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Introdução aos Antidepressivos Tricíclicos

Os antidepressivos tricíclicos (AT) tem um importante lugar na história dos


tratamentos para depressão, sendo a primeira classe usada amplamente no
tratamento deste transtorno, e permanecendo como opção de primeira linha durante
mais de trinta anos (1). Foi a avaliação de seus efeitos que levou ao desenvolvimento
da teoria monoaminérgica envolvendo serotonina e norepinefrina (2–4), e também de
diversos conceitos associados ao tratamento, como a importância da dose e
continuidade do tratamento na fase aguda, e do uso na fase de manutenção (1).

Apesar do iminodibenzil, precursor dos tricíclicos, ter sido sintetizado em 1889


(5), foi apenas em 1948 que seus derivados começaram a ser investigados como
drogas para uso humano. Na década de 1950, foi observado que a clorpromazina
possui efeitos antipsicóticos (6). Em 1957, Roland Kuhn investigou as propriedades da
imipramina, estruturalmente parecida com a clorpromazina, para uso como
antipsicótico (1). Entretanto, ele evidenciou que esta possuía propriedades
antidepressivas (7), sendo apresentada no ano seguinte por Kuhn como primeiro
agente antidepressivo, iniciando a investigação de diversos outros compostos com
ações semelhantes (7,8).

Os tricíclicos possuem como característica básica a presença de uma estrutura


química com três anéis centrais (9), sendo divididos em 2 grupos a depender de sua
conformação (8): aminas terciárias (imipramina, trimipramina, amitriptilina,
clomipramina e doxepina) ou aminas secundárias (desipramina, nortriptilina e
protriptilina). Todos foram aprovados pelo Food and Drugs Administration (FDA) para
tratamento da depressão, com exceção da clomipramina que foi aprovada apenas
para Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) (1).

Apenas muito tempo após a observação da ação antidepressiva é que foi


descoberta a ação dessa classe de medicamentos em bloquear as bombas de
recaptação de serotonina (SERT) e de noradrenalina (NAT) (3,4,9,10).Posteriormente,
foram evidenciados diferentes efeitos sobre outros receptores de forma individual para
cada composto (9), como ação sobre os receptores 5-HT1A (11), 5-HT2 (12), α-
adrenérgicos (13), β-adrenérgicos (14), além de outros receptores, a exemplo de
(1,8,9): muscarínicos, histamínicos, dopaminérgicos e canais de sódio.

A forma de atuação sobre as bombas será fármaco-dependente, alguns


apresentam mais afinidade pelo SERT como a clomipramina, ao passo que outros tem
melhor interação com o NAT como a desipramina, morpotilina, nortriptilina e proptilina.
Conforme ilustrado na figura 1, ao se bloquear a bamba de receptação (SERT ou
NAT) haverá um acumulo de neurotransmissores na fenda sináptica, os quais se
acoplarão aos receptores pós-sinápticos a fim de promover a ação antidepressiva (9).

Além disso, alguns AT terão sua ação terapêutica otimizada ao se ligarem a


receptores pós-sinápticos 5HT2A e 5HT2C (figura 2). Ao bloquear o receptor 5HT2A
melhoraria potencialmente o sono, o bloqueio do receptor 5HT2C estimularia a
liberação de noradrenalina e dopamina no córtex pré-frontal conferindo ações pro-
cognitivas e antidepressivas.
B
A

Figura 1: Na parte A o antidepressivo tricilico é mostrado inibindo a recaptação de


serotonina, em B é evidenciado a inibição da receptação de Noradrenalina produzindo
o efeito antidepressivo.
A B

Figura 2 : Ações terapêuticas dos antidepressivos tricíclicos (AT). Parte A: o AT


é mostrado com sua parte 5HT2A inserida no receptor 5HT2A, bloqueando-o e
produzindo o efeito antidepressivo, bem como melhorando potencialmente o sono. B:
o ATC é mostrado com sua parte 5HT2C inserida no receptor 5HT2C, bloqueando-o e
produzindo o efeito antidepressivo e pro-cognitivo.

Em contrapartida, os AT ligam-se a receptores adrenérgicos, histaminérgicos,


colinérgicos e aos canais de sódio voltagem dependente produzindo os efeitos
colaterais (figura 3). O bloqueio dos receptores histaminérgicos H1 irá conferir uma
ação anti-histamínica, causando sedação e podendo resultar em ganho de peso. Já
os receptores colinérgicos M1 quando bloqueados provocarão sintomas
anticolinérgicos, tais como boca seca, visão turva, retenção urinária e constipação
intestinal. A ação simpatolítica deve-se ao bloqueio dos receptores α-adrenérgicos, e,
clinicamente observa-se hipotensão ortostática, sonolência e tontura (tabela 1). A ação
sobre os canais de sódio sensíveis a voltagem só será observada quando os AT forem
administrados em doses alta, dentre os principais efeitos da superdosagem observam-
se convulsões, coma, arritmia cardíaca, parada cardíaca e morte.

Figura 3 Efeitos colaterais dos antidepressivos tricíclicos (ATC).

Tabela

1: Efeitos
colaterais
relacionados
ao bloqueio
de receptores
A tabela 2 relaciona os principais fármacos AT e demonstra a magnitude de
bloqueio de seus receptores.

Tabela 2: Efeito dos antidepressivos no bloqueio de receptores

Manejo da intoxicação por antidepressivos tricíclicos

Cada antidepressivo possui sintomas específicos de intoxicação e diferentes


níveis de doses tóxicas (vide sessões correspondentes a cada medicação). Contudo,
dentro do grupo dos antidepressivos tricíclicos, o manejo dos quadros de intoxicação é
semelhante.

De forma geral, a toxidade desses medicamentos se deve a suas ações de


bloqueio dos canais de sódio e antagonismo dos receptores alfa-1 adrenérgicos,
muscarínicos, histaminérgicos H1 e GABA A (15). O quadro clínico inclui diversos
sintomas, como sedação, confusão mental, delirium, arritmias cardíacas, efeitos
anticolinérgicos, podendo ser fatal (16).

Com relação ao risco cardiovascular aguda, recente metanálise confirmou a


associação entre o uso de tricíclicos e tal desfecho(17). As possíveis explicações para
tal efeito são estudadas desde o advento destes psicofármacos (18–21), incluindo o
bloqueio de canais de sódio no sistema His-Purkinje, diminuição do influxo de cálcio
nos miócitos ventriculares e vasodilatação periférica (17–21).
O manejo inicial destes caso deve ser a admissão em serviço de emergência
com monitorização contínua (15). Devem ser solicitados exames laboratoriais para
melhor definição das complicações, sendo os principais: eletrocardiograma,
ionograma, gasometria arterial e glicemia capilar (16).

O tratamento efetuado depende das complicações apresentadas, mas sempre


tendo como base avaliações repetidas e atenção ao suporto avançado à vida (16). Em
caso de hipotensão, pode ser feita inicialmente a infusão de cristaloides (16,22,23),
podendo ser feita infusão de drogas vasoativas se refratariedade a volume (23). Se
houverem arritmias cardíacas, a melhor opção é o uso intravenoso de bicarbonato de
sódio (16,22,23). Os benzodiazepínicos são as opões de primeira escolha para
epilepsia secundária à intoxicação com tricíclicos (22). Após haver estabilização
clínica, pode ser feito o uso de carvão ativado até 1 hora após a ingesta (16)

Referências:

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