Você está na página 1de 6

Educação Matemática com as Escolas da Educação Básica: interfaces entre pesquisas e salas de aula

FORMAÇÃO DO FORMADOR DE PROFESSORES DE


MATEMÁTICA

Flávia Cristina Figueiredo Coura1

Resumo
Na presente palestra apresento uma síntese sobre como ocorre a formação do formador de
professores de Matemática. Resultados de pesquisa sobre o docente do Ensino Superior que atua
na Licenciatura em Matemática indicam que os responsáveis pela formação de futuros
professores de Matemática raramente foram preparados formal e especificamente para sua
função; sua formação acadêmica é voltada para o campo científico da Matemática e a formação
para seu exercício profissional se dá, predominantemente, no exercício da profissão. Ainda que
subordinados às mesmas condições, docentes do Ensino Superior que atuam na formação de
professores de Matemática e se comprometem com essa formação e com a docência, constituem
o conhecimento para sua atuação profissional em um processo influenciado pelo
desenvolvimento de uma pedagogia para a formação de professores e pela realização de
pesquisas. Discutir a respeito da formação do formador é um movimento recente e necessário
para a Educação Matemática e que só se aplica quando se considera que formar o professor é
mais do que fazer com que ele saiba o conteúdo a ensinar.

Palavras-chave: Formação docente. Formador de professores de matemática. Investigador da


docência.

Este texto se insere na temática da formação do formador de professores de


Matemática e tem por objetivo apresentar uma síntese sobre como ocorre a formação
para o exercício profissional desse docente, o que se faz por meio da apresentação de
resultados de pesquisas sobre o tema, inclusive as que realizamos (COURA; PASSOS,
2017; COURA, 2018).

O termo “Formador de professores de Matemática” é usado para fazer referência


ao docente do Ensino Superior que atua na Licenciatura em Matemática, curso onde
institucionalmente, no Brasil, ocorre a formação inicial de professores dessa unidade
curricular. Desse modo, tratarei da formação dos docentes do Ensino Superior atuantes
nesse curso, que são: os responsáveis pelas disciplinas da formação específica,
geralmente voltadas ao estudo da matemática acadêmica; os vinculados à formação
didático-pedagógica; e os atuantes nas unidades curriculares com carga horária dedicada

1
Universidade Federal de São João del Rei – UFSJ – flaviacoura@ufsj.edu.br
XIII Encontro Nacional de Educação Matemática ISSN 2178-034X
Educação Matemática com as Escolas da Educação Básica: interfaces entre pesquisas e salas de aula
à prática de ensino e ao estágio supervisionado, que compõem a formação prático-
profissional.

Assim como Passos et al (2006), entendo a formação docente na perspectiva de


formação contínua e de desenvolvimento profissional, como um processo pessoal,
permanente, contínuo e inconcluso que envolve múltiplas etapas e instâncias
formativas, tais como a formação profissional (teórico-prática) vivenciada na formação
inicial e o desenvolvimento e a atualização da atividade profissional em processos de
formação continuada após a conclusão da licenciatura.

Contudo, se a formação profissional (teórico-prática) é vivenciada pelo professor


na Licenciatura, no que chamamos de formação inicial, o mesmo não ocorre com o
formador (KELCHTERMANS; SMITH; VANDERLINDE, 2017). Diante dessa lacuna
e voltando o olhar para a formação acadêmica desses docentes, constata-se que
prevalece o perfil do formador que realizou seus estudos em nível de graduação e de
pós-graduação na área de Ciências Exatas e da Terra (BRASIL, 2014; 2017; COURA;
PASSOS, 2017), ou seja, sua formação acadêmica é voltada para o campo científico da
Matemática. O formador de professores de Matemática típico fez o mestrado e o
doutorado em Matemática, passando à docência universitária sem qualquer interlocução
com o ofício do professor, mesmo no Ensino Superior (FIORENTINI, 2004).

Tal constatação permite afirmar que, na falta de preparação formal para ser
formador de professor de Matemática, no contexto brasileiro, a formação acadêmica
pouco contribui para constituir uma base de conhecimento necessária ao formador que,
segundo Dal-Forno e Reali (2009), envolve conhecimento necessário para ensinar os
alunos de seus alunos, futuros professores, e o conhecimento referente à formação de
professores.

Os estudos analisados em Coura e Passos (2017) confirmam tal consideração


quando destacam que o formador de professores de Matemática teve, na universidade,
uma formação com orientação disciplinar (HARUNA, 2004) e não profissional, ou seja,
ele foi formado para ser pesquisador, produzir conhecimento em sua área de pesquisa, e
não para formar futuros professores.

Em Coura e Passos (2017) também identificamos que a formação do formador


de professores de Matemática para seu exercício profissional se dá, predominantemente,
XIII Encontro Nacional de Educação Matemática ISSN 2178-034X
Educação Matemática com as Escolas da Educação Básica: interfaces entre pesquisas e salas de aula
no exercício da profissão (MELO, 2010). Em todos os estudos analisados, a prática – e
não a formação acadêmica (GONÇALVES, 2000) – foi considerada como lugar de
formação e de produção dos saberes necessários para o exercício profissional do
formador de professores de Matemática. São esses saberes que orientam suas ações e
decisões com relação à formação dos professores (GONÇALVES, 2000). A trajetória
profissional desse docente é marcada por desafios, que enfrentam mobilizando saberes e
implementando práticas, processo que, por sua vez, os (re)constitui como formadores
(SOARES, 2006). É nesse percurso de aprender a ensinar, a ser professor, a ser
formador, que formam seus alunos, futuros professores de Matemática. O formador
mantém assim uma dupla relação com a formação de professores, como agente em sua
própria formação e na de seus alunos, futuros professores de Matemática.

Em Coura (2018), procuramos compreender as experiências de desenvolvimento


profissional – relacionadas, portanto, à formação – de formadores de professores que
fazem parte de grupo minoritário de docentes da Licenciatura em Matemática. Tais
experiências foram vivenciadas por seis docentes do Ensino Superior que atuam na
formação de professores de Matemática e que se comprometem com a formação de
professores e com a docência, a partir das quais realizam suas investigações e produzem
conhecimentos da prática (COCHRAN-SMITH, 2003), que ofereçam suporte à sua
atuação profissional e à de outros. Pela centralidade da investigação da docência em sua
atividade profissional e em seu processo formativo, essas docentes foram escolhidas
como participantes do mencionado estudo e usamos a expressão “investigadores da
docência” para designá-las.

Nesse estudo (COURA, 2018), ao produzir e interpretar narrativas de


experiências de formação profissional dessas formadoras no espaço tridimensional da
pesquisa narrativa (CLANDININ; CONNELLY, 2011), a história de vida e de formação
dessas seis docentes em três foram organizadas em momentos/movimentos para
evidenciar transformações ocorridas, quando se constituíram (1) professoras de
Matemática, (2) formadoras de professores de Matemática e (3) investigadoras da
docência. Identificamos que cada um desses momentos/movimentos foi marcado por
uma mudança de posicionamento das formadoras quanto aos conhecimentos relativos à
sua atuação profissional. A partir de quando começaram a atuar na formação de
professores, atividade para a qual não tiveram preparação formal, elas constituíram o

XIII Encontro Nacional de Educação Matemática ISSN 2178-034X


Educação Matemática com as Escolas da Educação Básica: interfaces entre pesquisas e salas de aula
conhecimento profissional dos formadores de professores em um processo influenciado
pelo desenvolvimento de uma pedagogia para a formação de professores e pela
realização de pesquisas.

Com os estudos que realizam, tendo a docência como foco, esse “investigador da
docência” pode vir a constituir um conjunto de qualidades profissionais que lhe permita
romper com “a prevalência da histórica ideia de oferecimento de formação com foco na
área disciplinar específica, com pequeno espaço para a formação pedagógica” (GATTI,
2010, p. 1357) e, assim, contemplar uma formação que possibilite aos professores e
futuros professores de Matemática que sejam capazes de aprender a ensinar
(COCHRAN-SMITH, 2005; MURRAY; MALE, 2005) e a se desenvolver
profissionalmente.

Discussões nesse sentido de delimitar um conjunto de qualidades profissionais


necessárias para o formador de professores (KOSTER et al., 2005) e as indagações a
respeito de como essa expertise é constituída – enfim, questionamentos a respeito da
função, da atuação e dos conhecimentos necessários para ser formador de professores –
só se aplicam quando se considera que formar o professor é mais do que fazer com que
ele saiba o conteúdo a ensinar. Essa é a premissa que assumo e na qual se fundamenta a
presente palestra.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas


Educacionais Anísio Teixeira. ENADE 2014 – Relatório de Área: Matemática.
Brasília, DF: MEC/Inep, 2015. Disponível em: <
http://portal.inep.gov.br/enade/relatorio-sintese-2014 >. Acesso em: 25 mai. 2016.

BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas


Educacionais Anísio Teixeira. ENADE 2017 – Relatório Síntese de Área: Matemática
(Bacharelado/Licenciatura). Brasília, DF: MEC/Inep, 2017. Disponível em: <
http://download.inep.gov.br/educacao_superior/enade/relatorio_sintese/2017/Matematic
a.pdf >. Acesso em: 05 mai. 2018.

CLANDININ, D. J.; CONNELLY, F. M. Pesquisa narrativa: experiência e história em


pesquisa qualitativa. Tradução: Grupo de Pesquisa Narrativa e Educação de Professores
ILEEI/UFU. Uberlândia: EDUFU, 2011. 249 p.

COCHRAN-SMITH, M. Learning and unlearning: the education of teacher educators.


Teaching and Teacher Education: An International Journal of Research and Studies,
Orlando, v. 19, n. 9, p. 5–28, 2003.
XIII Encontro Nacional de Educação Matemática ISSN 2178-034X
Educação Matemática com as Escolas da Educação Básica: interfaces entre pesquisas e salas de aula

COCHRAN-SMITH, M. Teacher educators as researchers: multiple perspectives.


Teaching and Teacher Education: An International Journal of Research and Studies,
Orlando, v. 21, n. 2 p. 219-225, 2005.

COURA, F. C. F. Desenvolvimento profissional de formadores de professores de


Matemática que são investigadores da docência. 2018. Tese (Doutorado em
Educação) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. 2018.

COURA, F. C. F; PASSOS, C. L. B. Estado do conhecimento sobre o formador de


professores de Matemática no Brasil. Zetetiké (on-line), v. 25, n. 1, p. 7-26, 2017.
https://doi.org/10.20396/zet.v25i1.8647556

DAL-FORNO, J. P.; REALI, A. M. M. R. Formação de formadores: delineando um


programa de desenvolvimento profissional da docência via internet. Revista Profissão
Docente, Uberaba, v. 9, n. 20, p. 75-99, jan./jul. 2009.

FIORENTINI, D. A investigação em educação matemática sob a perspectiva dos


formadores de professores. In: SEMINÁRIO DE INVESTIGAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MATEMÁTICA, 15., 2004, Covilhã. Anais do XV Seminário de Investigação em
Educação Matemática, Covilhã, 2004.

GATTI, B. Formação de professores no Brasil: características e problemas. Educação e


Sociedade, Campinas, v. 31, n. 113, p. 1355-1379, out.-dez. 2010.

GONÇALVES, T. O. Formação e desenvolvimento profissional de formadores de


professores: o caso dos professores de matemática da UFPA. 207 p. Tese (Doutorado
em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2000.

HARUNA, L. H. Visões dos formadores da Licenciatura em Matemática na


construção dos saberes docentes. 2004. 143 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade
Estadual Paulista, Campus Rio Claro – UNESP RC, Rio Claro, 2004.

KELCHTERMANS, G.; SMITH; K.; VANDERLINDE, R. Towards an ‘international


forum for teacher educator development’: an agenda for research and action. European
Journal of Teacher Education, v. 41, n. 1, p. 1-14, 2018. Disponível em: <
http://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/02619768.2017.1372743 >. Acesso ahead
of print em: 18 set. 2017.

KORTHAGEN, F.; LOUGHRAN, J.; LUNENBERG, M. Teaching teachers: studies


into the expertise of teacher educators: an introduction to this theme issue. Teacher and
Teacher Education: An International Journal of Research and Studies, Orlando, v. 21,
n. 2, p. 107-115, fev. 2005.

KOSTER, B; BREKELMANS, M.; KORTHAGEN, F.; WUBBELS, T. Quality


requirements for teacher educators. Teacher and Teacher Education: An International
Journal of Research and Studies, Orlando, v. 21, n. 2, p. 157-176, fev. 2005.

XIII Encontro Nacional de Educação Matemática ISSN 2178-034X


Educação Matemática com as Escolas da Educação Básica: interfaces entre pesquisas e salas de aula
MELO, J. R. A formação do formador de professores de Matemática no contexto
das mudanças curriculares. 2010. 309 f. Tese (Doutorado) – Universidade Estadual de
Campinas - Unicamp, Campinas, 2010.

MURRAY, J; MALE, T. Becoming a teacher educator: evidence from the field.


Teaching and Teacher Education: An International Journal of Research and Studies,
Orlando, v. 21, n. 2, p. 125-142, fev. 2005.

PASSOS, C. L. B.; NACARATO, A. M.; FIORENTINI, D.; MISKULIN, R. G. S.;


GRANDO, R. C. ; GAMA, R. P. ; MEGID, M. A. B. A. ; FREITAS, M. T. M. ; MELO,
M. V. Desenvolvimento profissional do professor que ensina Matemática: uma meta-
análise de estudos brasileiros. Quadrante – Revista teórica e de investigação – APM,
Lisboa, v. 15, n. 1-2, p. 193-219, jan./jun. 2006.

SOARES, N. N. Constituição dos saberes docentes de formadores de professores de


matemática. 2006. 154p. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Pará –
UFPA, Belém, 2006.

XIII Encontro Nacional de Educação Matemática ISSN 2178-034X

Você também pode gostar