratando de não desfigurá-lo. É
um encaminhamento de trabalho que respeita a integridade do todo e que, portanto,
NOTAS SUMÁRIAS SOBRE
relativiza o pinçar fragmentado de partes, a compreensão apressada ou mesmo a
leitura exterior, que pede ao texto categorias e desenvolvimentos que ele nunca pode-
ria ter, pois jamais fizeram parte dos horizontes do autor que o concebeu. Outro
cuidado é com as associações. Em reiteradas vezes, por comodidade, ingenuidade ou
por razões inconfessáveis, incorremos no engano de fazer colagens de citações sem
respeitar asespecificidadesdo movimento de pensar do.s_<l:!1!2!i~:'u~~;i~pr;~~6~i-~
ca paiavra assumésignific~do-;'i~t-;;T;~~~n-te-di-sÍ:i~t:~~;-harmoniz~ndo-se ao contexto
em que estiver situada. Por exemplo: Durkheim sublinha a necessidade de se tratar o
fato social como coisa. Trata-se de algo inteiramente diverso da coisificação das rela-
ÉMILE DURKHEIM. Nasceu na Frar
ções sociais, que aparece na conceituação marxista. Convém, pois, estar atento às textos mais conhecidos estão: A divisão do
diferenças e identificá-las bem, em vez de tentar escamoteá-las. Um leitor diligente sociológico (1895), O suicídio (1897), As t
pode, por outro lado, descobrir que mesmo autores de tendências antagônicas ali- Educação e sociologia (1922), Sociologia e
mentam, aqui e ali, pontos em comum. Mas est~dis~~r~iII1~~tos6-~p~~e~e quandohá tesquieu e Rousseau, precursores da sociolc
a;;eza das diferenciações e, portanto, quando já nos mostramos capazes de praticar
FLORESTAN FERNANDES. Nasceu
uma leitura que respeite a interioridade do texto. cidade em 1995. Publicou numerosos livro
Autor algum gostaria de ser entendido em acepções que nunca originalmente nambás (1949), A função social da guerra 1.
foram suas; além disso, parte deles pode nem mais estar neste mundo para poder tos empíricos da explicação sociológica (19
defender-se. Do mesmo modo, seria desalentador para qualquer estudioso tecer co- São Paulo (1961), Sociedade de classes e su
mentários sobre esta ou aquela fonte e ser considerado um mau leitor, seja por distor- pendente e classes sociais na América Lati.
(1975), Da guerrilha ao socialismo: a Revo
cer seja por trair o significado que o autor quis imprimir ao seu texto. Para evitar tão (1982).
estes e outros tantos dissabores, uma saída é acompanhar atentamente as construções
teórico-metodológicas dos textos, mergulhando em sua dinâmica interior. A reco~ MAX WEBER. Nasceu na Alemanha er
pensa virá do próprio exercícioe7n si, que cultiva a étiC:<l}1~<:()!l~trllçã.2_do ~r, e das incluem: A ética protestante e o espírito do
múltiplas descobertas que o texto, ao menos potencialmente, pode ensejar. Diante de (1922), além de vários escritos, como os Ens
ght Mills e Hans H. Gerth, com traducão
autores que se tornaram referências básicas, como é o caso dos que aqui estão repro-
Cardoso, e Metodologia das ciências sociais
duzidos, sempre se pode esperar que suas páginas acolham muitos tesouros. Tal qual de Augustin Wernet.
ocorre, todavia, na velha fábula lembrada por Walter Benjamin", a bênção de encon-
trá-los não poderia estar em consumi-los. E sim em d~~Y!El~~_~.!2~ no exercício deum SERGIO BUARQUE DE HOLANDA. ]
14 Benjamin, \Valter. Experiência 1982. Foi professor da USP, dirigiu o Musei
e pobreza. In: --o Ob. cit., p.
trabalho silente, atento, perseverante, engenhoso e, por isso mesmo, quem sabe até
divertido. lpiranga} e o Instituto de Estudos Brasileiro
195.

26 PAULO DE 5ALLE5 OLIVEIRA

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