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UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS

DEPARTAMENTO DE DIREITO

Discentes: Álvaro José Pereira Neto (201520940) e Anna Luísa Braz Rodrigues
(201520932)
Disciplina: Direito Internacional Privado
Docente: Professor Pedro Ivo Ribeiro Diniz

Em dezembro de 2015, José Arcadio Buendia, brasileiro, então com 18 anos, artista
circense, sem residência habitual ou ponto central de negócios determinável, casou-
se com Aureliano José, nascido na Colômbia mas naturalizado brasileiro que, por
sua vez, era residente da cidade de Letícia, Colômbia, e com centro de seus negócios
em Tabatinga, Brasil, e tinha 25 anos de idade. O casamento foi celebrado no
consulado brasileiro em Mubai, na Índia, onde ambos estabeleceram domicílio, em
razão de uma oportunidade de emprego oferecida a Aureliano. Ao residirem juntos
pela primeira vez, diversos conflitos começaram a emergir, principalmente, em
razão do ciúme excessivo de Aureliano José.

Em janeiro de 2018, o casal estabeleceu novo domicílio no Brasil, buscando novos


ares para tentar salvar a relação. Contudo, a crise na união tornou-se ainda mais
acirrada, e em março de 2020, José Arcádio decidiu que gostaria de reverter sua
situação matrimonial em seu país de origem e poder, consequentemente, casar-se
novamente. Aureliano José afirmou que não iria medir esforços para impedir que
isso ocorresse.

Você, amig@ do casal e jurista de notório conhecimento em Direito Internacional


Privado, foi procurad@ por ambos para que pudesse se manifestar sobre os
argumentos defendidos por cada um e fornecesse subsídios para ambos antes que a
questão fosse remetida às autoridades judiciais brasileiras.

José Arcadio apresentou os seguintes argumentos:

a) O casamento deve ser considerado inválido perante a jurisdição brasileira, tendo


em vista a previsão legal de que, tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos
de invalidade do matrimônio a lei do primeiro domicílio do casal. Considerando a
legislação indiana, a idade mínima para o casamento, no caso dos homens, é de 21
anos. Como José Arcadio tinha 18 anos na ocasião do casamento e o primeiro
domicílio do casal foi Mumbai, na Índia, seu pleito de invalidade do casamento
deveria ser atendido no Brasil.

b) Ademais, a legislação indiana não reconhece o casamento homoafetivo. Nesse


sentido, o casamento deve ser considerado inválido não só pela incompatibilidade
com a legislação do primeiro domicílio do casal mas por ser uma ofensa à ordem
pública daquele local.
c) Caso tal pleito não seja atendido, José Arcadio buscará o divórcio. Nesse caso, na
ausência de um pacto antenupcial, ele irá requerer metade dos bens adquiridos pelo
casal desde a celebração do matrimônio, alegando que o regime legal vigente no
Brasil é o da comunhão parcial de bens. Uma vez que o casamento foi realizado no
consulado brasileiro, deve ser aplicado o regime legal de bens vigente no Brasil.
Aureliano José afirmou que todos os argumentos de José Arcadio estão equivocados,
acrescentando, objetivamente, que:

d) No que tange ao estatuto pessoal, no caso da indeterminação do domicílio, aplica-


se como elemento de conexão, subsidiariamente, a nacionalidade. O caso de José
Arcadio seria exatamente este e, portanto, poderia se casar de acordo com a
legislação brasileira (de sua nacionalidade).
Redija seu posicionamento sobre cada um dos itens suscitados por ambas as partes,
baseando-se em seus conhecimentos e na legislação brasileira vigente sobre o tema.

Letra A) Na situação descrita, a regra que se aplica não está associada com a aplicação
da lei do local em que o casamento é celebrado (lex loci celebrationis), mas sim, uma
regra alternativa, que é a lei da nacionalidade dos nubentes (BASSO, 2020). Desse modo,
se aplica o caso em questão o disposto no art. 7º, §2º, da LINDB, que estabelece o
seguinte: “O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades
diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes”.

Diante disso, tendo em vista a função das autoridades consulares e


diplomáticas a serviço no estrangeiro, a regra de competência passa a ser atrelada à
nacionalidade, sem considerar necessariamente o domicílio ou residência da pessoa
(BASSO, 2020). Importante registrar que o cônsul brasileiro só possui competência de
oficiar o casamento de brasileiros em território estrangeiro e não de um estrangeiro com
um brasileiro, sendo que nesse caso, estaria extrapolando os seus poderes (DOLLINGER,
2020).

Posto isto, os casamentos contraídos entre brasileiros, aqui se aplica o critério


da nacionalidade, será ajustado segundo as leis brasileiras. Desse modo, a solicitação de
invalidação tendo em vista uma possível aplicação da lei indiana não possui respaldo
legal.

Letra B) Por mais que a legislação indiana não reconheça o casamento homoafetivo,
cabe ressaltar que a celebração de casamento oficiado pelo cônsul, observará as regras do
Estado representado pelo respectivo cônsul, no caso em questão, o Brasil. Neste diapasão,
conforme entendimento de Dollinger (2020), a regra que permite ao cônsul celebrar
casamento de duas pessoas de sua nacionalidade está pautado nas normativas de direito
internacional, em que o representante tem poderes para proteger e servir os seus
nacionais.
Dito isso, não cabe a alegação de que o casamento é uma afronta à ordem
pública indiana, tendo em vista que, conforme entendimento de Basso (2020), a
possibilidade da atuação diplomática ou consultar parte do princípio de existência de
vínculo harmonioso para a realização de determinados atos entre o direito daquele Estado
de origem das autoridades e o direito do local em que é realizado.

Posto isto, não é possível reconhecer a inviabilidade com base no argumento da


aplicação da legislação indiana, mesmo que a mesma não reconheça o casamento
homoafetivo.

Letra C) No que tange ao regime de bens no casamento e lei aplicável, a técnica a ser
utilizada é a de determinação do domicílio conjugal (BASSO, 2020), a qual estabelece a
aplicação da lei do local de domicilio conjugal como regime disciplinador das relações
patrimoniais decorrentes do casamento.
Neste diapasão, não se cogita a aplicação do regime legal de bens vigente no
Brasil, haja vista que o art. 7º, §4º da LINDB preceitua que “o regime de bens, legal ou
convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for
diverso, a do primeiro domicílio conjugal”.
De acordo com o dispositivo supracitado, tendo em vista que o casamento foi
celebrado em Mubai (Índia), sendo o local em que o casal estabeleceu seu primeiro
domicílio, pode-se inferir que é justamente o direito deste Estado que as partes vão se
submeter no que tange ao regime matrimonial de bens.
A partir disso, cabe ressaltar que só seria possível conceber o domicílio
conjugal no Brasil se as partes tivessem se estabelecido no país após o casamento
realizado no estrangeiro (BASSO, 2020), o que não aconteceu, haja vista que as partes só
estabeleceram domicílio no Brasil em Janeiro/2018 e o casamento ocorreu em
Dezembro/2015. Diante disso, a lei a ser aplicada será a da Índia, tendo em vista que o
primeiro domicílio foi Mubai.

Letra D) Diante da situação descrita, é sabido que José Arcadio antes de se casar não
possuía residência habitual, sendo que, após o casamento, passou a morar na Índia com
seu marido e, posteriormente, no Brasil.
Diante disso, cabe ressaltar que a LINDB estabelece a lex domicilii como regra
de conexão para considerar qual o direito material que se aplica às relações jurídicas que
dispõem sobre estado, capacidade e direitos de família da pessoa (BASSO, 2020).
Tendo em vista a complexa dimensão das relações sociais, com maior
intensidade quando os laços ganham dimensões internacionais, o legislador brasileiro
buscou estabelecer critérios supletivos que buscam indicar a lei que se aplica quando o
domicílio da pessoa seja indeterminável (BASSO, 2020).
Dito isso, o art. 7º, §8º da LINDB estabelece o seguinte: “Quando a pessoa
não tiver domicílio, considerar-se-á domiciliada no lugar de sua residência ou naquele
em que se encontre”.
A partir disso, a suposição de aplicar a nacionalidade como primeiro critério
para determinação do domicílio não encontra respaldo legal, sendo que esse
entendimento encontra fundamento no posicionamento de Basso (2020, p. 288), ao
considerar que, na hipótese de indeterminação do último critério que é o local em que a
pessoa se encontra, o juiz poderá recorrer a aplicação do domicílio originário, que seria
aquele adquirido pela pessoa logo após o seu nascimento.
Isto posto, o critério de nacionalidade só pode ser considerado para aplicação
quando todos os critérios do art. 7º, §8º da LINDB falharem quanto à determinação da lei
aplicável ao estatuto pessoal. No caso em questão, seria possível considerar o domicílio
no Brasil, tendo em vista que José Arcádio e Aureliano José passaram a residir no Brasil a
partir de Março/2020.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado. 6. ed. São Paulo: Atlas,
2020.

DOLINGER, Jacob; TIBURCIO, Carmen. Direito Internacional Privado. 15. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2020, p. 443-518.

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