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Constitucionalismo

A palavra constitucionalismo apresenta vários significados. Embora se


enquadre em perspectiva jurídica, tem alcance sociológico. Um dos principais
significados diz respeito à limitação de poderes dos órgãos governantes, bem
como à imposição das leis escritas, sendo o princípio fundamental da
organização social do Estado, denominado império da lei.

No Infográfico a seguir, você vai ver a evolução do constitucionalismo no


decorrer do tempo.
Conteúdo do Livro

Constitucionalismo é como se designa o movimento social, político, jurídico e,


até mesmo, ideológico a partir do qual surgem as Constituições nacionais.

No capítulo Constitucionalismo, do livro Direito constitucional I, você vai


conhecer os principais fatores e contextos que influenciaram o
constitucionalismo e as suas transformações, analisando, inclusive, a
consolidação do pós-constitucionalismo e neoconstitucionalismo. Além disso,
verá também a dinâmica político-constitucional na experiência brasileira.

Boa leitura.

Na prática

Quanto ao neoconstitucionalismo, é possível observar os julgamentos da ADI


4.277 e da ADPF 132, que reconheceram a união estável para casais do mesmo
sexo. Entenda quais foram os dispositivos usados pelo STF para aprovar
essa efetivação de direitos de minoria.
Breve ensaio a propósito de um artigo sobre neoconstitucionalismo

Por Rafael Tomaz de Oliveira

A prestigiosa revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional


(ABDConst) publicou no ano passado um artigo que escrevi, juntamente com
Georges Abboud, no qual lançamos a seguinte questão: “Neoconstitucionalismo:
vale a pena acreditar?” (para ler, clique aqui). Evidentemente, trata-se de um
texto crítico com relação a essa vertente da teoria constitucional
contemporânea, que tanto sucesso tem feito no cenário acadêmico do Direito
brasileiro.

Aliás, deve-se anotar que, como algo novo, que se cristalizou no ambiente
doutrinário de alguns países europeus (notadamente Itália e Espanha), o
impacto inicial daquilo que se nomeava a partir do final da década de 1990
como neoconstitucionalismo acabou por causar certo fascínio sobre aqueles
pesquisadores que procuravam encontrar um sentido mais forte e poderoso
para o Direito Constitucional em um país com baixíssima tradição democrática,
como é o caso do Brasil. De algum modo, esse foi o meu caso. E sei que isso
também se aplica ao Georges. No meu histórico de pesquisa, principalmente nos
anos iniciais de minha formação, escrevi textos nos quais asseverei ou secundei
alguma posição que acabava por incorporar postulados desse
neoconstitucionalismo. Posteriormente, o amadurecimento de nossos estudos e
a autoanálise constante a que submetíamos os resultados de nossas pesquisas
acabou por revelar que o principal objeto de nossa busca, qual seja, a afirmação
de verdadeira força normativa da constituição, capaz de projetar, em todo o
Direito brasileiro, uma espécie de sentimento constitucional (Verdú) ou de
vontade de Constituição (Hesse), não encontraria no neoconstitucionalismo sua
melhor conformação.

É que essa dimensão constitucionalista que atravessa a ideia de força


normativa da Constituição depende, necessariamente, de uma capacidade
política que pense o exercício do poder político de forma limitada. Há que se ter
certa desconfiança com relação ao jogo de forças entre os poderes constituídos,
permanecendo-se vigilante para qualquer propensão do fortalecimento
desmedido de um deles. Vale dizer, o ideal de equilíbrio que sustenta todo o
constitucionalismo entra em crise, e a engenharia constitucional precisa criar
forma de (re)colocar as coisas no lugar, no momento em que se visualiza uma
erupção de autocracia no seio de um único agente do poder. De plano,
percebemos que o neoconstitucionalismo, no momento em que associa a força
normativa da constituição e dos direitos fundamentais a um incremento das
funções de controle do Poder Judiciário e, ao final, acaba por admitir certos
níveis ou espaços de livre criação do Direito, acabava por romper com o ideal
constitucionalista de constituição equilibrada, dando excessivo poder normativo
ao Judiciário, o que, paradoxalmente, levava a um enfraquecimento da força
normativa da Constituição. Esse diagnóstico com relação ao
neconstitucionalismo levou Lenio Streck a buscar um novo termo que apontasse
para experiência constitucional mais próxima de nosso tempo histórico e que,
em Verdade e Consenso, aparece nomeada como constitucionalismo
contemporâneo.
No texto a que fiz referência no início desta coluna, procuramos elucidar
outros aspectos, igualmente paradoxais, e que podemos anotar com relação ao
neoconstitucionalismo. De uma forma geral, é possível dizer que o
neoconstitucionalismo pretende explicar um conjunto de textos e experiências
constitucionais que surgem após a Segunda Guerra, especialmente a partir da
Lei Fundamental de Bonn de 1949. A origem da expressão, contudo, é bem mais
recente. Sua utilização com intenção teórica específica, segundo alguns autores,
remonta a uma conferência proferida em 1997 pela professora italiana Suzana
Pozolo, que, posteriormente, deu contornos mais rigorosos ao conceito em sua
tese de doutorado de 2001 chamada Giuspositivismo e
neoconstituzionalismo[1].

Tal expressão encontrou forte aceitação do Direito Constitucional


espanhol e, a partir daí, influenciou consideravelmente a doutrina ibero-
americana, tendo sido apresentada, no Brasil, com ares de novo paradigma
científico para estudarmos o Direito Constitucional[2].

No Brasil, temos que o neoconstitucionalismo acabou sendo cristalizado


como uma postura teórica antiformalista que aposta no protagonismo do Poder
Judiciário para a concretização de direitos; na fórmula da ponderação como
alternativa ao dogma da subsunção; e no império moral dos princípios,
entendidos como os valores constitutivos da comunidade.

Nesse contexto, afirmamos que o neoconstitucionalismo apresenta-se


mais como uma crença do que, propriamente, como uma teoria científica, capaz
de descrever e apontar soluções adequadas para os problemas constitucionais
contemporâneos.

Procuramos demonstrar isso jogando luz, especialmente, em dois pontos


que estão, na verdade, interconectados: primeiro, o diagnóstico equivocado de
que o principal problema do Direito, no período imediatamente anterior à 1945,
dizia respeito ao formalismo derivado de uma concepção jurídica baseada em
um legicentrismo que apartou os problemas jurídicos das questões ligadas à
justificação filosófica do Direito, da ética e da Justiça; segundo, a descrição do
protagonismo judiciário como uma consequência da “descoberta” europeia da
supremacia judicial estadunidense, esconde aquilo que pode ser considerado o
principal elemento relacionado à questão separação de poderes: a pretensão de
limitação do exercício do poder político.

No que tange à necessidade de superação do formalismo positivista


(entendido como um pretenso enrijecimento da ideia de legalidade, com baixa
margem de atuação do intérprete-juiz no momento de proferir decisões “justas”
para os casos levados à sua apreciação), basta dizer que o período do entre
guerras caracteriza-se muito mais por possibilitar, principalmente no caso da
Alemanha, a experiência de teses libertárias e antiformalistas do que,
propriamente, formalistas. Aliás, o problema do formalismo está muito mais
ligado às discussões jurídicas do século XIX do que àquelas que observamos no
desenrolar do século XX.

Como afirma Mário Losano: “O nacional socialismo levou a extremas


consequências a crítica ao sistema iniciada pelos jusliberalistas. O Direito
anterior a 1933 foi esvaziado, obrigando os juízes a interpretá-lo segundo os
princípios nazistas: os juízes eram liberados da servidão da norma, para ficar
subjugados ao poder político[3]”.

Trouxe aqui apenas alguns indicativos a respeito dos paradoxos teóricos


que podemos encontrar no ambiente do neoconstitucionalismo. Para uma
análise mais aprofundada, permito-me convidar o leitor para examinar o artigo
indicado no início desta coluna. Ao final da leitura, sugiro um pequeno exercício
hermenêutico: responda para si mesmo a seguinte pergunta: é possível
continuar a acreditar no neoconstitucionalismo?

[1] Cf. Jaramillo, Leonardo Garcia. Los argumentos del neoconstitucionalismo


y su recepcion, In: Miguel Carbonell e Leonardo García Jaramillo (orgs.). El
canon neoconstitucional, Madrid: Trotta, 2010, pp.212-213.
[2] Por todos, Cf. BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e
Constitucionalização do Direito (O triunfo tardio do Direito Constitucional no
Brasil). In: Revista de Direito Constitucional e Internacional. Vol. 58/2007, pp.
129-173, jan-mar 2007.
[3] Cf. LOSANO, Mário G. Sistema e Estrutura no Direito, v. 2, SP: Martins
Fontes, 2010, cap. V., p. 185.

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Princípios constitucionais

É preciso rever o neoconstitucionalismo pois defendê-lo seria uma contradição

Por Ruy Samuel Espíndola

Em meados da década de 90 surgiram no Brasil as primeiras obras sobre a nova


normatividade dos princípios constitucionais[1]. Princípios até então indiferenciado das regras,
e tratados como de pouco ou nenhuma operância prática na vida do Direito. Raramente se
invocava um princípio como fundamento normativo de uma pretensão jurídica. Passados quase
cinco lustros, chegamos ao lado oposto do problema. Se antes quase não havia princípios
constitucionais na cena jurídica, hoje não há princípio que baste para justificar decisões
judiciais ou administrativas muitas vezes dadas sem critério metódico de aplicação. Fizemos
“prática” dos princípios, sem digestão da séria e adequada teoria para compreendê-los e
aplicá-los, ou melhor, sem adequada “metódica de concretização constitucional”, como diria
Gomes Canotilho.

Passamos da parcimônia à banalização, sem o devido acompanhamento teórico,


dogmático e normativo, ou melhor, sem métodos aplicativos ou interpretativos
adequados. Estamos vivendo num mundo que reclama justiça – a dada pelos princípios
– e que está a esquecer da segurança jurídica – somente assegurada pelas regras. Esse
fenômeno é destacado pelo “moralismo” crescente no Direito, ou seja, a tendência de,
no ato aplicativo/interpretativo, sobrevalorizar os princípios em detrimento das regras;
de sobrevalorizar análises morais do direito, com correção, muitas vezes, no ato
aplicativo, daquilo que o intérprete entende como falha ou excesso do legislador
ordinário ou mesmo do legislador constituinte.
Essa tendência tem procurado deslocar o protagonismo de produção do direito
do Legislativo e do Executivo para o Judiciário; tem valorizado mais a justiça do caso
concreto do que a justiça estabelecida pela norma legal, em termos gerais; tem
acentuado o uso da ponderação de bens[2], especialmente entre princípios, toldando o
valioso processo de subsunção mais próprio às regras e sua relação norma-fato; tem
provido a aceitação de conexões entre o direito e a moral, para que a segunda seja
critério de correção hermenêutica ou de validade do primeiro.

Essa tendência, no Direito Constitucional, tanto pelos seus defensores (Eduardo


Ribeiro Moreira[3], Ecio Duarte e Susanna Pozzolo[4]) quanto por seus críticos
(Humberto Ávila[5], André Rufino[6], Daniel Sarmento[7], Dimitri Dimoulis[8] e, por
todos, Lênio Streck) tem sido chamada de neoconstitucionalismo.

Para Daniel Sarmento seu pendor judicialista seria antidemocrático. A


preferência por princípios e ponderação, em detrimento de regras e subsunção, seria
perigosa, sobretudo em razão da peculiaridade de nossa cultura jurídica e política. Ela
poderá gerar uma panconstitucionalização do direito em prejuízo da autonomia pública
do cidadão e da autonomia privada do indivíduo. Isso retiraria o espaço do legislador,
em detrimento da democracia. Isso constituiria excesso antidemocrático, e poderíamos
chegar a um totalitarismo constitucional mediado pelos juízes.[9]

Essa ênfase excessiva no espaço judicial pode olvidar que outras arenas são
importantes à concretização da Constituição e realização dos Direitos Fundamentais.
Isso obscurece o papel do Legislativo e do Executivo nesta tarefa. Precisamos cuidar
para que a toga não assuma uma posição paternalista diante de uma sociedade
infantilizada (Sarmento). Como está a ocorrer com a justiça eleitoral e o moralismo
contra os direitos políticos fundamentais, no tema “ficha limpa”: agride-se a vontade
popular ao argumento de sua salvaguarda.

Por outro lado, esse movimento pressupõe a idealização da figura do juiz, e essa
“idealização” não se compatibiliza com as notórias deficiências estruturais do Judiciário
e da formação jurídica de seus membros; pois a valoração da ponderação e dos
princípios não tem sido acompanhada do necessário cuidado com as justificações das
decisões judiciais.

Passamos da água para o vinho na matéria e chegamos ao extremo indesejável.


Mesmo quando desnecessário, os princípios da dignidade da pessoa humana e da
razoabilidade são utilizados para menoscabar regras constitucionais ou regras legais. A
dignidade é usada, muitas vezes, para dar pomposidade ao discurso e salientar o
politicamente correto – e a razoabilidade, para que os juízes substituam livremente as
valorações de outros agentes públicos pelas suas próprias.

Há um custo elevado para isso tudo, pela incerteza e insegurança que se gera ao
se desprezar o papel das regras com a sobrevalorização desmedida dos princípios.

É preciso um retorno do pêndulo[10]. Sem descartar princípios e ponderação, é


necessário resgatar regras e subsunção. O ônus argumentativo deve ser sério e bem
fundado, quando a decisão for mediada por princípios. E esses devem ser estritamente
necessários à decisão e para casos realmente difíceis.
No Brasil o neoconstitucionalismo é impulsionado por outro fenômeno social:
descrença geral da população em relação à política majoritária, e, sobretudo, no
descrédito do Poder Legislativo e dos partidos políticos, e na esperança crescente que se
nutre no Judiciário.

Humberto Ávila afirma que as mudanças mais importantes preconizadas pelo


neoconstitucionalismo não encontram suporte na ordem jurídica brasileira, pois a
Constituição vigente seria antes regulatória, regrística, do que principiológica. Para
Ávila nada seria mais premente do que rever o movimento que se convencionou chamar
de neoconstitucionalismo no Brasil. Defendê-lo seria uma contradição performática: se
defenderia a primazia da Constituição, violando-a; haveria um “não-
constitucionalismo”, um movimento “barulhento” que proclama a supervalorização da
constituição, enquanto silenciosamente promoveria a sua desvalorização.

As críticas de Sarmento e Ávila merecem a nossa atenção e reflexão. Assim


como as de George Marmelstein[11] e Marcelo Neves[12].

Lenio Streck, um dos mais argutos críticos da discricionariedade judicial sem


limites e do uso abusivo da teoria dos princípios para qualquer fim, em seu Verdade e
Consenso, afirma que o chamado neoconstitucionalismo “acabou por
incentivar/institucionalizar uma recepção acrítica da Jurisprudência dos Valores, da
teoria da argumentação de Robert Alexy (que cunhou o procedimento da ponderação
como instrumento pretensamente racionalizador da decisão judicial) e do ativismo
judicial norte-americano (...).” Para ele, “passadas duas décadas da Constituição de
1988, e levando em conta as especificidades do direito brasileiro, é necessário
reconhecer que as características desse ´neoconstitucionalismo´ acabaram por provocar
condições patológicas que, em nosso contexto atual” contribuem “para a corrupção do
próprio texto da Constituição”[13].

É necessária reflexão séria e fundada sobre os pontos acima expostos. O campo


de indagação, interpretação/aplicação/concretização dos princípios e das regras exige
maior cuidado do jurista e do operador do direito em geral.

Esse breve e modesto texto, inspirado nos grandes autores citados, procura dar
sua contribuição ao debate crítico em torno do tema.

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