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Carlotta Perri
Universidade Federal de Santa Catarina
R. Eng. Agronômico Andrei Cristian Ferreira - Trindade, Florianópolis - SC
carlottapgf@gmail.com
RESUMO
Este trabalho buscou relacionar a insegurança alimentar no meio rural e urbano do Brasil com o
desenvolvimento socioeconômico. Fundamentado nas ideias de Amartya Sen, de que a fome
involuntária deve ser combatida com políticas públicas, defende-se a hipótese de que a insegurança
alimentar rural no Brasil é causada por desigualdades populacionais generalizadas. Com base nos
dados secundários da Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar do ano de 2013, considerou-se
um conjunto de variáveis que representam diferentes aspectos de desigualdade no Brasil para a
criação de um modelo Probit que classifica de forma binária a probabilidade de um indivíduo
apresentar segurança alimentar ou não. Observou-se que, por mais que o percentual de pessoas em
situação de Insegurança Alimentar seja maior no meio rural em relação ao meio urbano, ao
controlar o modelo com outras variáveis explicativas, a probabilidade de uma pessoa passar por
situação de segurança alimentar é maior no meio rural do que no meio urbano. Concluiu-se, com
base nos resultados obtidos e análise conjunta das variáveis, que haveria uma redução na
insegurança alimentar no Brasil se houvesse menor desigualdade, o que permitiria ao país alcançar
maiores níveis de desenvolvimento econômico.
1. Introdução
O conceito de Segurança Alimentar (SA), segundo a Organização das Nações Unidas para
Alimentação e Agricultura (FAO), é referente ao acesso a alimentos por todos, em quantidades e
qualidades satisfatórias, de maneira contínua e que supra as necessidades nutricionais individuais
para uma vida saudável e ativa, e que respeite a cultura e os hábitos alimentares de cada povo
(KEPPLE, 2015). No Brasil, isso é previsto pela Lei Orgânica de Segurança Alimentar e
Nutricional (LOSAN, 2006), que, ademais, estatui que o acesso à SA não pode comprometer o
acesso a outras necessidades.
A preocupação com a SA no país começou no século XX com políticas voltadas ao setor
agrícola e aos sistemas de abastecimento, controle de preços e distribuição de alimentos (SILVA;
1
REGO, 2019).1 Além disso, a SA vem sendo abordada periodicamente pelo IBGE em pesquisas
como a Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar (PNAD), que em alguns anos trouxe como
investigação suplementar questões que permitem classificar os domicílios brasileiros segundo os
critérios da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA). A EBIA é:
1
Em 2003, foi inaugurado o Programa Fome Zero (PFZ), marco do enfrentamento à fome no Brasil. O
Decreto nº 7.272/2010 instituiu o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que determinou
várias diretrizes (objetivos, metas prioritárias) para o período 2012-2015, como a diretriz de promoção do
acesso universal à alimentação adequada e saudável, com prioridade para as famílias e pessoas em situação
de insegurança alimentar e nutricional (SILVA; REGO, 2019). O Programa de Aquisição de Alimentos
(PAA) foi lançado em 2003 com o objetivo de assegurar o acesso aos alimentos por indivíduos que vivem
em situação de insegurança alimentar ou nutricional e fortalecer a agricultura familiar por meio de aquisições
do governo diretamente dos agricultores. O Pnae foi criado em 1955 pelo decreto 37.106, o qual lançou a
Campanha da Merenda Escolar, sancionada pela Lei 11.947/2009, que estabeleceu novas diretrizes e
determinou que 30% das compras de alimentos servidos nas escolas da rede pública sejam feitas diretamente
da agricultura familiar (SAMBUICHI et al., 2014 apud SILVA; REGO, 2019, p. 38). Para o auxílio aos
agricultores familiares foi estabelecida a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pnater),
a qual juntamente com o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pronaf), constituem
ferramentas de proteção e garantia da renda e dos financiamentos e produção à agricultura familiar (SILVA;
REGO, 2019). Ainda, em 2006 foi estabelecido o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
(SISAN), cujo objetivo era o de garantir o direito à alimentação satisfatória por meio da formulação e
execução de Políticas de Segurança Alimentar e Nutricional. Programas de transferência de renda como o
Bolsa Família foram estruturados com o intuito de combater a fome e suas causas estruturais no Brasil
(LEÃO et al., 2021) e são um exemplo no mundo todo.
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Lima et al. (2016). No entanto, eles destacam que existem outras variáveis importantes: localização
do domicílio (rural ou urbano), educação e sexo, entre outros. (SILVA; REGO, 2019)
Na visão de Amartya Sen (2018), professor de economia e filosofia de Harvard e Nobel de
Economia, para compreender a causa da fome no mundo moderno, o enfoque deve ser o poder
econômico e a liberdade substantiva para adquirir alimento suficiente, e não apenas algum
desequilíbrio mecânico entre quantidade de alimentos disponíveis num país e sua população. Para
ele, a forma de combater o problema da fome involuntária coletiva seria através da proteção ao que
ele chama de intitulamento das famílias: a propriedade de recursos produtivos (p. ex. força de
trabalho, terra), as possibilidades de produção (p. ex. tecnologia e conhecimento) e as condições
de troca (p. ex. potencial de compra e venda e determinação de preços relativos). Sen defende,
ainda, que a proteção do intitulamento é feita através de políticas públicas como as de transferência
de renda, de seguro-desemprego, criação de emprego, melhorias em condições de saneamento e
assistência médica.
Segundo Kepple (2015), diferentemente de muitos países, o Brasil conta com uma das mais
abundantes produções alimentícias do mundo, portanto o fator determinante da IA não é o déficit
nacional na produção de alimentos. Além disso, apesar de que morar em zona rural aumente a
possibilidade de cultivo para autoconsumo, os dados mostram que, proporcionalmente, no Brasil,
a situação de SA dos domicílios rurais é mais grave – a proporção de segurança alimentar rural e
urbana tem diferença de quase 15%, segundo os dados do IBGE (2013). Isso porque nos domicílios
rurais são concentradas diversas condições sociais desfavoráveis em relação às moradias urbanas,
o que faz com que persistam essas desigualdades, inclusive quando são analisadas considerando as
mesmas faixas de renda familiar per capita, conforme se observa na Figura 1.
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O Atlas do Agronegócio (2018) menciona que é devido à herança histórica e geopolítica
que a América Latina apresenta a pior distribuição de terras em todo mundo. O Brasil ocupa o 5º
lugar no ranking de desigualdade no acesso à terra, tendo 45% de sua área produtiva representando
apenas 0.91% do número total de imóveis rurais.
Essa desigualdade de acesso à terra evidencia a importância da continuidade das políticas
de garantia da função social da terra: 19% dos imóveis rurais possuem áreas menores que 5 ha e
experienciam dificuldades para garantir que a produção de alimentos seja suficiente para
autossustento e comercialização. Ao mesmo tempo, a agricultura familiar é responsável “pela
maior parte da produção de mandioca, feijão, hortícolas, suínos, leite, e aves, bem como por
porções significativas de milho, arroz, bovinos e trigo” (KEPPLE, 2015).
A insegurança alimentar também é objeto de preocupação global, e segundo o Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP, 2022, tradução livre), em diversos países a
desnutrição e a fome têm aumentado e são consideradas fatores de impedimento ao
desenvolvimento. O combate à fome, nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da
Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), envolve também o incentivo a pequenos
agricultores, igualdade de acesso à terra, tecnologia e mercados e o incentivo à agricultura
sustentável. Um dos motivos é que a agricultura sustentável e a familiar também estão relacionadas
com menores quantidades de agrotóxico e maior diversidade de alimentos, que leva a maiores
valores nutricionais na alimentação.
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Buscou-se, por fim, analisar a probabilidade de aumento da segurança alimentar das
famílias urbanas e rurais brasileiras, levando em consideração variáveis selecionadas que
representam algum aspecto de desigualdade populacional, com o objetivo de traçar o perfil da fome
no Brasil e o propósito de inspirar a formação de políticas públicas de apoio ao intitulamento para
combater a insegurança alimentar.
2. Metodologia
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A partir de quinze perguntas e um sistema de pontuação, a escala permite a classificação dos domicílios em
4 categorias: Segurança Alimentar (0 pontos), Insegurança Alimentar Leve (1 a 5 pontos), Insegurança
Alimentar Moderada (6 a 10 pontos) e Insegurança Alimentar Grave (11 a 15 pontos) (SEGALL-CORRÊA;
MARIN-LEON, 2015).
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Considerando que nenhum nível de insegurança alimentar é adequado e desejável para o
desenvolvimento, para a função de regressão probit desenvolvida neste trabalho foram agrupados
todos os níveis de IA da EBIA. Portanto, a variável dependente, a SA no Brasil, é representada de
forma binária, tal que uma pessoa pode ser considerada como em situação de segurança (𝑌𝑖 = 1)
ou em situação de insegurança alimentar (𝑌𝑖 = 0).
A probabilidade de segurança alimentar no modelo Probit é calculada a partir da função
G(z), que é dada pela Função de Distribuição Acumulada (FDA) da normal padrão. A função é
crescente, mas cresce mais rapidamente com z = 0, e assegura que, dados os valores de X, todos os
valores de G(z), e, portanto, da probabilidade de SA, estejam sempre entre zero e um:
z 1 2
𝐺(𝑧) = FDA(z) = P[Z ≤ z] = ∫-∞ e-0,5u du (3)
√2𝜋
A estimação dos parâmetros é feita pelo método da Máxima Verossimilhança de Bernoulli, que
pode ser resumida nas equações a seguir. A equação 5 determina a probabilidade P de um indivíduo
apresentar SA, em função das variáveis independentes selecionadas. Considerando a natureza
binária da variável dependente, existem 2 situações de P:
𝑃(𝑌𝑖 |𝑋𝑖 𝛽i ) = [𝐺(𝑋𝑖 𝛽i )]𝑦𝑖 [1 − 𝐺(𝑋𝑖 𝛽i )]1−𝑦𝑖 (6)
𝑃(𝑌𝑖 = 1|𝑋𝑖 𝛽i ) = G(𝑋𝑖 𝛽i ) (7)
𝑃(𝑌𝑖 = 0|𝑋𝑖 𝛽i ) = [1 − 𝑃(𝑋𝑖 𝛽i )] (8)
A utilização do logaritmo natural em 𝑃(𝑌) permite adquirir uma função linear dos parâmetros.
𝑙𝑖 (𝛽) = 𝑦𝑖 ln[𝐺(𝑋𝑖 𝛽i )] + (1 − 𝑦𝑖 )𝑙𝑛[1 − 𝐺(𝑋𝑖 𝛽i )] (9)
6
algum aspecto de desigualdade populacional do Brasil. A Tabela 1 mostra uma lista com o nome,
a explicação e o aspecto de desigualdade relacionado às variáveis utilizadas no modelo.
3
Salário-mínimo em 2013: R$ 678,00 (seiscentos e setenta e oito reais)
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Binária: valor 1 se o terreno e/ou o
Representa a
Propriedade imóvel da habitação são de
desigualdade patrimonial
propriedade da família
Binária: valor 1 se a habitação
tinha pelo menos um banheiro, acesso Representa a
Saneamento
à rede geral de canalização de água e à desigualdade de acesso a
adequado
rede coletora de esgoto (ou fossa séptica) saneamento básico
e acesso à coleta de lixo
Representa a
Binária: valor 1 se o domicílio está desigualdade entre a
Zona rural
localizado em zona rural população rural e
urbana
Múltiplas categorias com valor de Representa a
Macrorregiões
referência a grande região Sudeste desigualdade regional
Fonte: Elaboração própria.
3. Resultados Obtidos
Uma crítica ao teste da PCP é que, se um dos valores possíveis de y tiver uma probabilidade
muito mais baixa do que o outro, pode haver uma certa descompensação, uma previsão muito
melhor para um resultado do que para o outro. Observamos na tabela 3 a PCP para cada um dos
resultados de y. O modelo acertou 93,43% dos resultados de SA (sensitividade), mas apenas
27,57% dos resultados de IA (especificidade). Isso significa que o modelo classificou pessoas com
características de insegurança alimentar como estando em situação de segurança alimentar. Em
compensação, foi muito baixa a quantidade de pessoas em situação de SA que o modelo classificou
com IA. No entanto, deve-se ressaltar que esta é uma limitação do teste e não do modelo, pois a
probabilidade de IA é muito menor que 50%, assim como menos de 50% da amostra estava em
situação de IA.
Verdadeiro
Previsão Total
SA IA
SA 215 526 56 620 272 146
IA 15 147 21 548 36 695
Total 230 673 78 168 308 841
Fonte: Elaboração própria.
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revela o sentido no qual as variáveis independentes impactam a probabilidade do indivíduo i estar
em segurança alimentar.
O efeito marginal da variação de x na variação de y se encontra na quarta coluna da tabela
4. Como todas as variáveis do modelo são binárias ou discretas, o efeito marginal calcula a variação
discreta daquela variável em relação ao valor de referência. Os efeitos marginais apresentam
coerência com o comportamento lógico esperado.
Probit SA ̂
𝜷 z dy/dx VIF
1 - - -
RDPC < 2 -
1 57,63 0,1337 1,76
< RDPC < 1 0,3960***
2
10
norte -0,3893*** -45,42 -0,1081 1,47
_cons 0,1710*** 13,57 - -
Fonte: Elaboração própria.
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Sen, haveria possivelmente uma redução dessa desigualdade entre regiões rurais e urbanas, assim
como em relação às macrorregiões.
4. Conclusões
Por ser decisiva na manutenção da saúde, a segurança alimentar não afeta somente a
esfera individual, mas também a economia como um todo. A disposição ao trabalho da população,
níveis de rendimento, taxas de mortalidade infantil, inclusive o clima de investimentos pode ser
impactado por uma população que sofre diariamente com a fome. Este trabalho argumenta que as
causas e efeitos da segurança alimentar se interseccionam com as do desenvolvimento
socioeconômico de uma região e, portanto, a insegurança alimentar não se trata apenas de uma
privação individual, mas também de um problema coletivo de natureza distributiva que pode e deve
ser combatido através de políticas públicas.
A saber que a insegurança alimentar no meio rural é proporcionalmente maior que no
meio urbano no Brasil, buscou-se compreender os motivos para tal, através da investigação dos
determinantes da Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil, estimada por um modelo Probit
com base nos dados secundários da Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar do ano de 2013. A
hipótese de que a insegurança alimentar rural no Brasil é causada por desigualdades populacionais
generalizadas, e não por um desequilíbrio entre quantidade de alimentos e crescimento
populacional, confirmou-se no modelo.
No geral, políticas públicas de qualquer natureza poderiam influenciar a situação de
segurança alimentar da população. Políticas de transferência de renda, reforma agrária e
demarcação de terras indígenas, programas de alimentação escolar, investimentos em
infraestrutura, políticas de apoio à agricultura familiar e de acesso a crédito, industrialização e
geração de emprego são alguns exemplos de mecanismos que podem ser explorados para redução
da desigualdade e combater a fome.
Referências
ALTAS DO AGRONEGÓCIO: fatos e números sobre as corporações que controlam o que
comemos. Maureen Santos, Verena Glass, organizadoras. – Rio de Janeiro : Fundação Heinrich
Böll, 2018
IBGE. Pesquisa nacional por amostra de domicílios: PNAD: Segurança Alimentar: 2013.
Rio de Janeiro: IBGE, 2013. Disponível em:
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv91984.pdf. Acesso em: 16 nov. 2022.
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MOREIRA, Igor A. G. O Espaço Geográfico: Geografia Geral e do Brasil. Editora Ática. São
Paulo, 1986.
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REGIONAL DOS DETERMINANTES DA INSEGURANÇA ALIMENTAR FORTE NOS
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SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Editora Companhia das letras, 2018.
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SOUZA, Celina. Políticas públicas: uma revisão da literatura. Sociologias, Porto Alegre, a. 8, n.
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