Você está na página 1de 13

O CENÁRIO DA INSEGURANÇA ALIMENTAR NO BRASIL:

ESTIMATIVA DE UM MODELO PROBIT

Carlotta Perri
Universidade Federal de Santa Catarina
R. Eng. Agronômico Andrei Cristian Ferreira - Trindade, Florianópolis - SC
carlottapgf@gmail.com

RESUMO

Este trabalho buscou relacionar a insegurança alimentar no meio rural e urbano do Brasil com o
desenvolvimento socioeconômico. Fundamentado nas ideias de Amartya Sen, de que a fome
involuntária deve ser combatida com políticas públicas, defende-se a hipótese de que a insegurança
alimentar rural no Brasil é causada por desigualdades populacionais generalizadas. Com base nos
dados secundários da Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar do ano de 2013, considerou-se
um conjunto de variáveis que representam diferentes aspectos de desigualdade no Brasil para a
criação de um modelo Probit que classifica de forma binária a probabilidade de um indivíduo
apresentar segurança alimentar ou não. Observou-se que, por mais que o percentual de pessoas em
situação de Insegurança Alimentar seja maior no meio rural em relação ao meio urbano, ao
controlar o modelo com outras variáveis explicativas, a probabilidade de uma pessoa passar por
situação de segurança alimentar é maior no meio rural do que no meio urbano. Concluiu-se, com
base nos resultados obtidos e análise conjunta das variáveis, que haveria uma redução na
insegurança alimentar no Brasil se houvesse menor desigualdade, o que permitiria ao país alcançar
maiores níveis de desenvolvimento econômico.

PALAVARAS CHAVE. Segurança Alimentar no Brasil, Probit, Desenvolvimento Humano


e Sustentável.

1. Introdução

“An empty stomach is not a good political adviser.”


(Albert Einstein)

O conceito de Segurança Alimentar (SA), segundo a Organização das Nações Unidas para
Alimentação e Agricultura (FAO), é referente ao acesso a alimentos por todos, em quantidades e
qualidades satisfatórias, de maneira contínua e que supra as necessidades nutricionais individuais
para uma vida saudável e ativa, e que respeite a cultura e os hábitos alimentares de cada povo
(KEPPLE, 2015). No Brasil, isso é previsto pela Lei Orgânica de Segurança Alimentar e
Nutricional (LOSAN, 2006), que, ademais, estatui que o acesso à SA não pode comprometer o
acesso a outras necessidades.
A preocupação com a SA no país começou no século XX com políticas voltadas ao setor
agrícola e aos sistemas de abastecimento, controle de preços e distribuição de alimentos (SILVA;

1
REGO, 2019).1 Além disso, a SA vem sendo abordada periodicamente pelo IBGE em pesquisas
como a Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar (PNAD), que em alguns anos trouxe como
investigação suplementar questões que permitem classificar os domicílios brasileiros segundo os
critérios da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA). A EBIA é:

uma escala psicométrica capaz de medir o fenômeno diretamente a partir da


experiência de insegurança alimentar vivenciada e também percebida por essas
pessoas. Essa escala não capta somente a dificuldade de acesso aos alimentos
que essas pessoas têm, mas também a dimensão psicossocial da insegurança
alimentar, transformando as pessoas e os domicílios em unidade de análise,
podendo ser utilizadas também através de utilização de metodologias
qualitativas que resultem em diferentes contextos socioculturais locais. (Pontes
et al., 2018, p. 227)
Essa escala é importante para a gestão de políticas e programas sociais, uma vez que
disponibiliza informações estratégicas, as quais permitem identificar e quantificar os grupos sociais
em risco de insegurança alimentar (IA), bem como os seus determinantes e consequências (IBGE,
2014 apud Pontes et al., 2018). A implementação da EBIA nas pesquisas estatísticas nacionais
permitiu, portanto, a análise da evolução da SA no Brasil, além de possibilitar inferências e a
identificação e mensuração de fatores que contribuam para a Insegurança Alimentar (IA) no Brasil,
como se faz, por exemplo, no presente estudo.
Segundo o relatório da FAO (KEPPLE, 2015), os determinantes da SA são “a produção e
disponibilidade de alimentos, a renda, a educação, e serviços públicos”. Este último abrangendo
desde o acesso a saneamento adequado e água potável, a capacidade de fiscalização de salubridade
de alimentos até a construção de estradas, que ajudam a transportar o alimento.
Em relação à determinação da (in)segurança alimentar, uma variável indispensável é a
renda domiciliar per capita, que, quando insuficiente, faz crescer os riscos da insegurança alimentar
nos domicílios, como já analisado por Belik (2003), Hoffmann (2008), Mondini et al. (2011) e

1
Em 2003, foi inaugurado o Programa Fome Zero (PFZ), marco do enfrentamento à fome no Brasil. O
Decreto nº 7.272/2010 instituiu o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que determinou
várias diretrizes (objetivos, metas prioritárias) para o período 2012-2015, como a diretriz de promoção do
acesso universal à alimentação adequada e saudável, com prioridade para as famílias e pessoas em situação
de insegurança alimentar e nutricional (SILVA; REGO, 2019). O Programa de Aquisição de Alimentos
(PAA) foi lançado em 2003 com o objetivo de assegurar o acesso aos alimentos por indivíduos que vivem
em situação de insegurança alimentar ou nutricional e fortalecer a agricultura familiar por meio de aquisições
do governo diretamente dos agricultores. O Pnae foi criado em 1955 pelo decreto 37.106, o qual lançou a
Campanha da Merenda Escolar, sancionada pela Lei 11.947/2009, que estabeleceu novas diretrizes e
determinou que 30% das compras de alimentos servidos nas escolas da rede pública sejam feitas diretamente
da agricultura familiar (SAMBUICHI et al., 2014 apud SILVA; REGO, 2019, p. 38). Para o auxílio aos
agricultores familiares foi estabelecida a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pnater),
a qual juntamente com o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pronaf), constituem
ferramentas de proteção e garantia da renda e dos financiamentos e produção à agricultura familiar (SILVA;
REGO, 2019). Ainda, em 2006 foi estabelecido o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
(SISAN), cujo objetivo era o de garantir o direito à alimentação satisfatória por meio da formulação e
execução de Políticas de Segurança Alimentar e Nutricional. Programas de transferência de renda como o
Bolsa Família foram estruturados com o intuito de combater a fome e suas causas estruturais no Brasil
(LEÃO et al., 2021) e são um exemplo no mundo todo.
2
Lima et al. (2016). No entanto, eles destacam que existem outras variáveis importantes: localização
do domicílio (rural ou urbano), educação e sexo, entre outros. (SILVA; REGO, 2019)
Na visão de Amartya Sen (2018), professor de economia e filosofia de Harvard e Nobel de
Economia, para compreender a causa da fome no mundo moderno, o enfoque deve ser o poder
econômico e a liberdade substantiva para adquirir alimento suficiente, e não apenas algum
desequilíbrio mecânico entre quantidade de alimentos disponíveis num país e sua população. Para
ele, a forma de combater o problema da fome involuntária coletiva seria através da proteção ao que
ele chama de intitulamento das famílias: a propriedade de recursos produtivos (p. ex. força de
trabalho, terra), as possibilidades de produção (p. ex. tecnologia e conhecimento) e as condições
de troca (p. ex. potencial de compra e venda e determinação de preços relativos). Sen defende,
ainda, que a proteção do intitulamento é feita através de políticas públicas como as de transferência
de renda, de seguro-desemprego, criação de emprego, melhorias em condições de saneamento e
assistência médica.
Segundo Kepple (2015), diferentemente de muitos países, o Brasil conta com uma das mais
abundantes produções alimentícias do mundo, portanto o fator determinante da IA não é o déficit
nacional na produção de alimentos. Além disso, apesar de que morar em zona rural aumente a
possibilidade de cultivo para autoconsumo, os dados mostram que, proporcionalmente, no Brasil,
a situação de SA dos domicílios rurais é mais grave – a proporção de segurança alimentar rural e
urbana tem diferença de quase 15%, segundo os dados do IBGE (2013). Isso porque nos domicílios
rurais são concentradas diversas condições sociais desfavoráveis em relação às moradias urbanas,
o que faz com que persistam essas desigualdades, inclusive quando são analisadas considerando as
mesmas faixas de renda familiar per capita, conforme se observa na Figura 1.

FIGURA 1 – Percentual de indivíduos em insegurança alimentar, segundo faixas de rendimento familiar


per capita e situação urbana ou rural do domicílio.

Fonte: Elaboração própria. Dados da PNAD 2013.

3
O Atlas do Agronegócio (2018) menciona que é devido à herança histórica e geopolítica
que a América Latina apresenta a pior distribuição de terras em todo mundo. O Brasil ocupa o 5º
lugar no ranking de desigualdade no acesso à terra, tendo 45% de sua área produtiva representando
apenas 0.91% do número total de imóveis rurais.
Essa desigualdade de acesso à terra evidencia a importância da continuidade das políticas
de garantia da função social da terra: 19% dos imóveis rurais possuem áreas menores que 5 ha e
experienciam dificuldades para garantir que a produção de alimentos seja suficiente para
autossustento e comercialização. Ao mesmo tempo, a agricultura familiar é responsável “pela
maior parte da produção de mandioca, feijão, hortícolas, suínos, leite, e aves, bem como por
porções significativas de milho, arroz, bovinos e trigo” (KEPPLE, 2015).
A insegurança alimentar também é objeto de preocupação global, e segundo o Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP, 2022, tradução livre), em diversos países a
desnutrição e a fome têm aumentado e são consideradas fatores de impedimento ao
desenvolvimento. O combate à fome, nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da
Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), envolve também o incentivo a pequenos
agricultores, igualdade de acesso à terra, tecnologia e mercados e o incentivo à agricultura
sustentável. Um dos motivos é que a agricultura sustentável e a familiar também estão relacionadas
com menores quantidades de agrotóxico e maior diversidade de alimentos, que leva a maiores
valores nutricionais na alimentação.

A realização plena da segurança alimentar e nutricional implica garantir o acesso


à alimentação saudável e livre de contaminações. [...] O crescimento intensivo da
produção agropecuária do país esteve associado ao uso intensivo de insumos
químicos (fertilizantes e agroquímicos) e da mecanização, com consequências
para o meio ambiente e a saúde humana. (Kepple, 2015)

Hoje, no meio rural brasileiro, há prevalência de extensas fazendas no modelo de latifúndio


que seguem a lógica empresarial e são altamente mecanizadas. A mecanização do campo começa
a partir da década de 70 no país, levando ao êxodo rural e estimulando acentuado crescimento da
população urbana. Isso se torna um problema ao perceber que a mecanização acontece de maneira
não uniforme (concentrada nas grandes propriedades) e desproporcional em relação à
industrialização e desenvolvimento urbanos (MOREIRA, 1986). Ou seja, a indústria não apresenta
oferta de empregos compatível com a procura, portanto não absorve toda a mão-de-obra migrante
do campo para as cidades, que inclusive carece de qualificação, trazendo problemas como
desemprego, aumento excessivo do setor terciário, formação de anéis de pobreza e miséria. Desse
modo, o papel do campo para a redução da insegurança alimentar tanto na área rural quanto na
cidade apresenta-se essencial.

4
Buscou-se, por fim, analisar a probabilidade de aumento da segurança alimentar das
famílias urbanas e rurais brasileiras, levando em consideração variáveis selecionadas que
representam algum aspecto de desigualdade populacional, com o objetivo de traçar o perfil da fome
no Brasil e o propósito de inspirar a formação de políticas públicas de apoio ao intitulamento para
combater a insegurança alimentar.

2. Metodologia

Este trabalho utilizou como fonte os microdados da Pesquisa Nacional de Amostra


Domiciliar (PNAD) do ano de 2013, que trouxe como investigação suplementar questões que
permitem classificar os domicílios brasileiros segundo os critérios da EBIA.2 Foi utilizado o
software Stata15 para rodar um modelo econométrico do tipo probit. A PNAD, realizada pelo
IBGE, garante uma amostragem de variáveis aleatórias Independentes e Identicamente
Distribuídas. Após a filtragem dos microdados, aplicou-se o modelo para uma amostra final de
318.049 observações, passível de evocar a Lei dos Grandes Números e garantir o Teorema Central
do Limite.
Os modelos econométricos são de fundamental importância para a definição das variáveis
relevantes para a criação de políticas desenvolvimentistas. O método de Mínimos Quadrados
Ordinários (MQO), habitualmente utilizado em análises econométricas, apresenta algumas
limitações com uma variável dependente qualitativa, pois na regressão por MQO, os coeficientes
estimados estão relacionados à contribuição em que a variação de um regressor x traz para a
probabilidade do regressando a assumir o valor 1 (no nosso caso, assumir o significado de que há
segurança alimentar). É possível que ocorram três problemas: o modelo pode atribuir para certas
observações uma probabilidade de sucesso menor que 0 ou maior que 1; a heteroscedasticidade é
inevitável (dispersão dos erros maior nos extremos de X).
Portanto, foi escolhido o modelo probit, representado por G(z), que tem uma equação não-
linear dos parâmetros (Equação 1) e foi construído especificamente para lidar com variáveis
dependentes qualitativas, sejam elas binárias ou com poucas categorias, visando resolver essas
limitações do MQO.
𝐺(𝑧) = 𝐺(X i 𝛽i ) = 𝐺(𝛽0 + 𝛽1 𝑥1 + ⋯ + 𝛽𝑘 𝑥𝑘 ) (1)

2
A partir de quinze perguntas e um sistema de pontuação, a escala permite a classificação dos domicílios em
4 categorias: Segurança Alimentar (0 pontos), Insegurança Alimentar Leve (1 a 5 pontos), Insegurança
Alimentar Moderada (6 a 10 pontos) e Insegurança Alimentar Grave (11 a 15 pontos) (SEGALL-CORRÊA;
MARIN-LEON, 2015).
5
Considerando que nenhum nível de insegurança alimentar é adequado e desejável para o
desenvolvimento, para a função de regressão probit desenvolvida neste trabalho foram agrupados
todos os níveis de IA da EBIA. Portanto, a variável dependente, a SA no Brasil, é representada de
forma binária, tal que uma pessoa pode ser considerada como em situação de segurança (𝑌𝑖 = 1)
ou em situação de insegurança alimentar (𝑌𝑖 = 0).
A probabilidade de segurança alimentar no modelo Probit é calculada a partir da função
G(z), que é dada pela Função de Distribuição Acumulada (FDA) da normal padrão. A função é
crescente, mas cresce mais rapidamente com z = 0, e assegura que, dados os valores de X, todos os
valores de G(z), e, portanto, da probabilidade de SA, estejam sempre entre zero e um:
z 1 2
𝐺(𝑧) = FDA(z) = P[Z ≤ z] = ∫-∞ e-0,5u du (3)
√2𝜋

lim 𝐺(𝑧) = 0 , lim 𝐺(𝑧) = 1 (4)


𝑧→−∞ 𝑧→+∞

0 ≤ 𝑃(𝑦𝑖 |𝑋𝑖 𝛽i ) ≤ 1 (5)

A estimação dos parâmetros é feita pelo método da Máxima Verossimilhança de Bernoulli, que
pode ser resumida nas equações a seguir. A equação 5 determina a probabilidade P de um indivíduo
apresentar SA, em função das variáveis independentes selecionadas. Considerando a natureza
binária da variável dependente, existem 2 situações de P:
𝑃(𝑌𝑖 |𝑋𝑖 𝛽i ) = [𝐺(𝑋𝑖 𝛽i )]𝑦𝑖 [1 − 𝐺(𝑋𝑖 𝛽i )]1−𝑦𝑖 (6)
𝑃(𝑌𝑖 = 1|𝑋𝑖 𝛽i ) = G(𝑋𝑖 𝛽i ) (7)
𝑃(𝑌𝑖 = 0|𝑋𝑖 𝛽i ) = [1 − 𝑃(𝑋𝑖 𝛽i )] (8)

A utilização do logaritmo natural em 𝑃(𝑌) permite adquirir uma função linear dos parâmetros.
𝑙𝑖 (𝛽) = 𝑦𝑖 ln[𝐺(𝑋𝑖 𝛽i )] + (1 − 𝑦𝑖 )𝑙𝑛[1 − 𝐺(𝑋𝑖 𝛽i )] (9)

A função log-verossimilhança (ℒ) é obtida a partir do somatório de 𝑙𝑖 para todas as n observações.


ℒ(𝛽) = ∑𝑛𝑖=1 𝑙𝑖 (𝛽) (10)

O estimador probit, 𝛽̂ que maximiza ℒ, é consistente, assintoticamente normal e eficiente.


Para responder à pergunta “por que a insegurança alimentar é maior no meio rural do
Brasil?” o primeiro passo foi, então, estimar um modelo Probit que determina a probabilidade de
SA no Brasil. Dentre as variáveis independentes, aquela que está no foco deste trabalho é, portanto,
a localização do domicílio em termos de zona rural ou urbana. Além desta, foram introduzidas no
modelo uma série de variáveis, não apenas para combater o viés de variável omitida
(endogeneidade), mas também por estas variáveis já terem sido julgadas relevantes para representar

6
algum aspecto de desigualdade populacional do Brasil. A Tabela 1 mostra uma lista com o nome,
a explicação e o aspecto de desigualdade relacionado às variáveis utilizadas no modelo.

TABELA 1 – Explicação das variáveis selecionadas

Variável dependente binária: valor 1 Representa a


SA
para SA e 0 para IA desigualdade alimentar
1
RDPC < Estratificada: Renda Domiciliar per capita
2
1 em salários-mínimos correntes3; valor de
< RDPC < 1
2
referência RDPC menor que meio salário
1 < RDPC < 2 Representam a
mínimo
2 < RDPC desigualdade de renda
Binária: valor 1 se alguém do
Pensão/aposentadoria domicílio recebe algum tipo de
pensão ou aposentadoria
Serviços
Representam a
Agrícola Binárias: valor 1 para o indivíduo que
desigualdade em estratos
Indústria trabalhar na respectiva área
ocupacionais
Artistas
Representa a
Binárias: valor 1 nas variáveis quando a
Ref. branco desigualdade racial, de
pessoa de referência do domicílio for
Ref. mulher gênero e geracional
branca/mulher/menor
Ref. < 25 anos (fizeram 20 anos depois
de 25 anos, respectivamente
da crise de 2008)
Discreta: número de anos de estudo da Representa a
Ref. Anos de estudo
pessoa de referência do domicílio desigualdade educacional
Representa desigualdade
Discreta: número de moradores menores
Total < 16 anos que de oportunidades,
de 16 anos do domicílio que trabalharam
trabalham trabalho na infância e
no período de referência de 365 dias
adolescência
Discreta: número de moradores Representam a
Total < 5 anos
menores de 5 anos e menores de desigualdade que atinge
Total < 18 anos
18 anos do domicílio famílias com filhos

3
Salário-mínimo em 2013: R$ 678,00 (seiscentos e setenta e oito reais)
7
Binária: valor 1 se o terreno e/ou o
Representa a
Propriedade imóvel da habitação são de
desigualdade patrimonial
propriedade da família
Binária: valor 1 se a habitação
tinha pelo menos um banheiro, acesso Representa a
Saneamento
à rede geral de canalização de água e à desigualdade de acesso a
adequado
rede coletora de esgoto (ou fossa séptica) saneamento básico
e acesso à coleta de lixo
Representa a
Binária: valor 1 se o domicílio está desigualdade entre a
Zona rural
localizado em zona rural população rural e
urbana
Múltiplas categorias com valor de Representa a
Macrorregiões
referência a grande região Sudeste desigualdade regional
Fonte: Elaboração própria.

3. Resultados Obtidos

Na Tabela 2 encontram-se algumas estatísticas de pós-estimação e medidas de ajuste do


modelo. Foram mais de 308 mil observações no total. Observa-se que a log-verossimilhança do
modelo irrestrito é melhor que a do modelo restrito, com o pseudo R2 de McFadden indicando que
cerca de 15% da variação da variável dependente pode ser atribuída às variáveis explicativas. Pelo
resultado do teste LR chi2, as variáveis explicativas são conjuntamente importantes para explicar
a variável dependente, porque o valor foi bastante superior a 10. Pelo teste Prob > LR chi2,
podemos ajeitar a 1% de significância a hipótese de que todos os coeficientes são estatisticamente
iguais a zero.
Outra informação importante contida na tabela 2 se trata de um teste muito comum para
modelos de resposta binária, chamado Porcentagem Corretamente Prevista (PCP). É estimado um
𝑦̂ para cada observação da amostra, segundo os valores de suas variáveis independentes. Se a
probabilidade de SA for maior ou igual a 50%, a previsão feita foi de SA; para valores menores do
que 50%, a previsão foi de IA. A PCP mostra a proporção entre acertos e erros do modelo. O
modelo previu corretamente 76,76% da amostra.

TABELA 2 – Medidas de ajuste


8
Log-Verossimilhança Log-Verossimilhança
-174 716,466 -148 056,708
Somente Intercepto Modelo Completo
Número de observações 308 841 LR chi2 (22) 53 319,476
PCP 0,768 Prob > LR chi2 0,0000
R2 de McFadden 0,153 R2 de McFadden ajustado 0,1526
Variância de y 1,400 Variância do erro 1,000
Fonte: Elaboração própria.

Uma crítica ao teste da PCP é que, se um dos valores possíveis de y tiver uma probabilidade
muito mais baixa do que o outro, pode haver uma certa descompensação, uma previsão muito
melhor para um resultado do que para o outro. Observamos na tabela 3 a PCP para cada um dos
resultados de y. O modelo acertou 93,43% dos resultados de SA (sensitividade), mas apenas
27,57% dos resultados de IA (especificidade). Isso significa que o modelo classificou pessoas com
características de insegurança alimentar como estando em situação de segurança alimentar. Em
compensação, foi muito baixa a quantidade de pessoas em situação de SA que o modelo classificou
com IA. No entanto, deve-se ressaltar que esta é uma limitação do teste e não do modelo, pois a
probabilidade de IA é muito menor que 50%, assim como menos de 50% da amostra estava em
situação de IA.

TABELA 3 – Perfeição de previsão

Verdadeiro
Previsão Total
SA IA
SA 215 526 56 620 272 146
IA 15 147 21 548 36 695
Total 230 673 78 168 308 841
Fonte: Elaboração própria.

Uma forma de medir a multicolinearidade entre as variáveis é com o teste do Fator de


Inflação da Variância (VIF) para cada uma das variáveis, como mostra a última coluna da tabela
4. Quando o VIF é igual a 1, não há multicolinearidade entre os fatores, acima de 5 significam alta
correlação e acima de 10 é considerado que a multicolinearidade atrapalha a estimação dos
parâmetros. Todas as variáveis apresentaram VIF inferior a 3, sendo a média de VIF 1,40, o que
significa uma correlação baixa o suficiente para não atrapalhar o modelo.
Ainda na tabela 4, encontram-se os coeficientes estimados (coluna 2) e o score z (coluna
3). Os coeficientes revelam o impacto da variação de x no score z, e o sinal positivo ou negativo

9
revela o sentido no qual as variáveis independentes impactam a probabilidade do indivíduo i estar
em segurança alimentar.
O efeito marginal da variação de x na variação de y se encontra na quarta coluna da tabela
4. Como todas as variáveis do modelo são binárias ou discretas, o efeito marginal calcula a variação
discreta daquela variável em relação ao valor de referência. Os efeitos marginais apresentam
coerência com o comportamento lógico esperado.

TABELA 4 – Resultados do modelo

Probit SA ̂
𝜷 z dy/dx VIF
1 - - -
RDPC < 2 -
1 57,63 0,1337 1,76
< RDPC < 1 0,3960***
2

1 < RDPC < 2 0,7423*** 86,95 0,2274 2,15


2 < RDPC 1,1056*** 93,02 0,2984 2,30
Pensão/aposentadoria -0,0771*** -12,23 -0,0208 1,20
Serviços -0,1024*** -14,73 -0,0276 1,08
Agrícola -0,1415*** -12,04 -0,0381 1,26
Indústria -0,1190*** -14,13 -0,0321 1,07
Artistas -0,2094*** -4,84 -0,0565 1,00
Ref. branco 0,1696*** 28,50 0,0457 1,21
Ref. mulher -0,1743*** -31,23 -0,0470 1,07
Ref. < 25 anos -0,0289** -2,13 -0,0078 1,07
Ref. Anos de estudo 0,0281*** 41,75 0,0076 1,42
Total < 16 anos que
-0,1593*** -12,29 -0,0430 1,08
trabalham
Total < 5 anos -0,0578*** -12,15 -0,0156 1,53
Total < 18 anos -0,0552*** -20,99 -0,0149 1,94
Propriedade 0,1413*** 22,88 0,0381 1,06
Saneamento adequado 0,1176*** 18,17 0,0317 1,43
Zona rural 0,1676*** 17,58 0,0452 1,44
Macrorregiões - - - -
sul -0,0708*** -7,87 -0,0178 1,35
centro-oeste -0,0559*** -5,56 -0,0140 1,27
nordeste -0,3523*** -48,50 -0,0968 1,53

10
norte -0,3893*** -45,42 -0,1081 1,47
_cons 0,1710*** 13,57 - -
Fonte: Elaboração própria.

Em relação às variáveis discretas, observa-se que o acréscimo de um ano de estudo da


pessoa de referência impacta positivamente a probabilidade de SA. Quanto maior o número de
moradores menores de 5 e de 18 anos no domicílio e o número de moradores menores de 16 anos
que trabalham no domicílio, menor a probabilidade de SA.
Em relação às dummies, o fato de alguém no domicílio receber algum tipo de pensão ou
aposentadoria apresenta sinal negativo, revelando que provavelmente as pensões e aposentadorias
representam valor aquém das necessidades reais dos indivíduos. O fato de uma pessoa de referência
do domicílio ser mulher, não-branca e com menos de 25 anos impactam negativamente a
probabilidade de SA, sendo que a variável que diz respeito à desigualdade de gênero pode ser
considerada uma proxy para mães solteiras. Trabalhar na indústria, na agricultura, nos serviços ou
como artista diminui a P(y=1). Quanto a ser proprietário do domicílio ou do terreno em que está
assentado, ter acesso a saneamento adequado e morar em zona rural, todas essas variáveis
aumentam as probabilidades de SA.
As variáveis com múltiplas categorias mostram que o aumento da renda domiciliar per
capita é o fator mais relevante para determinar a probabilidade de SA, seguido pela macrorregião
em que o domicílio está localizado. Domicílios cuja RDPC é maior que 2 salários-mínimos
diminuem em quase 30% a probabilidade de insegurança alimentar. A maior probabilidade de SA
foi observada na região Sudeste, seguido pelo Centro-Oeste e Sul; as grandes regiões Nordeste e
Norte são as que apresentam as piores probabilidades de SA, sendo que morar no Norte aumenta
em 10% a probabilidade de IA, em comparação com o Sudeste.
O modelo mostrou que, apesar de que o percentual de pessoas em situação de IA seja
maior no meio rural, a probabilidade de uma pessoa passar por situação de IA diminui 4,5% no
meio rural em relação ao meio urbano, ao controlar o modelo com mais variáveis. Esse resultado
faz sentido, de acordo com a bibliografia abordada, justamente porque morar em áreas rurais
envolve a possibilidade de produzir o próprio alimento. Portanto, confirma-se que há uma grande
desigualdade entre os domicílios urbanos e rurais no Brasil. Além disso, a análise conjunta da
variável que diz respeito ao estrato ocupacional de trabalhadores agrícolas, percebe-se que
trabalhadores agrícolas têm sua probabilidade de insegurança alimentar aumentada em 3,8%. Essa
divergência pode estar relacionada com o êxodo rural e o fenômeno dos boias frias, que trabalham
na zona rural, mas moram nas zonas suburbanas.
Percebe-se que melhorando aspectos desiguais de intitulamento, como se refere Amartya

11
Sen, haveria possivelmente uma redução dessa desigualdade entre regiões rurais e urbanas, assim
como em relação às macrorregiões.

4. Conclusões

Por ser decisiva na manutenção da saúde, a segurança alimentar não afeta somente a
esfera individual, mas também a economia como um todo. A disposição ao trabalho da população,
níveis de rendimento, taxas de mortalidade infantil, inclusive o clima de investimentos pode ser
impactado por uma população que sofre diariamente com a fome. Este trabalho argumenta que as
causas e efeitos da segurança alimentar se interseccionam com as do desenvolvimento
socioeconômico de uma região e, portanto, a insegurança alimentar não se trata apenas de uma
privação individual, mas também de um problema coletivo de natureza distributiva que pode e deve
ser combatido através de políticas públicas.
A saber que a insegurança alimentar no meio rural é proporcionalmente maior que no
meio urbano no Brasil, buscou-se compreender os motivos para tal, através da investigação dos
determinantes da Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil, estimada por um modelo Probit
com base nos dados secundários da Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar do ano de 2013. A
hipótese de que a insegurança alimentar rural no Brasil é causada por desigualdades populacionais
generalizadas, e não por um desequilíbrio entre quantidade de alimentos e crescimento
populacional, confirmou-se no modelo.
No geral, políticas públicas de qualquer natureza poderiam influenciar a situação de
segurança alimentar da população. Políticas de transferência de renda, reforma agrária e
demarcação de terras indígenas, programas de alimentação escolar, investimentos em
infraestrutura, políticas de apoio à agricultura familiar e de acesso a crédito, industrialização e
geração de emprego são alguns exemplos de mecanismos que podem ser explorados para redução
da desigualdade e combater a fome.

Referências
ALTAS DO AGRONEGÓCIO: fatos e números sobre as corporações que controlam o que
comemos. Maureen Santos, Verena Glass, organizadoras. – Rio de Janeiro : Fundação Heinrich
Böll, 2018

IBGE. Pesquisa nacional por amostra de domicílios: PNAD: Segurança Alimentar: 2013.
Rio de Janeiro: IBGE, 2013. Disponível em:
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv91984.pdf. Acesso em: 16 nov. 2022.

12
MOREIRA, Igor A. G. O Espaço Geográfico: Geografia Geral e do Brasil. Editora Ática. São
Paulo, 1986.

KEPPLE, A.W. (Coord.). O Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil 2015:


Agendas Convergentes. [S.l.]: FAO-Brasil, 2015.

PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. Fome Zero.


Disponível em: encurtador.com.br/qFSY4. Acesso em: 16 nov. 2022.

PONTES, Raquel Pereira et al. QUEM PASSA FOME NO BRASIL? UMA ANÁLISE
REGIONAL DOS DETERMINANTES DA INSEGURANÇA ALIMENTAR FORTE NOS
DOMICÍLIOS BRASILEIROS*. Revista Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos, [S.I], v.
12, n. 2, p. 225-241, 12 abr. 2018.

SEGALL-CORRÊA, A. M.; MARIN-LEON, L. A segurança alimentar no Brasil: proposição e


usos da escala brasileira de medida da insegurança alimentar (EBIA) de 2003 a 2009. Segurança
Alimentar e Nutricional, Campinas, SP, v. 16, n. 2, p. 1–19, 2015.

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Editora Companhia das letras, 2018.

SILVA, Juliana de Sales; REGO, Vanda Coelho. Insegurança alimentar no meio rural brasileiro.
Revista de Política Agrícola, [S.I.], v. 1, n. 4, p. 37-47, dez. 2019.

SOUZA, Celina. Políticas públicas: uma revisão da literatura. Sociologias, Porto Alegre, a. 8, n.
16, jul./dez. 2006, p. 26.

UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME. Sustainable Development Goals.


Disponível em: https://www.undp.org/sustainable-development-goals. Acesso em: 16 nov. 2022.

13

Você também pode gostar