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ANOTAÇÃO DE AULA
SUMÁRIO
TEORIA GERAL DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE
1. Conceito e natureza jurídica
2. Personalização do direito civil
3. Atributos dos direitos da personalidade
a) Absolutos
Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins
de transplante, na forma estabelecida em lei especial.
Art. 17. O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em
publicações ou representações que a exponham ao desprezo público,
ainda quando não haja intenção difamatória.
Há um rol dos direitos da personalidade, que não é numerus clausus/típico. Os direitos da personalidade
não são típicos porque a sua natureza jurídica é uma cláusula geral de tutela à pessoa humana.
Cláusulas gerais são normas que o legislador cria de forma vaga, imprecisa, aberta. Por que o legislador as
cria? Justamente porque os direitos da personalidade não podem ser preenchidos exaustivamente pela lei. O ser
humano tem múltiplas potencialidades e todo o nosso modo de ser não pode ser reduzido a tipos previamente
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definidos pelo legislador. Portanto, o que existe é um direito geral da personalidade e esse direito geral é
alimentado pelo princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF).
Quando falamos sobre direitos da personalidade, temos que entender que se trata de um conceito
elástico, em expansão, porque há inesgotáveis manifestações. Por isso, os princípios que dizem respeito à
personalidade estão em mutação; são dinâmicos. A todo momento, somos surpreendidos com a inserção de
novos direitos da personalidade.
Ex: omissão de cuidado por parte do pai, ausência de convivência familiar pode gerar dano moral, porque
o direito ao cuidado é um direito da personalidade de qualquer ser humano em desenvolvimento. Esse direito
não está no rol, mas, como já dito, esse rol não é numerus clausus, e, além disso o direito à convivência familiar
está expresso na CF (art. 227, CF).
O STJ diz que o direito ao cuidado é um dever jurídico (cf. Informativo n. 496, 04 de maio de 2012).
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filha de segunda classe, que a recorrida levará ad perpetuam, é perfeitamente apreensível e exsurgem das
omissões do pai (recorrente) no exercício de seu dever de cuidado em relação à filha e também de suas ações que
privilegiaram parte de sua prole em detrimento dela, caracterizando o dano in re ipsa e traduzindo-se, assim, em
causa eficiente à compensação. Com essas e outras considerações, a Turma, ao prosseguir o julgamento, por
maioria, deu parcial provimento ao recurso apenas para reduzir o valor da compensação por danos morais de R$
415 mil para R$ 200 mil, corrigido desde a data do julgamento realizado pelo tribunal de origem. REsp 1.159.242-
SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 24/4/2012."
Desdobramentos:
i) No final de 2008, o STF decidiu por unanimidade que não caberia mais prisão civil por dívida quando houvesse
inadimplemento de contratos de alienação fiduciária. O fundamento dessa decisão poderia ser o Pacto de San
José da Costa Rica enquanto tratado internacional que proíbe prisão por dívidas, ressalvada a dívida alimentícia.
Porém, o Rel. Min. Cezar Pelluso disse que o corpo humano não pode ser objeto de técnicas de coerção para
cumprimento de obrigações de caráter estritamente patrimonial.
O STF disse que o que ocorre é um fenômeno de funcionalização das situações patrimoniais às situações
existenciais. As situações jurídicas patrimoniais existem em função do respeito a situações existenciais. São
condicionadas ao atendimento da dignidade humana e direitos da personalidade. Mesmo que eu assine um
contrato concordando com cláusula que prevê prisão pelo descumprimento, há desproporcionalidade em
constranger alguém a uma pena de prisão por um inadimplemento de contrato de natureza civil. Existem outros
meios razoáveis de constranger o devedor ao pagamento que não infringe direitos da personalidade.
EMENTA
RE 466343 / SP - SÃO PAULO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. CEZAR PELUSO
Julgamento: 03/12/2008
Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Publicação: DJe-104 DIVULG 04-06-2009 PUBLIC 05-06-2009
EMENTA: PRISÃO CIVIL. Depósito. Depositário infiel. Alienação fiduciária. Decretação da medida coercitiva.
Inadmissibilidade absoluta. Insubsistência da previsão constitucional e das normas subalternas. Interpretação do
art. 5º, inc. LXVII e §§ 1º, 2º e 3º, da CF, à luz do art. 7º, § 7, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto
de San José da Costa Rica). Recurso improvido. Julgamento conjunto do RE nº 349.703 e dos HCs nº 87.585 e nº
92.566. É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.
ii) A súmula 364 do STJ estende o benefício da impenhorabilidade do bem de família a pessoas solteiras. Quando
se fala em bem de família, nós sempre pensamos na existência de uma entidade familiar, mas hoje precisamos
pensar no bem mínimo existencial e o bem mínimo existencial não se prende à existência de uma família. É
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extensivo a qualquer pessoa porque a dignidade da pessoa humana é atributo inerente a qualquer pessoa,
independentemente de estar dentro ou fora de uma família. A família hoje não é mais uma instituição, mas um
instrumento, é um local em que seres humanos desenvolvem relações de afeto. O patrimônio é garantia dos
credores, mas há uma parte do patrimônio que não é afetada; está reservada ao mínimo existencial de cada um
de nós, à nossa dignidade.
Esses exemplos refletem a personalização do direito civil, em razão da prevalência dos direitos da
personalidade. Vivemos um momento de antropocentrismo.
Superados estes dois pontos, falaremos sobre os atributos dos direitos da personalidade.
a) Absolutos
Devemos separar a eficácia negativa dos direitos da personalidade da eficácia positiva dos direitos da
personalidade.
No âmbito negativo, os direitos da personalidade são direitos de proteção que permitem a qualquer ser
humano excluir terceiros da órbita da sua personalidade. Isso quer dizer que todo ser humano intrinsecamente
tem direito ao respeito e à consideração como pessoa única. Não podemos ser objetificados por terceiros. Temos
um direito de pedir proteção pelo ordenamento jurídico contra qualquer agressão, venha essa agressão do
estado ou da sociedade. São direitos de defesa do particular. Esse dever geral de proteção se concretiza de duas
formas.
O sujeito passivo dos direitos da personalidade é erga omnes. Há um consenso de que nas relações
jurídicas da personalidade, o sujeito passivo é absoluto, ou seja, há um dever geral de abstenção por parte de
todos com relação ao respeito e consideração que o sujeito ativo merece.
O que acontece quando uma pessoa é agredida nos seus direitos da personalidade? O sujeito passivo, que
tinha dever de abstenção, viola um dos direitos da personalidade. Nesse momento, nasce, para o sujeito ativo,
uma pretensão.
O direito subjetivo difere-se da pretensão porque o direito subjetivo é abstratamente dirigido contra
qualquer pessoa na coletividade. A pretensão é sempre dedutível contra aquela pessoa específica que violou o
direito subjetivo. Somente posso exigir o cumprimento do direito contra aquele que tinha um dever de cuidado e
o violou.
Temos dois níveis de pretensão:
a) pretensão reparatória do dano à personalidade: será um dano moral ou extrapatrimonal. O art. 12 do
CC refere-se à lesão a direito da personalidade. Este artigo vai além e diz que se pode exigir que cesse a ameaça.
b) pretensão ou tutela inibitória da personalidade: trata-se de inibir a ocorrência do próprio ato ilícito; é
evitar que o comportamento antijurídico seja consumado. A ideia que temos da tutela inibitória é justamente a
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prática de atos que desestimulem o agente, para que seja constrangido a não praticar o ilícito. Ex: separação de
corpos sob pena de aplicação de astreintes.
O art. 497, parágrafo único, do NCPC diz que é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da
existência de culpa ou dolo. Para buscar tutela inibitória, basta que se demonstre a verossimilhança da iminente
prática de um ato ilícito ou da sua reiteração.
Art. 497, NCPC. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer
ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela
específica ou determinará providências que assegurem a obtenção
de tutela pelo resultado prático equivalente.
Então, em primeiro momento, temos a eficácia negativa, que é o direito de proteção contra terceiros. Se
alguém violar nossa personalidade, surge pretensão, que pode ser reparatória ou inibitória.
Além da eficácia negativa dos direitos da personalidade, há uma eficácia positiva dos direitos da
personalidade, que é a mais interessante no aspecto contemporâneo. A eficácia positiva é um direito de
promoção. É um direito fundamental à inclusão.
O que se quer dizer é que hoje há preocupação que vai além de simplesmente proteger a pessoa no seu
respeito e consideração. O que se quer é que, além da consideração como pessoa, esta faça parte da sociedade,
respeitando-se as diferenças. É o direito de qualquer pessoa de ser promovida à condição de cidadã. Como isso
acontece? Isso acontece de duas formas:
a) Dimensão social dos direitos de proteção: quando se fala da dimensão social, quer-se dizer que
qualquer pessoa tem direitos prestacionais contra o Estado e a sociedade, que se relacionam com o seu mínimo
necessário, essencial, que seria relacionado, por exemplo, ao direito à saúde, educação básica, prestações de
assistência social, moradia, etc. Sem esse mínimo social, o ser humano não tem condições materiais e psíquicas
para que possa desenvolver sua condição humana. A jurisprudência e a doutrina dos últimos anos evoluíram
muito sobre este tema.
b) Dimensão individual dos direitos de proteção: o ser humano tem direito à autodeterminação e ao livre
desenvolvimento de sua personalidade. Em sociedades como a nossa, em estado democrático de direito, toda
pessoa tem o direito de se autogovernar para se realizar de acordo com o seu estilo de vida (modus vivendi). O ser
humano tem direito de ser inserido na sociedade de acordo com o seu projeto existencial, para perseguir seus
propósitos de vida.
Ex: ADPF 54/2012 discutiu sobre a questão dos anencéfalos. O STF disse que a questão relacionada à anencefalia
não se relaciona com o aborto. Haveria atipicidade, porque o anencéfalo não formou hemisférios cerebrais. Não
seria uma pessoa, porque não havia possibilidade de vida racional e consciente. A escolha de prosseguir com a
gravidez é uma questão da autodeterminação da mulher consoante seu projeto existencial, seu estilo de vida.
Não é o Estado que autoritariamente dirá o que cada mãe deve fazer.
EMENTA
ADPF 54 / DF - DISTRITO FEDERAL
ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL
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Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO
Julgamento: 12/04/2012
Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Publicação: DJe-080 DIVULG 29-04-2013 PUBLIC 30-04-2013
ESTADO – LAICIDADE. O Brasil é uma república laica, surgindo absolutamente neutro quanto às religiões.
Considerações. FETO ANENCÉFALO – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – MULHER – LIBERDADE SEXUAL E
REPRODUTIVA – SAÚDE – DIGNIDADE – AUTODETERMINAÇÃO – DIREITOS FUNDAMENTAIS – CRIME –
INEXISTÊNCIA. Mostra-se inconstitucional interpretação de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser
conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal.
Hoje, quando falamos a respeito da autonomia privada (que é o princípio maior do direito civil), temos a
autonomia patrimonial e a autonomia existencial.
Hoje, utilizamos autonomia patrimonial para definir negócios jurídicos de conteúdo econômico (direitos
reais, obrigacionais, atos de disposição de bens de conteúdo puramente econômico).
A autonomia existencial concerne ao livre desenvolvimento da personalidade, com possibilidade de
negócios jurídicos que dizem respeito aos atributos intrínsecos.
Então, o primeiro ponto é que o processo civil não é uma técnica criada em laboratório. O processo civil é
apenas um instrumento para a tutela dos direitos da pessoa humana.
A eficácia negativa é que, como o ser humano é um fim em si próprio, o processo não pode objetificar a
pessoa. Por isso, o NCPC valoriza o contraditório, amplia o dever de fundamentação das decisões, justamente
para que a pessoa humana seja um sujeito da relação processual e não objeto.
A eficácia positiva seria a liberdade de as partes realizarem negócios jurídicos processuais. Tudo isso
amplia o raio de liberdade e autodeterminação dos particulares dentro do processo civil.
Os direitos da personalidade são absolutos, tanto na eficácia positiva quanto na eficácia negativa, mas
como podemos dizer isso se não existem direitos fundamentais absolutos? Todos os direitos fundamentais são
relativos porque estão em posição de constante colisão. Em cada decisão do juiz em que estão em confronto dois
direitos da personalidade, haverá ponderação entre eles para verificar qual deles, naquela situação específica,
terá maior envergadura e poderá se sobrepor ao outro. Isso não quer dizer que, em outro julgamento, diante de
condições fáticas distintas, outro direito fundamental seja preponderante.
Os direitos da personalidade são absolutos no sentido da oponibilidade erga omnes, seja no sentido de
proteção ou no sentido de promoção. Eles não são absolutos com relação ao seu conteúdo.
Obs: Em toda prova de concurso público, o examinador trará questões de colisões de direitos da personalidade.
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Ex. 1: Em 1994, o filho pediu exame de DNA ao suposto pai, mas este se recusou a realizar. O filho, então,
pretendia a coerção do pai à realização do exame. Nesta situação, há colisão dos direitos da
personalidade. O filho queria a afirmação do direito de personalidade à sua identidade pessoal. De outro
lado, o suposto pai está defendendo a sua integridade física e intimidade, que também são direitos da
personalidade.
O STF entendeu, por 6 votos a 5, que o pai não poderia ser constrangido ao exame, com base na
justificativa de que, para defender a integridade física do pai, bastaria que a negativa implicasse presunção
relativa de paternidade. Esse ponto de vista prevalece até hoje (STF, HC 71373/RS: grande precedente desta
matéria).
A Súmula 301 do STJ é neste sentido.
EMENTA
HC 71373 / RS - RIO GRANDE DO SUL
HABEAS CORPUS
Relator(a): Min. FRANCISCO REZEK
Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO
Julgamento: 10/11/1994
Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Publicação: DJ 22-11-1996 PP-45686 EMENT VOL-01851-02 PP-00397
INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - EXAME DNA - CONDUÇÃO DO RÉU "DEBAIXO DE VARA". Discrepa, a mais não
poder, de garantias constitucionais implícitas e explícitas - preservação da dignidade humana, da intimidade, da
intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução específica e direta de obrigação de fazer -
provimento judicial que, em ação civil de investigação de paternidade, implique determinação no sentido de o réu
ser conduzido ao laboratório, "debaixo de vara", para coleta do material indispensável à feitura do exame DNA. A
recusa resolve-se no plano jurídico-instrumental, consideradas a dogmática, a doutrina e a jurisprudência, no que
voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova dos fatos.
Ex. 2: Um homem cria o filho até 5 anos de idade e depois descobre que a criança é fruto de relação
extraconjugal da esposa, ajuíza ação denegatória de paternidade, para demonstrar que não há vinculo
genético com o filho. Nesses 5 anos, houve paternidade socioafetiva. O que prevalece? A paternidade
genética ou a paternidade socioafetiva? A questão não pode cair na discricionariedade dos magistrados.
Devem ser estabelecidos critérios objetivos.
O entendimento que prevalece é que se esse pai realmente não sabia que não era pai da criança,
acreditava que era pai piamente, não se pode dizer que houve paternidade socioafetiva, porque paternidade
socioafetiva também requer a voluntariedade. Nesse caso, não houve voluntariedade porque houve ignorância.
Por outro lado, se esse pai, desde o momento em que a criança nasceu, já sabia que a criança não era sua filha,
haveria paternidade socioafetiva.
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Se esse pai se arrepender, prevalece a socioafetividade diante da verdade genética, para proteção dos
direitos de personalidade do filho e para evitar venire contra factum proprium. (Informativo 555, de 11 de março
de 2015, trata desse tema).
Ex. 3: Se o pai tem um filho de 40 anos de idade, o filho descobre que o seu pai biológico é outro, ajuíza
ação de investigação de paternidade, aqui a tensão é ainda mais complexa, porque, de um lado, temos a
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paternidade registral e a paternidade socioafetiva (pai) e, de outro lado, temos a paternidade biológica
(filho quer reconhecimento).
Quais são os critérios objetivos para solucionar isso? Alguns defendem que, devido ao princípio da
isonomia, o filho poderia buscar o pai biológico. De outro lado, alguns defendem que, devido à consolidação da
paternidade socioafetiva, o que haveria seria uma ação de investigação de origem genética e não de paternidade,
para que a curiosidade do filho seja satisfeita.
Na investigação de paternidade, o réu vira pai e isso tem consequências no direito de família e sucessório.
Na ação de investigação de origem genética, afetam-se somente os direitos da personalidade.
Hoje, o STJ entende que prevalece o direito do filho ajuizar uma ação de investigação de paternidade,
mesmo que isso implique alteração no registro.
EMENTA
Processo:REsp 1401719 / MG
Relator(a): Ministra NANCY ANDRIGHI (1118)
Órgão Julgador: T3 - TERCEIRA TURMA
Data do Julgamento: 08/10/2013
Data da Publicação/Fonte: DJe 15/10/2013
FAMÍLIA. FILIAÇÃO. CIVIL E PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE.
VÍNCULO BIOLÓGICO. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. IDENTIDADE GENÉTICA. ANCESTRALIDADE. ARTIGOS
ANALISADOS: ARTS. 326 DO CPC E ART. 1.593 DO CÓDIGO CIVIL. 1. Ação de investigação de paternidade ajuizada
em 25.04.2002. Recurso especial concluso ao Gabinete em 16/03/2012. 2. Discussão relativa à possibilidade do
vínculo socioafetivo com o pai registrário impedir o reconhecimento da paternidade biológica. 3. Inexiste ofensa
ao art. 535 do CPC, quando o tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e precisa sobre a questão posta nos
autos. 4. A maternidade/paternidade socioafetiva tem seu reconhecimento jurídico decorrente da relação jurídica
de afeto, marcadamente nos casos em que, sem nenhum vínculo biológico, os pais criam uma criança por escolha
própria, destinando-lhe todo o amor, ternura e cuidados inerentes à relação pai-filho.
5. A prevalência da paternidade/maternidade socioafetiva frente à biológica tem como principal fundamento o
interesse do próprio menor, ou seja, visa garantir direitos aos filhos face às pretensões negatórias de paternidade,
quando é inequívoco (i) o conhecimento da verdade biológica pelos pais que assim o declararam no registro de
nascimento e (ii) a existência de uma relação de afeto, cuidado, assistência moral, patrimonial e respeito,
construída ao longo dos anos.
6. Se é o próprio filho quem busca o reconhecimento do vínculo biológico com outrem, porque durante toda a
sua vida foi induzido a acreditar em uma verdade que lhe foi imposta por aqueles que o registraram, não é
razoável que se lhe imponha a prevalência da paternidade socioafetiva, a fim de impedir sua pretensão.
7. O reconhecimento do estado de filiação constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode
ser exercitado, portanto, sem qualquer restrição, em face dos pais ou seus herdeiros.
8. Ainda que haja a consequência patrimonial advinda do reconhecimento do vínculo jurídico de parentesco, ela
não pode ser invocada como argumento para negar o direito do recorrido à sua ancestralidade. Afinal, todo o
embasamento relativo à possibilidade de investigação da paternidade, na hipótese, está no valor supremo da
dignidade da pessoa humana e no direito do recorrido à sua identidade genética. 9. Recurso especial desprovido.
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O Enunciado 274 da CJF resume a nossa aula. Esses enunciados não são súmulas, mas são decisões sobre
temas que a doutrina entende como conflituosos.
O NCPC diz no art. 489 diz que, no caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os
critérios gerais da ponderação efetuada. A ponderação deve ser justificada.
Art. 489, §2o, NCPC. No caso de colisão entre normas, o juiz deve
justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada,
enunciando as razões que autorizam a interferência na norma
afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.
O que se quer com isso tudo é que o processo de interpretação seja racional, controlável, evitando
arbitrariedades. O que se quer é que se entenda o direito como integridade, como coerência, o que nos remete à
metáfora do romance em cadeia de Dworkin (Cada juiz será autor de um capítulo do romance. Aquele capítulo
será justificado de maneira racional e coerente. No próximo capítulo, a ponderação deve ser adaptada ao caso
concreto, com outras justificativas).
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Como estudar o direito civil?
Temos sete livros no Código Civil e todos são igualmente importantes. O professor recomenda a coleção da
Juspodium de sua autoria, mas o importante é que haja coerência entre os temas.
O volume único não pode ser o seu livro definitivo. Será apenas o primeiro livro ou será aquele livro para consulta
rápida.
Precisamos de um Código Civil Comentado, para explorar todos os artigos em todas as nuances. O professor
recomenda o CC comentado da editora Manole, coordenado pelo Ministro Cezar Pelluso.
Devemos conhecer os enunciados do CJF, que são separados por disciplina nos sites.
Na próxima aula, o professor continuará na matéria dos atributos dos direitos da personalidade.
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MATERIAL DE APOIO
ANOTAÇÃO DE AULA
SUMÁRIO
1. Inatos/originários:
Os direitos da personalidade são inatos, são originários, pois surgem com a condição humana,
universalmente. São inerentes à condição humana. Temos exceções (ex: direitos autorais). O direito autoral é um
direito da personalidade adquirido.
c) Teoria concepcionista:
Prevalece nos dias de hoje. Não parte de interpretação literal do art. 2º do CC. Faz interpretação
conforme a Constituição. Sustenta a incondicional personificação do nascituro, reconhecendo diferenças entre a
personalidade e a capacidade. A personalidade é um valor e a capacidade é a medida desse valor. A
personalidade já é titularizada pelo nascituro, que possui direitos da personalidade de forma incondicional. No
nascimento com vida, aquele que era nascituro passa a ser titular de direitos patrimoniais.
O nascituro é pessoa concebida e é legítimo sucessor, mas para aquisição da herança, deverá nascer com
vida.
O nascituro adquire capacidade jurídica para ocupar posições patrimoniais apenas após o nascimento
com vida.
Art. 542, CC. A doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu
representante legal.
A doação a nascituro é válida. É um negócio jurídico válido. Somente quando nascer com vida será dono
do bem. Não há imóveis em nome de nascituros, mas quando nascem com vida, passam a ser proprietários.
Se eu descubro que tenho um filho, posso reconhecê-lo antes do nascimento? Sim, porque ali já há uma
pessoa titular de direitos da personalidade. O reverso também é válido, ou seja, este feto pode ajuizar ação de
investigação de paternidade contra o suposto pai, representado pela mãe, para reconhecimento de direito da
personalidade.
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"ACIDENTE DE TRABALHO. PENSÃO MENSAL. NASCITURO. DANO MORAL. Prosseguindo o julgamento, a Turma
decidiu ser incabível a redução da indenização por danos morais fixada em relação a nascituro filho de vítima de
acidente fatal de trabalho, considerando, sobretudo, a impossibilidade de mensurar-se o sofrimento daquele que,
muito mais que os outros irmãos vivos, foi privado do carinho, assim como de qualquer lembrança ou contato,
ainda que remoto, de quem lhe proporcionou a vida. A dor, mesmo de nascituro, não pode ser mensurada,
conforme os argumentos da ré, para diminuir o valor a pagar em relação aos irmãos vivos. REsp 931.556-RS, Rel.
Min. Nancy Andrighi, julgado em 17/6/2008." (Informativo n. 360, 20.06.2008).
O que fazer naquele caso em que a mulher está grávida e perde o filho no final da gravidez?
Para a teoria da personalidade condicional, nunca houve personalidade.
Para a teoria concepcionista, se o nascituro é titular de direitos da personalidade, mesmo se não nascer
com vida, o natimorto adquiriu os direitos da personalidade, fez-se pessoa e tem direito à sepultura, à imagem, a
um nome.
Apesar da lei de registros públicos dizer que o que se faz é um registro de óbito fetal, mais correta está a
corregedoria de São Paulo que pioneiramente estabeleceu que é possível fazer certidão de natimorto, com
atribuição de nome ao natimorto. Esse raciocínio está em consonância com o Enunciado n. 1 do CJF:
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O art. 2º, portanto, deve ser interpretado conforme a Constituição. Devemos ler "a capacidade civil da
pessoa começa com o nascimento com vida e a lei põe a salvo os direitos da personalidade do nascituro".
O próprio STJ recentemente confessou a sua admiração pela teoria concepcionista (Informativo 547,
08.10.2014). Discutiu-se a respeito da indenização de uma mulher que perdeu o filho durante um acidente de
trânsito. Teria direito ao seguro DPVAT pela perda da criança? O STJ diz que o ordenamento jurídico alinha-se à
teoria concepcionista e que o nascituro é sujeito de direitos.
Atenção: há duas questões que podem ser abordadas em provas de segunda fase e provas orais.
i) Já que a teoria concepcionista admite que o nascituro é titular de direitos da personalidade, o que
acontece com o pré-embrião? É aquele embrião que está conservado em uma clínica, ainda não foi implantado
no corpo da mãe. Esse pré-embrião é titular dos direitos da personalidade? A resposta do ordenamento jurídico
atual é no sentido de que o pré-embrião não tem direitos da personalidade. Seria uma pessoa em potencial. O
CC somente se refere a nascituro. Nunca fez menção às técnicas de reprodução. O estatuto jurídico do pré-
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embrião deverá ser determinado por lei. Nascituro é aquele que há de nascer, o que pressupõe que já tenha
ocorrido a nidação. Isso é objeto do Enunciado n. 2 do CJF.
ii) questão da possibilidade de aborto dos anencéfalos: haveria uma contradição entre admitir a
personalidade jurídica do nascituro e permitir o aborto dos anencéfalos? Trata-se de apenas aparente
contradição. A teoria concepcionista defende a incondicional personalidade do nascituro desde que haja
viabilidade de vida. Diante da inviabilidade de vida cerebral (que é o critério pragmático da morte no Brasil), não
estamos falando de um aborto e nem de colisão de direitos fundamentais. Há apenas o direito fundamental da
mãe a escolher o seu projeto de vida. Fala-se em antecipação terapêutica do parto.
Pessoa jurídica é ao contrário de nascituro. Nascituro tem personalidade, mas não tem capacidade.
Pessoa jurídica tem capacidade, é sujeito de direitos, mas não tem direitos da personalidade, porque é uma
realidade técnica. Os entes coletivos são centros de imputação autônoma de direitos e deveres, mas não
ostentam personalidade. São realidades técnicas sem a carga ético-axiológica da pessoa humana.
Pessoa jurídica pode ajuizar ação de indenização por dano moral não porque haja qualquer base
filosófica, mas devido a uma construção dos tribunais. A pessoa jurídica pode sofrer dano moral porque criou-se
a tese de que a pessoa jurídica tem honra objetiva e, portanto, tem credibilidade, reputação, devendo ter
proteção ao seu nome, imagem e identidade.
Pessoa jurídica não tem honra subjetiva (não chora, não tem depressão,...), mas tem honra objetiva, pode
sofrer uma difamação, porque tem uma reputação, uma boa imagem, uma identidade institucional que, quando
ofendidas, configuram-se danos morais. No fundo, a pessoa jurídica discute questões patrimoniais, porque a
perda de credibilidade implica redução dos lucros. Essa redução é de difícil avaliação, então, para simplificar,
entende-se que se trata de dano moral, que pode ser arbitrado sem uso de cálculos aritméticos.
Pessoa jurídica NÃO É titular de direitos da personalidade, porque estes derivam da cláusula geral de
tutela da dignidade da pessoa humana. A dignidade não é da pessoa jurídica. A dignidade da pessoa humana tem
carga ética e axiológica e não se estende a pessoas jurídicas.
O próprio CC confessa que pessoa jurídica não é titular de direitos da personalidade (art. 52, CC)
Pessoa jurídica não tem direitos da personalidade, mas o CC, por uma liberalidade, concede à pessoa
jurídica, em certas situações, não os direitos da personalidade, mas a tutela, a proteção dos direitos da
personalidade. As expressões "no que couber" (reputação) e "proteção" (tutela reparatória e tutela inibitória)
evidenciam esse raciocínio.
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Tutela reparatória da reputação é a indenização do dano moral. Por isso, o dano moral é estendido a
pessoas jurídicas. Tutela inibitória da reputação é concedida antes que sofra um dano, se a pessoa jurídica provar
ao juiz que há iminência de risco quanto à sua credibilidade. Ex: alguém está falsificando os produtos da pessoa
jurídica. Para impedir danos, busca-se tutela inibitória do ato ilícito.
Nesse sentido, o Enunciado 286 do CJF:
O próprio STJ confessou, recentemente, que há distinção entre o dano moral decorrente da violação à
honra objetiva e os direitos da personalidade: o dano moral para pessoa jurídica não é o mesmo que o dano
moral para pessoa natural, porque somente a pessoa natural tem atributos biopsíquicos (2012).
"DIREITO ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. PESSOA JURÍDICA. HONRA OBJETIVA.
VIOLAÇÃO. Pessoa jurídica pode sofrer dano moral, mas apenas na hipótese em que haja ferimento à sua honra
objetiva, isto é, ao conceito de que goza no meio social. Embora a Súm. n. 227/STJ preceitue que "a pessoa
jurídica pode sofrer dano moral", a aplicação desse enunciado é restrita às hipóteses em que há ferimento à
honra objetiva da entidade, ou seja, às situações nas quais a pessoa jurídica tenha o seu conceito social abalado
pelo ato ilícito, entendendo-se como honra também os valores morais, concernentes à reputação, ao crédito que
lhe é atribuído, qualidades essas inteiramente aplicáveis às pessoas jurídicas, além de se tratar de bens que
integram o seu patrimônio. Talvez por isso, o art. 52 do CC, segundo o qual se aplica "às pessoas jurídicas, no que
couber, a proteção aos direitos da personalidade", tenha-se valido da expressão "no que couber", para deixar
claro que somente se protege a honra objetiva da pessoa jurídica, destituída que é de honra subjetiva. O dano
moral para a pessoa jurídica não é, portanto, o mesmo que se pode imputar à pessoa natural, tendo em vista que
somente a pessoa natural, obviamente, tem atributos biopsíquicos. O dano moral da pessoa jurídica, assim sendo,
está associado a um "desconforto extraordinário" que afeta o nome e a tradição de mercado, com repercussão
econômica, à honra objetiva da pessoa jurídica, vale dizer, à sua imagem, conceito e boa fama, não se referindo
aos mesmos atributos das pessoas naturais. Precedente citado: REsp 45.889-SP, DJ 15/8/1994. REsp1.298.689-RS,
Rel. Min. Castro Meira, julgado em 23/10/2012." (Informativo 508, 23.10.2012).
2. Vitalícios:
Os direitos da personalidade são vitalícios. Não são temporários, porque aderem à pessoa, são
indestacáveis de seu titular. Não é possível se desfazer de direitos da personalidade. São vitalícios porque vêm
com a concepção e nos acompanham até a morte. Porém, não são perpétuos, porque se extinguem com a morte.
São titularizados apenas por pessoas vivas. Mortos não titularizam situações existenciais.
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há ofensa ao seu nome e à honra. O filho tem pretensão para defesa destes direitos? O art. 12, parágrafo único,
CC responde:
Art. 12, CC. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito
da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras
sanções previstas em lei.
O artigo deveria dizer "em se tratando de MEMÓRIA de morto". O CC traz um rol de legitimados a exercer
pretensões em defesa daqueles direitos da personalidade que pertenciam ao morto. Esses herdeiros têm essa
pretensão tanto para tutela reparatória quanto para tutela inibitória.
A discussão é: qual é essa legitimidade que esses parentes têm? São substitutos processuais, legitimados
extraordinários ou atuam em nome próprio? Eles atuam em NOME PRÓPRIO, porque houve um dano reflexo. Isto
quer dizer que aquela ofensa em tese foi endereçada contra a pessoa morta, mas como o morto não é titular de
direitos da personalidade, a ofensa reflexamente atingiu seus familiares. Trata-se do dano em ricochete
(expressão de Caio Mário). Por isso, cada um desses familiares pode ajuizar pretensão inibitória ou reparatória
em nome próprio.
Nesse sentido, o enunciado n. 400 do CJF:
O espólio nunca será legitimado para tanto. O espólio é legitimado apenas para pretensões de natureza
patrimonial. Nesse sentido entende o STJ (Informativo 532, 19.12.2013) dizendo que o espólio não sofre dano
moral, porque consiste em universalidade de bens e direitos.
"DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE PARA BUSCAR REPARAÇÃO DE PREJUÍZOS DECORRENTES DE
VIOLAÇÃO DA IMAGEM E DA MEMÓRIA DE FALECIDO. Diferentemente do que ocorre em relação ao cônjuge
sobrevivente, o espólio não tem legitimidade para buscar reparação por danos morais decorrentes de ofensa post
mortem à imagem e à memória de pessoa. De acordo com o art. 6º do CC - segundo o qual "a existência da
pessoa natural termina com a morte [...]" -, os direitos da personalidade de pessoa natural se encerram com a sua
morte. Todavia, o parágrafo único dos arts. 12 e 20 do CC estabeleceram duas formas de tutela póstuma dos
direitos da personalidade. O art. 12 dispõe que, em se tratando de morto, terá legitimidade para requerer a
cessação de ameaça ou lesão a direito da personalidade, e para reclamar perdas e danos, o cônjuge sobrevivente
ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau. O art. 20, por sua vez, determina que, em se
tratando de morto, o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes são partes legítimas para requerer a proibição
de divulgação de escritos, de transmissão de palavras, ou de publicação, exposição ou utilização da imagem da
pessoa falecida. O espólio, entretanto, não pode sofrer dano moral por constituir uma universalidade de bens e
direitos, sendo representado pelo inventariante (art. 12, V, do CPC) para questões relativas ao patrimônio do de
cujus. Dessa forma, nota-se que o espólio, diferentemente do cônjuge sobrevivente, não possui legitimidade para
postular reparação por prejuízos decorrentes de ofensa, após a morte do de cujus, à memória e à imagem do
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falecido. REsp 1.209.474- SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 10/9/2013." (Informativo 532,
19.12.2013).
Questões em aberto:
i) Essa é uma ordem excludente? Herdeiros mais próximos excluem herdeiros mais remotos? Há
divergências, mas, para o professor, os herdeiros mais próximos afastam os mais remotos (como no direito das
sucessões). Deve-se criar uma presunção de que o afeto é maior nos parentes mais próximos.
ii) Essa legitimidade ampla, que abarca até os colaterais, diz respeito a todos os direitos da personalidade,
com exceção do direito à imagem. O parágrafo único do art. 20 diz que a legitimação para defesa do direito à
imagem do morto é mais restrita (cônjuges, ascendentes, descendentes:
iii) O Enunciado n. 398 do CJF é bastante polemico: poderia haver concorrência nessas pretensões do art.
12, parágrafo único. O ponto de vista do professor é contrário a isso. O professor defende que, caso haja
interesse dos outros, deve haver intervenção na mesma lide.
Questões processuais:
Se o meu pai apanha, ajuíza ação de indenização por danos morais e, 1 ano depois, morre por outras
razões, eu, como filha, posso prosseguir aquela demanda?
Direitos da personalidade são intransmissíveis, então seria o caso de extinção da ação? Não; haverá
sucessão processual, porque apesar de ter falecido a vítima, já estava em andamento a pretensão. Uma ação em
andamento tem natureza patrimonial, corresponde a um crédito patrimonial.
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Agora, imagine que o pai sofre uma agressão e apanha até não poder mais, mas não quer entrar com
ação de indenização por dano moral. Se ele morre 1 ano depois por causas naturais, o filho pode exercer essa
pretensão? Hoje, prevalece a tese de que, mesmo não tendo o pai exercido essa pretensão reparatória, o filho
pode exercê-la. O pai, de fato, não lhe transmite direitos da personalidade, mas a minha legitimidade ativa não
vem da transferência. A legitimidade vem do fato de que, quando ele morreu, já havia o dano. Ele já havia sido
ofendido. Se a lesão foi consumada, nasceu a pretensão, que pode ser exercida pelos herdeiros, sujeita à
prescrição.
Surge pretensão à tutela reparatória do dano moral. O direito da personalidade não se transmite, mas a
pretensão se transmite.
Obs: Esse mesmo raciocínio é aplicável para outros ramos do direito civil. No direito de família, se seu pai
descobriu que era filho do Silvio Santos e em vida não ajuíza ação de investigação de paternidade. Eu, neta do
Silvio Santos, posso ajuizar ação de investigação contra ele? O nome correto de investigação de paternidade seria
investigação de ancestralidade. O direito à personalidade de cada um é ter a ciência da sua ascendência genética.
Isso pode ocorrer em saltos. Eu posso ajuizar essa investigação de paternidade contra Silvio Santos, já que meu
pai não o fez em vida. Nesse sentido, o Enunciado n. 521 do CJF:
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MATERIAL DE APOIO
ANOTAÇÃO DE AULA
SUMÁRIO
4. Relativamente disponíveis
As pessoas tendem a dizer que os direitos da personalidade são indisponíveis, por serem bens inerentes à
pessoa. Porém, os direitos da personalidade são relativamente disponíveis. É preciso visitar as 3 partes do art. 11,
CC.
Art. 11, CC. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da
personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu
exercício sofrer limitação voluntária.
O que o art. 11 diz? Diz que os direitos da personalidade seriam completamente indisponíveis, mas
devemos desmentir em parte o que está escrito neste dispositivo.
Exemplos:
Nada impede que eu, usando minha esfera de autodeterminação, queira limitar/restringir a minha
integridade física ou intimidade:
1. Sujeito resolve ser lutador de vale-tudo.
2. Sujeito resolve contar tudo a respeito da sua vida em rede social.
Esses atos são válidos e eficazes. Existem 4 pressupostos objetivos para aferir se esses atos são legítimos
ou ilegítimos:
1. Esse ato é socialmente justificável?
2. Esses atos atendem ao legítimo interesse dos seus titulares?
3. Esses atos são revogáveis?
4. Esses atos ofendem interesses de terceiros?
Em uma prova dissertativa, devemos ir muito além do teor do art. 11. Nesse sentido, o Enunciado n. 4 do
CJF diz:
O jogador que cede o seu direito de imagem não pode fazer contrato vitalício, pois isto seria ceder a
própria substância do direito. Todos esses contratos de cessão de direito de imagem devem ter um prazo e um
objeto, para ficar claro que se trata de desfrute temporário do conteúdo econômico de direito alheio.
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Essa esfera de disponibilidade se dá em dois níveis: i) renúncia parcial; ii) renúncia total.
Art. 13, CC. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição
do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da
integridade física, ou contrariar os bons costumes.
A regra no Brasil é a impossibilidade de disposição do próprio corpo. É possível dispor do próprio corpo,
desde que não haja redução permanente da integridade e este ato não ofenda os costumes. O ato será legítimo
se houver exigência médica.
Imagine que uma pessoa precise retirar uma perna, a cirurgia é disposição permanente do próprio corpo,
mas é um ato legítimo porque há exigência médica, para que a pessoa possa sobreviver.
O art. 13 é muito frágil. Se o transexual quer fazer cirurgia de transgenitalização, qual será a
consequência? Será redução permanente da integridade física. O art. 13 não explica corretamente as bases da
questão.
Podemos fazer abordagem médica, tal qual o art. 13, ou podemos fazer abordagem ética, com base na
Constituição Federal. Em uma abordagem médica, haveria um transtorno psíquico e a cirurgia de
transgenitalização seria o remédio para a pessoa, com posterior alteração no registro.
Em uma abordagem ética, veremos que não se trata de um transtorno psíquico, mas de um direito
fundamental de autodeterminação sexual. É uma discussão sobre identidade de gênero. Uma pessoa quer usar o
livre desenvolvimento de sua personalidade para promover uma nova orientação sexual.
No campo da eficácia, é muito diferente tratar a questão sob a ótica dos direitos fundamentais.
Não se aceita, em regra, que as pessoas retirem parte de seu corpo e a abordagem médica estaria acima
do ordenamento jurídica através da ótica do art. 13.
Depois da cirurgia, admite-se alteração do prenome, mas se a questão é um problema de
autodeterminação, a alteração do prenome deveria poder acontecer antes da cirurgia, porque, antes do ato de
mutilação, a pessoa já porta em si a necessidade de se identificar com o gênero oposto.
O STF já levou esse assunto para repercussão geral (RE 670422/RS), em que se discute a possibilidade de
retificação do nome antes da cirurgia, discutindo esses princípios constitucionais, sem qualquer ligação com o art.
13 do CC.
EMENTA
Processo: RE 670422 RG / RS - RIO GRANDE DO SUL
REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI
Julgamento: 11/09/2014
Publicação: DJe-229 DIVULG 20-11-2014 PUBLIC 21-11-2014
EMENTA DIREITO CONSTITUCIONAL E CIVIL. REGISTROS PÚBLICOS. REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS.
ALTERAÇÃO DO ASSENTO DE NASCIMENTO. RETIFICAÇÃO DO NOME E DO GÊNERO SEXUAL. UTILIZAÇÃO DO
TERMO TRANSEXUAL NO REGISTRO CIVIL. O CONTEÚDO JURÍDICO DO DIREITO À AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL.
DISCUSSÃO ACERCA DOS PRINCÍPIOS DA PERSONALIDADE, DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, INTIMIDADE,
SAÚDE, ENTRE OUTROS, E A SUA CONVIVÊNCIA COM PRINCÍPIOS DA PUBLICIDADE E DA VERACIDADE DOS
REGISTROS PÚBLICOS. PRESENÇA DE REPERCUSSÃO GERAL.
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Há ainda um terceiro argumento. Se entendemos que se trata de promoção de um direito fundamental, é
claro que não se dará publicidade a esse ato. A averbação constará apenas do livro de registro, para
conhecimento apenas por quem tem legítimo interesse.
Trata-se de renúncia parcial dos direitos da personalidade para assegurar o livre desenvolvimento de sua
personalidade.
É vedado ao médico:
Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de
seu representante legal.
Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o
médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem
empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou
obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do
paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.
Comumente, a pessoa em estado terminal pode estar inconsciente e não tem como autorizar a
ortotanásia. Para esses casos, o CFM emitiu a Resolução 1995/2012 tratando das chamadas diretivas antecipadas.
Temos variação da ortotanásia, com limites.
Diretivas antecipadas são determinações dadas pela pessoa que devem ser cumpridas no futuro quando
aquela for incompetente para decidir o cuidado de si mesmo em razão de qualquer causa psicofísica que lhe
subtraia o discernimento.
Por essa resolução do CFM, as diretivas antecipadas dividem-se em duas espécies:
1) Declaração prévia de vontade;
2) Representação permanente.
A declaração prévia de vontade pressupõe que a pessoa que está inconsciente de antemão diz que não
quer ser submetida a tratamentos fúteis e desproporcionais.
Na representação permanente, a pessoa nomeia representante permanente para que, se no futuro a
pessoa estiver em estado terminal, decida quais serão os atos médicos que legitimamente poderão ser aplicados.
As diretivas antecipadas são atos personalíssimos (somente a própria pessoa pode emitir), unilaterais
(não é um contrato; não necessita da anuência de terceiros; o conhecimento de terceiros é apenas para eficácia),
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revogáveis, gratuitos e autorreferentes (as diretivas antecipadas são negócios jurídicos existenciais que
programam a autonomia para um futuro eventual).
A respeito, o Enunciado 528 do CJF:
Muitos chamam as diretivas antecipadas de "testamento vital", mas o professor não gosta dessa
terminologia, porque testamento, a rigor, é negócio jurídico de eficácia post mortem.
5. Imprescritíveis
Direitos patrimoniais em regra são prescritíveis e se perdem pelo não uso. Os direitos da personalidade
não se perdem pelo não uso. Por mais que você não queira exercitar sua intimidade, a qualquer hora você pode
exercer esse direito. São permanentes.
Por que a ação de reparação por dano moral deve ser proposta em três anos, se os direitos da
personalidade são imprescritíveis? A integridade física é imprescritível; não a perdemos pelo não uso, mas a
pretensão de reparação de dano moral é apenas uma consequência econômica da violação de um direito da
personalidade.
Os direitos da personalidade, às vezes, são associados a pretensões de natureza patrimonial. Ex: sujeito
pode ajuizar ação de investigação de paternidade mesmo depois da morte do suposto pai, mas a pretensão de
petição de herança tem conteúdo patrimonial e está sujeita à prescrição.
A respeito, a súmula 149 do STF:
Qual a única pretensão de reparação de dano moral que é imprescritível? É a pretensão de reparação de
dano moral das pessoas que foram vítimas de tortura na ditadura, porque a matéria é disciplinada por
convenções internacionais de direitos humanos, que transformam as pretensões econômicas em imprescritíveis.
Conhecemos, portanto, os atributos dos direitos da personalidade e iniciaremos o estudo dos direitos da
personalidade em espécie.
1. Direito ao corpo
Temos no Brasil a Lei de Transplante de Órgãos, que cuida do transplante de órgãos post mortem, do
transplante póstumo. Como se faz essa disposição de órgãos da pessoa morta? A resposta a essa pergunta passou
por 3 "capítulos" ao longo dos anos.
1º capítulo: quando essa lei entrou em vigor, dizia no art. 4º que se uma pessoa no Brasil morresse sem se
manifestar quanto à doação de órgãos, ela seria doadora de órgãos. Era o sistema da doação presumida de
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órgãos. Todo brasileiro era um potencial doador, mas a sociedade não aceitou. Era como se o corpo pertencesse
ao Estado. Então, houve mudança na lei em 2001.
2º capítulo: a segunda redação do art. 4º diz que a doação depende da autorização de cônjuge ou
parente. Saímos do sistema da doação presumida e ingressamos no sistema da doação consentida. A decisão
final cabe à família, mesmo se a pessoa declarou de modo diverso em vida.
Nesses dois primeiros capítulos, o que está errado é que temos heterononomia e não autonomia
existencial.
3º capítulo: torna-se válida a disposição gratuita do próprio corpo para depois da morte, visando a uma
finalidade altruísta. Esse ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo pela própria pessoa.
Hoje, o cenário jurídico é que a pessoa é que será a protagonista quanto à doação de órgãos post mortem. O
único caso em que a decisão é da família é se a pessoa ficar silente.
Uma pessoa pode usar a sua autonomia para fazer um testamento e, nesse testamento, não haver
nenhuma regra de conteúdo patrimonial, mas apenas para dizer que quer doar órgãos para finalidade altruística.
A pessoa também pode dizer que quer que o corpo seja destinado a finalidade científica.
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O art. 1857, §2º, CC fala sobre isso:
Recentemente, o Enunciado 532 do CJF diz que é permitida a disposição do próprio corpo para objetivos
exclusivamente científicos:
Consentimento informado:
Há uma tensão entre o princípio da beneficência e o princípio do consentimento informado. Até pouco
tempo atrás, havia consenso de que o médico era o sujeito e o paciente objeto, de modo que poderia submeter o
paciente a suas decisões (ideia do juramento de Hipócrates).
A partir do momento em que se entende que o ser humano tem direito ao controle do seu próprio corpo,
toda essa noção médica foi submetida a novos paradigmas, porque hoje o princípio da beneficência é
constantemente tensionado com o princípio do livre consentimento informado, que parte da ideia de que todo
ato médico somente será validado se houver o expresso consentimento do seu paciente no sentido de sua
autorização. Então, todo tratamento médico ou qualquer ato médico de experimentação requer a explícita
adesão desse paciente. Não é a adesão do paciente a um ou outro ato isolado praticado pelo médico. O
consentimento informado percebe o tratamento como um processo, durante o qual deve haver consentimento
informado, do início ao fim. A relação entre paciente e médico, portanto, passa a ser horizontal. Se é uma relação
entre dois sujeitos de direito, o que prevalece é a confiança, a boa-fé objetiva, a lealdade. O médico tem que
prestar um diuturno dever de informação, proteção, cooperação referente ao tratamento.
A respeito, o art. 15 do CC:
Art. 15, CC. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco
de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.
Qualquer ato médico sobre o corpo requer consentimento informado, haja ou não risco de morte, mas
então por que há tensão entre esse princípio e o princípio da beneficência? O princípio da beneficência ainda é
importante. Em alguns momentos, ele irá se sobrepor ao consentimento informado. São 4 situações:
I) Casos de emergência: o médico deve tratar. O Enunciado 533 do CJF menciona essa situação, mas não
menciona as outras 3.
II) Privilégio terapêutico: existem situações em que o médico não deve buscar o consentimento do
paciente, pois este está fortemente comprometido emocionalmente.
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III) Tratamento compulsório: existem algumas situações em que há epidemia nos países. O indivíduo tem
que ser vacinado, para evitar o contágio, a transmissão daquela moléstia. Haverá o tratamento compulsório.
IV) Renúncia ao direito de informação pelo paciente: opta por deixar todas as decisões nas mãos do
médico.
As decisões mais difíceis sobre o consentimento informado estão relacionadas à objeção de consciência,
que se dá quando uma pessoa, utilizando-se de uma prática religiosa, não quer se submeter a um tratamento
médico.
O caso mais comum é o das testemunhas de Jeová. Eles creem que não podem receber sangue de outras
pessoas. Quando uma pessoa laica é colocada frente a essa situação, tende a proteger o direito à vida. Porém,
devemos pensar que a necessidade da pessoa seguir seus preceitos religiosos pode superar seu direito à própria
vida e nós temos que respeitar, mesmo que isso nos pareça imprudente.
Se essas pessoas são plenamente conscientes, não há como se colocar abstratamente a vida em padrão
superior.
O que podemos fazer é entender que há um desacordo moral razoável e, diante disso, temos que saber
que há parâmetros objetivos para saber se essa pessoa está legitimamente renunciado ao seu direito à vida:
I) Existe alguma alternativa terapêutica? (hoje existem várias técnicas criadas especialmente para
testemunhas de Jeová);
II) Quem está dando consentimento é pessoa capaz e maior de idade?;
III) A pessoa está consciente para comunicar sua decisão? (se a pessoa está desacordada, seria um ato de
heteronomia).
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ANOTAÇÃO DE AULA
SUMÁRIO
DIREITOS DA PERSONALIDADE EM ESPÉCIE
1. Direito ao corpo
2. Direito ao nome (aula de hoje a partir deste ponto)
3. Direito à imagem
Continuando o estudo sobre os direitos da personalidade em espécie...
2. Direito ao nome
O nome é elemento individualizador da pessoa, seja física ou jurídica, designando e distinguindo todo o
sujeito na sociedade civil. Prende-se ao direito à identidade. É o elo entre a pessoa e a sociedade.
Estamos em um momento especial, de enorme transformação do conceito e natureza jurídica do nome.
O nome tem dois aspectos: um aspecto público e um aspecto privado.
No aspecto público, temos um dever ao nome, em prol da segurança jurídica. No aspecto privado,
falamos em direito ao nome, como um direito da personalidade.
Tradicionalmente, o conceito de nome na Lei dos Registros Públicos é de um dever, diante da necessidade
de identificação perante a sociedade. Tem-se como regra a inalterabilidade.
Nos últimos tempos, porém, tem-se valorizado o nome como uma exaltação do livre desenvolvimento da
personalidade, da possibilidade de um ser humano promover sua autodeterminação, manifestar seu modus
vivendi pela possibilidade de alterar seu nome ao longo da vida de acordo com aquilo que quer para si. O nome
tem tendência à mutabilidade.
Devemos, portanto, adequar a segurança jurídica à mutabilidade.
O art. 16 do CC diz que toda pessoa tem um direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o
sobrenome. Também temos o agnome (Júnior, Neto).
Art. 16, CC. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o
prenome e o sobrenome.
Prenome
Nome é cada vez mais aquilo do que sou chamado. Não é o nome que faz a pessoa. É a pessoa quem faz o
nome. O nome passa a ser um adesivo, alterável conforme a trajetória de nossas vidas.
O art. 58 da Lei 6015/1973 fala em substituição por apelidos públicos notórios.
Nome social
Esses 5 casos que acabamos de ver induzem a uma alteração do nome registrado. Isso implica mudança
formal do prenome da pessoa, mas há outra situação que está a margem disso. Trata-se do nome social.
Não se trata do prenome de uso. Nome social seria o "nome de guerra". Transexuais utilizam
determinado nome pelo qual são conhecidos. Recentemente, várias leis municipais e estaduais tem estabelecido
que essas pessoas, quando chegam em repartições públicas, têm direito a serem chamadas pelo seu nome social
(hospital, escolas, etc), para evitar evidentes constrangimentos.
Essa mudança ainda não reflete uma alteração no registro público. A identidade civil ainda não foi
modificada. O que existe apenas são decisões de tribunais que admitem que um transexual, mesmo antes da
cirurgia, possa proceder à alteração do prenome, para adequar sua identidade social à sua identidade civil.
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Não há lei ainda que faça com que o nome social seja incorporado ao registro civil, a não ser depois da
cirurgia de transgenitalização. A ADI 4275, ainda pendente de julgamento, discute se o nome social pode ser
incorporado ao registro independente da realização de cirurgia.
Tudo isso diz respeito a alteração de prenome.
Sobrenome
Quanto ao sobrenome, temos 5 situações de modificação:
1. Inclusão do nome de família do padrasto ou madrasta por socioafetividade: isso não implica
supressão do sobrenome do pai ou mãe biológicos (art. 57, §8º, da Lei 6015/73).
2. Abandono afetivo: Se houve omissão de cuidado por parte do pai, a pessoa pode alegar que o pai
nunca exerceu a função socioafetiva, requerendo a exclusão do sobrenome paterno. Não se pretende a exclusão
do vínculo biológico. O nome da pessoa deve refletir a sua história pessoal.
O STJ (Informativo 555, 11.03.2015, 3ª Turma) entende que a pessoa tem direito de portar um nome que
não lhe remeta às angústias do abandono paterno. Esse interesse se sobrepõe ao interesse público de
imutabilidade do nome.
Obs: a omissão de cuidado nem sempre pode ser sancionada em uma ação de responsabilidade civil,
porém é possível a alteração do nome pela comprovação da negligência.
"DIREITO CIVIL. EXCLUSÃO DOS SOBRENOMES PATERNOS EM RAZÃO DO ABANDONO PELO GENITOR. Pode ser
deferido pedido formulado por filho que, no primeiro ano após atingir a maioridade, pretende excluir
completamente de seu nome civil os sobrenomes de seu pai, que o abandonou em tenra idade. Nos termos da
legislação vigente (arts. 56 e 57 da Lei 6.015/1973 - Lei de Registros Públicos), o nome civil pode ser alterado no
primeiro ano, após atingida a maioridade, desde que não prejudique os apelidos de família, ou, ultrapassado esse
prazo, por justo motivo, mediante apreciação judicial e após ouvido o Ministério Público. A propósito, deve-se
salientar a tendência do STJ à superação da rigidez do registro de nascimento, com a adoção de interpretação
mais condizente com o respeito à dignidade da pessoa humana, fundamento basilar de um estado democrático.
Em outras palavras, o STJ tem adotado posicionamento mais flexível acerca da imutabilidade ou definitividade do
nome civil, especialmente quanto à possibilidade de alteração por justo motivo (hipótese prevista no art. 57), que
deve ser aferido caso a caso. Com efeito, o princípio da imutabilidade do nome não é absoluto no sistema jurídico
brasileiro. Além disso, a referida flexibilização se justifica "pelo próprio papel que o nome desempenha na
formação e consolidação da personalidade de uma pessoa" (REsp 1.412.260-SP, Terceira Turma, DJe 22/5/2014).
Desse modo, o direito da pessoa de portar um nome que não lhe remeta às angústias decorrentes do abandono
paterno e, especialmente, corresponda à sua realidade familiar, sobrepõe-se ao interesse público de
imutabilidade do nome, já excepcionado pela própria Lei de Registros Públicos. Sendo assim, nos moldes
preconizados pelo STJ, considerando que o nome é elemento da personalidade, identificador e individualizador
da pessoa na sociedade e no âmbito familiar, conclui-se que o abandono pelo genitor caracteriza o justo motivo
de o interessado requerer a alteração de seu nome civil, com a respectiva exclusão completa dos sobrenomes
paternos. Precedentes citados: REsp 66.643-SP, Quarta Turma, DJ 21/10/1997; e REsp 401.138-MG, Terceira
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Turma, DJ 26/6/2003. REsp 1.304.718-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 18/12/2014, DJe
5/2/2015." (Informativo 555, 11.03.2015).
3. Dupla maternidade: havendo relação homoafetiva, a criança é criada pela mãe biológica e pela mãe
socioafetiva. Nesse caso, é possível a inclusão do sobrenome da mãe socioafetiva.
Obs: Existe um prazo decadencial de 1 ano para alteração de nome (art. 56 da Lei 6015). Se nos prendermos a
esse artigo, a partir dos 19 anos de idade não se poderia mais alterar o nome. Esse dispositivo tem sido
questionado pela jurisprudência do STJ e da doutrina, porque se a pessoa manifesta necessidade de mudar seu
nome ao longo da vida, não há justificativa lógica para reduzir uma adequação de direito da personalidade ao
prazo decadencial de 1 ano. As decisões tem flexibilizado esse prazo, permitindo que as pessoas alterem seus
nomes se houver fundamento objetivo sério para tanto. A decisão que permitiu a supressão do nome do pai por
omisão de cuidado, citada há pouco, também diz que o STJ tem flexibilizado esse prazo de 1 ano para alteração
do nome civil.
O artigo diz apenas que se poderá acrescer. Será que é possível suprimir? Muitas vezes, o sujeito já tem o
sobrenome grande, então nada impede que se possa excluir um outro sobrenome. É possível a alteração a
qualquer tempo, não só no momento da celebração do casamento, mas também no curso do casamento. Nesse
caso, entretanto, é necessário entrar com ação de retificação do registro. A respeito, Informativo 503 de
06.09.2012 do STJ:
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O artigo fala da inclusão do sobrenome no casamento, mas e na união estável? É claro que é possível,
porque a CF assemelha a tutela da união estável à tutela do casamento. Então, é possível desde que haja prova
documental sobre a existência da união estável (Informativo 506, 17.10.2012 prevê possibilidade de alteração do
assento registral em união estável). O mesmo pode ser dito para união homoafetiva.
5. Divórcio: geralmente, a mulher, quando utiliza o sobrenome do cônjuge, fica conhecida na sociedade
com esse sobrenome. Na hora do divórcio, aquele nome que era do marido já está incorporado à personalidade
da mulher, sendo parte de sua identidade socialmente reconhecida. Por mais que aquele nome tenha sido um
nome adquirido, ele adere ao nome da pessoa e pode ser mantido.
Depois da EC n. 66/2010, que aboliu a questão da culpa no divórcio, isso ficou ainda mais evidente. Se a
mulher quer retirar o sobrenome do marido, pode retirar, por óbvio. Hoje, admite-se que a mãe averbe seu nome
de solteira no registro civil de cada um dos filhos. Então, os filhos podem sofrer retificação do seu nome para
incorporar o nome de solteira da mãe que havia sido deixado de lado (Informativo 555, 11.03.2015 - STJ admitiu a
retificação do sobrenome dos filhos em razão do divórcio).
"DIREITO CIVIL. RETIFICAÇÃO DO SOBRENOME DOS FILHOS EM RAZÃO DE DIVÓRCIO. É admissível a averbação, no
registro de nascimento do filho, da alteração do sobrenome de um dos genitores que, em decorrência do
divórcio, optou por utilizar novamente o nome de solteiro, contanto que ausentes quaisquer prejuízos a terceiros.
O art. 57 da Lei 6.015/1973 - Lei de Registros Públicos - admite a alteração do nome civil, excepcionalmente e de
forma motivada, com a devida apreciação judicial, sem descurar da ausência de prejuízo a terceiros. Dessa forma,
é justificável e plausível a modificação do sobrenome constante da certidão de nascimento, situação que prima
pela contemporaneidade da vida, dinâmica por natureza (e não do momento da lavratura do registro). A função
do sobrenome é identificar o núcleo familiar da pessoa e deve retratar a verdade real, fim do registro público, que
objetiva espelhar, da melhor forma, a linhagem individual. Assim, é direito subjetivo da pessoa retificar seu
sobrenome no registro de nascimento de seus filhos após divórcio. Ademais, a averbação do sobrenome no
registro de nascimento do filho em decorrência do casamento (art. 3º, parágrafo único, da Lei 8.560/1992) atrai, à
luz do princípio da simetria, a aplicação da mesma norma à hipótese inversa, qual seja, em decorrência do
divórcio, um dos genitores deixa de utilizar o nome de casado. Além disso, não se coaduna à razoabilidade exigir
que um dos genitores e seus filhos portem diariamente consigo cópia da certidão de casamento dos pais com a
respectiva averbação para fins de identificação, em prejuízo do exercício do poder familiar. Além do mais, não
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seria coerente impor a alguém utilizar-se de outro documento público para provar a filiação constante de sua
certidão de nascimento. Por isso, havendo alteração superveniente que venha a obstaculizar a própria
identificação do indivíduo no meio social, resta indubitável a possibilidade de posterior retificação do registro
civil. Por fim, registre-se que não se verifica impedimento legal para modificação do sobrenome dos filhos quando
há alteração do nome de um dos genitores por ocasião do divórcio, conforme se verifica na legislação de
regência: art. 54 da Lei 6.015/1973, arts. 20 e 27 do ECA, art. 1.565 do CC e art. 3º, parágrafo único, da Lei
8.560/1992. Precedentes citados: REsp 1.072.402- MG, Quarta Turma, DJe 1º/2/2013; e REsp 1.041.751-DF,
Terceira Turma, DJe 3/9/2009. REsp 1.279.952-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 3/2/2015, DJe
12/2/2015." (Informativo 555, 11.03.2015).
Pseudônimos e heterônimos
Há pessoas que usam pseudônimos, que são nomes falsos criados por uma pessoa e que se incorporam à
sua identidade. O art. 19 do CC protege o pseudônimo como uma proteção que se dá ao próprio nome registrário.
Não há necessidade de registro do pseudônimo e também não há necessidade de que a pessoa seja
famosa. Portanto, qualquer pessoa pode ter um pseudônimo e buscar sua proteção, mas, se amanhã, aparecer
outra pessoa com o mesmo pseudônimo, se essa pessoa for célebre ou tiver registrado o pseudônimo, tais fatores
serão importantes para solução do litígio.
O pseudônimo tem valor econômico, então a pessoa célebre pode utilizar tutela inibitória ou reparatória
para salvaguardar aquele nome.
Obs: Fernandinho Beiramar é um pseudônimo, mas não é protegido, porque a proteção recai apenas
sobre atividades lícitas.
O art. 19 só fala de pseudônimo, porém há a hipótese contrária de pseudônimo, o heterônimo. A pessoa
tem várias personalidades com nomes distintos, que habitam um único poeta. Fernando Pessoa escrevia com
vário heterônimos (às vezes era Ricardo Reis, às vezes era Álvaro Campos, etc). Os heterônimos têm a mesma
proteção que os pseudônimos.
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2. Direito à imagem
Imagem é toda sorte de representações da individualidade da pessoa. Imagem não é meu rosto, não é
meu corpo, é toda forma de representação dos meus sentidos (ex: quando falamos do andar de Charles Chaplin,
isso é imagem).
São representações que individualizam as pessoas. O direito de imagem seria, portanto, o poder de
controle da pessoa sobre todas essas representações que a individualizam.
O art. 5º, V, CF diz que:
Caso Maitê Proença (Pílulas de Farinha): Maitê Proença fez propaganda de pílula anticoncepcional em
época em que a marca estava em baixa por causa das pílulas de farinha. Enquanto a propaganda estava no ar,
houve mais casos de pílula de farinha, então Maitê Proença ajuizou ação alegando violação à imagem-atributo.
É mais enfático em autonomizar o bem jurídico imagem. Temos que entender como o direito à imagem
torna-se único.
Caso Maitê Proença (fotos nuas): Maitê Proença posou para Playboy e, alguns meses depois, uma das
fotos foi veiculada naqueles jornais que eram distribuídos de graça na rua. Maitê Proença disse que cedeu seu
direito de imagem apenas pra Playboy. O TJRJ entendeu que sua pretensão era improcedente porque ela só
poderia reclamar algum dano se fosse mulher feia.
Essa decisão foi reformada pelo STJ, que entendeu que houve dano à imagem, pois imagem não tem
nada a ver com honra. Não houve contrato de cessão de uso de imagem. O nome disso é dano à imagem.
Às vezes, é possível haver dano à imagem e a honra da pessoa ser valorizada. Por exemplo, se um sujeito
pratica filantropia sigilosamente e um jornal divulga fotos, há valorização da honra da pessoa, mas houve dano à
imagem, porque a pessoa não consentiu sequer tacitamente com a cessão daquela imagem.
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No programa do Pânico, um sujeito que estava na rua, foi alvo de brincadeira com baratas e pediu
indenização por dano moral e indenização por dano à imagem. Pode haver dano à imagem sem nenhum
dano moral.
O informativo 546 do STJ de 24.09.2014 fala sobre caso de pessoa que teve sua imagem captada em local
público para campanha publicitária. Não houve dano moral, mas houve dano à imagem. Então, pode
haver dano à imagem sem a existência de qualquer dano moral. Nesse sentido, a CF coloca o dano
imagem como uma espécie de dano diferente do dano patrimonial e do dano moral.
"DIREITO CIVIL. DANO MORAL DECORRENTE DA UTILIZAÇÃO NÃO AUTORIZADA DE IMAGEM EM CAMPANHA
PUBLICITÁRIA. Configura dano moral a divulgação não autorizada de foto de pessoa física em campanha
publicitária promovida por sociedade empresária com o fim de, mediante incentivo à manutenção da limpeza
urbana, incrementar a sua imagem empresarial perante a população, ainda que a fotografia tenha sido capturada
em local público e sem nenhuma conotação ofensiva ou vexaminosa. Efetivamente, é cabível compensação por
dano moral decorrente da simples utilização de imagem de pessoa física, em campanha publicitária, sem
autorização do fotografado. Essa é a interpretação que se extrai dos precedentes que definiram a edição da
Súmula 403 do STJ, segundo a qual "Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não
autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais". Precedentes citados: EREsp 230.268- SP,
Segunda Seção, DJ de 4/8/2003; AgRg no REsp 1.252.599-RS, Terceira Turma, DJe de 5/5/2014; e AgRg no AREsp
148.421-SP, Quarta Turma, DJe de 25/10/2013. REsp 1.307.366-RJ, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 3/6/2014."
(Informativo 546, STJ).
Coloca que, para que alguém pleiteie dano à imagem, pouco interessa saber se sofreu dano patrimonial.
Se a campanha foi lucrativa, além do dano à imagem, é possível cumulação com pedido de indenização por dano
patrimonial, pois houve ganhos indevidos.
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momento e o transforma em criação intelectual, digna, portanto, de tutela como manifestação de cunho artístico.
O fotografado, conquanto seja titular de direitos da personalidade (como a imagem, a honra e a intimidade), nada
cria. Dele não emana nenhuma criação do espírito exteriorizada como obra artística. Sua imagem compõe obra
artística de terceiros. Nesse sentido, a Terceira Turma do STJ já decidiu que a "fotografia é obra protegida por
direito do autor, e, ainda que produzida na constância de relação de trabalho, integra a propriedade imaterial do
fotógrafo, não importando se valorada como obra de especial caráter artístico ou não" (REsp 1.034.103-RJ, DJe
21/9/2010). Ressalte-se, todavia, que o fotografado tem direito de imagem, cuja violação poderia, realmente,
ensejar indenizações. REsp 1.322.704-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 23/10/2014, DJe 19/12/2014."
(Informativo 554, STJ).
Em 2014, foi decidido pelo STJ um caso de Rubinho Barrichello (REsp 1432324/SP) envolvendo o tema.
EMENTA
Processo: REsp n. 1.432.324/SP
Relator: Min. Paulo de Tarso Sanseverino
Órgão Julgador: Terceira Turma
Data do Julgamento: 18.12.2014
Publicação: DJE 04.02.2015
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. OFENSA AO DIREITO DE IMAGEM. UTILIZAÇÃO SEM
AUTORIZAÇÃO. DANO MORAL "IN RE IPSA". PRECEDENTES. ENUNCIADO 278 DA IV JORNADA DE DIREITO CIVIL. 1.
Ação de indenização por danos morais movida por conhecido piloto automobilístico em face da veiculação de
publicidade utilizando o apelido do autor, amplamente conhecido pelo público em geral, em um contexto que
claramente o identificava (criança, em um carro de brinquedo, com um macacão na mesma cor que o piloto
demandante usava em sua equipe de Fórmula 1). 2. Jurisprudência firme desta Corte no sentido de que os danos
extrapatrimoniais por violação ao direito de imagem decorrem diretamente do seu próprio uso indevido, sendo
prescindível a comprovação da existência de outros prejuízos por se tratar de modalidade de dano "in re ipsa". 3.
Aplicável ao caso o Enunciado nº 278, da IV Jornada de Direito Civil que, analisando o disposto no art. 18 do
Código Civil, concluiu: "A publicidade que divulgar, sem autorização, qualidades inerentes a determinada pessoa,
ainda que sem mencionar seu nome, mas sendo capaz de identificá-la, constitui violação a direito da
personalidade". 4. Retorno dos autos ao tribunal de origem para arbitramento da indenização por danos
extrapatrimoniais postulada na petição inicial. 5. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
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Art. 20, CC. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração
da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de
escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a
utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu
requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe
atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se
destinarem a fins comerciais.
Outros princípios e outros direitos fundamentais podem restringir o direito à imagem. Se eu autorizo o
uso da minha imagem, não posso reclamar depois, desde que observados os limites que consenti.
Autorização tácita
Alguns acham que há um tripé, em que haveria autorização tácita:
i) Pessoa pública
ii) Pessoa em local público
iii) Interesse público
Entretanto, devemos fazer interpretação restritiva do que uma autorização tácita. Devem ser criados
critérios objetivos:
1. Contexto da captação da imagem (ex: se sou um político e estou fazendo um comício, isto é
autorização tácita).
2. Grau de utilidade para o público da captação da imagem (ex: não é necessário fotografar cadáveres em
acidente).
3. Grau de consciência do retratado (às vezes, a pessoa não tem noção nenhuma de que sua imagem
aparecerá daquela forma - ex: caso Daniela Cicarelli, não houve autorização tácita, pois não tinha consciência de
que poderia ser retratada naquelas circunstâncias).
4. Grau de identificação da pessoa (se apareci na filmagem de um show por 3 segundos, fui simplesmente
parte da paisagem. Não é preciso pedir autorização para cada um do público).
Em 2006, quando Lula foi reeleito, José Dirceu já tinha saído do governo. No dia da eleição, foi votar e a
imprensa estava fotografando.
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Romário, jogador de futebol, abriu um bar. No segundo andar, os banheiros tinham caricaturas de
pessoas famosas de que não gosta. Zico e Zagalo ajuizaram ação e ganharam, pois a finalidade de utilização da
imagem era apenas patrimonial. Por isso, prevaleceu a ausência de cessão de direito de imagem.
Foram analisados os critérios objetivos estabelecidos no Enunciado 279, CJF:
1. Notoriedade do retratado
2. Veracidade dos fatos
3. Finalidade da utilização da imagem (aspecto importante nesses dois casos).
Ao contrário do parágrafo único do art. 12 que estende a tutela post mortem aos colaterais, em se
tratando de tutela do direito à imagem, há restrição dos legitimados ativos à proteção dos direitos à imagem.
Art. 12, CC. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito
da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras
sanções previstas em lei.
Direito de arena
O direito à imagem é neutralizado pelo direito de arena, que é a circunstância do espetáculo esportivo
em que, naqueles instantes, a imagem não pertence aos jogadores, mas aos clubes, às entidades desportivas. O
jogador não pode se queixar da cessão do seu direito de imagem.
Nesse sentido, o art. 42 da Lei 9615/98 ("Lei Pelé").
Ao fim do espetáculo esportivo, qualquer utilização da imagem deve ser objeto de contrato de cessão de
direito de imagem. Em álbum de figurinhas de jogadores, deve haver cessão.
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MATERIAL DE APOIO
ANOTAÇÃO DE AULA
SUMÁRIO
Esfera Privacidade
Pública Intimidade
Nem tudo que ocorre na esfera pública exige publicidade, isto é, pode haver privacidade mesmo na esfera
pública. Mesmo no espaço público, existem determinadas expectativas de privacidade.
Ex. 1: Zagalo estava no banco de reserva de um estádio de futebol, conversando em tom baixo e a Globo
colocou pessoa para fazer leitura labial e desvendou o planejamento de jogo. Tratava-se de um momento de
privacidade, mesmo em um espaço público;
Ex. 2: O Programa Pânico parou Carolina Dieckman na rua para calçar as sandálias da humildade, mas
havia expectativa de privacidade mesmo na rua.
O correto seria “a intimidade e a privacidade”, porque vida privada é gênero do qual são espécies
intimidade e privacidade.
Isso não seria excesso de ofensa à privacidade do casal? Sim (Informativo 518, 15 de maio de 2013 diz que
quando for feito esse pedido, não se exigem justificativas exageradas ou provas concretas).
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cônjuges prefira que os patrimônios estejam bem delimitados, para que somente o do cônjuge empreendedor
possa vir a sofrer as consequências por eventual fracasso no empreendimento. No ponto, aliás, pouco importa se
não há prova da existência de patrimônio comum, porquanto se protegem, com a alteração do regime, os bens
atuais e os bens futuros do cônjuge. Ademais, não se pode presumir propósito fraudulento nesse tipo de pedido,
já que o ordenamento jurídico prevê mecanismos de contenção, como a própria submissão do presente pedido
ao Judiciário e a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica. Contudo, é importante destacar que
a medida não pode deixar de ressalvar os "direitos de terceiros, inclusive dos entes públicos, após perquirição de
inexistência de dívida de qualquer natureza, exigida ampla publicidade", nos termos do Enunciado n. 113 da I
Jornada de Direito Civil CJF. REsp 1.119.462-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 26/2/2013.”
(Informativo 518, 15 de maio de 2013).
2.1. Dimensão negativa/clássica: toda a doutrina sobre a vida privada começou no fim do século XIX nos EUA, na
high society de Nova York. Começou-se a discutir a possibilidade de intromissão de terceiros em eventos
privados. Haveria “right to be alone” (direito de ficar sozinho), direito de excluir terceiros de sua vida, de só
incluir em sua vida quem a pessoa quiser. Essa dimensão tem teor eminentemente patrimonialista, vez que a
lógica do direito de propriedade é o poder do titular de afastar todos daquilo que lhe pertence (erga omnes).
Quando a decisão da ADPF 54 do STJ veio reconhecer a possibilidade de antecipação terapêutica do parto
em caso de anencefalia, o STF reconheceu que não cabe ao estado impor às mulheres a obrigação de
levar a gestação até o seu termo. Cabe à mulher decidir. É uma questão de autonomia existencial.
Quando o STF reconheceu a união homoafetiva como fato jurídico relevante em termos de validade e
eficácia, entendeu que não é o Estado quem decide quais os modelos afetivos lícitos ou ilícitos. A decisão
incumbe ao casal.
b) Discussão sobre o controle das informações pessoais (sobre estado de saúde, patrimônio, etc): se a
pessoa é mais reservada, tem direito a construir sua vida distante do resto da sociedade. A privacidade
tem se tornado uma massinha de modelar, de acordo com as características de cada pessoa. O
importante é que o ordenamento jurídico tenha instrumentos para que você possa controlar os dados
pessoais.
O art. 7º do Marco Civil da Internet assegura o direito à inviolabilidade da intimidade e vida privada
(dimensão negativa/clássica).
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I - inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Inviolabilidade, sigilo do fluxo das comunicações é da dimensão positiva. É o controle pela pessoa dos
dados que circulam na rede.
Mais densa ainda é a questão dos dados sensíveis, que são aqueles dados pessoais que dizem respeito a
aspectos existenciais da vida. Ex: O sujeito já pode saber como é que a vida futura o tratará em função de
doenças que poderá ter a partir do estudo do genoma humano. Essas informações não podem cair nas
mãos de empresas de planos de saúde, de empregadores.
O Enunciado 405 do CJF fala sobre informações genéticas: não podem ser utilizadas para fins diversos
daqueles que motivaram seu armazenamento, salvo se houver autorização.
Quando discuto o controle dos dados pessoais, esse controle ocorre em 2 níveis: controle procedimental
e controle substancial.
Controle procedimental: envolve o princípio da especificação dos propósitos. Desde o momento em que
meus dados são coletados até o momento em que são descartados (passaram por armazenamento, uso,
descarte...), haverá necessidade de controle desses dados pelo titular, devendo ser submetidos ao seu
consentimento. Esse princípio é muito importante porque vai se dar tanto no aspecto espacial (onde
estão minhas informações?), quanto no aspecto contextual (em que contexto minhas informações estão
sendo divulgadas?) e também no aspecto temporal (essas informações são de 20 anos atrás. Ainda
podem circular?). Nesse sentido, o Enunciado 404, CJF.
Controle substancial das informações: do que adianta você ter o controle de onde estão e para onde vão
essas informações se essas informações não são corretas? Então, deve haver controle do conteúdo da
informação. Não pode haver conteúdo discriminatório.
O art. 5º, LXXII, CF fala do habeas data – quando é impetrado, busca-se ao mesmo tempo o controle
procedimental e o controle substancial. Somente se retifica dados quando os dados não são verdadeiros.
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a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa
do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de
entidades governamentais ou de caráter público;
A vida privada é inviolável em face de investidas ilícitas. Qualquer ato antijurídico contra nossa vida
privada é suscetível de proteção, mas a vida privada da pessoa natural é suscetível de ponderação com outros
interesses valiosos do ordenamento jurídico. Existem outros direitos fundamentais que via de regra entram em
colisão com a sua vida privada. Por isso deve haver critérios objetivos para saber qual interesse prevalecerá nos
casos concretos.
Ano passado, no Informativo 572, de 11 de novembro de 2015, o STJ deixou claro que a vida privada se
refere a pessoa humana – pessoas jurídicas de direito privado também. As pessoas jurídicas de direito público não
têm, pois se submetem aos princípios da administração pública. Estas não possuem sigilo bancário.
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informações bancárias de titularidade de prefeitura municipal para fins de apurar supostos crimes praticados por
agentes públicos contra a Administração Pública. É pacífico na doutrina pátria e na jurisprudência dos Tribunais
Superiores que o sigilo bancário constitui espécie do direito à intimidade/privacidade, consagrado no art. 5º, X e
XII, da CF. No entanto, as contas públicas, ante os princípios da publicidade e da moralidade (art. 37 da CF), não
possuem, em regra, proteção do direito à intimidade/privacidade e, em consequência, não são protegidas pelo
sigilo bancário. Na verdade, a intimidade e a vida privada de que trata a Lei Maior referem-se à pessoa humana,
aos indivíduos que compõem a sociedade e às pessoas jurídicas de direito privado, inaplicáveis tais conceitos
aos entes públicos. Ademais, entendeu o STF que as "Operações financeiras que envolvam recursos públicos não
estão abrangidas pelo sigilo bancário a que alude a Lei Complementar nº 105/2001, visto que as operações dessa
espécie estão submetidas aos princípios da administração pública insculpidos no art. 37 da Constituição Federal"
(MS 33.340-DF, Primeira Turma, DJe de 3/8/2015). Decisão monocrática citada: STJ, RCD no HC 301.719-CE, DJe
13/3/2015. HC 308.493-CE, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 20/10/2015, DJe 26/10/2015.”
(Informativo 572, 11 de novembro de 2015).
EMENTA
Processo: ADPF 130 / DF - DISTRITO FEDERAL
Relator(a): Min. CARLOS BRITTO
Julgamento: 30/04/2009
Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Publicação: DJe-208 DIVULG 05-11-2009 PUBLIC 06-11-2009
EMENTA: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). LEI DE IMPRENSA.
ADEQUAÇÃO DA AÇÃO. REGIME CONSTITUCIONAL DA "LIBERDADE DE INFORMAÇÃO JORNALÍSTICA", EXPRESSÃO
SINÔNIMA DE LIBERDADE DE IMPRENSA. A "PLENA" LIBERDADE DE IMPRENSA COMO CATEGORIA JURÍDICA
PROIBITIVA DE QUALQUER TIPO DE CENSURA PRÉVIA. A PLENITUDE DA LIBERDADE DE IMPRENSA COMO
REFORÇO OU SOBRETUTELA DAS LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E DE
EXPRESSÃO ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E COMUNICACIONAL. LIBERDADES QUE DÃO CONTEÚDO ÀS
RELAÇÕES DE IMPRENSA E QUE SE PÕEM COMO SUPERIORES BENS DE PERSONALIDADE E MAIS DIRETA
EMANAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. O CAPÍTULO CONSTITUCIONAL DA
COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO SEGMENTO PROLONGADOR DAS LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO
PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E COMUNICACIONAL.
TRANSPASSE DA FUNDAMENTALIDADE DOS DIREITOS PROLONGADOS AO CAPÍTULO PROLONGADOR.
PONDERAÇÃO DIRETAMENTE CONSTITUCIONAL ENTRE BLOCOS DE BENS DE PERSONALIDADE: O BLOCO DOS
DIREITOS QUE DÃO CONTEÚDO À LIBERDADE DE IMPRENSA E O BLOCO DOS DIREITOS À IMAGEM, HONRA,
INTIMIDADE E VIDA PRIVADA. PRECEDÊNCIA DO PRIMEIRO BLOCO. INCIDÊNCIA A POSTERIORI DO SEGUNDO
BLOCO DE DIREITOS, PARA O EFEITO DE ASSEGURAR O DIREITO DE RESPOSTA E ASSENTAR RESPONSABILIDADES
PENAL, CIVIL E ADMINISTRATIVA, ENTRE OUTRAS CONSEQUÊNCIAS DO PLENO GOZO DA LIBERDADE DE
IMPRENSA. PECULIAR FÓRMULA CONSTITUCIONAL DE PROTEÇÃO A INTERESSES PRIVADOS QUE, MESMO
INCIDINDO A POSTERIORI, ATUA SOBRE AS CAUSAS PARA INIBIR ABUSOS POR PARTE DA IMPRENSA.
PROPORCIONALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS MORAIS E
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MATERIAIS A TERCEIROS. RELAÇÃO DE MÚTUA CAUSALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E DEMOCRACIA.
RELAÇÃO DE INERÊNCIA ENTRE PENSAMENTO CRÍTICO E IMPRENSA LIVRE. A IMPRENSA COMO INSTÂNCIA
NATURAL DE FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA E COMO ALTERNATIVA À VERSÃO OFICIAL DOS FATOS. PROIBIÇÃO
DE MONOPOLIZAR OU OLIGOPOLIZAR ÓRGÃOS DE IMPRENSA COMO NOVO E AUTÔNOMO FATOR DE INIBIÇÃO
DE ABUSOS. NÚCLEO DA LIBERDADE DE IMPRENSA E MATÉRIAS APENAS PERIFERICAMENTE DE IMPRENSA.
AUTORREGULAÇÃO E REGULAÇÃO SOCIAL DA ATIVIDADE DE IMPRENSA. NÃO RECEPÇÃO EM BLOCO DA LEI Nº
5.250/1967 PELA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL. EFEITOS JURÍDICOS DA DECISÃO. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1.
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). LEI DE IMPRENSA. ADEQUAÇÃO DA
AÇÃO. A ADPF, fórmula processual subsidiária do controle concentrado de constitucionalidade, é via adequada à
impugnação de norma pré-constitucional. Situação de concreta ambiência jurisdicional timbrada por decisões
conflitantes. Atendimento das condições da ação. 2. REGIME CONSTITUCIONAL DA LIBERDADE DE IMPRENSA
COMO REFORÇO DAS LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO EM
SENTIDO GENÉRICO, DE MODO A ABARCAR OS DIREITOS À PRODUÇÃO INTELECTUAL, ARTÍSTICA, CIENTÍFICA E
COMUNICACIONAL. A Constituição reservou à imprensa todo um bloco normativo, com o apropriado nome "Da
Comunicação Social" (capítulo V do título VIII). A imprensa como plexo ou conjunto de "atividades" ganha a
dimensão de instituição-ideia, de modo a poder influenciar cada pessoa de per se e até mesmo formar o que se
convencionou chamar de opinião pública. Pelo que ela, Constituição, destinou à imprensa o direito de controlar e
revelar as coisas respeitantes à vida do Estado e da própria sociedade. A imprensa como alternativa à explicação
ou versão estatal de tudo que possa repercutir no seio da sociedade e como garantido espaço de irrupção do
pensamento crítico em qualquer situação ou contingência. Entendendo-se por pensamento crítico o que,
plenamente comprometido com a verdade ou essência das coisas, se dota de potencial emancipatório de mentes
e espíritos. O corpo normativo da Constituição brasileira sinonimiza liberdade de informação jornalística e
liberdade de imprensa, rechaçante de qualquer censura prévia a um direito que é signo e penhor da mais
encarecida dignidade da pessoa humana, assim como do mais evoluído estado de civilização. 3. O CAPÍTULO
CONSTITUCIONAL DA COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO SEGMENTO PROLONGADOR DE SUPERIORES BENS DE
PERSONALIDADE QUE SÃO A MAIS DIRETA EMANAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: A LIVRE
MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO E O DIREITO À INFORMAÇÃO E À EXPRESSÃO ARTÍSTICA, CIENTÍFICA,
INTELECTUAL E COMUNICACIONAL. TRANSPASSE DA NATUREZA JURÍDICA DOS DIREITOS PROLONGADOS AO
CAPÍTULO CONSTITUCIONAL SOBRE A COMUNICAÇÃO SOCIAL. O art. 220 da Constituição radicaliza e alarga o
regime de plena liberdade de atuação da imprensa, porquanto fala: a) que os mencionados direitos de
personalidade (liberdade de pensamento, criação, expressão e informação) estão a salvo de qualquer restrição
em seu exercício, seja qual for o suporte físico ou tecnológico de sua veiculação; b) que tal exercício não se sujeita
a outras disposições que não sejam as figurantes dela própria, Constituição. A liberdade de informação
jornalística é versada pela Constituição Federal como expressão sinônima de liberdade de imprensa. Os direitos
que dão conteúdo à liberdade de imprensa são bens de personalidade que se qualificam como sobredireitos. Daí
que, no limite, as relações de imprensa e as relações de intimidade, vida privada, imagem e honra são de mútua
excludência, no sentido de que as primeiras se antecipam, no tempo, às segundas; ou seja, antes de tudo
prevalecem as relações de imprensa como superiores bens jurídicos e natural forma de controle social sobre o
poder do Estado, sobrevindo as demais relações como eventual responsabilização ou consequência do pleno gozo
das primeiras. A expressão constitucional "observado o disposto nesta Constituição" (parte final do art. 220)
traduz a incidência dos dispositivos tutelares de outros bens de personalidade, é certo, mas como consequência
ou responsabilização pelo desfrute da "plena liberdade de informação jornalística" (§ 1º do mesmo art. 220 da
Constituição Federal). Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, inclusive a
procedente do Poder Judiciário, pena de se resvalar para o espaço inconstitucional da prestidigitação jurídica.
Silenciando a Constituição quanto ao regime da internet (rede mundial de computadores), não há como se lhe
recusar a qualificação de território virtual livremente veiculador de ideias e opiniões, debates, notícias e tudo o
mais que signifique plenitude de comunicação. 4. MECANISMO CONSTITUCIONAL DE CALIBRAÇÃO DE PRINCÍPIOS.
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O art. 220 é de instantânea observância quanto ao desfrute das liberdades de pensamento, criação, expressão e
informação que, de alguma forma, se veiculem pelos órgãos de comunicação social. Isto sem prejuízo da
aplicabilidade dos seguintes incisos do art. 5º da mesma Constituição Federal: vedação do anonimato (parte final
do inciso IV); do direito de resposta (inciso V); direito a indenização por dano material ou moral à intimidade, à
vida privada, à honra e à imagem das pessoas (inciso X); livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão,
atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (inciso XIII); direito ao resguardo do sigilo da fonte
de informação, quando necessário ao exercício profissional (inciso XIV). Lógica diretamente constitucional de
calibração temporal ou cronológica na empírica incidência desses dois blocos de dispositivos constitucionais (o
art. 220 e os mencionados incisos do art. 5º). Noutros termos, primeiramente, assegura-se o gozo dos
sobredireitos de personalidade em que se traduz a "livre" e "plena" manifestação do pensamento, da criação e da
informação. Somente depois é que se passa a cobrar do titular de tais situações jurídicas ativas um eventual
desrespeito a direitos constitucionais alheios, ainda que também densificadores da personalidade humana.
Determinação constitucional de momentânea paralisia à inviolabilidade de certas categorias de direitos subjetivos
fundamentais, porquanto a cabeça do art. 220 da Constituição veda qualquer cerceio ou restrição à concreta
manifestação do pensamento (vedado o anonimato), bem assim todo cerceio ou restrição que tenha por objeto a
criação, a expressão e a informação, seja qual for a forma, o processo, ou o veículo de comunicação social. Com o
que a Lei Fundamental do Brasil veicula o mais democrático e civilizado regime da livre e plena circulação das
ideias e opiniões, assim como das notícias e informações, mas sem deixar de prescrever o direito de resposta e
todo um regime de responsabilidades civis, penais e administrativas. Direito de resposta e responsabilidades que,
mesmo atuando a posteriori, infletem sobre as causas para inibir abusos no desfrute da plenitude de liberdade de
imprensa. 5. PROPORCIONALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS
MORAIS E MATERIAIS. Sem embargo, a excessividade indenizatória é, em si mesma, poderoso fator de inibição da
liberdade de imprensa, em violação ao princípio constitucional da proporcionalidade. A relação de
proporcionalidade entre o dano moral ou material sofrido por alguém e a indenização que lhe caiba receber
(quanto maior o dano maior a indenização) opera é no âmbito interno da potencialidade da ofensa e da concreta
situação do ofendido. Nada tendo a ver com essa equação a circunstância em si da veiculação do agravo por
órgão de imprensa, porque, senão, a liberdade de informação jornalística deixaria de ser um elemento de
expansão e de robustez da liberdade de pensamento e de expressão lato sensu para se tornar um fator de
contração e de esqualidez dessa liberdade. Em se tratando de agente público, ainda que injustamente ofendido
em sua honra e imagem, subjaz à indenização uma imperiosa cláusula de modicidade. Isto porque todo agente
público está sob permanente vigília da cidadania. E quando o agente estatal não prima por todas as aparências de
legalidade e legitimidade no seu atuar oficial, atrai contra si mais fortes suspeitas de um comportamento
antijurídico francamente sindicável pelos cidadãos. 6. RELAÇÃO DE MÚTUA CAUSALIDADE ENTRE LIBERDADE DE
IMPRENSA E DEMOCRACIA. A plena liberdade de imprensa é um patrimônio imaterial que corresponde ao mais
eloquente atestado de evolução político-cultural de todo um povo. Pelo seu reconhecido condão de vitalizar por
muitos modos a Constituição, tirando-a mais vezes do papel, a Imprensa passa a manter com a democracia a mais
entranhada relação de mútua dependência ou retroalimentação. Assim visualizada como verdadeira irmã siamesa
da democracia, a imprensa passa a desfrutar de uma liberdade de atuação ainda maior que a liberdade de
pensamento, de informação e de expressão dos indivíduos em si mesmos considerados. O § 5º do art. 220
apresenta-se como norma constitucional de concretização de um pluralismo finalmente compreendido como
fundamento das sociedades autenticamente democráticas; isto é, o pluralismo como a virtude democrática da
respeitosa convivência dos contrários. A imprensa livre é, ela mesma, plural, devido a que são
constitucionalmente proibidas a oligopolização e a monopolização do setor (§ 5º do art. 220 da CF). A proibição
do monopólio e do oligopólio como novo e autônomo fator de contenção de abusos do chamado "poder social da
imprensa". 7. RELAÇÃO DE INERÊNCIA ENTRE PENSAMENTO CRÍTICO E IMPRENSA LIVRE. A IMPRENSA COMO
INSTÂNCIA NATURAL DE FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA E COMO ALTERNATIVA À VERSÃO OFICIAL DOS FATOS.
O pensamento crítico é parte integrante da informação plena e fidedigna. O possível conteúdo socialmente útil da
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obra compensa eventuais excessos de estilo e da própria verve do autor. O exercício concreto da liberdade de
imprensa assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero ou
contundente, especialmente contra as autoridades e os agentes do Estado. A crítica jornalística, pela sua relação
de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura, mesmo que legislativa ou
judicialmente intentada. O próprio das atividades de imprensa é operar como formadora de opinião pública,
espaço natural do pensamento crítico e "real alternativa à versão oficial dos fatos" ( Deputado Federal Miro
Teixeira). 8. NÚCLEO DURO DA LIBERDADE DE IMPRENSA E A INTERDIÇÃO PARCIAL DE LEGISLAR. A uma atividade
que já era "livre" (incisos IV e IX do art. 5º), a Constituição Federal acrescentou o qualificativo de "plena" (§ 1º do
art. 220). Liberdade plena que, repelente de qualquer censura prévia, diz respeito à essência mesma do
jornalismo (o chamado "núcleo duro" da atividade). Assim entendidas as coordenadas de tempo e de conteúdo
da manifestação do pensamento, da informação e da criação lato sensu, sem o que não se tem o desembaraçado
trânsito das ideias e opiniões, tanto quanto da informação e da criação. Interdição à lei quanto às matérias
nuclearmente de imprensa, retratadas no tempo de início e de duração do concreto exercício da liberdade, assim
como de sua extensão ou tamanho do seu conteúdo. Tirante, unicamente, as restrições que a Lei Fundamental de
1988 prevê para o "estado de sítio" (art. 139), o Poder Público somente pode dispor sobre matérias lateral ou
reflexamente de imprensa, respeitada sempre a ideia-força de que quem quer que seja tem o direito de dizer o
que quer que seja. Logo, não cabe ao Estado, por qualquer dos seus órgãos, definir previamente o que pode ou o
que não pode ser dito por indivíduos e jornalistas. As matérias reflexamente de imprensa, suscetíveis, portanto,
de conformação legislativa, são as indicadas pela própria Constituição, tais como: direitos de resposta e de
indenização, proporcionais ao agravo; proteção do sigilo da fonte ("quando necessário ao exercício profissional");
responsabilidade penal por calúnia, injúria e difamação; diversões e espetáculos públicos; estabelecimento dos
"meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou
programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos,
práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente" (inciso II do § 3º do art. 220 da CF);
independência e proteção remuneratória dos profissionais de imprensa como elementos de sua própria
qualificação técnica (inciso XIII do art. 5º); participação do capital estrangeiro nas empresas de comunicação
social (§ 4º do art. 222 da CF); composição e funcionamento do Conselho de Comunicação Social (art. 224 da
Constituição). Regulações estatais que, sobretudo incidindo no plano das consequências ou responsabilizações,
repercutem sobre as causas de ofensas pessoais para inibir o cometimento dos abusos de imprensa. Peculiar
fórmula constitucional de proteção de interesses privados em face de eventuais descomedimentos da imprensa
(justa preocupação do Ministro Gilmar Mendes), mas sem prejuízo da ordem de precedência a esta conferida,
segundo a lógica elementar de que não é pelo temor do abuso que se vai coibir o uso. Ou, nas palavras do
Ministro Celso de Mello, "a censura governamental, emanada de qualquer um dos três Poderes, é a expressão
odiosa da face autoritária do poder público". 9. AUTORREGULAÇÃO E REGULAÇÃO SOCIAL DA ATIVIDADE DE
IMPRENSA. É da lógica encampada pela nossa Constituição de 1988 a autorregulação da imprensa como
mecanismo de permanente ajuste de limites da sua liberdade ao sentir-pensar da sociedade civil. Os padrões de
seletividade do próprio corpo social operam como antídoto que o tempo não cessa de aprimorar contra os abusos
e desvios jornalísticos. Do dever de irrestrito apego à completude e fidedignidade das informações comunicadas
ao público decorre a permanente conciliação entre liberdade e responsabilidade da imprensa. Repita-se: não é
jamais pelo temor do abuso que se vai proibir o uso de uma liberdade de informação a que o próprio Texto
Magno do País apôs o rótulo de "plena" (§ 1 do art. 220). 10. NÃO RECEPÇÃO EM BLOCO DA LEI 5.250 PELA NOVA
ORDEM CONSTITUCIONAL. 10.1. Óbice lógico à confecção de uma lei de imprensa que se orne de compleição
estatutária ou orgânica. A própria Constituição, quando o quis, convocou o legislador de segundo escalão para o
aporte regratório da parte restante de seus dispositivos (art. 29, art. 93 e § 5º do art. 128). São irregulamentáveis
os bens de personalidade que se põem como o próprio conteúdo ou substrato da liberdade de informação
jornalística, por se tratar de bens jurídicos que têm na própria interdição da prévia interferência do Estado o seu
modo natural, cabal e ininterrupto de incidir. Vontade normativa que, em tema elementarmente de imprensa,
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surge e se exaure no próprio texto da Lei Suprema. 10.2. Incompatibilidade material insuperável entre a Lei n°
5.250/67 e a Constituição de 1988. Impossibilidade de conciliação que, sobre ser do tipo material ou de
substância (vertical), contamina toda a Lei de Imprensa: a) quanto ao seu entrelace de comandos, a serviço da
prestidigitadora lógica de que para cada regra geral afirmativa da liberdade é aberto um leque de exceções que
praticamente tudo desfaz; b) quanto ao seu inescondível efeito prático de ir além de um simples projeto de
governo para alcançar a realização de um projeto de poder, este a se eternizar no tempo e a sufocar todo
pensamento crítico no País. 10.3 São de todo imprestáveis as tentativas de conciliação hermenêutica da Lei
5.250/67 com a Constituição, seja mediante expurgo puro e simples de destacados dispositivos da lei, seja
mediante o emprego dessa refinada técnica de controle de constitucionalidade que atende pelo nome de
"interpretação conforme a Constituição". A técnica da interpretação conforme não pode artificializar ou forçar a
descontaminação da parte restante do diploma legal interpretado, pena de descabido incursionamento do
intérprete em legiferação por conta própria. Inapartabilidade de conteúdo, de fins e de viés semântico (linhas e
entrelinhas) do texto interpretado. Caso-limite de interpretação necessariamente conglobante ou por
arrastamento teleológico, a pré-excluir do intérprete/aplicador do Direito qualquer possibilidade da declaração
de inconstitucionalidade apenas de determinados dispositivos da lei sindicada, mas permanecendo incólume uma
parte sobejante que já não tem significado autônomo. Não se muda, a golpes de interpretação, nem a
inextrincabilidade de comandos nem as finalidades da norma interpretada. Impossibilidade de se preservar, após
artificiosa hermenêutica de depuração, a coerência ou o equilíbrio interno de uma lei (a Lei federal nº 5.250/67)
que foi ideologicamente concebida e normativamente apetrechada para operar em bloco ou como um todo pro
indiviso. 11. EFEITOS JURÍDICOS DA DECISÃO. Aplicam-se as normas da legislação comum, notadamente o Código
Civil, o Código Penal, o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal às causas decorrentes das relações
de imprensa. O direito de resposta, que se manifesta como ação de replicar ou de retificar matéria publicada é
exercitável por parte daquele que se vê ofendido em sua honra objetiva, ou então subjetiva, conforme
estampado no inciso V do art. 5º da Constituição Federal. Norma, essa, "de eficácia plena e de aplicabilidade
imediata", conforme classificação de José Afonso da Silva. "Norma de pronta aplicação", na linguagem de Celso
Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto, em obra doutrinária conjunta. 12. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. Total procedência
da ADPF, para o efeito de declarar como não recepcionado pela Constituição de 1988 todo o conjunto de
dispositivos da Lei federal nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967.
A ADPF tinha como objetivo banir a antiga lei de imprensa, criada no regime de exceção, cujos
dispositivos atentavam obviamente contra a ordem democrática. O STF, no julgamento da ADPF, fez questão, por
unanimidade de votos, de colocar uma precedência abstrata da liberdade de imprensa sobre o grupo de direitos
da personalidade (imagem, intimidade, privacidade, honra...).
É uma precedência dizendo que no Brasil não cabe censura prévia, porque quando a liberdade de
imprensa entra em choque com outros direitos da personalidade, existe uma mútua excludência, o que significa
uma calibração temporal, ou seja, primeiro vem a liberdade de informação, a imprensa publica o que precisa
publicar. Posteriormente, se ficar provado que aquilo que se publicou ofende seus direitos da personalidade, o
indivíduo poderá reagir no âmbito administrativo, civil e criminal. Haveria “momentânea paralisia” dos direitos da
personalidade frente ao direito de acesso à informação.
O STF, em resumo, entendeu que a liberdade de imprensa é requisito da democracia.
Pouco tempo depois, veio a reclamação 9428 do DF. Nessa reclamação, um sujeito da família Sarney
havia tido conversas telefônicas que aparentemente o colocavam como responsável por atos ilícitos contra a
administração pública. O STF proibiu que o jornal divulgasse aquelas conversas, justificando com a tese da
transcendência dos motivos determinantes. Os ministros somente se vincularam à parte dispositiva da ADPF (lei
de imprensa é incompatível com a ordem constitucional); não estavam vinculados à motivação do julgamento.
Ademais, a ADPF proibiu censura prévia pelo legislativo ou executivo, mas em nenhum momento proíbe que o
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judiciário possa em cada caso concreto aplicar tutela inibitória e evitar publicação de matéria se ficar provado que
houve desproporcional ofensa aos direitos da personalidade.
EMENTA
Processo: Rcl 9428 / DF - DISTRITO FEDERAL
Relator(a): Min. CEZAR PELUSO
Julgamento: 10/12/2009
Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Publicação: DJe-116 DIVULG 24-06-2010 PUBLIC 25-06-2010
EMENTA: LIBERDADE DE IMPRENSA. Decisão liminar. Proibição de reprodução de dados relativos ao autor de ação
inibitória ajuizada contra empresa jornalística. Ato decisório fundado na expressa invocação da inviolabilidade
constitucional de direitos da personalidade, notadamente o da privacidade, mediante proteção de sigilo legal de
dados cobertos por segredo de justiça. Contraste teórico entre liberdade de imprensa e os direitos previstos nos
arts. 5º, incs. X e XII, e 220, caput, da CF. Ofensa à autoridade do acórdão proferido na ADPF nº 130, que deu por
não recebida a Lei de Imprensa. Não ocorrência. Matéria não decidida na ADPF. Processo de reclamação extinto,
sem julgamento de mérito. Votos vencidos. Não ofende a autoridade do acórdão proferido na ADPF nº 130, a
decisão que, proibindo a jornal a publicação de fatos relativos ao autor de ação inibitória, se fundou, de maneira
expressa, na inviolabilidade constitucional de direitos da personalidade, notadamente o da privacidade, mediante
proteção de sigilo legal de dados cobertos por segredo de justiça.
Esse é o quadro atual da matéria, completamente indefinido e aberto. O que baseou o julgamento da
ADPF foi o art. 20 da CF (não há censura prévia).
Quando conversamos sobre tensões que existam entre direitos da personalidade e liberdade
comunicativas, as duas matérias mais atuais são: a. questão das biografias não autorizadas; b. questão do direito
ao esquecimento.
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Se estes artigos foram lidos a letra da lei, esses artigos permitem que qualquer pessoa, servindo-se do
direito à intimidade, proíbam as biografias autorizadas.
O STF, na ADI 4815, por 9 votos a zero, fez interpretação conforme a Constituição dos arts. 20 e 21 sem
redução de texto.
Declarou a inconstitucionalidade daqueles artigos por considerar a possibilidade de uma pessoa viva
impedir uma biografia não autorizada ou a possibilidade de os sucessores de uma pessoa morta proibirem. São
incompatíveis com a Constituição em 3 níveis:
i) Ofendem o estado democrático die direito: que pressupõe o pluralismo, que requer visão de opiniões
distintas sobre pessoas públicas, notórias ou que se envolvam em fatos públicos.
ii) Direito difuso de informação da sociedade: a sociedade como um todo é destinatária do direito difuso
de informação. Então, é fundamental que a sociedade tenha acesso a diferentes visões sobre pessoa ou fato
importante na trajetória da construção da nossa sociedade. A sociedade brasileira não pode viver refém de uma
versão única criada pela biografia autorizada. Na Inglaterra, por exemplo, há mais de 170 biografias sobre
Churchill. A soma delas será capaz de nos explicar quem é aquela pessoa em sua complexidade.
iii) Proteção do próprio autor da biografia: possibilidade de pessoa autonomamente se manifestar sobre
pessoas do cenário público ou cenário. Trata-se da manifestação do direito de criação do escritor.
EMENTA
Processo: ADI 4815 / DF - DISTRITO FEDERAL
Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA
Julgamento: 10/06/2015
Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Publicação: DJe-018 DIVULG 29-01-2016 PUBLIC 01-02-2016
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 20 E 21 DA LEI N. 10.406/2002 (CÓDIGO CIVIL).
PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA REJEITADA. REQUISITOS LEGAIS OBSERVADOS. MÉRITO: APARENTE
CONFLITO ENTRE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS: LIBERDADE DE EXPRESSÃO, DE INFORMAÇÃO, ARTÍSTICA E
CULTURAL, INDEPENDENTE DE CENSURA OU AUTORIZAÇÃO PRÉVIA (ART. 5º INCS. IV, IX, XIV; 220, §§ 1º E 2º) E
INVIOLABILIDADE DA INTIMIDADE, VIDA PRIVADA, HONRA E IMAGEM DAS PESSOAS (ART. 5º, INC. X). ADOÇÃO DE
CRITÉRIO DA PONDERAÇÃO PARA INTERPRETAÇÃO DE PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL. PROIBIÇÃO DE CENSURA
(ESTATAL OU PARTICULAR). GARANTIA CONSTITUCIONAL DE INDENIZAÇÃO E DE DIREITO DE RESPOSTA. AÇÃO
DIRETA JULGADA PROCEDENTE PARA DAR INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO AOS ARTS. 20 E 21 DO
CÓDIGO CIVIL, SEM REDUÇÃO DE TEXTO. 1. A Associação Nacional dos Editores de Livros - Anel congrega a classe
dos editores, considerados, para fins estatutários, a pessoa natural ou jurídica à qual se atribui o direito de
reprodução de obra literária, artística ou científica, podendo publicá-la e divulgá-la. A correlação entre o
conteúdo da norma impugnada e os objetivos da Autora preenche o requisito de pertinência temática e a
presença de seus associados em nove Estados da Federação comprova sua representação nacional, nos termos da
jurisprudência deste Supremo Tribunal. Preliminar de ilegitimidade ativa rejeitada. 2. O objeto da presente ação
restringe-se à interpretação dos arts. 20 e 21 do Código Civil relativas à divulgação de escritos, à transmissão da
palavra, à produção, publicação, exposição ou utilização da imagem de pessoa biografada. 3. A Constituição do
Brasil proíbe qualquer censura. O exercício do direito à liberdade de expressão não pode ser cerceada pelo Estado
ou por particular. 4. O direito de informação, constitucionalmente garantido, contém a liberdade de informar, de
se informar e de ser informado. O primeiro refere-se à formação da opinião pública, considerado cada qual dos
cidadãos que pode receber livremente dados sobre assuntos de interesse da coletividade e sobre as pessoas cujas
ações, público-estatais ou público-sociais, interferem em sua esfera do acervo do direito de saber, de aprender
sobre temas relacionados a suas legítimas cogitações. 5. Biografia é história. A vida não se desenvolve apenas a
partir da soleira da porta de casa. 6. Autorização prévia para biografia constitui censura prévia particular. O
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recolhimento de obras é censura judicial, a substituir a administrativa. O risco é próprio do viver. Erros corrigem-
se segundo o direito, não se coartando liberdades conquistadas. A reparação de danos e o direito de resposta
devem ser exercidos nos termos da lei. 7. A liberdade é constitucionalmente garantida, não se podendo anular
por outra norma constitucional (inc. IV do art. 60), menos ainda por norma de hierarquia inferior (lei civil), ainda
que sob o argumento de se estar a resguardar e proteger outro direito constitucionalmente assegurado, qual seja,
o da inviolabilidade do direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem. 8. Para a coexistência das normas
constitucionais dos incs. IV, IX e X do art. 5º, há de se acolher o balanceamento de direitos, conjugando-se o
direito às liberdades com a inviolabilidade da intimidade, da privacidade, da honra e da imagem da pessoa
biografada e daqueles que pretendem elaborar as biografias. 9. Ação direta julgada procedente para dar
interpretação conforme à Constituição aos arts. 20 e 21 do Código Civil, sem redução de texto, para, em
consonância com os direitos fundamentais à liberdade de pensamento e de sua expressão, de criação artística,
produção científica, declarar inexigível autorização de pessoa biografada relativamente a obras biográficas
literárias ou audiovisuais, sendo também desnecessária autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes (ou
de seus familiares, em caso de pessoas falecidas ou ausentes).
b. Direito ao esquecimento
Conceito: “Discute a possibilidade de impedir a divulgação de informações que, apesar de verídicas, não
sejam contemporâneas e causem à pessoa transtornos das mais diversas ordens.”.
É uma nomenclatura nova, mas não há nada de muito novo, porque o direito ao esquecimento era
apenas uma repaginação de um clássico conflito entre liberdade de informação e direitos da personalidade. É um
direito fundamental implícito. Nenhum texto de lei fala sobre o direito ao esquecimento, mas direitos da
personalidade não são numerus clausus.
Direitos da personalidade são abertos e alimentados pelo princípio da dignidade da pessoa humana. Há
cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana. O princípio da dignidade da pessoa humana recorreu ao
direito ao esquecimento, criou esse direito da personalidade para se aproximar da realidade de hoje ligada às
mídias digitais.
Nunca diga que o direito ao esquecimento é o direito de apagar fatos ou reescrever a história. O direito
de esquecimento não se propõe a apagar a história, reescrever fatos. O direito ao esquecimento discute o uso
dado aos fatos pretéritos quanto ao seu modo e finalidade. O que o direito ao esquecimento quer é evitar o
super-informacionismo.
O que o direito ao esquecimento deseja é que os fatos que sejam expostos a sociedade sejam publicados
dentro de certos critérios/parâmetros.
“DIREITO CIVIL. DIREITO AO ESQUECIMENTO. Gera dano moral a veiculação de programa televisivo sobre fatos
ocorridos há longa data, com ostensiva identificação de pessoa que tenha sido investigada, denunciada e,
posteriormente, inocentada em processo criminal. O direito ao esquecimento surge na discussão acerca da
possibilidade de alguém impedir a divulgação de informações que, apesar de verídicas, não sejam
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contemporâneas e lhe causem transtornos das mais diversas ordens. Sobre o tema, o Enunciado 531 da VI
Jornada de Direito Civil do CJF preconiza que a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da
informação inclui o direito ao esquecimento. O interesse público que orbita o fenômeno criminal tende a
desaparecer na medida em que também se esgota a resposta penal conferida ao fato criminoso, a qual,
certamente, encontra seu último suspiro com a extinção da pena ou com a absolvição, ambas irreversivelmente
consumadas. Se os condenados que já cumpriram a pena têm direito ao sigilo da folha de antecedentes - assim
também a exclusão dos registros da condenação no Instituto de Identificação -, por maiores e melhores razões
aqueles que foram absolvidos não podem permanecer com esse estigma, conferindo-lhes a lei o mesmo direito
de serem esquecidos. Cabe destacar que, embora a notícia inverídica seja um obstáculo à liberdade de
informação, a veracidade da notícia não confere a ela inquestionável licitude, nem transforma a liberdade de
imprensa em direito absoluto e ilimitado. Com efeito, o reconhecimento do direito ao esquecimento dos
condenados que cumpriram integralmente a pena e, sobretudo, dos que foram absolvidos em processo criminal,
além de sinalizar uma evolução humanitária e cultural da sociedade, confere concretude a um ordenamento
jurídico que, entre a memória - conexão do presente com o passado - e a esperança - vínculo do futuro com o
presente -, fez clara opção pela segunda. E é por essa ótica que o direito ao esquecimento revela sua maior
nobreza, afirmando-se, na verdade, como um direito à esperança, em absoluta sintonia com a presunção legal e
constitucional de regenerabilidade da pessoa humana. Precedentes citados: RMS 15.634-SP, Sexta Turma, DJ
5/2/2007; e REsp 443.927-SP, Quinta Turma, DJ 4/8/2003. REsp 1.334.097- RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão,
julgado em 28/5/2013.” (Informativo 527, 09 de outubro de 2013).
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inerente apenas à fundamentação do acolhimento ou rejeição de ponto situado no âmbito do contencioso
infraconstitucional, questões essas que, em princípio, não são apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal.
2. Nos presentes autos, o cerne da controvérsia passa pela ausência de contemporaneidade da notícia de fatos
passados, a qual, segundo o entendimento dos autores, reabriu antigas feridas já superadas quanto à morte de
sua irmã, Aida Curi, no distante ano de 1958. Buscam a proclamação do seu direito ao esquecimento, de não ter
revivida, contra a vontade deles, a dor antes experimentada por ocasião da morte de Aida Curi, assim também
pela publicidade conferida ao caso décadas passadas.
3. Assim como os condenados que cumpriram pena e os absolvidos que se envolveram em processo-crime (REsp.
n. 1.334/097/RJ), as vítimas de crimes e seus familiares têm direito ao esquecimento - se assim desejarem -,
direito esse consistente em não se submeterem a desnecessárias lembranças de fatos passados que lhes
causaram, por si, inesquecíveis feridas. Caso contrário, chegar-se-ia à antipática e desumana solução de
reconhecer esse direito ao ofensor (que está relacionado com sua ressocialização) e retirá-lo dos ofendidos,
permitindo que os canais de informação se enriqueçam mediante a indefinida exploração das desgraças privadas
pelas quais passaram.
4. Não obstante isso, assim como o direito ao esquecimento do ofensor - condenado e já penalizado - deve ser
ponderado pela questão da historicidade do fato narrado, assim também o direito dos ofendidos deve observar
esse mesmo parâmetro. Em um crime de repercussão nacional, a vítima - por torpeza do destino -
frequentemente se torna elemento indissociável do delito, circunstância que, na generalidade das vezes,
inviabiliza a narrativa do crime caso se pretenda omitir a figura do ofendido.
5. Com efeito, o direito ao esquecimento que ora se reconhece para todos, ofensor e ofendidos, não alcança o
caso dos autos, em que se reviveu, décadas depois do crime, acontecimento que entrou para o domínio público,
de modo que se tornaria impraticável a atividade da imprensa para o desiderato de retratar o caso Aida Curi, sem
Aida Curi.
6. É evidente ser possível, caso a caso, a ponderação acerca de como o crime tornou-se histórico, podendo o
julgador reconhecer que, desde sempre, o que houve foi uma exacerbada exploração midiática, e permitir
novamente essa exploração significaria conformar-se com um segundo abuso só porque o primeiro já ocorrera.
Porém, no caso em exame, não ficou reconhecida essa artificiosidade ou o abuso antecedente na cobertura do
crime, inserindo-se, portanto, nas exceções decorrentes da ampla publicidade a que podem se sujeitar alguns
delitos.
7. Não fosse por isso, o reconhecimento, em tese, de um direito de esquecimento não conduz necessariamente
ao dever de indenizar. Em matéria de responsabilidade civil, a violação de direitos encontra-se na seara da
ilicitude, cuja existência não dispensa também a ocorrência de dano, com nexo causal, para chegar-se,
finalmente, ao dever de indenizar. No caso de familiares de vítimas de crimes passados, que só querem esquecer
a dor pela qual passaram em determinado momento da vida, há uma infeliz constatação: na medida em que o
tempo passa e vai se adquirindo um "direito ao esquecimento", na contramão, a dor vai diminuindo, de modo
que, relembrar o fato trágico da vida, a depender do tempo transcorrido, embora possa gerar desconforto, não
causa o mesmo abalo de antes.
8. A reportagem contra a qual se insurgiram os autores foi ao ar 50 (cinquenta) anos depois da morte de Aida
Curi, circunstância da qual se conclui não ter havido abalo moral apto a gerar responsabilidade civil. Nesse
particular, fazendo-se a indispensável ponderação de valores, o acolhimento do direito ao esquecimento, no caso,
com a consequente indenização, consubstancia desproporcional corte à liberdade de imprensa, se comparado ao
desconforto gerado pela lembrança.
9. Por outro lado, mostra-se inaplicável, no caso concreto, a Súmula n. 403/STJ. As instâncias ordinárias
reconheceram que a imagem da falecida não foi utilizada de forma degradante ou desrespeitosa. Ademais,
segundo a moldura fática traçada nas instâncias ordinárias - assim também ao que alegam os próprios
recorrentes -, não se vislumbra o uso comercial indevido da imagem da falecida, com os contornos que tem dado
a jurisprudência para franquear a via da indenização.
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10. Recurso especial não provido.
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Cada bem jurídico deve ser visto em sua individualidade.
A honra não é direito da personalidade exercido apenas de forma individual. Existe a honra coletiva (ex:
categoria profissional – uma cantora presidiária alegou que engravidou de policial federal. A polícia federal
ajuizou ação para defender a honra coletiva. Ficou provado que engravidou de seu namorado em visita a cela).
Hoje podemos criar critérios objetivos de ponderação entre honra e liberdade de expressão.
3 critérios:
1. A informação é verdadeira?
Às vezes, a informação não é verdadeira, mas o veículo de imprensa não tem noção de que o fato é falso.
Para que se possa pensar em ofensa a honra, a vítima tem que provar que a imprensa agiu com ânimo de
difamar, caluniar, etc.
2. Aquelas informações foram obtidas de forma lícita ou ilícita?
Se foram obtidas de forma ilícita isso já é algo muito forte para decidir se houve ofensa a honra.
3. Há interesse público ou social na exposição daqueles fatos à sociedade?
Quando se fala em ofensa à honra, não necessariamente será um fato falso. Um fato real pode ofender a
minha honra dependendo do contexto em que é exibido.
Caso Xuxa (filme “Amor Estranho Amor” no início da década de 80): O que aconteceu com as imagens
desse filme? Xuxa fez acordo comercial com a empresa para que o filme não fosse espalhado, mas a internet não
perdoa e de vez em quando alguém divulga aquelas imagens. Xuxa vive em constante briga, alegando ofensa à
honra, por fatos que são verdadeiros, mas que hoje são albergados pelo esquecimento.
Honra, portanto, não é uma questão entre verdade e mentira.
Direito de resposta
A vítima de uma lesão à honra pode alegar a responsabilidade civil e penal de quem a ofendeu. Processar
um veículo da imprensa para obter indenização por danos morais é útil? A vítima deverá prover o ilícito, culpa,
dano, nexo causal e, na maioria das vezes, conseguirá uma indenização pequena e, enquanto isso, os fatos
continuam sendo divulgados.
Deve haver, portanto, algo mais imediato. A Constituição revê formas não patrimoniais de compensação
pelo dano à honra (art. 5º, V).
Temos, então, 2 tutelas constitucionais – 1. Responsabilidade civil pelo dano patrimonial e moral e 2.
Direito de resposta.
“O exercício do direito de retificação ou de resposta supõe o prejuízo à honra ou à reputação de uma
pessoa, ocasionado por informações inexatas e ofensivas por intermédio de meios de difusão que se dirijam ao
público em geral”.
A ADPF 130 “matou” a lei que tratava do direito de resposta.
A eficácia direta dos direitos fundamentais resolveria o problema. Bastava o juiz no caso concreto aplicar
o direito de resposta simplesmente com base na norma constitucional, mas a melhor solução é a mediação
legislativa, que explique requisitos para o direito de resposta.
A Lei 13188/2015 supre esse vazio legislativo e esse é o primeiro mérito desta lei. Teve a boa intenção de
criar um procedimento especial no qual houvesse espaço para o direito de retificação e o direito de resposta.
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O segundo mérito é que nesse procedimento especial, há “desjudicialização”, porque a pretensão é
dirigida, em um primeiro momento, ao veículo que publicou a notícia supostamente lesiva a honra.
Deve-se enviar carta com aviso de recebimento para que o veículo de imprensa retifique a informação ou
permita o direito de resposta no prazo de 7 dias.
A desvantagem começa no art. 2º, §1º, desta Lei:
Art. 2º, §1o, Lei 13188/2015. Para os efeitos desta Lei, considera-se
matéria qualquer reportagem, nota ou notícia divulgada por veículo
de comunicação social, independentemente do meio ou da
plataforma de distribuição, publicação ou transmissão que utilize,
cujo conteúdo atente, ainda que por equívoco de informação, contra
a honra, a intimidade, a reputação, o conceito, o nome, a marca ou a
imagem de pessoa física ou jurídica identificada ou passível de
identificação.
Críticas:
1. A lei diz que qualquer matéria pode ensejar direito de resposta (crítica, charge, comentário), desde que
se entenda que houve crivo negativo. Eduardo Cunha foi um dos primeiros a utilizar essa lei.
Ela subverte a ótica da Constituição, porque a CF e a ADPF 130 visam a proteger presunção de
legitimidade das matérias que são colocadas para a sociedade. Não deve haver censura prévia. Agora criou-se
uma censura privada, porque basta a pessoa entender que a notícia não é digna de publicação para que seja a
“senhora do destino” daquela matéria.
2. Essa lei não faz a distinção entre exercício regular da liberdades informativas e abuso do direito de
informação.
A CF fala em resposta proporcional ao agravo. Isso significa que se o jornal faz uma reportagem de 10
páginas e em 1 linha fala mal de uma pessoa, essa pessoa tem uma linha para resposta. A lei, entretanto, diz que
a resposta é do tamanho da matéria, então seria de 10 páginas a resposta.
3. Além disso, se o sujeito manda carta com AR e o veículo de imprensa reconhece o próprio equívoco, a
lei diz que, mesmo retificando, isso não elimina o direito de resposta.
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Art. 2º, §3o. A retratação ou retificação espontânea, ainda que a elas
sejam conferidos os mesmos destaque, publicidade, periodicidade e
dimensão do agravo, não impedem o exercício do direito de resposta
pelo ofendido nem prejudicam a ação de reparação por dano moral.
4. A lei diz que o direito de resposta não se aplica apenas contra aquele veículo, mas também contra os
veículos de comunicação que replicaram a matéria. É uma lei materialmente equivocada.
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MATERIAL DE APOIO
ANOTAÇÃO DE AULA
SUMÁRIO
PESSOA NATURAL
1.Da personalidade à capacidade
2. Incapacidade absoluta por idade
3. Incapacidade relativa por idade
4. Maioridade civil
1. Da personalidade à capacidade
1
Art. 1o, CC. Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.
2
Art. 1.647, CC. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro,
exceto no regime da separação absoluta:
I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;
Obs: O sujeito que é falido mantém a capacidade de fato plena, mas não tem legitimação para administrar a
massa falida. Ano passado, o STF, no Informativo 558, de 06 de abril de 2015, diz que o falido tem legitimidade
para propor ação rescisória para desconstituir a sentença de falência.
“DIREITO EMPRESARIAL E PROCESSUAL CIVIL. CAPACIDADE PROCESSUAL DO FALIDO. O falido tem capacidade
para propor ação rescisória para desconstituir a sentença transitada em julgado que decretou a sua falência. Com
a decretação da falência, o falido sofre uma capitis diminutio referente aos direitos patrimoniais envolvidos na
falência, sendo afastado da administração dos seus bens. Sendo assim, num processo em que se discuta, por
exemplo, a venda desses bens, o falido apenas poderia acompanhá-lo como assistente. Ele não poderia, portanto,
tomar a iniciativa das ações com relação a bens da massa. Entretanto, no caso em que se pretenda rescindir
decisão que decreta falência, a situação é diferente. Nesse caso, nem a massa nem os credores têm interesse na
desconstituição da decretação de falência. Realmente, o falido é o único interessado. Por isso, se a legitimidade
deste para propor a rescisão do decreto falimentar fosse retirada, ele ficaria eternamente falido, ainda que
injustamente, ainda que contrariamente à ordem legal. Com efeito, a decisão que decreta a falência, conquanto
acarrete ao falido uma capitis diminutio em relação aos seus bens, não o torna incapaz, de sorte que ele mantém
a legitimidade para a propositura de ações pessoais. Ora, dizer que o falido não pode propor ação rescisória
contra o decreto falencial é dar uma extensão que a lei não deu. Desse modo, ele tem todos os poderes
processuais e todos os poderes como sujeito de direito para tentar reverter o referido decreto falimentar. REsp
1.126.521-MT, Rel. originário Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha,
julgado em 17/3/2015, DJe 26/3/2015.” (Informativo 558, 06.04.2015).
Legitimação
Cap. de fato
Cap. de direito
Personalidade
3
Art. 1.867, CC. Ao cego só se permite o testamento público, que lhe será lido, em voz alta, duas vezes, uma pelo
tabelião ou por seu substituto legal, e a outra por uma das testemunhas, designada pelo testador, fazendo-se de
tudo circunstanciada menção no testamento.
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Art. 3o, CC. São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os
atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos. (Redação dada
pela Lei nº 13.146, de 2015)
Dizer que são absolutamente incapazes demanda fazer uma distinção: o menor de 16 anos tem a
titularidade dos direitos civis. Ele é o titular das situações jurídicas, dos direitos e deveres, porém, o CC presume
que a vontade desses absolutamente incapazes é juridicamente irrelevante e, portanto, não podem exercer
sozinhos os atos da vida civil. Então, são substituídos por seus representantes legais.
O CC parte da premissa de que os menores de 16 anos, mesmo sendo titulares dos direitos, têm vontade
juridicamente irrelevante, então não se aceita que os direitos sejam exercidos de maneira autônoma. Há cisão
entre a titularidade e o exercício.
Por quem são substituídos? Em regra, pelos pais, que têm autoridade parental/poder de família.
Eventualmente, se os pais não estiverem presentes (mortos, ausentes) ou destituídos da autoridade parental, a
resposta está no art. 1728, CC: os filhos menores serão postos em tutela.
Por isso, os atos jurídicos praticados por menor de 16 anos, sem intervenção dos representantes, serão
sancionados pela nulidade, ou seja, há sanção gravíssima, de ordem pública inderrogável (art. 166, I, CC).
Crítica à redação do artigo: O negócio é celebrado pelo sujeito de direito. A nulidade não está na
celebração do ato, mas na celebração pessoal do ato.
A invalidade se divide em nulidade em anulabilidade. A nulidade pode ser alegada por qualquer das
partes (tanto pelo próprio incapaz e seus representantes, quanto pela contraparte que com ele celebrou o
negócio jurídico). O que importa para o ordenamento jurídico é que a verdade apareça. O CC é muito claro ao
sancionar como nulo um ato praticado por menor de 16 sem representação.
Se um menino pratica negócio jurídico com os pais, esse negócio jurídico é formalmente válido. Mais
tarde, o menino já tem 20 anos de idade e entra com ação pleiteando a invalidade do negócio, porque tomou
prejuízos. Ele não terá sucesso nessa pretensão, porque não se adotou no Brasil a tese do benefício de
restituição. Isso significa que se o absolutamente incapaz foi devidamente representado, e mais tarde o negócio
jurídico se mostrou um fracasso, não há o que fazer para desconstituir aquele ato simplesmente porque a parte
era incapaz.
Se a parte tem menos de 16 anos de idade, será representada. Se um menino recebeu apartamento como
herança do avô, os pais têm legitimação para dispor daquele bem? A legitimação dos representantes tem limite. É
necessária autorização do magistrado e alvará judicial. Há uma série de cautelas do ordenamento jurídico, porque
às vezes, pela natureza do negócio, a legitimação não é suficiente (art. 1691, CC).
Art. 1.691, CC. Não podem os pais alienar, ou gravar de ônus real os
imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que
ultrapassem os limites da simples administração, salvo por
necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia
autorização do juiz.
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Obs: Pais costumam querer fazer acordo em caso de acidentes que atingiram o filho. É necessária intervenção do
Ministério Público.
Se pai e mãe têm 3 filhos, um deles menor, e o pai resolve vender apartamento a filho maior, esse pai
precisa de autorização dos outros dois filhos. Surge conflito de interesses, ou seja, os representantes estão em
posição antagônica ao representado. O ganho de causa pelo menor poderá influenciar negativamente a situação
jurídica dos pais. Como o CC trata disso? Art. 1692, CC introduz a figura do curador especial, que não é o
representante legal do incapaz.
O curador especial será simplesmente representante judicial do incapaz naquele processo específico. Será
uma espécie de assistente litisconsorcial diferenciado. Esse não é o único caso de intervenção do curador
especial.
O art. 72 do NCPC traz outra possibilidade – se não tiver representante legal (absolutamente incapaz não
tem pais e não tem tutor). É a única hipótese em que alguém tem incapacidade material, mas tem capacidade
processual (será coadjuvado pelo curador especial posteriormente).
Quem é o curador especial? Agora, em coerência com a CF, tranquilamente sabemos que essa curatela
especial é exercida pela Defensoria Pública.
A vontade do incapaz não vale nada? O menor celebra negócios jurídicos (compra e venda de lanches na
escola, contrato de transporte, etc). Existem certos atos jurídicos que não demandam capacidade de fato;
demandam apenas uma capacidade natural, pois são de menor complexidade. Isso é algo que muda de país para
país. No Brasil, fala-se em condutas sociais típicas, que são comportamentos negociais que tipicamente são
exercidos por pessoas com pouca idade. Outras pessoas nomeiam essas condutas como relações contratuais de
fato.
Esse rigor do CC, de que vontade é desconsiderada, não é levada a ferro e fogo. Essa teoria das
incapacidades já tem mais de 150 anos – criação na Alemanha. Estamos no século XXI, a sociedade é mais
complexa, plural.
A teoria das incapacidades tem um certo apelo às questões patrimoniais. Um absolutamente incapaz não
pode sair praticando atos negociais de maior complexidade e patrimonial sem representante, mas na maior parte
do tempo essa pessoa pratica atos existenciais, tem um consentimento sobre o que acontece na sua vida, no
aspecto do que quer para sua educação, saúde, no que concerne às relações com seus pais e outras pessoas.
Tudo isso requer o consentimento do incapaz.
Precisamos mudar essa visão. Quando falamos de questões existenciais não podemos usar o termo
absolutamente incapaz, pois o que existe é a criança, o adolescente e o adulto. Para essas questões, são
consideradas PESSOAS HUMANAS EM DESENVOLVIMENTO, que merecem ser albergados pela TEORIA DA
PROTEÇÃO INTGRAL.
Os direitos da personalidade de um absolutamente incapaz devem ser promovidos na medida do
desenvolvimento dessa pessoa.
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O art. 15 do ECA não menciona absolutamente incapaz, mas criança e adolescente, que têm direito a
liberdade, dignidade, etc...São sujeitos de diretos civil, humanos e sociais. Não haverá congruência que ela seja
substituída em atos que dizem respeito ao seu próprio desenvolvimento pessoal.
Quando se fala de atos existenciais, nós temos que entender que não existe essa cisão entre titularidade e
exercício. Essa cisão é para a prática de atos patrimoniais. Não haverá congruência que ela seja substituída em
atos que dizem respeito ao seu próprio desenvolvimento pessoal.
No que diz respeito a prática de atos existenciais, na medida do possível, a pessoa com 14 anos terá que
exercitar seus direitos. Nem seria necessário o ECA, porque todas as convenções internacionais de direitos
humanos que o Brasil subscreve fazem com que as normas que estão ali se coloquem acima das nossas leis
ordinárias. Acima do CC, existe a convenção sobre direitos da criança, que internalizamos há muito tempo
(Decreto 99710/90). O art. 12 do Decreto diz:
O STJ decidiu no Informativo 565, de 07 de agosto de 2015 que a vontade de uma criança de 12 anos de
idade, que é filho de estrangeiro e brasileira, sobre com quem quer ficar, era de consideração fundamental.
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regressar para o domicílio estrangeiro do genitor. Em tal cenário, deve-se priorizar o conteúdo da valiosa regra
posta no art. 13 da referida Convenção, segundo a qual "A autoridade judicial ou administrativa pode também
recusar-se a ordenar o retorno da criança se verificar que esta se opõe a ele e que a criança atingiu já idade e grau
de maturidade tais que seja apropriado levar em consideração as suas opiniões sobre o assunto". Cuida-se,
certamente, de diretriz de extrema importância e utilidade para a tomada de decisões na área de interesses de
pessoas menores de 18 anos, que, aliás, encontrou plena receptividade no âmbito da posterior Convenção
Internacional sobre os Direitos da Criança (ONU/1989), cujo art. 12 assim fez preceituar: "1. Os Estados-parte
assegurarão à criança, que for capaz de formar seus próprios pontos de vista, o direito de exprimir suas opiniões
livremente sobre todas as matérias atinentes à criança, levando-se devidamente em conta essas opiniões em
função da idade e maturidade da criança. 2. Para esse fim, à criança será dada a oportunidade de ser ouvida em
qualquer procedimento judicial ou administrativo que lhe diga respeito, diretamente ou através de um
representante ou órgão apropriado, em conformidade com as regras processuais do direito nacional". REsp
1.214.408REsp 1214408" target="new">-RJ, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 23/6/2015, DJe 5/8/2015.”
(Informativo 565, 07.08.2015)
É fundamental ouvir esse adolescente para verificar onde quer ficar. A convenção de direitos humanos
deve ser vivificada. Quando se fala de crianças e adolescentes, diz o art. 28 que a colocação em família substituta
(tutela/adoção) depende do consentimento do maior de 12 anos de idade.
Temos que estipular critérios objetivos para saber quais são os atos que podem ser praticados com 10,
12, 14 anos de idade.
Obs: O direito penal leva em consideração outros valores. Quando se estuda o crime de estupro contra vulnerável
(menor de 14), a posição prevalecente no STJ é de que não adianta dizer que a menina de 14 anos queria aquele
envolvimento (Informativo 568, 16 de setembro de 2015). O STJ entendeu que essa questão de maturidade,
discernimento não vale para o direito penal.
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“DIREITO PENAL. CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO
CPC E RES. 8/2008-STJ). TEMA 918. Para a caracterização do crime de estupro de vulnerável previsto no art. 217-
A, caput, do Código Penal, basta que o agente tenha conjunção carnal ou pratique qualquer ato libidinoso com
pessoa menor de 14 anos; o consentimento da vítima, sua eventual experiência sexual anterior ou a existência de
relacionamento amoroso entre o agente e a vítima não afastam a ocorrência do crime. Inicialmente, registre-se
que a interpretação jurisprudencial acerca do art. 224, "a", do CP (antes da entrada em vigor da Lei 12.015/2009)
já vinha se consolidando no sentido de que respondia por estupro ou por atentado violento ao pudor o agente
que mantinha relações sexuais (ou qualquer ato libidinoso) com menor de 14 anos, mesmo sem violência real, e
ainda que mediante anuência da vítima (EREsp 1.152.864-SC, Terceira Seção, DJe 1º/4/2014). Com efeito, o fato
de alterações legislativas terem sido incorporadas pela Lei 12.015/2009 ao "Título IV - Dos Crimes contra a
Dignidade Sexual", especialmente ao "Capítulo II - Dos Crimes Sexuais contra Vulnerável", do CP, estanca, de uma
vez por todas, qualquer dúvida quanto à irrelevância, para fins de aperfeiçoamento do tipo penal inscrito no
caput do art. 217-A, de eventual consentimento da vítima ao ato libidinoso, de anterior experiência sexual ou da
existência de relacionamento amoroso entre ela e o agente. Isso porque, a despeito de parte da doutrina
sustentar o entendimento de que ainda se mantém a discussão sobre vulnerabilidade absoluta e vulnerabilidade
relativa, o tipo penal do art. 217-A do CP não traz como elementar a expressão "vulnerável". É certo que o
nomem iuris que a Lei 12.015/2009 atribui ao citado preceito legal estipula o termo "estupro de vulnerável".
Entretanto, como salientado, a "vulnerabilidade" não integra o preceito primário do tipo. Na verdade, o legislador
estabelece três situações distintas em que a vítima poderá se enquadrar em posição de vulnerabilidade, dentre
elas: "Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos". Não cabe, destarte,
ao aplicador do direito relativizar esse dado objetivo, com o fim de excluir a tipicidade da conduta. A propósito,
há entendimento doutrinário no viés de que: "Hoje, com louvor, visando acabar, de uma vez por todas, com essa
discussão, surge em nosso ordenamento jurídico penal, fruto da Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, o delito
que se convencionou denominar de estupro de vulnerável, justamente para identificar a situação de
vulnerabilidade que se encontra a vítima. Agora, não poderão os Tribunais entender de outra forma quando a
vítima do ato sexual for alguém menor de 14 (quatorze) anos. [...]. O tipo não está presumindo nada, ou seja, está
tão somente proibindo que alguém tenha conjunção carnal ou pratique outro ato libidinoso com menor de 14
anos, bem como com aqueles mencionados no § 1º do art. 217-A do Código Penal. Como dissemos
anteriormente, existe um critério objetivo para análise da figura típica, vale dizer, a idade da vítima". Dessa
forma, não se pode qualificar ou etiquetar comportamento de crianças, de modo a desviar a análise da conduta
STJ - Informativo de Jurisprudência Página 2 de 17 criminosa ou justificá-la. Expressões como "amadurecimento
sexual da adolescente", "experiência sexual pretérita da vítima" ou mesmo a utilização das expressões "criança
prostituta" ou "criança sedutora" ainda frequentam o discurso jurisprudencial, como se o reconhecimento de tais
circunstâncias, em alguma medida, justificasse os crimes sexuais perpetrados. Esse posicionamento, todavia,
implica a impropriedade de se julgar a vítima da ação delitiva para, a partir daí, julgar-se o agente. Refuta-se,
ademais, o frágil argumento de que o desenvolvimento da sociedade e dos costumes possa configurar fator que
não permita a subsistência de uma presunção que toma como base a innocentia consilli da vítima. Basta um
rápido exame da história das ideias penais - e, em particular, das opções de política criminal que deram ensejo às
sucessivas normatizações do Direito Penal brasileiro - para se constatar que o caminho da "modernidade" é
antípoda a essa espécie de proposição. Deveras, de um Estado ausente e de um Direito Penal indiferente à
proteção da dignidade sexual de crianças e adolescentes, evoluiu-se, paulatinamente, para uma Política Social e
Criminal de redobrada preocupação com o saudável crescimento físico, mental e afetivo do componente infanto-
juvenil de nossa população, preocupação que passou a ser compartilhada entre o Estado, a sociedade e a família,
com reflexos na dogmática penal. Assim é que novas tipificações vieram reforçar a opção do Estado brasileiro - na
linha de similar esforço mundial - de combater todo tipo de violência, sobretudo a sexual, contra crianças e
adolescentes. É anacrônico, portanto, qualquer discurso que procure considerar a modernidade, a evolução moral
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dos costumes sociais e o acesso à informação como fatores que se contrapõem à natural tendência civilizatória de
proteger certos grupos de pessoas física, biológica, social ou psiquicamente fragilizadas. Além disso, não há que
se falar em aplicação do princípio da adequação social, porquanto no julgamento de caso de estupro de
vulnerável deve-se evitar carga de subjetivismo, sob pena de ocorrência de possíveis danos relevantes ao bem
jurídico tutelado - o saudável crescimento físico, psíquico e emocional de crianças e adolescentes - que,
recordese, conta com proteção constitucional e infraconstitucional, não sujeito a relativizações. Ora, a tentativa
de não conferir o necessário relevo à prática de relações sexuais entre casais em que uma das partes (em regra, a
mulher) é menor de 14 anos, com respaldo nos costumes sociais ou na tradição local, tem raízes em uma cultura
sexista - ainda muito impregnada no âmago da sociedade ocidental, sobretudo em comunidades provincianas,
segundo a qual meninas de tenra idade, já informadas dos assuntos da sexualidade, estão aptas a manter
relacionamentos duradouros e estáveis (envolvendo, obviamente, a prática sexual), com pessoas adultas.
Ressalta-se, por fim, que praticamente todos os países do mundo repudiam o sexo entre um adulto e um
adolescente - e, mais ainda, com uma criança - e tipificam como crime a conduta de praticar atos libidinosos com
pessoa ainda incapaz de ter o seu consentimento reconhecido como válido. Precedentes citados: AgRg nos EDcl
no AREsp 191.197-MS, Quinta Turma, DJe 19/12/2014; e AgRg no REsp 1.435.416-SC, Sexta Turma, DJe
3/11/2014. REsp 1.480.881-PI, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 26/8/2015, DJe
10/9/2015.” (Informativo n. 568, 16.09.2015).
Um menino incapaz pode ser doador de medula óssea? A Lei n. 9434/97 (Lei de Transplantes) diz que o
incapaz poderá fazer doação de órgãos, se houver consentimento de ambos os pais ou responsáveis.
Enunciado n. 402, CJF. Art. 14, parágrafo único. O art. 14, parágrafo
único, do Código Civil, fundado no consentimento informado, não
dispensa o consentimento dos adolescentes para a doação de
medula óssea prevista no art. 9º, § 6º, da Lei n. 9.434/1997 por
aplicação analógica dos arts. 28, § 2º (alterado pela Lei n.
12.010/2009), e 45, §2º, do ECA.
3. Incapacidade Relativa
São os maiores de 16 e menores que 18 anos. A vontade dos relativamente incapazes é relevante, mas
apesar disso, sua vontade só produzirá efeitos jurídicos se essas pessoas tiverem sua vontade integrada com a
vontade de seus representantes. Essa soma de duas vontades gera um negócio jurídico válido e eficaz.
Uma pessoa de 16 anos poderá praticar negócios jurídicos válidos de forma autônoma em algumas
situações. Há 3 situações famosas em que isso acontecerá:
1) Testamento (art. 1860, § único) - é um negócio jurídico unilateral e personalíssimo;
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Art. 1.860, CC. Além dos incapazes, não podem testar os que, no ato
de fazê-lo, não tiverem pleno discernimento.
2) Mandato (art. 666) – essa pessoa pratica os atos de mandato sem ser assistida;
Art. 654, CC. Todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração
mediante instrumento particular, que valerá desde que tenha a
assinatura do outorgante.
O relativamente incapaz poderá outorgar procuração por instrumento público, porque quem outorga a
procuração não são os representantes, mas a própria pessoa.
Todos os atos que digam respeito a vida civil serão praticados em conjunto com seu assistente.
Qual é a sanção para a prática de ato negocial por relativamente incapaz sem assistência? Anulabilidade
(art. 171, CC).
Se a sanção é anulabilidade, quem pode alegar? O sujeito que praticou negócio jurídico com rapaz de 17
sem assistente tem legitimidade para promover ação de anulação do negócio jurídico? Não, porque se trata de
anulação e não de nulidade. Apenas terá legitimidade para provocar a anulabilidade o representante ou o incapaz
quando atingir a maioridade (art. 105, CC).
Art. 105, CC. A incapacidade relativa de uma das partes não pode ser
invocada pela outra em benefício próprio, nem aproveita aos co-
interessados capazes, salvo se, neste caso, for indivisível o objeto do
direito ou da obrigação comum.
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Se um menino de 16 anos de idade pratica negócio jurídico sem ser assistido, pode anular esse negócio
jurídico. Há prazo decadencial de 4 anos para que seja anulado esse negócio jurídico. Até quantos anos de idade
poderá anular o negócio jurídico? Até 22 anos de idade, porque o termo inicial do prazo decadencial é o dia em
que se completa a maioridade.
Se o relativamente incapaz pratica negócio jurídico ocultando sua idade e ajuíza ação de anulação do
negócio jurídico, perderá a ação, porque configura tu quoque, que é uma máxima da boa-fé objetiva (não faça aos
outros aquilo que não quer que façam a ti mesmo), ou seja, uma pessoa não pode ofender uma norma jurídica e
depois querer se aproveitar da mesma norma jurídica que havia violado (art. 180, CC).
Art. 180, CC. O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode,
para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente
a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-
se, declarou-se maior.
Se o CC diz que o prazo de prescrição para ajuizar ação de responsabilidade civil é de 3 anos, com quantos
anos de idade haverá prescrição se o sujeito de 16 anos sofre dano? Com 19 anos. A prescrição corre
normalmente, ao contrário do que ocorre com os absolutamente incapazes (art. 198, I, CC).
Um menino descobriu, com 16 anos, que seu pai omite o dever de convivência familiar. Esse menino
completou a maioridade. Até quantos anos pode ajuizar ação de responsabilidade civil por omissão de cuidado?
Até 21 anos de idade. O termo inicial é o dia do aniversário de 18 anos, porque se trata de prescrição entre pai e
filho e o CC diz que os prazos prescricionais só começam a correr quando termina o poder familiar.
“INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO. PRESCRIÇÃO. O prazo prescricional das ações de indenização por
abandono afetivo começa a fluir com a maioridade do interessado. Isso porque não corre a prescrição entre
ascendentes e descendentes até a cessação dos deveres inerentes ao pátrio poder (poder familiar). No caso, os
fatos narrados pelo autor ocorreram ainda na vigência do CC/1916, assim como a sua maioridade e a prescrição
da pretensão de ressarcimento por abandono afetivo. Nesse contexto, mesmo tendo ocorrido o reconhecimento
da paternidade na vigência do CC/2002, apesar de ser um ato de efeitos ex tunc, este não gera efeitos em relação
a pretensões já prescritas. Precedentes citados: REsp 430.839-MG, DJ de 23/9/2002, e AgRg no Ag 1. 247.622-SP,
DJe de 16/8/2010. REsp 1.298.576-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21/8/2012.” (Informativo n. 502,
24.08.2012).
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4. Maioridade civil
O CC de 1916 dizia que a maioridade civil ocorria aos 21 anos de idade. Com o advento do CC/02 (11 de
janeiro de 2003), a maioridade civil caiu para 18 anos de idade. É norma de estado, então, imediatamente entrou
em vigor.
No dia 11.01.2003, aquela pessoa que tinha de 19 anos de idade dormiu incapaz e acordou plenamente
capaz. Quando falamos de maioridade civil, um sujeito que tem 17 anos dorme relativamente incapaz e, no dia
seguinte, acorda plenamente capaz.
Obs: em concurso, perguntou-se se o critério de maioridade civil era política legislativa, biológico, sociológico,
psicológico, etc. O critério de maioridade civil é puramente de política legislativa. Não interessa se a pessoa
completou 18 anos e tem perturbações mentais ou não consegue se comunicar. Caso se perceba que ele tem
algum transtorno psíquico que demande a sua curatela, haverá o devido processo legal e esse devido processo
legal acarretará a redução de sua capacidade. No Brasil, o que se presume é a capacidade plena. A incapacidade é
excepcional.
O art. 5º, caput, CC diz que a menoridade cessa aos 18 anos completos, o que habilita a pessoa a todos os
atos da vida civil – atenção: atos GENÉRICOS da vida civil, porque a legitimação demanda requisitos específicos.
Art. 5o, CC. A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando
a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.
O que acontece com o poder de família/autoridade parental? Termina. Essa pessoa com 18 anos já
responde civilmente de forma direta e imediata pelos seus comportamentos antijurídicos, pela prática de ilícitos
civis. Não será mais substituída por seus representantes.
Como fica a questão dos alimentos? Se o sujeito tem pai e o pai é divorciado da mãe, deposita um salário
mínimo todo mês, no momento em que esse pai vê o filho completando 18 anos de idade, automaticamente
estaria exonerado da obrigação alimentar? Não. Terá que ajuizar ação de exoneração de alimentos, porque, até
os 18 anos de idade, existe dever alimentar decorrente da relação de parentesco. Esse dever cessou, mas quem
garante que esse maior não tem necessidade de alimentos por questões pessoais? Pode estar estudando em
alguma faculdade, ter problemas psicológicos ou físicos. Tudo isso pode induzir à necessidade de manutenção dos
alimentos. Esses alimentos agora decorrem da obrigação decorrente do binômio necessidade/possibilidade.
O pai deve ajuizar a ação, porque na contestação, o filho maior tem o ônus de trazer fato impeditivo
(faculdade, problemas físicos, problemas psicológicos).
A respeito, a súmula 358, STJ.
Súmula 538, STJ. O cancelamento de pensão alimentícia de filho que
atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante
contraditório, ainda que nos próprios autos.
O Informativo 518, de 15 de maio de 2013, fala sobre filhos com mais de 25 anos.
“DIREITO CIVIL. INEXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÃO DOS PAIS DE FORNECER ALIMENTOS À FILHA MAIOR DE 25 ANOS E
COM CURSO SUPERIOR COMPLETO, NO CASO DE AUSÊNCIA DE PROVA REFERENTE A PROBLEMAS QUANTO À SUA
SAÚDE FÍSICA OU MENTAL. Os pais não têm obrigação de fornecer alimentos à filha maior de 25 anos e com curso
superior completo, se inexistirem elementos que indiquem quaisquer problemas quanto à sua saúde física ou
mental. Durante a menoridade, ou seja, até os dezoitos anos de idade, não é necessário que o alimentando faça
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prova efetiva da inexistência de meios próprios de subsistência, o que se presume pela incapacidade civil, estando
o dever de alimentos fundamentado no poder familiar. Alcançada a maioridade, essa prova é necessária e, uma
vez realizada, o filho continuará com o direito de receber alimentos dos pais, inclusive no que se refere às verbas
necessárias à sua educação. Nesse contexto, haverá presunção de dependência do alimentando que, quando da
extinção do poder familiar, estiver frequentando regularmente curso superior ou de natureza técnica, mas o
dever de prestar alimentos passará a ser fundado na relação de parentesco, e não no poder familiar. Tratando-se,
entretanto, de filho maior, capaz e com curso superior completo, não mais se admite a presunção da
necessidade, que deverá ser efetivamente demonstrada. Com efeito, nessa situação, há de se considerar que os
filhos civilmente capazes e graduados podem e devem gerir suas próprias vidas, inclusive buscando meios de
assegurar sua própria subsistência. REsp 1.312.706-AL, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21/2/2013.”
(Informativo 518, 15.05.2013).
Essas normas continuam em vigor porque dizem respeito a regras específicas do direito penal. A norma
de direito civil somente influencia outras disciplinas quando, nessas outras disciplinas, houver menção expressa.
Por isso, quando o art. 121 do ECA prevê a medida de internação até 21 anos de idade, o fato do CC ter
dito que a maioridade vem aos 18 anos não influencia em nada.
Art. 2.043, CC. Até que por outra forma se disciplinem, continuam
em vigor as disposições de natureza processual, administrativa ou
penal, constantes de leis cujos preceitos de natureza civil hajam sido
incorporados a este Código.
O enunciado n. 3, CJF diz que o CC em nada altera o art. 16, I, da Lei 8213/91. O fato do CC aparecer em
nada modifica essa lei, porque essa idade de 21 anos tem peso específico para o direito previdenciário.
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16, I, da Lei n. 8.213/91, que regula específica situação de
dependência econômica para fins previdenciários e outras situações
similares de proteção, previstas em legislação especial.
Agora que já terminamos essas definições, falta falar de uma coisa respeitante ao direito civil no campo
da idade, que é a emancipação (tema da próxima aula).
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MATERIAL DE APOIO
ANOTAÇÃO DE AULA
SUMÁRIO
Voluntária: sempre parental, ou seja, quando o menino (a) completa 16 anos de idade, os pais podem
emancipá-lo, os pais tem direito potestativo de submeter à capacidade plena. Não é necessária a
autorização judicial, bastando que os pais se encaminhem ao cartório de notas fazendo escritura pública
e levando-a ao cartório de pessoas naturais. É também possível quando a emancipação se dá por um dos
pais (o outro está morto, por exemplo).
Judicial – art. 5º, parágrafo único, inc. I/CC e art. 1.690, parágrafo único/CC: Havendo divergência entre
os pais, a emancipação será judicial. Outra hipótese se dá quando o adolescente está sob tutela, pois o
tutor não pode emancipar voluntariamente (múnus) requerendo autorização judicial.
ATENÇÃO: Se os pais querem emancipar e o adolescente não quer? Conforme a CF a escritura pública deve ter a
anuência do adolescente, caso contrário seria um abuso do direito potestativo por parte dos pais.
Apenas tem eficácia erga omnes quando essa escritura for averbada na certidão de nascimento do
adolescente.
Essa emancipação é irrevogável, porém é anulável. A emancipação sendo um ato jurídico pode ter
ocorrido com erro, dolo, coação.
Casamento – art. 5º, inc. II, parágrafo único/CC: a idade núbil no Brasil é de 16 anos, no entanto,
requer autorização dos pais. Essa emancipação será automática, não havendo necessidade de
levar essa emancipação ao cartório de pessoas naturais.
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Pode emancipar, mas não será emancipação legal e sim judicial, visto que casamento se comprova de
início por meio de certidão. A união estável é união à margem do direito, de fato. Portanto, é necessária ação
declaratória de união estável que acarretará a emancipação.
Ao completar 18 anos de idade, podem dirigir-se ao juiz e pedir modificação do regime de bens, visto que
a causa fora superada.
Se já foi emancipado aos 16 anos, por exemplo, e decide se casar aos 17 anos, não precisa de autorização.
Enunciado 512/CJF: Art. 1.517. O art. 1.517 do Código Civil, que exige
autorização dos pais ou responsáveis para casamento, enquanto não
atingida a maioridade civil, não se aplica ao emancipado.
Se casado e 6 meses depois descobre que o cônjuge já era casado (bigamia) ela não volta a ser incapaz. Sob o
ponto de vista ético, este foi o casamento putativo contraído de boa-fé, portanto, os efeitos da invalidade não se
aplicam a quem agiu de boa-fé.
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Legal: emancipação em decorrência de lei.
Pena criminal: essa repercussão civil não é mais cabível, não é mais causa extintiva de punibilidade - art. 107/CP.
Toda afirmativa que proibir a pratica de atos para menores de 18 anos, o emancipado não poderá
praticar, pois não tem legitimação, embora tenha capacidade plena.
Critério: exclusivamente médico subjetivo, pois a pessoa era resumida a uma doença. O único papel do
juiz era verificar se o sujeito tinha discernimento ou não. Deficiência é modo de ser, é congênita, e
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enfermidade é o modo de estar, adquire-se ao longo da vida. Observado que um desses retirou o
discernimento, era considerado incapaz.
Crítica: o legislador não pode utilizar o elemento da integridade psíquica para definir sua capacidade. Não
se enxergava o ser humano como um todo. Modelo de exclusão. O incapaz era tratado como coisa
(coisificação).
Este artigo entendia que se o juiz considera-se alguém relativamente incapaz poderia dar limites e se for
absoluta perde a condição de pessoa e não pode praticar nenhum ato da vida civil sozinho. Constitucionalmente,
isso seria a transmissão compulsória de direitos constitucionais.
Hoje:
Em dezembro de 2006 em Nova York foi promulgada a CDPD - Convenção de Direito das Pessoas com
Deficiência. Em 25 de agosto de 2009, o Brasil internalizou essa convenção com força de emenda constitucional
por fórum qualificado do art. 60, § 2º/CF. Essa legislação foi ignorada até 2015.
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participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de
condições com as demais pessoas.
O propósito dessa convenção é promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os
direitos humanos.
Eficácia negativa – pessoa ser respeitada perante a sociedade.
Eficácia positiva - São plenamente capazes e a autonomia delas sejam preservada.
A partir desse decreto, a capacidade civil torna-se direito fundamental e só poderá ser restringida em
situações excepcionais e nunca para punição do incapaz.
A Lei 13.146/15 trouxe o estatuto das pessoas com deficiência materializando a CDPD.
Há dois níveis:
Deficientes plenamente capazes
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Deficientes qualificados pela curatela
Obs.: O NCPC usa palavra interdição quando na verdade trata-se de curatela. Interditar significa segregar,
suprimir a autodeterminação da pessoa.
A curatela tem por fim que a pessoa possa se recuperar e seja reinserida na sociedade. Será apenas uma fase
do processo, pois o objetivo é que a pessoa tenha de volta sua autonomia.
Relativamente incapazes - art. 4º, inc. III/CC: aqueles que por causa transitória permanente não
puderem exprimir sua vontade.
Art. 4o /CC: São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira
de os exercer:
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem
exprimir sua vontade;
Hoje o critério é objetivo e social. O que importa é saber se aquele ser humano dentro das
especificidades dele consegue interagir socialmente (antes o critério era individual e subjetivo). Se ao
fim do processo ficar comprovado que esta pessoa não tem capacidade de autogovernar, será
considerada relativamente incapaz.
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Entendendo ser caso de curatela, essa não abrange mais todos os atos da vida civil do curatelado,
restringindo-se apenas aos atos de natureza patrimonial, não se restringe aos atos pessoais.
Essa cisão é impossível, pois quando se trata de direitos da personalidade são intransmissíveis – questões
existenciais.
Obs.: Curatela extensiva não é mais possível, pois o fato de uma pessoa ser curatela não é causa de destituição do
poder de família.
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Regimes Protetivos agora:
Tutela
Curatela
Tomada de Decisão Apoiada – é muito melhor que a tutela e a curatela. É um regime qualitativamente
diverso. O objetivo é promover a autonomia da pessoa com deficiência.
Obs.: Na Itália foi utilizada a partir de 2004.
A tomada de decisão apoiada é fundamentada na CDPD.
Ex.: “A” entende que não está bem e não temcondições de gerir seus atos. Chama dois amigos de confiança e cria
negócio jurídico bilateral que é um termo onde vai constar quais são os atos em que os apoiadores assistirão. Juiz
deve homologar para verificar se não há nenhuma clausula ilícita.
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§ 4o A decisão tomada por pessoa apoiada terá validade e efeitos
sobre terceiros, sem restrições, desde que esteja inserida nos limites
do apoio acordado.
§ 5o Terceiro com quem a pessoa apoiada mantenha relação
negocial pode solicitar que os apoiadores contra-assinem o contrato
ou acordo, especificando, por escrito, sua função em relação ao
apoiado.
§ 6o Em caso de negócio jurídico que possa trazer risco ou prejuízo
relevante, havendo divergência de opiniões entre a pessoa apoiada e
um dos apoiadores, deverá o juiz, ouvido o Ministério Público, decidir
sobre a questão.
§ 7o Se o apoiador agir com negligência, exercer pressão indevida ou
não adimplir as obrigações assumidas, poderá a pessoa apoiada ou
qualquer pessoa apresentar denúncia ao Ministério Público ou ao
juiz.
§ 8o Se procedente a denúncia, o juiz destituirá o apoiador e
nomeará, ouvida a pessoa apoiada e se for de seu interesse, outra
pessoa para prestação de apoio.
§ 9o A pessoa apoiada pode, a qualquer tempo, solicitar o término de
acordo firmado em processo de tomada de decisão apoiada.
§ 10. O apoiador pode solicitar ao juiz a exclusão de sua participação
do processo de tomada de decisão apoiada, sendo seu desligamento
condicionado à manifestação do juiz sobre a matéria.
§ 11. Aplicam-se à tomada de decisão apoiada, no que couber, as
disposições referentes à prestação de contas na curatela
Características Básicas:
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Pessoas com deficiência física e sensorial – essas pessoas tornarão mais independentes.
Pessoa que está no início de Alzheimer – no termo será expresso que quando perder toda
autodeterminação será o termo convertido em curatela e já será eleito o curador para atos praticados no
futuro (chamado de autocuratela).
Obs.: diretivas antecipadas são medidas tomadas quando o indivíduo não quer tratamentos de cura de doença
grave (visto em aula anterior).
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MATERIAL DE APOIO
ANOTAÇÃO DE AULA
SUMÁRIO
O NCPC utiliza inadequadamente o termo interdição que significa restrição. O objetivo é na verdade
promover a capacidade civil.
Flexibilização da curatela: antes da nova lei, o juiz escolhia por interditar ou não. O interditado saía do
processo instrumentalizado, coisificado, perdendo sua autodeterminação, apenas podendo agir com seu
procurador. Fere a regra da proporcionalidade. O ser humano não pode ser tratado dessa maneira. Hoje,
quando a pessoa for submetida à curatela a decisão da curatela devera ser fundamentada. A decisão não
poderá ser apenas uma ordem abstrata e sim um projeto terapêutico individualizado que leva em conta a
conformação de cada pessoa. O juiz terá um catalogo de regras que determinam especificamente as
potencialidades de cada um. Trabalhar a curatela dentro de uma noção de razoabilidade.
O objetivo do tratado internacional é restringir a curatela ao mundo das questões patrimoniais. Mas a
realidade às vezes nos trai. Há pessoas que não tem sequer capacidade para questões existenciais.
Significa que na maior parte das vezes a pessoa curatelada manterá o autogoverno para questões existências.
Mas em determinados casos, o procurador poderá praticar esses atos.
Funcionalização da curatela: a função da curatela é, como verdadeiro processo, fazer com que o
curatelado reconquiste sua autonomia recuperando a capacidade plena. O momento em que é
curatelado é uma fase intermediaria. É direcionada a promoção da autonomia da pessoa.
Não é mais um curador e sim um cuidador da saúde que tem o compromisso de amparar a pessoa curatela
para reconquistar sua autonomia.
Não há mais um rol de pessoas que podem ser curadoras - art. 755/NCPC.
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Hoje o curador é a pessoa que tem capacidade de promover autonomia do curatelado com maior eficiência.
Essa pessoa pode ser indicada pelo próprio curatelado, pode antes mesmo do inicio do processo pode assinar um
documento com uma autocuratela prevendo que não consiga futuramente se autodeterminar.
Se o objetivo da curatela é promover a proteção e a autonomia da pessoa, por mais que o cuidador de
saúde seja idôneo pode ser que ele não dê conta. Surge então a possibilidade de curatela conjunta. Possibilidade
da curatela ser exercida simultaneamente por 2 ou mais pessoas.
Personalização do processo: antigamente, mesmo antes da pessoa ser interditada havia uma relação
entre sujeito e objeto, não havia cooperação entre o juiz e o interditando. O Código Civil dizia que o juiz
examinará o interditando, como se o interditando fosse um objeto. O princípio da cooperação traz o juiz
para lógica da boa-fé objetiva, devendo o juiz cooperar mantendo a dignidade da parte, respeitando seus
direitos fundamentais. É a materialização do princípio da dignidade e da cooperação. Hoje o juiz o
entrevista e não o examina. O art. 751/NCPC humaniza o processo. Desaparecendo a coisificação da
parte. A narrativa do entrevistado será essencial para que o judiciário possa chegar em decisão razoável.
Não e mais um apenas um psiquiatra que auxiliara o magistrado e sim uma equipe multidisciplinar que
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avalia a pessoa em sua integralidade. O juiz tem dever de argumentar a decisão sendo a curatela apenas
deferira em caráter excepcional.
Ainda assim, o juiz deve prever um prazo máximo, pois caso contrário se tornaria uma “prisão perpetua”.
Hoje quem é curador tem que simultaneamente prestar conta em relação ao patrimônio e de como evolui aquele
ser humano. CDPD exige que haja fixação de prazo máximo (esta é uma norma com forca constitucional).
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deficiência o igual direito de possuir ou herdar bens, de controlar as
próprias finanças e de ter igual acesso a empréstimos bancários,
hipotecas e outras formas de crédito financeiro, e assegurarão que as
pessoas com deficiência não sejam arbitrariamente destituídas de
seus bens.
2. Extinção da Personalidade
Os herdeiros não sucedem alguém no direito da personalidade há sim uma tutela póstuma da
personalidade pela qual os herdeiros, em nome próprio, podem ajuizar medidas para proteger a memória do de
cujus.
A morte a que se refere o Código Civil é a morte encefálica ou real ainda que os outros órgãos estejam
funcionando. É necessário parâmetros clínicos e atestados médicos que atestem a morte encefálica – art. 3º da
Lei 9434/97.
Fetos anencéfalos – o critério da morte encefálica já não e adequado nesse caso, visto que em caso de óbito de
fetos anencéfalos os órgãos já não podem ser mais utilizados.
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ATENCAO: seria necessária modificação expressa em lei.
3. Processo de Ausência
Ausência é o desaparecimento da pessoa de seu domicilio sem dar notícias do lugar em que se encontra,
sendo assim incerta sua sobrevivência. Começa a ser tratada no art. 22 e segs./CC.
É um processo quadrifásico:
Ex.: esposo diz que vai assistir um jogo e não volta mais. Desaparece sem noticias e sem deixar procurador.
1ª Fase – Curatela Provisória: haverá a arrecadação de bens e a declaração de ausência. O curador terá a posse
dos bens – art. 22/CC.
Art. 22. Desaparecendo uma pessoa do seu domicílio sem dela haver
notícia, se não houver deixado representante ou procurador a quem
caiba administrar-lhe os bens, o juiz, a requerimento de qualquer
interessado ou do Ministério Público, declarará a ausência, e
nomear-lhe-á curador.
Art. 23. Também se declarará a ausência, e se nomeará curador,
quando o ausente deixar mandatário que não queira ou não possa
exercer ou continuar o mandato, ou se os seus poderes forem
insuficientes.
Art. 24. O juiz, que nomear o curador, fixar-lhe-á os poderes e
obrigações, conforme as circunstâncias, observando, no que for
aplicável, o disposto a respeito dos tutores e curadores.
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Art. 25. O cônjuge do ausente, sempre que não esteja separado
judicialmente, ou de fato por mais de dois anos antes da declaração
da ausência, será o seu legítimo curador.
§ 1o Em falta do cônjuge, a curadoria dos bens do ausente incumbe
aos pais ou aos descendentes, nesta ordem, não havendo
impedimento que os iniba de exercer o cargo.
§ 2o Entre os descendentes, os mais próximos precedem os mais
remotos.
§ 3o Na falta das pessoas mencionadas, compete ao juiz a escolha do
curador.
Ainda que a esposa não faça nada poderá o juiz de ofício ou MP pedir curatela provisória.
Obs.: antes a ausência era considerada absolutamente incapaz. Hoje é plenamente capaz. O objetivo da ausência
é a proteção de patrimônio – trata-se de curadoria dos bens do ausente e não curadoria do ausente. Enquanto
está ausente os prazos de prescrição não correm contra ele.
ATENCAO: com o art. 23/CC que trata de outra situação: se a pessoa deixou mandatário, não será a pessoa
ausente e, portanto não precisa de declaração de ausência. Mas se acontecer renúncia do mandato ou que não
tenha poderes, nesse casso também se declara ausência e se nomeia um curador.
A ausência de declaração de ausência deve ser averbada em cartório de pessoas naturais para eficácia
erga omnes.
2ª Fase – Sucessão Provisória: os herdeiros entram na posse dos bens. É uma sucessão de caráter provisório. A
sucessão provisória se dá para os herdeiros 1 ano após sentença de declaração de ausente.
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Da Sucessão Provisória
Art. 26. Decorrido um ano da arrecadação dos bens do ausente, ou,
se ele deixou representante ou procurador, em se passando três
anos, poderão os interessados requerer que se declare a ausência e
se abra provisoriamente a sucessão.
Art. 27. Para o efeito previsto no artigo anterior, somente se
consideram interessados:
I - o cônjuge não separado judicialmente;
II - os herdeiros presumidos, legítimos ou testamentários;
III - os que tiverem sobre os bens do ausente direito dependente de
sua morte;
IV - os credores de obrigações vencidas e não pagas.
Art. 28. A sentença que determinar a abertura da sucessão provisória
só produzirá efeito cento e oitenta dias depois de publicada pela
imprensa; mas, logo que passe em julgado, proceder-se-á à abertura
do testamento, se houver, e ao inventário e partilha dos bens, como
se o ausente fosse falecido.
§ 1o Findo o prazo a que se refere o art. 26, e não havendo
interessados na sucessão provisória, cumpre ao Ministério Público
requerê-la ao juízo competente.
§ 2o Não comparecendo herdeiro ou interessado para requerer o
inventário até trinta dias depois de passar em julgado a sentença que
mandar abrir a sucessão provisória, proceder-se-á à arrecadação dos
bens do ausente pela forma estabelecida nos arts. 1.819 a 1.823.
Art. 29. Antes da partilha, o juiz, quando julgar conveniente,
ordenará a conversão dos bens móveis, sujeitos a deterioração ou a
extravio, em imóveis ou em títulos garantidos pela União.
Art. 30. Os herdeiros, para se imitirem na posse dos bens do ausente,
darão garantias da restituição deles, mediante penhores ou hipotecas
equivalentes aos quinhões respectivos.
§ 1o Aquele que tiver direito à posse provisória, mas não puder
prestar a garantia exigida neste artigo, será excluído, mantendo-se os
bens que lhe deviam caber sob a administração do curador, ou de
outro herdeiro designado pelo juiz, e que preste essa garantia.
§ 2o Os ascendentes, os descendentes e o cônjuge, uma vez provada
a sua qualidade de herdeiros, poderão, independentemente de
garantia, entrar na posse dos bens do ausente.
Art. 31. Os imóveis do ausente só se poderão alienar, não sendo por
desapropriação, ou hipotecar, quando o ordene o juiz, para lhes
evitar a ruína.
Art. 32. Empossados nos bens, os sucessores provisórios ficarão
representando ativa e passivamente o ausente, de modo que contra
eles correrão as ações pendentes e as que de futuro àquele forem
movidas.
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Art. 33. O descendente, ascendente ou cônjuge que for sucessor
provisório do ausente, fará seus todos os frutos e rendimentos dos
bens que a este couberem; os outros sucessores, porém, deverão
capitalizar metade desses frutos e rendimentos, segundo o disposto
no art. 29, de acordo com o representante do Ministério Público, e
prestar anualmente contas ao juiz competente.
Parágrafo único. Se o ausente aparecer, e ficar provado que a
ausência foi voluntária e injustificada, perderá ele, em favor do
sucessor, sua parte nos frutos e rendimentos.
Art. 34. O excluído, segundo o art. 30, da posse provisória poderá,
justificando falta de meios, requerer lhe seja entregue metade dos
rendimentos do quinhão que lhe tocaria.
Art. 35. Se durante a posse provisória se provar a época exata do
falecimento do ausente, considerar-se-á, nessa data, aberta a
sucessão em favor dos herdeiros, que o eram àquele tempo.
Art. 36. Se o ausente aparecer, ou se lhe provar a existência, depois
de estabelecida a posse provisória, cessarão para logo as vantagens
dos sucessores nela imitidos, ficando, todavia, obrigados a tomar as
medidas assecuratórias precisas, até a entrega dos bens a seu dono.
Se havia procurador não houve curatela provisória. Quando mandatário renuncia já vai direto para
sucessão provisória e é neste momento que será declarada curatela provisória - Art. 26/CC.
3ª Fase – Sucessão Definitiva: exige-se 10 anos contados da sentença de sucessão provisória (ou seja, já foi
percorrido 11 ou 13 anos – 1 ano + 10 anos ou se deixou procurador =3 anos + 10 anos). Se os herdeiros já se
tornam proprietários serão levantados todas as cauções dadas anteriormente.
Da Sucessão Definitiva
Art. 37. Dez anos depois de passada em julgado a sentença que
concede a abertura da sucessão provisória, poderão os interessados
requerer a sucessão definitiva e o levantamento das cauções
prestadas.
Art. 38. Pode-se requerer a sucessão definitiva, também, provando-
se que o ausente conta oitenta anos de idade, e que de cinco datam
as últimas notícias dele.
Art. 39. Regressando o ausente nos dez anos seguintes à abertura da
sucessão definitiva, ou algum de seus descendentes ou ascendentes,
aquele ou estes haverão só os bens existentes no estado em que se
acharem, os sub-rogados em seu lugar, ou o preço que os herdeiros e
demais interessados houverem recebido pelos bens alienados depois
daquele tempo.
Parágrafo único. Se, nos dez anos a que se refere este artigo, o
ausente não regressar, e nenhum interessado promover a sucessão
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definitiva, os bens arrecadados passarão ao domínio do Município ou
do Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições,
incorporando-se ao domínio da União, quando situados em território
federal.
IMPORTANTE: o art. 38/CC quer dizer que se o ser humano desaparece com 75 anos de idade não tem fase 1 e 2
já iniciando da fase 3.
Essa 3ª fase é muito importante, pois é aquele que coincide com a chamada morte presumida, ou seja, na
curatela provisória o sujeito era apenas ausente e nessa fase é um morto presumido (não há extinção dos direitos
da personalidade havendo ainda aspectos existenciais).
Essa propriedade não é definitiva, é uma propriedade resolúvel (aquela propriedade que já nasce com
previsão para seu término, ingressa no patrimônio a um termo ou condição resolutiva). Se o ausente reaparece,
ele recupera o patrimônio na situação em que se encontram. Alguns chamam essa fase de sucessão quase
definitiva ou pré-definitiva.
Sumula 331/STF
É legítima a incidência do imposto de transmissão causa mortis no
inventário por morte presumida.
Ex.: dado os 11 anos a esposa será viúva? Sim, pois hoje há reflexos existenciais conforme art. 571, §1º/CC (no
CC/16 a morte presumida só existia para efeitos patrimoniais, quanto as relações familiares a viúva ainda
permanecia casada).
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É possível a extinção desse vínculo matrimonial antes desse prazo?
Sim, ingresso de ação de divorcio sem discussão de culpa. Entretanto, se se divorciar antes da sucessão provisória
a pessoa não será herdeira. Com a viuvez preserva-se a condição de sucessor.
Ex.: se durante esse tempo a pessoa se casa e na saída da igreja o esposo reaparece o 2º casamento é valido ou
nulo? Tecnicamente, é inválido e o segundo casamento é bigamia. A solução ética é que o cônjuge atuou com
boa-fé objetiva respeitando prazos legais e o segundo casamento deve prevalecer tornando seus efeitos validos.
4ª Fase – Sucessão Efetivamente Definitiva: no mínimo 21 anos (1 anos de curatela provisória + 10 anos da
sucessão provisória + 10 anos da sucessão definitiva). Antes de 21 anos o desaparecido reaparecer recupera o
patrimônio no estado em que estava. Após isso não recupera patrimônio nenhum – art. 39/CC.
Conforme interpretação dada pela CF/88 o máximo é que se a pessoa voltar e que os herdeiros tenham
patrimônio, o desaparecido tem direito ao suficiente para sobreviver.
Crítica: não coadunam com as diretrizes de Miguel Reale para o CC/02 (socialidade, operalidade e eticidade).
Operalibilidade: as normas de direito civil devem ter concretude.
Ex1.: Ulysses Guimaraes – fez-se uma justificação de acento de óbito, pois houve certeza da morte, mas não tinha
o cadáver.
CC/02 criou então a morte presumida sem ausência no art. 7º/CC.
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Art. 7º: Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de
ausência:
Ex2.: houve um terremoto e o sujeito provavelmente morre. O juiz com base no relatório declarara a morte
presumida sem o corpo fixando como data provável da morte o dia do desaparecimento.
NCPC mudança quanto a publicidade do ausente. O CC/02 dispõe que devem ser publicados editais. O art.
745/NCPC dispõe que:
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§ 3o Presentes os requisitos legais, poderá ser requerida a
conversão da sucessão provisória em definitiva.
§ 4o Regressando o ausente ou algum de seus descendentes ou
ascendentes para requerer ao juiz a entrega de bens, serão citados
para contestar o pedido os sucessores provisórios ou definitivos, o
Ministério Público e o representante da Fazenda Pública, seguindo-se
o procedimento comum.
Obs.: Os prazos apenas dizem respeito ao patrimônio geral. Quanto ao beneficio previdenciário (Lei 8213/91) é
necessário apenas 6 meses.
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MATERIAL DE APOIO
ANOTAÇÃO DE AULA
SUMÁRIO
1. Fato Jurídico
1.1 Espécies
1. Negócio Jurídico
2. Tricotomia do Negócio Jurídico
1. Fato Jurídico
Fato jurídico: Qualquer acontecimento natural ou ação humana que produza consequências jurídicas.
Fato jurídico processual é o fato jurídico que gera consequências dentro de um processo.
Qualquer fato sobre o qual incide consequência jurídica tratar-se-á fato jurídico (Pontes de Miranda).
1.1 Espécies
Fato Jurídico Stricto Sensu: trata-se de uma alteração da ordem jurídica sem ato humano. As
consequências jurídicas não estão ligadas a uma conduta humana e sim a natureza. Ex.: nascimento tem o
surgimento da aquisição da capacidade civil.
Fato jurídico stricto sensu processual: incêndio no fórum suspendendo o processo.
Ato Fato: comportamento humano ao qual a lei atribui consequências independentes de ter sido
pretendido ou não (o suporte fático dele é o comportamento humano). No Brasil, deita raízes nos estudos
de Pontes de Miranda. O direito não se importa com a intencionalidade do agente, ou seja, produz efeitos
independentemente do desejo do agente. Ex.: posse de uma criança que permanece em um lote vago
configurando usucapião.
Ato Fato Processual: revelia, por exemplo, que basta a inercia do réu por determinado período,
sem interessar o motivo que o fez inerte.
Ato jurídico: exteriorização consciente da vontade dirigida a uma finalidade conforme o direito. Ato de
vontade. Aqui o ato de vontade tem o desejo de uma consequência jurídica. A exteriorização se da de
duas formas:
Manifestação de vontade: comportamento material sem forma previamente estabelecida. Ex.:
mudança do RJ para Belo Horizonte.
Declaração de vontade: comportamento material dada sob forma previamente estabelecida pela
lei. Ex.: reconhecimento de paternidade.
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a) Ato jurídico stricto sensu: exteriorização da vontade cuja eficácia é pré-determinada pela lei. É um ato de
vontade em que a pessoa deseja conscientemente a consequência, mas a vontade não é capaz de
escolher a categoria jurídica, modular os efeitos do ato. Os efeitos desejados já foram previamente
determinados pelo legislador. Ex.: adoção de uma criança; no processo civil a citação.
Carnelutti dizia que ato jurídico é stricto sensu era um interruptor, pois dependia de vontade, mas os
efeitos para todos eram o mesmo.
Diferença do ato fato X ato fato stricto sensu: no ato jurídico stricto sensu além de uma conduta humana
é preciso que esta seja direcionada a um efeito. Ex.: Nelson tem uma fazenda e resolve abandoná-la. A
consequência disso é a perda da propriedade (ato jurídico stricto sensu).
Diferença ato jurídico stricto sensu X negócio jurídico: autonomia privada existe apenas no negócio jurídico,
isto é, o negócio jurídico é o instrumento por excelência de exteriorização da autonomia privada.
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Autonomia privada é o poder de autodeterminação do sujeito (pessoa jurídica também tem autonomia
privada). Ao praticar um comportamento e se quer praticar efeitos jurídicos desejados estamos diante de um
negocio jurídico.
Compra e venda é um negócio jurídico, pois quando as partes manifestam sua vontade, um de comprar e
outro de vender, tem espaço de liberdade para regrar as consequências jurídicas que desejam. Ex.: clausula de
retrovenda; clausula excluindo responsabilidade jurídica por evicção – são limites do ordenamento jurídico.
Conveniência e oportunidade determinam os efeitos do negocio jurídico, mas não é possível, por exemplo, a
determinação do preço da venda por uma das partes - clausula potestativa.
Toda vez que as partes queiram utilizar a autodeterminação para praticar ato contra o ordenamento haverá
sanções como a invalidade ou a ineficácia.
Ex.: Casamento é negócio jurídico, pois os noivos tem espaço de liberdade para inovar nos regimes de bens.
Cláusula sobre renúncia antecipada de herança quando um dos cônjuges morrer não é possível, pois há
limitação no ordenamento jurídico – cláusula que cria pacto sucessório.
Adoção não é negócio jurídico, pois é ato jurídico stricto sensu que não se submete a termo ou condição.
Ex.: Não podendo, por exemplo, emancipar filho sobre termo ou condição.
Art. 185/CC: Aos atos jurídicos lícitos, que não sejam negócios
jurídicos, aplicam-se, no que couber, as disposições do Título
anterior.
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Este artigo é verdadeiro no que tange ao regime do ato jurídico stricto sensu e negócio jurídico que serão
os mesmo (art. 104 a 184/CC) apenas aquelas que couberem. No entanto, ato jurídico lícito é pleonasmo,
redundância. O correto é ato jurídico lícito stricto sensu. Quando forem contrários ao ordenamento tratar-se-á de
ato ilícito.
Ato ilícito: se distingue de ato jurídico, pois a sua base é um comportamento antijurídico, seja a conduta
omissiva ou comissiva.
Ato ilícito processual: por exemplo, a litigância de má-fé, comportamento antijurídico de uma das
partes no processo.
1. Negócio Jurídico
NCPC incentiva o poder das partes para exercício da autonomia privada nos limites de um processo, ou
seja, encoraja o poder de autodeterminação das partes para criar categorias jurídicas em um processo.
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Art. 854/CC: Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou
em aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exequente, sem
dar ciência prévia do ato ao executado, determinará às instituições
financeiras, por meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade
supervisora do sistema financeiro nacional, que torne indisponíveis
ativos financeiros existentes em nome do executado, limitando-se a
indisponibilidade ao valor indicado na execução.
Negocio jurídico unilateral processual: desistência do recurso tem como consequência o trânsito
em julgado.
Bilaterais: há duas manifestações oposta (convergentes) de vontade para produção de efeitos jurídicos.
Ex.: um quer contrair empréstimo e outro quer emprestar.
Ex.: Remissão só acontece com aceitação do devedor. Remissão é modo de extinção de obrigação.
Negócio jurídico bilateral processual: convenção das partes para suspensão do processo.
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Art. 981/CC: Após a distribuição, o órgão colegiado competente para
julgar o incidente procederá ao seu juízo de admissibilidade,
considerando a presença dos pressupostos do art. 976.
Negócios jurídicos:
Patrimoniais: negócio jurídico clássico. A partir da CF/88 houve a funcionalização do negócio jurídico, ou
seja, sempre foi avaliado pela sua estrutura* para ser válido e eficaz (vontade das partes – agente era
capaz? Havia vício? - e utilidade econômica que ele visava propiciar) e hoje:
*Principio da livre iniciativa e autonomia privada.
Norberto Nobbio (Estrutura e Função) – é preciso preocupar-se também com a função e não apenas com
a estrutura.
Contrato de plano de saúde – estruturalmente para ser válido é necessário capacidade das partes e
objeto lícito. O contrato determina que o prazo de internação é apenas de 10 dias. Observando no plano
estrutural o contrato é valido e eficaz. No entanto, observando a funcionalidade, fere a função do negocio
jurídico.
Ordem econômica no direito civil: o contrato fundado na livre iniciativa, liberdade, tem por fim assegurar
existência digna.
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SÚMULA 302/STJ:
É ABUSIVA A CLÁUSULA CONTRATUAL DE PLANO DE SAÚDE QUE
LIMITA NO TEMPO A INTERNAÇÃO HOSPITALAR DO SEGURADO.
O cerne da questão cinge-se à análise da existência de abuso na cláusula do contrato de plano de saúde que
prevê limite de valor para cobertura de tratamento médico-hospitalar. In casu, a beneficiária de plano de saúde
foi internada em hospital conveniado, em razão de moléstia grave e permaneceu em UTI. Todavia, quando
atingido o limite financeiro (R$ 6.500,00) do custo de tratamento previsto no contrato celebrado entre as partes,
a recorrida (mantenedora do plano de saúde) negou-se a cobrir as despesas médico-hospitalares excedentes. De
fato, o sistema normativo vigente permite às seguradoras fazer constar da apólice de plano de saúde privado
cláusulas limitativas de riscos adicionais relacionados com o objeto da contratação, de modo a responder pelos
riscos somente na extensão contratada. No entanto, tais cláusulas limitativas não se confundem com as cláusulas
que visam afastar a responsabilidade da seguradora pelo próprio objeto nuclear da contratação. Na espécie, a
seguradora de plano de saúde assumiu o risco de cobrir o tratamento da moléstia que acometeu a segurada.
Porém, por meio de cláusula limitativa e abusiva, reduziu os efeitos jurídicos dessa cobertura ao estabelecer um
valor máximo para as despesas hospitalares, tornando, assim, inócuo o próprio objeto do contrato. É que tal
cláusula não é meramente limitativa de extensão de risco porque excludente da própria essência do risco
assumido. O Min. Relator ressaltou que não se pode equiparar o seguro-saúde a um seguro patrimonial, no qual é
possível e fácil aferir o valor do bem segurado, criando limites de reembolso/indenização. Pois, quem segura a
saúde de outrem está garantindo o custeio de tratamento de doenças que, por sua própria natureza, são
imprevisíveis, sendo essa uma das razões que leva a pessoa a contratar seguro de saúde. Assim, seja por violação
das normas do CDC (arts. 4º, 6º, 51) ou do disposto na Lei n. 9.656/1998 e no DL n. 73/1966, deve ser considerada
abusiva a cláusula contratual de seguro-saúde que crie limitação de valor para o custeio de tratamento de saúde
ou de internação hospitalar de segurado ou beneficiário. Com efeito, em observância à função social dos
contratos, à boa-fé objetiva e à proteção à dignidade humana, deve ser reconhecida a nulidade de tal cláusula.
Com essas e outras considerações, a Turma deu provimento ao recurso para, julgando procedente a ação e
improcedente a reconvenção, condenar a seguradora ao pagamento das despesas médico-hospitalares
(deduzindo-se as já suportadas pela recorrida) a título de danos materiais e dos danos morais decorrentes da
cláusula abusiva e da injusta recusa da cobertura securitária pela operadora do plano de saúde, o que causou
aflição à segurada (acometida de moléstia grave que levaria a estado terminal) que necessitava dar continuidade
à sua internação em UTI e ao tratamento médico hospitalar adequado. Precedente citado: REsp 326.147-SP, DJe
8/6/2009. REsp 735.750-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 14/2/2012.
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SEGURO DE SAÚDE. CARÊNCIA. ATENDIMENTO EMERGENCIAL. SITUAÇÃO-LIMITE.
A questão consiste em saber se, em seguro de assistência à saúde, é possível a seguradora invocar prazo de
carência contratual para restringir o custeio dos procedimentos de emergência de que depende o beneficiário do
seguro ao período concernente às doze primeiras horas de atendimento médico-hospitalar, a contar da
internação. No caso, o recorrente ajuizou ação de obrigação de fazer em face da seguradora ora recorrida,
sustentando ser beneficiário do seguro de assistência à saúde firmado com a recorrida. Aduz que, ao ser atendido
no hospital, foi diagnosticada a existência de tumor cerebral maligno, com quadro médico grave e risco de morte,
razão pela qual foi imediatamente internado para posterior intervenção neurocirúrgica. Apesar do caráter
emergencial do exame de ressonância magnética nuclear, foi negada, pela recorrida, a sua cobertura ao
argumento de que o contrato do recorrente estaria sujeito ao prazo de carência de 180 dias a partir da adesão ao
seguro. E que, diante dessa situação, foi sua genitora quem custeou os exames. O juiz a quo julgou procedentes
os pedidos formulados na inicial, obrigando a recorrida a custear todos os procedimentos necessários até a
cessação e extirpação da moléstia, sob pena de arcar com multa diária de R$ 1 mil, determinando, também, o
reembolso dos valores despendidos. Interposta apelação, o tribunal de justiça deu parcial provimento ao recurso
da recorrida para limitar o período da cobertura. O recorrente interpôs recurso especial, que foi admitido. A
Turma entendeu que, diante do disposto no art. 12 da Lei n. 9.656/1998, é possível a estipulação contratual de
prazo de carência, todavia o inciso V, "c", do mesmo dispositivo estabelece o prazo máximo de 24 horas para
cobertura dos casos de urgência e emergência. Os contratos de seguro e assistência à saúde são pactos de
cooperação e solidariedade, cativos e de longa duração, informados pelos princípios consumeristas da boa-fé
objetiva e função social, tendo o objetivo precípuo de assegurar ao consumidor, no que tange aos riscos inerentes
à saúde, tratamento e segurança para amparo necessário de seu parceiro contratual. Os artigos 18, § 6º, III, e 20,
§ 2º, do CDC preveem a necessidade da adequação dos produtos e serviços à legítima expectativa do consumidor
de, em caso de pactuação de contrato oneroso de seguro de assistência à saúde, não ficar desamparado no que
tange a procedimento médico premente e essencial à preservação de sua vida. Como se trata de situação limite
em que há nítida possibilidade de violação de direito fundamental à vida, não é possível a seguradora invocar
prazo de carência contratual para restringir o custeio dos procedimentos de emergência relativos ao tratamento
de tumor cerebral que aflige o beneficiário do seguro. Precedente citado do STF: RE 201819, DJ 27/10/2006; do
STJ: REsp 590.336-SC, DJ 21/2/2005, e REsp 466.667-SP, DJ 17/12/2007. REsp 962.980-SP, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, julgado em 13/3/2012.
É válida a cláusula, prevista em contrato de seguro-saúde, que autoriza o aumento das mensalidades do
seguro quando o usuário completar sessenta anos de idade, desde que haja respeito aos limites e requisitos
estabelecidos na Lei 9.656/1998 e, ainda, que não se apliquem índices de reajuste desarrazoados ou aleatórios,
que onerem em demasia o segurado. Realmente, sabe-se que, quanto mais avançada a idade do segurado,
independentemente de ser ele enquadrado ou não como idoso, maior será seu risco subjetivo, pois normalmente
a pessoa de mais idade necessita de serviços de assistência médica com maior frequência do que a que se
encontra em uma faixa etária menor. Trata-se de uma constatação natural, de um fato que se observa na vida e
que pode ser cientificamente confirmado. Por isso mesmo, os contratos de seguro-saúde normalmente trazem
cláusula prevendo reajuste em função do aumento da idade do segurado, tendo em vista que os valores cobrados
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a título de prêmio devem ser proporcionais ao grau de probabilidade de ocorrência do evento risco coberto.
Maior o risco, maior o valor do prêmio. Atento a essa circunstância, o legislador editou a Lei 9.656/1998,
preservando a possibilidade de reajuste da mensalidade de seguro-saúde em razão da mudança de faixa etária do
segurado, estabelecendo, contudo, algumas restrições a esses reajustes (art. 15). Desse modo, percebe-se que
ordenamento jurídico permitiu expressamente o reajuste das mensalidades em razão do ingresso do segurado
em faixa etária mais avançada em que os riscos de saúde são abstratamente elevados, buscando, assim, manter o
equilíbrio atuarial do sistema. Posteriormente, em razão do advento do art. 15, § 3º, da Lei 10.741/2003 (Estatuto
do Idoso) que estabelece ser “vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores
diferenciados em razão da idade”, impõe-se encontrar um ponto de equilíbrio na interpretação dos diplomas
legais que regem a matéria, a fim de se chegar a uma solução justa para os interesses em conflito. Nesse passo,
não é possível extrair-se do art. 15, § 3º, do Estatuto do Idoso uma interpretação que repute, abstratamente,
abusivo todo e qualquer reajuste que se baseie em mudança de faixa etária, mas tão somente o aumento
discriminante, desarrazoado, que, em concreto, traduza verdadeiro fator de discriminação do idoso, por visar
dificultar ou impedir a permanência dele no seguro-saúde; prática, aliás, que constitui verdadeiro abuso de
direito e violação ao princípio da igualdade e divorcia-se da boa-fé contratual. Ressalte-se que o referido vício –
aumento desarrazoado – caracteriza-se pela ausência de justificativa para o nível do aumento aplicado. Situação
que se torna perceptível, sobretudo, pela demasiada majoração do valor da mensalidade do contrato de seguro
de vida do idoso, quando comparada com os percentuais de reajustes anteriormente postos durante a vigência
do pacto. Igualmente, na hipótese em que o segurador se aproveita do advento da idade do segurado para não só
cobrir despesas ou riscos maiores, mas também para aumentar os lucros há, sim, reajuste abusivo e ofensa às
disposições do CDC. Além disso, os custos pela maior utilização dos serviços de saúde pelos idosos não podem ser
diluídos entre os participantes mais jovens do grupo segurado, uma vez que, com isso, os demais segurados iriam,
naturalmente, reduzir as possibilidades de seu seguro-saúde ou rescindi-lo, ante o aumento da despesa imposta.
Nessa linha intelectiva, não se pode desamparar uns, os mais jovens e suas famílias, para pretensamente evitar a
sobrecarga de preço para os idosos. Destaque-se que não se está autorizando a oneração de uma pessoa pelo
simples fato de ser idosa; mas, sim, por demandar mais do serviço ofertado. Nesse sentido, considerando-se que
os aumentos dos seguros-saúde visam cobrir a maior demanda, não se pode falar em discriminação, que somente
existiria na hipótese de o aumento decorrer, pura e simplesmente, do advento da idade. Portanto, excetuando-se
as situações de abuso, a norma inserida na cláusula em análise – que autoriza o aumento das mensalidades do
seguro em razão de o usuário completar sessenta anos de idade – não confronta o art. 15, § 3º, do Estatuto do
Idoso, que veda a discriminação negativa, no sentido do injusto. Precedente citado: REsp 866.840-SP, Quarta
Turma, DJe 17/8/2011. REsp 1.381.606-DF, Rel. originária Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. João
Otávio De Noronha, julgado em 7/10/2014.
No caso em que o serviço de home care (tratamento domiciliar) não constar expressamente do rol de
coberturas previsto no contrato de plano de saúde, a operadora ainda assim é obrigada a custeá-lo em
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substituição à internação hospitalar contratualmente prevista, desde que observados certos requisitos como a
indicação do médico assistente, a concordância do paciente e a não afetação do equilíbrio contratual, como nas
hipóteses em que o custo do atendimento domiciliar por dia supera a despesa diária em hospital. Isso porque o
serviço de home care constitui desdobramento do tratamento hospitalar contratualmente previsto, serviço este
que, a propósito, não pode sequer ser limitado pela operadora do plano de saúde, conforme a Súmula 302 do STJ
("É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado").
Além do mais, nota-se que os contratos de planos de saúde, além de constituírem negócios jurídicos de consumo,
estabelecem a sua regulamentação mediante cláusulas contratuais gerais, ocorrendo a sua aceitação por simples
adesão pelo segurado. Por consequência, a interpretação dessas cláusulas contratuais segue as regras especiais
de interpretação dos contratos de adesão ou dos negócios jurídicos estandardizados, como aquela segundo a qual
havendo dúvidas, imprecisões ou ambiguidades no conteúdo de um negócio jurídico, deve-se interpretar as suas
cláusulas do modo mais favorável ao aderente. Nesse sentido, ainda que o serviço de home care não conste
expressamente no rol de coberturas previstas no contrato do plano de saúde, havendo dúvida acerca das
estipulações contratuais, deve preponderar a interpretação mais favorável ao consumidor, como aderente de um
contrato de adesão, conforme, aliás, determinam o art. 47 do CDC ("As cláusulas contratuais serão interpretadas
de maneira mais favorável ao consumidor"), a doutrina e a jurisprudência do STJ em casos análogos ao aqui
analisado. REsp 1.378.707-RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 26/5/2015, DJe 15/6/2015.
Existenciais: compreende-se a partir do momento que se entende que a autonomia privada não cuida
apenas de questões econômicas e sim um espaço de liberdade da pessoa para perseguir seu estilo de vida
ou livre desenvolvimento da personalidade. Ex.: doação de órgãos em vida; gestação de substituição;
diretivas antecipadas para eutanásia.
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Promover a dignidade no direito civil é conceder mínimo existencial, dar autonomia para que as partes possam
praticar ato existenciais. Promover a dignidade no direito processual civil significa promover a autonomia das
partes para autoregrar a construção de um procedimento.
Este artigo é uma cláusula geral sobre negociação no processo – norma aberta de conteúdo vaga que
concede espaço para que as partes negociem sobre aspectos do processo - negócio jurídicos processuais típicos.
Ex.: prazo para apresentação provas.
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aquele que não se formou por falta
de pressuposto material para sua
constituição.
Declaração de inexistência do
negócio jurídico – Ex.:João vende
casa para José, mas o verdadeiro
dono é o Nelson. João falsifica
documento. Para Nelson é negócio
jurídico inexistente devendo pedir
declaração de inexistência do
negócio jurídico, para que não
ocorra usucapião.
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MATERIAL DE APOIO
ANOTAÇÃO DE AULA
SUMÁRIO
1. Plano da validade
2. Nulidade do negócio jurídico
2.1 Causas de nulidade – art. 166/CC
1. Plano da validade
Pontes de Miranda: O negócio jurídico inexistente não existe para a lei. Já o negócio jurídico inválido existe contra
a lei. Sendo o negócio ilícito inválido é contrario ao ordenamento jurídico.
Validade
Trata-se da qualidade do negócio jurídico que está em conformidade com o ordenamento jurídico.
Ex.: “você tem assinar o contrato, caso contrário matarei sua mãe” - coação moral tem vontade, mas é viciada.
Requisitos indispensáveis para validade do negócio jurídico: Art. 104, incisos I, II e III/CC.
Nunca confundir o vício do negócio jurídico com a invalidade, pois o vício é a causa e a invalidade é a
sanção, ou seja, um negócio jurídico tem agente incapaz ou foi praticado com dolo e o negócio jurídico é a causa
de origem. A invalidade é a medida que é estabelecida pelo sistema para reforçar a observância da norma, a
consequência.
Art. 104/CC: - A validade do negócio jurídico
requer:
I- agente capaz;
II-objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III-forma prescrita ou não defesa em lei
I - Celebrado por pessoa absolutamente incapaz – erro, pois o detalhe é a celebração pessoal por absolutamente
incapaz que deve ser substituído no exercício do direito (menor de 16 anos).
II – ilícito, impossível ou indeterminável seu objeto - gera maiores controvérsias do art. 166/CC – objeto contrário
ao direito e não aceito pelo ordenamento jurídico.
Ex.: contrato com os filhos sobre herança – art. 426/CC. Não aceita pacto sucessório. Herança só pode ser
transmitida por testamento.
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Art. 426/ CC: Não pode ser objeto de contrato a
herança de pessoa viva.
Ex.: contrato para venda de um rim – objeto ilícito, ofensa da dignidade da pessoa humana.
Ex.: leilão de virgindade; mulher que aceita quantia em dinheiro para fazer cirurgia de laqueadura de trompas –
limites morais do mercado.
Há dois questionamentos: estariam esses direitos ligados a autonomia existencial? Ou o objeto é ilícito? Seria
uma corrupção (o corpo da mulher está sendo corrompido). Segundo argumento: falta de liberdade, necessidade
econômica preme a liberdade.
Ilicitude está na causa do negócio jurídico. Este artigo não existia no CC/16
Causa é o motivo determinante comum à ambas as partes – é sempre objetivo, pois é um objetivo comum aos
participantes. Ex.: Empréstimo para locação para construção de prostibulo.
X
Motivo é algo subjetivo e unilateral – não interessam ao direito.
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Apenas a vontade não representa interesse para o direito, apenas havendo interesse quando manifestada
ou declarada (exteriorização).
Quem se cala em princípio não quer dizer nada. Mas sendo um silêncio eloquente e qualificado pelas
circunstancias poderá configurará a aceitação de um negócio jurídico.
O art. 541/CC é um negócio jurídico formal (não é negócio jurídico solene é mais que negócio jurídico formal, pois
só aceita escritura pública para ser formado). Ex.: 108/CC
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Art. 108/ CC: Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é
essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição,
transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre
imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo
vigente no País.
Se prevalecer a autonomia haverá intenção de burlar o fisco - Enunciado 562 critérios objetivos.
Informativo 562 - STJ – Aos casos do art. 931 do Código Civil aplicam-
se as excludentes da responsabilidade objetiva.
Nada impede que se faça um contrato que em tese se realize em instrumento público particular e as partes
estabeleçam que haja cláusula de imposição de forma convencionada, ou seja, as partes por meio de negócio
jurídico atribuem solenidade superior aquela exigida pela lei
No NCPC só se pode impor forma quando necessária para garantir a segurança jurídica, prevalecendo o princípio
da instrumentalidade das formas – art. 277/ NCPC.
No direito civil se tem vício é nulo e acabou. O que interesse é a constatação do vício ou da causa.
VI – objetivo de fraudar lei imperativa (novidade do CC/02): valoriza a causa do negocio jurídico.
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Ex.: Atraso de taxa condominial – CC/02 reduziu multa de 20% para 2%. Tentaram burlar a lei estabelecendo que
o condomínio que é 1000 reais aumentaria de 1000 para 1300 reais e dá um desconto de 20% para quem pagar
até dia 5. Seria um sanção premial. O objetivo do condomínio era fraudar a lei, alguém quer burlar a norma por
vias obliquas.
VII – a lei taxativamente declarar nulo (nulidade textual – norma declara que é nulo). A lei pode apenas proibir
prática do ato.
Cláusula geral que trata dos acordos processuais. As partes não podem tudo.
Nulidade negócio jurídico – se houver prejuízo financeiro cumula-se pretensão de nulidade + pretensão
indenizatória.
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Art. 168,caput/CC: As nulidades dos artigos antecedentes podem ser
alegadas por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público,
quando lhe couber intervir.
Toda nulidade é absoluta. Não existe nulidade relativa, pois proveniente de vício que atinge norma pública
(qualquer interessado pode fazer).
Simulação é causa de nulidade. Se juiz verifica que há simulação o próprio juiz pode suscitar.
Crítica: Esta súmula afronta direito civil e constitucional. A parte não pleiteou nada – princípio da
correlação. O direito civil atual ensina que a nulidade é absoluta. O contrato bancário tem algo diferente?
Art. 51 do CDC coloca dentre as cláusulas abusivas aquelas que coloquem o consumidor em posição de
desvantagem.Contraria a sumula 297/STJ .
Súmula 297 STJ- O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às
instituições financeiras
Não existe nulidade de pleno direito. O vício que é a causa é sim perceptível imediatamente. A nulidade não é de
pleno direito. O negócio jurídicos é nulo após sentença ou seja, toda invalidade é genética, mas enquanto
ninguém fala que existe um vício e julga procedente a ação declaratório de nulidade – efeitos retroativos da
sentença determina que seja nulo ab initio.
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Nulidade de pleno direito existe no direito administrativo – invalidação dos próprios ato que entenda nulos.
É impossível convalidar uma nulidade. Em princípio o negócio jurídico seria insanável. Mas é possível se falar em
sanar o negócio jurídico nulo.
Art. 169/CC – não convalesce pelo decurso do tempo. A nulidade é insanável e imprescritível?
Caio Mário da Silva Pereira – defende a tese de que mesmo o que é nulo prescreve. No CC/1916 o prazo era de
20 anos. Hoje se o negócio jurídico é nulo e a nulidade prescreve em 10 anos. O objetivo dessa tese é trazer
segurança jurídica.
Humberto Theodoro Junior – tese híbrida. A nulidade pode ou não prescrever. Prescreve em todas as situações
que o ato já foi executado. Quando não foi sequer executada a nulidade não prescreve podendo ser suscitada a
qualquer tempo.
Ex.: Joao e Maria se casam – casamento é nulo. Após 15 anos o MP descobre que é nula e ajuíza ação de nulidade.
A essa altura o casal tem bens, filhos, ou seja, haveria quebra das estabilidades do negócio jurídico.
Ex.: Nelson vende para damasiano uma joia por 10 mil. Damasiano tinha 15 anos e assina sem a presença de sem
pai e mãe. Trata-se então de um negócio jurídico nulo. Em 2040 Nelson pede execução para exigir pagamento. O
negócio jurídico não produziu efeitos naquele momento e portanto a nulidade não prescreve.
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Nulidade é a forma mais grave de gênero invalidade e ofende normas de ordem pública. Por isso o CC teve que
limita-las ao art. 166.CC. Invalidade é congênita, originária.
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MATERIAL DE APOIO
ANOTAÇÃO DE AULA
SUMÁRIO
A anulabilidade visa combater negócio jurídico cujo déficit é uma ofensa a interesses particulares, por isso
mais leve que a nulidade.
2. Hipóteses de anulabilidade
Só existem 3, são elas:
a) Incapacidade relativa do agente (ato praticado pelo maior de 16 e maior de 18 anos; atos praticados por
relativamente incapazes);
b) Por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude - chamados de defeitos do
negócio jurídico. Cinco deles são vícios do consentimento (erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão -
aquilo que a pessoa quer não coincide com aquilo que ela exteriorizou – divergência entre vontade
externa e interna) e um deles é vicio social, que é a fraude contra credores (a pessoa declara com o
proposito de prejudicar terceiros).
c) Além dos casos expressamente declarados na lei – há casos dispersos no Código Civil. São artigos que se
aplica a anulabilidade. Não existe anulabilidade virtual, toda anulabilidade é textual.
Pontes de Miranda – é a regra da eventualidade. A nulidade opera por força de lei e a anulabilidade opera na
eventualidade da vontade do prejudicado, ou seja, na anulabilidade só será sanção se o próprio interessado
ajuizar ação de anulabilidade do negócio jurídico.
O interessado alega anulabilidade por meio de ação na qual pretenda que o juiz decrete a anulabilidade
ou o prejudicado (réu) alegando na contestação – exceção substancial que é uma defesa indireta de mérito. Se
esquecer de alegar é direito disponível e preclui.
A nulidade na contestação é uma objeção de direito material, pois diz respeitos a fatos modificativos ou
extintivos que podem ser alegados pelo MP ou pelo juiz a qualquer momento (≠ da exceção).
Ex1.: Negócio jurídico praticado em 2016 que teve dolo. Se há dolo esse negócio jurídico é anulável. Em 2017
pode fazer documento dizendo que sabe que agiu com dolo e confirmando ainda assim o negócio jurídico? Sim,
como se trata de direitos privados e disponíveis, pode sanar/confirmar a anulabilidade, ou seja, pode convalidar o
negócio jurídico. O negócio jurídico nasceu inválido, mas a convalidação transforma-o em válido. Negócio jurídico
não receptício, não precisa da declaração de vontade do outro.
Trata-se de uma declaração de vontade onde a pessoa explicitamente quis confirmar o negócio jurídico –
declaração expressa.
Ex2.: A tinha 17 anos em 2016 e fez negócio jurídico sem assistência. Trata-se então de negócio jurídico anulável.
Seis meses depois pode o pai e a mãe convalidar o negócio jurídico que o filho fez sem a assistência? Sim.
A confirmação feita por terceiros, chama-se assentimento posterior daqueles que tinham que participar.
Ex3.: um exemplo comum é venda de imóvel sem vênia conjugal. Cônjuge posteriormente concede vênia.
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ATENÇÃO: É dispensável na união estável? Hoje em dia, mesmo sendo união estável, se os companheiros tem
contrato escrito levando ao registro imobiliário qualquer transação sobre o bem feita sem vênia é anulável.
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Súmula 332/STJ: A fiança prestada sem autorização de um dos
cônjuges implica a ineficácia total da garantia.
Ratificação é um termo que deve ser abolido no plano da validade, pois só é válido no plano da eficácia.
Ex.: A como gestor dos negócios de C vende para B um carro. C é o gerido e não manifestou vontade de vender.
Se ainda assim C decidir aprovar o ato praticado pelo gestor praticará ratificação da gestão (ato formal que dá
eficácia ao ato praticado pelo gestor).
A confirmação pela própria pessoa e por terceiro são formas de confirmação expressas.
Ex.4: Nelson faz negócio jurídico com Damasiano e usa de coação para vender um imóvel que seria pago em 10
prestações. Damasiano paga até a sexta prestação e não paga mais. Posteriormente, ajuíza ação para invalidar
ato anulável. Houve nesse caso uma confirmação tácita do negócio jurídico não sendo cabível a ação. Seria
comportamento manifestamente contrário a boa-fé objetiva – venire contra factum proprium. Esse cumprimento
“espontâneo” do contrato configura o venire contra factum proprium – prática parcial do negócio jurídico.
Ex.5: Damasiano faz negócio jurídico com Nelson em 2016. Mas Damasiano tem 16 anos e não foi assistido. Em
2023 faz ação para anular negócio jurídico. Os pais não apareceram em momento oportuno para participar do
negócio jurídico. Aos 18 anos começa prazo decadencial de 4 anos para ajuizar ação. Em 2022 houve a decadência
para anular o negócio jurídico, portanto, houve convalidação tácita.
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Art. 496/CC: É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo
se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente
houverem consentido.
O art. 496/CC configura uma hipótese de anulabilidade textual. Nessa hipótese, o prazo é de 2 anos.
Este enunciado substitui a tese tradicional (teoria objetiva da actio nata) por uma teoria subjetiva da
ciência do ato pelos eventuais interessados.
Não existe a expressão “nulidade absoluta”, é uma redundância, pois toda nulidade é absoluta. Quem
alega é qualquer pessoa interessada na nulidade.
No entanto, a anulabilidade é sempre relativa, pois é relativa apenas ao prejudicado e apenas ele terá
legitimidade para reclamá-la.
Gênero: Invalidade
Espécies:
a) Nulidade – absoluta
b) Anulabilidade – relativa
Existe uma parte da doutrina minoritária que criou uma nulidade relativa (é um híbrido de nulidade com
anulabilidade, pois tem caraterística das duas).
Justifica-se:
Nulidade, pois se aplicaria a normas de ordem pública, ofensa a regras cogentes.
Relativa, pois não obstante uma nulidade só poderia ser alegada pelo prejudicado dentro dos prazos
decadenciais.
Ex.: art. 504/CC – condomínio que pertence a vários donos e Nelson vende a um Damasiano sem dar direito de
preferência aos demais condôminos. Trata-se de causa de nulidade virtual. O condômino que se sentir
prejudicado pode requer no prazo decadencial de 180 dias a nulidade. Trata-se, portanto, de nulidade relativa.
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depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranhos, se o
requerer no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de decadência.
Ex.: Quando o negócio jurídico é nulo – art. 166/CC – por exemplo, tendo o objeto ilícito, surge no nascimento do
ato. Em 2020, o juiz dá a sentença onde decreta a nulidade do negócio jurídico. A consequência é: a natureza
dessa sentença é declaratória, pois tem efeito ex tunc para declarar que o negócio jurídico nunca foi apto a
produzir seus efeitos. A causa de invalidade é genética, busca a invalidade desde sua fonte.
Ex.: Em 2016 Nelson faz um negócio jurídico com Damasiano de compra e venda com dolo. O negócio jurídico é
anulável e esse vício é genético, na origem do negócio jurídico. Em 2018 o juiz dá sentença reconhecendo que o
negócio jurídico padece de anulabilidade. A sentença tem efeito ex tunc (não é ex nunc). A anulabilidade como
espécie de invalidade e tendo a invalidade causa na origem haverá eficácia retroperante também, ou seja, essa
decisão não produzirá natureza declaratória e terá natureza desconstitutiva, pois vai retroagir a 2016 e o
conteúdo da sentença irá desfazer os atos do negócio jurídico (dinheiro devolvido e imóvel reestabelecido).
Anulabilidade é vicio menos grave e, enquanto o juiz não decreta anulabilidade, o negócio jurídico produz efeitos
transitórios ou interinos. A carga eficacial é maior do que a eficácia da sentença declaratória. Expurgará os efeitos
intermediários.
Supondo que não houve nenhuma sentença dizendo que havia anulabilidade, em 2018 o Damasiano diz
que quer confirmar o negócio jurídico, seja ela expressamente ou havendo confirmação tácita, o que acontece
quando há essa confirmação? Há a convalidação, pois aquilo que era originariamente inválido torna-se válido,
pois no momento da conformação os efeitos transitórios se revertem em efeitos definitivos. As consequências
que estavam em situação de pendência transformam-se em definitivos.
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Não é possível falar em confirmação do nulo, pois ele nunca produziu efeitos pendentes (Código Civil fala
isso).
Cada vez mais a nulidade do negócio jurídico sofre ponderação com outros valores importantes ao
sistema e assim muitas vezes o negócio jurídico mesmo sendo nulo produzirá efeitos.
Ex.: Damasiana casa com A. Descobre tempos depois que A já era casado e este casamento é nulo. Damasiana
tinha como saber? Não. Agiu de boa-fé? Sim. O Código Civil admite que seja um casamento putativo e, portanto
ainda que seja nulo produza efeitos a favor da Damasiana.
Ex.: João morreu e o único parente foi o irmão José. José tornou-se sucessor universal de 6 apartamentos. José
vende 1 imóvel para um Damasiano. Três anos após a venda aparece Júnior que se diz filho de João. Ajuiza, então,
uma ação de investigação de paternidade e petição de herança sendo procedente. Herdeiros da parte mais
próxima afasta herdeiros mais remotos. A venda por non domino é nula. O terceiro de boa-fé adquiriu imóvel do
herdeiro aparente e, portanto é um erro escusável. A solução será de que o negócio jurídico produzirá efeitos e o
Damasiano ficará com imóvel. Júnior deve pedir indenização ao tio pelo imóvel vendido.
O negócio jurídico oneroso é que sustenta a nulidade. Se o Sr. José tivesse doado não se aplicaria isto.
Obs.: Direito trabalhista – Teoria das Nulidades em regra é vista de forma completamente diferente.
Ex.: em um contrato de trabalho com empregado com 15 anos de idade em que depois descobre-se a nulidade.
Se aplicada a nulidade do direito civil, retroagirá. Na justiça do trabalho a nulidade será ex nunc, ou seja, aquele
que trabalhou despendeu energia que devem ser pagos – direito trabalhista e previdenciário.
Às vezes o que o STF faz é simplesmente dizer que a norma é inconstitucional, mas para o futuro. Todos
os efeitos da lei inconstitucional até aquele dia seria salvaguardados.
Ainda pode marcar um termo futuro a partir do qual ela não produza efeitos. Pode ainda dizer que é
inconstitucional, mas afastar a inconstitucionalidade até o legislador se manifeste.
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Art. 27 da Lei 9868/99: Ao declarar a inconstitucionalidade de lei, e
tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional
interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de
dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração
ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em
julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
Ex.: direito de família – “adoção à brasileira” – sujeito sabe que a criança não é dele e registra como se fosse pai.
Esse é um ato nulo, mas os Tribunais entendendo a paternidade afetiva e a posse do estado de filho, não poderá
o pai dizer que não sabia.
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concebe a conformação dessa espécie de filiação quando o apontado pai incorre em qualquer dos vícios de
consentimento. Ademais, sem proceder a qualquer consideração de ordem moral, não se pode obrigar o pai
registral, induzido a erro substancial, a manter uma relação de afeto igualmente calcada no vício de
consentimento originário, impondo-lhe os deveres daí advindos sem que voluntária e conscientemente o queira.
Além disso, como a filiação sociafetiva pressupõe a vontade e a voluntariedade do apontado pai de ser assim
reconhecido juridicamente, caberá somente a ele contestar a paternidade em apreço. Por fim, ressalte-se que é
diversa a hipótese em que o indivíduo, ciente de que não é o genitor da criança, voluntária e expressamente
declara o ser perante o Oficial de Registro das Pessoas Naturais (“adoção à brasileira”), estabelecendo com esta, a
partir daí, vínculo da afetividade paterno-filial. Nesta hipótese – diversa do caso em análise –, o vínculo de
afetividade se sobrepõe ao vício, encontrando-se inegavelmente consolidada a filiação socioafetiva (hipótese,
aliás, que não comportaria posterior alteração). A consolidação dessa situação – em que pese antijurídica e,
inclusive, tipificada no art. 242 do CP –, em atenção ao melhor e prioritário interesse da criança, não pode ser
modificada pelo pai registral e socioafetivo, afigurando-se irrelevante, nesse caso, a verdade biológica. Trata-se
de compreensão que converge com o posicionamento perfilhado pelo STJ (REsp 709.608-MS, Quarta Turma, DJe
23/11/2009; e REsp 1.383.408-RS, Terceira Turma, DJe 30/5/2014). REsp 1.330.404-RS, Rel. Min. Marco Aurélio
Bellizze, julgado em 5/2/2015, DJe 19/2/2015.
Negócio jurídico nulo não pode ser convalidado, confirmado, mas é possível salvar?
Sim, diante do principio da conservação do negócio jurídico o legislador impõe ao magistrado e a todos de
cumprir um dever de fazer o máximo para conservar o negócio jurídico. Se for conservado mesmo que nulo na
origem, poderá produzir seus efeitos.
Ex.: Contrato com 28 cláusulas e uma das cláusulas é nula. Se contrato for levado ao juiz nulificando a cláusula
desproporcional, o resto do contrato será preservado? Sim, pois toda vez que há um negócio jurídico complexo
(com várias cláusulas distintas) havendo nulidade, o esforço do juiz será de separar a parte nula daquela válida.
Trata-se da invalidação parcial do negócio jurídico.
Conversão substancial do negócio jurídico: “visa atribuir ao negócio jurídico qualificação distinta da pretendida
pelos agentes para alcançar a finalidade prática que levou a sua conclusão”.
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Art. 170/CC: Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos
de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes
permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a
nulidade
Ex.: Nelson vende apartamento de 1 milhão de reais por instrumento particular é nulo, pois não atendeu
forma prevista em lei. É negócio jurídico solene. Os dois queriam o negócio jurídico. A conversão quer dizer que
quando o processo estiver na mão do juiz, as partes dirão que querem que se dê validade ao negócio jurídico
pedindo a ele que derrogue a forma e dê mais valor ao conteúdo. Pede-se requalificação do negócio jurídico que
receba não como compra e venda, mas como promessa de compra e venda que atende à finalidade das partes já
que pode ser feita sem solenidade. Altera a substância do negócio jurídico para expurgar a nulidade. Lógica de
operabilidade e efetividade.
Obs,1: não se converte negócio jurídico ilícito em lícito – não é possível salvar.
Obs.2: se examinador disser que fez testamento e quando é o testamento cerrado sem requisitos o juiz invalidaria
o testamento, é possível convertê-lo em testamento privado? Sim, já que no privado não haveria aquele vício.
Isso é uma conversão formal, pois não altera substância, era testamento e continua sendo testamento.
Às vezes o negócio jurídico é válido, tem todos os requisitos do art. 104/CC, mas é ineficaz não
produzindo seus efeitos. Isso se justifica por fatores externos ao negócio jurídico. Existem fatores extrínsecos.
Ex.: Nelson faz testamento hoje e é valido, só começando a produzir efeitos a partir da morte. É negócio jurídico
válido, mas de eficácia diferida no tempo. A eficácia é superveniente.
Ex.: casal faz pacto antinupcial de universalidade bens que só vai produzir efeitos do matrimônio em diante.
O negócio jurídico é válido, mas que não produz efeito chama-se de ineficácia absoluta.
Negócio jurídico processual unilateral: desistência da ação – é válido, mas só produz efeitos após a homologação
judicial.
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MATERIAL DE APOIO
ANOTAÇÃO DE AULA
SUMÁRIO
“Não são elementos intrínsecos ao tipo do negócio jurídico, mas elementos facultativos que expressam uma
autolimitação de vontade destinada a modular os efeitos do negócio jurídico”.
1.1 Termo
Conceito: Cláusula que subordina o início ou fim da eficácia do negócio jurídico a um evento futuro e certo.
Atributos de um termo:
Futuridade;
Certeza;
Voluntariedade.
Ex.: contrato de mútuo firmado entre Nelson e Damasiano realizado em janeiro de 2016 emprestando 10 mil
reais. Dívida deve ser paga em novembro de 2016 (termo inicial – evento futuro e certo no qual o Damasiano
estará obrigado a pagar).
O termo é novembro de 2016 – significa que só em nov/16 Nelson poderá ter o exercício do direito, pois
apenas nessa data esse crédito pode ser cobrado (exigibilidade do crédito) e havendo uma violação ao crédito
será pago a pretensão.
O termo modula a eficácia do negócio jurídico na medida em que proscrastina o exercício do direito.
1.2 Condição
Há apenas uma falta de diligência: pode haver condição em negócio jurídico unilateral. Ex.: Nelson
promete dar recompensa a quem achar livro, mas apenas em perfeito estado.
Na condição há um evento futuro e incerto. No termo também pode haver uma incerteza, pois nem
sempre se sabe o momento que acontecerá. A incerteza da condição é em relação ao evento se acontecerá ou
não. Só existe em negócio jurídico. Não existe em ato jurídico stricto sensu.
Condição suspensiva: cláusula que subordina o começo da eficácia do negócio jurídico ao implemento de
evento futuro e incerto.
Ex.: Nelson diz a Damasiano em 2016 que tem cobertura na Av. Vieira Souto e que dará esse apartamento a ele
quando o Atlético Mineiro for campeão mundial. Em 2016 o Damasiano tem direito eventual ou direito
expectativo.
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Direito eventual ou direito expectativo: “irradiação de efeito de negócio jurídico que já existe, embora a
aquisição do direito principal esteja na dependência de evento futuro e incerto.” Direito a adquirir direito
futuro. É mais que expectativa de direito.
≠
Expectativa de direito: “refere-se a um fato jurídico que ainda não ocorreu e que se ocorrer produzirá o
efeito esperado”. Ex.: “o dia que meu pai morrer vou ter uma herança”.
Enquanto o ATLÉTICO MINEIRO não for campeão mundial chama-se o período de pendência, pois continua com
direito eventual.
Enquanto o negócio jurídico está no período de pendência possui efeitos mínimos, embora não seja efeito
pleno.
Em 2080 o ATLÉTICO MINEIRO foi campeão mundial e o Damasiano adquiriu o direito
expectado/adquirido. O Damasiano adquire esse bem com efeito retroativo – as partes retroagem ao início.
Opera efeitos ex tunc em caráter erga omnes.
No entanto, em 2025 o imóvel foi vendido para Pedro. O negócio jurídico é entre Nelson e Damasiano. O
Damasiano poderá então retirar o imóvel de Pedro, uma vez que tem efeito retroperante. Deve haver registro na
matricula do imóvel para tanto.
Ex.: contrato celebrado entre Nelson e Damasiano em que Nelson dá um carro ao Damasiano e se até 2020 não
passar em concurso perde carro.
Se em 2020 o Damasiano não passou em nenhum concurso Nelson volta a ser proprietário do veículo. A
propriedade do carro do Damasiano se resolve, é extinta. Retorna em caráter retroativo.
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Se em 2018 Damasiano vender o carro para Pedro, o negócio jurídico é válido, mas a partir do momento
em que o contrato foi registrado e houve publicidade a respeito disso, Pedro perderá o carro.
1.3 Encargos
Restrição imposta a um negócio jurídico gratuito em que o beneficiário cumprirá uma obrigação, sem que
esta configure uma contraprestação.
A condição suspende, mas não obriga. O encargo obriga, mas não suspende.
O encargo é apenas uma cláusula acessória, no qual se insere uma limitação a uma liberalidade
(obrigação de dar, fazer ou não-fazer). Trata-se sempre de algo relacionado a um contrato unilateral.
Sim.
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Ao invés de revogar, pode haver tutela específica.
Ex.: banqueiro Pedro Conde fez um testamento para USP dando 1 milhão de desde que uma sala da USP tivesse
seu nome. Alguns setores da USP rejeitaram. Família ajuizou ação.
Desses defeitos, 5 deles são vícios do consentimento/vícios da vontade. Apenas um é vício social.
2.1 Erro
O vício do consentimento se dá quando aquilo que uma pessoa quer no seu íntimo não coincide com
aquilo que ela declara. Há divergência entre o que quer e o que declara.
Conceito: Falsa representação da realidade que influencia de maneira determinante a manifestação de vontade.
Pessoa que erra tem noção dos fatos incompatível com a realidade. A pessoa espontaneamente emite
vontade diversa daquela que emitiria que se soubesse a verdade. Há sempre espontaneidade.
Requisitos:
Erro substancial/essencial: é aquele erro que se o agente tivesse percebido, ele jamais teria praticado o
negócio jurídico. Pode se dar, em princípio, em relação a natureza ou objeto – art. 139, inc. I/CC.
Quanto à natureza: figura contratual não é mesma - acha que foi doação e foi na verdade um
empréstimo.
Quanto ao objeto: relógio de ouro que na verdade é de latão – “Comprar gato por lebre”
Não se confunde com vício redibitório não há vício de consentimento. Ex.: relógio é de ouro, mas não funciona.
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Identidade ou qualidade essencial da pessoa – art. 139, inc. II/CC
Ex.: A casa com B e descobre depois de anos que o cônjuge é líder de facção criminosa. O casamento pode ser
anulado por vicio de vontade.
Não confundir o erro de direito com LINDB – não houve aqui intenção de se escusar .
Ex.: Doação para Sr. José que salvou a vida do Nelson no dia 04.08.04
Família diz que, na verdade, foi no dia 05.08.04. É erro acidental e portanto não anula negócio jurídico.
Ex.: criança completa 8 anos de idade mãe diz que o filho não é de A. A família sócio afetiva se formou em
virtude do erro. A posse do estado de filho requer voluntariedade. Pode a paternidade ser desconstituída.
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Art. 1.604/CC: Ninguém pode vindicar estado contrário ao que
resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou
falsidade do registro.
Admitiu-se a desconstituição de paternidade registral no seguinte caso: (a) o pai registral, na fluência de união
estável estabelecida com a genitora da criança, fez constar o seu nome como pai no registro de nascimento, por
acreditar ser o pai biológico do infante; (b) estabeleceu-se vínculo de afetividade entre o pai registral e a
criança durante os primeiros cinco anos de vida deste; (c) o pai registral solicitou, ao descobrir que fora traído,
a realização de exame de DNA e, a partir do resultado negativo do exame, não mais teve qualquer contato com
a criança, por mais de oito anos até a atualidade; e (d) o pedido de desconstituição foi formulado pelo próprio
pai registral. De fato, a simples ausência de convergência entre a paternidade declarada no assento de
nascimento e a paternidade biológica, por si só, não autoriza a invalidação do registro. Realmente, não se impõe
ao declarante, por ocasião do registro, prova de que é o genitor da criança a ser registrada. O assento de
nascimento traz, em si, essa presunção. Entretanto, caso o declarante demonstre ter incorrido, seriamente, em
vício de consentimento, essa presunção poderá vir a ser ilidida por ele. Não se pode negar que a filiação
socioativa detém integral respaldo do ordenamento jurídico nacional, a considerar a incumbência constitucional
atribuída ao Estado de proteger toda e qualquer forma de entidade familiar, independentemente de sua origem
(art. 227 da CF). Ocorre que o estabelecimento da filiação socioafetiva perpassa, necessariamente, pela vontade
e, mesmo, pela voluntariedade do apontado pai, ao despender afeto, de ser reconhecido como tal. Em outras
palavras, as manifestações de afeto e carinho por parte de pessoa próxima à criança somente terão o condão de
convolarem-se numa relação de filiação se, além da caracterização do estado de posse de filho, houver, por parte
do indivíduo que despende o afeto, a clara e inequívoca intenção de ser concebido juridicamente como pai ou
mãe da criança. Portanto, a higidez da vontade e da voluntariedade de ser reconhecido juridicamente como pai
consubstancia pressuposto à configuração de filiação socioafetiva no caso aqui analisado. Dessa forma, não se
concebe a conformação dessa espécie de filiação quando o apontado pai incorre em qualquer dos vícios de
consentimento. Ademais, sem proceder a qualquer consideração de ordem moral, não se pode obrigar o pai
registral, induzido a erro substancial, a manter uma relação de afeto igualmente calcada no vício de
consentimento originário, impondo-lhe os deveres daí advindos sem que voluntária e conscientemente o queira.
Além disso, como a filiação sociafetiva pressupõe a vontade e a voluntariedade do apontado pai de ser assim
reconhecido juridicamente, caberá somente a ele contestar a paternidade em apreço. Por fim, ressalte-se que é
diversa a hipótese em que o indivíduo, ciente de que não é o genitor da criança, voluntária e expressamente
declara o ser perante o Oficial de Registro das Pessoas Naturais (“adoção à brasileira”), estabelecendo com esta, a
partir daí, vínculo da afetividade paterno-filial. Nesta hipótese – diversa do caso em análise –, o vínculo de
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afetividade se sobrepõe ao vício, encontrando-se inegavelmente consolidada a filiação socioafetiva (hipótese,
aliás, que não comportaria posterior alteração). A consolidação dessa situação – em que pese antijurídica e,
inclusive, tipificada no art. 242 do CP –, em atenção ao melhor e prioritário interesse da criança, não pode ser
modificada pelo pai registral e socioafetivo, afigurando-se irrelevante, nesse caso, a verdade biológica. Trata-se
de compreensão que converge com o posicionamento perfilhado pelo STJ (REsp 709.608-MS, Quarta Turma, DJe
23/11/2009; e REsp 1.383.408-RS, Terceira Turma, DJe 30/5/2014). REsp 1.330.404-RS, Rel. Min. Marco Aurélio
Bellizze, julgado em 5/2/2015, DJe 19/2/2015.
Erro cognoscível: Perante o declaratário se aplica a teoria da confiança. É uma teoria intermediaria.
O direito civil só enxergava a pessoa do declarante. Não basta pensar unilateralmente no declarante é preciso
pensar nas expectativas sociais. O declaratário confia nos signos sociais dessa declaração. O direito é a linguagem
dos destinatários dessa linguagem.
Ex.: A vai até uma feira hippie para comprar joia. Acha que é um anel de ouro, mas na verdade não é. Depois volta
dizendo que quer anular negócio jurídico por erro. Era possível conhecer a situação de erro? A pessoa não tinha
como saber que o comprador do estava recaindo em erro.
Esse aspecto entrou no CC pela conservação dos negócios jurídicos. A anulação se tornou extraordinária.
Prof. descorda do Enunciado 12/CJF se o erro deixa de ser escusável abandona-se a teoria da responsabilidade.
Demanda ajuizada é inepta – qualificação jurídica está em contradição com os fatos> O juiz hoje faria inépcia da
inicial em virtude erro (erro de direito) – mas pelo art. 6º/NCPC, o princípio da cooperação entende que juiz deve
remeter a parte autora para que possa emendar.
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MATERIAL DE APOIO
Disciplina: Civil
Professor: Nelson Rosenvald
Aulas: 25 e 26 | Data: 06/04/2016
ANOTAÇÃO DE AULA
SUMÁRIO
VÍCIOS DO CONSENTIMENTO
1. Dolo
2. Coação
3. Lesão
4. Estado de perigo
VÍCIOS DO CONSENTIMENTO
Ocorre quando a sua vontade não coincide com sua declaração. O que deseja não é que foi deliberado. Essa
divergência entre a vontade interna e a externa consiste em um vício de consentimento, também chamado de
vício da vontade.
O erro foi estudado na aula passada. É espontâneo; a pessoa que erra tem uma falsa percepção da realidade, pois
acredita que o panorama fático é um e na verdade é outro.
1. Dolo
Conceito: conduta de quem intencionalmente provoca um erro em outra pessoa, para obter uma declaração de
vontade – art. 145, CC. É um ardil; uma pessoa usando de mentira, induz outra a uma falsa percepção da
realidade.
“Art. 145. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este
for a sua causa”.
O negócio jurídico é praticado porque uma outra pessoa o induziu a erro, ou seja, o dolo é provocado por outrem,
de forma intencional. Para a configuração do dolo não existe a necessidade de prejuízo, apenas de que tenha
praticado algo de forma enganado.
Ocorrendo o dolo, ainda que ausente prejuízo, poderá ser requerida a anulação. Existindo o prejuízo, além de
anular o negócio jurídico, poderá ser requerida a responsabilidade civil.
Dolus bonus: é exagero habitual da prática do comércio. Trata-se da fala exagerada dos vendedores para a
sedução dos compradores. Esse dolo não é causa da anulabilidade do negócio jurídico.
Art. 37, I, CDC: cuidado na distinção das situações, pois algumas relações atraem a aplicação do CDC
O dolo exige o elemento subjetivo do agente, ou seja, a má-fé. Na publicidade enganosa do CDC, o vício é objetivo
(a prova é apenas no sentido de que a publicidade induz a erro).
No Código Civil a sanção para o dolo é a anulabilidade. No CDC, a sanção da publicidade enganosa é a nulidade,
porque o CDC trata de normas de ordem pública. O Código Civil aplica-se a relações particulares, enquanto que
no CDC temos um consumidor vulnerável.
O dolo que anula o negócio jurídico é o dolo essencial, que ocorre quando for provado no caso concreto que o
dolo foi a causa da realização do negócio.
Exemplos:
(i) venda de carro por R$ 50.000,00 - alego que ele era pouco rodado. Após 1 mês descobre-se que o carro era
extremamente rodado. A indução a erro foi a motivação para realização do negócio jurídico.
(ii) aquisição de um veículo com DVD, o qual é informado como oriundo de marca renomada. Após a aquisição do
veículo, descobre-se que o DVD, na verdade, era falsificado.
Dolo acidental: ocorre quando alguém induz a erro sobre uma causa secundária do negócio jurídico. É o caso do
exemplo (ii) acima descrito.
Atenção: para a compreensão do dolo no caso concreto ser essencial ou acidental, sempre deve ser questionado
se na ausência da mentira a realização do negócio jurídico teria ocorrido. Positiva a resposta, o dolo será
acidental, porém, se negativa a resposta, o dolo será essencial.
Art. 146, CC: será acidental o dolo quando a seu despeito o negócio seria realizado por um modo menos gravoso.
Dolo comissivo: quando te contam fantasias, te iludem para que você realize o negócio jurídico.
Dolo por omissão: art. 147, CC. É comum em contratos se seguro de vida ou saúde (omissão de doença
preexistente – art. 766, CC – perde o direito a garantia além de ficar obrigado a pagar o prêmio).
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Parágrafo único. Se a inexatidão ou omissão nas declarações não
resultar de má-fé do segurado, o segurador terá direito a resolver o
contrato, ou a cobrar, mesmo após o sinistro, a diferença do prêmio”.
A jurisprudência, em casos de má-fé do segurado, vem equilibrando as decisões com base na boa-fé objetiva em
razão do necessário dever de cuidado da seguradora na hora da contratação, a fim de comprovar ou não doença
preexistente, motivo pelo qual a seguradora deverá arcar com a cobertura (Informativo 512 STJ, 20/02/2013). Se
exigiu a realização de exames para a verificação de doenças preexistentes, a seguradora poderá negar a
cobertura.
Exemplo: Nelson chega para Damasiano e informa que possui um amigo chamado Douglas que tem um relógio
histórico. Fala para ele comprar por R$ 5.000,00 pois vale R$ 50.000,00. O relógio é adquirido e posteriormente
descobre-se que era mentira, pois é um relógio qualquer.
Esse exemplo supracitado é o dolo de terceiro, pois foi praticado por um terceiro estranho ao negócio jurídico
(Nelson). Sendo dolo de terceiro, a anulação do negócio dependerá da cognoscibilidade (confiança), ou seja,
somente será anulado se o Douglas tinha condições de saber que o comprador estava sendo enganado. Haverá a
aplicação do princípio da conservação do negócio jurídico, podendo pedir perdas e danos para o Nelson. A
cognoscibilidade consiste no conhecimento de que a outra parte pode ter ou não do dolo - art. 148, CC.
“Art. 148. Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de
terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter
conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio
jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a
quem ludibriou”.
2. Coação
Conceito: emprego de pressão psicológica por meio de ameaça para a prática de mal injusto. O núcleo da coação
é a intimidação, o constrangimento. É o mais grave dos negócios jurídicos.
No erro e dolo, a parte está enganada (é atingida a inteligência), porém, na coação, a sua inteligência não foi
atingida, a pessoa tem exata noção da verdade, porém a pessoa é ferida em sua própria liberdade – art. 151, CC
A pessoa ou se submete a coação e pratica um negócio jurídico não desejado ou não se submete e fica sujeita a
um risco de dano iminente a sua pessoa, família ou bens. Por isso que o art. 104, CC prevê que para a validade do
negócio jurídico o agente deve ser capaz.
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III - forma prescrita ou não defesa em lei”.
A base da coação é a vis compulsiva, é a ideia da ameaça, que possui algumas características:
a) A ameaça deve ser iminente: ou sucumbe ao negócio jurídico não desejado ou o risco a você, seus
familiares ou bens é iminente. Não há ameaça iminente se o risco for futuro. Essa iminência gera a
pressão para a tomada de decisão. A coação aqui é moral. A coação física é dano atual. Art. 152, CC
b) A coação deve ser considerável: deve ser grave. A gravidade da coação será analisada no caso concreto,
conforme as circunstâncias - Art. 152, CC
Atualmente, uma das diretrizes do Código Civil é a da eticidade. Há uma visão mais solidária do
reconhecimento da pessoa face a sociedade. Assim, uma ameaça a seu amigo, poderá ser
considerada coação, conforme consta no parágrafo único do art. 151, CC
Pode ocorrer uma coincidência de identidade entre o coator a vítima (exemplo: filho que chantageia
a mãe e ameaça se matar), ocasião em que o negócio poderá ser nulo.
c) Injustiça: só se pode falar em coação quando alguém ameaça você, seus familiares ou seu patrimônio de
um mal injusto. Não confundir com exercício regular de um direito, nem com temor reverencial – Art.
153, CC
Exemplo 1: chefe que pede para funcionário ser fiador. Não houve coação, apenas um temor reverencial, um
receio de ferir seu empregador, ou até mesmo de perder seu emprego. Se ocorresse um assédio moral, seria
possível anular o negócio jurídico (há decisões do TRT nesse sentido).
Exemplo 2: Damasiano mora na comunidade. O chefe da facção criminosa informa ao Damasiano que tem uma
idosa querida, cega, surda, muda, paralítica e que ela precisa de um lugar para viver, assim, avisa que ele vai doar
seu barraco para ela. Ele doa o barraco para a idosa. É possível anular esse negócio jurídico?
Dependerá da cognoscibilidade.
Trata-se de um caso de coação exógena, ou seja, a que é praticada por uma terceira pessoa fora do negócio
jurídico. Essa terceira pessoa que fez a pressão psicológica. A anulação dependerá do conhecimento da idosa da
coação ocorrida. Neste exemplo, não seria anulado por ser a idosa cega, surda, muda, paralítica, o que denota a
sua ausência de conhecimento. O autor da coação (chefe da facção) pode responder por perdas e danos - art.
155, CC
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“Art. 155. Subsistirá o negócio jurídico, se a coação decorrer de
terceiro, sem que a parte a que aproveite dela tivesse ou devesse ter
conhecimento; mas o autor da coação responderá por todas as
perdas e danos que houver causado ao coacto.
A coação também existe no Direito da Família em relação ao matrimônio (por exemplo: noiva contrai matrimônio
devido a pressão do pai – poderá ser anulado o casamento). Na coação específica do Direito de Família, a
cognoscibilidade (conhecimento da outra parte) não importa para a anulação – art. 1.558, CC.
3. Lesão
Observação: aluno que no ano 2000, possuía apartamento no valor de R$ 20.000,00. Foi vendido por R$
100.000,00. A pessoa que adquiriu foi a juízo informar a lesão. O juiz, na época, fundamentaria na pacta sunt
servanda, ante a ausência de vício. Atualmente, em 2016, se isso ocorresse, a oportunidade para reação é
fundamentada na lesão que ingressou no ordenamento com o CC/02.
Prestação manifestamente desproporcional: o Código Civil não determinou o que seria, assim, é um conceito
jurídico indeterminável que vai sendo definido ao longo do tempo pela jurisprudência. A lesão em questão é não
tarifária.
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Exemplo: Nelson e Damasiano fazem um contrato de fornecimento de serviços que vai de 2016 a 2020. Em 2016,
o contrato nasce proporcional e de repente em 2018, surge uma manifesta desproporção entre as prestações
(superveniente).
Não ocorre lesão neste exemplo. A lesão é concomitante ao nascimento do negócio jurídico.
Fatos supervenientes não constituem lesão, mas sim onerosidade excessiva que é matéria de Contratos – onde há
quebra de sinalagma funcional –, ou seja, o negócio jurídico perde a função/finalidade no futuro, embora tenha
sido perfeito na gênese.
Art. 157, §1º, CC: aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes.
O termo “desproporção das prestações” denota que o Código Civil pressupõe que só existe lesão em contratos
bilaterais (obrigações para ambas as partes), onerosos (prestações tenham reciprocidade), e excepcionalmente
em contratos aleatórios (entendimento jurisprudencial).
Observações:
- Contratos comutativo: aquele que desde o início tem ambas prestações certas e conhecidas (exemplos: compra
e venda, locação, etc.).
- Contratos aleatórios: ao menos uma das prestações é incerta (exemplos: jogo, aposta, seguro [o sinistro é uma
eventualidade], etc.).
Lesão em contratos aleatórios: ocorre quando existir de forma flagrante a desproporção entre o risco assumido e
o valor da prestação (entendimento jurisprudencial).
Resp nº 1.155.200/DF1: contrato de honorários advocatícios com previsão de que, em caso de ganho da causa o
advogado ficaria com 50% do benefício econômico. A causa foi ganha e ao buscar o Judiciário, o STJ entendeu
pela existência de lesão devido a fixação desproporcional de 50% dos ganhos. O STJ reduziu para 30% do valor da
condenação.
1
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=200901693414&dt_publicacao=02/03/2011
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4. O instituto da lesão é passível de reconhecimento também em contratos aleatórios, na hipótese em que, ao se
valorarem os riscos, estes forem inexpressivos para uma das partes, em contraposição àqueles suportados pela
outra, havendo exploração da situação de inferioridade de um contratante.
5. Ocorre lesão na hipótese em que um advogado, valendo-se de situação de desespero da parte, firma contrato
quota litis no qual fixa sua remuneração ad exitum em 50% do benefício econômico gerado pela causa.
6. Recurso especial conhecido e provido, revisando-se a cláusula contratual que fixou os honorários advocatícios
para o fim de reduzi-los ao patamar de 30% da condenação obtida”.
b) Subjetivo: é a impossibilidade da parte de evitar o negócio jurídico, seja por necessidade ou por
inexperiência. A pessoa que é vítima da lesão, sabia que o negócio jurídico que estava realizando era
prejudicial, mas mesmo assim o formalizou.
Exemplos: (i) praga chegado perto da minha plantação. Peço ao meu vizinho para me vender o estoque dos
remédios. Ao invés dele vender por R$ 50,00, vende por R$ 500,00 e eu compro porque tenho a necessidade de
salvar minha plantação; (ii) minha empresa vai quebrar e preciso de R$ 200.000,00 para amanhã. Pego as jóias da
família, que valem um milhão, e acabo vendendo elas por R$ 250.000,00.
Nesses exemplos seria possível a anulação do negócio jurídico em razão do elemento subjetivo da lesão – art.
157, CC
A inexperiência, contida no caput do art. 157, CC, é criticada pelos doutrinadores. Porém, a ideia de experiência
que o Código quis passar, foi no sentido de uma pessoa que não é afeta àquele tipo de negócio jurídico.
Exemplo: sujeito PHD em filosofia e vai para Barretos comprar um boi que vale R$ 50.000,00, porém, ele compra
por R$ 500.000,00 => há manifesta desproporção entre as prestações e a inexperiência naquele ramo.
Enunciado 410, CJF: a inexperiência que se refere o art. 157, CC, não deve necessariamente significar imaturidade
ou desconhecimento em relação à pratica de negócio jurídico em geral.
Não se presume a situação de inferioridade do contratante, pois ele que deverá provar para o juiz que é
inexperiente, assim como a necessidade econômica.
Enunciado 290, CJF: a lesão acarretará a anulação do negócio jurídico quando verificada na formação deste a
desproporção manifesta entre as prestações assumidas pela parte, não se presumindo a necessidade ou a
inexperiência do contratante.
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Para anular o negócio jurídico com o sujeito que comprou as joias, que valiam um milhão e pagou R$ 250.000,00,
é necessário o conhecimento de da situação financeira pela outra parte?
Tanto faz, é indiferente, pois na lesão dispensa-se o requisito do dolo de aproveitamento. O objetivo do Código
Civil não é de punir o lesante, mas sim de proteger o lesado.
Exemplo: sujeito que vende lotes para população de baixa renda. Cem famílias humildes compraram os lotes,
para pagar em prestações baixas e ao longo do tempo. Após algum tempo, as famílias se reuniram e foram até o
MP da Cidade, pois constataram que o lote, que a princípio era R$ 20.000,00, com os cálculos de juros, ficaria
mais de R$ 100.000,00. O MP entende pelo ajuizamento de ACP por entender que a cláusula de juros já maculava
o negócio jurídico em sua formação. O MP pode requerer a anulação do negócio jurídico?
Sim, pois aqui aplica-se a lesão no CDC.
b) No Código Civil a lesão só anula o negócio se houver a prova do elemento subjetivo. No CDC a lesão é
objetiva, pois basta provar a desproporção manifesta entre as prestações. O consumidor é
objetivamente vulnerável.
c) No Código Civil, caso o juiz verifique o elemento subjetivo e objetivo, irá anular. No CDC, a solução
preferencial é a conservação do negócio jurídico por meio da modificação da cláusula, ou seja, a
readaptação do contrato buscando seu equilíbrio (comutativo) – art. 6º, V, CDC. A nulidade surge em
caráter subsidiário, ou seja, será aplicada apenas se não conseguir adaptar o contrato.
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É a aplicação do princípio da conservação do negócio jurídico, mesmo em relações privadas. Nota-se que a vítima
também pode requerer na petição inicial, o suplemento, o valor a mais que irá manter o negócio jurídico.
4. Estado de perigo
Conceito: ocorre quando o agente, premido por circunstâncias de fato, realiza negócio jurídico desvantajoso.
É uma espécie de estado de necessidade, onde se aplica a teoria do negócio jurídico. Art. 156, CC:
Exemplos:
(i) Sujeito amante de uma mulher casada. O marido dela é um homem perigoso. Ela avisa que ele chegará em 10
minutos. O amante sai, entra em um táxi e pede para ir para o Rio de Janeiro. O taxista cobra R$ 5.000,00. Como
é uma questão de “vida ou morte” ele aceita pagar esse valor.
(ii) Pai e filha do interior estão na praia. Nunca viram o mar. A filha entra na água, não sabe nadar, começa a se
afogar e o pai também não sabe nadar. Ele se aproxima de um surfista e pede para salvar a filha. O surfista pede,
a fim de que ele possa salvar a filha, que ele lhe dê o cordão de ouro que está usando
A pessoa se vê entre dois perigos: ou aceita a proposta e salva a si ou seus familiares, ou não aceita.
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b) A lesão dispensa o requisito do dolo de aproveitamento. O estado de perigo exige o dolo de
aproveitamento. Para a anulação do negócio jurídico, deve ser comprovado que a pessoa que se
aproveitou de você sabia da situação. Art. 156, CC: grave dano conhecido pela outra parte
Diferença estado de perigo e coação: na coação, o coator coloca alguém em situação de risco para obtenção de
vantagem. No estado de perigo, a pessoa que se beneficia não criou o perigo, mas se aproveita da situação.
Não confundir estado de perigo nas relações entre particulares, com o estado de perigo no CDC (por exemplo:
pessoa que deixa cheque caução no hospital porque o filho está muito doente – art. 39, IV, CDC).
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MATERIAL DE APOIO
Disciplina: Civil
Professor: Nelson Rosenvald
Aulas: 27 e 28 | Data: 07/04/2016
ANOTAÇÃO DE AULA
SUMÁRIO
2. FRAUDE À EXECUÇÃO
Conceito: prática de ato de disposição patrimonial que conduz o devedor à insolvência, em prejuízo de seus
credores. Na fraude contra credores, quando a pessoa manifesta a sua vontade, esta declaração corresponde ao
desejado. Porém, essa declaração de vontade foi emitida com a finalidade de prejudicar terceiros.
Exemplo: Nelson faz um contrato com Damasiano. Em 20/08/2016, Nelson empresta um milhão para Damasiano
(sei que o patrimônio do Damasiano é de um milhão e quatrocentos mil representado por dois imóveis), com
vencimento para 20/03/2017. Nesta data, Nelson descobre que o Damasiano fez a doação de um dos imóveis
para João, passando seu patrimônio a valer R$ 700.000,00. Damasiano ficou reduzido à insolvência, pois ele
poderia dispor apenas R$ 400.000,00, uma vez que os bens em tese, já estavam comprometidos.
Observe-se que a princípio a doação poderia ter ocorrido, no entanto, deve ser observado o art. 391, do Código
Civil, ou seja, quando uma pessoa tem uma dívida, o limite de seu poder para disposição futura do patrimônio, é o
da insolvência.
Art. 789, CPC: o devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas
obrigações. O Professor aduz que neste artigo também deveria constar os bens passados, pois em caso de doação
de bens enquanto houver existência de dívidas, este bem passado também será em tese responsável pelo
pagamento das dívidas.
A fraude contra credores pode ocorrer por duas vias: negócio jurídico gratuito ou oneroso.
a) Negócio jurídico gratuito: no negócio jurídico gratuito, para a configuração da fraude contra credores é
fundamental a existência do chamado eventos damni, ou seja, o credor tem que demonstrar no processo
que o devedor causou um dano com aquele ato de disposição patrimonial gratuita. Haverá eventos damni
Além do eventos damni também deve ficar provado que o devedor e o terceiro estavam de comum acordo para
lesar o credor?
Não. É dispensável o elemento subjetivo do consilium fraudis. Como foi uma liberalidade (disposição gratuita), já
existe uma presunção de fraude.
A única forma do devedor se eximir da ação de fraude contra credores é admitir a doação e comprovar não estar
em situação de insolvência, ou seja, demonstrar que inexistiu o eventos damni.
b) Negócio jurídico oneroso: sendo oneroso, o ordenamento jurídico não se contenta apenas com a prova
do eventos damni, embora também não haja consilium fraudis (na realidade jurídica, este não existe).
Exemplo: no exemplo acima, Damasiano tinha dois imóveis (cada um valendo R$ 700.000,00), e vende um dos
imóveis para João por R$ 200.000,00. Seu patrimônio passou a ser de R$ 900.000,00 enquanto sua dívida era de
R$ 1.000.000,00. Ele entrou em situação de insolvência praticando negócio jurídico oneroso.
Deverá ser provada, além do eventos damni, também a scientia fraudis, que é a simples demonstração de que o
adquirente dos bens (João), diante daquele cenário poderia ter ciência de que havia uma fraude (reconhecer
objetivamente a fraude).
Será notória quando na aquisição, por exemplo, o nome do vendedor estiver com diversos protestos e restrições
que denotam sua insolvência. Caso não existam dívidas em nome do vendedor, também poderá ser presumida a
fraude quando o imóvel for vendido por valor inferior que o devido, ou quando for para parente, testas de ferro,
etc. Nestes casos, anula-se o negócio jurídico por fraude contra credores.
O fato da insolvência ser notória ou presumida possibilitará a análise acerca da boa-fé ou má-fé do devedor
(ponderação de bens), o que levará a anulação ou não do negócio jurídico.
Tanto no negócio jurídico gratuito quanto no oneroso, existe um requisito comum: em ambos tem que ficar
provada pelo credor, a chamada anterioridade do débito. Essa anterioridade do débito denota que o credor assim
já o era, antes do ato da disposição do bem. A partir do momento da celebração do negócio jurídico, o devedor
não pode cair em insolvência.
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Deve ser descoberta a causa do negócio jurídico (por exemplo: se o negócio jurídico foi estipulado há 4 anos
atrás, o devedor não pode mais dispor de qualquer bem a ponto de tornar-se insolvente) para a verificação da
insolvência.
Exemplo: Nelson aluga um imóvel para Damasiano em janeiro. João se torna fiador. Em fevereiro, João dispõe de
bens e cai em situação de insolvência. Nelson pode ajuizar uma ação para anular a doação de bens por João? Sim.
Para a configuração da fraude contra credores, não é necessário que seja provada a inadimplência do devedor ou
do fiador. Existindo eventos damni já será fraude contra credores.
Art. 158, §2º, CC: somente os credores à época que podem pleitear a anulação do ato (anterioridade). O crédito é
a existência do ato jurídico perfeito anterior ao momento da disposição.
Exemplo: Paulo quer matar Pedro. Uma semana antes do homicídio, Paulo doa bens para esvaziar seu patrimônio,
para que caso a família de Pedro ajuíze ação de responsabilidade civil, ele não tenha bens.
É fraude contra credores, pois Paulo de maneira pré-determinada esvaziou seu patrimônio para se ver livre de
futuras dívidas. Há o nexo causal entre o ato de disposição de bens e a insolvência posterior, mesmo que o ato
ilícito ainda não tenha sido praticado.
Enunciado 292, CJF: a anterioridade do crédito é determinada pela causa que lhe dá origem.
a) Legitimidade ativa para ingresso de ação pauliana (para anular a fraude contra credores): em princípio a
legitimidade é a do credor quirografário (no exemplo, Nelson), que é despido de garantias. A princípio,
um credor preferencial real é carecedor de ação pauliana, pois se ele possui uma garantia, tanto faz a
doação ou venda do bem, pois nesta qualidade (credor real) existe a sequela, assim, posso seguir o bem
onde quer que ele se encontre, não interessando com quem esteja a coisa, pois ele estará afetado ao
crédito.
Todavia, o credor preferencial pode, excepcionalmente, ingressar com a ação pauliana quando sua garantia for
insuficiente (menor que o valor do débito).
Art. 158, §1º, CC: quem pode anular são os credores quirografários, em princípio, observando a atribuição de
igual direito aos credores cuja garantia se tornar insuficiente.
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b) Legitimidade passiva da ação pauliana: existe um litisconsórcio necessário unitário entre o devedor e o
adquirente do bem. A sentença será naturalmente idêntica para os dois, em razão da incindibilidade da
relação jurídica de direito material entre o devedor e o adquirente.
E se João, o adquirente, posteriormente vender esse bem para Pedro (subadquirente)? Ele poderá ser réu?
Depende, pois o subadquirente somente será condenado se for terceiro de má-fé. Presume-se a má-fé quando
existe a doação. Se foi adquirido a preço de mercado e não é parente de ninguém, presume-se sua boa-fé, logo,
não será atingido pela ação pauliana. Por mais que Nelson seja vencedor da ação pauliana contra Damasiano e
João, anulando esse negócio jurídico, essa sentença será ineficaz em face do terceiro de boa-fé.
Trata-se de uma ineficácia relativa porque a decisão que anula o negócio jurídico, é eficaz em relação a
Damasiano e João, mas é ineficaz em relação a Pedro que ficará com o bem. A decisão é imponível ao terceiro de
boa-fé. Nelson será indenizado por Damasiano e Pedro pelo valor respectivo, mas o bem continuará com o
terceiro de boa-fé - art. 161, CC
“Art. 161. A ação, nos casos dos arts. 158 e 159, poderá ser intentada
contra o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a
estipulação considerada fraudulenta, ou terceiros adquirentes que
hajam procedido de má-fé”.
Informativo 521, STJ de 26/06/20131: trata da manutenção da eficácia do negócio jurídico realizado pelo terceiro
de boa-fé, mesmo existindo reconhecimento da fraude contra credores.
Quarta Turma
DIREITO CIVIL. MANUTENÇÃO DA EFICÁCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO REALIZADO POR TERCEIRO DE BOA-FÉ
DIANTE DO RECONHECIMENTO DE FRAUDE CONTRA CREDORES.
O reconhecimento de fraude contra credores em ação pauliana, após a constatação da existência de sucessivas
alienações fraudulentas na cadeia dominial de imóvel que originariamente pertencia ao acervo patrimonial do
devedor, não torna ineficaz o negócio jurídico por meio do qual o último proprietário adquiriu, de boa-fé e a título
oneroso, o referido bem, devendo-se condenar os réus que agiram de má-fé em prejuízo do autor a indenizá-lo
pelo valor equivalente ao dos bens transmitidos em fraude contra o credor. Cumpre ressaltar, de início, que, na
ação pauliana, o autor tem como objetivo o reconhecimento da ineficácia (relativa) de ato jurídico fraudulento nos
limites do débito do devedor com o credor lesado pela fraude. A lei, entretanto, não tem dispositivo que
regulamente, de forma expressa, os efeitos do reconhecimento da fraude contra credores na hipótese em que a
ineficácia dela decorrente não puder atingir um resultado útil, por encontrar-se o bem em poder de terceiro de
boa-fé. Nesse contexto, poder-se-ia cogitar que a este incumbiria buscar indenização por perdas e danos em ação
própria, ainda que se tratasse de aquisição onerosa. Todavia, essa solução seria contrária ao art. 109 do CC/1916 -
correspondente ao artigo 161 do CC/2002 - e também ao art. 158 do CC/1916 - que tem redação similar à do
artigo 182 do CC/2002 -, cujo teor dispunha que, anulado o ato, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes
dele se achavam e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas pelo equivalente. Desse modo, inalcançável o
bem em mãos de terceiro de boa-fé, cabe ao alienante, que o adquiriu de má-fé, indenizar o credor. Deve-se,
portanto, resguardar os interesses dos terceiros de boa-fé e condenar os réus que agiram de má-fé em prejuízo do
autor a indenizá-lo pelo valor equivalente ao dos bens transmitidos em fraude contra o credor - medida essa que
se atém aos limites do pedido da petição inicial da ação pauliana, relativo à recomposição do patrimônio do
devedor com os mesmos bens existentes antes da prática do ato viciado ou pelo seu equivalente. A propósito, a
aludida conclusão, mutatis mutandis, vai ao encontro da Súmula 92/STJ, que orienta que "a terceiro de boa-fé não
1
http://www.stj.jus.br/SCON/SearchBRS?b=INFJ&livre=@COD=%270521%27&tipo=informativo
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é oponível a alienação fiduciária não anotada no certificado de registro do veículo automotor". Precedente citado:
REsp 28.521-RJ, Quarta Turma, DJ de 21/11/1994. REsp 1.100.525-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em
16/4/2013.
Destaca-se que a prioridade atual do Direito Civil é a conservação do negócio jurídico. Prioriza-se sua
manutenção, com a realização das devidas adequações para a preservação do direito das partes. A conservação
também se aplica à fraude contra credores.
Exemplo: João, que comprou por R$ 200.000,00 um imóvel que vale R$ 700.000,00, pode ir ao Nelson (credor) e
informar que pagará a diferença a fim de que se torne um negócio jurídico equilibrado e consequentemente
evita-se a insolvência do devedor - art. 160, parágrafo único, CC
Art. 171, II, CC: vício resultante de fraude contra credores é anulável.
Alienação fraudulenta: é o gênero; aqui, a fraude contra credores é apenas uma de suas espécies. Existe também
a fraude à execução que se revela mais grave do que a fraude contra credores. A fraude contra credores está na
órbita da disponibilidade das partes, enquanto que a fraude à execução, além de prejudicar o credor, também
priva um processo de sua efetividade, o que é um atentado a justiça.
2. FRAUDE À EXECUÇÃO
Conceito: ato de disposição patrimonial praticado no curso de uma lide, com potencialidade de gerar a
insolvência do réu, frustrando os seus resultados - art. 774, I, CPC/2015.
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A fraude à execução é atentatória a dignidade da justiça, ou seja, ofende direitos privados e públicos. O
CPC/2015, a fim de desencorajar a parte a praticar fraude à execução, criou uma sanção punitiva, uma pena civil
contra quem pratica fraude à execução – art. 774, parágrafo único CPC/2015 – fixando multa de 20% do valor do
débito sem prejuízo de outras sanções de natureza processual ou material.
“(...) Parágrafo único. Nos casos previstos neste artigo, o juiz fixará
multa em montante não superior a vinte por cento do valor
atualizado do débito em execução, a qual será revertida em proveito
do exequente, exigível nos próprios autos do processo, sem prejuízo
de outras sanções de natureza processual ou material”.
Delimitação do momento da fraude à execução: citação. Se houve a disposição de bens, antes da citação, a regra
geral é de que há fraude contra credores, contudo, se esta disposição de bens ocorreu depois da citação do
devedor, será fraude à execução (disposição de bens gratuita ou onerosa) – art. 792, IV, CPC/2015.
Nada impede que o credor prove que o devedor, antes de ser citado, já sabia da existência da ação em juízo, e
enquanto fugia da citação, praticou um ato de disposição de bens. Nesta hipótese, poderá haver uma antecipação
do momento da fraude à execução para a distribuição da ação.
Exemplo: Nelson é credor e promove uma ação em face de Damasiano que, após citado, vende bens para João.
A forma para demonstrar a fraude à execução ocorre por meio de uma petição, comprovando a transferência e
requerendo a declaração de ineficácia do negócio jurídico perante o credor. Essa declaração permite que o bem
permaneça formalmente com o terceiro (João), mas sujeito a execução do vendedor (Nelson), ou seja, o bem fica
afetado à execução, podendo ser penhorado para pagamento desta dívida – art. 790, V, CPC/2015
O juiz ouvirá as partes. O adquirente (João) poderá opor embargos de terceiro – art. 792, §4º, CPC/2015.
Art. 792, §1º, CPC/2015: a alienação em fraude à execução é ineficaz em relação ao exequente.
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“(..) § 1º A alienação em fraude à execução é ineficaz em relação ao
exequente”.
Praticada esta alienação em relação ao bem de família, em princípio não existe fraude à execução, pois o bem de
família está afetado ao piso mínimo existencial e não estaria afetado, de qualquer forma, ao credor.
Informativo 545, STJ, de 10/09/20142: discute-se a ponderação dos bens, sendo de um lado o mínimo existencial
e de outro, o direito fundamental do credor de acesso ao crédito.
Terceira Turma
DIREITO CIVIL. AFASTAMENTO DA PROTEÇÃO DADA AO BEM DE FAMÍLIA.
Deve ser afastada a impenhorabilidade do único imóvel pertencente à família na hipótese em que os
devedores, com o objetivo de proteger o seu patrimônio, doem em fraude à execução o bem a seu filho menor
impúbere após serem intimados para o cumprimento espontâneo da sentença exequenda. De início, cabe
ressaltar que o STJ tem restringido a proteção ao bem de família com o objetivo de prevenir fraudes, evitando
prestigiar a má-fé do devedor. Nesse sentido: "o bem que retorna ao patrimônio do devedor, por força de
reconhecimento de fraude à execução, não goza da proteção da impenhorabilidade disposta na Lei nº 8.009/90"
(AgRg no REsp 1.085.381-SP, Sexta Turma, DJe de 30/3/2009); "é possível, com fundamento em abuso de direito,
afastar a proteção conferida pela Lei 8.009/90" (REsp 1.299.580-RJ, Terceira Turma, DJe de 25/10/2012). Nessa
conjuntura, a doação feita a menor impúbere, nas circunstâncias ora em análise, além de configurar tentativa de
fraude à execução, caracteriza abuso de direito apto a afastar a proteção dada pela Lei 8.009/1990. Com efeito,
nenhuma norma, em nosso sistema jurídico, pode ser interpretada de modo apartado aos cânones da boa-fé. No
que tange à aplicação das disposições jurídicas da Lei 8.009/1990, há uma ponderação de valores que se exige do
Juiz, em cada situação particular: de um lado, o direito ao mínimo existencial do devedor ou sua família; de outro,
o direito à tutela executiva do credor; ambos, frise-se, direitos fundamentais das partes. Trata-se de sopesar a
impenhorabilidade do bem de família e a ocorrência de fraude de execução. Assim, é preciso considerar que, em
regra, o devedor que aliena, gratuita ou onerosamente, o único imóvel, onde reside a família, está, ao mesmo
tempo, dispondo da proteção da Lei 8.009/1990, na medida em que seu comportamento evidencia que o bem não
lhe serve mais à moradia ou subsistência. Do contrário, estar-se-ia a admitir o venire contra factum
proprium. REsp 1.364.509-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/6/2014.
Tanto na fraude contra credores quanto na fraude à execução, é possível o réu provar ao juiz a inexistência de
eventos damni ou de scientia fraudis.
O credor pode buscar o registro da penhora para ficar em uma situação mais confortável. Se mesmo após o
registro da penhora, ocorrer a venda do bem, há presunção absoluta de fraude. Todo ato de disposição de bens
(gratuito ou oneroso) posterior ao registro da penhora, é presunção absoluta de fraude.
Aqui não cabe a alegação de eventos damni, pois com o registro da penhora o credor não possui mais uma
garantia genérica e sim, uma garantia específica do patrimônio do devedor. O adquirente, nesta hipótese,
também não poderá alegar que não tinha ciência da penhora, pois o registro gera presunção de conhecimento –
art. 844, CPC/2015.
2
http://www.stj.jus.br/SCON/SearchBRS?b=INFJ&tipo=informativo&livre=@COD=%270545%27
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penhora no registro competente, mediante apresentação de cópia do
auto ou do termo, independentemente de mandado judicial”.
E se por acaso o credor penhorou e esqueceu de registrar a penhora? Nesse caso, pode ainda o terceiro
adquirente alegar que não tinha ciência da fraude?
Súmula 375, STJ: o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora ou da prova de má-fé.
O professor entende que esta súmula deve ser revista em razão da regra da distribuição dinâmica do ônus da
prova – art. 373, §3º, CPC/2015. Existem também algumas decisões recentes em que houve entendimento de que
é o adquirente que deverá provar sua boa-fé.
Atualmente, existe uma maneira do credor antecipar essa presunção absoluta de fraude para antes do registro da
penhora: no ingresso de ação contra o devedor, o credor pode obter a certidão de distribuição do processo para
averbação junto ao Registro Imobiliário/Detran. A partir deste momento, qualquer ato de alienação será fraude à
execução – art. 828, caput e §4º, CPC/2015. Ocorre a antecipação temporal do momento de configuração da
fraude a execução.
Exemplo: Nelson (credor) ajuíza ação pauliana em face de Damasiano (devedor) O juiz profere uma sentença
anulatória, que terá uma eficácia desconstitutiva do negócio jurídico, cancelando o registro em nome do
adquirente e gerando o retorno do imóvel para Damasiano.
Sendo Damasiano um devedor contumaz, ao retornar o imóvel para o patrimônio de Damasiano, ele poderá ser
tomado por outros credores?
Art. 165, CC: anulados os negócios fraudulentos, o bem imóvel continuará com o terceiro, mas a vantagem
reverterá em favor do acervo, ou seja, do credor. Embora o artigo cite “anular” a consequência é de uma
ineficácia relativa, de uma oponibilidade.
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Ao declarar a fraude o juiz averbará a penhora deste bem em favor do credor, porque a decisão reverterá em
proveito do acervo. Como o bem não voltou para o devedor, os demais credores não podem penhorá-lo.
O terceiro fica como responsável por uma dívida alheia por meio daquele bem específico. A sentença na fraude
contra credores terá um resultado prático.
Súmula 195, STJ: a jurisprudência do STJ entende que em embargos de terceiros não se anula ato jurídico por
fraude contra credores.
Exemplo: Nelson (credor) e Damasiano (devedor). Sei que o devedor possui um imóvel; promovo a execução e
consequente penhora do bem. Na penhora, constata-se que o imóvel está com João - terceiro que é um
promitente comprador que adquiriu o bem antes daquela dívida. João pode opor embargos de terceiro para
alegar a inexistência de fraude contra credores? O STJ entende que no campo dos embargos de terceiro não é
possível, pois qualquer discussão sobre fraude contra credores deverá ser realizada por meio de ação pauliana.
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MATERIAL DE APOIO
Disciplina: Civil
Professor: Nelson Rosenvald
Aulas: 29 e 30 | Data: 08/04/2016
ANOTAÇÃO DE AULA
SUMÁRIO
1. SIMULAÇÃO
1.1. Distinções
2. TEORIA DA REPRESENTAÇÃO
2.1. Distinções
1. SIMULAÇÃO
Conceito: relação jurídica sem conteúdo real ou com conteúdo diverso do aparentado, praticada com a finalidade
de iludir terceiros.
Não se trata de vício de consentimento e nem de vício social, pois não é um defeito do negócio jurídico. Nos
defeitos, todos geram a sanção da anulabilidade, já a simulação é causa de nulidade do negócio jurídico, pois
ofende a ordem pública.
b) simulação relativa: também conhecida como dissimulação. Aqui, sempre será a mesma estrutura: por
exemplo, Nelson estabelece um negócio jurídico com Damasiano – negócio jurídico aparente/simulado
(falso com a finalidade de enganar terceiros) -, que será sempre uma farsa, pois Nelson deseja um negócio
jurídico oculto, um negócio jurídico dissimulado.
Na dissimulação existem dois negócios jurídicos: um aparente e um oculto. O negócio jurídico oculto é
chamado de simulação relativa subjetiva, enquanto que o negócio jurídico aparente é chamado de
simulação relativa objetiva.
Exemplo de simulação relativa subjetiva: Nelson tem três filhos (Huguinho, Zezinho e Luizinho). Para venda de
imóvel para um filho, é necessária a autorização dos outros dois. Nelson vende o imóvel para Damasiano e este,
posteriormente vende para Huguinho. O negócio jurídico oculto/dissimulado é a venda para o filho, enquanto
que o aparente é a venda para Damasiano.
Exemplo: empresto para Damasiano R$ 100.000,00. Não sendo paga a dívida, mas dado em garantia o
apartamento, não posso ficar com ele. Chama-se pacto comissório e é nulo. O certo é que, diante do
inadimplemento, o bem seja levado a venda em hasta pública e o credor busque o resultado da venda – art.
1.428,CC.
Exemplo: Nelson, no exemplo acima, como não é possível a realização do pacto comissório, faz um mútuo com
cláusula de compra e venda com retrovenda. O nome “mútuo” não constará no contrato. A retrovenda se torna
uma condição suspensiva. Aqui, a retrovenda será considerada nula por se tratar de uma dissimulação.
Exemplo: Damasiano, como condômino de um imóvel que possui mais 5 condôminos. Deseja alienar sua fração
ideal, porém, ele deve dar direito de preferência aos demais condôminos antes de vender para terceiros. Para
fugir do direito de preferência, o condômino ao invés de fazer uma compra e venda para terceiro, faz uma doação
para a terceira pessoa e consequentemente escapa do direito de preferência. O negócio jurídico real foi a compra
e venda (oculto/dissimulado); a doação foi o negócio jurídico aparente.
No tocante a simulação relativa dissimulada, o negócio jurídico falso (aparente) é sempre nulificado. Em relação
ao negócio jurídico oculto, sua sobrevivência dependerá da existência de validade na substância e forma do
negócio jurídico que se desejava realizar.
1
Art. 550. A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de
dissolvida a sociedade conjugal.
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Por exemplo, no caso do art. 504, CC2, se os outros condôminos descobrirem simulação consistente na doação da
fração ideal, poderão nulificar o negócio jurídico aparente e em relação ao dissimulado, subsistirá se válido for na
substância e na forma – art. 167, CC3.
Para que se aplique o princípio da conservação do negócio jurídico será necessário provar que ele foi válido na
substancia e na forma. Por exemplo, a compra e venda que um condômino fez para terceiro é válida na
substância se, faltando apenas a formalidade da concessão do direito de preferência aos demais condôminos, ele
for concedido. Sendo concedida a preferência aos condôminos e eles não quiserem adquirir, o negócio jurídico
dissimulado oculto será válido. Enunciado 153, CJF:
No exemplo do casado que doou imóvel para a concubina, a venda foi o disfarce, pois o negócio jurídico
efetivamente realizado foi a doação. Sendo nulificado o negócio, subsiste a doação? Não, porque a doação da
pessoa casada para concubina, ofende a lei e não prevalece.
Sempre deve ser observado se o negócio jurídico real está de acordo ou contra a lei. Estando de acordo, emprega-
se o princípio da conservação do negócio jurídico, o que não será possível caso contrarie a lei.
Quem pode nulificar um negócio jurídico simulado? Quem participou do negócio jurídico simulado pode invocar
simulação?
Exemplo: João fez a compra e venda para a concubina Paula e este negócio foi nulificado. Pode o próprio João
requerer a nulidade deste negócio jurídico?
Sim. Mesmo aquela pessoa que fez parte do negócio nulo pode invalidá-lo porque isso atende ao interesse da
sociedade como um todo. A verdade deve ser restabelecida. Enunciado 294, CJF:
2
Art. 504. Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem
não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias,
sob pena de decadência.
3
Já citado.
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Para que haja a nulidade de um ato simulado, nem sempre é necessário ajuizar uma ação de nulidade. Muitas
vezes no meio do processo, o juiz descobre a simulação e a declara, independentemente de ação autônoma. O
Ministério Público também pode suscitar essa nulidade em qualquer processo. O próprio réu pode alegar a
simulação em defesa (objeção substancial) por se tratar de matéria de ordem pública. Enunciado 578, CJF:
João fez compra e venda com a Paula que era sua concubina, quando na verdade ele queria doar o imóvel para
ela (negócio jurídico oculto). Quando a esposa do João busca invalidar o negócio jurídico, descobre-se que a Paula
já tinha vendido este imóvel para Carol. Assim, questiona-se, a simulação atingirá o terceiro adquirente do bem?
Dependerá da boa-fé ou não do terceiro. Se o imóvel foi adquirido pelo preço de mercado, será de boa-fé, e
assim, por mais que na sentença o juiz nulifique o negócio jurídico, essa nulidade será ineficaz, inoponível ao
terceiro de boa-fé. A Carol ficará com o imóvel, e a Paula e o João deverão indenizar a vítima com relação a
eventuais prejuízos – art. 167, §2º, CC. A ponderação do legislador foi para o terceiro de boa-fé.
1.1. Distinções
a) Simulação inocente e simulação maliciosa: a maliciosa é a simulação com a finalidade de prejudicar terceiros.
Na simulação inocente, duas pessoas agem em conluio, fazem uma declaração falsa, mas que não prejudica
terceiro, apenas ilude terceiros; muitas pessoas são enganadas, mas ninguém sofre prejuízo. No Código Civil essa
distinção ficou apenas na teoria (meramente acadêmica), pois ambas (a inocente ou a maliciosa), serão
invalidadas visto que o problema da simulação é que ela causa enganos.
Exemplo de simulação inocente: Reynaldo Gianecchini doou um imóvel para seu empresário, mas na verdade ele
não quis doar, apenas o transferiu para o nome de seu empresário para que ele pudesse vender a terceiros, sem
que estes soubessem quem era o real vendedor. Ele não quis prejudicar ninguém, fez apenas para tornar a venda
mais cômoda. O problema surgiu quando o empresário afirmou que recebeu o imóvel como doação e que não o
venderia. Reynaldo Gianecchini ajuizou uma ação para nulificar a doação.
b) Simulação e reserva mental: na simulação é criada a aparência com o objetivo de enganar terceiros, enquanto
que na reserva mental é criado um jogo de cena para enganar a outra parte do negócio jurídico.
Reserva mental é a declaração não querida em seu conteúdo para enganar a outra parte. Exemplo: homem
italiano – mulher deseja casar com ele apenas para obter a cidadania, mas esconde dele. Ela fez a reserva mental.
O casamento é valido porque o destinatário não tinha conhecimento.
Se o italiano soubesse dos verdadeiros interesses dela, o negócio jurídico seria inexistente, porque não houve
manifestação de vontade, sendo tudo uma farsa - art. 110, CC.
Caso estivessem de comum acordo no casamento para enganar a autoridade do país, será simulação e
consequentemente nulo.
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c) Simulação e fraude contra credores: na fraude contra credores, o objetivo do devedor é causar um prejuízo ao
seu credor, ou seja, apesar da parte ter a intenção de prejudicar o credor, o negócio jurídico praticado de
disposição de bem é real (acontece!), enquanto que na simulação o negócio jurídico que é feito para enganar ou
prejudicar terceiros, é falso, ou seja, nunca aconteceu. A simulação absorve a fraude contra credores, é mais
grave e causa de nulidade – art. 158, CC.4
2. TEORIA DA REPRESENTAÇÃO
Conceito: representação consiste na realização de um negócio jurídico por uma pessoa em nome, lugar e
interesse de outra pessoa, sobre quem devem recair os efeitos negociais. É uma técnica de substituição na
exteriorização da vontade. Meu representante agirá em meu nome.
O representante (parte formal) atua em nome e interesse do representado (parte substancial). Os efeitos do
negócio jurídico recaem sobre o representado, mas a causa do negócio jurídico está na pessoa do representante.
Existindo um negócio jurídico com a terceira pessoa, quem é parte é o representado e não o representante.
Quem emite a vontade é o representante, mas já sabe que ele está atuando em nome e interesse do
representado, porque o conteúdo da representação é o da contemplativo domini (age e atua em nome do
representado). O terceiro se vincula ao representado, que é o destinatário dos efeitos do negócio jurídico.
Importância do representante: possui discricionariedade de decidir se vai ou não celebrar aquele negócio jurídico.
Art. 115, CC: existem dois tipos de representação: a legal (pai/filho, judicial) e a voluntária (que se dá pelo
interessado; outorgo poderes para que possa agir em meu nome e interesse).
Há uma cisão na representação entre a causa e o efeito. A causa é formal, enquanto que o efeito, é substancial.
Ocorrendo um vício de vontade, será em relação ao representante, que emitiu a vontade – art. 116, CC:
Art. 149, CC: no caso de dolo do representante convencional, o representado responderá solidariamente.
2.1. Distinções
4
Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência,
ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos.
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a) Representação indireta também conhecida como interposição: por exemplo, um contrato de consignação de
produtos. Na venda de roupas, a atuação será em nome próprio, mas em interesse de quem deixou os produtos
consignados. Os efeitos de todos os negócios jurídicos recaem sobre o patrimônio do vendedor – art. 534, CC:
Exemplo: peço para Damasiano comprar um livro; ele vai até a livraria e o compra. Se tiver um vício redibitório
nesse livro, o Damasiano que deverá discutir e não o Nelson que pediu o livro, pois ele comprou em nome
próprio, mesmo que tenha agido no interesse de Nelson.
b) Representante e nuncio: por exemplo, Nelson entrega um papel para Damasiano para que este leia e transmita
o que pensa Nelson para o Zequinha. Damasiano não emitiu vontade nenhuma, apenas transmitiu a vontade
alheia, ou seja, é mero instrumento da vontade do Nelson.
O representante possui discricionariedade, emite vontade para celebrar ou não o negócio jurídico, e em quais
condições - Art. 116, CC5.
c) Procuração: é um negócio jurídico unilateral que instrumentaliza o conteúdo e a extensão dos poderes de
representação, ao deferir poder de agir ao procurador.
Procuração não é contrato, pois não é negócio jurídico bilateral. Os poderes são outorgados unilateralmente.
Procuração é o instrumento da representação.
Exemplo: Nelson é o representado, Damasiano é o representante. Damasiano, ao se dirigir a terceiro, porta a
procuração que é o instrumento que contém os poderes de representação, ou seja, a ideia da procuração é
justamente a de vincular o terceiro ao negócio jurídico. Ela resguardará os interesses de terceiro.
Art. 118, CC: o representante é obrigado a provar para as pessoas com quem tratar em nome do representado,
sua qualidade e extensão dos poderes, o que é feito por meio da procuração (onde são delegados os poderes de
representação).
5
Já citado;
Página 6 de 9
“Art. 119. É anulável o negócio concluído pelo representante em
conflito de interesses com o representado, se tal fato era ou devia
ser do conhecimento de quem com aquele tratou.
Parágrafo único. É de cento e oitenta dias, a contar da conclusão
do negócio ou da cessação da incapacidade, o prazo de decadência
para pleitear-se a anulação prevista neste artigo”.
Excesso de representação: ocorre quando o representante age além dos poderes conferidos pelo representado.
Exemplo: Nelson concedeu poderes para Damasiano negociar X, que negocia X e Y. O excesso será ineficaz em
relação ao representado, ele responderá apenas por X – art. 116, CC6.
Qual a única forma de dar eficácia a um ato praticado por uma pessoa que agiu em excesso ou em ausência de
poderes?
Em ambos os casos, o representante poderá fazer a ratificação do negócio jurídico,
Quando ocorre a ratificação do negócio jurídico, não ocorre a transformação, por exemplo, do Damasiano em
procurador (exemplo acima), mas apenas concede-se eficácia superveniente ao negócio jurídico – art. 662, CC:
Vale destacar que em determinadas situações os atos praticados pelas pessoas que não possuem poderes, podem
produzir efeitos, é o chamado fenômeno da representação aparente.
Por exemplo, um sujeito que lava o carro dos alunos na frente do Damásio e que está com o colete do Damásio
em frente a unidade. Um dia, o ladrão furta o carro que havia ficado na porta do curso para ser lavado. É
requerida indenização com base nesta pessoa que estava na posse do veículo em nome do Damásio, que afirma
que ele não era funcionário. O Damásio deverá indenizar o aluno, pois o lavador era um representante aparente,
de modo que quebrou a boa-fé objetiva, pois deixou que ele incutisse nas pessoas que era um representante –
art. 113, CC. O representado tinha que ter agido para afastar essa falsa aparência, porém não se manifestou.
e) Autocontrato ou contrato consigo mesmo: o representante celebra um negócio jurídico no qual intervém na
dupla qualidade de representante de ambas as partes, ou, simultaneamente em nome pessoal e em
representação de outra parte.
6
Já citado;
Página 7 de 9
Por exemplo, Damasiano é representante de Nelson. Normalmente o representante realiza um negócio com 3º e
age em nome alheio. No autocontrato, Damasiano realiza contrato consigo mesmo, por exemplo, vende para si
mesmo e entre em nome próprio. Damasiano é parte substancial.
O representante age em dois centros de interesses antagônicos: em nome alheio, e se vender para si próprio,
também age em nome próprio.
Art. 117, CC: a regra geral é a de que o autocontrato é anulável. Excepcionalmente, será válido caso a lei permita,
ou se o representante conceder ao representado poder para tanto. O autocontrato é autorizado por meio da
procuração. Por lei, o exemplo mais claro de autocontrato, é o chamado mandato em causa própria, também
chamado de mandato in rem suam. São os casos em que o mandatário pode celebrar contrato consigo mesmo
desde que tenha no mandato essa cláusula in rem suam – art. 685, CC.
f) Diferença entre representação e mandato: mandato é o contrato que regula a relação interna entre mandante
e mandatário, envolvendo a obrigação da prática de atos ou administração de interesses do mandante.
O mandato é um contrato, é um negócio jurídico bilateral (existem duas vontades: a do mandante e a do
mandatário).
Exemplo: Damasiano, representante, manifesta a vontade mediante procuração; Nelson, representado, é sobre
quem recaem os negócios. A procuração demonstra que existem os poderes de representação.
Teoria da separação: visa separar na representação, o que são os efeitos externos e os internos. A procuração
está ligada aos efeitos externos da representação, pois visa atrair o terceiro, demonstrando confiança em relação
aos poderes de representação para vincular terceiros.
O mandato, por sua vez, possui efeitos internos, pois distribui direitos e obrigações entre o mandante e o
mandatário. São as regras que vão disciplinar o cumprimento dos direitos e deveres. É no mandato que se
administra o interesse do representante e do representado – artigos 653 e 661, CC:
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§ 1º Para alienar, hipotecar, transigir, ou praticar outros quaisquer
atos que exorbitem da administração ordinária, depende a
procuração de poderes especiais e expressos.
§ 2º O poder de transigir não importa o de firmar compromisso”.
O que viabiliza agir em nome de outro é a procuração. Pode existir mandato sem representação (não pode
representar perante terceiros). Também pode haver representação sem mandato (concedo poderes de
representação por meio da procuração sem necessitar do mandato, por exemplo, em um contrato de trabalho,
em um contrato de prestação de serviços, contrato social, etc.). Art. 120, CC:
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MATERIAL DE APOIO
Disciplina: Civil
Professor: Nelson Rosenvald
Aulas: 31 e 32 | Data: 11/04/2016
ANOTAÇÃO DE AULA
SUMÁRIO
PRESCRIÇÃO
1. Noções gerais
2. Natureza jurídica
3. Prescrição no CPC/2015
4. Imprescritibilidade
PRESCRIÇÃO
1. Noções gerais
Conceito: prescrição é fato jurídico que cria uma exceção, destinada a neutralizar a eficácia da pretensão.
Exemplo: Nelson em 15/10 faz um empréstimo de R$ 10.000,00 para Damasiano, que deverá ser pago em 15/12.
Em 15/10, foi praticado um ato de autonomia privada, um negócio jurídico bilateral (contato de mútuo), onde
Nelson passou a ter um direito adquirido a um crédito e um direito subjetivo a uma prestação. O período de
15/10 a 15/12 é o período de pendência, onde o pagamento não pode ser exigido, pois ele vencerá em 15/12.
Com o vencimento, surgirá exigibilidade desta prestação que, caso não seja adimplida voluntariamente, gerará o
nascimento da pretensão.
A pretensão surge quando há a violação de um direito subjetivo (de dar, fazer ou não fazer), ou seja, quando a
pessoa se nega a cumprir a prestação. A pretensão é o poder de constranger o credor a pagamento caso ele não o
efetue espontaneamente. Ocorrendo o lapso temporal previsto, incidirá a prescrição.
A prescrição é um fato que cria para o devedor uma exceção de direito material que neutraliza a pretensão.
a) Clóvis Beviláqua: afirmava que prescrição é a perda da ação. Esta teoria não é aceita, pois a prescrição
não fulmina a ação, que é o direito subjetivo público que a parte tem de ver a pretensão decidida por um
juiz. Este direito de solicitar a prestação jurisdicional é imprescritível. Identificada a prescrição, o processo
será extinto com resolução do mérito. A prescrição já é discussão sobre um crédito. Art. 487, III, CPC/2015
A todo direito corresponde uma pretensão e a esta pretensão podem corresponder várias ações.
Exemplo: Damasiano não pagou um cheque para Nelson, cujo vencimento era 06/2016. Nelson possui uma
pretensão à exigibilidade do crédito. O prazo será de 6 meses para ajuizar a execução; 2 anos para ajuizar uma
ação de enriquecimento sem causa; 5 anos para ajuizar monitória e 10 anos para ajuizar uma ação ordinária.
Súmula 503, STJ: o prazo para ajuizamento de ação monitória em face de emitente de cheque é quinquenal,
contado da data de emissão estampada na cártula. A prescrição relaciona-se com a pretensão e não com a ação.
b) Caio Mario da Silva Pereira: diz que a prescrição fulmina o próprio direito subjetivo do credor. Este
raciocínio foi estabelecido com base na premissa de que, alcançada a prescrição, o credor perderia o seu
direito. Adimplido o débito pelo devedor após a prescrição, este pagamento seria o cumprimento de um
dever moral de modo que não poderia ser pleiteada a repetição de indébito.
Estes fundamentos não se sustentam mais, pois com base na teoria dualista da obrigação, qualquer relação
obrigacional possui dois elementos: débito (direito subjetivo do credor) e a responsabilidade (elemento sucessivo
da obrigação). A responsabilidade está na pretensão que o credor possui contra o devedor.
Quando ocorre a prescrição, ela pode afetar de alguma forma a pretensão do credor, mas em nada afeta o direito
subjetivo do credor (continua sendo titular da prestação). Se a dívida for adimplida após a prescrição, este
pagamento será eficaz. Caso se arrependa de pagar uma dívida prescrita e ajuíze uma ação de repetição de
indébito, ela será improcedente, pois o credor ainda era titular de um direito subjetivo – art. 882, CC:
“Art. 882. Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida
prescrita, ou cumprir obrigação judicialmente inexigível”.
Somente no âmbito do direito tributário é que a prescrição gera a perda do direito subjetivo – art. 156, V, CTN –,
pois o crédito será extinto. Adimplida uma dívida prescrita, neste caso, poderá ser ajuizada uma ação de repetição
de indébito em razão desta particularidade.
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V - a prescrição e a decadência;”
c) Código Civil 2002: a prescrição gera a própria extinção da pretensão do credor – art. 189, CC.
Para quem defende esta teoria, no momento em que ocorre a prescrição, o credor não pode exigir mais nada do
devedor. Não há mais poder de exigibilidade do crédito.
Exemplo: Nelson é credor de Damasiano do valor de R$ 10.000,00. Já ocorreu a prescrição e nada impede o
ajuizamento da demanda, que é ajuizada, objetivando o recebimento. Damasiano na contestação, mesmo ciente
da prescrição, a renuncia, afirmando que deseja pagar. Isto demonstra que Nelson não perdeu a exigibilidade. A
prescrição somente pode ser renunciada em razão da existência da pretensão – art. 191, CC:
Como devedor, a renuncia da prescrição que lhe beneficie, somente pode ocorrer após a consumação da
prescrição. Antes do prazo ser alcançado, ela não poderá ser renunciada. Os prazos prescricionais conferidos pela
lei são normas de ordem pública (segurança jurídica), assim, não podem ser reduzidos ou ampliados – art. 192,
CC:
d) Humberto Theodoro, Barbosa Moreira, etc.: parte da ideia de que o Código Civil está equivocado, uma
vez que a prescrição não é causa extintiva da pretensão, pois ela é um fato jurídico que cria em favor do
devedor uma exceção de direito material e com esta, o credor neutraliza a pretensão.
A prescrição é um fato jurídico porque é um acontecimento que se deu por força da lei (surge com o passar do
tempo). Cria uma exceção material em favor do devedor, porque a prescrição é matéria de direito patrimonial
privado, ou seja, disponível, logo, quando o devedor alega a prescrição está exercendo sua discricionariedade (ele
que decide se alega ou não).
Exceção de direito material é defesa indireta de mérito e está na órbita de discricionariedade do devedor. A
prescrição é um contra direito que nasce em favor do devedor pela passagem do tempo.
Quem defende que a prescrição extingue a pretensão do autor, acha que o credor possui uma “espada” na mão e
que na ocorrência da prescrição, esta arma cai de sua mão, devido à ausência de exigibilidade e consequente
extinção da prescrição.
Por outro lado, para quem defende esta quarta corrente, o credor não perde sua pretensão, porém, o devedor
utiliza como contra direito a exceção de direito material, e paralisa a eficácia da pretensão do credor – art. 189,
CC. Alegar ou não a prescrição é uma faculdade do devedor.
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3. Prescrição no CPC/2015
Art. 219, §5º, CPC/19731: este artigo coadunava com o entendimento do Código Civil.
A consequência imediata desta regra foi transformar a prescrição de exceção de direito material (direito
disponível) em objeção de direito material (matéria de ordem pública). A prescrição foi retirada do âmbito da
discricionariedade do devedor e colocada no âmbito de ofício do juízo.
A objeção diz respeito aos fatos que não alegados pelas partes e podem ser supridas de ofício pelo juiz. Exemplo:
nulidades.
Nota-se que uma norma de direito processual não pode revogar ou alterar uma norma de direito material, como
ocorreu com a previsão acima citada. O CPC desejou atuação imediata do juiz para o encerramento do processo
mediante a prescrição.
Art. 487, II, CPC/2015: decisão de ofício do juiz acerca da prescrição foi aparentemente mantida no CPC/2015.
Todavia, esta regra da forma que aduzida, permite ao juiz localizar de ofício a prescrição e não pronunciá-la de
ofício. Para que a prescrição seja decretada, o juiz deverá realizar um prévio contraditório, pelas seguintes razões:
(i) O devedor pode renunciar a prescrição, pagando o débito por ser o correto e manter seu bom nome
(art. 191, CC2). O processo civil visa materializar uma ética de direito privado. Caso ele não pudesse
renunciar a prescrição, seria uma afronta aos direitos da personalidade – art. 11, CC e 487, III, a,
CPC/2015;
(ii) O devedor pode renunciar a prescrição para receber em dobro dívida equivocadamente cobrada.
Exemplo: credor ajuíza ação requerendo o pagamento de R$ 10.000,00, que já foi adimplido. O
devedor pode fazer um pedido contraposto para receber o que está sendo cobrado em dobro. Para
fazer este pedido, o devedor deverá renunciar a prescrição para que possa provar o que já foi pago –
art. 940, CC:
1
Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em
mora o devedor e interrompe a prescrição. (...)
§ 5o Não se tratando de direitos patrimoniais, o juiz poderá, de ofício, conhecer da prescrição e decretá-la de imediato.
2
Já citado.
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“Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em
parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for
devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o
dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que
dele exigir, salvo se houver prescrição”.
A prescrição continua sendo uma exceção de direito material e não uma objeção.
Após ouvir o devedor, o juiz também deve ouvir o autor da demanda, porque existe um fato novo (prescrição) –
princípio da cooperação – art. 6º, CPC/2015:
O credor pode alegar, para afastar a prescrição, que fez um protesto extrajudicial que interrompeu o prazo
prescricional ou ainda, que antes de alcançar o prazo prescricional, o devedor pagou parcela de juros,
renunciando tacitamente a prescrição. Portanto, o juiz sempre deve conceder prazo de manifestação para o
credor, realizando o contraditório, pois pode ocorrer do débito efetivamente não estar prescrito, o que poderá
ser demonstrado somente por meio das alegações do credor. O autor na inicial deve apresentar somente os fatos
constitutivos de sua pretensão; os modificativos devem ser apresentados pelo réu.
Art. 487, parágrafo único, CPC/2015: reconhece a possibilidade de o juiz localizar a prescrição e determinar que as
partes se manifestem.
Art.332, §1º, CPC/2015: foi criada uma improcedência liminar do pedido que é uma espécie de julgamento
antecipado do mérito que ocorre antes da citação. Prescrição é matéria de mérito. Antes da citação, o juiz verifica
a prescrição e julga liminarmente improcedente. No §3º, deste mesmo artigo, em caso de recurso do credor ou
do devedor, será analisado o juízo de retratação pelo juiz da causa, motivo pelo qual se aceita a regra de
improcedência liminar do pedido com base na prescrição.
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§ 1º O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o
pedido se verificar, desde logo, a ocorrência de decadência ou de
prescrição. (...)
§ 3º Interposta a apelação, o juiz poderá retratar-se em 5 (cinco)
dias”.
Portanto, apenas no Direito Tributário a prescrição pode ser pronunciada de ofício, uma vez que não há
possibilidade de o particular renunciar ao seu direito – Súmula 409, STJ:
Em sentido contrário, por exemplo em uma reclamação trabalhista, o juiz pode ao recebê-la, pronunciar a
prescrição de ofício? Não, pois o reclamante é a parte assimétrica da relação jurídica, ou seja, a parte vulnerável
da relação. O reclamado/empregador é quem deve alegar a prescrição.
O mesmo entendimento ocorre em relação aos consumidores, pois os consumidores também são objetivamente
vulneráveis, de modo que o juiz não pode de ofício pronunciar a prescrição. Idosos são hiper-vulneráveis, logo,
não podem ter sua pretensão destruídas em razão da pronúncia de ofício de um magistrado; a outra parte é
quem deve alegar. No caso do menor, contra o absolutamente incapaz, não corre a prescrição.
4. Imprescritibilidade
Existem direitos subjetivos que não se submetem nem à prescrição, nem à decadência. Existem ações que são
perpétuas. São quatro hipóteses, onde se pode falar de uma imprescritibilidade:
A prescrição é um fato jurídico que só se aplica em relações obrigacionais. A propriedade, em regra, não se perde
pelo seu não uso. Art. 1.320, CC:
Usucapião: o termo prescrição aquisitiva não é adequado. Utiliza-se somente em razão da tradição. A usucapião é
modo de aquisição de direito reais. O fundamento da usucapião é a posse qualificada de uma coisa.
Informativo 560, STJ, 03/05/20153: o STJ decidiu pela impossibilidade da declaração de ofício pelo juiz da
usucapião.
3
http://www.stj.jus.br/SCON/SearchBRS?b=INFJ&tipo=informativo&livre=@COD=%270560%27
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DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. IMPOSSIBILIDADE DE DECLARAÇÃO DE OFÍCIO DA USUCAPIÃO.
O § 5º do art. 219 do CPC ("O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição") não autoriza a declaração, de ofício, da
usucapião. No ordenamento jurídico brasileiro, existem duas formas de prescrição: (i) a prescrição extintiva e (ii) a
prescrição aquisitiva. A prescrição extintiva (i) - a prescrição propriamente dita - conduz à perda do direito de
ação por seu titular negligente, ao fim de certo lapso de tempo. Por sua vez, a prescrição aquisitiva (ii) -usucapião
- faz com que um determinado direito seja adquirido pela inércia e pelo lapso temporal. Ambas têm em comum
os elementos tempo e inércia do titular, mas, enquanto na primeira eles dão lugar à extinção do direito, na
segunda produzem a sua aquisição. Realmente, o § 5º do art. 219 do CPC não estabeleceu qualquer distinção em
relação à espécie de prescrição. Sendo assim, num primeiro momento, poder-se-ia cogitar ser possível ao julgador
declarar de ofício a aquisição mediante usucapião de propriedade. Entretanto, essa assertiva não pode ser
aplicada. Primeiro, porque o disposto no § 5º do art. 219 está intimamente ligado às causas extintivas, conforme
expressamente dispõe o art. 220 - "O disposto no artigo anterior aplica-se a todos os prazos extintivos previstos
na lei" -, sendo que a simples leitura dos arts. 219 e 220 demonstra a impropriedade de se pretender projetar os
ditames do § 5º do art. 219 para as hipóteses de usucapião. Segundo, pois a prescrição extintiva e a usucapião são
institutos díspares, sendo inadequada a aplicação da disciplina de um deles frente ao outro, vez que a expressão
prescrição aquisitiva tem vínculos mais íntimos com fundamentos fáticos/históricos do que a contornos
meramente temporais. Essa diferenciação é imprescindível, sob pena de ocasionar insegurança jurídica, além de
violação aos princípios do contraditório e ampla defesa, pois, no processo de usucapião, o direito de defesa
assegurado ao confinante é impostergável, eis que lhe propicia oportunidade de questionar os limites oferecidos
ao imóvel usucapiendo. Como simples exemplo, se assim fosse, nas ações possessórias, o demandante poderia
obter um julgamento de mérito, pela procedência, antes mesmo da citação da outra parte, afinal o magistrado
haveria de reconhecer a prescrição (na hipótese, a aquisitiva-usucapião) já com a petição inicial, no primeiro
momento. Consequentemente, a outra parte teria eliminada qualquer possibilidade de defesa do seu direito de
propriedade constitucionalmente assegurado, sequer para alegar uma eventual suspensão ou interrupção
daquele lapso prescricional. Ademais, conforme a doutrina, o juiz, ao sentenciar, não pode fundamentar o
decidido em causa não articulada pelo demandante, ainda que por ela seja possível acolher o pedido do autor.
Trata-se de decorrência do dever de o juiz decidir a lide "nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso
conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte" (art. 128 do CPC). Ainda de
acordo com a doutrina, essa vedação, em razão do princípio da igualdade das partes no processo, aplica-se não só
ao demandado, mas, também, ao réu, de sorte que o juiz não poderia reconhecer ex officio de uma exceção
material em prol do réu, como por exemplo, a exceção de usucapião. REsp 1.106.809-RS, Rel. originário Min. Luis
Felipe Salomão, Rel. para acórdão Min. Marco Buzzi, julgado em 3/3/2015, DJe 27/4/2015.
b) Direitos da personalidade: também são imprescritíveis porque são atributos inerentes, indestacáveis da
pessoa. São adquiridos na concepção e somente se extinguem com a morte. É impossível uma pessoa ser
privada de direitos da personalidade.
Súmula 149, STF: a investigação de paternidade é imprescritível, porém não a petição de herança, porque este
não é direito da personalidade e sim direito patrimonial (prestação de conteúdo econômico). Os direitos
subjetivos ligados a crédito/prestações submetem-se a prazos prescricionais. Em caso de falecimento, o prazo
para petição e herança é de 10 anos.
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Nelson dirige um carro e atropelou Damasiano, que sofreu lesão corporal a sua integridade psicofísica.
Quando ocorre a prescrição da pretensão de ajuizar ação de reparação pelo dano moral decorrente deste
atropelamento?
O que não prescreve são os direitos da personalidade. A reparação pelo dano moral não é direito da
personalidade; o dano moral é uma consequência econômica de uma violação de um direito da personalidade.
Assim, a pretensão de sua reparação, submete-se a prazos prescricionais.
No Brasil existe apenas um caso reconhecido pela jurisprudência de reparação por dano moral imprescritível que
é a decorrente de tortura no período de exceção militar (ditadura). Como se trata a tortura de violação de direitos
humanos, são as Convenções Internacionais de Direitos Humanos que regem estas relações, e essas afirmam que
as ações de reparação de danos morais em caso de tortura são imprescritíveis.
c) Ações declaratórias: não se submetem a prazo de prescrição e nem de decadência. Na ação declaratória o
que se busca é a eliminação de uma incerteza, não desejando a condenação ou constituição de relação
jurídica.
As nulidades são imprescritíveis. O juiz declara a nulidade e, em caráter ex tunc, que o negócio jurídico nunca
produziu os efeitos jurídicos pertinentes.
Exemplo: Nelson deseja ajuizar contra seu filho uma ação negatória de paternidade, para desconstituí-la. Esta
ação não prescreve – art. 1.601, CC:
Informativo 570, STJ, 14/10/20154: a 4ª Turma do STJ decidiu que, no caso do promitente comprador do imóvel,
com a quitação de todas as parcelas da compra e venda, o prazo para ajuizar ação de adjudicação compulsória é
imprescritível, pois a lei não cita prazo de prescrição para esta ação de natureza constitutiva.
4
http://www.stj.jus.br/SCON/SearchBRS?b=INFJ&tipo=informativo&livre=@COD=%270570%27
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de compra e venda não pode ficar sujeito a eventuais situações atentatórias por parte dos contratantes, uma vez
que se exige a boa-fé em todas as fases da negociação. Dessa maneira, garantiu-se ao promissário comprador a
propositura da ação de adjudicação compulsória quando a demanda se fundar na inércia do promitente vendedor
que recebeu a quantia pela alienação do imóvel e deixou de emitir a escritura pública de compra e venda.
Cumpre esclarecer que direito subjetivo é o poder da vontade consubstanciado na faculdade de agir e de exigir de
outrem determinado comportamento para a realização de um interesse, cujo pressuposto é a existência de uma
relação jurídica. Por sua vez, encapsulados na fórmula poder-sujeição, estão os chamados direitos potestativos, a
cuja faculdade de exercício não se vincula propriamente qualquer prestação contraposta (dever), mas uma
submissão à manifestação unilateral do titular do direito, muito embora tal manifestação atinja diretamente a
esfera jurídica de outrem. Os direitos potestativos, são insuscetíveis de violação, porque a eles não se relaciona
nenhum dever, mas uma submissão involuntária, como salienta remansosa doutrina. De outro lado, somente os
direitos subjetivos estão sujeitos a violações, e, quando ditas violações são verificadas, nasce, para o titular do
direito subjetivo, a faculdade (poder) de exigir de outrem uma ação ou omissão (prestação positiva ou negativa),
poder tradicionalmente nomeado de pretensão. Nessa ordem de ideias, pode-se afirmar que a prescrição é a
perda da pretensão inerente ao direito subjetivo em razão da passagem do tempo, ao passo que a decadência se
revela como o perecimento do próprio direito potestativo pelo seu não exercício no prazo determinado. Posta
essa distinção, convém apontar que, por meio da propositura de ação de adjudicação, permite-se, cumpridos os
requisitos legais para a efetivação do contrato definitivo, a substituição da vontade do promitente vendedor por
sentença que valerá como título para registro no cartório de imóveis. Por tal razão, o art. 466-A do CPC assevera
que o autor - no caso, o promissário comprador - poderá obter uma sentença que produza os mesmos efeitos do
contrato a ser firmado. Ou seja, permite-se ao Poder Judiciário a ingerência na esfera jurídica do promitente
vendedor, a qual o submeterá à exigência do titular do direito. No caso, é válido ponderar que não se profere
sentença condenatória obrigando o promitente vendedor a celebrar contrato definitivo de compra e venda com a
consequente determinação de outorga de escritura pública ao promissário comprador. Ao contrário disso, a
própria decisão judicial gera a constituição de uma nova relação jurídica para garantir a definitividade da
contratação, cuja sentença substituirá a vontade da parte renitente. Assim, verifica-se que a ação de adjudicação
compulsória possui características de ação constitutiva, tendo em vista que a sentença judicial possui a mesma
eficácia de escritura pública de compra e venda do imóvel, sendo que não houve exteriorização da vontade por
resistência injustificada do promitente vendedor, aliada a um fundo declaratório quanto ao reconhecimento do
direito de realização do negócio definitivo. Nesse passo, mostra-se oportuno assinalar que a doutrina
compreende que as tutelas condenatórias se sujeitam a prazos prescricionais, enquanto as tutelas constitutivas
(positivas ou negativas) obedecem a prazos decadenciais. De modo contrário, as tutelas meramente declaratórias
(v.g., de nulidade) e as constitutivas sem previsão de prazo em lei não se sujeitam a prazo prescricional ou
decadencial. À primeira vista, a circunstância de o pedido de adjudicação compulsória consubstanciar-se em
exercício de direito potestativo - e reclamar, por outro lado, uma tutela de natureza constitutiva - poderia
conduzir à conclusão de que tal pedido estaria, em tese, sujeito a prazo decadencial. Entretanto, isso não ocorre,
haja vista a inexistência de previsão legal. De fato, o Código Civil de 1916, malgrado tenha baralhado as hipóteses
de prescrição e decadência, previu para a decadência a tipicidade das situações sujeitas a tal fenômeno. E mais, o
Código Civil de 2002, assim como o Estatuto Civil de 1916, não tem um prazo geral e amplo de decadência, como
tem em relação ao prazo de prescrição. Tanto o CC/1916 quanto o CC/2002 fizeram a opção de elencar de forma
esparsa e sem excluir outros diplomas, os direitos potestativos cujo exercício está sujeito a prazo decadencial.
Portanto, à míngua de previsão legal, o pedido de adjudicação compulsória, quando preenchidos os requisitos da
medida, poderá ser realizado a qualquer momento. REsp 1.216.568-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado
em 3/9/2015, DJe 29/9/2015.
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(i) Prefeito que incide nas penas da Lei 8.429/92 e há uma ação de responsabilidade civil, porque está
sendo condenado a devolver as quantias oriundas da condenação da prática de improbidade
administrativa: art. 37, §5º, CF – os prazos de prescrição estão na Lei 8.429/92, exceto quanto a ação
de ressarcimento que é imprescritível. Este entendimento é majoritário.
Existem interpretações minoritárias que afirmam ser o prazo para ressarcimento aquele descrito no Código Civil,
ou ainda de que o entendimento deveria ser ampliado para que a imprescritibilidade fosse aplicada em qualquer
ilícito praticado por agentes públicos em geral.
O entendimento que prevalece é de que a Ação Civil Pública é imprescritível, pois não existe prazo de prescrição
por analogia e contra a sociedade (dada a natureza da ação civil pública), pois nesta hipótese é a sociedade
visando proteger interesses meta-individuais, portanto, a prescrição deve proteger o interesse social na
reparação do bem jurídico coletivo. Em ação civil pública, segurança jurídica não é proteger o particular que está
no polo passivo e sim promover e proteger direitos fundamentais.
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MATERIAL DE APOIO
Disciplina: Civil
Professor: Nelson Rosenvald
Aulas: 33 e 34 | Data: 12/04/2016
ANOTAÇÃO DE AULA
SUMÁRIO
DECADÊNCIA
1. Noções gerais
2. Distinções entre prescrição e decadência
DECADÊNCIA
1. Noções gerais
Conceito: é a perda do direito potestativo pela inércia do seu titular no período determinado em lei.
Um direito potestativo pode ser exercido pela via judicial ou de “per si” – sem necessidade de ordem judicial,
como por exemplo a demissão de um empregado, a nomeação de um advogado, etc.. Contudo, os direitos
potestativos, comumente são exercitados via processo legal.
Exemplo: Nelson percebe que foi induzido em erro ao firmar um contrato; ajuíza uma ação de anulação de
negócio jurídico => isso é exercer um direito potestativo de anular um negócio jurídico em razão do dolo da outra
parte.
O juiz alterará a situação jurídica de Nelson e de Damasiano, sem pedir qualquer autorização para Damasiano. É
de quatro anos o prazo decadencial para anular um negócio jurídico.
Existem situações híbridas, por exemplo, Damasiano deseja divorciar; o divórcio é um direito potestativo de
submeter o outro cônjuge a sua vontade de extinguir o vínculo matrimonial, e este exercício de direito
potestativo pode ser exercido via judicial ou extrajudicial.
A primeira distinção entre prescrição e decadência refere-se à natureza das ações que as envolvem:
Exemplo 2: Damasiano locou imóvel comercial por 5 anos. Próximo ao término do contato e objetivando a
renovação do contrato por mais 5 anos, poderá ser ajuizada uma ação renovatória dentro do prazo legal
estabelecido – art. 51, §5º, Lei 8.245/91. O locatário terá direito potestativo à renovação do contrato.
A segunda distinção se relaciona aos prazos. O prazo máximo de prescrição no direito brasileiro é de 10 anos –
norma geral do art. 205, CC. O prazo de 10 anos é supletivo, pois somente se recorre a ele caso não tenha sido
fixado um prazo menor. O artigo 206, CC, fixa os prazos prescricionais. Não existem prazos prescricionais fora
destes artigos (diretriz da operabilidade – concentração do fenômeno da prescrição nos artigos 205 e 206, CC,
para facilitar a compreensão da matéria).
“Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja
fixado prazo menor.
Art. 206. Prescreve:
§ 1º Em um ano:
I - a pretensão dos hospedeiros ou fornecedores de víveres
destinados a consumo no próprio estabelecimento, para o
pagamento da hospedagem ou dos alimentos;
II - a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra
aquele, contado o prazo:
a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da
data em que é citado para responder à ação de indenização proposta
pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a
anuência do segurador;
b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da
pretensão;
III - a pretensão dos tabeliães, auxiliares da justiça, serventuários
judiciais, árbitros e peritos, pela percepção de emolumentos, custas e
honorários;
IV - a pretensão contra os peritos, pela avaliação dos bens que
entraram para a formação do capital de sociedade anônima, contado
da publicação da ata da assembleia que aprovar o laudo;
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V - a pretensão dos credores não pagos contra os sócios ou acionistas
e os liquidantes, contado o prazo da publicação da ata de
encerramento da liquidação da sociedade.
§ 2º Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a
partir da data em que se vencerem.
§ 3º Em três anos:
I - a pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos;
II - a pretensão para receber prestações vencidas de rendas
temporárias ou vitalícias;
III - a pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações
acessórias, pagáveis, em períodos não maiores de um ano, com
capitalização ou sem ela;
IV - a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa;
V - a pretensão de reparação civil;
VI - a pretensão de restituição dos lucros ou dividendos recebidos de
má-fé, correndo o prazo da data em que foi deliberada a distribuição;
VII - a pretensão contra as pessoas em seguida indicadas por violação
da lei ou do estatuto, contado o prazo:
a) para os fundadores, da publicação dos atos constitutivos da
sociedade anônima;
b) para os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos sócios,
do balanço referente ao exercício em que a violação tenha sido
praticada, ou da reunião ou assembleia geral que dela deva tomar
conhecimento;
c) para os liquidantes, da primeira assembleia semestral posterior à
violação;
VIII - a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a
contar do vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial;
IX - a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro
prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório.
§ 4o Em quatro anos, a pretensão relativa à tutela, a contar da data
da aprovação das contas.
§ 5o Em cinco anos:
I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de
instrumento público ou particular;
II - a pretensão dos profissionais liberais em geral, procuradores
judiciais, curadores e professores pelos seus honorários, contado o
prazo da conclusão dos serviços, da cessação dos respectivos
contratos ou mandato;
III - a pretensão do vencedor para haver do vencido o que despendeu
em juízo.
A decadência, por sua vez, está esparsa pelo ordenamento jurídico. Para a descoberta do prazo decadencial,
deverá ser verificado o caso concreto.
Exemplo: trânsito em julgado de um processo – ajuizada ação rescisória – esta ação se submete ao prazo de 2
anos, que é decadencial – art. 975, CPC/2015.
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“Art. 975. O direito à rescisão se extingue em 2 (dois) anos contados
do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo”.
A terceira e última distinção é com relação ao momento do nascimento do prazo prescricional e o da decadência.
O termo inicial da prescrição é a ocorrência da violação de um direito subjetivo
Exemplo: Damasiano foi atropelado no dia 20/11/2016. O termo inicial da prescrição, para ajuizar uma ação de
indenização, é o dia do atropelamento, pois neste dia houve a violação de seu direito subjetivo (que é exigir de
toda a sociedade um dever de proteção para que ninguém ofenda, sua pessoa, seus bens, sua integridade),
momento em que nasceu sua pretensão de ressarcimento (Teoria da actio nata)
Teoria da actio nata: teoria objetiva que ensina que, com o nascimento da obrigação, iniciam-se os prazos
prescricionais. Nasceu a pretensão, começa a correr a prescrição.
Ao lado desta teoria, há uma teoria subjetiva que não possui os mesmos pressupostos.
Exemplo: Damasiano sempre adquire o mesmo remédio para dor de cabeça e após utilização constante por 7
anos, passa a ter problemas cardíacos cuja origem se deu pelo uso do remédio.
Poderá ser ajuizada uma ação para ressarcir esse dano?
O CDC no art. 27, aduz que a pretensão a reparação dos danos prescreve em 5 anos, porém, a contagem do prazo
se inicia a partir do conhecimento do dano e de sua origem.
Esta é a teoria subjetiva, pois se relaciona com a capacidade de a vítima ter ciência da origem ou autoria destes
danos.
Exemplo 2: acidente de trabalho – o termo inicial é a partir do momento em que veio o laudo médico,
materializando aquela incapacitação – termo inicial – Súmula 278, STJ
Qual o início do prazo decadencial para ajuizamento de uma ação para anular um negócio jurídico?
O momento em que o contrato foi celebrado.
Exemplo: Nelson vendeu um imóvel a seu filho sem pedir autorização aos demais filhos. Estes, podem anular o
negócio jurídico. Qual é o prazo decadencial neste caso?
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Toda vez que a norma silencie e não diga qual é o prazo decadencial com relação a certas situações, deverá ser
verificada a norma residual do artigo 179, do Código Civil, ou seja, 2 anos a contar da conclusão do ato.
PRESCRIÇÃO DECADÊNCIA
É horizontal É vertical
Direito subjetivo a uma prestação Titular de direito potestativo
- Necessita da colaboração do devedor – - Aqui se está em posição de sujeição, ou seja, a
atitude ativa em cumprir uma ação de dar, parte não pede a colaboração, ela é submetida a
fazer ou não fazer uma vontade unilateral – é isso que acontece no
- Se houver crise neste dever de cooperação, mundo da decadência –
surge a pretensão que se extingue com a - Relações são marcadas pelo direito potestativo
prescrição x sujeição
As causas interruptivas se relacionam a uma conduta ativa que, em regra, é uma conduta do credor, mas que
também pode ser uma conduta do devedor. Por exemplo, o protesto extrajudicial do título do devedor,
notificação/interpelação do devedor, são condutas ativas que demonstram que o credor quer receber aquele
crédito. Em situações como estas, o prazo será de natureza interruptiva.
Suspensão e impedimento sempre se relacionam a causas subjetivas, ou seja, à pessoa do credor ou devedor. Por
exemplo, ser marido e mulher, pai e filho, ausente e presente, etc. Sempre são questões personalíssimas.
O efeito da interrupção é que o prazo recomeça do zero, enquanto que na suspensão, ele para e volta a correr de
onde parou. No impedimento, o prazo sequer começa a fluir; cessada, o prazo começará a fluir desde o início.
Artigos 197 a 201, CC:
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Art. 200. Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no
juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença
definitiva.
Art. 201. Suspensa a prescrição em favor de um dos credores
solidários, só aproveitam os outros se a obrigação for indivisível”.
1. Peculiaridades
a) João e Maria são namorados. João é credor de Maria de uma dívida que prescreve em 5 anos. Decorridos 2
anos do prazo de prescrição, eles se casam. No momento do casamento, ocorre a suspensão do prazo
prescricional. No momento do fim deste casamento, o prazo retornará a correr de onde parou, ou seja, de 2
anos em diante – art. 197, I, CC. Não é necessário um divórcio ou separação formal para que o prazo volte a
correr. Com a separação de fato, que comprova o fim do afeto, o prazo retornará a seu curso.
Esse raciocínio pode ser estendido à união estável?
Sim, pois é uma questão de equivalência de tutela constitucional. A CF protege todas as entidades familiares
com as mesmas garantias, desde que existam provas do início e fim da relação. Enunciado 296, CJF:
b) Criança ou adolescente que desejam ajuizar contra o pai uma ação de reparação por dano moral em razão da
omissão de cuidado. Há um impedimento do prazo prescricional, pois ele não corre contra os absolutamente
incapazes. Porém, na norma específica, este impedimento do prazo prescricional vai até os 18 anos – art.
197, III, CC – e não até os 16 anos. Assim, considerando o prazo prescricional da reparação de 3 anos,
ocorrerá a prescrição aos 21 anos.
Informativo 502, STJ de 24/08/20121: o prazo prescricional das pretensões de indenização por abandono afetivo
começa a fluir com a maioridade do interessado.
Hipótese diversa é quando um adolescente de 14 anos de idade é atropelado. O prazo para ajuizar ação de
reparação por danos se inicia aos 16 anos, pois é a regra geral da prescrição contra os incapazes. O prazo se inicia
aos 16 anos e encerra-se aos 19 anos – art. 198, I, CC (observar que com a vigência do Estatuto da Pessoa com
Deficiência, aqueles que eram considerados absolutamente incapaz, não são mais, restando apenas como
absolutamente incapaz os menores de 16 anos).
1
http://www.stj.jus.br/SCON/SearchBRS?b=INFJ&tipo=informativo&livre=@COD=%270502%27
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Uma pessoa com sofrimento psíquico, mesmo curatelada, terá o prazo prescricional correndo contra ela.
Enquanto não tiver alteração legislativa, a resposta é no sentido de que o prazo correrá normalmente contra
pessoa com deficiência que tenha curatela. Se o curador não fizer, ele será responsabilizado.
c) Pessoa que toma um tiro na perna em 2016. O autor do fato é condenado penalmente em 2026. O prazo de
3 anos, para ajuizamento da ação de responsabilidade civil, deverá observar o prazo de impedimento criado
pelo Código Civil, ou seja, o prazo só começará a correr a partir do trânsito em julgado da decisão penal. Não
aplico a teoria da actio nata. A condenação criminal é um título executivo cível. Como já está estabelecida a
autoria e o fato, este título poderá ser executado no cível – art. 200, CC. Este artigo prevê uma causa
impeditiva ao início da prescrição civil.
“Art. 200. Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no
juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença
definitiva”.
d) O Código Civil estabeleceu um limite para a interrupção da prescrição. A interrupção constante da prescrição,
sem dar continuidade às ações iniciadas, é um abuso de direito. Assim, o artigo 202, do Código Civil, previu
que a prescrição poderá ser interrompida apenas uma vez.
Leia-se, onde está escrito “uma vez”, no caput do artigo abaixo, que é “pela mesma causa”.
e) Interrupção do prazo prescricional: por exemplo, Nelson é credor de Damasiano de R$ 110.000,00 que vence
em 10 anos. Faltando 1 ano para a prescrição, Damasiano paga uma parcela de juros deste valor e
implicitamente reconhece a existência e validade deste débito.
O prazo de suspensão será interrompido e se iniciará do zero.
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Contudo, esta solução não combinava com o disposto no CPC/73 (que previa que a interrupção da prescrição
retroagirá à data da propositura da ação, art. 219, §1º2).
O CJF, em seu Enunciado 416, aduziu que o art. 202, CC deveria ser interpretado sistematicamente com o 219
CPC/73, no sentido de que o efeito interruptivo da prescrição é retroativo à data da propositura da demanda, ou
seja, interrompe no despacho se a citação ocorrer no prazo, e esta, ocorrendo no prazo adequado, retroagirá a
distribuição da ação.
Art. 240, §1º, CPC/2015: foi adequado ao Código Civil e ao Enunciado do CJF – interrompe a prescrição no
despacho e se a citação ocorrer, retroage a propositura da ação.
Art. 240, §2º, CPC/2015: se porventura o autor não se desincumbir do ônus de promover a citação no prazo de 10
dias, a interrupção terá como termo o despacho.
2. Prescrição intercorrente
Nelson é credor de Damasiano e tinha um prazo prescricional de 5 anos. Ajuizou a demanda com 4 anos. O prazo
prescricional foi interrompido. No meio da demanda, o credor tornou-se inerte. A partir do último ato em que o
autor deveria se manifestar e não o fez, se inicia a prescrição intercorrente, que é o mesmo prazo de prescrição
do direito material originário. Art. 202, parágrafo único, CC:
2
Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em
mora o devedor e interrompe a prescrição. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
§ 1º A prescrição considerar-se-á interrompida na data do despacho que ordenar a citação
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“(...) Parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a correr
da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para
a interromper”.
O CPC/2015 estendeu a prescrição intercorrente a fase de execução do processo. Art. 924, V, CPC/2015:
Súmula 314, STJ: a Fazenda, se não encontrar bens, suspende o processo por 1 ano. No prazo de 5 anos deverá
ser diligenciado e caso não o faça, ocorrerá a prescrição intercorrente.
Ajuizada demanda para anulação de negócio jurídico por coação. O prazo decadencial é de 4 anos. Ajuizada
posteriormente, já ocorreu a decadência do direito potestativo.
Questiona-se: o juiz pode pronunciar a decadência de ofício?
Sim, porque a decadência, ao contrário da prescrição, é matéria de ordem pública, uma vez que gira em torno de
direitos potestativos – art. 210, CC
Exemplo: Nelson é fornecedor de medicamentos e Damasiano dono de uma farmácia. Realizado contrato de
fornecimento de remédio, existe cláusula de que nos primeiros 3 anos, qualquer das partes podem denunciar o
contrato a qualquer tempo. Denunciar o contrato é a possibilidade de qualquer das partes exercer direito
potestativo de submeter a outra a uma resilição unilateral. Após 4 anos, Nelson ajuíza uma ação para denunciar o
contrato.
O juiz, neste caso, não pode pronunciar de ofício a decadência, pois não é prazo de decadência legal e sim
convencional (ajustado pelas partes com base na autonomia privada). Quando a decadência é convencional,
alegar ou não a decadência é dever da parte, ou seja, ela não é pronunciada de ofício – art. 211, CC:
Decadência é norma de ordem pública e uma objeção substancial somente quando se tratar de decadência legal.
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1. Impedimentos, interrupção e suspensão da decadência
A regra geral é que os prazos de decadência não são atingidos por suspensão, impedimento ou interrupção. O
ordenamento deseja que uma pessoa em situação de sujeição, recupere sua liberdade.
Porém, excepcionalmente prazos decadenciais podem ser suspensos, interrompidos ou impedidos – art. 207, CC:
Damasiano no mercado, adquire 10 caixas com leite em 15/10 e quando chega em casa, constata que o leite está
estragado. Pela lei, o prazo para discussão deste vício aparente é de 30 dias. O que ocorre se dentro deste prazo é
realizada uma reclamação ao gerente do mercado requerendo o valor de volta?
O prazo de 30 dias é decadencial (exercício de direito potestativo). Efetivada a reclamação, este prazo é
paralisado. O prazo somente voltará a correr caso o gerente recuse a reclamação. Art. 26, §2, CDC:
O termo “obsta” gera uma discussão na doutrina. O Professor entende que ocorre a interrupção porque se trata
de uma conduta ativa por parte do consumidor.
Exemplo: Suzane Von Ristofhen – a única pessoa que poderia ajuizar uma ação de indignidade para que fosse
excluída da sucessão era seu irmão. Esta ação, possui um prazo de 4 anos, a contar da morte.
Este prazo é decadencial, pois não consta nos artigos 205 e 206, do Código Civil, e teoricamente, por ser um prazo
para alguém desconstituir a situação de herdeiro de outrem. O irmão dela possui um direito potestativo. Seu
irmão era menor – aplica-se a decadência o disposto nos artigos 198, I, CC - ou seja, se estende o impedimento na
decadência para os absolutamente incapazes (16 anos de idade).
Art. 1.815, parágrafo único, CC: extingue-se em 4 anos contados da abertura da sucessão caso fosse maior de
idade. Como era menor, aplicando o artigo 208, CC, o prazo se iniciará quando deixar de ser absolutamente
incapaz.
Direito potestativo também é chamado de direito formativo extintivo (minoritário), porque o direito
potestativo se forma para a pessoa e extingue-se; quando se extingue a outra pessoa não está mais em
situação de sujeição ou submissão.
Próxima aula: Responsabilidade Civil.
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MATERIAL DE APOIO
Disciplina: Civil
Professor: Nelson Rosenvald
Aulas: 35 e 36 | Data: 06/05/2016
ANOTAÇÃO DE AULA
SUMÁRIO
RESPONSABILIDADE CIVIL
1. Ato ilícito
2. Culpa
3. Abuso de direito
3.1. Distinções
RESPONSABILIDADE CIVIL
Teoria subjetiva – artigo 927, CC: o quadro abaixo se refere à teoria subjetiva que continua sendo a base da
responsabilidade civil. A teoria subjetiva conjuga ato ilícito, culpa, dano injusto e nexo causal.
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a
outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou
quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano
implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
1. Ato ilícito
Portanto, no direito civil, violar o neminem laedere é suficiente para configurar o ato ilícito ensejador de
responsabilidade civil.
A antijuridicidade quando gera violação a pessoas e bens faz surgir a responsabilidade civil extra negocial (autor e
vítima não possuem uma relação anterior). Contudo, quando o comportamento antijurídico se baseia no
vencimento de uma obrigação, ocorre a responsabilidade negocial, popularmente conhecida como
responsabilidade contratual.
A responsabilidade negocial possui previsão no artigo 389, CC, enquanto que a responsabilidade civil (extra
contratual) é prevista a partir do artigo 927 e seguintes do Código Civil.
b) Elemento subjetivo: é a imputabilidade, assim, só posso atribuir um ato ilícito a uma pessoa que tenha
discernimento (sanidade + maturidade). O ordenamento só atribui a alguém a prática do ato ilícito se esta
pessoa tiver o exato entendimento do dever legal que ela deve respeitar ou se abster.
Menor de 18 anos e pessoas com sofrimento psíquico não praticam atos ilícitos, pois não possuem
imputabilidade, embora possam cometer ato antijurídico.
Exemplo: Pedrinho, com 12 anos, pegou a chave do carro do pai e atropelou Damasiano. A vítima deseja ingressar
com ação de responsabilidade civil. Damasiano, em regra, não pode ajuizar a ação de responsabilidade civil em
face de Pedrinho, pois ele não é imputável, ou seja, não é possível atribuir-lhe uma sanção de direito. Damasiano
deverá acionar os pais de Pedrinho, pois de forma excepcional existe a responsabilidade civil por fato de terceiro
ou indireta.
A responsabilidade civil por fato de terceiro ou indireta, surge quando uma pessoa é obrigada a indenizar por
comportamento antijurídico de outrem, nas hipóteses expressas em lei – artigo 932, I e II, CC:
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V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do
crime, até a concorrente quantia”.
E caso os pais reconhecessem o comportamento antijurídico do filho, mas se recusassem a indenizar afirmando
existir culpa in vigilando? Desde o Código Civil de 2002, não existe mais a possibilidade de se eximir da
responsabilidade com base em culpa in vigilando.
Desta forma, a responsabilidade dos pais é objetiva independentemente da existência de culpa – artigo 933, CC.
Este artigo endossou a teoria da substituição, ou seja, os pais, tutores e curadores atuam com longa manus dos
filhos menores, tutelados e curatelados, sendo que o ato recai imediatamente no patrimônio dos pais.
O Enunciado 450, CJF, ratifica a responsabilidade objetiva e afirma estar superado o modelo de culpa presumida.
Os pais do Pedrinho podem alegar a insuficiência de patrimônio, porém, por exemplo, caso Pedrinho tenha
recebido algum tipo de herança, sua execução direta não poderá ocorrer, visto que a responsabilidade principal é
dos pais, no entanto, nada obsta que seja ajuizada uma demanda contra os pais com pedido sucessivo contra o
Pedrinho.
O ordenamento permite que subsidiariamente seja possível, patrimonialmente, atingir o próprio incapaz. A
responsabilidade do incapaz é equitativa porque por mais que ele seja atingido, será alcançado em caráter
subsidiário e de forma mitigada – artigo 928, CC:
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No plano do processo civil ocorrerá o litisconsórcio alternativo, pois somente durante a lide é que será
identificada a ausência de patrimônio/condição econômica dos pais – artigo 326, CPC/151.
Contudo, no Informativo 575, de 04/02/2016, o STJ2 entendeu que estando os pais separados, a responsabilidade
será apenas de quem está com o menor em sua companhia.
DIREITO CIVIL. HIPÓTESE DE INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE CIVIL DA MÃE DE MENOR DE IDADE CAUSADOR
DE ACIDENTE.
A mãe que, à época de acidente provocado por seu filho menor de idade, residia permanentemente em local
distinto daquele no qual morava o menor - sobre quem apenas o pai exercia autoridade de fato - não pode ser
responsabilizada pela reparação civil advinda do ato ilícito, mesmo considerando que ela não deixou de deter o
poder familiar sobre o filho. A partir do advento do CC/2002, a responsabilidade dos pais por filho menor
(responsabilidade por ato ou fato de terceiro) passou a embasar-se na teoria do risco, para efeitos de
indenização. Dessa forma, as pessoas elencadas no art. 932 do CC/2002 respondem objetivamente
(independentemente de culpa), devendo-se, para tanto, comprovar apenas a culpa na prática do ato ilícito
daquele pelo qual os pais são legalmente responsáveis. Contudo, nos termos do inciso I do art. 932, são
responsáveis pela reparação civil "os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua
companhia". A melhor interpretação da norma se dá nos termos em que foi enunciada, caso contrário, bastaria
ao legislador registrar que os pais são responsáveis pelos filhos menores no tocante à reparação civil, não
havendo razão para acrescentar a expressão "que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia". Frise-se
que "autoridade" não é sinônimo de "poder familiar". Esse poder é um instrumento para que se desenvolva, no
1
Art. 326. É lícito formular mais de um pedido em ordem subsidiária, a fim de que o juiz conheça do posterior, quando não acolher o anterior.
Parágrafo único. É lícito formular mais de um pedido, alternativamente, para que o juiz acolha um deles
2
https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/
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seio familiar, a educação dos filhos, podendo os pais, titulares desse poder, tomar decisões às quais se submetem
os filhos nesse desiderato. "Autoridade" é expressão mais restrita que "poder familiar" e pressupõe uma
ordenação. Assim, pressupondo que aquele que é titular do poder familiar tem autoridade, do inverso não se
cogita, visto que a autoridade também pode ser exercida por terceiros, tal como a escola. No momento em que o
menor está na escola, os danos que vier a causar a outrem serão de responsabilidade dela, e não dos pais.
Portanto, o legislador, ao traçar que a responsabilidade dos pais é objetiva, restringiu a obrigação de indenizar
àqueles que efetivamente exercem autoridade e tenham o menor em sua companhia. Nessa medida, conclui-se
que a mãe que não exerce autoridade de fato sobre o filho, embora ainda detenha o poder familiar, não deve
responder pelos danos que ele causar. REsp 1.232.011-SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em
17/12/2015, DJe 4/2/2016.
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A única hipótese em que poderá haver responsabilidade solidária do
menor de 18 anos com seus pais é ter sido emancipado nos termos
do art. 5º, parágrafo único, inc. I, do novo Código Civil.
Caso os pais paguem a indenização, eles possuem direito de regresso contra o inimputável?
A princípio sim, pois os pais estão sendo responsabilizados por uma dívida alheia (como um fiador). Contudo, há
previsão expressa que excepciona a regra geral e que não permite o ressarcimento pelos pais – art. 934, CC.
“Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode
reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o
causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente
incapaz”.
Art. 2.010, CC: com a morte dos pais, os filhos que tiveram as despesas pagas no processo cível pelos pais,
deverão levar a colação, para reposição dos valores.
Portanto, o núcleo do ato ilícito é um comportamento antijurídico praticado por uma pessoa imputável.
2. Culpa
A culpa é pressuposto da responsabilidade civil na teoria subjetiva que consta do caput do art. 927, CC. A culpa
do direito civil é lato sensu, ou seja, abrange a culpa strictu sensu como o dolo.
Exemplo: sujeito é um psicopata, espanca a esposa com maldade, causando lesões corporais leves; policial no bar,
por um acidente sua arma cai e dispara, sendo seu amigo atingido e falecido.
No segundo exemplo, o dano foi maior, pois o bem jurídico vida possui um valor superior ao bem jurídico
integridade física. Para o direito civil o que interessa para fixar a responsabilidade civil é a extensão do dano e não
pelo grau da culpa – art. 944, CC:
Exemplos: psicopata, espancou a esposa, a matando; policial no bar, por um acidente sua arma cai e dispara,
sendo seu amigo atingido e falecido.
Em ambos os casos o resultado foi a morte, mas em qual a indenização será maior?
Tecnicamente a indenização será o mesmo valor visto que o bem jurídico atingido foi vida. Porém, esta resposta
não é ética, pois não é justo que um sujeito que matou a mulher com requintes de crueldade seja condenado no
mesmo valor que um policial que matou um colega por uma culpa leve.
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Dentro deste contexto, o Código Civil criou a regra de redução da reparação por equidade, a qual está prevista no
parágrafo único do artigo 944. Esta norma aduz que, ainda que causado um dano enorme, mas com culpa
mínima, o juiz deverá usar a razoabilidade para reduzir o valor global desta indenização. O Código visa evitar que
uma pessoa seja desproporcionalmente responsabilizada por uma culpa levíssima. Esta regra excepciona o
princípio da reparação integral.
Com base nesta norma, pode ser aumentado o valor da reparação no primeiro caso (psicopata que mata a
mulher)?
Não, pois o parágrafo único do art. 944, CC, permite apenas uma redução equitativa da condenação e não um
aumento.
No exemplo, caso o policial fosse uma pessoa com grade capacidade econômica para fazer frente ao valor global
da condenação, mesmo que tenha agido com culpa mínima, pagará o valor integral, pois o direito civil persegue o
valor integral. A norma do parágrafo único só incidirá caso comprovado que o agente além de ter culpa leve,
também não possui condições econômicas.
Exemplo: advogado iniciante que sem querer esbarra em um vaso que cai na cabeça de alguém. Ele terá direito a
uma reparação equitativa.
3. Abuso de direito
Exemplo: Damasiano andando pela rua, precisa de R$ 100.000,00. Encontra um funcionário da Losango e
consegue obter o valor almejado (contrato de mútuo) que deve ser devolvido em 15/03. Na data, a dívida não é
paga e passa a ser exigido juros de 12% ao mês. A Losango está praticando um ato ilícito qualificado pelo abuso
do direito.
O abuso do direito surge quando o ato é praticado de forma lícita, mas no seu resultado, em sua finalidade, há
uma desproporção que ofende a boa-fé objetiva ou a função social do negócio jurídico.
Consoante disposto no artigo 187, CC, também comete ato ilícito o titular de um direito (subjetivo ou potestativo)
que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social.
Assim, o abuso do direito surge de uma contradição: de um lado, alguém é formalmente titular de um direito, no
entanto, sua conduta é desproporcional e passa a ofender princípios que estão no ordenamento jurídico.
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3.1. Distinções
a) O ato ilícito culposo do artigo 186, CC, é o clássico. É chamado de subjetivo porque uma pessoa somente será
condenada a indenizar se ficar comprovado que sua atuação fugiu do dever de cuidado, ou seja, não atuou com
diligência que uma pessoa normal da sociedade faria.
Já o ato ilícito qualificado pelo abuso de direito, art. 187, CC, é chamado de objetivo (independente de culpa)
porque não interessa se a pessoa agiu com culpa o dolo, mas apenas a prova no caso concreto que apesar do
agente ser titular de um direito, a finalidade do ato foi desproporcional/excessivo diante do ordenamento
jurídico. Enunciado 37, CJF:
b) O ato ilícito do artigo 186, CC é qualificado pela ilegalidade, pois viola formalmente uma regra que está na lei.
O abuso de direito não é qualificado pela ilegalidade (Súmula 596, STF3, por exemplo), mas sim qualificado pela
ilegitimidade que decorre do seguinte raciocínio: quem pratica um abuso de direito não está violando uma regra,
mas sim, materialmente os limites éticos do ordenamento jurídico/sociedade.
Quando a pessoa pratica o ato ilícito baseado na culpa, ele já é ilícito desde a origem. No abuso de direito, a
ilicitude reside na finalidade do comportamento (contradição entre o comportamento e a finalidade do
ordenamento jurídico).No perímetro que separa o proibido do permitido, há o abusivo, que atualmente é tão
ilícito quanto o que é proibido.
c) O abuso de direito é qualificado pelo magistrado a posteriori, pois o artigo 187, CC, é uma cláusula geral sobre
o abuso de direito. Assim, há uma constante construção pelo sistema, por meio da interpretação de princípios,
acerca do que caracteriza o abuso de direito. O exemplo da Losango está ligado a previsão da Súmula 382, STJ4.
Culpa e abuso de direito são apenas elementos completantes do ato ilícito para fins de responsabilidade civil, ou
seja, o ato ilícito existe independentemente da culpa ou do abuso de direito.
O ato ilícito é uma espécie do gênero fato jurídico, sendo sua característica ser um ato jurídico contrário do
direito. A responsabilidade civil é uma obrigação de indenizar.
(Próxima aula: teoria do dano injusto).
3
Súmula 596, STF: As disposições do Decreto 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por
instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional.
4
Súmula 382, STJ: A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.
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MATERIAL DE APOIO
Disciplina: Civil
Professor: Nelson Rosenvald
Aulas: 37 e 38 | Data: 12/05/2016
ANOTAÇÃO DE AULA
SUMÁRIO
RESPONSABILIDADE CIVIL
TEORIA DO DANO
1. Dano e o ilícito
2. Dano injusto
3. Dano patrimonial
3.1. Técnicas processuais para efetividade dos lucros cessantes
3.2. Perda de uma chance
RESPONSABILIDADE CIVIL
TEORIA DO DANO
1. Dano e o ilícito
O dano é um pressuposto da responsabilidade civil (fato gerador), mas não é um pressuposto do ato ilícito.
O art. 927, CC, denota que o dano é imprescindível para a responsabilidade civil. Ele é um pressuposto autônomo.
Assim, a responsabilidade civil é apenas uma possível eficácia de um ilícito civil.
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a
outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou
quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano
implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
Quando um ato ilícito causa um dano, a consequência dele é a responsabilidade civil. No entanto, o ato ilícito
possui outros efeitos não reparatórios, mas inibitórios (exemplo: tarado que ameaça ir ao apartamento da
vizinha). Trata-se de uma eficácia inibitória.
Nesse contexto, a finalidade da tutela inibitória não é combater o dano, mas evitar que o ato ilícito seja reiterado
– art. 12, CC.
Exemplo: negócio jurídico onde Damasiano utiliza-se de dolo com Nelson – julgada procedente a pretensão,
constata-se que o dolo é um ato ilícito, no entanto, a sentença não criou responsabilidade civil, mas invalidou o
negócio jurídico. Neste exemplo, o ato ilícito possui uma eficácia invalidante – art. 182, CC:
Exemplo: mãe praticando alienação parental – é um ato ilícito, um comportamento antijurídico – art. 6º, VII, Lei
12.318/2010 – ocorrerá a suspensão da autoridade parental. É uma eficácia caducificante do ato ilícito, ou seja, a
sanção do ato foi a perda da autoridade parental.
Exemplo: Nelson doou sua cobertura no Leblon e após 6 meses perdeu todos os bens – busca a pessoa para quem
doou o bem e pede ajuda, sendo que a pessoa nega veementemente, caracterizando ingratidão – a doação
poderá ser revogada conforme previsão do art. 555, CC. É uma eficácia, do ato ilícito, autorizante, pois autoriza a
parte a destituir a parte a buscar a revogação da doação.
A responsabilidade civil somente será gerada quando o ato ilícito for atrelado a culpa, dano e ao nexo causal.
Todas questões citadas também se aplicam ao abuso de direito, que pode gerar diversas consequências fora da
responsabilidade civil – Enunciado 539, CJF:
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2. Dano injusto
A Teoria da Responsabilidade Civil está no contexto constitucional, assim, a mesma lógica de ponderação de bens
contida no texto constitucional, deve presidir o estudo da responsabilidade civil.
Exemplo 1: proprietário de uma padaria; Nelson abre outra padaria à 100 metros de distância e coloca o pão à
venda em valor inferior. Ocorreu um dano justo ao proprietário da padaria, com fundamento na liberdade da
ordem econômica contido na CF.
Exemplo 2: vendo minha padaria e 15 dias depois abro nova padaria à 100 metros da anterior. Há
responsabilidade civil, pois a parte sofreu um dano injusto, visto que a conduta do vendedor foi injustificada a luz
dos direitos fundamentais, pois foi induzida a prática de um ato e posteriormente houve um comportamento
contraditório.
Exemplo 3: comprei apartamento com vista para o mar e após 2 anos constróem um prédio que tira a vista para o
mar. Foi um dano justificado com base no direito de propriedade. Caso simplesmente fosse colocado um muro
sem motivos, seria um dano injusto, visto que o comportamento não seria justificado com o direito de
propriedade.
Enunciado 279, CJF: este enunciado demonstra que com base em parâmetros objetivos será possível constatar
que o dano é justificado ou injustificado.
Somente no caso concreto será possível efetivar o balanceamento entre os bens que estão em tensão e a
situação do ofensor e do ofendido.
3. Dano patrimonial
Dano emergente é o prejuízo efetivamente sofrido pela vítima em razão da lesão. É o decréscimo patrimonial
consequente da lesão.
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Lucros cessantes concernem a tudo aquilo que razoavelmente a vítima deixou de auferir em função da lesão.
Alguns autores os chamam de lucros frustrados.
Exemplo: bêbado que bate em táxi – motorista do táxi fica 1 ano na UTI. Ele poderá pleitear danos emergentes
(carro), danos hospitalares e lucros cessantes (renda que deixou de auferir por 1 ano como taxista).
Ingresso para show onde o artista não comparece: poderá ser pleiteado dano emergente (o que gastou como
bilhete), e caso requeira lucros cessantes deverá ser provada a existência de oportunidades frustradas.
Nem sempre onde existe lucros cessantes, há dano emergente e vice e versa.
Art. 402, CC: os lucros cessantes não serão concedidos com base em um hipotético capital; eles deverão ser danos
prováveis.
A empresa que organizou o show frustrado, poderá requerer lucros cessantes consubstanciado nos valores da
bilheteria frustrada.
Exemplo: Damasiano é camelô que, ao ser fiscalizado, discute com o fiscal, que destrói a barraca de livros e faz
com que o camelô caia e bata a cabeça. Há possibilidade de requerer lucros cessantes neste caso?
Não, pois a atividade era irregular. Não há como comprovar a privação de ganhos, pois eles eram duvidosos.
Exemplo: João com 7 filhos (5 menores) e esposa, ganha R$ 900,00 por mês, é atropelado por um ônibus e morre.
A família poderá pleitear:
- danos emergentes: valor gasto com algum atendimento hospitalar antes dele falecer e o gasto com o
funeral;
- lucros cessantes: consubstanciados em alimentos, pensão, ou seja, a verba que a família receberá
mensalmente como privação do ente querido. Art. 948, I, II, CC:
No exemplo acima, apenas os 5 filhos menores e cônjuge que terão direito a pensão e, segundo a jurisprudência,
receberão 2/3 do que o falecido recebia (entende-se que 1/3 era para os gastos pessoas do falecido).
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Atingida a maioridade dos filhos menores, a pensão será mantida até os 25 anos, de acordo com a jurisprudência.
Caso a pessoa tenha algum tipo de deficiência física ou mental, a pensão poderá ser mantida. Em relação ao
cônjuge não há limitação de idade para seu recebimento.
A jurisprudência entende pela existência do direito de acrescer, ou seja, a parte de cada filho, quando este atingir
a maioridade, será comunicada aos demais, assim, seu quinhão é acrescido nos demais.
E no caso de um menino de 10 anos que falece em decorrência de um acidente? Sua família receberá lucros
cessantes?
A Súmula 491, STF, criou uma figura presumida de lucros cessantes. Esta súmula foi criada antes da CF/88, época
em que o dano moral não estava sedimentado. Sua peculiaridade é no sentido de que a família receberá meio
salário mínimo a partir do momento em que ele tinha 14 anos (idade em que poderia começar a trabalhar como
aprendiz) até os 25 anos (idade e que provavelmente constituiria sua família e não poderia mais ajudar os pais).
O art. 533, CPC/15 expõe que quando a indenização incluir prestação de alimentos, deverá ser constituído capital
para assegurar o pagamento, ou seja, ao invés da família da vítima ter o risco de obter a sentença procedente e
não receber mais nada, constitui-se um capital para garantia.
A constituição de capital é uma técnica processual de tutela de direitos materiais. O capital fica atrelado à família
da vítima e todo mês retira-se o valor para pagamento dos lucros cessantes à família.
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§ 4º A prestação alimentícia poderá ser fixada tomando por base
o salário-mínimo.
§ 5º Finda a obrigação de prestar alimentos, o juiz mandará liberar o
capital, cessar o desconto em folha ou cancelar as garantias
prestadas”.
O juiz, ao verificar enorme capacidade financeira do causador do dano, poderá exigir a integralidade do valor para
proteção da família da vítima.
E caso a capacidade econômica do causador do dano seja diminuída ou a família da vítima informe a necessidade
de um valor maior para sobrevivência?
Por mais que haja coisa julgada formal na decisão que fixou o valor mensal a ser pago, nada impede que seja
distribuída uma nova demanda para discussão deste cenário econômico alterado com a possibilidade de
ampliação/diminuição dos alimentos – art. 533, §3º, CPC.
Art. 528, CPC/15: novidade legislativa - no cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação
alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar
o executado pessoalmente para em 3 (três) dias pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de
efetuá-lo.
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§ 4º A prisão será cumprida em regime fechado, devendo o preso
ficar separado dos presos comuns.
§ 5º O cumprimento da pena não exime o executado do
pagamento das prestações vencidas e vincendas.
§ 6º Paga a prestação alimentícia, o juiz suspenderá o
cumprimento da ordem de prisão.
§ 7º O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante
é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao
ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do
processo.
§ 8º O exequente pode optar por promover o cumprimento da
sentença ou decisão desde logo, nos termos do disposto neste Livro,
Título II, Capítulo III, caso em que não será admissível a prisão do
executado, e, recaindo a penhora em dinheiro, a concessão de efeito
suspensivo à impugnação não obsta a que o exequente levante
mensalmente a importância da prestação.
§ 9º Além das opções previstas no art. 516, parágrafo único, o
exequente pode promover o cumprimento da sentença ou decisão
que condena ao pagamento de prestação alimentícia no juízo de seu
domicílio”.
A prestação alimentícia é um gênero, onde são incluídos os alimentos do direito de família e os que tem como
fundamento um ilícito. A pena de prisão prevista neste artigo, está sendo estendida para o devedor de alimentos
sejam eles oriundos do direito de família ou de um ilícito civil. A pena é um constrangimento para a pessoa pagar,
logo, ela continua devedora.
Outra forma de constranger o devedor de alimentos por ato ilícito a pagar, é a fixação de uma multa periódica
(astreintes).
Informativo 568, STJ1: cabe IR sobre os danos emergentes? Não, pois não existiu ganho de capital, mas sim uma
reposição do que já se tinha e que a vítima foi provada.
E imposto de renda sobre lucros cessantes?
Sim, pois quando se trata de acréscimo patrimonial, deverá incidir imposto de renda independentemente da
fonte.
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corresponde a perdas e danos, devendo englobar não apenas o que o indivíduo perdeu, como também o que
deixou de lucrar, este último denominado "lucros cessantes". Nesse contexto, a natureza indenizatória dos lucros
cessantes não os retira do âmbito de incidência do IR, pois o que interessa para a tributação por intermédio do
referido tributo, como visto acima, é a obtenção de riqueza nova, ou seja, a ocorrência de acréscimo patrimonial.
Assim, para fins de incidência do IR, o nomen iuris atribuído à verba é irrelevante. No caso dos valores percebidos
a título de pensionamento por redução da capacidade laborativa decorrente de dano físico causado por terceiro,
não obstante a verba ostente a natureza de lucros cessantes - o que a qualifica como verba indenizatória -, há
acréscimo patrimonial apto a autorizar a incidência do IR com base no art. 43, II, do CTN. REsp 1.464.786-RS, Rel.
Min. Og Fernandes, julgado em 25/8/2015, DJe 9/9/2015.
Valor máximo dos lucros cessantes e danos emergentes: é o total dos danos emergentes acrescidos aos lucros
cessantes. A título de indenização, não pode ser recebido algo a mais do que os danos emergentes e lucros
cessantes sofridos, pois a finalidade da responsabilidade civil é o reequilíbrio do patrimônio da vítima.
Exemplo: contrato de seguro que prevê o pagamento de R$ 50.000,00 pelo bem, mas este possui valor de
mercado inferior – art. 781, CC – o teto do seguro é o valor real do bem específico – Informativo 573,
25/11/20152.
Não utilizar a expressão “dano material, mas sim “dano patrimonial”, pois este é uma lesão ao patrimônio da
pessoa, enquanto que aquele é o dano contra coisas, objetos e se contrapõe aos danos pessoais. Dano
extrapatrimonial é a lesão a interesses existenciais da pessoa (dano moral).
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Atualmente existe uma terceira categoria dos danos patrimoniais: a perda de uma chance.
A perda de uma chance consiste em uma oportunidade dissipada de obter futura vantagem ou de evitar um
prejuízo em razão da prática de um dano injusto.
Leading case: Baiana que foi ao programa Show do Milhão do Silvio Santos. Quando era alcançado R$ 500.000,00,
o Silvio Santos informava que caso acertasse a pergunta, ganharia um milhão, se errasse, perderia tudo e caso
ficasse quieta, levaria o que já tinha. A questão foi sobre a Constituição, ela não arriscou, e ficou com os R$
500.000,00. Contudo, verificou posteriormente que a pergunta havia sido mal formulada tirando o direito dela de
ganhar um milhão. Ela ingressou com ação e ganhou um milhão. Após recursos, quando o processo chegou no
STF, ele compreendeu que se tratava da perda de uma chance, porque se a pergunta fosse corretamente
formulada ela teria 25% de chances de acertar a questão (4 alternativas), logo, ela possuía direito a ganhar o
correspondente a 25% dos R$ 500.000,00.
A teoria da perda de uma chance consiste na privação da oportunidade de um ganho, ou seja, de uma ocasião de
um lucro. A chance deve ser séria e real para a obtenção de indenização por perda de uma chance. Chance
remota e distante não pode ser objeto da perda de uma chance.
Exemplo: candidato indo para a prova oral da magistratura que é atropelado e não faz a prova. A título de perda
de uma chance, poderá receber uma verba por um tempo para sua recuperação e retorno aos estudos.
Enunciado 444, CJF: afirma que a chance perdida pode apresentar a natureza jurídica de um dano patrimonial. A
perda de uma chance sempre será um dano patrimonial. A chance é um bem jurídico imaterial e possui um valor
econômico.
Exemplo: advogado que perde prazo para recurso de apelação em face de sentença de improcedência acerca da
perda de uma chance requerida no valor de R$ 100.000,00. Constata-se que o Tribunal, em 20% dos casos
alterava este tipo de julgamento. O advogado desidioso poderá ser processado pelo cliente pela perda de uma
chance de ver o processo julgado pelo Tribunal uma vez que tinha chance de 20% de alteração, ou seja, o
advogado poderá ser condenado ao pagamento do correspondente a 20% do valor requerido (percentual
correspondente a chance de alteração do julgado).
E caso houve uma súmula vinculante?
Não ganharia a perda de uma chance, mas sim lucros cessantes, pois fatalmente seria obtido o valor total da
condenação.
Art. 402, CC: existem duas correntes que tentam definir a perda de uma chance:
a) afirma que a perda de uma chance seria uma espécie de dano emergente.
b) afirma que a perda de uma chance é uma terceira espécie de dano patrimonial, tendo em vista a
necessidade de interpretação do art. 402, CC, conforme a Constituição, uma vez que devido a
razoabilidade não se pode conceber que uma pessoa seja frustrada em sua chance e não seja indenizada.
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“Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as
perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele
efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”.
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MATERIAL DE APOIO
Disciplina: Civil
Professor: Nelson Rosenvald
Aulas: 39 e 40 | Data: 16/05/2016
ANOTAÇÃO DE AULA
SUMÁRIO
DANO MORAL
1. Conceito e noções gerais
2. Dano estético
3. Dano à imagem
4. Lesados indiretos
5. Dano moral e a pessoa jurídica
6. Dano moral coletivo
DANO MORAL
A responsabilidade civil é uma obrigação de reparar danos com a finalidade de reequilibrar o patrimônio da
vítima, sendo formada pelo ato ilícito, culpa, dano injusto e nexo causal. O dano patrimonial poderá ser dano
emergente, lucros cessantes e perda de uma chance.
Alguns dizem que o dano moral é a dor concernente à mágoa de uma pessoa, no entanto, isto não é dano moral,
vez que estes sentimentos são eventuais consequências de um dano moral. Assim, a causa não pode ser
confundida com um sintoma eventual.
Informativo 559, STJ, de 16/04/20151: afirma que um absolutamente incapaz pode sofrer dano moral. Um
nascituro, assim como uma mulher em estado de coma, também pode sofrer dano moral. No informativo, é
afirmado que o dano moral surge quando a dignidade é atacada.
Assim, o dano moral pode ser considerado como uma lesão a dignidade da pessoa humana?
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Portanto, “dano moral é a lesão a um interesse existencial concretamente merecedor de tutela”. Deve existir uma
ponderação conforme as circunstâncias que estão sendo colocadas no caso concreto, ou seja, no caso concreto
deve ser verificada a lesão a um interesse digno de proteção.
Exemplo: deputado afirma que determinado jornal lhe causou um dano moral – os parâmetros objetivos dados
pela doutrina possibilitarão a verificação de quando as matérias no jornal gerarão um dano moral.
Enunciado 445, CJF: o dano moral indenizável não pressupõe a verificação de sentimentos humanos.
No Brasil, dano moral é sinônimo de dano extrapatrimonial. O termo oficial utilizado pela Constituição é “dano
moral” – art. 5º, X, CF.
Indenizar significa eliminar o dano. Sofrido um dano patrimonial, a indenização busca reestabelecer o estado
anterior, ou seja, liquidar e neutralizar o prejuízo econômico.
Por sua vez, no dano moral, nenhum valor pecuniário será capaz de repor a ofensa ao direito existencial. Por isso
no dano moral há compensação, ou seja, mitigação do dano, um paliativo econômico para minimizar o dano
moral sofrido.
O dano moral possui dupla finalidade, pois além de ser compensatório é satisfativo, uma vez que também é uma
resposta do Poder Judiciário a uma agressão ao que não possui valor econômico.
Observar que o termo “reparação” é o gênero que tanto serve para o dano patrimonial, que é indenizável, quanto
para o moral, que é compensado.
Um só fato pode ao mesmo tempo gerar o dano patrimonial e o moral. Exemplo: motorista de ônibus que
atropela e mata um pedreiro que era casado e tinha filhos menores: haverá danos emergentes, lucros cessantes e
dano moral.
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Súmula 37, STJ: prevê a cumulação das indenizações por dano patrimonial e moral.
Art. 948, CC: no caso de homicídio a indenização consiste no dano emergente e nos lucros cessantes, sem excluir
outras reparações, ou seja, além dos danos patrimoniais há a possibilidade de fixação de reparação por dano
moral em favor da família da vítima.
O dano moral pode ser requerido de forma autônoma, sendo este chamado de dano moral puro ou autônomo.
Tal possibilidade se fundamenta nos termos “exclusivamente moral” contido no art. 186, CC.
Dano moral por inadimplência é inadmissível, pois o inadimplemento é considerado pela doutrina como um
simples aborrecimento.
Não confundir a patrimonialidade da prestação com a extrapatrimonialidade do interesse, pois muitas vezes
aquela relação nasce de uma relação contratual, mas de forma subjacente ocorre um interesse extrapatrimonial,
pois há a violação de interesse merecedor de tutela.
Por exemplo: contrato com a Unimed que se recusa a cumprir determinada obrigação consistente no
fornecimento de válvula. Caso o paciente sobreviva, ele poderá posteriormente requerer compensação por dano
moral.
Não interessa se o dano moral se originou de uma relação obrigacional ou não – Enunciado 411, CJF -, o que
importa é a violação do valor fundamental protegido pela CF/88.
Exemplo: R$ 200.000,00 de dano emergente, R$ 500.000,00 de lucros cessante e R$ 200.000,00 de dano moral.
Sobre os danos emergentes não incidirá imposto de renda, pois ele está restabelecendo o que foi retirado. Sobre
os lucros cessantes, incidirá imposto de renda. No tocante ao dano moral, sob um olhar técnico, incidiria imposto
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de renda devido ao acréscimo patrimonial ocorrido, contudo, sob o ponto de vista ético, não é devido imposto de
renda, pois o Estado não pode “mear” a ofensa a interesses existenciais.
Súmula 498, STJ: não incide imposto de renda sobre a reparação por danos morais.
2. Dano estético
O dano estético é um tertium genus e se trata de um dano à saúde. O “enfeamento” é uma espécie de dano
estético, contudo, isso denota que o dano estético não é apenas uma lesão à aparência externa da pessoa, mas
também que ele surge toda vez que ocorrer o comprometimento permanente a uma função do corpo humano,
independentemente de uma transformação estética externa.
O caso mais famoso de dano estético é o do Lars Grael, pois quando ele velejava houve interferência de terceiro
alcoolizado, gerando a decepação de sua perna. A permanente perda de eficiência causada pela perda da perna é
o dano estético.
Súmula 387, STJ: é possível a cumulação das indenizações por dano estético e dano moral.
3. Dano à imagem
O direito à imagem ostenta feição dúplice: é, de um lado, direito da personalidade; de outro, é direito que possui
feição patrimonial, e o uso indevido da imagem alheia, mesmo sem lesão à honra ou à intimidade, é indenizável.
O dano à imagem é sofrido quando alguém captura sua imagem indevidamente, independentemente de qualquer
dano moral ou patrimonial.
Art. 5º, V, CF: prevê a indenização por dano à imagem. O dano moral e o dano à imagem são distintos.
Nota-se clara distinção entre a ofensa ao direito de imagem, por uma publicação sem autorização, por exemplo, e
o dano moral, pois caso a foto publicada não seja ofensiva à honra ou intimidade, não haverá dano moral.
Súmula 403, STJ: não é necessária a prova do prejuízo sobre a publicação não autorizada. Não é necessário provar
que a pessoa que publicou indevidamente a foto ganhou dinheiro.
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Súmula 403, STJ
Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não
autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais.
Informativo 549, STJ, de 05/11/2014: é irrelevante o fato da fotografia não denotar a existência de finalidade
comercial ou econômica, mas meramente eleitoral.
O dano sofrido pela vítima é o dano in re ipsa, ou seja, o dano é presumido, pois a vítima não precisa provar que
foi atingida em algum direito da personalidade.
Enunciado 587, CJF: o dano à imagem será configurado quando houver utilização indevida deste bem jurídico. É
uma modalidade de dano in re ipsa.
4. Lesados indiretos
Leading case: Fernando Moraes, biógrafo, escreveu a biografia “Estrela Solitária” sobre a vida de Garrincha,
escrevendo sobre sua intimidade sexual, fazendo analogia com sua cidade chamada “Pau Grande”. As filhas do
Garrincha fixaram escandalizadas e ingressaram com uma ação de reparação por dano moral. O TJRJ entendeu
que elas não tinham direito a nenhuma reparação. Levada a questão ao STJ, este entendeu pela reparação de
dano moral à família, mesmo ele já estando morto.
Com a morte de Garrincha, extinguiram-se os seus direitos da personalidade, contudo, a legitimidade ativa de
suas filhas se fundamenta no fato delas serem as chamadas “lesadas indiretas” em razão da memória do morto.
Com a morte, a memória do morto transcende a vida da pessoa, e esta concerne ao nome do morto, a sua
imagem, a honra do morto, sendo estes bens jurídicos que permanecem na titularidade dos lesados indiretos.
Os lesados indiretos sofrem o chamado dano reflexo, pois a lesão ocorreu em face do falecido, mas ela refletiu na
psique de cada um dos familiares, atingindo seus interesses existenciais.
Art. 12, parágrafo único, CC: ao invés de ler “morto”, ler como “memória do morto”.
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“Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da
personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras
sanções previstas em lei.
Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para
requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou
qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau”.
O dano reflexo é pleiteado em nome próprio, pois apesar de ser reflexo, ele atingiu de forma direta os interesses
existenciais daquelas vítimas.
Enunciado 400, CJF: aduz acerca da legitimidade para agir em nome próprio.
Art. 12, parágrafo único, CC: a legitimidade para agir recai sobre os herdeiros. O espólio não pode ajuizar esta
reparação uma vez que ele somente possui legitimidade ativa para figurar em questões patrimoniais.
O rol contido no parágrafo único do art. 12, CC, não é exaustivo, assim, outras pessoas que não foram nele
citadas, poderão ingressar com a ação, desde que comprovado o liame afetivo.
Pode haver dano reflexo, mesmo que a outra pessoa não tenha falecido. Exemplo: filho alvejado por balas que
fica paraplégico; os pais deste menino também podem possuir uma demanda contra o autor do ilícito, há dano
reflexo, pois a paraplegia do filho gerou danos aos pais.
Em sede de lesados indiretos, falecida a pessoa, que deixa filhos e avós, todos poderão requerer danos reflexos. A
presença de um núcleo familiar não retira a possibilidade do outro núcleo formular o pleito
Informativo 544, STJ, de 27/08/2014: o juiz deve observar a situação individual de cada um dos lesados
independentemente de qual classe for.
DIREITO CIVIL. METODOLOGIA DE FIXAÇÃO DE DANOS MORAIS DEVIDOS A PARENTES DE VÍTIMAS DE DANO
MORTE NA HIPÓTESE DE NÚCLEOS FAMILIARES COM DIFERENTE NÚMERO DE MEMBROS.
Na fixação do valor da reparação pelos danos morais sofridos por parentes de vítimas mortas em um mesmo
evento, não deve ser estipulada de forma global a mesma quantia reparatória para cada grupo familiar se, diante
do fato de uma vítima ter mais parentes que outra, for conferido tratamento desigual a lesados que se encontrem
em idêntica situação de abalo psíquico, devendo, nessa situação, ser adotada metodologia de arbitramento que
leve em consideração a situação individual de cada parente de cada vítima do dano morte. Na atual sistemática
constitucional, o conceito de dano moral deve levar em consideração, eminentemente, a dignidade da pessoa
humana - vértice valorativo e fundamental do Estado Democrático de Direito - conferindo-se à lesão de natureza
extrapatrimonial dimensões mais amplas, em variadas perspectivas. Dentre essas perspectivas, tem-se o caso
específico de falecimento de um parente próximo - como a morte do esposo, do companheiro ou do pai. Nesse
caso, o dano experimentado pelo ofendido qualifica-se como dano psíquico, conceituado como o distúrbio ou
perturbação causado à pessoa através de sensações anímicas desagradáveis, em que a pessoa é atingida na sua
parte interior, anímica ou psíquica, através de inúmeras sensações dolorosas e importunantes, como, por
exemplo, a ansiedade, a angústia, o sofrimento, a tristeza, o vazio, o medo, a insegurança, o desolamento e
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outros. A reparabilidade do dano moral possui função meramente satisfatória, que objetiva a suavização de um
pesar, insuscetível de restituição ao statu quo ante. A justa indenização, portanto, norteia-se por um juízo de
ponderação, formulado pelo julgador, entre a dor suportada pelos familiares e a capacidade econômica de ambas
as partes - além da seleção de um critério substancialmente equânime. Nessa linha, a fixação de valor reparatório
global por núcleo familiar, justificar-se-ia apenas se a todos os lesados que se encontrem em idêntica situação
fosse conferido igual tratamento. De fato, não se mostra equânime a diferenciação do valor indenizatório tão
somente pelo fato de o núcleo familiar de uma vítima do dano morte ser mais numeroso do que o de outra. Dessa
forma, deve ser adotada metodologia de arbitramento que leve em consideração a situação individual de cada
lesado e, diante da inexistência de elementos concretos, atrelados a laços familiares ou afetivos, que
fundamentem a discriminação entre os familiares das vítimas, deve ser fixado idêntico valor de reparação para
cada familiar lesado. EREsp 1.127.913-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 4/6/2014 (Vide
Informativo n. 505).
Enunciado 398, CJF: as medidas do art. 12, CC, podem ser invocadas por qualquer uma das pessoas ali
mencionadas, de forma concorrente ou autônoma.
Exemplo: sujeito linchado que sobrevive e descobre quem são os autores do fato, ingressando com a ação de
reparação por dano moral. Após dois anos de ter ingressado com a ação, a vítima falece.
O Professor entende que os herdeiros poderão ingressar no polo ativo, pois a ação é um ativo patrimonial que o
falecido possuía, tal como um carro, por exemplo. Todos os bens são transmissíveis, e a ação é um bem suscetível
de herança. Este posicionamento prevalece e pode ser utilizado em provas.
Caso em vida a pessoa não ajuíze ação de reparação por dano, mesmo deixando isso de forma veemente, o filho,
seu herdeiro, poderá ingressar com a ação pois o dano já havia sido consumado e nada impede que se transmita
aos herdeiros o direito de reparação ao dano consumado. O que não se transmite é o direito da personalidade.
Art. 943, CC:
Enunciado 454, CJF: o direito de reparação abrange, inclusive, os danos morais, ainda que a ação não tenha sido
iniciada pela vítima.
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A súmula 227, STJ, afirma que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral, devendo ser observado ainda que o
inciso X, do artigo 5º, CF não faz distinção entre pessoa natural ou jurídica como sujeito passível de sofrer dano
moral.
O STJ entende pela possibilidade de a pessoa jurídica sofrer dano moral em razão dela possuir uma honra
subjetiva, ou seja, uma ótima credibilidade e reputação que, quando atingida por um ato ilícito, faz com que a
pessoa jurídica possa pleitear dano moral em razão da ofensa a seu nome, imagem, etc. (bens jurídicos
relacionados a credibilidade). O STJ acresce que a pessoa jurídica poderá pleitear tanto tutela reparatória quanto
inibitória.
O Professor entende que a pessoa jurídica é uma realidade técnica porque não possui dignidade, não sendo
titular de direitos da personalidade, logo, o dano sofrido nunca seria dano moral, mas patrimonial, pois a perda
da credibilidade relaciona-se a perda de clientes, redução dos valores de ações, etc., ou seja, consequências
patrimoniais.
O STJ chama de dano moral consequências que são patrimoniais de pessoas jurídicas. Todavia, é interessante a
manutenção desta tese pragmática devido a facilidade gerada para fixação do montante devido a título de dano.
Art. 52, CC: coaduna com o entendimento de que a pessoa jurídica não possui direitos da personalidade, mas que
é concedida à pessoa jurídica a mesma proteção (tutela) dos direitos da personalidade concedida a pessoas
humanas, ou seja, a tutela inibitória ou a tutela reparatória.
Informativo 508, STJ, de 14/11/2012: aduz que o dano moral da pessoa jurídica não é o mesmo da pessoa física.
DIREITO ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. PESSOA JURÍDICA. HONRA OBJETIVA.
VIOLAÇÃO.
Pessoa jurídica pode sofrer dano moral, mas apenas na hipótese em que haja ferimento à sua honra objetiva, isto
é, ao conceito de que goza no meio social. Embora a Súm. n. 227/STJ preceitue que "a pessoa jurídica pode sofrer
dano moral", a aplicação desse enunciado é restrita às hipóteses em que há ferimento à honra objetiva da
entidade, ou seja, às situações nas quais a pessoa jurídica tenha o seu conceito social abalado pelo ato ilícito,
entendendo-se como honra também os valores morais, concernentes à reputação, ao crédito que lhe é atribuído,
qualidades essas inteiramente aplicáveis às pessoas jurídicas, além de se tratar de bens que integram o seu
patrimônio. Talvez por isso, o art. 52 do CC, segundo o qual se aplica "às pessoas jurídicas, no que couber, a
proteção aos direitos da personalidade", tenha-se valido da expressão "no que couber", para deixar claro que
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somente se protege a honra objetiva da pessoa jurídica, destituída que é de honra subjetiva. O dano moral para a
pessoa jurídica não é, portanto, o mesmo que se pode imputar à pessoa natural, tendo em vista que somente a
pessoa natural, obviamente, tem atributos biopsíquicos. O dano moral da pessoa jurídica, assim sendo, está
associado a um "desconforto extraordinário" que afeta o nome e a tradição de mercado, com repercussão
econômica, à honra objetiva da pessoa jurídica, vale dizer, à sua imagem, conceito e boa fama, não se referindo
aos mesmos atributos das pessoas naturais. Precedente citado: REsp 45.889-SP, DJ 15/8/1994. REsp 1.298.689-
RS, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 23/10/2012.
Dano moral coletivo é o resultado de toda conduta lesiva praticada contra o patrimônio da coletividade, por um
fato danoso, irreversível, de difícil reparação ou de consequências históricas.
O Direito Civil clássico era patrimonial. Atualmente, o Direito Civil não é apenas um direito patrimonial, pois
também coloca a pessoa e seus interesses existentes em primeiro lugar.
Nesse sentido, justamente por colocar a pessoa em primeiro lugar, surgem valores baseados em bens de uso
comum do povo, extremamente valiosos para a pessoa humana, como por exemplo, o meio ambiente.
O dano moral coletivo é uma reparação devida por lesão a interesses meta-individuais – art. 1º, Lei LACP (Lei
7.347/85). A coletividade possui uma dimensão ética que independe da visão de seus membros de forma
fracionada.
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O dano moral coletivo ocorre porque toda a sociedade é ofendida em razão da prática ocorrida, ou seja,
ultrapassa a noção individual.
Art. 6, VI, CDC: prevê a efetiva a prevenção e reparação de danos morais individuais coletivos e difusos.
Informativo 553, STJ, 11/02/2015: o fornecedor (operadora de telefonia) foi condenado ao dano moral coletivo
por venda casada.
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MATERIAL DE APOIO
Disciplina: Civil
Professor: Nelson Rosenvald
Aulas: 41 e 42 | Data: 17/05/2016
ANOTAÇÃO DE AULA
SUMÁRIO
O dano moral no direito de família pode ser horizontal ou vertical. O dano moral horizontal é oriundo das relações
de conjugalidade, enquanto que o dano moral vertical é oriundo das relações de parentalidade.
A opinião minoritária aduz que qualquer violação a um dever matrimonial seria um ato ilícito, fonte de dano
moral, ou seja, por esta posição, um adultério seria fonte de dano moral, pois ele quebra o dever de fidelidade
conjugal e ainda, quando uma mulher age com recusa ao dever de débito conjugal, também estaria dando origem
ao dano moral.
Contudo, o adultério e a negativa do débito nada mais são do que demonstrativos do fim do sentimento de união
do casal - são situações da vida cuja resposta não pode ser monetarizada –, de modo que a resposta ao débito
conjugal deve ser dada pelos remédios do direito de família que, no caso, seria o divórcio pelo fim do afeto.
Artigo 1511, CC: é uma cláusula geral de afeto. O casamento estabelece comunhão plena de vida e tendo
acabado, ou seja, ocorrendo o desamor, a regra é que não há dano moral nas relações de conjugalidade, ainda
que por adultério ou por débito conjugal.
Caso a compreensão ocorra no sentido da existência de débito conjugal, a mulher teria um débito e o marido um
crédito, logo, ele poderia exigir o cumprimento forçado desta obrigação, o que eventualmente o liberaria para a
prática de um estupro, o que evidentemente é inadmissível.
E no que tange ao adultério, por exemplo, a mulher chega do trabalho e encontra o marido em sua cama com
outra; há o dano moral sim, mas não pelo adultério, e sim por aquela exposição gravosa que efetivamente
machuca aquele que ama.
O desamor, por si só, não gera ato ilícito (Informativo 532, STJ), pois o que gera o dano moral são as
consequências do ato de desamor.
DIREITO CIVIL. DANOS MORAIS PELA OCULTAÇÃO DA VERDADE QUANTO À PATERNIDADE BIOLÓGICA.
A esposa infiel tem o dever de reparar por danos morais o marido traído na hipótese em que tenha ocultado dele,
até alguns anos após a separação, o fato de que criança nascida durante o matrimônio e criada como filha
biológica do casal seria, na verdade, filha sua e de seu "cúmplice". De fato, a violação dos deveres impostos por lei
tanto no casamento (art. 1.566 do CC/2002) como na união estável (art. 1.724 do CC/2002) não constitui, por si
só, ofensa à honra e à dignidade do consorte, apta a ensejar a obrigação de indenizar. Nesse contexto, perde
importância, inclusive, a identificação do culpado pelo fim da relação afetiva, porquanto deixar de amar o cônjuge
ou companheiro é circunstância de cunho estritamente pessoal, não configurando o desamor, por si só, um ato
ilícito (arts 186 e 927 do CC/2002) que enseje indenização. Todavia, não é possível ignorar que a vida em comum
impõe restrições que devem ser observadas, entre as quais se destaca o dever de fidelidade nas relações
conjugais (art. 231, I, do CC/1916 e art. 1.566, I, do CC/2002), o qual pode, efetivamente, acarretar danos morais.
Isso porque o dever de fidelidade é um atributo de quem cumpre aquilo a que se obriga, condição imprescindível
para a boa harmonia e estabilidade da vida conjugal. Ademais, a imposição desse dever é tão significativa que o
CP já considerou o adultério como crime. Além disso, representa quebra do dever de confiança a descoberta, pelo
esposo traído, de que a criança nascida durante o matrimônio e criada por ele não seria sua filha biológica. O STF,
aliás, já sinalizou acerca do direito constitucional à felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito, que
se qualifica como expressão de uma ideia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana
(RE 477.554 AgR-MG, Segunda Turma, DJe 26/8/2011). Sendo assim, a lesão à dignidade humana desafia
reparação (arts. 1º, III, e 5º, V e X, da CF), sendo justamente nas relações familiares que se impõe a necessidade
de sua proteção, já que a família é o centro de preservação da pessoa e base mestra da sociedade (art. 226 CF).
Dessa forma, o abalo emocional gerado pela traição da então esposa, ainda com a cientificação de não ser o
genitor de criança gerada durante a relação matrimonial, representa efetivo dano moral, o que impõe o dever de
reparação dos danos acarretados ao lesado a fim de restabelecer o equilíbrio pessoal e social buscado pelo
direito, à luz do conhecido ditame neminem laedere. Assim, é devida a indenização por danos morais, que, na
hipótese, manifesta-se in re ipsa. REsp 922.462-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 4/4/2013.
Exemplo: marido descobre que a esposa tem um caso com Ricardão. A mera traição não configura o dano moral.
O que se discute é se o marido poderia promover ação de dano moral contra o Ricardão. Há entendimento no
sentido de que ele poderia ser inserido na tese de que ele é o “terceiro ofensor”.
A figura do terceiro ofensor é importante nas relações comerciais. Por exemplo, A tem um contrato com B e B não
cumpre o contrato com A porque C vem e lhe oferece, por interferência ilícita em uma relação contratual que
está em andamento, vantagem no negócio, fazendo B descumprir seu pacto com A. O C é o terceiro ofensor.
No Brasil, o casamento é um contrato. Nos termos do artigo 1.513, do Código Civil, há previsão expressa de que é
proibido a qualquer pessoa pública ou privada a intervenção na família.
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Nesse sentido, o STJ entendeu que não cabe, na lógica existencial, os mesmos parâmetros das relações
econômicas. Uma coisa é alguém interferir em um negócio jurídico comercial, no entanto, isso não se iguala ou se
equivale a interferir nas relações humanas de afeto/relacionamento.
Leading case: a 3ª turma do STJ entendeu que o cúmplice da esposa infiel não é responsável a indenizar o
marido. Não há lei que o obrigue a indenizar o marido traído.
Para melhor compreensão do dano moral na parentalidade, é preciso estabelecer uma colisão entre dois direitos
fundamentais: liberdade x solidariedade
Por exemplo, o pai que nunca quis saber do filho desde que ele era criança, nunca acompanhou seu crescimento,
não foi a um aniversário e os anos se passam até que o filho atinja a maioridade e ajuíze uma ação. Qual seria o
nome da ação? Vale destacar que o ordenamento jurídico não pode impor ao pai o dever de amar, ou seja, ele
possui liberdade em amar ou não o seu filho.
A omissão de cuidados decorre do dever de solidariedade. Caso a ação assim seja classificada, deve ser observado
que este dever de cuidado não é subjetivo, ele é objetivo (não é imposição biológica), pois nasce da necessidade
do pai exercer sua função paterna. Trata-se da ponderação entre direitos fundamentais.
Não se trata de abandono afetivo. O que o Direito Civil respeita é a liberdade de cada um para decidir se vai amar
ou não, porém, ele exige para aquele que se torna pai, o exercício do papel de pai (este direito é materializado
por um dever de cuidado), ou seja, um dever ético de desenvolver os direitos de personalidade de seus filhos. É a
imposição ética de fazer com que os filhos se tornem pessoas autônomas.
Artigo 227, CF/88 – é dever da família assegurar à criança e aos adolescentes – tem que haver esta “convivência”
familiar que é materializada através do cuidado com os filhos – dever constitucional que deriva do dever de
solidariedade – é o aspecto psíquico, independente do aspecto do sentimento.
Os artigos 227 e 229, da Constituição, indicam pela paternidade responsável, observando que os pais têm o dever
de assistir, criar e educar seus filhos, sendo que estes deveres corporificam a ideia da constituição do cuidado,
além de possibilitar o desenvolvimento e a proteção integral do psíquico dos filhos.
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O STJ, no Informativo 496, de 04/05/2012, aduz que não se discute o amor que é uma faculdade, mas o dever
jurídico de cuidado, assim, não se admite a omissão do dever fundamental de cuidados.
Nesse sentido, referidos artigos fundamentam a existência da omissão de cuidado que é um ato ilícito (há
antijuridicidade), contudo, para a existência da responsabilidade civil deve ficar comprovada a culpa dos pais,
bem como que o ato ilícito gerou um dano injusto e o nexo causal. A omissão de cuidado, é um ato ilícito, visto
ser um comportamento contrário ao direito
Todavia, é preciso comprovar a culpa do pai, pois sua conduta deve gerar um dano injusto, além da necessária
comprovação do nexo causal entre o ilícito e o dano injusto, portanto, o surgimento do dano moral depende de
provas mais complexas, em especial o nexo de causalidade.
Em alguns casos os pais podem assumir a omissão e a culpa, mas alegar a ausência de dano ante a existência de
um padrasto que o criou como filho, logo, não houve dano psíquico ao filho. Outro exemplo, é no sentido de que
o dano não foi produzido pelo comportamento do pai, mas sim pelo da mãe, por meio da alienação parental.
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Quando se discute omissão de cuidado, muito se comenta na doutrina sobre a falta do pai e do comportamento
antijurídico do genitor, porém, outras questões também devem ser observadas, por exemplo, um idoso
abandonado pelos filhos justamente no momento final de sua vida.
Nesta hipótese também existe ato ilícito, dado a existência de omissão de cuidado inversa, ou seja, quando um
comportamento antijurídico parte dos filhos perante os pais em vulnerabilidade (idosos) – art. 230, CF -. O dever
de amparo é um dever de cuidado que reflete uma antijuridicidade caso haja uma omissão, podendo surgir a
responsabilidade em caso da presença de dano, culpa e nexo causal.
Contudo, assim como a omissão de cuidado, a alienação parental ofende o direito fundamental de convivência
familiar previsto no art. 227, CF. A omissão de cuidado é o ato ilícito clássico (é uma negligência), enquanto que a
alienação parental não é um ato ilícito culposo clássico, mas sim um abuso do direito
Quando se fala em autoridade parental (poder de família), é possível constatar duas funções:
a) conceder afeto aos filhos;
b) estruturação psíquica a estes filhos (desenvolvimento da personalidade e conquista da autonomia).
Logo, quando a mãe ou o pai desvirtuam esta função e se utilizam da autoridade parental para simplesmente
discriminar a memória do ex-cônjuge ou ex-companheiro, implantando falsas memórias no filho, ocorre um
abuso do direito, pois há desvirtuamento da função social - art. 187, CC.
O ato de alienação parental será sempre um ato ilícito. A alienação parental só vai gerar responsabilidade civil, se
além do ato ilícito pelo abuso de direito, ficar comprovado também o dano e o nexo causal.
Atos repetitivos de alienação parental é um processo que ocorre durante o decurso dos anos. O fato do ato de
alienação parental, independente do dano, deve gerar uma resposta no ordenamento jurídico, ou seja, ela deve
ser sancionada por outras vias que não seja a da responsabilidade civil.
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Art. 6º, Lei 12.318/10: caracterizados atos típicos de alienação parental, sem prejuízo da responsabilidade civil,
para inibir ou atenuar seus efeitos, devem ser observadas as sanções previstas neste artigo.
Referido artigo demonstra que o ato ilícito deve ser sancionado independentemente da responsabilidade civil,
sendo esta uma eventual sanção perante um ato ilícito.
Em matéria de dano moral pai/filho ou filho/pai, além da omissão de cuidado e da alienação parental, pode ser
aplicada ainda a Lei Maria da Penha, pois seu atual entendimento vem sendo de forma ampla, no sentido de que
sua aplicação ocorre em qualquer relação íntima de afeto baseada na parentalidade, até mesmo para pessoas do
mesmo sexo (mãe que constantemente agride a filha no lar).
Art. 5º, Lei 11.340/2006: há violência doméstica ou familiar em qualquer ação ou omissão baseada no gênero, em
qualquer relação íntima de afeto. O afeto extrapola o âmbito das relações sexuais, aplicando-se entre pais e
filhos.
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II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada
por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por
laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva
ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de
coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo
independem de orientação sexual”.
Informativo 551, STJ, de 03/12/20141: aduziu a aplicação da Lei Maria da Penha independente do gênero do
agressor.
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA NA RELAÇÃO ENTRE MÃE E FILHA.
É possível a incidência da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) nas relações entre mãe e filha. Isso porque, de
acordo com o art. 5º, III, da Lei 11.340/2006, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer
ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano
moral ou patrimonial em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a
ofendida, independentemente de coabitação. Da análise do dispositivo citado, infere-se que o objeto de tutela da
Lei é a mulher em situação de vulnerabilidade, não só em relação ao cônjuge ou companheiro, mas também
qualquer outro familiar ou pessoa que conviva com a vítima, independentemente do gênero do agressor. Nessa
mesma linha, entende a jurisprudência do STJ que o sujeito ativo do crime pode ser tanto o homem como a
mulher, desde que esteja presente o estado de vulnerabilidade caracterizado por uma relação de poder e
submissão. Precedentes citados: HC 175.816-RS, Quinta Turma, DJe 28/6/2013; e HC 250.435-RJ, Quinta Turma,
DJe 27/9/2013. HC 277.561-AL, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 6/11/2014.
O Direito Civil, no âmbito da responsabilidade civil, busca a reparação de danos injustos e a recomposição do
patrimônio da vítima. Portanto, a função do Direito Civil, sempre foi reparatória, ocorrendo tanto em sede de
dano patrimonial quanto moral.
No dano patrimonial, ocorre o seu ressarcimento (dano emergente, lucros cessantes ou perda de uma chance),
para restauração da vítima a uma situação de equivalência que possuía antes da lesão. O juiz deve colocar a
vítima no mesmo patamar anterior.
Em relação ao dano moral, por ele não ser indenizatório, mas sim compensatório, a fixação de seu valor se revela
difícil, pois relaciona-se a bens intrínsecos a pessoa humana. Nesse sentido, o STJ vem buscando critérios seguros
para a compensação oriunda dos danos morais.
Art. 944, CC: a indenização mede-se pela extensão do dano. Não se aplica ao dano moral, apenas ao dano
patrimonial.
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https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/
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“Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade
da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a
indenização”.
Assim, o critério bifásico para que o magistrado em caso concreto fixe o valor do dano moral, deverá observar as
seguintes premissas:
a) fixar a existência do dano moral: ou seja, sua valoração, por meio de uma ponderação de bens e
verificar se naquele caso houve uma lesão a um interesse concretamente merecedor de tutela (interesse da
vítima x ofensor). O interesse existencial digno de proteção é que deve ter sido atingido para configurar a
existência do dano moral.
Exemplo: mãe que perde o filho assassinado; ela possui direito a reparação por dano moral, pois o bem jurídico
atingido foi o sentimento da mãe, sendo privada de um filho. Superada a existência do dano, devem ser
verificadas as condições pessoais da vítima; há evidente diferença das condições pessoas de uma mãe amorosa e
cuidadora de seu filho e a de uma mãe cujo filho faleceu na Fundação Casa. O dano moral recebido pela segunda
mãe será inferior do que o da primeira, pois esta sofreu uma alteração brutal em suas condições psíquicas. O
dano moral existe nos dois casos, apenas a extensão que será tratada de forma diversa.
Exemplo: duas pessoas perdem uma mão em razão de um acidente; a segunda vítima era um pianista famoso.
Ambas vítimas irão obter a reparação por dano moral, porém o valor do dano moral será maior em relação ao
pianista, pois para ele o dano moral de perder a mão tem uma intensidade maior do que para o restante das
pessoas, alterando de forma mais densa suas condições pessoais.
O dano moral in re ipsa, ou seja, o presumido, de certa forma banaliza a vida humana. Ele somente poderá ser
presumido em determinados casos, sendo que no tocante a extensão ele não poderá ser presumido, uma vez que
sempre deverá levar em consideração as condições pessoais da vítima.
Enunciado 455, CJF: demonstra que cada ser humano deve ser visto em suas circunstâncias na hora de ser fixada
a quantificação/extensão do dano moral.
É indispensável avaliar a condição pessoal da vítima (antes e depois), sendo que isto não se relaciona com a
condição patrimonial da vítima, pois este não interessa ao juiz na fixação da reparação por dano moral.
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Exemplo: pessoa dirigindo que escolhe atropelar um colega ao invés de uma pessoa famosa por achar que o dano
moral será maior para esta última. Contudo, atropelar qualquer um dos dois irá gerar, de qualquer forma, a
reparação por dano moral, pois as duas vítimas são dignas por igual.
Enunciado 588, CJF: ratifica que o patrimônio do ofendido não será considerado para a fixação da extensão do
dano moral.
Justamente por tais fundamentos é que o dano moral não pode ser tabelado, pois cada pessoa deve ter suas
condições pessoais e circunstâncias do caso concreto devidamente valoradas.
Enunciado 550, CJF: este enunciado reforça que a quantificação da reparação por danos extrapatrimoniais não
está sujeita a tabelas, devendo ser valorado em cada caso concreto.
Exemplo: prédio que estava sendo construído na Barra da Tijuca com areia da praia (Palace 1). Após sua
construção, ele desabou. O juiz, para alcançar um valor em cada caso, deve estabelecer um valor base: em
princípio existe a pretensão de reparação por dano moral para todas as famílias que perderam seus bens.
Após, deverá verificar a extensão do dano moral (antes e depois): neste caso, muitas famílias perderam tudo e
não tinham para onde ir, e outras, conseguiram morar com colegas/familiares. Notadamente as famílias que
sequer tinham para onde ir irão obter uma reparação por dano moral maior do que aquelas que tinham par onde
ir.
No Brasil virou um dogma de que a única função da responsabilidade civil é a de reparação de danos.
Desde Roma, se estabeleceu uma suma divisio, que gerou dois sistemas distintos: Direito Civil e o Direito Penal
com funções distintas. Para o Direito Civil, a resposta para um ato ilícito é a reparação de danos (Questiona-se: o
que se fez?), pois se preocupa com a vítima e busca sua reparação para reequilíbrio. Para o direito penal, a
reposta para um ato ilícito é a pena (Questiona-se: quem fez?), pois em regra, ele não olha para a vítima e sim
para o ofensor, visando sua punição e sua educação para que não cometa mais os atos ilícitos.
O Direito Civil olha para o passado, visando a reparação da vítima, enquanto que o Direito Penal visa punir o
ofensor no sentido de desestimular a prática do ato ilícito, sendo sua pena pedagógica para que outros potenciais
agentes não pratiquem sua conduta.
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Art. 944, CC: considerando que a indenização se mede pela extensão do dano, a indenização pelo dano será igual,
pois a extensão, em ambos casos, foi a morte. A culpa e a condição econômica do ofensor não interessam para o
agravamento do dano, pois este artigo prevê a função da responsabilidade civil apenas reparatória.
Atualmente é possível constatar, em razão das relações de consumo em massa (empresas de telefonia, bancos,
etc.), a prática do chamado dano social (Antônio Junqueira de Azevedo), que consiste na prática de atos
exemplarmente negativos, pois são comportamentos praticados sempre pelos mesmos agentes econômicos, que
demonstram uma extrema indiferença pela sorte das vítimas, gerando ainda o rebaixamento da condição social.
Estes atos demeritórios reduzem a qualidade de vida.
Estes agentes econômicos possuem ciência de que muitas pessoas a quem causem danos, não irão à Justiça brigar
pelo seu direito. Portanto, lesando interesse existencial, esse dano social prolifera.
A condição econômica do ofensor não pode ser levada em consideração para elevar a reparação. Este é o ponto
de vista do Código Civil. Com base no dano social é possível atribuir à responsabilidade civil a função pedagógica.
Enunciado 379, CJF: coaduna com a existência da função punitiva da responsabilidade civil.
Enunciado 456, CJF: a expressão dano contida no art. 944, CC, abrange também os danos sociais difusos coletivos
(aqueles em que o mesmo agente atuando de forma reprovável pratica contra um grupo indeterminado de
pessoas).
Exemplo: Nelson ajuíza demanda contra a Unimed que se recusou a cumprir determinada cláusula contratual. Ela
causou dano moral a Nelson e além dele, esta cláusula consta em todos os seus contratos, causando um dano a
um número indeterminado de pessoas. O juiz na sentença pode aplicar três condenações: dano patrimonial, dano
moral, e uma sanção punitiva chamada pena civil.
Denomina-se pena civil, pois se trata de sanção punitiva aplicada pelo Direito Civil.
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Neste caso a pena civil busca sancionar e atingir outros por meio do constrangimento, a fim de que estes agentes
não pratiquem mais estes atos.
Quem não concorda com esta sanção, faz três tipos de crítica:
a) que o valor da pena civil somado ao dano moral, gera excesso de penas. No entanto, vale destacar que
o STJ sempre pode reduzir o quantum de reparação ou até mesmo da pena para a proteção da
proporcionalidade.
b) caso os juízes fixem pena civil, haverá enriquecimento sem causa porque a vítima ficaria em situação
melhor que a anterior, sendo suficiente o dano moral acrescido do dano patrimonial. Porém, deve ser
observado que aqui o enriquecimento é com causa, porque quem está adjudicando uma verba à vítima, é
o Poder Judiciário, com base no devido processo legal, ampla-defesa e contraditório.
As astreintes, quando fixadas, são revertidas à parte e se tratam de uma sanção punitiva, coadunando as
previsões com o entendimento aqui deduzido - art. 537, §2º, CPC/15
c) só pode se aplicar pena no direito civil se houver uma norma prévia. Apesar da pena ser aplicada no
direito civil, é substantivamente uma norma de direito penal, devendo a parte ser previamente admitida,
a fim de afastar eventual insegurança jurídica.
Art. 12, CC: pode se exigir que se cesse a ameaça e lesão de direitos a personalidade, sem prejuízo de
outras sanções previstas em lei (prévia disposição legal).
Repetição de indébito: por exemplo, a conta era R$ 100,00 e foi cobrado R$ 200,00, logo, posso exigir de
repetição de indébito o importe de R$ 200,00 – art. 42, parágrafo único, CDC - é um sanção punitiva previamente
disposta em lei.
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MATERIAL DE APOIO
Disciplina: Civil
Professor: Nelson Rosenvald
Aulas: 43 e 44 | Data: 25/05/2016
ANOTAÇÃO DE AULA
SUMÁRIO
RESPONSABILIDADE CIVIL
1. Desmonetarização da responsabilidade civil
NEXO CAUSAL
1. Teorias da causalidade
2. Excludentes do nexo causal
2.1. Caso fortuito ou força maior
2.2. Fato exclusivo da vítima
2.3. Fato de terceiro
3. Culpabilidade x causalidade
Aula 5 (gravada)
RESPONSABILIDADE CIVIL
1. Desmonetarização da responsabilidade civil
O tema desmonetarização da responsabilidade civil remete à quebra de dogma, pois a ideia que predomina é a de
que a sentença a ser prolatada é a que fixa uma obrigação pecuniária. A regra jurídica é que a recomposição do
dano se faça em espécie, in natura, porém, deve ser observado que a reparação pecuniária é uma forma
subsidiária de reparação, nos termos do art. 947, CC:
Exemplos:
- dano patrimonial - sujeito bateu no meu veículo: quero uma obrigação de dar coisa certa consistente em um
veículo novo e igual. A reposta é in natura;
- dano estético em razão de uma operação: pedirá a prestação jurisdicional consistente em uma obrigação de
fazer uma nova cirurgia pelo mesmo ou outro profissional;
- dano ambiental: quando o MP ajuíza uma ação civil pública, diante de uma grande destruição ambiental,
pleiteia-se uma indenização, que até poderá ser em dinheiro mas que será devido à restituição dos benefícios
econômicos obtidos pelo poluidor. Esta destruição é difícil de ser quantificada, assim, além da obrigação de dar
quantia certa, o MP poderá pedir também a obrigação de fazer consistente na recomposição ambiental.
O dever de recomposição, no dano ambiental, possui fundamento no art. 3º, Lei 7.347/85. Como o objeto da lei
ambiental é o da reparação integral, permite-se a fixação da reparação em dar quantia certa, acrescida do
cumprimento da obrigação de fazer (recomposição ambiental) podendo ainda acrescer uma obrigação de não
fazer (não reiterar a prática de danos ambientais).
Observe-se que a questão da desmonetarização da responsabilidade civil, futuramente atingirá o dano moral,
pois atualmente a sentença reduz a dignidade da pessoa a uma reparação patrimonial. No dano moral, deve ser
priorizada a tutela específica, conforme é indicado no Enunciado 589, do CJF por meio da afirmação de que a
compensação pecuniária não é o único modo de reparar o dano extrapatrimonial, sendo admitida a reparação in
natura na forma de retratação pública ou outro meio. Por exemplo, retratação em casos de abuso do direito de
imprensa.
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A compensação pecuniária não é o único modo de reparar o dano
extrapatrimonial, sendo admitida a reparação in natura, na forma de
retratação pública ou outro meio.
Outro exemplo de tutela específica está contido no art. 5º, V, CF, quando assegura o direito de resposta
proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou a imagem. O objetivo desta tutela é
mitigar a propagação do dano no meio social.
“(...) V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo,
além da indenização por dano material, moral ou à imagem”;
A Lei de Imprensa de 1967 foi julgada inconstitucional pelo STF. Durante algum tempo houve um vácuo no Brasil,
pois embora a CF encorajasse o direito de resposta, não havia nenhuma regulamentação para os ilícitos. Em 2015
foi promulgada a Lei 13.1881, a qual regulamentou a tutela específica com relação aos ilícitos praticados pela
imprensa, tratando do direito de resposta e do direito de retificação. Seu artigo 1º, afirma que a lei disciplina o
exercício do direito de resposta (tutela específica) ou de retificação do ofendido na matéria divulgada, publicada
ou transmitida por veículo de comunicação. A possibilidade de publicação da sentença condenatória no meio de
comunicação, que havia publicado aquele ato ilícito também é uma forma de tutela específica.
NEXO CAUSAL
“Nexo causal é a ligação jurídica entre a conduta antecedente e o dano, para fins de imputação de obrigação
ressarcitória”
O nexo causal é o elemento fundamental da responsabilidade civil uma vez que ele proporciona a resolução de
dois problemas fundamentais, possuindo as seguintes funções:
a) descobrir quem deve reparar o dano;
b) qual é a extensão da obrigação de reparar;
No estudo da responsabilidade civil, ela foi separada em quatro pressupostos: ato ilícito (antijuridicidade e
imputabilidade), culpa ou abuso de direito, dano injusto (patrimonial e moral) e o nexo causal.
Por mais que o nexo causal seja o último pressuposto, segundo Caio Mario, é o elemento mais delicado da
responsabilidade civil. É o que requer mais atenção, por ser menos compreendido pela doutrina.
1. Teorias da causalidade
Exemplo: Nelson e Damasiano; Nelson vendeu uma vaca para Damasiano, sabendo que ela estava infectada,
doente. Damasiano não sabia. Dias após a venda, a vaca morreu. Como Damasiano não sabia que ela estava
infectada, a colocou junto com mais 100 vacas, que foram infectadas perdendo o rebanho. Não tendo mais
animais para arar o terreno, perde a safra. Deixou de pagar o empréstimo da CEF e a fazenda foi executada em
hasta pública. Se divorciou (devido à perda dos bens) e na sequência, Damasiano se matou.
O fato da origem foi a venda de uma vaca, mas as consequências foram: a vaca morreu, perdeu o rebanho,
perdeu a safra, perdeu a fazenda, se divorciou e se matou.
1
Art. 1o Esta Lei disciplina o exercício do direito de resposta ou retificação do ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de
comunicação social.
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Se os filhos do Damsinao entram com ação de responsabilidade civil contra Nelson, afirmando que ele morreu
porque a vaca foi vendida infectada, quais consequências que podem ser imputadas a este fato? Quais os efeitos
do dano que podem ser imputados a Nelson?
São quatro teorias:
a) Teoria da equivalência dos antecedentes causais: chamada de teoria sine qua non no direito penal. Parte de
uma eliminação hipotética, ou seja, entende que a responsabilização deve recair sobre a pessoa, porque por meio
da eliminação hipotética, no exemplo acima, eliminada a venda da vaca, nada aconteceria posteriormente e
Nelson se tornaria responsável por tudo.
É uma teoria perigosa por levar a responsabilidade civil a um extremo. Por esta teoria, todo fato que está na
origem do dano, responde pela causa.
No direito penal ela possui aplicação - art. 13, CP2 - porque pode ser freada em razão do direito penal trabalhar
com a tipicidade, visto que a regra é de que pune apenas condutas dolosas.
Em matéria civil esta teoria não se aplica.
Todavia, existem juízes que aplicam paradoxalmente esta teoria no direito civil => Resp 620.777 de Goiás, STJ.
Exemplo: cheque de pessoa jurídica que estava sem fundos; fiquei revoltado, conheci o gerente daquela agência e
ele informou que a empresa não tinha dinheiro na conta, mas tinha na conta da pessoa física do sócio Damasiano.
Fui na casa do Damasiano e o matei. A família do Damasiano ajuizou uma ação de responsabilidade civil
2
Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual
o resultado não teria ocorrido.
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afirmando ser o banco responsável pela morte do Damasiano, devendo ser responsabilizado pelo ato ilícito
praticado pelo Nelson, uma vez que foi seu gerente que contou para o Nelson que havia dinheiro na conta da
pessoa física.
b) Teoria da causalidade adequada: afirma que determinado fato/comportamento só será considerado causa se
aquelas consequências forem adequadamente relacionadas ao fato de origem.
Esta teoria parte da ideia de qual seria, em abstrato, o curso normal das coisas quando uma pessoa qualquer
pratica o mesmo ato que o ofensor praticou.
Por exemplo, uma pessoa que vende uma vaca doente, quais são as consequências ordinárias? E normal pensar
que ela vai morrer; é normal pensar que o comprador a colocará junto com as demais vacas que serão
contaminadas; não é normal pensar que o sujeito que adquiriu a vaca doente perderá a sua safra. Neste caso há
uma interrupção do nexo causal, pois é uma consequência extraordinária. Para a perda da safra, houve alguma
causa sucessiva que contribuiu para o novo desdobramento causal (concausa).
Por esta teoria, Nelson responsa pela perda da vaca e do rebanho, não se responsabilizando pelas demais
consequências.
O juiz faz um juízo abstrato, pelo qual tentará compreender o que aconteceria de forma genérica naquele caso
concreto. Esta prognose é a aplicação da teoria da razoabilidade
c) Teoria da causalidade direta e imediata: é uma teoria restritiva, pois por ela, quando Nelson venda a vaca, ele
só se responsabiliza pela consequência que direta e imediatamente ocorreu em razão de seu comportamento,
que no exemplo, seria a morte da vaca. As demais consequências, são indiretas, mediatas ao comportamento.
As perdas e danos só incluem os prejuízos e lucros cessantes por efeito dela, direto e imediato.
Esta teoria, embora prevista no CC, é contestada pela doutrina por ser extremamente restritiva. O Professor aduz
que a melhor forma de entender a desproporção é análise do paradigma do STF – Recurso Extraordinário 130764
do Paraná:
Responsabilidade civil do Estado. Dano decorrente de assalto por quadrilha de que fazia parte preso foragido
varios meses antes. - A responsabilidade do Estado, embora objetiva por força do disposto no artigo 107 da
Emenda Constitucional n. 1/69 (e, atualmente, no paragrafo 6. do artigo 37 da Carta Magna), não dispensa,
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obviamente, o requisito, também objetivo, do nexo de causalidade entre a ação ou a omissão atribuida a seus
agentes e o dano causado a terceiros. - Em nosso sistema jurídico, como resulta do disposto no artigo 1.060 do
Código Civil, a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade e a teoria do dano direto e imediato, também
denominada teoria da interrupção do nexo causal. Não obstante aquele dispositivo da codificação civil diga
respeito a impropriamente denominada responsabilidade contratual, aplica-se ele também a responsabilidade
extracontratual, inclusive a objetiva, até por ser aquela que, sem quaisquer considerações de ordem subjetiva,
afasta os inconvenientes das outras duas teorias existentes: a da equivalencia das condições e a da causalidade
adequada. - No caso, em face dos fatos tidos como certos pelo acórdão recorrido, e com base nos quais
reconheceu ele o nexo de causalidade indispensavel para o reconhecimento da responsabilidade objetiva
constitucional, e inequivoco que o nexo de causalidade inexiste, e, portanto, não pode haver a incidencia da
responsabilidade prevista no artigo 107 da Emenda Constitucional n. 1/69, a que corresponde o paragrafo 6. do
artigo 37 da atual Constituição. Com efeito, o dano decorrente do assalto por uma quadrilha de que participava
um dos evadidos da prisão não foi o efeito necessario da omissão da autoridade pública que o acórdão recorrido
teve como causa da fuga dele, mas resultou de concausas, como a formação da quadrilha, e o assalto ocorrido
cerca de vinte e um meses após a evasão. Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE 130764, Relator(a):
Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 12/05/1992, DJ 07-08-1992 PP-11782 EMENT VOL-01669-02
PP-00350 RTJ VOL-00143-01 PP-00270)
Sujeito fugiu da prisão no Paraná; 20 meses após a fuga assaltou e matou um comerciante. A família ajuizou ação
de responsabilidade civil contra o Estado, já que o comerciante havia sido morto por uma omissão do Estado que
20 meses antes possibilitou a fuga do sujeito, falhando em seu dever de custódia e guarda. O STF não entendeu
pela indenização em razão desta teoria, pois o Estado só responderia se o presidiário na hora de fugir da prisão,
matasse um taxista na fuga – dano diretamente ligado a omissão do Estado. Contudo, como o dano ocorreu 20
meses após, teria surgido novo nexo causal. O Estado não se responsabilizaria por danos indiretos.
d) Teoria da necessariedade: alguns doutrinadores afirmam que esta seria uma subteoria, como uma intepretação
conforme a Constituição do art. 403, CC, com olhar baseado na razoabilidade.
Esta teoria ensina que mesmo que o dano não seja direto e imediato, no caso concreto o dano é um efeito
necessário do comportamento do agente, porque não há outra causa, no exemplo acima, que seja capaz de
explicar aquele dano. Esta teoria abre espaço para a razoabilidade, pois permite a responsabilização do ofensor
pelos danos indiretos/mediato, porque naquele caso específico, não é possível justificar por outra causa a
consequência daquele dano. O dano é um efeito necessário de certa causa.
A diferença é que a causalidade adequada trabalha com o abstrato, com uma comparação em tese do
comportamento com aquilo que ordinariamente se vê pela experiência, enquanto que esta, verifica se os danos
se prendem ou não ao seu comportamento.
Informativo 432, de 30/04/2010, STJ: caso pioneiro onde o STJ decidiu sobre a responsabilidade civil aceca da
morte de usuário de cigarro. Sua resposta foi negativa, afastando a responsabilidade civil, com base na exclusão
do nexo causal, porque a medicina ainda não comprovou o peso de cada fator de risco na morte de um tabagista
(alimentação, álcool, sedentarismo, stress, etc.), não sendo possível a determinação da relevância de cada fator,
acrescentando ainda que o STJ não pode confiar apenas em estatísticas, devendo investigar no caso concreto qual
foi o peso em cada uma das circunstâncias (teoria da necessariedade)
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decorrência de adenocarcinoma pulmonar no ano de 2001. Então, seus familiares (a esposa, filhos e netos)
ajuizaram ação de reparação dos danos morais contra o fabricante de cigarros, com lastro na suposta informação
inadequada prestada por ele durante décadas, que omitia os males possivelmente decorrentes do fumo, e no
incentivo a seu consumo mediante a prática de propaganda tida por enganosa, além de enxergar a existência de
nexo de causalidade entre a morte decorrente do câncer e os vícios do produto, que alegam ser de conhecimento
do fabricante desde muitas décadas. Nesse contexto, há que se esclarecer que a pretensão de ressarcimento dos
autores da ação em razão dos danos morais, diferentemente da pretensão do próprio fumante, surgiu com a
morte dele, momento a partir do qual eles tinham ação exercitável a ajuizar (actio nata) com o objetivo de
compensar o dano que lhes é próprio, daí não se poder falar em prescrição, porque foi respeitado o prazo
prescricional de cinco anos do art. 27 do CDC. Note-se que o cigarro classifica-se como produto de periculosidade
inerente (art. 9º do CDC) de ser, tal como o álcool, fator de risco de diversas enfermidades. Não se revela como
produto defeituoso (art. 12, § 1º, do mesmo código) ou de alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou
segurança, esse último de comercialização proibida (art. 10 do mesmo diploma). O art. 220, § 4º, da CF/1988
chancela a comercialização do cigarro, apenas lhe restringe a propaganda, ciente o legislador constituinte dos
riscos de seu consumo. Já o CDC considera defeito a falha que se desvia da normalidade, capaz de gerar
frustração no consumidor, que passa a não experimentar a segurança que se espera do produto ou serviço.
Dessarte, diz respeito a algo que escapa do razoável, que discrepa do padrão do produto ou de congêneres, e não
à capacidade inerente a todas as unidades produzidas de o produto gerar danos, tal como no caso do cigarro.
Frise-se que, antes da CF/1988 (gênese das limitações impostas ao tabaco) e das legislações restritivas do
consumo e publicidade que a seguiram (notadamente, o CDC e a Lei n. 9.294/1996), não existia o dever jurídico
de informação que determinasse à indústria do fumo conduta diversa daquela que, por décadas, praticou. Não há
como aceitar a tese da existência de anterior dever de informação, mesmo a partir de um ângulo principiológico,
visto que a boa-fé (inerente à criação desse dever acessório) não possui conteúdo per se, mas, necessariamente,
insere-se em um conteúdo contextual, afeito à carga histórico-social. Ao se considerarem os fatores legais,
históricos e culturais vigentes nas décadas de cinquenta a oitenta do século anterior, não há como cogitar o
princípio da boa-fé de forma fluida, sem conteúdo substancial e contrário aos usos e costumes por séculos
preexistentes, para concluir que era exigível, àquela época, o dever jurídico de informação. De fato, não havia
norma advinda de lei, princípio geral de direito ou costume que impusesse tal comportamento. Esses
fundamentos, por si sós, seriam suficientes para negar a indenização pleiteada, mas se soma a eles o fato de que,
ao considerar a teoria do dano direto e imediato acolhida no direito civil brasileiro (art. 403 do CC/2002 e art.
1.060 do CC/1916), constata-se que ainda não está comprovada pela Medicina a causalidade necessária, direta e
exclusiva entre o tabaco e câncer, pois ela se limita a afirmar a existência de fator de risco entre eles, tal como
outros fatores, como a alimentação, o álcool e o modo de vida sedentário ou estressante. Se fosse possível, na
hipótese, determinar o quanto foi relevante o cigarro para o falecimento (a proporção causal existente entre
eles), poder-se-ia cogitar o nexo causal juridicamente satisfatório. Apesar de reconhecidamente robustas,
somente as estatísticas não podem dar lastro à responsabilidade civil em casos concretos de morte supostamente
associada ao tabagismo, sem que se investigue, episodicamente, o preenchimento dos requisitos legais.
Precedentes citados do STF: RE 130.764-PR, DJ 19/5/1995; do STJ: REsp 489.895-SP, DJe 23/4/2010; REsp
967.623-RJ, DJe 29/6/2009; REsp 1.112.796-PR, DJ 5/12/2007, e REsp 719.738-RS, DJe 22/9/2008. REsp
1.113.804-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/4/2010.
Quando o nexo causal será excluído? Quando o autor de um ato ilícito poderá afirmar que não indenizará
ninguém por não ter tido conduta necessária ao dano?
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a) caso fortuito ou força maior;
b) fato exclusivo da vítima;
c) fato de terceiro.
Fortuito é o fato externo à conduta do agente, de caráter inevitável, a que se atribui a causa necessária ao dano.
Os dois atributos do caso fortuito ou força maior são a externidade e a inevitabilidade. Externidade, porque o
fortuito ou força maior é sempre um acontecimento externo à vontade do agente que não possui relação com o
fato. A inevitabilidade, porque quando o fato externo acontece, ele é tão forte que se torna irresistível, ou seja,
não há como conter as suas consequências.
Art. 393, parágrafo púnico, CC: coaduna com a ideia se serem sinônimos o caso fortuito e a força maior.
A imprevisibilidade não é atributo do caso fortuito ou força maior, pois às vezes haverá a excludente na força
maior mesmo que o fato seja previsível (por exemplo, terremoto).
Chuva de granizo e assalto são casos fortuitos externos. Freio que não funciona e infarto, trata-se de fortuito
interno.
Fortuito interno: é o evento improvável, mas que se relaciona com a pessoa do devedor ou da empresa e com a
organização que eles imprimem ao negócio. Por mais que o evento seja raro, ele se relaciona com a organização
da empresa, pois quem colocou o motorista para trabalhar foi a empresa, que deveria fazer check up no
motorista e ter verificado o estado dos freios do ônibus. Há necessidade de imputação do dano à empresa pois
ele vem de dentro para fora.
Chuva de granizo ocorre indistintamente a todos, não foi inventada pelo transporte, e é um evento que não se
relaciona ao condutor do transporte. O assalto não é um dado colocado pelo transportador, é um evento que vai
de fora para dentro. O dever se segurança pública cabe ao estado prioritariamente.
Toda vez que o evento danoso não se relaciona com a atividade ordinariamente relacionada com a empresa trata-
se de fortuito externo, que exonera a parte.
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Rio de Janeiro: o fato relacionado a segurança pública e aos ônibus (por exemplo, balas perdidas), já se repetiu
tantas vezes que a jurisprudência do TJRJ vem proferindo decisões no sentido de que passa a fazer parte do risco
daquela atividade, se convertendo em fortuito interno.
Toda vez que uma norma utilizar a expressão “força maior” no Código Civil, o que o legislador quis dizer foi
“fortuito externo”.
Enunciado 443, CJF: coaduna com a necessidade do fato gerador do dano ser conexo à atividade desenvolvida.
Por exemplo, um sujeito que estava no banco, e é assaltado no posto, trata-se de fortuito externo.
Em relação à fraudes bancárias, o banco se responsabilizará porque se trata de fortuito interno, por mais que a
fraude tenha sido praticada por terceiro, pois cabia ao banco, dentro do risco de sua atividade, prevenir estas
práticas - Súmula 479, STJ:
Comprova-se no caso concreto que aquele dano foi produzido pela própria vítima. O agente não se
responsabiliza porque não foi a conduta dele a causa adequada à produção do dano.
O agente não pode ser responsabilizado porque sua conduta não foi a causa necessária para o dano, vez que este
foi o comportamento da própria vítima.
Exemplo:
- sujeito bêbado – que foi mandado embora e teve seu relacionamento terminado – senta no meio da rua. Nelson
com o atropela.
Não há nexo causal entre a conduta e o dano, pois o que gerou o dano foi o fato exclusivo da vítima que estava
sentada no meio da tua.
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- surfista ferroviário que morre eletrocutado – não há indenização porque ele é aventureiro e exibicionista,
havendo morte, será fato exclusivo da vítima.
- pingente – pessoa que fica pendurada no trem – cai, ocorrendo um acidente. Também se trata de fato
concorrente da vítima.
No fato concorrente, a conduta dos dois concorre para produzir um único dano, que possui uma autoria plural - o
agente e a vítima – também chamada de causalidade múltipla.
Cada um dos dois participa de alguma maneira para a eclosão daquele resultado. Ocorrerá uma repartição dos
danos. No fato concorrente a vítima é indenizada porque o fato concorrente não exclui o nexo causal, mas apenas
mitiga o valor da reparação, que será proporcional a sua participação no dano injusto e resultado lesivo.
Portanto, a redução da indenização será proporcional a participação da vítima no dano – art. 945, CC:
Por exemplo, no percurso de um ônibus, que está no trânsito, como ele anda de forma muito lenta, a pessoa pula,
cai e fratura a perna. Ajuizada ação de responsabilidade civil, o juiz deve reconhecer que houve fato concorrente,
uma vez que a pessoa não podia pular do ônibus em movimento e o ônibus não podia ficar com a porta aberta se
estava andando. Haverá uma redução equitativa da reparação. Art. 738, parágrafo púnico, CC:
Por exemplo, Nelson dirigindo seu veículo; o ônibus bate no carro, que voa e chega ao poste caindo em cima de
Damasiano. A família ajuíza ação de responsabilidade civil. Nelson alega que não vai indenizar porque não há
nexo causal entre a conduta e o dano. Houve, na verdade, um fato de terceiro. Toda conduta foi praticada pelo
ônibus que bateu no carro, gerando as demais consequências.
A lógica do fato de terceiro se assemelha a um jogo se sinuca. Nelson não pode ser responsabilizado porque não
teve nenhum comportamento.
E caso o caminhão acertasse veículo que é um táxi? E sendo Damasiano passageiro, o carro bate na árvore e ele
fratura a perna? O taxista pode alegar fato de terceiro?
Não, porque é transportador, o qual se responsabiliza até mesmo pelo fato de terceiro.
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Ele possui obrigação de resultado – contrato de transporte – mesmo que seja fato de terceiro. A única
possibilidade é, após o pagamento da indenização, ingressar com ação (direito de regresso contra o
caminhoneiro) – art. 735, CC:
No artigo, a palavra “culpa” denota que o transportador só é responsável quando se tratar de culpa de terceiro e
não quando for dolo. O transportador se responsabiliza por fato de terceiro quando este é um fato normal no
percurso. Se tem alguém que sobre no viaduto e joga uma pedra no táxi que cai na cabeça do Damasiano, o
taxista não se responsabilizará por este fato de terceiro, porque não é culposo e sim doloso, que não se relaciona
com os riscos ordinários do percurso (cláusula de incolumidade do contrato tácito de transporte).
Enunciado 459, CJF: a conduta da vítima pode ser fator atenuante do nexo de causalidade na responsabilidade
civil objetiva.
O nexo causal continua sendo fundamental na teoria objetiva, apesar de desprezar ilicitude e culpa.
3. Culpabilidade x causalidade
Na causalidade não se procura por um culpado, mas sim por um responsável, por isso não se deve utilizar
expressões “culpa de terceiro”, “culpa concorrente”, etc.
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MATERIAL DE APOIO
Disciplina: Civil
Professor: Nelson Rosenvald
Aulas: 45 e 46 | Data: 31/05/2016
ANOTAÇÃO DE AULA
SUMÁRIO
1. Evolução histórica
A Teoria Subjetiva foi prestigiada por mais de 200 anos. Quando houve a ascensão da burguesia ao poder (final do
século XVIII), houve o predomínio no Código Napoleônico, da autonomia da vontade, esta, que transformou os
demais códigos em patrimoniais. Com esta autonomia, o cidadão burguês poderia exercer sua liberdade para
praticar contratos e adquirir propriedades.
Contudo, muitas vezes no exercício de um ato econômico de liberdade, havia danos contra terceiros, surgindo a
responsabilidade, ou seja, a responsabilidade surge como um reverso do exercício da liberdade. Porém, a classe
burguesa desejava prosperar, e mesmo causando danos aos outros, com o mínimo de responsabilidade, foi criada
a Teoria Subjetiva, visto que esta somente poderia surgir caso ficasse comprovada a culpa daquele que exercia
um ato de liberdade.
A culpa do autor da atividade deveria ser provada pela vítima (prova diabólica), a qual, se tornou um filtro para as
ações de responsabilidade. A regra, portanto, era a irresponsabilidade, pois quase todos os processos eram
julgados improcedentes. Esta forma permitiu que a burguesia acumulasse o patrimônio suficiente para sua
atividade produtiva devido à ausência de reparações as vítimas que sofriam danos.
Desta forma, a lógica de teoria subjetiva é manter a culpa como um filtro para excluir a responsabilidade. No final
do século XIX, com a segunda Revolução Industrial, devido a massificação, houve multiplicação dos acidentes,
gerando danos anônimos, pois as máquinas causavam acidentes e as vítimas não tinham êxito na demanda.
O ordenamento jurídico, devido aos danos se tornarem comuns com multiplicação de acidentes sem o
pagamento da indenização cabível, com o desejo da burguesia para manutenção dos consumidores, criou a Teoria
Objetiva da Responsabilidade Civil.
A culpa deixa de ser o filtro da responsabilidade civil, pois quando se fala em risco da atividade, a compreensão
passa a ser no sentido de que, caso o exercício da atividade econômica cause danos a terceiros, haverá
responsabilização pelo risco causado, independentemente de culpa. Basta provar que a atividade realizada foi a
causa para o dano, ou seja, de que o risco foi introduzido por esta atividade. O cerne é o elemento objetivo do
dano.
Na Teoria Subjetiva, o lema era no sentido de “onde há culpa, há reparação”. Aqui, na Teoria Objetiva, “onde há
dano, há reparação”. Josserand e Saleilles, fundaram a Teoria do Risco, na França e fundamentaram que o
deslocamento da culpa para o fato objetivo do dano, em razão do risco da atividade, geraria a responsabilidade
civil.
Com a entrada desta teoria, o princípio da liberdade sofre uma ponderação com o princípio da solidariedade. Há
uma abertura do Direito Civil, que sai da moral individual da culpa para uma filosofia ética de proteção dos
valores da sociedade como um todo, valorizando a cidadania.
2. Distinções conceituais
a) responsabilidade sem culpa: este termo não é sinônimo de responsabilidade objetiva, pois a teoria
objetiva da responsabilidade civil não é teoria da responsabilidade sem culpa. Quando se fala em risco da
atividade, é uma responsabilidade independentemente da existência da culpa, ou seja, tanto faz que o ato seja
lícito quanto ilícito.
A reponsabilidade sem culpa remete à responsabilidade por um ato lícito. Exemplo: Nelson está dirigindo, um
caminhão invade a mão de direção e ao deslocar o carro para o acostamento, por medo de ser acertado pelo
caminhão, atinge um cachorro, o matando. Ele praticou um ato ilícito em estado de necessidade, pois para
salvaguardar o bem jurídico vida, sacrificou outro bem jurídico, o cão. Mesmo havendo este ato, haverá
responsabilidade sem culpa, possuindo Nelson, direito de regresso – art. 929 e 930, CC:
b) teoria da culpa presumida: a teoria objetiva não se relaciona com culpa presumida. A culpa presumida
é intermediária na evolução entre a teoria subjetiva e a objetiva. Na subjetiva, a vítima deve provar a culpa,
enquanto que na objetiva, há responsabilidade, independente de ilícito. Já na culpa presumida, a culpa é
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discutida com inversão do ônus da prova, pois quem deve provar a culpa é o réu, em sua defesa, a fim de
comprovar que agiu com o rigor possível naquela situação, atuando de forma diligente.
Exemplo: responsabilidade civil do médico: em tese sua responsabilidade é teoria subjetiva, pois mesmo sendo
fornecedor de serviço, a responsabilidade é subjetiva, devido ao vínculo personalíssimo entre o médico e o
paciente – art. 14, §4º, CDC1 (regra). O paciente que deve provar que o médico agiu em discordância com as
cautelas necessárias. O STJ afirma que quando se trata de obrigação de resultado (estética, ortodontia, etc.),
incide a culpa presumida, pois há uma inversão do ônus da prova, visto que o médico, na contestação, deverá
provar que seguiu todos os rigores do procedimento estético – Informativo 491, de 24/02/2012.
O termo obrigação objetiva de indenizar, relaciona-se objetivamente ao dano injusto. É uma boa expressão a ser
utilizada.
Vale destacar que a expressão “Responsabilidade Objetiva”, embora diuturnamente utilizada, é uma contradição,
visto que “responsabilizar” quer dizer atribuir a alguém um comportamento reprovável, ou seja, exige uma falta
moral que gere uma sanção. Somente é possível a responsabilização de alguém na teoria subjetiva, pois sua base
é a culpa. Na teoria subjetiva, o ordenamento não deseja responsabilizar, mas sim, que o autor do fato repare os
danos, logo, procura-se um culpado. Na teoria objetiva, a pessoa, independentemente de ser culpado ou não,
será responsabilizado.
Exemplo: Damasiano adquire uma geladeira Brastemp e a instala. Ela explode e quase todos que estão na festa
morrem. Quem sobrou, ajuíza ação contra a Brastemp, que possui responsabilidade objetiva, independentemente
da existência de culpa.
1
(...) § 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.
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Nada impede, no exemplo acima que a Brastemp alegue excludentes do nexo causal, no sentido de que sua
conduta não foi a causa, mas sim que ocorreu um fortuito interno, um fato exclusivo da vítima, ou ainda, que
terceira pessoa produziu um dano.
3. Nexo de imputação
Nexo de imputação é “a razão pela qual se atribui a alguém a obrigação de indenizar”. O que se perquire é o
motivo pelo qual alguém está sendo obrigado a ressarcir um dano moral ou patrimonial.
Há uma imputação objetiva da obrigação de indenizar, independentemente de culpa, nos casos especificados em
lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, implicar risco para o direito de outrem –
art. 927, parágrafo único, CC.
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a
outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou
quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano
implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”
Os dois nexos de imputação objetiva são a lei e o risco da atividade. No Brasil, o sistema de imputação é misto,
podendo ser a responsabilidade subjetiva, com base no art. 927, CC, ou objetiva, com base no parágrafo único do
artigo citado.
A responsabilidade civil pelo fato terceiro é a dos pais, tutores e curadores, pelos atos praticados pelos menores,
tutelados e curatelados contra terceiros. Os atos praticados pelos incapazes, que venham a gerar dano, irá
repercutir no patrimônio dos pais, tutores ou curadores - art. 928, CC:
2
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
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“Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as
pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou
não dispuserem de meios suficientes.
Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser
eqüitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as
pessoas que dele dependem”.
Exemplo: Nelson é proprietário de um restaurante. Damasiano é o manobrista que, ao pegar o carro de Nelson,
atropela João que está passando pela rua. João pode processar Damasiano pela teoria subjetiva (art. 927, CC:
provando ilícito e culpa); Nelson, que é o dono do restaurante, responderá pela conduta de seu funcionário,
devido a relação de subordinação (hierarquia), pois por ele estar às suas ordens, os fatos por ele praticado
repercutem no patrimônio de Nelson – art. 932, III, CC:
O Código Civil, em seu artigo 933, afirma que a responsabilidade do empregador pelos danos causados pelos
empregados contra terceiros, é objetiva.
A responsabilidade do empregador é denominada pela doutrina de objetiva impura, porque, por exemplo, o João
citado acima, para chegar ao Nelson, deverá provar antes, a culpa do empregado. Portanto, é objetiva impura,
porque possui discussão de culpa no antecedente e responsabilidade objetiva no consequente.
A responsabilidade é objetiva devido a inexistência de culpa do empregador.
Súmula 341, STF3: esta súmula perdeu a eficácia com o Código Civil de 2002, pois afirmava que a culpa do patrão
por atos do empregado, era presumida. É incompatível com o art. 933, do Código Civil.
Enunciado 450, CJF: a responsabilidade civil por ato de terceiro, funda-se na responsabilidade objetiva.
3
É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto.
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Exemplo: Damasiano é manobrista e às 23h, está responsável pelo fechamento do restaurante e pratica um
estupro contra a faxineira do restaurante. O empregador se responsabiliza pelo ato praticado por Damasiano?
Sim, pois a responsabilidade civil do empregador abrange a chamada Teoria da Ocasionalidade, atribuindo ao
empregador a responsabilidade sob o empregado, não apenas pelos danos causados a terceiros por sua atividade
normal para que foi contratado, mas também pelos danos que o empregado cause a terceiros em razão da
atividade, ou seja, por ocasião da atividade – art. 932, III, Código Civil.
Toda vez que o empregado causa danos a alguém, se aproveitando das facilidades da relação de emprego, a
responsabilidade civil recai sobre o empregador. Basta que o dano tenha um nexo causal com as facilidades
geradas pela relação de emprego para a indenização.
O empregador possuirá, após indenizar a vítima, direito de regresso contra o empregado – Enunciado 44, CJF:
Exemplo: Damasiano, garçom do restaurante, ao entregar a sopa pedida por João, a derruba em sua perna, que
sofre queimaduras de segundo grau.
Haverá aplicação do Código Civil apenas quando a vítima for um terceiro. No caso do exemplo acima, João era um
consumidor, sendo um caso de responsabilidade civil pelo fato do serviço, pois o serviço em si foi prestado de
forma defeituosa, visto ter sido frustrada a legítima expectativa de segurança do consumidor.
Nesta responsabilidade pelo fato do serviço, João não precisa provar a culpa do garçom, basta que,
objetivamente, o serviço seja defeituoso, visto que há mudança do nexo de imputação, que passa a ser o defeito
do serviço – art. 14, §1º, CDC:
São outras hipóteses de responsabilidade pelo fato de terceiro, mas que se assemelham a responsabilidade civil
do empregador.
A responsabilidade vicária ocorre quando alguém lucra com a atividade alheia e se omite quando poderia ter
evitado o dano.
Enunciado 191, CJF: o hospital deve observar com quem ele realiza contratos de prestação de serviços hospitalar,
logo, ele responderá pelos atos de seu corpo clínico. É um exemplo de responsabilidade vicária.
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III Jornada de Direito Civil - Enunciado 191
A instituição hospitalar privada responde, na forma do art. 932, III, do
Código Civil, pelos atos culposos praticados por médicos integrantes
de seu corpo clínico.
Informativo 494, STJ, de 03/04/2012: aduz sobre responsabilidade do plano de saúde, afirmando que ele é
solidariamente responsável pela sua rede de serviços médicos credenciada. Após, o plano poderá
regressivamente cobrar do profissional.
A responsabilidade contributiva surge também pelo fato de terceiro, quando alguém contribui para o ilícito
alheio, incitando a sua prática.
Por exemplo: o Mercado Livre, quando as pessoas vendem produtos pirateados (aulas do Damásio), contribui
com sua prática, incita o ato ilícito devido a menor fiscalização, pois poderia impedir esta prática.
Enunciado 447, CCJ: trata da responsabilização das agremiações esportivas por danos causados a terceiros por
sua torcida organizada, desde que por ela financiada. É outra hipótese de responsabilidade contributiva.
O clube estimulou que as atividades fossem praticadas sem qualquer forma de civilidade ou contenção, pois
poderia impedir a produção dos danos ocorridos.
Exemplo: Damasiano está caminhando com seu cão, que morde João, que estava passando pela rua. João pode
processar Damasiano por responsabilidade civil pelo fato da coisa animada, pois Damasiano possui a custódia, a
guarda do animal e qualquer dano por ele produzido, atrai a responsabilidade para Damasiano.
Aplica-se a teoria objetiva, respondendo, independentemente da existência de culpa – art. 936, CC:
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A única forma de não ocorrer a indenização é por meio da exclusão do nexo causal, ou seja, o autor do fato pode
alegar e provar fato exclusivo da vítima ou força maior.
No exemplo acima, caso Damasiano afirme que seu cão realmente mordeu a outra pessoa, mas que ele é
adestrado e tratado de forma civilizada, nada mudará acerca de sua responsabilidade. Estes argumentos
possuíam relevância antes do Código Civil de 2002, devido a culpa presumida, contudo, atualmente o sistema é o
da teoria objetiva.
Exemplo: ladrão ao ingressar na residência para roubá-la, é mordido pelo cão – é um fato exclusivo da vítima.
Ainda que não esteja escrito no artigo, nada impede que se alegue fato de terceiro – Enunciado 452, CJF:
A responsabilidade civil pelo fato do animal pertence a quem tem a guarda do animal, ou seja, ao dono ou ao
detentor. Caso o animal esteja com o adestrador e morda alguém, a responsabilidade será do adestrador.
Por exemplo, vaca que estava na estrada, atinge o veículo e machuca quem estava dirigindo. Quem será
responsabilizado? A concessionária, pelo CDC – art. 22 - por ser fornecedora de serviço, ou o Estado, devido a
omissão no cuidado daquele bem.
Exemplo: pessoa andando pela rua e cai um vaso em sua cabeça. A lógica é que a responsabilidade será do
possuidor daquela unidade habitacional, pois o morador tinha um dever de cuidado pela coisa.
Art. 938, CC: é responsabilidade objetiva, pois afirma que a pessoa responde pela queda da coisa, bastando o
nexo causal entre o dano e a queda da coisa. A responsabilidade pela queda de objetos se vincula a quem está
com a posse do bem, àquele que habitar o apartamento.
“Art. 938. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo
dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em
lugar indevido”.
Caso não seja possível descobrir de onde o objetivo foi lançado ou caiu, a responsabilidade recai sobre o
condomínio como um todo. Neste caso, a responsabilidade recairá sobre o condomínio devido a aplicação da
Teoria da Causalidade Alternativa, a qual, gera uma responsabilidade coletiva. A causalidade alternativa é uma
presunção de causalidade, porque a responsabilidade ultrapassa o causador do dano, atingindo todos aqueles
que poderiam ter causado o dano. Proprietários podem se eximir desde que provem que não poderia ter caído o
objeto de sua unidade, ou ainda que ela estava vazia. Enunciado 557, CJF:
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VI Jornada de Direito Civil - Enunciado 557
Nos termos do art. 938 do CC, se a coisa cair ou for lançada de
condomínio edilício, não sendo possível identificar de qual unidade,
responderá o condomínio, assegurado o direito de regresso.
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MATERIAL DE APOIO
Disciplina: Civil
Professor: Nelson Rosenvald
Aulas: 47 e 48 | Data: 01/06/2016
ANOTAÇÃO DE AULA
SUMÁRIO
RESPONSABILIDADE CIVIL
1. Responsabilidade civil pelo fato da coisa inanimada (continuação)
2. Responsabilidade do transportador
3. Cláusula geral do risco da atividade
3.1. Fundamento
3.2. Distinções
3.3. Cabe a redução equitativa da reparação?
3.4. Risco criado x risco proveito
RESPONSABILIDADE CIVIL
1. Responsabilidade civil pelo fato da coisa inanimada (continuação)
Exemplo: pessoa andando pela rua e um azulejo ou a marquise caem do prédio em sua cabeça.
Nesta hipótese há uma responsabilidade civil do proprietário pela queda do próprio prédio, parcial ou total,
prevista no artigo 937, do Código Civil.
O Professor discorda deste entendimento, aduzindo que desde Aguiar Dias, há entendimento de que esta
responsabilidade seria objetiva, porque se o prédio caiu ou parte dele se soltou, é evidente que só houve este
dano porque os reparos não foram feitos; a inexistência de reparos é condição para que ocorresse a queda total
ou parcial do prédio.
Prevalece a tese de que esta responsabilidade do artigo 937, CC, é objetiva, sendo este entendimento ratificado
no Enunciado 556, CJF:
O artigo 618, CC prevê, que nos contratos de empreitada, o empreiteiro responderá pelo prazo de 5 anos, pela
solidez e segurança do trabalho. Esse prazo é da responsabilidade pelo vício do produto (materiais). É uma
garantia contratual estendida pelo Código Civil para uma garantia legal para 5 anos, mas, por vícios do produto.
No entanto, queda de prédio, não é um vício do produto, é um acidente, o que denota a necessidade de aplicação
do CDC, pois quem construiu o prédio (art. 27, CDC) é um fornecedor de produto. Assim, a responsabilidade é de
5 anos, a contar do momento em que se constata o fato e a autoria do acidente. Portanto, o Código Civil trata
apenas da responsabilidade do dono do prédio.
Existem outras previsões sobre a responsabilidade inanimada que não estão no Código Civil.
A premissa é de que toda vez que a pessoa estiver na guarda destes objetos que possam causar danos a terceiros,
há responsabilidade por esta guarda.
Por exemplo: tratamento dermatológico com máquina evoluída. Na realização do tratamento, ocorre
queimaduras na face do paciente.
A responsabilidade do médico é subjetiva pela imperícia dele, mas a responsabilidade civil do médico pelo fato do
mau uso de seu aparelho (utilizado e que estava sob sua custódia), será objetiva pelo fato da coisa inanimada.
Enunciado 460, CJF: a responsabilidade subjetiva do médico não afasta a responsabilidade objetiva pelo fato da
coisa pela qual tem guarda. O médico poderá regredir contra o fabricante do aparelho.
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relação ao fornecedor do aparelho e sem prejuízo da ação direta do
paciente, na condição de consumidor, contra tal fornecedor”.
Exemplo: Nelson é amigo de Damasiano e pede seu carro emprestado. Damasiano atropela João, pois foi
imprudente no volante. João, além de responsabilizar Damasiano, por culpa, pode responsabilizar Nelson porque
é dono do veículo?
Quando se fala em teoria da guarda, a reponsabilidade civil não recai na pessoa pelo fato dela ser proprietária,
mas sim pelo fato dela ter a custodia intelectual da coisa naquele instante. A guarda foi transferida de forma
responsável para uma pessoa habilitada, portanto, a responsabilidade é da pessoa que está dirigindo.
Caso a guarda for transferida para um menor, ou estando o veículo em mau estado, o proprietário também
responderá, por ter agido com culpa na transferência da custódia do veículo. Portanto, a propriedade não é
motivo por si só para gerar a responsabilidade.
Exemplo: churrasco na casa da Nelson que empresta uma faca para Damasiano; este, em acesso de fúria, mata
outra pessoa por meio de facadas. Não há responsabilização de Nelson, pois houve a transferência da custodia
para uma pessoa responsável.
2. Responsabilidade do transportador
A responsabilidade do transportador é objetiva, conforme previsto no art. 734, CC, podendo ele se exonerar da
responsabilidade na ocorrência de fortuito externo.
Quando se fala em transportador, parte-se da premissa que o contrato de transporte é marcado pela
onerosidade, ou seja, há uma contraprestação e uma remuneração. É da essência do contrato de transporte a
onerosidade.
Sendo gratuito o transporte, não há relação contratual, de modo que não pode o motorista ser chamado de
transportador, e somente responderá civilmente caso haja comprovação de que agiu com culpa na direção – art.
736, CC. Não há contrato quando existe a mera liberalidade.
Súmula 145, STJ: no transporte desinteressado (por liberalidade, amizade, cortesia), o transportador somente
será civilmente responsável quando ocorrer em dolo ou culpa grave. Apesar desta súmula continuar sendo
veiculada, ela perdeu sua eficácia, pois parte da premissa equivocada de que transporte gratuito também é
contrato (art. 392, CC), sendo que não é contrato. Portanto, atualmente qualquer culpa, por mais leve que seja, já
atrai a responsabilidade.
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Súmula 145, STJ
No transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador
só será civilmente responsável por danos causados ao transportado
quando incorrer em dolo ou culpa grave.
Exemplo: Damasiano muda de cidade e em busca de um apartamento para alugar é levado pelo funcionário da
imobiliária para visitar diversos apartamentos. Em uma das visitas, o funcionário bate o carro, machucando o
passageiro.
A responsabilidade do funcionário que estava levando gratuitamente o cliente para conhecer imóveis é objetiva
porque é um transporte aparentemente gratuito, ou seja, é um transporte gratuito interessado, porque quem
está dirigindo o veículo está visando uma vantagem indireta uma vez que busca ao final, locar um imóvel para
Damasiano. Havendo um benefício indireto, o transportador passa a ser responsabilizado objetivamente –
parágrafo único, art. 736, CC:
Exemplo: Susana Vieira andando de ônibus que bate e machuca os passageiros. Ela ingressa com ação contra a
transportadora. Susana Vieira é idosa e não pagou a passagem. Mesmo assim, esta responsabilidade civil é
objetiva, pois a gratuidade ao idoso é compensada com o aumento da tarifa dos passageiros, logo, há uma
vantagem indireta na gratuidade (gratuidade aparente) – art. 39, Estatuto do Idoso:
No caso de passagens adquiridas com milhagem, havendo queda do avião, a responsabilidade também será
objetiva, uma vez que o valor das milhagens é redistribuído no preço dos demais. A responsabilidade torna-se
objetiva, independentemente de quem pagou ou não – enunciado 559, CJF:
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VI Jornada de Direito Civil - Enunciado 559
Observado o Enunciado 369 do CJF, no transporte aéreo, nacional e
internacional, a responsabilidade do transportador em relação aos
passageiros gratuitos, que viajarem por cortesia, é objetiva, devendo
atender à integral reparação de danos patrimoniais e
extrapatrimoniais.
3.1. Fundamento
Art. 927, parágrafo único, CC: a imputação objetiva surge pela imposição da lei, ou porque o dano injusto resultou
do risco de uma atividade.
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a
outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou
quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano
implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”
O caput do art. 927, CC trata de imputação subjetiva (teoria subjetiva) cujo fundamento é um ato ilícito, seja
resultante de uma culpa ou de abuso de um direito. Por sua vez, o parágrafo único do art. 927, CC, trata de teoria
objetiva, momento em que é atribuída a alguém a responsabilidade que se origina da lei ou do risco da atividade.
Não existe uma regra de importância, mas sim, uma coexistência entre as teorias objetiva e subjetiva. A tendência
é que nas relações individuais prevaleça a teoria subjetiva cujo cerne é o ato ilícito. Nas relações que abrangem
aspectos coletivos, metaindividuais, em que a sociedade se encontre em situação de risco, afirma-se pela
imputação objetiva, onde o ilícito não interessa, sendo fundamental a lei ou o risco de uma atividade.
Por que o Código Civil optou por uma cláusula geral do risco?
Cláusula geral é uma técnica de legislar que se opõe a técnica regulamentar (tradicional de legislar, onde o
legislador exaure a norma, fechada). Na cláusula geral, o legislador cria a norma de forma imprecisa, vaga,
concebendo a regra de forma aberta. Assim, a norma é colocada em termos imprecisos, tendo como vantagem
serem cláusulas gerais que permitem uma construção diuturna da jurisprudência e da doutrina, nunca
envelhecendo, visto que a matéria vai se adequando aos novos valores e costumes da sociedade por meio da
reinterpretação dos Tribunais.
Em matéria de responsabilidade civil, esta cláusula é importante pois, por ser dinâmica, se adequa as novas
técnicas surgidas com a evolução da sociedade/ciência. Nesse sentido, ela possibilita que a expressão “risco da
atividade” seja interpretada conforme aquele momento em que a sociedade vive, sem a necessidade de que uma
lei seja editada a todo instante.
Esta cláusula se aplica na existência de uma atividade com alto índice de danosidade (intrínseca à atividade) .
Certa atividade, pela sua essência, por sua natureza e pelos seus meios, possui maior risco do que as demais
exercidas em sociedade. Afirma-se que estes danos são quantitativamente numerosos ou qualitativamente
graves. Esta atividade possui uma acentuada potencialidade lesiva que está acima dos padrões estatísticos.
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Portanto, a atividade por si só gera maiores danos, independentemente de quem seja a pessoa que esteja
conduzindo.
O termo adequado é “risco da atividade”, pois torna evidente que o risco é inerente à atividade, que é lícita e
normalmente é desenvolvida por várias pessoas na sociedade, mas que causa realmente maior dano que as
demais. Caso utilizado o termo “atividade de risco” há a falsa noção de que a pessoa que a executa, agiu de forma
displicente, praticando algum ato antijurídico. Na verdade, o que importa é que existem atividades em que o risco
é inerente.
Nesse contexto, o juiz pode atribuir responsabilidade objetiva a determinado caso concreto, fundamentando na
cláusula geral do risco da atividade.
Quando o parágrafo único do art. 927, CC, afirma “atividade normalmente desenvolvida” ele denota sua
diferença em relação ao ato, que é um comportamento isolado, visto que a atividade diz respeito a um processo,
pressupondo uma certa organização e predisposição de meios. O sujeito que ocasionalmente pratica a atividade
não responderá com fundamento na cláusula geral.
O termo “outrem” denota a sociedade que está genericamente exposta ao risco da atividade – Enunciado 446,
CJF:
Para que o juiz utilize a cláusula geral do risco da atividade, ele deverá observar parâmetros. Um exemplo de
parâmetro é o contido na Súmula 351, do STJ:
3.2. Distinções
Quando se fala em atividade, o Código de Defesa do Consumidor fundamenta como defeito do serviço (serviço é
sinônimo de atividade – art. 14, CDC), pois o fornecedor de um serviço somente é objetivamente responsável
caso fique comprovado no caso concreto que o serviço oferecido é defeituoso, ou seja, possui uma periculosidade
intrínseca. O CDC exige a falta de segurança inerente àquele serviço, requerendo que o defeito porte uma
antijuridicidade.
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consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem
como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua
fruição e riscos
§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o
consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as
circunstâncias relevantes, entre as quais:
I - o modo de seu fornecimento;
II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi fornecido.
§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de
novas técnicas.
§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado
quando provar:
I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será
apurada mediante a verificação de culpa”.
O Código Civil, fundamenta a teoria do risco no art. 927, parágrafo único e há responsabilização de forma
objetiva, mesmo que a atividade não seja defeituosa, ou seja, ainda que seja perfeitamente desenvolvida, pois
resulta do risco da atividade que é superior às demais atividades. Protege a pessoa humana, pois elimina a
necessidade de comprovação da existência de um defeito.
Art. 13 e 14, CDC: responde objetivamente por danos aos defeitos relativos a prestação de serviço.
Alguns autores afirmam que o “risco da atividade” significa periculosidade, o que não está correto, vez que “risco
da atividade” tem como certo se tratar de uma atividade que causa maior danosidade, porém, ela não é de maior
periculosidade. Mesmo que seja desprovida de periculosidade, tendo um alto índice de danosidade, integrará o
risco da atividade.
Exemplo: atividade dos bancos de cobrança de títulos – protestos e negativação – não possui periculosidade, mas
gera responsabilidade objetiva devido a danosidade da atividade.
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Enunciado 448, CJF: afirma que a regra do art. 927, parágrafo único, CC, aplica-se quando a atividade
normalmente desenvolvida, mesmo sem defeito e não essencialmente perigosa, induza por sua natureza, risco
especial e diferenciado aos direitos de outrem.
Enunciado 553, CJF: nas ações de responsabilidade civil por cadastramento indevido em registros de
inadimplentes, a responsabilidade civil é objetiva, devido ao risco da atividade.
Exemplo: nos provedores de informação na internet (Veja, Isto É, Época, etc.) e os internautas expõem suas
opiniões acerca de determinado assunto veiculado. Os provedores se responsabilizam acerca dos comentários
realizados pelos internautas, pois existe um risco inerente à atividade (por isso que existe o filtro das opiniões).
Informativo 558, STJ, de 06/04/2015: fixou a responsabilidade objetiva dos provedores de informação pelo risco
da atividade.
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provedor. Dessa forma, já que a CF veda o anonimato, os provedores de hospedagem de blogs têm de manter um
sistema de identificação de usuários; todavia, não estão obrigados a exercer controle do conteúdo dos posts
inseridos nos blogs. Deve o ofendido, portanto, realizar a indicação específica dos URLs das páginas onde se
encontra a mensagem considerada ofensiva, sem os quais não é possível ao provedor de hospedagem de blogs
localizar, com segurança, determinada mensagem considerada ofensiva. REsp 1.274.971-RS, Rel. Min. João Otávio
de Noronha, julgado em 19/3/2015, DJe 26/3/2015.
Profissional liberal pode responder objetivamente com base na cláusula geral do risco?
O Professor entende que não, pois por mais que o profissional realize uma atividade, ela é marcada pela
pessoalidade, de modo que não pode ser aplicada a cláusula geral do risco, prevalecendo a teoria subjetiva – art.
951, CC.
“Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso
de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade
profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a
morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo
para o trabalho”
Há médicos que se juntam para formar uma pessoa jurídica. Caso aconteça algo dentro desta pessoa jurídica, a
responsabilidade se tornará objetiva, pois serão considerados fornecedores normais, logo, se a atividade deles
causa algum dano, a responsabilidade é objetiva.
Exemplo: duas pessoas proprietárias de siderúrgicas em cidades vizinhas. “A” gasta milhões na tecnologia mais
avançada para mitigar danos; “B” não investe na prevenção de danos.
Ocorrendo danos consistente na morte de uma pessoa decorrente de danos ocorridos no exercício de sua
atividade, como juiz, aplicaria o mesmo valor da indenização aos dois casos?
A siderúrgica por si só já é uma atividade de risco, e quem pensa assim, aplicará o mesmo valor de indenização.
O art. 944, parágrafo púnico, CC, aduz que caso haja excessiva desproporção, poderá o juiz reduzir
equitativamente a indenização, porém, a aplicação desta orientação é facultada para a teoria subjetiva. Desta
forma, este parágrafo não se aplica para a redução da reparação.
Enunciado 46, CJF: mesmo sendo o proprietário diligente, não terá o valor da indenização reduzida.
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dano[,] não se aplicando às hipóteses de responsabilidade objetiva.
(Alterado pelo Enunciado 380 - IV Jornada)
O Professor discorda deste ponto de vista, pois ao exercer uma atividade de risco inerente, o comportamento
meritório deve ser no sentido de minimizar acidentes, visto que é demonstração de prudência, cautela e respeito
perante o próximo. Caso não seja possível a redução da reparação, não haverá estímulo ao comportamento
diligente para mitigação de riscos, ou seja, não haverá resposta positiva do ordenamento a um comportamento
meritório.
Nesse sentido, Enunciado 380, do CJF, atribuiu nova redação ao Enunciado 46, suprimindo a parte final e
permitindo que mesmo nas hipóteses de responsabilidade objetiva, seja possível aplicar o parágrafo único do art.
944, do Código Civil, possibilitando a redução equitativa da reparação.
A teoria do risco proveito foi introduzida no Brasil por Alvino Lima, por volta dos anos 30, afirmando que a
responsabilidade será objetiva somente se ficar provado que a pessoa que exerce a atividade busca lucro.
Portanto, somente quem exerce uma atividade empresarial é que se submeteria à cláusula geral do risco do art.
944, parágrafo único, CC
Na teoria do risco criado, Caio Mário afirma que tanto faz se a pessoa exerce uma atividade visando lucro ou não,
logo, dispensa a finalidade do lucro, bastando que a pessoa introduza o risco de uma atividade no Brasil.
Carlos Roberto Gonçalves defende a teoria do risco proveito por entender que somente se justifica a submissão
de alguém a obrigação de indenizar, caso esteja tendo lucro. O Professor, por outro lado, defende a teoria do
risco criado, entendendo pela necessidade de que a pessoa introduza um risco criado na sociedade, em razão do
art. 944, parágrafo único, CC, não afirmar em nenhum momento que a atividade tenha que ser empresarial.
Ademais, o Professor também entende que a teoria do risco criado protege melhor a pessoa humana, visto que
sua abrangência permite que outras pessoas que sofram danos, sejam indenizadas, além de permitir um acesso
maior a justiça por não ser necessária a discussão de ato ilícito e culpa, sendo suficiente o risco da atividade para
gerar dano.
Exemplo de teoria do risco proveito: Damasiano viaja para o Rio de Janeiro e loca um veículo. Ao passear com o
veículo, atropela João. Ele pode processar a empresa que locou um veículo?
Em face de Damasiano, deverá ser provada a culpa.
Súmula 492, STF: a empresa locadora de veículos responde civil e solidariamente pelos danos causados por
terceiros no uso do carro locado. Esta súmula nasceu na teoria do risco proveito, de modo que a empresa é
responsabilizada porque está tirando proveito econômico na locação de veículos para terceiros.
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A empresa locadora de veículos responde, civil e solidariamente com
o locatário, pelos danos por este causados a terceiro, no uso do carro
locado.
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MATERIAL DE APOIO
Disciplina: Civil
Professor: Nelson Rosenvald
Aulas: 49 e 50 | Data: 02/06/2016
ANOTAÇÃO DE AULA
SUMÁRIO
RESPONSABILIDADE CIVIL
1. Teoria do risco integral x risco agravado
2. Teoria do risco social
2.1. Antecedentes
2.2. Coletivização da responsabilidade civil
RESPONSABILIDADE CIVIL
1. Teoria do risco integral x risco agravado
Risco integral: o agente se obriga a reparar danos, não causados por ele, nem por pessoa ou coisa a ele ligados.
A teoria do risco integral é anárquica, pois leva a responsabilidade civil da pessoa aos últimos extremos, visto que
normalmente quando se fala em responsabilidade civil, a lógica é de que responsabilidade ocorre objetivamente
pelo fato próprio, pelo fato de terceiro e pelo fato da coisa (animada ou inanimada).
Aqui, há responsabilidade mesmo que o dano não tenha sido produzido pela pessoa, por algum terceiro que
esteja em sua dependência, ou pela coisa que esteja em sua guarda, pois leva-se em consideração que o dano
aconteceu no exercício da atividade.
Nesta teoria não pode ser alegado fato de terceiro ou fortuito interno para exclusão de nexo causal, pois aqui
tudo o que em tese seria fortuito externo e força maior, passa a ser um fortuito interno.
Esta teoria é aplicada excepcionalmente e nela existe uma causalidade pura devido à impossibilidade de exclusão
de nexo causal (toda hipótese de dano recai sobre o patrimônio).
a) atividade nuclear: por exemplo, a usina nuclear de Angra dos Reis explode em razão de um atentado
terrorista; todo mundo pode processar a União afirmando que foi acidente?
A atividade nuclear é regulamentada no art. 21, XXIII, CF, onde é afirmado que a responsabilidade civil da União,
pelo dano nuclear, independe da existência de culpa, ou seja, trata-se de responsabilidade objetiva.
A Lei 6.453/77 trata da atividade nuclear e em seu artigo 8º, afirma que o operador, a União Federal, não
responde pela reparação do dano nuclear, causado diretamente por conflito armado, guerra civil, excepcional
fato da natureza, etc., logo, poderá se eximir de indenizar.
Não é hipótese de teoria do risco integral. A responsabilidade objetiva, neste caso, é teoria do risco agravado,
também chamada de responsabilidade civil agravada.
A teoria do risco integral, elimina o nexo causal, enquanto que a teoria do risco agravado, flexibiliza o nexo causal,
respondendo o agente não apenas por suas condutas, mas às vezes também pelo fato de terceiro.
b) dano ambiental: a doutrina civilista, embora seja afirmado pelo STF, não aceita o dano ambiental como
risco integral. No §3º, do art. 225, da Constituição, é afirmado que a conduta lesiva ao meio ambiente sujeitará os
infratores, às sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos. Neste
parágrafo não há previsão de qual é o tipo de responsabilidade civil incidente.
A Lei 6.938/81, no art. 14, §1º, prevê que o poluidor é obrigado, independentemente da existência de culpa
(responsabilidade objetiva) a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente ou a terceiros, afetados
por sua atividade. Logo, quem causa o dano ambiental, o poluidor, somente se responsabiliza se ficar provado o
nexo causal entre a sua atividade e o dano, não se responsabilizando caso haja exclusão do nexo causal por meio
da alegação de fato de terceiro ou fortuito externo.
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Assim, em matéria de dano ambiental existe uma responsabilidade objetiva agravada, uma vez que o sujeito que
realiza determinada atividade, pode em casos excepcionais, se responsabilizar por danos que não causou, mas
que ocorreram no decurso de sua atividade, por exemplo:
- Distrito Industrial que possui um grande lago e 20 indústrias. São lançados resíduos no lago; qual foi a indústria
que lançou os resíduos?
Como ninguém sabe qual foi a indústria que poluiu o lago, aplica-se neste caso a teoria da causalidade alternativa,
a qual afirma que, quando não se pode precisar qual dos potenciais responsáveis foi o causador do dano, todos
serão responsabilizados coletivamente.
Cria-se uma presunção de causalidade que se aplica ao direito ambiental em razão do in dubio pro societate.
- Proprietário de um imóvel rural que o vende. Há um dano ambiental e o adquirente informa que não indenizará
porque adquiriu o imóvel já desta forma.
O adquirente, mesmo provando que o causador do dano tenha sido o alienante, não pode se eximir da obrigação
de indenizar, porque seria uma obrigação propter rem, momento em que assume o ônus real sobre todas as
externalidades daquele imóvel (o ônus do alienante se transfere a ele).
c) transporte aéreo: também se trata de risco agravado. Um acidente de avião gera os mesmos resultados
da responsabilidade civil de outros transportes.
Exemplo: em 2006 houve um acidente envolvendo um Gol e um Legacy, onde este atingiu o Gol por uma falha em
seu equipamento. O Gol perdeu o controle, caiu e todos faleceram.
Como advogado dos familiares de um dos falecidos do avião, a ação é ajuizada em face da Gol que alegará, em
tese como defesa, que não indenizará porque o acidente foi fato de terceiro, uma vez que a conduta não foi a
causa do dano. Porém, a Gol não se exime, por ser uma hipótese de responsabilidade civil agravada – art. 735, CC.
Como advogado dos familiares da Gol, é possível ajuizar ação contra o Legacy?
Sim, com base no art. 17, CDC, pois equiparam-se à consumidor todas as vítimas do evento (consumidor por
equiparação), ou seja, vítimas de um acidente de consumo.
Também há responsabilidade civil contra a União Federal, pois o controle de tráfego aéreo falhou, nos termos do
art. 37, §6º, CF:
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A Lei 10.744/2003, que dispõe sobre a assunção, pela União, de responsabilidades civis perante terceiros no caso
de atentados terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos, contra aeronaves de matrícula brasileira operadas
por empresas brasileiras de transporte aéreo público, excluídas as empresas de táxi aéreo, se aproxima da teoria
do risco integral. Foi elaborada após o atentado às Torres Gêmeas e visou a proteção de quem utiliza o transporte
aéreo, que eventualmente sejam utilizados em atentado – art. 1º:
Assume-se uma teoria do risco integral em se tratando destes atos que impactem em acidentes aéreos com
aeronaves com bandeira brasileira, ainda que no exterior.
Não deve ser afirmado que a responsabilidade civil do Estado é risco integral, pois em termos amplos é teoria do
risco administrativo, a qual permite que o Estado se exonere alegando fortuito externo, fato de terceiro e fato
exclusivo da vítima – art. 37, §6º, CF. Deve existir nexo causal entre o ato e o dano.
Recurso Extraordinário 841.526 – Informativo 819, de 30/03/20161: a discussão foi sobre morte de detento em
cadeia. A União se responsabiliza pela morte de um detento na cadeia? O STF afirmou que não se aplica a teoria
do risco integral na responsabilidade civil do Estado, uma vez que a morte do detento pode ocorrer por várias
causas (natural, homicídio, etc.), não sendo possível ao Estado evitá-la, por mais que sejam adotadas as
precauções necessárias. Assim, o Estado pode comprovar causa impeditiva de atuação, rompendo o nexo de
causalidade.
1
http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo819.htm
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causalidade. Afasta-se, assim, a responsabilidade do Poder Público, sob pena de adotar-se a teoria do risco
integral, ao arrepio do texto constitucional. A morte do detento pode ocorrer por várias causas, como homicídio,
suicídio, acidente ou morte natural, não sendo sempre possível ao Estado evitá-la, por mais que adote as
precauções exigíveis. Portanto, a responsabilidade civil estatal fica excluída nas hipóteses em que o Poder Público
comprova causa impeditiva da sua atuação protetiva do detento, rompendo o nexo de causalidade da sua
omissão com o resultado danoso. Na espécie, entretanto, o tribunal “a quo” não assentara haver causa capaz de
romper o nexo de causalidade da omissão do Estado-Membro com o óbito. Correta, portanto, a decisão
impositiva de responsabilidade civil estatal.
RE 841526/RS, rel. Min. Luiz Fux, 30.3.2016. (RE-841526)
2.1. Antecedentes
Em matéria de teoria do risco social, a responsabilidade civil classicamente sempre foi apoiada em três pilares:
sempre foi patrimonial, individual e subjetiva.
Na primeira fase da responsabilidade civil, em sua fase clássica, seu objetivo era o de transferir da vítima para um
culpado, os danos patrimoniais decorrentes de um fato ilícito. A responsabilidade civil clássica é patrimonial
porque o culpado apenas indenizava a vítima pelos prejuízos econômicos; era individual porque a
responsabilidade recaia apenas sobre a pessoa causadora do dano; por fim, era subjetiva porque a pessoa só
respondia caso ficasse provado que a pessoa praticou um ilícito culposo, podendo se eximir da obrigação de
indenizar.
Na segunda fase da responsabilidade civil, ela visa transferir os danos patrimoniais e morais a um responsável. Ela
não continua sendo patrimonial, pois além da indenização patrimonial, os danos morais devem ser compensados.
Portanto, a reparação passa a abranger os danos econômicos e os existenciais, afastando também sua
subjetividade, uma vez que o ordenamento não busca mais um culpado e sim um responsável para quem a vítima
irá transferir os danos sofridos. Deve ser provado o comportamento do responsável como causa necessária ao
dano injusto.
A terceira fase da responsabilidade civil é aquela em que o responsável fará a transferência dos danos sofridos
para um segurador. Por exemplo, a vítima demanda contra um responsável que transfere para um segurador os
valores a serem pagos para a vítima.
Denomina-se contratualização da responsabilidade civil - art. 787, CC. O seguro de responsabilidade civil é
facultativo e garante o pagamento do valor de perdas e danos devidos pelo segurado à terceiro. Há uma
cobertura da indenização que o segurado foi obrigado a compor.
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§ 2º É defeso ao segurado reconhecer sua responsabilidade ou
confessar a ação, bem como transigir com o terceiro prejudicado, ou
indenizá-lo diretamente, sem anuência expressa do segurador.
§ 3º Intentada a ação contra o segurado, dará este ciência da lide ao
segurador.
§ 4º Subsistirá a responsabilidade do segurado perante o terceiro, se
o segurador for insolvente”.
Neste caso, sendo a pretensão da vítima julgada procedente, o responsável irá a seguradora para realizar seu
direito de reembolso daquilo que foi transferido à vítima.
Súmula 402, STJ: danos pessoais incluem danos morais. Não utilizar a expressão “danos pessoais”, exceto se
estiver dentro do contrato de seguro, pois fora dele só existe o dano patrimonial (consequência econômica) e o
moral (consequência afeta interesses existenciais). Dano pessoal significa um dano contra uma pessoa, que
poderá ser atingida tanto em seu patrimônio como em sua dignidade. Portanto, o dano pessoal não é apenas
econômico e possui repercussão extrapatrimonial, exceto em caso de existência de cláusula expressa de
indenização apenas por danos extrapatrimoniais.
A
O contrato de seguro por danos pessoais compreende os danos
morais, salvo cláusula expressa de exclusão.
A teoria do risco social é a diluição do ônus reparatório entre toda a coletividade ou entre grupos de agentes
potencialmente lesivos.
É o último estágio da responsabilidade civil (quarta fase). No Brasil esta teoria é marginal, restrita a algumas
matérias, já na Nova Zelândia não existe responsabilidade civil a não ser pelo risco social (coletivização da
responsabilidade civil) pois a pessoa é assegurada pelo Estado desde o seu nascimento até sua morte, por meio
de fundos, onde se dilui o ônus reparatório por toda a sociedade.
A vítima não transfere os danos para o responsável, pois eles são diluídos pela sociedade como um todo, ou seja,
o Estado compartilhará todos os recursos necessários para que a pessoa possa receber indenização.
No direito brasileiro, a coletivização da reponsabilidade civil (seguro privado obrigatório), ocorre em alguns casos:
a) acidente de trabalho: é coberto por um seguro privado obrigatório. Ocorrido o acidente, surgem duas
consequências: o empregado ajuíza uma ação contra o empregador visando reparação, e ao lado desta reparação
de direito civil, o modelo jurídico permite o recebimento do seguro por acidente de trabalho.
Exemplo: funcionário em esteira de produtos fabricados em série; por distração, perde um dedo da mão. Ajuizada
ação de reparação contra o empregador, como houve distração, a princípio a ação será improcedente, pois aqui
aplica-se a teoria subjetiva, logo, deverá ficar demonstrado o ilícito culposo do empregador. Nada haveria para
ser pago em sede de acidente de trabalho.
Art. 7º, XXVIII, CF: previsão do seguro, sem exclusão da indenização, quando incorrer em dolo ou culpa.
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“(...) XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do
empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado,
quando incorrer em dolo ou culpa"
O seguro de acidente de trabalho surge da necessidade de concessão do mínimo existencial para esta pessoa,
mesmo que não haja culpa do empregador. Portanto, o trabalhador receberá um valor, que não é reparação
(recomposição completa da vítima ao estado anterior ao dano), por meio de uma prestação periódica para que
possa sobreviver.
Súmula 229, STF: a indenização acidentária não exclui a do direito comum em caso de dolo ou culpa grave do
empregador. Esta súmula não se aplica mais, porque não se prova mais culpa grave ou dolo após a Constituição,
que exige, conforme supracitado, culpa.
Diante do inciso XXVIII, do art. 7º, CF, para haver reparação, basta qualquer culpa do empregador, ainda que seja
leve, enquanto que para o seguro, aplica-se a responsabilidade objetiva, pois o pagamento será realizado pelo
INSS independentemente de culpa.
Existindo culpa leve do empregador, além do seguro a ser recebido, poderá ser ajuizada uma ação buscando
danos morais e patrimoniais.
Súmula Vinculante 22, STF: a justiça do trabalho é competente para o julgamento de ações acidentárias.
Súmula Vinculante 22
A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar as ações
de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de
acidente de trabalho propostas por empregado contra empregador,
inclusive aquelas que ainda não possuíam sentença de mérito em
primeiro grau quando da promulgação da Emenda Constitucional nº
45/04.
Atualmente o empregador pode ser responsabilizado pela teoria objetiva da responsabilidade civil?
Sim, apenas no caso em que o acidente de trabalho aconteceu durante o exercício de uma atividade de risco
inerente, de alta potencialidade lesiva, aplicando o art. 927, parágrafo único do Código Civil2.
Tal premissa ocorre com base no diálogo das fontes, pois quando a CF insere entre os direitos do trabalhador o
direito de ajuizar uma demanda por culpa ou dolo, é um piso mínimo em matéria de direitos fundamentais
sociais, nada impedindo a existência de outra norma, mesmo que cláusula geral do Código Civil, que estabeleça
uma proteção superior ao trabalhador e que não contraste com a Constituição Federal, pois devido ao diálogo de
fontes, é uma norma que efetiva direitos maiores à categoria social.
2
“(...) Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”
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Portanto, toda vez que houver atividade de risco inerente, o empregador responderá na justiça do trabalho, mas
com a aplicação da teoria objetiva da responsabilidade.
Art. 7º, caput, CF: o termo “outros” denota o diálogo das fontes.
O INSS coletivamente protegerá o trabalhador, pois toda a sociedade contribui para o INSS.
b) seguro obrigatório – DPVAT: por exemplo, no caso de um veículo que passou por cima de uma pessoa,
por fato exclusivo da vítima, da mesma forma existem dois âmbitos: reparação civil e DPVAT.
Na ação de reparação de danos a vítima não terá sucesso, pois aplica-se nesta matéria a responsabilidade
subjetiva, necessitando da demonstração do ilícito culposo do condutor do veículo.
De qualquer forma a vítima terá direito ao DPVAT, que é um seguro obrigatório de responsabilidade civil objetiva,
pois a vítima irá receber o valor independentemente da constatação de qualquer culpa por parte do condutor do
veículo. Todas as pessoas que possuem veículo devem pagar o DPVAT.
Art. 788, CC: trata do seguro legalmente obrigatório, sendo a indenização será paga diretamente ao terceiro
prejudicado.
No seguro facultativo, o responsável pagará para a vítima e posteriormente terá o reembolso junto ao segurador.
No seguro obrigatório, a vítima se dirige contra o segurador diretamente, pois é uma estipulação em favor de
terceiro – vítima e beneficiário.
O segurador é um pool de seguradoras, podendo a vítima se dirigir em face de qualquer uma devido a
solidariedade passiva existente. Em caso de falecimento da vítima, o espólio não possui legitimidade ativa para
exigir das seguradoras, visto que o valor foi destinado à vítima do acidente após a morte, não compondo o acervo
de bens e direitos do falecido. É um direito próprio do cônjuge e herdeiros em caso de falecimento da vítima.
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Informativo 565, STJ, de 07/08/2015: afirma que se trata de direito próprio dos beneficiários que excluem o
espólio sobe qualquer pretensão sobre o DPVAT. Mesmo que não tenha sido identificado o agente do
atropelamento, a vítima o receberá, pois é expressão da coletivização da sociedade civil.
Art. 788, parágrafo único, CC: a vítima buscará o pagamento diretamente junto ao segurador, que não poderá
opor exceção de contrato não cumprido pelo segurado, pois possui o dever de promover o pagamento. Pode
denunciar à lide àquele que não pagou o DPVAT para posteriormente regredir o valor que venha a pagar para a
vítima e seus familiares.
Outro argumento é que a vítima não pode ir diretamente à seguradora sem que tenha sido estabelecida a culpa
do agente e o nexo causal, pois a seguradora somente reembolsará se ficar provado que seu segurado é o
responsável - Súmula 529, STJ:
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Súmula 529, STJ
No seguro de responsabilidade civil facultativo, não cabe o
ajuizamento de ação pelo terceiro prejudicado direta e
exclusivamente em face da seguradora do apontado causador do
dano.
Sendo o agente considerado culpado, condenado ao pagamento de dano patrimonial ou moral, e tiver adimplido
o DPVAT, o valor pago à vítima pelo DPVAT poderá ser deduzido do valor da reparação por dano patrimonial e
moral a que foi condenado – Súmula 246, STJ:
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MATERIAL DE APOIO
Disciplina: Civil
Professor: Nelson Rosenvald
Aulas: 51 e 52 | Data: 06/06/2016
ANOTAÇÃO DE AULA
SUMÁRIO
A responsabilidade civil no CDC é baseada em uma dicotomia, pois são dois grupos: pelo vício do produto do
serviço e a pelo fato do produto e serviço, cada uma com suas regras próprias.
Exemplo: Damasiano ingressa em uma loja chique e adquire um sapato. Ao chegar em casa, percebe que a sola
está um pouco solta; é um vício do produto e do serviço.
Vício do Produto e Serviço está previsto nos artigos 18 a 25, CDC1. O problema deste vício do produto ou do
serviço é de inadequação, é intrínseco, é o que gera o chamado incidente de consumo. É um vício de
1
Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os
tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a
indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o
consumidor exigir a substituição das partes viciadas.
§ 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;
II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III - o abatimento proporcional do preço.
§ 2° Poderão as partes convencionar a redução ou ampliação do prazo previsto no parágrafo anterior, não podendo ser inferior a sete nem superior a
cento e oitenta dias. Nos contratos de adesão, a cláusula de prazo deverá ser convencionada em separado, por meio de manifestação expressa do
consumidor.
§ 3° O consumidor poderá fazer uso imediato das alternativas do § 1° deste artigo sempre que, em razão da extensão do vício, a substituição das partes
viciadas puder comprometer a qualidade ou características do produto, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto essencial.
§ 4° Tendo o consumidor optado pela alternativa do inciso I do § 1° deste artigo, e não sendo possível a substituição do bem, poderá haver substituição
por outro de espécie, marca ou modelo diversos, mediante complementação ou restituição de eventual diferença de preço, sem prejuízo do disposto nos
incisos II e III do § 1° deste artigo.
§ 5° No caso de fornecimento de produtos in natura, será responsável perante o consumidor o fornecedor imediato, exceto quando identificado
claramente seu produtor.
§ 6° São impróprios ao uso e consumo:
I - os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos;
II - os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda,
aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação;
III - os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam.
Art. 19. Os fornecedores respondem solidariamente pelos vícios de quantidade do produto sempre que, respeitadas as variações decorrentes de sua
natureza, seu conteúdo líquido for inferior às indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou de mensagem publicitária, podendo o
consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
I - o abatimento proporcional do preço;
II - complementação do peso ou medida;
III - a substituição do produto por outro da mesma espécie, marca ou modelo, sem os aludidos vícios;
Exemplo: ao entrar na festa, com o sapato que está com a sola descolada, cai e fratura um membro. Nesta
hipótese, ocorre um fato do produto ou serviço.
Fato do Produto e Serviço está previsto nos artigos 12 a 17, do CDC2, e é uma questão de ausência de segurança
do produto. Não é vício intrínseco, mas extrínseco, pois ultrapassa o valor do bem. É um acidente de consumo. O
IV - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos.
§ 1° Aplica-se a este artigo o disposto no § 4° do artigo anterior.
§ 2° O fornecedor imediato será responsável quando fizer a pesagem ou a medição e o instrumento utilizado não estiver aferido segundo os padrões
oficiais.
Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por
aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à
sua escolha:
I - a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível;
II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III - o abatimento proporcional do preço.
§ 1° A reexecução dos serviços poderá ser confiada a terceiros devidamente capacitados, por conta e risco do fornecedor.
§ 2° São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as
normas regulamentares de prestabilidade.
Art. 21. No fornecimento de serviços que tenham por objetivo a reparação de qualquer produto considerar-se-á implícita a obrigação do fornecedor de
empregar componentes de reposição originais adequados e novos, ou que mantenham as especificações técnicas do fabricante, salvo, quanto a estes
últimos, autorização em contrário do consumidor.
Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados
a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-
las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.
Art. 23. A ignorância do fornecedor sobre os vícios de qualidade por inadequação dos produtos e serviços não o exime de responsabilidade.
Art. 24. A garantia legal de adequação do produto ou serviço independe de termo expresso, vedada a exoneração contratual do fornecedor.
Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções
anteriores.
§ 1° Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores.
§ 2° Sendo o dano causado por componente ou peça incorporada ao produto ou serviço, são responsáveis solidários seu fabricante, construtor ou
importador e o que realizou a incorporação.
2
Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela
reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação,
apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
§ 1° O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias
relevantes, entre as quais:
I - sua apresentação;
II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi colocado em circulação.
§ 2º O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado.
§ 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:
I - que não colocou o produto no mercado;
II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;
III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando:
I - o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;
II - o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador;
III - não conservar adequadamente os produtos perecíveis.
Parágrafo único. Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua
participação na causação do evento danoso.
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por
defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
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que foi frustrado foi a expectativa quanto à segurança que aquele produto deveria fornecer. A questão remete ao
dano a sua integridade psicofísica. Quando há um acidente de consumo, há um defeito do produto (toda situação
em que um vício originário frustra a expectativa de segurança, causa um acidente de consumo e se torna um
defeito do produto ou serviço).
Art. 18, CDC: os fornecedores de produtos de consumo, respondem pelos vícios de qualidade ou quantidade, que
os tornem impróprios ou adequados. Este artigo trata do vício.
Art. 12, CDC: respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos
consumidores, por defeito.
Nesse sentido, as três distinções entre o vício do produto e do serviço, e o fato, são:
a) bem jurídico tutelado: no vício, é o próprio produto ou serviço que é inadequado e não atende
expectativa de confiança, enquanto que no fato do produto e de serviço, o bem jurídico é a integridade
psicofísica, atingida pelo chamado acidente de consumo.
b) quem é a vítima do fato do produto e serviço, e do vício: a vítima do vício do produto e do serviço, é o
chamado consumidor stricto sensu, ou seja, a pessoa que pratica o negócio jurídico de aquisição do bem ou do
serviço. A responsabilidade é contratual. Já a vítima do fato do produto e do serviço, é o consumidor lato sensu,
ou seja, além da pessoa que praticou o negócio jurídico, também será vítima qualquer pessoa da sociedade
exposta àquele acidente de consumo.
Exemplo: aquisição de um veículo BMW; ao descer uma rua, o freio não funciona. Trata-se de fato do produto,
pois houve acidente de consumo por ser o freio defeituoso, causando danos morais e patrimoniais. Quando o
carro é batido no poste, havia um sujeito na rua, que foi lesionado => chama-se by standard, ou seja, é o
consumidor por equiparação, uma vez que é tão vítima do acidente de consumo quanto quem estava dirigindo o
veículo cujo freio falhou. Também poderá processar a BMW – art. 17, CDC:
Como se trata de um defeito, quem é potencialmente ameaçado não é apenas a pessoa que se vinculou
contratualmente, mas sim todas as pessoas da sociedade expostas àquele defeito – art. 2º, parágrafo único, CDC.
§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias
relevantes, entre as quais:
I - o modo de seu fornecimento;
II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi fornecido.
§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.
§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.
Art. 15. (Vetado).
Art. 16. (Vetado).
Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento
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c) efeitos: o consumidor pode escolher três caminhos:
Desfazimento do contrato;
Substituição por outro produto ou reexecução do serviço;
Abatimento no preço.
Por exemplo: verificando que a sola do sapato está solta, o efeito pertine a uma discussão sobre a garantia de
incolumidade patrimonial, ou seja, o que pode ser feito pelo fabricante do sapato para recuperar a
comutatividade do contrato, não frustrando o sinalagma contratual.
O efeito de um fato de um produto ou serviço é a reparação integral dos danos devidos ao acidente de consumo –
art. 6º, VI, CDC:
A responsabilidade civil pelo fato do produto e do serviço é prevista nos artigos 12 a 17, do CDC, é tripartite e
possui três pressupostos:
a) defeito do produto ou do serviço;
b) dano injusto;
c) nexo causal.
Nos exemplos da sola do sapato e do freio que não funcionou, é evidente que estes produtos sofreram uma
periculosidade anormal, pois foram feitos para serem seguros e confiáveis e não para criar danosidade, contudo,
excepcionalmente ocorreu um defeito que causou o acidente de consumo. A potencialidade danosa era
inesperada – art. 12, §1º, CDC:
Essa periculosidade é anormal porque o produto em sua essência não poderia causar um acidente de consumo.
Não confundir a periculosidade adquirida com a periculosidade inerente ou latente. A periculosidade adquirida é
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devida a um produto/serviço acidentalmente perigoso, enquanto que a periculosidade inerente ou latente, é de
um produto/serviço intrinsecamente perigoso.
Por exemplo: aquisição de facas; ao cortar a cebola, corta uma parte do dedo. Isso não é um acidente de
consumo, pois a faca não é defeituosa e há uma periculosidade inerente, visto que a faca foi feita para cortar; o
mesmo ocorre em relação ao álcool, pois o sujeito que o ingere todo dia e vem a desenvolver cirrose hepática, se
submeteu a periculosidade intrínseca do álcool que juntamente com outros fatores genéticos pode induzir ao
ocorrido.
Ocorrido o acidente de consumo em razão do defeito do produto ou do serviço, o consumidor possui o prazo de 5
anos para buscar a reparação dos danos causados, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do
dano e de sua autoria (seja o consumidor stricto sensu ou o consumidor por equiparação). Nem sempre o
conhecimento do dano e de sua autoria ocorre no mesmo dia do acidente. Por exemplo, remédio tomados por
anos que gerou efeito colateral consistente em problemas cardíacos – art. 27, CDC:
c) periculosidade adquirida na fase de informação do produto e do serviço: art. 12, CDC. Não é suficiente
que o produto seja intrinsecamente seguro, pois ele também assim o deve ser extrinsecamente, portanto, a
informação transmitida ao público é fundamental.
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§ 2º O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro
de melhor qualidade ter sido colocado no mercado.
§ 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não
será responsabilizado quando provar:
I - que não colocou o produto no mercado;
II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito
inexiste;
III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”.
Informativo 524, STJ de 28/08/2013: tratou do consumidor que sofreu reação alérgica por utilização do sabão em
pó, pois não era informado no rótulo que deveria ser evitado o contato prolongado com o produto.
Exemplo: Jogador do Vasco, na Lagoa Rodrigo de Freitas, estava com o cinto de segurança, sofreu acidente e veio
a óbito. Ele estava com o banco reclinado, e o manual do veículo não informava que não poderia ser utilizado o
banco reclinado com o cinto de segurança.
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destinatário final do produto e do serviço, motivo pelo qual respondem objetivamente. São chamados de
fornecedores mediato.
O fornecedor imediato é aquele que lida com o consumidor, ou seja, o comerciante e o distribuidor (atacadista ou
varejista), que em regra não se responsabilizam objetivamente pelo defeito do produto e do serviço.
Exemplo: um consumidor, no Ricardo Eletro, ao se aproximar de uma geladeira, ela explode. O Ricardo Eletro não
responderá pelo defeito do produto e do serviço.
b) como fornecedor real nos casos em que não conservou adequadamente o produto: exemplo, aquisição
de produto estragado no mercado. Caso o consumidor sofra qualquer dano, quem responderá não será
apenas o fornecedor, mas também o comerciante, pois ambos tinham responsabilidade na manutenção
do produto – art. 13, CDC:
Às vezes não existe apenas um fabricante ou fornecedor que deve ser responsabilizado.
Por exemplo: BMW adquirida e que foi batida no poste. A vítima é o consumidor e aquele por equiparação que
estava na árvore. Ambos podem promover ação de responsabilidade objetiva contra a BMW e o fabricante do
freio (fabricante de fase, ou seja, participou de alguma maneira na cadeia de introdução do produto no mercado),
ou ainda, contra um ou outro – art. 7º, parágrafo único, CDC:
Solidariedade passiva não é litisconsórcio necessário, mas sim facultativo. O mesmo se aplica para a
responsabilidade quanto ao serviço. Por exemplo, sujeito hemofílico faz transfusão em três hospitais e em algum
se contagia com o vírus do HIV. Como não é possível identificar onde houve o contágio, poderá demandar em
solidariedade passiva contra os três hospitais – art. 25, §1º:
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Exemplo: no caso da BMW, Nelson ajuíza a demanda apenas contra a BMW. Ela poderá promover a denunciação
à lide do fabricante do freio, para rapidamente obter direito de regresso?
Não poderá promover a denunciação da lide, nos termos do art. 88, CDC, pois, demandaria prejuízo ao
consumidor.
“Art. 88. Na hipótese do art. 13, parágrafo único deste código, a ação
de regresso poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a
possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a
denunciação da lide”.
Assim, a BMW será condenada, pagará a indenização e posteriormente poderá propor uma ação autônoma
contra o fabricante do freio para que discutam quem foi o verdadeiro responsável, logo, haverá discussão de
culpa – art. 13, parágrafo único, CDC
Havendo o dano injusto contra o consumidor, poderá haver o dano patrimonial e o moral.
O nexo causal é uma relação de causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano injusto sofrido pela
vítima. Seja pela teoria da causalidade adequada ou pela teoria da necessariedade, existe um consenso que a
pessoa será responsável civilmente sempre que a sua conduta for a causa adequada ou a causa necessária ao
dano injusto sofrido.
Assim, o fornecedor será responsável sempre que sua conduta for a causa adequada ou necessária ao dano
injusto patrimonial ou moral, sofrido pelo consumidor stricto sensu ou por equiparação.
b) art. 12, §3º, II, CDC: o produto foi pelo fornecedor colocado no mercado, porém, inexiste o defeito.
Exemplo: videocassete que explodiu na casa do consumidor - o fornecedor alegará que o produto estava em sua
fase agônica, ou seja, o que ocorreu não foi um defeito, mas uma ação deletéria do tempo. Todo produto possui
uma fase estimada de vida em sua fabricação. Neste caso, o fornecedor se exime, pois é obrigação do consumidor
manter-se em alerta em relação à fase agônica do produto.
c) art. 12, §3º, III, CDC: culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. O fornecedor alega fato exclusivo da
vítima ou fato de terceiro. Não confundir o fato de terceiro com o fortuito externo e interno.
O fornecedor pode se eximir alegando fortuito?
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Sim, apesar do CDC silenciar, ele poderá alegar o fortuito, pois é uma eximente do nexo causal que serve para
qualquer situação, considerando ainda que o CDC não trata de teoria do risco integral, mas sim de
responsabilidade objetiva, a qual proporciona a possibilidade do fornecedor excluir o nexo causal.
Exemplo: sujeito no banco 24h., saca dinheiro e ao sair do banco, um estelionatário ingressa no banco e pratica
um golpe com os dados colocados na máquina pelo consumidor. O banco pode alegar que não indenizará por se
tratar de fato de terceiro, porém, trata-se de fortuito interno, pois é um fato que se relaciona com a atividade
desenvolvida pelo fornecedor; por outro lado, sujeito roubado na saída do caixa automático, será fortuito
externo, pois a segurança pública pertence ao Estado.
Na Europa e nos EUA é chamado de “riscos desconhecidos”. No Brasil, não é estudado “riscos desconhecidos”
como gênero, mas sim uma de suas espécies chamada “riscos do desenvolvimento”.
Exemplo: nos anos 60, a talidomida, um medicamento que foi consumido durante a gravidez fez com que as
crianças nascessem com má formação congênita. Após um tempo, foi comprovado o defeito originário do
produto. Quando ele foi lançado no mercado, a ciência da época avalizou a segurança daquele medicamento.
Não há como atribuir responsabilização pelos riscos surgidos com o avanço da ciência ou tecnologia. O maior risco
é de que caso esta teoria vingue, eventual responsabilização travará o avanço da ciência.
Na Europa, em regra, os fornecedores são eximidos destes riscos do desenvolvimento. No Brasil a tendência é
pela responsabilização, não podendo excluir o nexo causal – art. 931, CC:
Referido artigo denota que a responsabilidade do fornecedor ocorre simplesmente por introduzir os produtos no
mercado, por ser o defeito intrínseco ao produto, que apenas não havia sido descoberto, mas que já existia. Caso
não seja atribuída responsabilidade ao fornecedor, o consumidor será responsabilizado pelo ocorrido ao invés de
transferir os danos ao fornecedor.
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Enunciado 43, CJF: a responsabilidade civil prevista também inclui os riscos do desenvolvimento.
A responsabilidade civil do CDC não é igual a responsabilidade objetiva do Código Civil (art. 927, parágrafo único,
CC3), pois para ter a responsabilidade civil objetiva no CDC, o produto deve se defeituoso, enquanto que no
Código Civil, na responsabilidade objetiva pelo exercício de uma atividade, não há necessidade desta atividade ser
defeituosa, bastando que seja uma atividade de risco elevado.
No Código Civil o nexo de imputação é a danosidade elevada da atividade, enquanto que no CDC, o nexo de
imputação é a existência de um defeito do produto ou do serviço que causa um dano.
3
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
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MATERIAL DE APOIO
Disciplina: Civil
Professor: Nelson Rosenvald
Aulas: 53 e 54 | Data: 07/06/2016
ANOTAÇÃO DE AULA
SUMÁRIO
POSSE
1. Conceito de posse
2. Desdobramento da posse
2.1. Características da posse direta
3. Composse
4. Detenção
POSSE
1. Conceito de posse
Posse é a “situação subjetiva atribuída àquele que exerce poder fático de ingerência socioeconômica sobre a
coisa”.
Pessoas como o locatário, o comodatário, o usufrutuário, para Savigny, eram intitulados como detentores, ou
seja, uma pessoa que tinha corpus, mas não tinha animus. Logo, os detentores não poderiam ajuizar ações
possessórias, uma vez que para esta, somente seria legitimado ativo o possuidor e nunca o detentor.
Ihering, trouxe ao mundo sua teoria, reconstruindo o Direito Romano à luz do final do Século XIX, chamada de
“Teoria Objetiva da Posse”, a qual possui os seguintes elementos: corpus + affectio tenendi.
Para Ihering a diferença entre propriedade e posse, é que propriedade é poder de direito sobre a coisa, enquanto
que a posse é direito de fato sobre a coisa.
Exemplo: partindo da premissa de Ihering, Damasiano está passeando por uma enorme fazenda, encontra um
maço de cigarro no chão e pega para si, os chamando de seu. Na sequência, encontra uma casa em construção, a
qual não atribui para si.
Nesse sentido, Ihering afirma que o corpus para a posse é a aparência de propriedade, assim, o possuidor é quem
dá visibilidade de domínio, quem concede exteriorização econômica à coisa. Assim, o que interessa é que
qualquer pessoa na sociedade possa constatar que alguém está dando destinação econômica ao bem, ou seja,
dando aparência de propriedade.
Affectio tenendi é a vontade do possuidor de proceder como se fosse o proprietário, o que se extrai de sua
conduta visível diante da coisa, ou seja, para Ihering não importa a existência do desejo de ser ou não dono, mas
sim que pratique atos que o proprietário praticaria sobre o bem se lá estivesse.
Nesse sentido, as pessoas chamadas por Savigny de detentores, para Ihering, se tornam possuidores devido à
ausência de necessidade do animus domini. Sob o ponto de vista econômico, é bom. Esta teoria tornou-se
superior à de Savigny.
Ihering a chama de teoria de objetiva, porque ele também faz distinção sobre posse e detenção, afirmando, no
entanto, que tal distinção não é subjetiva, mas objetiva, pois quem os distingue objetivamente é a lei.
No Direito Civil Brasileiro, o artigo 1.196, CC, adotou a Teoria Objetiva de Ihering:
Porém, em raros momentos o Código Civil de 2002 abre espaço para a teoria de Savigny, como por exemplo na
usucapião, pois nela o sujeito deve ter posse + animus domini.
Todavia, para a doutrina e jurisprudência brasileira, embora o Código Civil adote a teoria de Ihering, existe um
consenso de que se deve ir além, pois ela não representa as necessidades do Brasil de 2016, motivo pelo qual
também são observadas as teorias que visam conceituar a posse pela sua função social.
Ihering afirma que para ser possuidor a pessoa deve se comportar como se proprietário fosse. Por sua vez, as
teorias teleológicas afirmam que a pessoa deve ser comportar como um bom proprietário se comportaria diante
da coisa, ou seja, exercendo a posse e dando ao bem uma ingerência socioeconômica.
Enunciado 492, CJF: a posse constitui direito e deve expressar o aproveitamento de bens para o alcance de
interesses existenciais, econômicos e sociais merecedores de tutela.
2. Desdobramento da posse
Sendo alguém proprietário de um bem, podeá usar, fruir, dispor e reivindicar o bem – art. 1.228, CC:
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“Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da
coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que
injustamente a possua ou detenha”
A pessoa que possui os quatro elementos englobados em si, possui propriedade e posse, estando a posse
totalmente concentrada com o proprietário. A pessoa possui a propriedade alodial ou plena.
O proprietário pode transferir os poderes de usar e fruir da coisa (por exemplo, arrendatário do bem), momento
em que ocorrerá o desdobramento da posse, tendo o possuidor a posse direta (ou imediata) e o proprietário, a
posse indireta (ou mediata).
Este fenômeno somente poderia ocorrer na teoria de Ihering, uma vez que afirma ser o possuidor aquele que
possui poder de fato sobre a coisa. Ambos possuem o poder de fato sobre a coisa. Por Savigny, nenhum dos dois
seriam possuidores, pois não teriam corpus e animus, respectivamente, o proprietário e o possuidor.
a) A posse direta é derivada: a posse do possuidor direto deriva de uma relação jurídica (seja de relação
obrigacional ou de direito real [usufruto, direito de superfície, etc.]) com o possuidor indireto.
b) A posse direta é subordinada: a extensão do conteúdo da posse direta, depende do tipo de relação jurídica
que o possuidor direto tem com o possuidor indireto. Exemplo: Nelson deu a Damasiano uma fazenda em
usufruto, o que permite o uso e fruição de forma ampla. Caso for dado em direito real de habitação, Damasiano
poderá apenas morar no bem, pois o conteúdo desta relação jurídica é menor que o de um usufruto.
A posse é subordinada no conteúdo, mas não em seu exercício, pois quando se ingressa em seu exercício, ele é
autônomo, uma vez que exercerá atos de posse em nome próprio.
c) A posse direta é temporária: a posse tem data de término. Exemplo: contrato de comodato por 5 anos;
Sendo encerrada a posse, também é encerrado o desdobramento da posse, pois os poderes do possuidor direto
voltam para o proprietário, que volta a ser proprietário e possuidor.
No CC/16, a posse do enfiteuta era em caráter perpétuo, pois seu falecimento gerava sua transmissão aos
herdeiros. Contudo, com o CC/02, isso não é mais possível, motivo pelo qual não existe mais exceção.
d) A posse direta e a indireta são paralelas: por exemplo, Nelson (proprietário) arrendou a fazenda para
Damasiano (arrendatário). Zé Rainha quer invadir a fazenda. Ambos podem ajuizar ação possessória contra Zé
Rainha. As duas posses atuam paralelamente.
O arrendatário exerce o poder fático sobre o bem, e Nelson, como possuidor indireto também pode promover a
ação, exercendo sua posse por meio do arrendatário.
Ihering afirma que as posses paralelas surgem porque há uma espécie de espiritualização da posse: Damasiano
possui o poder materialmente falando, e Nelson possui a posse por meio de Damasiano.
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Sim. Por exemplo, caso o arrendatário inicie a destruição do imóvel, o possuidor indireto possui ação possessória
contra o possuidor direto.
Art. 1.197, CC: ratifica ser a posse derivada, subordinada, temporária e paralela.
“Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder,
temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a
indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto
defender a sua posse contra o indireto”.
Enunciado 76, CJF: aduz que o possuidor direto tem direito de defender a sua posse contra o possuidor indireto e
vice e versa.
No desdobramento da posse, existe um fenômeno chamado verticalização da posse. Por exemplo, Nelson é
proprietário, Damasiano é locatário (posse direta). Damasiano subloca o imóvel para Mari, que é a sublocatária.
É um fenômeno de verticalização da posse, porque houve um desdobramento da posse em terceiro grau. O
possuidor direto será o sublocatário pois, por mais que a posse se desdobre, somente haverá um possuidor
direto, que é a pessoa que possui poder imediato sobre o bem. Nesta narrativa, o possuidor indireto é o locatário
Damasiano e o proprietário Nelson.
Nem sempre apenas o possuidor indireto será o proprietário, pois além dele, outras pessoas que não são
proprietários poderão ser possuidores indiretos.
Quando há o desdobramento da posse em vários graus, o que se desdobra é a posse indireta. É possível ter vários
possuidores indiretos, mas a posse direta será apenas de um só, ou seja, daquele que exerce a ingerência
socioeconômica sobre o bem.
Exemplo: desdobramento da posse – Nelson é proprietário, Damasiano é o comodatário sendo seu contrato por 5
anos. Durante o contrato, caso Nelson vende o imóvel para Mari (adquirente), e ao término do contrato,
Damasiano não sai do imóvel. Mari pode ajuizar ação possessória para tirar o Damasiano ou apenas o Nelson, por
ser ele que realizou o contrato?
Sim, pois Nelson, quando transferiu a propriedade, cedeu também a posse indireta do bem para a Mari, podendo
ela, desta forma, ajuizar ação possessória.
Exemplo: locatário Damasiano contra o sublocatário. Pode Damasiano ajuizar ação de despejo contra o
sublocatário? Sim, poderá ajuizar ação de despejo contra o sublocatário, pois o que dita a legitimidade ativa para
a ação de despejo, não é o fato de ser proprietário, mas sim de ser a parte na relação jurídica (que constituiu o
contrato de locação).
Informativo 515, STJ, de 03/04/2013: afirma que o locador, ainda que não seja o proprietário do imóvel alugado,
é parte legítima para a propositura da ação de despejo.
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DIREITO CIVIL. LEGITIMIDADE DO LOCADOR PARA A PROPOSITURA DE AÇÃO DE DESPEJO.
O locador, ainda que não seja o proprietário do imóvel alugado, é parte legítima para a propositura de ação de
despejo fundada na prática de infração legal/contratual ou na falta de pagamento de aluguéis. A Lei n.
8.245/1991 (Lei de Locações) especifica as hipóteses nas quais é exigida a prova da propriedade para o
ajuizamento da ação de despejo. Nos demais casos, entre os quais se encontram os ora analisados, deve-se
atentar para a natureza pessoal da relação de locação, de modo a considerar desnecessária a condição de
proprietário para a propositura da demanda. Ademais, cabe invocar o princípio da boa-fé objetiva, cuja função de
relevo é impedir que o contratante adote comportamento que contrarie o conteúdo de manifestação anterior,
em cuja seriedade o outro pactuante confiou. Assim, uma vez celebrado contrato de locação de imóvel, fere o
aludido princípio a atitude do locatário que, após exercer a posse direta do imóvel, alega que o locador, por não
ser o proprietário do imóvel, não tem legitimidade para o ajuizamento de eventual ação de despejo nas hipóteses
em que a lei não exige essa condição do demandante. REsp 1.196.824-AL, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva,
julgado em 19/2/2013.
Sendo proprietário e constituindo arrendatário, este possuirá um título, o qual fornece a condição de
arrendatário. Este documento não possibilita a denominação de “possuidor”, pois o contrato de arrendamento
apenas concede direito à posse. Possuindo o contrato e não exercendo a posse, o arrendatário não será possuidor
direto e consequentemente não possuirá legitimidade ativa para ajuizar ação possessória. Nesta hipótese, apenas
o proprietário que poderá promover ação. Portanto, além do título, a posse deve ser materializada, vivificada por
meio de atos concretos.
3. Composse
Composse “consiste na posse comum e de mais de uma pessoa sobre a mesma coisa, que se encontra em estado
de indivisão”.
A composse é inadequada à ideia de exclusividade, pois o animus domini possui ao mesmo tempo a integralidade
da área, sem que qualquer compossuidor possa excluir os outros da atuação sobe este bem.
Art. 1.199, CC: a composse possui um caráter objetivo, que é o bem sujeito a indivisão, e um subjetivo,
consistente na pluralidade de sujeitos, não permitindo sua exclusividade e possibilitando que todos atuem como
compossuidores.
Por exemplo, caso um deseje retirar os outros, todos possuirão direito de ação possessória contra àquele.
Caso os compossuidores resolvam especificar cada área em que cada um permanecerá, a posse se tornará pro
diviso, ou seja, houve delimitação das área de atuação. Neste caso, cada um terá exclusividade em sua área.
Assim, a posse pro indiviso cessa com o surgimento da posse pro diviso, as quais, passam a ser exclusivas.
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Exemplo: Pato Donald morreu, deixou uma fazenda no Texas, sendo seus herdeiros, Huguinho, Zezinho e
Luisinho. No dia da morte do Pato Donald, seus herdeiros possuem compropriedade (fenômeno da saisine – o
patrimônio automaticamente é remetido para seus herdeiros) e composse (podem possuir qualquer uma das
partes da fazenda).
- o inventário estava demorando, e os herdeiros combinaram, antes da partilha, as áreas de atuação de cada um,
dividindo, de modo que cada um passou a ter posse exclusiva de 1/3 da fazenda. Encerrou-se a composse,
permanecendo a compropriedade devido ao fato da partilha não ter sido encerrada.
- encerrado o inventário, a sentença demarcou a área de cada um, sendo registrada a divisão no Registro
Imobiliário, encerra-se também a compropriedade, pois cada um passa a ter a propriedade exclusiva do bem.
A composse é um poder de fato comum sobre a coisa e pode ocorrer junto com a compropriedade ou não.
Exemplo: Nelson e Daniel são donos de um apartamento em BH e alugam quartos para alunos: são 2 quartos. Os
alunos, sobre estes quartos, possuem posse direta. Nelson e Daniel tem posse indireta. Há apenas um banheiro
na casa. Os alunos possuem composse direta sobre o banheiro, não podendo ser excluído o banheiro da atuação
do outro. Nelson e Daniel possuem composse indireta, pois ao receberem o aluguel (frutos da coisa) um não pode
excluir o outro dos frutos civis.
A diferença é que na composse, há uma repartição quantitativa da posse, e no desdobramento da posse, há uma
repartição qualitativa da posse. Os compossuidores fracionam a mesma posse, ou seja, é quantitativamente
distribuída entre várias pessoas. Já o desdobramento permite que os possuidores direto e indireto tenham posses
autônomas e exclusivas, cada qual em um nível, paralelamente, ou seja, uma distribuição qualitativa da posse.
Para ajuizar uma ação possessória, deve haver litisconsórcio passivo necessário – art. 73, §2º, CPC. Da mesma
forma, caso o locatário deseje ajuizar uma ação possessória, necessitará da esposa/marido, e vice e versa.
4. Detenção
Detenção, na teoria objetiva de Ihering, “é uma posse objetivamente desqualificada pelo ordenamento jurídico”.
O sujeito é detentor, e não é possuidor, devido a um obstáculo objetivo.
Exemplo: Nelson tem uma fazenda em Montes Claros/MG e coloca Damasiano como capataz. Após 22 anos, o
capataz não pode usucapir a fazenda, pois nunca foi possuidor, sendo apenas detentor por ser um servidor ou
fâmulo da posse, o qual, não exerce atos de posse em nome próprio, mas sim em nome alheio, visto ser um mero
cumpridor de ordens ou instruções emanadas de outra pessoa.
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Portanto, no caso acima, não há exercício do elemento econômico da posse, uma vez que durante os 22 anos em
que trabalhou, foi o instrumento da posse – art. 1.198, CC:
Caso Zé Rainha apareça para invadir a fazenda, Damasiano não poderá ajuizar ação possessória por ser um
detentor. Apenas o possuidor tem legitimidade para o ajuizamento da ação possessória.
Porém, o detentor pode usar a autotutela, ou seja, é autorizado pelo ordenamento, excepcionalmente, a praticar
atos de legitima defesa da posse ou de desforço imediato diante da agressão de Zé Rainha. O detentor pode
exercer a autotutela por ser o longa manus do possuidor – art. 1.210, §1º, CC:
A autotutela deve ser imediata e se adequar a regra de proporcionalidade. Embora não esteja expresso, a
autotutela foi estendida para o detentor, entendimento este confirmado pelo Enunciado 493, do CJF:
Ação possessória não pode ser ajuizada em face do caseiro, pois o detentor não possui legitimidade ativa e nem
passiva. No CPC/73, o caseiro, nesta hipótese, poderia nomear a autoria (intervenção de terceiros), instituto este
não abordado no CPC/15. Tendo em vista não existir mais a nomeação a autoria no CPC/15, eventual detentor
demandado, nos termos do art. 338, CPC/15, ao alegar tal fato, fará com que o juiz permita ao autor a alteração
do polo passivo para substituição do réu. Caso a substituição não seja aceita pelo autor, o processo será extinto
sem resolução do mérito.
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Nada obsta que o servidor da posse se converta em possuidor.
Por exemplo, o caseiro demitido que não sai do local, não sendo tomada nenhuma atitude pelo proprietário.
Assim, o caseiro, ao praticar atos em nome próprio, passará a ser possuidor, pois possuirá em nome próprio – Art.
1.204, CC:
O ônus da prova caberá ao detentor, ou seja, deverá demonstrar a posse e a prática de atos em nome próprio –
Enunciado 301, CJF:
Art. 1.198, parágrafo único, CC: afirma que aquele que começou a se comportar como detentor, tem esta
presunção atribuída até prova em contrário, cabível a ele, inclusive.
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MATERIAL DE APOIO
Disciplina: Civil
Professor: Nelson Rosenvald
Aulas: 55 e 56 | Data: 08/06/2016
ANOTAÇÃO DE AULA
SUMÁRIO
POSSE
1. Detenção
2. Qualificação da posse
2.1. Vícios objetivos da posse
2.2. Intervenção da posse
3. Conceito de posse injusta
4. Vício subjetivo
4.1. Natureza da boa-fé
5. Justo título
6. Efeitos da posse
6.1. Direitos aos frutos
POSSE
1. Detenção
A detenção, é uma posse desqualificada pelo ordenamento jurídico, segundo a teoria de Ihering. É uma posse que
foi rebaixada pelo ordenamento jurídico.
a) servidor da posse: também conhecido como fâmulo da posse. Pessoas que exercem atos de posse em
nome alheio (visto na aula anterior).
b) permissão e tolerância: são situações que não induzem a posse e sim à detenção. Exemplo: Nelson
permite que Damasiano use o quarto de sua casa, por 3 dias. Nesse período, Damasiano é detentor, pois houve
um ato de permissão.
Exemplo: Nelson tem duas vagas de garagem no prédio. Damasiano é vizinho e não possui nenhuma vaga de
garagem; começa a utilizar a vaga de Nelson diuturnamente por dois meses, sem pedir sua autorização. Nesses
dois meses de utilização da vaga, houve detenção, pois foi exercitado atos de poder sobre a coisa com base na
tolerância de Nelson que foi condescendente por questões de boa vizinhança.
Permissão e tolerância trazem ideia de relações marcadas por direitos potestativos, pois a pessoa que permite ou
tolera pode alterar a situação jurídica sem que a outra possa se opor.
Artigo 1.208, CC: não induzem em posse os atos de mera permissão ou tolerância, pois são situações de mera
detenção.
Exemplo: ocupação da fazenda por 15 anos; ajuizamento de ação de usucapião por Damasiano. Nelson alega que
Damasiano nunca teve posse durante estes 15 anos, pois houve a tolerância. Todavia, esta alegação não é
possível, pois Nelson foi inerte (abandonou o que é seu). Aqui, Damasiano é possuidor.
Quem tolera é uma pessoa que está no controle da situação, tem ciência da utilização e está vigiando aquilo,
podendo a qualquer momento revogar o status.
c) uso de bens públicos: sejam os bens públicos de uso comum do povo ou especial, as pessoas que os
ocuparem não serão possuidoras, mas sim detentoras. Estes bens estão afetados em favor da coletividade, ou
seja, são destinados a todos.
Exemplo: invasão de colégio/faculdades por alunos; eles são detentores, pois se os bens estão afetados a uma
atividade pública, visto que o particular não pode possuir bens que se destinem a sociedade de uma forma geral.
Art. 100, CC: os bens públicos são inalienáveis e também insuscetíveis de posse por particulares, pois são bens
fora do comércio. A reintegração de posse, neste caso, é um caminho, mas nada obsta que se use da autodefesa
ou autotutela, pois não são possuidores, mas sim mero detentores. Assim, o Estado pode utilizar do poder de
polícia com meios moderados e proporcionais para reaver o bem, independentemente de uma ação possessória.
Exemplo: Damasiano não tem onde morar. Andando pela rua, encontra um terreno abandonado e nele se
estabelece. Após anos, um sujeito se identifica como fiscal do município e informa que o terreno pertence ao
município, bem como que a polícia irá retirá-lo imediatamente.
Não pode haver este tipo de conduta, pois não se trata de bem comum de uso do povo ou especial, mas sim de
bem público dominial – é um terreno que pertence ao município, mas que não está afetado à comunidade – logo,
como o bem está desafetado, o possuidor assim será, pois não é um detentor. Neste caso deve ser ajuizada ação
de reintegração de posse contra ele (pode discutir direito aos frutos e benfeitorias), exceto a usucapião, pois bem
público não é usucapível.
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d) uso de violência ou clandestinidade:
Exemplo: Damasiano é possuidor do terreno. Zé Rainha invade o terreno e expulsa Damasiano usando de
violência; neste caso, Zé Rainha só possuirá detenção, pois fez uso da violência.
- Damasiano não aceitou que ele ingressasse e fez uso da autotutela tentando por 7 dias retornar ao imóvel, por
meios moderados/necessários. Nesses 7 dias, Zé Rainha não era possuidor, mas sim detentor pois estava fazendo
uso da violência para se manter no imóvel.
Art. 1.208, CC:
O invasor neste período é mero detentor, condição esta que persistirá enquanto se utilizar da violência.
- Caso no 8º dia, Damasiano desista de voltar ao imóvel, ZR passará de detentor para possuidor de uma posse
injusta, pois ela se originou de um ato de violência (qualificada por um ato de violência).
PR = PO (proprietário é igual a possuidor, nos casos em que o proprietário do bem possui os quatro poderes: usar,
fruir, dispor e reivindicar – propriedade alodial);
PR => PO (proprietário é o que coloca outra pessoa na condição de possuidor do imóvel – há o desdobramento da
posse – por meio de uma relação jurídica – locatário, usufrutuário, etc.);
PR diferente de PO: (proprietário é diferente do possuidor, mas há ausência de relação jurídica entre eles, por
exemplo, Nelson ingressa em um terreno abandonado, passando a ser o possuidor; o proprietário não terá mais a
posse) Nasce de um ato fato.
As siglas acima indicam as três situações em que alguém pode ser possuidor no direito brasileiro. Fora destas
situações, não há posse.
2. Qualificação da posse
Toda e qualquer posse é qualificada pelos seus vícios. Existem dois grupos de vícios da posse: objetivos e
subjetivos.
Se uma posse é objetivamente viciada, é uma posse injusta. Posse injusta “é a que se instala por modo proibido e
vicioso, ou então, mesmo iniciada de forma pacífica, converte-se em viciosa em momento posterior”.
Art. 1.200, CC: é justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária. Caso obtida por uma destas três vias,
a posse será injusta.
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(i) violência: é gênero, que se divide em vis absoluta e em vis compulsiva. Ameaça denota a vis
compulsiva, enquanto que o ingresso com força, denota a vis absoluta.
Enquanto o invasor estiver no imóvel e o possuidor utilizar a autotutela, o invasor não possuirá posse, mas
detenção. Com a desistência do uso da autotutela pelo possuidor, cessará o uso da violência do invasor, que
passará a ter posse do bem, a qual será chamada de injusta.
O termo “posse violenta” denota a existência de violência que foi cessada, mas que marcará a injustiça da posse.
É possível que o invasor ingresse no bem enquanto o caseiro estiver lá e o retire a força?
Sim. A violência não é apenas um ato de desapossamento do possuidor, mas sim também de qualquer outra
pessoa que esteja por ele exercendo atos de posse (detentor).
Divergência: por exemplo, há um terreno abandonado com cadeado. Damasiano quebra o cadeado e ingressa no
imóvel. A posse será violenta?
Alguns autores defendem que sim, pois não há necessidade de a violência ser contra pessoa, podendo o ato de
ingresso ter violência contra a coisa (ofendículos).
O Professor entende que só se pode falar em violência, quando o ato se direciona ao desapossamento de
pessoas. Estando o imóvel abandonado e havendo ruptura de objetos, a posse não será violenta porque não
houve esbulho.
(ii) clandestinidade: a clandestinidade ocorre quando uma pessoa adquire o poder sobre a coisa às
ocultas, sem publicidade. A pessoa ingressa no poder fático da coisa sem que o verdadeiro possuidor
pudesse ter conhecimento.
Por exemplo, Nelson possui uma mansão em Angra dos Reis, mas mora em BH. Um pescador ingressa na mansão.
Ele possuirá detenção da coisa, pois estará fazendo uso da clandestinidade, uma vez que não deu possibilidade a
Nelson conhecer o fato do ingresso no bem. O pescador deixará de ser detentor, passando a ser possuidor, no
momento em que Nelson tomar o conhecimento de que ele está lá. A posse será injusta por clandestinidade, pois
o início da ocupação assim se deu.
A clandestinidade sempre pressupõe o ingresso da pessoa no bem sem que o possuidor real tenha condições
objetivas de saber.
A clandestinidade gera uma posse injusta, portanto, não confundir, com a posse justa, onde não há esbulho. Por
exemplo, estando abandonado o bem, alguém ingressa nele à luz do dia, não há esbulho.
(iii) precariedade: a posse precária “resulta do abuso de confiança do possuidor, que indevidamente
retém a coisa para si, além do prazo avençado pela relação jurídica, que constitui a posse direta”.
Exemplo: Nelson – proprietário - deu um imóvel em comodato por 5 anos para Damasiano. Durante 5 anos,
Damasiano possuiu uma posse direta, em virtude de uma relação jurídica, e justa, pois nascida de um contrato.
Nelson tem a posse indireta. Após o término do contrato, Nelson pede o imóvel, mas Damasiano não o devolve.
Neste instante, a posse que era direta e justa, se converte em uma posse injusta pela precariedade, pois
Damasiano indevidamente se recusa a restituir o bem após o prazo normal de devolução.
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Há uma alteração, do que é chamado pela doutrina de causa possessionis, pois quando houve o ingresso no bem,
existia uma causa baseada em uma relação jurídica, sendo que após o contrato, não sendo o bem devolvido, foi
instaurada a precariedade, alterando a causa possessionis, pois a posse passa a ser sem base contratual.
Todos estes três vícios objetivos da posse, são atos são ilícitos, comportamentos antijurídicos. A violência se
assemelha ao art. 157, CP1 (roubo); a clandestinidade, ao art. 155, CP2 (furto); e a precariedade ao art. 168, CP3
(apropriação indébita).
Todos os vícios da posse são vícios relativos, assim, somente pode ser falado que uma posse é injusta em relação
àquele que foi vítima de um ato ilícito.
Exemplo: ZR colocou Damasiano para fora do imóvel; Damasiano poderá ajuizar ação possessória, pois ZR perante
Damasiano tem uma posse injusta e violenta. Após 6 meses do esbulho praticado por ZR, aparece Leonardo e
toma o imóvel. Perante Leonardo ZR tem posse justa, pois Leonardo não foi a vítima do ato ilícito, que foi apenas
Damasiano, o qual possui ação possessória contra ZR.
Em cada conflito possessório é que será verificado ser a posse justa ou não, conforme as partes correspondam
àquele que praticou ato ilícito ou não. Portanto, não existem vícios da posse em caráter absoluto.
Utilizada a violência ou clandestinidade, o sujeito será detentor. Somente deixará de ser detentor, e será
possuidor, quando cessada a violência ou clandestinidade. Enquanto estiver no imóvel a posse será injusta (se
ficar 40 anos, será injusta). A posse não muda o caráter pelo qual ela foi adquirida.
Caso ZR fique ano e dia no imóvel, o possuidor para voltar, terá uma ação de força velha. Mesmo após este prazo,
a posse continuará sendo injusta.
A usucapião poderá ocorrer mesmo sendo a posse injusta, por meio da usucapião extraordinário, onde não é
necessária a existência de justo título e boa-fé;
A regra é de que a posse que nasce injusta, assim permaneça, no entanto, há uma exceção que é a intervenção da
posse.
1
Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio,
reduzido à impossibilidade de resistência:
Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
2
Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa
3
Art. 168 - Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
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A intervenção de posse é “excepcional alteração na qualificação da posse, em razão de relação jurídica ou mesmo
de um comportamento material reiterado das partes”. Os vícios podem ser sanados.
Art. 1.203, CC: salvo prova em contrário, a posse é mantida com o mesmo caráter em que foi adquirida.
A intervenção da posse pode ocorrer por relação jurídica. Por exemplo: ZR invadiu imóvel e o ocupa por 6 anos
(posse injusta e violenta). Após 6 anos, ZR, procura Damasiano e propõe um acordo, a fim de pagar mensalmente
um valor, fazendo um contrato de arrendamento. A posse que era injusta, tornou-se injusta.
Enunciado 237, CJF: é cabível a modificação do título da posse na hipótese em que o possuidor direto demonstre
ato exterior e inequívoco de oposição ao antigo possuidor indireto, tendo por efeito a caracterização do animus
domini. Foi alterada a causa de possuir.
Só pode ser réu em uma ação possessória (esbulhador, turbador) quem tem posse violenta, clandestina ou
precária. O conceito oriundo do art. 1.200, CC, só serve para ações possessórias.
Caso não seja conflito possessório, mas sim um proprietário discutindo a propriedade por meio de uma ação
reivindicatória, o conceito de posse injusta passa a ser outro.
Art. 1.228, CC: não é a posse injusta do art. 1.200, CC, mas sim qualquer pessoa que esteja no imóvel, não seja o
dono e não possua relação jurídica com este.
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“Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da
coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que
injustamente a possua ou detenha”
4. Vício subjetivo
O único vício subjetivo da posse é a má-fé. A posse de boa-fé “pertence àquele que ao adquirir a posse, ignorava
não culposamente, o fato de lesar o direito de outrem”.
Art. 1.201, CC: neste conceito de boa-fé, resta ausente a ignorância do vício não culposamente.
Na inclusão do “não culposamente” na boa-fé, denota-se a incidência da ética, ou seja, há uma eticização da boa-
fé. Exemplo: aquisição de imóvel de uma pessoa com 12 anos – é nulo. Pelo conceito do CC, não era nulo pois
quem o adquiriu estaria de boa-fé e não tinha como saber que o proprietário tinha 12 anos.
Partindo do pressuposto que o possuidor de boa-fé ignora não culposamente o vício, denota-se que estará de
boa-fé ética caso o erro cometido seja aquele em que qualquer pessoa teria equivocada noção da realidade.
A prova da posse de boa-fé é realizada por meio da apresentação do justo título, que é o elemento objetivo que
ampara a boa-fé subjetiva.
5. Justo título
Justo título é o “título que aparenta ao possuidor que a causa jurídica de sua posse é legítima”.
O justo título gera uma presunção relativa de boa-fé – art. 1.201, parágrafo único, CC.
Exemplo: Nelson vende um imóvel para Damasiano por escritura pública de compra e venda em 2016. Damasiano
fica até 2020 no imóvel. Em 2020, Leonardo afirma que Damasiano foi enganado, sendo uma venda a non
domino, uma vez que comprou algo que não pertencia a quem se apresentou como proprietário, pois pertencia a
Leonardo.
Entre 2016 e 2020, Damasiano estava de boa-fé, pois tinha em mãos um justo título, uma vez que esta escritura
pública de compra e venda lhe conferia uma falsa noção de que sua posse era justa e estava de acordo com o
direito. Sua posse se torna de má-fé, no momento em que Leonardo o cita em uma demanda, pois ele passa a ter
objetivamente ciência dos vícios de sua posse, momento em que ela se converte em má-fé.
A presunção do justo título é relativa, justamente em razão da possibilidade dele poder ser desconstituído por
terceiro.
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Enunciado 303, CJF: justo título é considerado como o justo motivo que lhe autoriza a posse. Justo título não
precisa ser um documento escrito, bastando que a pessoa demonstre de forma clara as razões que a levaram a
acreditar estar em uma posse isenta de vícios.
6. Efeitos da posse
6.1. Direitos aos frutos
O primeiro efeito da posse é o direito aos frutos. “Frutos são utilidades que a coisa periodicamente produz, sem
perda de sua substância”.
Exemplo: Nelson arrendou o imóvel para Damasiano em 2016. Damasiano estava plantando e colhendo soja. Em
2020, Leonardo afirma que Nelson não é o dono. Leonardo ajuíza ação para retomar o imóvel. Em 2025, é
proferida sentença procedente, sendo Damasiano colocado para fora do imóvel. Ocorrerão as seguintes
consequências:
- de 2016 a 2020, Damasiano estava de boa-fé, possuía justo título (contrato de arrendamento), e
consequentemente direito a ficar com o valor da soja obtido.
- de 2020 em diante, a posse se converteu em má-fé, pois já tinha noção dos vícios da posse.
Art. 1.214, parágrafo único, CC – os frutos pendentes deverão ser restituídos, deduzidas as despesas de produção
e custeio. Portanto, de 2020 a 2025, tudo o que Damasiano recebeu de renda, deverá ser restituído ao Leonardo,
pois ele foi vitorioso na demanda. A sentença retroage a data da citação, momento em que será considerada a
posse de má-fé.
Assim, o direito aos frutos pertence ao possuidor de boa-fé. Estando de má-fé, não haverá mais direito a eles.
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MATERIAL DE APOIO
Disciplina: Civil
Professor: Nelson Rosenvald
Aulas: 57 e 58 | Data: 09/06/2016
ANOTAÇÃO DE AULA
SUMÁRIO
POSSE
1. Efeitos da posse
1.1. Direito de retenção
1.1. Direito a benfeitorias
1.2. Direito de retenção
2. Ações possessórias
2.1. Fundamentos da proteção possessória
POSSE
1. Efeitos da posse
1.1. Direito a benfeitorias
Benfeitorias são “obras ou despesas definitivamente incorporadas a coisa, para fins de conservação,
melhoramento ou embelezamento”. Benfeitorias são coisas acessórias, utilidades que se incorporam a coisa e
que em regra, pertencem ao proprietário. No entanto, existem limitações que devem ser conhecidas:
(i) tendo a posse de uma fazenda, coloco um trator e uma vaca. Aparece um sujeito e ajuíza ação para
retomada do bem. Posso alegar que aquela vaca e aquele trator são benfeitorias?
Não, pois se tratam de pertenças, que não se confundem com benfeitorias.
Pertenças são melhoramentos realizado na coisa, mas que não se incorporam ao bem, mantendo sua autonomia.
Os acréscimos, por mais que valorizem a coisa, não se confundem com benfeitorias – art. 93, CC:
(ii) sendo possuidor do bem, paga-se tributos e paga-se para a demarcação do terreno. No caso de
retomada de imóvel, é possível afirmar que os valores adimplidos são benfeitorias?
Sim, e serão benfeitorias necessárias. Toda benfeitoria, um gasto ou uma obra, altera qualitativamente a coisa.
(iii) possuidor de imóvel que coloca uma piscina; é uma benfeitoria cuja espécie dependerá do caso
concreto, tendo em vista a regra da essencialidade, ou seja, deverá ser verificado se no contexto a benfeitoria é
essencial para o uso da coisa. Por exemplo, será voluptuária caso utilizada em final de semana para diversão com
a família; se instalada em uma escola de natação, será benfeitoria necessária, etc.
Damasiano ingressou em um terreno vazio e construiu uma casa. É benfeitoria voluptuária, útil ou necessária?
Nenhuma das três, pois esta casa é uma acessão.
A benfeitoria é uma coisa acessória, existe para embelezar, melhorar ou tornar necessário algo que já existe,
sendo realizada em função de um bem principal.
Benfeitorias podem ser realizadas por um possuidor de boa-fé ou por um de má-fé. Sendo realizada por um
possuidor de má-fé uma benfeitoria necessária (por exemplo, alguém que invade um terreno e ao verificar que a
casa está caindo, faz um muro de arrimo para evitar a queda da casa), no momento em que ele for posto para
fora, haverá uma indenização pelas benfeitorias necessárias, mesmo sendo possuidor de má-fé. Vale destacar que
apesar da má-fé, caso não ocorra sua indenização, haverá enriquecimento sem causa por parte do retomante.
Caso o retomante não queira indenizar o possuidor de má-fé, este não terá direito de retenção, pois na essência
houve a prática de um ato ilícito, o qual, não pode ser prolongado no tempo até o pagamento da indenização –
art. 1.220, CC:
O possuidor de boa-fé também possui direito à indenização pelas benfeitorias necessárias. Vale destacar, no
tocante ao possuidor de má-fé, que devido a uma distinção ética em relação ao possuidor de boa-fé, o art. 1.222,
CC previu um direito potestativo do retomante em relação ao possuidor de má-fé. Caso retome do possuidor de
boa-fé, a segunda parte deste artigo prevê a indenização pelo valor do exato momento da retomada.
O possuidor de boa-fé, possui o direito de ser indenizado pelas benfeitorias necessárias, bem como direito a
indenização pelas benfeitorias úteis e direito ao jus tollendi em relação as benfeitorias voluptuárias.
A indenização das benfeitorias úteis (obra que traz melhoramento, acréscimo de utilidade), o possuidor de boa-fé
será necessariamente indenizado. Tratando-se de benfeitoria voluptuária, o possuidor de boa-fé terá o jus
tollendi, ou seja, o direito de tolher o retomante de receber a coisa, logo, não lhe dar acesso a benfeitoria – art.
1.219, CC:
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Nas benfeitorias voluptuárias, caso o retomante não pague a coisa, o possuidor de boa-fé poderá retirar a
benfeitorias voluptuária, se não causar dano a coisa (por exemplo, retira a piscina e cobre o local).
De forma diferente ocorre, em caso da existência de um afresco, por exemplo, do Portinari, que se tratam de
benfeitorias voluptuárias de valor inestimável que, caso tiradas da coisa perderão valor e utilidade. Pela solução
do Código Civil, elas deveriam ficar no local sem que o retomante nada pague, no entanto, deve ser observado
que esta solução não é justa, pois causa enriquecimento ilícito. O Professor entende que o possuidor deve ter
direito a indenização, a fim de evitar o enriquecimento sem causa.
Ademais, o possuidor de boa-fé possui o direito de retenção com relação as benfeitorias necessárias e úteis.
Direito de retenção é “exceção substancial invocada pelo possuidor de boa-fé, para constranger o retomante a
lhe indenizar por benfeitorias necessárias e úteis”.
O direito de retenção permite que o possuidor conserve a coisa consigo até que o crédito que possui direito, seja
completamente liquidado.
Quando se fala em direito de retenção, o prazo preclusivo para sua alegação é a contestação, tanto em ações
possessórias quanto petitórias.
Por exemplo, Nelson ajuíza demanda contra Damasiano requerendo a retomada da posse do bem. Devido ao
princípio da concentração, Damasiano pede a improcedência da ação, contudo, também a indenização pelas
benfeitorias necessárias e úteis realizadas de boa-fé, com o direito de retenção até o pagamento => é uma
exceção de direito material, pois Damasiano aceita a pretensão do autor, mas informa um fato dilatório que
impedirá o êxito da pretensão até que Damasiano seja pago. A posse é mantida com Damasiano até o pagamento
do valor devido.
Caso não alegado o direito de retenção na contestação, ele não poderá ser alegado na fase de cumprimento de
sentença. A única possibilidade posterior será pleitear uma indenização nas benfeitorias realizadas de boa-fé
(úteis e necessárias) em ação autônoma.
No caso da retomada do bem ocorrer com base em título executivo extrajudicial, em caso de execução, deverá
ser alegado nos embargos o direito de retenção – art. 917, IV, CPC:
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“Art. 917. Nos embargos à execução, o executado poderá alegar:
(....)
IV - retenção por benfeitorias necessárias ou úteis, nos casos de
execução para entrega de coisa certa;”
Na sentença julgada procedente, reconhecendo o direito de retenção, o possuidor será chamado de retentor.
Mesmo assim, ele será possuidor, uma vez que a posse sobre o bem é mantida, momento em que faz jus aos
frutos da coisa, por ser um possuidor de boa-fé, podendo utilizar-se, inclusive, de ações possessórias.
Diferença entre o retentor e o precarista: ambos ficam na coisa além do prazo normal de devolução (sentença),
contudo, o retentor tem uma posse justa com base em uma sentença que o mantém na coisa, enquanto que o
precarista possui uma posse injusta (abuso de confiança).
Em caso de relação contratual, por exemplo, um locatário que realiza benfeitorias no imóvel, as regras do Código
Civil se tornam regras supletivas, pois nada obsta que sendo um contrato, seja utilizada a autonomia privada para
alteração das regras do Código Civil na questão de benfeitorias. Assim, nada impede que, por exemplo, em caso
de locação, exista uma cláusula em que o locador não será indenizado pelas benfeitorias úteis e necessárias ou
ainda, renunciando ao direito de retenção – Súmula 335, STJ:
Contudo, esta súmula não se aplicará caso o contrato de locação (que não é de consumo) for de adesão. Observe-
se que mesmo sendo um contrato civil, ele pode ser de adesão - art. 424, CC:
2. Ações possessórias
Possessório é a “tutela da posse com fundamento exclusivo no fato da posse, independente da pré-existência de
qualquer relação jurídica derivada da propriedade ou de outro direito real”.
Petitório é o “direito a posse com fundamento exclusivo na propriedade ou em relação jurídica real ou
obrigacional dela derivado”.
Exemplos:
- Nelson, proprietário de um bem, o abandona. Damasiano ingressa no terreno e estabelece moradia por 3 anos.
Após este período, Nelson, reaparece e tira Damasiano (possuidor) à força.
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Damasiano possui direito à ação possessória em relação à coisa, pois nas ações possessórias a causa de pedir é
posse (foi esbulhado) e o pedido é a posse (direito de possuir preexistente).
- Nelson vendeu o imóvel para Damasiano com cláusula de imissão de posse. Após uma semana, Damasiano, para
se imitir na posse, ao chegar no imóvel, verifica que Nelson ainda está lá e que não sairá.
A ação cabível será petitória, pois a causa de pedir é a propriedade, sendo o pedido, a posse. A causa de pedir é a
propriedade, porque a remota se baseia na aquisição do imóvel por escritura pública de compra e venda, cuja
propriedade garante o direito de usar e fruir do seu bem.
- Damasiano é proprietário e possuidor de uma fazenda. Reside e planta na fazenda. Zé Rainha invade a fazenda e
coloca Damasiano para fora.
Art. 1.210, §2º, CC: veda a chamada exceção de propriedade; enquanto estiver em andamento uma ação
possessória, é vedada a discussão de propriedade, visto que a propriedade é questão jurídica estranha aos
fundamentos da proteção possessória.
A defesa da posse ocorre por meio da posse em si, ou seja, pelos seus próprios fundamentos, por ser ela um fato
jurídico relevante. O possuidor tem uma ingerência socioeconômica sobre o bem que é merecedora de tutela,
independente do possuidor ser ou não o proprietário. O possuidor pode ser vencedor até mesmo se o réu na ação
possessória for o proprietário.
Existe posição minoritária de que esta autonomia entre a petitória e a possessória, ofende o direito fundamental
de propriedade. Todavia, prevalece que esta distinção não ofende.
Exemplo: Damasiano está há três anos em um imóvel abandonado. Nelson, o proprietário, invade o imóvel que
abandonou. Ao ingressar, Damasiano é esbulhado do imóvel. Damasiano poderá ajuizar uma ação de
reintegração de posse. Na contestação, Nelson confirma a invasão por ser proprietário.
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Qual a chance de êxito desta alegação de Nelson?
Nenhuma, pois a finalidade da ação possessória – diante da prova do exercício da posse como um fato – é
proteger a posse.
O proprietário não pode exercer a violência fora dos casos de autotutela. O vencedor na ação possessória será o
possuidor. O efeito da sentença procedente será reconstituir Damasiano à situação anterior.
O direito de propriedade será defendido em outro momento, pois no exemplo acima, Nelson deverá ajuizar ação
reivindicatória – ação petitória – comprovando que é proprietário e que possui direito a posse, momento em que
haverá êxito na reivindicatória. Será o direito de propriedade que embasará o direito a posse.
O curso de ações petitórias é impedido na pendência de ações possessórias. Deverá ser aguardado o seu trânsito
em julgado. Enunciado 79, CJF:
A exceção da propriedade não poderá ser alegada em contestação. Há absoluta separação entre o juízo petitório
e o possessório.
Assim, a separação da petitória e do possessório, promove a tutela jurisdicional efetiva e adequada, nos termos
do art. 5º, XXXV1, CF, pois caso Nelson pudesse na contestação afirmar que é o dono (exceção de propriedade), e
a possessória fosse julgada improcedente, ocorreria a ratificação e estimulação do uso da violência, pois qualquer
proprietário poderia exercer arbitrariamente seu direito de defesa contrariamente à Constituição.
Art. 557, parágrafo único, CPC/15: o Código Civil afirma não ser possível a alegação da exceção de propriedade na
contestação, todavia, a previsão contida neste artigo do Código de Professo Civil, denota que além da
impossibilidade de alegar na contestação que é proprietário, também não poderá ingressar, enquanto for réu na
possessória, com ação petitória contra o possuidor.
Nesse sentido, existindo ação possessória, o juiz, ao receber ação petitória, deverá extinguir o processo sem
resolução do mérito, pois existe um impedimento objetivo ao início da ação petitória que é a existência de uma
ação possessória em andamento.
A exceção reside na possibilidade da pretensão ser deduzida em face de terceira pessoa. Por exemplo, lide
possessória em andamento e outra pessoa invade o imóvel; contra o invasor poderá ser ajuizada uma ação
petitória. O parágrafo único do art. 557, CPC, reproduz a regra prevista no Código Civil.
1
(...) XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
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Algumas posturas da doutrina e da jurisprudência não estão em consonância com o atual direito civil, a saber:
Súmula 487, STF: embora ela não tenha sido revogada, este posicionamento se aplicava até o
Código Civil. É incompatível com o Código Civil e com o CPC/15.
Exemplo: Nelson ajuíza uma ação possessória contra Damasiano, por ser o proprietário. Todavia, ação possessória
não possibilita na causa de pedir a alegação de ser proprietário, mas sim apenas o exercício da posse. Caso o réu
alegue propriedade, também estará errado, pois não se utiliza ação possessória para discussão de propriedade.
A súmula permitia que na sentença o juiz a fundamentasse com base na propriedade, o que não é aceitável.
Diante do CPC/15, caso distribuída uma ação possessória com base na propriedade, o autor será carecedor da
ação, visto que não houve a alegação e prova da existência de posse.
Informativo 535, STJ, de 12/03/2014: discutiu a extinção de um processo em ação possessória. O STJ afirmou que
ajuizada ação possessória sem que seja possuidor, o autor será carecedor de ação, sendo extinto o processo sem
resolução do mérito. Caso seja alegado ser possuidor, mas não prove a posse, será julgada improcedente.
O STF entendia que caso ajuizada ação possessória, não sendo provado nem pelo autor ou pelo
réu o exercício do fato da posse, sendo a posse de ambos frágil, o juiz decidiria, supletivamente,
com base na propriedade. Atualmente este entendimento não se aplica e nesta hipótese, o juiz
deverá julgar improcedente a pretensão possessória.
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Enunciado 78, CJF: o pedido deverá ser indeferido e a ação julgada improcedente.
Portanto, estas duas deliberações anteriores do STF não se aplicam mais no ordenamento, tendo em vista as
regras do Código Civil e do Código de Processo Civil. Consagra-se uma autonomia entre propriedade e posse.
Exemplo: Nelson ajuíza ação possessória contra Damasiano que tem posse sobre o imóvel. Damasiano alega em
defesa que possui prazo de usucapião. Esta alegação pode ser realizada na defesa de uma ação possessória?
Sim, pois quando uma pessoa alega usucapião como defesa, não está introduzindo o petitório no possessório.
Todas ações petitórias têm como causa de pedir a propriedade, enquanto que na usucapião, a causa de pedir é
uma posse, qualificada pelos requisitos legais que possibilitam ao usucapiente a aquisição da propriedade.
Súmula 237, STF: a usucapião poderá ser arguida em defesa em ações petitórias ou possessórias.
Savigny afirmava que o objetivo da proteção da posse era evitar a violência e resgatar a paz social. A crítica a esta
teoria, era no sentido de que proteção contra a violência não era apenas do possessório, mas de todo direito em
si. Portanto, era um fundamento insuficiente.
Ihering, por sua vez, afirmou que o fundamento da proteção da posse era para aliviar a proteção da propriedade,
ou seja, a defesa possessória era uma sentinela avançada da proteção petitória; afirmava que a possessória
existia basicamente para proteger a propriedade, pois é mais rápida que uma petitória (a posse era um apêndice
da propriedade).
O fundamento da ação possessória, atualmente, diante das teorias funcionalistas da posse, que a defendem como
uma situação autônoma da propriedade, é que a posse é um modelo jurídico autônomo, com fundamentos
constitucionais, distintos da propriedade, defendendo-se a posse porque o ordenamento jurídico protege direitos
fundamentais como a moradia, o acesso ao mínimo existencial, assim como preserva a condição daquela pessoa
que exerce uma ingerência socioeconômica sobre o bem, digno de tutela.
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MATERIAL DE APOIO
Disciplina: Civil
Professor: Nelson Rosenvald
Aulas: 59 e 60 | Data: 10/06/2016
ANOTAÇÃO DE AULA
SUMÁRIO
POSSE
1. Ações possessórias – noções gerais
2. Reintegração de posse
3. Manutenção de posse
4. Interdito proibitório
POSSE
Ação possessória é sinônimo de interditos possessórios. Só existem três ações possessórias: reintegração de
posse, manutenção de posse, interdito proibitório.
Nunciação de obra nova e embargos de terceiros, tanto protegem a posse quanto a propriedade. O jus
possessioni é o espaço privativo para discutir o direito de possuir, sendo vedada a discussão sobre a propriedade.
A ação possessória competente dependerá da ameaça ocorrida: sendo um esbulho, caberá reintegração de posse;
turbação, a manutenção da posse, e no caso da ameaça, o interdito proibitório. À medida que se intensifica a
ameaça, alteram-se os remédios possessórios – art. 1.210, CC:
Referido artigo separa pela causa de pedir as três ações possessórias. O ajuizamento da ação possessória é
competente para a pessoa que exercia o fato da posse, a ingerência econômica sobre o bem, e que sofreu uma
agressão. Não possui legitimidade para ingressar com a ação possessória o proprietário que não era possuidor e o
mero detentor (não exerce posse com autonomia).
2. Reintegração de posse
O esbulho é a causa de pedir de uma reintegração de posse, ou seja, a pessoa prova ao juiz que tinha uma posse
preexistente (causa de pedir remota) e que sofreu uma agressão, sendo privado desta posse. Ser esbulhado, é
perder contato com a coisa (colocado para fora).
Exemplo: Damasiano possui um terreno enorme e Zé Rainha ingressa no terreno, utilizando sua metade.
A ação cabível é a reintegração de posse, pois para a ocorrência do esbulho, não é necessário que seja colocado
integralmente para fora do bem, podendo esta ocorrer parcialmente (esbulho parcial).
Esbulho não é sinônimo de ato de violência, pois uma posse injusta nem sempre decorre de um ato de violência,
podendo decorrer também de clandestinidade ou precariedade – art. 1.200 CC:
Exemplo: Damasiano proprietário de uma mansão em Angra dos Reis/RJ. ZR ingressou no imóvel sem seu
conhecimento, praticando um ato de clandestinidade, ocultando o ingresso na coisa de quem deveria saber.
No momento em que é descoberto o ingresso do ZR no imóvel, Damasiano tem a possibilidade de ajuizar ação de
reintegração de posse – art. 1.224, CC:
No caso da precariedade, no momento em que o contrato é encerrado e há recusa a restituição da coisa, ocorre o
esbulho por precariedade, pois houve a exclusão da ingerência da coisa. No tocante ao esbulho por precariedade:
a) caso Damasiano seja comodatário no comodato sem prazo e Nelson seja o proprietário requerendo a
restituição do bem, o momento da recusa não possibilita a distribuição imediata da ação, pois como o contrato é
sem prazo, se revela necessária sua interpelação (mora ex persona), concedendo um prazo para saída do imóvel.
O esbulho ocorrerá caso seja encerrado o prazo sem que o bem seja devolvido, momento em que será possível o
ajuizamento de ação de reintegração de posse.
b) Nelson fez promessa de compra e venda com Damasiano que passa a ser promitente comprador do
imóvel cujo pagamento ocorrerá por meio de 60 prestações. Na 18º prestação, Damasiano informa não possuir
mais condições e cessa os pagamentos. Nelson, neste momento pode ajuizar ação de reintegração de posse?
O promitente comprador somente se tornará proprietário após o pagamento integral e registro da promessa
junto ao Registro Imobiliário. Damasiano será titular de uma posse direta, e Nelson, da posse indireta.
Enquanto há o pagamento das prestações, há posse direta e justa, contudo, ao parar de pagar as parcelas, a posse
continua justa, porque se baseia em um contrato de promessa de compra e venda (lastro legal).
Assim, Nelson deve ajuizar uma ação de resolução da promessa de compra e venda por inadimplemento, com
pedido sucessivo de reintegração de posse, pois, resolvendo o negócio jurídico, a posse dele se tornará injusta por
precariedade – art. 475, CC:
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“Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a
resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento,
cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”
Informativo 573, STJ, de 25/11/2015: neste informativo há um julgado que ratifica o aduzido.
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE COMPRA E VENDA COM RESERVA DE DOMÍNIO E PROTEÇÃO
POSSESSÓRIA REQUERIDA POR VENDEDOR.
Ainda que sem prévia ou concomitante rescisão do contrato de compra e venda com reserva de domínio, o
vendedor pode, ante o inadimplemento do comprador, pleitear a proteção possessória sobre o bem móvel objeto
da avença. A cláusula de reserva de domínio ou pactum reservati dominii é uma disposição inserida nos contratos
de compra e venda que permite ao vendedor conservar para si a propriedade e a posse indireta da coisa alienada
até o pagamento integral do preço pelo comprador, o qual terá apenas a posse direta do bem, enquanto não
solvida a obrigação. Neste contexto, segundo doutrina, "o domínio não se transmite com o contrato e entrega da
coisa, mas automaticamente com o pleno pagamento". Desde que formulado o pacto com reserva de domínio, o
comprador tem conhecimento que recebe a mera posse direta do bem e o vendedor, por pressuposto, sabe que a
sua propriedade é resolúvel, uma vez que o primeiro poderá adquirir a propriedade do bem com o pagamento
integral do preço, sendo franqueado à parte vendedora/credora optar pelo procedimento que melhor lhe convier
a fim de ressarcir-se dos prejuízos havidos com o ajuste inadimplido. Saliente-se que nem a lei nem a doutrina
impõem, textual ou implicitamente, a necessidade de ajuizamento preliminar de demanda rescisória do contrato
de compra e venda com reserva de domínio, para a obtenção da retomada do bem. Isso porque não se trata,
aqui, da análise do ius possessionis (direito de posse decorrente do simples fato da posse), mas sim do ius
possidendi, ou seja, do direito à posse decorrente do inadimplemento contratual, onde a discussão acerca da
titularidade da coisa é inviabilizada, haja vista se tratar de contrato de compra e venda com reserva de domínio
onde a transferência da propriedade só se perfectibiliza com o pagamento integral do preço, o que não ocorreu
em razão da inadimplência do devedor. A fim de melhor elucidar a questão, o ius possessionis é o direito de
posse, ou seja, é o poder sobre a coisa e a possibilidade de sua defesa por intermédio dos interditos (interdito
proibitório, de manutenção da posse ou de reintegração de posse). Trata-se de conceito que se relaciona
diretamente com a posse direta e indireta. Já o ius possidendi é o direito à posse, decorrente do direito de
propriedade, ou seja, é o próprio domínio. Em outras palavras, é o direito conferido ao titular de possuir o que é
seu, independentemente de prévio ajuizamento de demanda objetivando rescindir o contrato de compra e
venda, uma vez que, nos ajustes cravados com cláusula de reserva de domínio, a propriedade do bem, até o
pagamento integral do preço, pertence ao vendedor, ou seja, não se consolida a transferência da propriedade ao
comprador. Destaque-se que não se trata das hipóteses em que o STJ assevera que o deferimento da proteção
possessória está condicionado à prévia conclusão do contrato (AgRg no REsp 1.337.902-BA, Quarta Turma, DJe
14/3/2013; e AgRg no REsp 1.292.370-MS, Terceira Turma, DJe 20/11/2012). Isso porque, nas ações em que se
discute o ius possessionis, ainda que fundada em contrato de compra e venda inadimplido, no qual não consta
cláusula de reserva de domínio, a propriedade já se transfere de plano, razão pela qual, por não comportar a
tutela possessória dilação processual necessária à discussão da ocorrência, ou não, do inadimplemento
contratual, essa não pode ser requerida sem que seja oportunizado ao comprador/devedor questionar o
descumprimento da obrigação, em face da abusividade das cláusulas contratuais ou purgar a mora quando se
verificar a ocorrência de pagamento substancial do preço. Desta feita, a discussão do contrato e, por conseguinte,
a sua rescisão deve se dar em momento anterior ao ajuizamento da ação possessória ou, ao menos de forma
concomitante, em cumulação de ações, sendo o pleito possessório pedido subsidiário em relação à pretensão
rescisória do contrato, pelo inadimplemento obrigacional, uma vez que somente após a resolução contratual é
que poderá haver posse injusta a aclamar a retomada do bem. REsp 1.056.837-RN, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado
em 3/11/2015, DJe 10/11/2015.
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Exemplo: Damasiano fez uma promessa de compra e venda com Nelson. Pagas as prestações, Damasiano não
registrou a promessa junto ao Registro Imobiliário. Oficial de justiça diligencia e penhora o bem, em razão de uma
dívida de Nelson. Neste caso não existe esbulho judicial, pois o esbulho é sempre um ato eivado de injustiça (usa
de violência, clandestinidade e precariedade). O Poder Judiciário pratica atos de constrição sobre bens alheios.
Neste caso, a ação cabível são os embargos de terceiro, nos termos do art. 674, CPC/15:
Damasiano poderia opor embargos de terceiro mesmo que não tivesse registrada esta promessa de compra e
venda?
Sim, pois só é importante a questão do registro da promessa de compra e venda, quando se discute propriedade,
sendo que no caso, a discussão se remete à posse – Súmula 84, STJ:
Exemplo: Nelson é proprietário de um bem cuja aquisição é realizada por Damasiano, sendo elaborada uma
promessa de compra e venda com cláusula permitindo que Nelson ainda permanece no imóvel por 6 meses após
a venda. Após os 6 meses, Nelson não devolve o bem. É possível ajuizar uma ação de reintegração de posse?
A cláusula chama-se constituti, ou seja, foi estabelecido um constituto possessório, que é a inversão do título da
posse, pela qual, aquele que possuía como proprietário passa a possuir por outro título, ou se torna mero
detentor. Assim, o constituto possessório é uma forma de aquisição da posse diferente das demais, pois a partir
do momento em que assinado o contrato com esta cláusula, Damasiano se tornou possuidor indireto porque
admitiu que Nelson ficasse no bem por 6 meses. Houve uma inversão no título da posse, pois Nelson que era
proprietário, nestes 6 meses, tornou-se possuidor direto.
O constituto possessório é uma forma de tradição ficta da posse (ocorre por cláusula contratual).
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A partir do momento em que Nelson não sai do imóvel após o prazo estabelecido, sua posse se tornará injusta
por precaridade, momento em que será possível o ajuizamento de ação de reintegração de posse.
Enunciado 77, CJF: a posse das coisas móveis e imóveis também pode ser transmitidas pelo constituto
possessório.
Exemplo: Damasiano é arrendatário do imóvel de Nelson por 5 anos; Nelson vende o imóvel em 2018 para Mari.
Ela pode em dez/2020 ajuizar ação de reintegração de posse ao término do contrato?
Sim, pois Nelson além de vender o imóvel, transmitiu a posse indireta deste imóvel, o que permite a Mari o
ajuizamento da reintegração de posse.
Art. 1.267, parágrafo único, CC: subentende-se a tradição quando o transmitente continua a possuir pelo
constituto possessório.
Para o ajuizamento de reintegração de posse é indiferente estar o réu de boa-fé ou não, interessando apenas
saber se a posse é justa ou injusta (nesta, ele poderá ser réu em ação possessória).
Há apenas uma exceção onde o juiz deverá aferir do réu sua boa ou má-fé: por exemplo, ZR invade terreno de
Nelson e o esbulha; ZR vende o imóvel para Damasiano que o adquire por escritura pública de compra e venda
falsificada por ZR. Nelson possui ação de reintegração de posse contra Damasiano?
Damasiano tem a falsa percepção que a posse é legitima, sendo um terceiro de boa-fé. Nelson não poderá ajuizar
a reintegração de posse em face de Damasiano, pois a lei exige que no polo passivo esteja um terceiro de má-fé.
Terá duas possibilidades:
a) ajuizar ação indenizatória contra Zé Rainha – art. 1.212, CC:
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b) se Nelson for possuidor esbulhado e proprietário do imóvel, poderá ajuizar uma ação petitória contra
Damasiano, pois o único requisito é saber se Nelson era dono – Enunciado 80, CJF:
Caso ajuizada ação em face do ZR e no meio do processo ocorra a venda do imóvel para Damasiano (escritura
falsificada), mesmo que ZR tenha cedido o direito para Damasiano, a demanda já estará estabilizada. O
cumprimento de sentença ocorrerá em face do Damasiano – art. 109, CPC/15:
Observações: nem toda ação possessória será chamada reintegração de posse, pois em alguns casos, mesmo na
existência de um esbulho, o nomen iuris desta demanda não será reintegração de posse:
a) contrato de locação: encerrado o contrato e caso o locatário não devolva o imóvel, a ação cabível será
o despejo – art. 5º, Lei 8.245/91:
b) contrato de alienação fiduciária: no caso do devedor fiduciário que para de pagar as prestações, a ação
a ser ajuizada pela instituição financeira é uma ação de busca e apreensão (Decreto Lei 911)
3. Manutenção de posse
A causa de pedir e o pedido mudam: a causa de pedir remota, é uma posse atual e a próxima é uma turbação.
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O pedido é para que pare a agressão, ou seja, seja mantida a posse atual, ou seja que cessem os atos atuais de
agressão a posse. Na manutenção de posse houve uma turbação, uma perturbação de posse. A pessoa turbada
está sendo incomodada, chateada, molestada, mas se mantém firme no poder fático sobre a coisa.
Exemplo: Nelson torna-se vizinho de fazenda de Damasiano; no 1º dia, corta 50 árvores e se apropria do material
de Nelson; no 2º dia, destrói a cerca e coloca seu gado para pastar; no 3º dia, faz um buraco para impedir a saída
dos veículos. Ele é um turbador, pois praticou três atos autônomos de turbação. É possível três ações de
manutenção de posse contra Nelson. A ordem do juiz será para cessar o ato de agressão.
Teoria quinária das sentenças de Pontes de Miranda: não existem apenas sentenças declaratórias, constitutivas e
condenatórias, mas também sentenças mandamentais e executivas em lato sensu.
Exemplo: sentença executiva lato sensu é a reintegração de posse; sentença mandamental, é a manutenção de
posse.
A sentença da reintegração de posse é executiva lato sensu, pois consoante Candido Dinamarco, se trata de uma
sentença que visa primordialmente sub-rogar a decisão ao juiz diante do descumprimento da parte. Basta que o
fato seja comunicado ao juiz, que ele se sub-rogará, constrangendo por meio da polícia o esbulhador a se adequar
àquela ordem judicial. É uma coerção direta.
Na manutenção de posse, a sentença é mandamental, porque também segundo Cândido Dinamarco, ela possui
uma eficácia persuasiva, pois na sentença expede-se uma ordem, um mandado informando que caso não cessem
os atos, consequências mais graves surgirão.
Informativo 508, STJ, de 14/11/2012: o juiz pode impor em uma sentença a ordem de distanciamento mínimo do
MST.
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DISTANCIAMENTO MÍNIMO DE MOVIMENTO SOCIAL DESTINADO À REFORMA
AGRÁRIA DO IMÓVEL ANTERIORMENTE INVADIDO. INTOLERÁVEL CONTINUIDADE DE ATOS DESTINADOS A
TURBAR OU MOLESTAR POSSE LIMINARMENTE RECONHECIDA.
É legal a decisão judicial que, objetivando viabilizar o exercício de posse reconhecida em sede de liminar -
ameaçada por atos destinados a turbá-la ou molestá-la -, determina o distanciamento mínimo de movimento
social destinado à reforma agrária do imóvel anteriormente invadido. Considerando a inexistência de direito
fundamental absoluto, deve-se asseverar que a legítima pretensão à necessária reforma agrária, prevista
constitucionalmente, não confere ao correlato movimento social, ainda que sob a égide do direito fundamental
de locomoção, o uso arbitrário da força destinado a vilipendiar posse reputada legítima (assim albergada por
decisão judicial), que, inerente ao direito de propriedade, igualmente recebe proteção constitucional. Precedente
citado: HC 94.983-RS, DJ 20/11/2007. HC 243.253-MS, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 13/11/2012.
4. Interdito proibitório
Interdito proibitório é a “defesa preventiva da posse diante da ameaça de iminentes atos de turbação ou
esbulho”
Sua causa de pedir é uma ameaça. Deverá constar na inicial a ameaça, consistente em uma situação onde exista
uma iminente turbação ou esbulho. É uma ação possessória de natureza preventiva, pois visa prevenir uma
iminente agressão chamada turbação ou esbulho.
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Não possui natureza cautelar, pois estas existem para assegurar a eficácia de uma outra ação que deva ser
ajuizada (mantém as condições materiais e fáticas de um cenário para que posteriormente se ingresse com outra
demanda principal).
O interdito proibitório é uma ação preventiva que guarda autonomia com relação as outras, porque a ameaça
contra a posse já é uma agressão em si, ainda que menos radical. Esta sentença já possui uma carga de
definitividade, visando evitar um mal mais grave (turbação ou esbulho).
Art. 567, CPC/15: ocorrendo justo receio, será expedido mandado proibitório em que se comine pena pecuniária
caso o preceito seja transgredido.
A lógica é de que em momento iminente haverá turbação ou esbulho, há um justo receio de que se concretizará
esta agressão. Além do mandado, também é cominada uma sanção de natureza coercitiva, uma multa que visará
inibir/constranger o devedor em caso de descumprimento da ameaça ou esbulho.
Portanto, concebe-se o interdito proibitório somente como reação a uma ameaça da prática de um ato injusto.
No caso do vizinho que percebe que o outro está reduzindo meu terreno ou de uma ameaça de um exercício
normal de um direito (art. 153, CC1), não é caracterizado o esbulho ou a turbação necessários a ameaça do
interdito proibitório.
Exemplo: Damasiano é advogado; Latino o procura informando sua ciência de que colocarão 10 mil CDS piratas
dele para venda – Damasiano informa que ajuizará um interdito proibitório, a fim de impedir que os produtor
cheguem às ruas.
Vale destacar que após anos de controvérsia, foi encerrada a discussão se cabe posse sobre bens intangíveis: a
resposta é negativa, podendo a posse ser exercida apenas sobre bens corpóreos materiais; não há posse de
direitos autorais, de patente, etc.
No caso, a lei de direito autorais determina que em situações semelhantes deverá ser realizada a busca e
apreensão destes bens, que é a melhor forma de proteção de propriedade imaterial - Sumula 228, STJ:
Exemplo: bancários em greve que não permitem a entrada de outros para trabalhar (piquete). O banco pode
ajuizar um interdito proibitório com fundamento no fato de que os atos de piquete estão impedindo o direito ao
trabalho e a circulação de clientes que desejam exercitar sua atividade econômica.
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Art. 153. Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor reverencial.
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Súmula Vinculante 23: o interdito proibitório neste caso deverá ser distribuído ante a Justiça do Trabalho, em
caso de trabalhadores privados. Sendo servidor público, a ação deverá ser distribuída na Justiça Estadual/Federal,
conforme sua natureza.
Súmula Vinculante 23
A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ação
possessória ajuizada em decorrência do exercício do direito de greve
pelos trabalhadores da iniciativa privada.
Proprietário que nunca possui ou que um dia possui e abandonou a posse, não tem legitimidade ativa para ajuizar
ação possessória; a pessoa que ingressou na posse, terá posse justa.
O detentor não tem legitimidade ativa para ajuizar ação possessória (fâmulo da posse, permissão ou tolerância,
violência ou clandestinidade, e aquele que possui bem público de uso comum do povo.
Sendo possuidor, ele poderá ajuizar ação possessória tendo posse justa ou injusta, direta ou indireta, de boa ou
má-fé. Observa-se que tal possibilidade não significa que o possuidor será vencedor, mas apenas que possui
legitimidade ativa e interesse de agir. O detentor poderá exercer a autotutela como um longa manus do
possuidor.
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MATERIAL DE APOIO
Disciplina: Civil
Professor: Nelson Rosenvald
Aulas: 61 e 62 | Data: 13/06/2016
ANOTAÇÃO DE AULA
SUMÁRIO
1. Fungibilidade
Em matéria de ações possessórias, foi verificada a reintegração de posse, cuja causa de pedir é um esbulho,
posteriormente, a manutenção de posse, cuja causa de pedir é uma turbação, e por fim, o interdito proibitório,
que se trata de uma ação possessória de natureza de tutela de urgência cuja causa de pedir é a ameaça.
Exemplo: Zé Rainha na porta da fazenda dizendo que em breve iria turbar ou esbulhar minha posse. Ajuizado o
interdito proibitório, é determinado que seja cessada a ameaça, fixando multa cominatória.
Ignorada a multa diária e ocorrendo o esbulho com a retirada do poder de fato sobre a coisa (ameaça que se
converteu em esbulho), será necessário o ajuizamento de uma ação de reintegração de posse?
Não, pois as ações possessórias são marcadas pela fungibilidade, ou seja, uma ação possessória pode ser
convertida em outra ação possessória ao longo do processo.
Nesse sentido, basta que nos autos seja protocolada uma petição informando a ocorrência, por exemplo, do
esbulho e a necessidade da reintegração de posse. O juiz analisará e verificando a existência de provas, concederá
a reintegração de posse.
A fungibilidade é da essência dos conflitos possessórios, que são extremamente voláteis, pois se intensificam de
um dia para o outro. Nesse sentido, diante da celeridade das circunstâncias fáticas, a fungibilidade se torna uma
regra decisiva para que o autor tenha êxito nas ações possessórias.
Observações:
a) a fungibilidade somente pode ocorrer até o trânsito em julgado da demanda. Caso haja inovação após
o trânsito em julgado, não haverá fungibilidade, sendo necessária a propositura de nova demanda.
b) fungibilidade só existe entre as possessórias. Por exemplo, ajuizada ação reivindicatória porque foi
esbulhado, o juiz julgará o autor como carecedor da ação, não podendo convertê-la em uma reintegração de
posse, ou vice e versa.
c) a fungibilidade ocorre em dois casos:
(i) quando há uma intensificação da agressão ao longo do processo;
(ii) quando o autor propôs a ação de maneira inadequada.
2. Dicotomia procedimental
A distinção entre elas é o prazo decadencial de ano e dia. Sofrida a agressão à posse, com reação antes de ano e
dia, a ação possessória será de força nova. Caso a reação ocorra após ano e dia, a ação possessória será de força
velha.
Porém, ambas as ações serão possessórias, ou seja, a tutela possessória existirá para o possuidor esbulhado antes
de ano e dia ou após ano e dia. Altera-se somente a questão procedimental.
A ação possessória de força nova possui um rito especial. As ações possessórias de força velha, tramitam pelo rito
comum. As técnicas processuais de um rito para o outro são diversas – art. 558, CPC:
Vale destacar que a posse não muda o caráter pelo qual ela foi adquirida, logo, sendo injusta, assim continuará.
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A divisão de ações em força nova e força velha é aplicável para a manutenção e para reintegração de posse. Não
existe esta dicotomia procedimental em relação ao interdito, porque não existe interdito proibitório de força
velha, uma vez que ele exige uma agressão iminente, de caráter preventivo.
O momento em que começa a correr o prazo de ano e dia é iniciado no dia em que o invasor se tornar possuidor.
Por exemplo, 14 dias de autotutela, e no 15º dia cessa o uso da violência. Antes, ele era detentor e após cessar a
autotutela, ele passa a ter posse – art. 1.208, CC:
As ações de força nova possuem rito especial devido à possibilidade de concessão de liminar. A natureza desta
liminar requerida é satisfativa, tratando-se de uma antecipação do mérito. Pede-se um “adiantamento” da
prestação jurisdicional. As liminares de natureza cautelar possuem a ideia de referibilidade, pois elas visam
assegurar o resultado útil de outro processo em andamento (garantir condições materiais para que o outro
processo em andamento seja útil).
Justamente por não se tratar de uma liminar de natureza cautelar, não é necessária a demonstração do periculum
in mora, bastando apenas a demonstração do fumus boni iuris, conforme previsão contida no art. 561, CPC:
No tocante à previsão do inciso IV, é realizada uma distinção em relação a causa de pedir: na manutenção não
houve perda da posse, apenas uma perturbação, enquanto que no esbulho, houve a perda da posse.
A tutela de urgência se divide em duas espécies: antecipada e cautelar. A liminar aqui é tutela de urgência
antecipada (satisfativa).
Ajuizada ação de reintegração de posse e havendo sua comprovação por meio de documentos (fotos, boletim de
ocorrência, etc.), o juiz tem o dever de conceder a liminar inaudita altera parte. Todavia, caso o autor da
demanda não comprove documentalmente o esbulho e que ele ocorreu há menos de ano e dia, o juiz designará
uma audiência de justificação. O processo somente será extinto de plano, caso não haja comprovação de ser
possuidor.
Nesta audiência de justificação, o autor poderá novamente provar o ocorrido, levando testemunhas para o
atendimento dos requisitos do art. 561, CPC, conforme previsão do art. 562:
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autor justifique previamente o alegado, citando-se o réu para
comparecer à audiência que for designada.
Parágrafo único. Contra as pessoas jurídicas de direito público não
será deferida a manutenção ou a reintegração liminar sem prévia
audiência dos respectivos representantes judiciais”.
É uma audiência unilateral em favor do autor (fase de cognição sumária), logo, sendo o réu citado, ele não poderá
levar testemunhas, uma vez que ainda não existe o contraditório. O contraditório pleno haverá em outra fase.
Caso ultrapassado ano e dia da agressão possessória, a ação terá o rito comum – art. 538, CPC:
Referido artigo é o fundamento jurídico da ação possessória de força velha. É exigida a entrega da coisa por meio
do requerimento de uma tutela específica.
Nas ações de força velha, a liminar só será concedida se além do fumus boni iuris, o possuidor demonstrar
também a urgência – periculum in mora – explicando o porquê nada foi realizado no prazo de ano e dia. Caso não
prove a urgência, deverá provar o motivo que o impediu de propor a ação no prazo de ano e dia (Por exemplo,
ficou internado na UTI durante este período).
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E caso o possuidor seja esbulhado pelo Estado?
O Estado possui a mesma capacidade de esbulhar que um particular. Na ação possessória em que o réu seja o
Estado esbulhador, haverá uma peculiaridade, pois conforme previsão do art. 562, parágrafo único, CPC, não será
deferida a liminar sem prévia audiência das partes:
Somente em caso de inexistência de justificativa é que a liminar será concedida em favor do particular.
Exemplo: Município que invadiu o terreno. Procurador em audiência afirma que houve ocupação para construção
de uma creche que está quase pronta.
O particular que perdeu a posse ou propriedade em favor do Estado, deverá ajuizar a ação no prazo máximo de
10 anos (prazo prescricional).
Ajuizada ação de força nova com a concessão de liminar ou não, a partir da contestação, a ação tramitará pelo
rito comum, mesmo que seja de força nova. A especialidade somente é mantida na fase do cabimento ou não da
liminar. Art. 566, CPC:
3. Natureza dúplice
Ações dúplices “são aquelas em que não se vislumbra predeterminação de legitimação ativa e passiva, facultando
ao réu a dedução de pedido contraposto em face do autor”.
Ações divisórias e demarcatórias são de natureza dúplice, podendo qualquer um dos dois ser autor ou réu. O
mesmo ocorre em relação as ações possessórias.
Exemplo: Nelson ajuíza ação de reintegração de posse contra Damasiano afirmando a prática do esbulho;
Damasiano afirma que não esbulhou e que Nelson o está turbando, motivo pelo qual requereu uma ordem de
manutenção de posse cumulada com indenização pelos prejuízos causados. É possível a realização destes
pedidos.
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Nas ações possessórias discute-se quem tem a melhor posse, assim, para o direito processual se adequar a
realidade do direito material, atribuiu esta característica às ações possessórias. No exemplo acima, Damasiano
além de se defender, fez um pedido contraposto, que é uma autorização excepcional de contra-ataque nos
próprios autos sem a necessidade da reconvenção. Basta a existência da mesma causa de pedir e do pedido
contraposto.
Nas ações de natureza dúplice, não é apenas o autor que possui uma pretensão, podendo o réu ostentar sua
pretensão contra o autor. Realizado o pedido contraposto, o juiz é obrigado a proferir uma sentença de natureza
dúplice: será formalmente una, mas materialmente dúplice (será realizada a análise do pedido do autor contra o
réu e do pedido do réu contra o autor) – art. 556, CPC:
Pela leitura deste artigo é possível constatar que as únicas pretensões que poderão ser veiculadas no pedido
contraposto, são duas: proteção possessória e indenização pelos prejuízos. Por meio do pedido contraposto
outros pedidos não poderão ser deduzidos, os quais deverão ser veiculados por meio da reconvenção. É uma
interpretação pobre quando confrontada com o atual CPC.
No Informativo 548, STJ, de 22/10/2014, foi admitido que no pedido contraposto, além da possibilidade de pedir
proteção possessória e indenização, o réu poderá pedir remoção do ato ilícito em razão da atipicidade dos meios
da tutela:
A vantagem do pedido contraposto é que a decisão do juiz fará coisa julgada sobre ele, ou seja, será
desnecessário o ingresso com nova ação a fim de buscar a coisa julgada.
4. Autotutela
Quando se fala em ação possessória, há dupla linha de defesa: de um lado a tutela possessória jurisdicional e de
outro, a autotutela ou autodefesa.
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Violado o direito, surge uma pretensão (exigibilidade) que deve ser exercida pela via de uma ação. A ação
consubstancia a pretensão do possuidor que foi esbulhado ou turbado.
Contudo, excepcionalmente, pretensões podem ser exercitadas pela via extrajudicial, como por exemplo, a
arbitragem. Nesse sentido ao invés do possuidor esbulhado ou turbado recorrer ao Judiciário, ele possui uma
autorização para o exercício da autotutela ou autodefesa – art. 1.210, CC:
Não há autotutela diante de uma ameaça a posse, mas apenas para a turbação ou esbulho. A autotutela deve ser
uma reação imediata àquela agressão. A conexão temporal é importante, pois caso a pessoa demore para reagir,
não será mais autotutela e sim exercício arbitrário das próprias razões. Por fim, a autotutela deve ser marcada
pela moderação, que é uma lógica de razoabilidade a ser aferida na concretude de cada caso.
A autodefesa é um gênero que tem duas nomenclaturas: legítima defesa da posse e desforço imediato. A
autoexecutoriedade se chama legítima defesa da posse quando é uma reação a uma turbação; chama-se desforço
imediato quando é uma reação a um esbulho.
Enunciado 495, CJF: no desforço possessório, a expressão “contanto que faça logo” deve ser entendida como
“imediatamente”.
Quando o Estado é turbado ou esbulhado, ele pode, ao invés de ajuizar a ação, se valer da autotutela quando
alguém turba ou esbulha bens públicos de uso comum do povo ou especial, pois estes bens estão afetados a uma
coletividade. O Estado deverá usar de seu poder de polícia com moderação. Trata-se da proteção de bens difusos
que não podem ser apropriados por um particular.
Além do possuidor, o detentor também pode se valer do desforço imediato ou da legítima defesa da posse,
quando ele for servidor da posse, momento em que é longa manus do proprietário, ou seja, em nome de quem
pratica os atos de autotutela – Enunciado 493, CJF:
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Exemplo: Nelson aluga o apartamento para Damasiano; em caso de invasão do apartamento, o possuidor indireto
(Nelson), assim como o direto (Damasiano), poderão utilizar da autotutela para a defesa de seu bem.
O proprietário, que não é possuidor, não pode se utilizar da autotutela e tampouco ajuizar ação possessória.
5. Conflitos multitudinários
O processo civil evoluiu em razão dos conflitos coletivos (Direito do Consumidor, Direito Ambiental, etc.), mas
apenas em relação ao polo ativo. Em relação à tutela jurisdicional coletiva passiva (a agressão é sofrida de forma
coletiva), não houve evolução.
Por exemplo, no caso dos estudantes que invadiram a reitoria da USP; foi um dos primeiros casos de tutela
jurisdicional coletiva passiva. A ação foi ajuizada em face do órgão de representação dos estudantes, de modo
que a decisão proferida a todos vinculou.
Observa-se que o art. 561, CPC prevê requisitos aplicáveis para ações que não são coletivas e que nem sempre
suprirão a necessidade no caso de ações coletivas passivas.
Nesse sentido, o CPC/15, trouxe algumas previsões, visualizando os conflitos multitudinários (ações passivas
coletivas) – art. 554, §1º, CPC:
Quando se tratar de ação coletiva passiva, o Ministério Público é sujeito obrigatório por ser fiscal da ordem
jurídica, não se vinculando ao interesse das partes e deverá ser ouvido antes da concessão da liminar – art. 178,
III, CPC:
A Defensoria Pública – art. 185, CPC - deverá ser cientificada em razão da provável hipossuficiência econômica das
pessoas do polo passivo:
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coletivos dos necessitados, em todos os graus, de forma integral e
gratuita”.
No artigo 565, CPC, é previsto que sendo ação coletiva passiva, após o prazo de ano e dia para o ajuizamento da
ação possessória, obrigatoriamente haverá uma fase de mediação entre autor e réu:
O objetivo do CPC, ao determinar a designação desta audiência de mediação, é a realização de uma ponderação
de bens: de um lado um possuidor esbulhado/turbado que deixou passar o prazo de ano e dia e de outro lado,
uma coletividade de pessoas que acessam o direito à moradia e ao mínimo existencial.
A audiência possibilitará a tentativa de diálogo entre as partes a fim de que seja encontrada uma solução.
Mediação, em processo civil, é sempre uma alternativa extrajudicial e voluntária. Nesta previsão, a mediação será
uma etapa procedimental e compulsória, ou seja, imposta as partes.
Observe-se, por fim, que mesmo se tratando de conflito multitudinário, ajuizada ação possessória dentro do
prazo de ano e dia, não haverá a fase de mediação, uma vez que na ponderação de bens, o possuidor esbulhado
que ajuizou a ação dentro do prazo de ano e dia, merece uma tutela satisfativa.
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MATERIAL DE APOIO
Disciplina: Civil
Professor: Nelson Rosenvald
Aulas: 63 e 64 | Data: 17/06/2016
ANOTAÇÃO DE AULA
SUMÁRIO
USUCAPIÃO
1. Requisitos pessoais
2. Requisitos reais
3. Espécies de usucapião
3.1. Usucapião extraordinário
3.2. Usucapião ordinário
3.3. Usucapião familiar
Aula 06/07
USUCAPIÃO
Usucapião é “modo de aquisição da propriedade e de outros direitos reais, pela posse prolongada da coisa,
observando-se os requisitos legais”.
Usucapião vem do latim usucapire, que significa tomar pelo uso. A origem da palavra vem do feminino, no
entanto, segundo o Professor, não há problemas em utilizar o masculino.
Usucapião também é modo de aquisição de outros direitos reais, como por exemplo, usufruto, direito de
superfície, etc., bem como de propriedade de bens móveis. Aqui, a usucapião será tratada como efeito da posse,
que gera exclusivamente aquisição de propriedade imobiliária.
A usucapião é modo originário de aquisição da propriedade porque quando o usucapiente obtém a coisa, ele não
a obtém do antigo dono, mas sim, contra o antigo dono, ou seja, não existe relação jurídica que vincule o antigo
proprietário ao usucapiente.
1. Requisitos pessoais
A posse é como se fosse um caminho para que se alcance a propriedade e existem diversos requisitos que devem
ser cumpridos.
Algumas pessoas não possuem legitimidade para usucapir. Alguns autores utilizam para designar a usucapião o
termo “prescrição aquisitiva”, contudo, este termo não deve ser utilizado, pois em nada se relaciona com a
usucapião, uma vez que prescrição é uma exceção alegada pelo devedor que visa neutralizar a pretensão do
credor.
Todavia, a única ligação entre os termos, é que as causas que interrompem a prescrição também se aplicam à
usucapião – art. 1.244, CC:
Exemplo: João ficou no terreno no período de 2005 até 2020. Descobriu que o proprietário (réu na ação de
usucapião) era o Pato Donald que faleceu em 2012 e tinha deixado como herdeiros Huguinho (8 anos), Zezinho
(18 anos) e Luizinho (20 anos). Não corre a usucapião contra o absolutamente capaz => Huguinho (8 anos). Logo,
em 2012, o prazo parou de correr e somente retornará quando Huguinho completar 16 anos.
Esta causa suspensiva que beneficia Huguinho, beneficia os demais por extensão, mesmo que os outros sejam
maiores – art. 201, CC:
Outro exemplo de que usucapião não se relaciona com prescrição, é o fato de que a usucapião não pode ser
conhecida de ofício, ao contrário da prescrição, que poderá ser conhecida de ofício.
Informativo 560, STJ, de 03/05/2015: impossibilidade de declaração de ofício de usucapião porque não se
relaciona com a prescrição.
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- faz com que um determinado direito seja adquirido pela inércia e pelo lapso temporal. Ambas têm em comum
os elementos tempo e inércia do titular, mas, enquanto na primeira eles dão lugar à extinção do direito, na
segunda produzem a sua aquisição. Realmente, o § 5º do art. 219 do CPC não estabeleceu qualquer distinção em
relação à espécie de prescrição. Sendo assim, num primeiro momento, poder-se-ia cogitar ser possível ao julgador
declarar de ofício a aquisição mediante usucapião de propriedade. Entretanto, essa assertiva não pode ser
aplicada. Primeiro, porque o disposto no § 5º do art. 219 está intimamente ligado às causas extintivas, conforme
expressamente dispõe o art. 220 - "O disposto no artigo anterior aplica-se a todos os prazos extintivos previstos
na lei" -, sendo que a simples leitura dos arts. 219 e 220 demonstra a impropriedade de se pretender projetar os
ditames do § 5º do art. 219 para as hipóteses de usucapião. Segundo, pois a prescrição extintiva e a usucapião são
institutos díspares, sendo inadequada a aplicação da disciplina de um deles frente ao outro, vez que a expressão
prescrição aquisitiva tem vínculos mais íntimos com fundamentos fáticos/históricos do que a contornos
meramente temporais. Essa diferenciação é imprescindível, sob pena de ocasionar insegurança jurídica, além de
violação aos princípios do contraditório e ampla defesa, pois, no processo de usucapião, o direito de defesa
assegurado ao confinante é impostergável, eis que lhe propicia oportunidade de questionar os limites oferecidos
ao imóvel usucapiendo. Como simples exemplo, se assim fosse, nas ações possessórias, o demandante poderia
obter um julgamento de mérito, pela procedência, antes mesmo da citação da outra parte, afinal o magistrado
haveria de reconhecer a prescrição (na hipótese, a aquisitiva-usucapião) já com a petição inicial, no primeiro
momento. Consequentemente, a outra parte teria eliminada qualquer possibilidade de defesa do seu direito de
propriedade constitucionalmente assegurado, sequer para alegar uma eventual suspensão ou interrupção
daquele lapso prescricional. Ademais, conforme a doutrina, o juiz, ao sentenciar, não pode fundamentar o
decidido em causa não articulada pelo demandante, ainda que por ela seja possível acolher o pedido do autor.
Trata-se de decorrência do dever de o juiz decidir a lide "nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso
conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte" (art. 128 do CPC). Ainda de
acordo com a doutrina, essa vedação, em razão do princípio da igualdade das partes no processo, aplica-se não só
ao demandado, mas, também, ao réu, de sorte que o juiz não poderia reconhecer ex officio de uma exceção
material em prol do réu, como por exemplo, a exceção de usucapião. REsp 1.106.809-RS, Rel. originário Min. Luis
Felipe Salomão, Rel. para acórdão Min. Marco Buzzi, julgado em 3/3/2015, DJe 27/4/2015.
2. Requisitos reais
Quais bens podem ser usucapidos? Quais não podem? Cabe usucapião sobre bens públicos?
Não cabe usucapião de bens públicos – art. 183 e 191, CF - pois há proibição constitucional (Súmula 340, STF), em
relação aos bens de uso comum do povo, de uso especial e dominical. O art. 102, do Código Civil, ratifica o não
cabimento da usucapião nestas hipóteses.
“Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos
e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e
sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família,
adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro
imóvel urbano ou rural.
§ 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao
homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado
civil.
§ 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de
uma vez.
§ 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião”.
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“Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou
urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem
oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta
hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família,
tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.
Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por
usucapião”.
Em prova escrita, também deve ser afirmado que os bens materialmente públicos não estão sujeitos a usucapião.
Os bens formalmente públicos são aqueles que pertencem a Poder Público, mas não recebem qualquer função
social. Por exemplo, bem do Estado que está abandonado. O bem materialmente público, pertence ao Poder
Público, mas também recebe função social, tendo uma vocação destinada à sociedade.
Assim, por exemplo no caso de um bem público que está abandonado (formalmente público), ele será usucapível
como qualquer outro bem, uma vez que só possui a aparência de bem público, pois não está observando sua
vocação natural. É uma tese de interpretação do art. 102, CC, minoritária, mas que pode ser citada em prova
escrita, a fim de demonstrar conhecimento acerca do tema.
Exemplo: Damasiano ficou pelo período de 15 anos no imóvel e ao buscar os documentos para distribuição da
usucapião, descobre que o imóvel não está registrado em nome de ninguém. É possível a usucapião deste bem?
A visão administrativa entende que não poderia, pois como não está registrado em nome de ninguém, é bem
público, uma vez que na descoberta do Brasil, todos os bens tornaram-se públicos. Essa cisão não predomina.
A visão civilista é no sentido de que estes bens são res nullius, também chamado de terras adéspotas, logo, não
são do Estado e podem ser objeto de usucapião. Trata-se de uma presunção relativa, pois o Poder Público pode
alegar na defesa que o imóvel não estava registrado, mas que antes de completar o prazo de usucapião, houve
sucesso em uma ação discriminatória prevista na Lei 6.383/76
Ação discriminatória da Lei 6.383/76: objetiva discriminar o que é público do que é privado. Havendo êxito,
certamente houve prova de que pertence ao Estado. Na inexistência desta ação, prevalece tratar-se de terras
adéspotas.
Exemplo: réu em ação de usucapião alega em sua defesa que se trata de bem de família (o bem estava na posse
de Damasiano por 15 anos). Sua defesa não terá sucesso, uma vez que os bens de família são usucapíveis
(voluntários ou legais). Estes bens, a princípio, são inalienáveis, mas sua função é servir a entidade familiar e caso
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outra pessoa tenha nele conseguido entrar e permanecer nele por 15 anos, é porque o bem nunca foi
materialmente um bem de família, pois nunca cumpriu sua finalidade real.
3. Espécies de usucapião
São os requisitos formais para alcançar a usucapião. Os requisitos reais variam de acordo coma espécie de cada
usucapião.
“Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem
oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade,
independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que
assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro
no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez
anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia
habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo”.
Caso no momento da sentença não tenha sido completado o prazo necessário para a usucapião, o juiz julgará
improcedente a pretensão, pois inexistente a causa de pedir que exige 15 anos de posse. Não há coisa julgada
material em relação ao prazo, pois quando este for completado, será possível o ingresso de nova ação que terá
nova causa de pedir.
b) posse com animus domini: antes de verificar o animus domini, deverá ser verificada a existência de
posse pela pessoa.
Exemplo: Nelson possui uma fazenda em Montes Claros e Damasiano é seu capataz que lá fica por 15 anos
tomando conta da fazenda. Após 15 anos, caso Damasiano ingresse com ação de usucapião, ela não será
procedente, pois é ausente sua posse (fâmulo da posse).
Caso Damasiano fique lá por 15 anos como arrendatário de Nelson, e ajuíze ação de usucapião, embora ele fosse
possuidor, também restará ausente seu animus domini. O possuidor direto na vigência de contrato não possui
animus domini, pois ele só está na posse do bem em virtude de uma relação jurídica. A posse estava subordinada
a Nelson e não há animus domini – art. 1.197, CC:
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“Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder,
temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a
indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto
defender a sua posse contra o indireto.
A única possibilidade do arrendatário poder requerer a usucapião é por meio do fenômeno da intervenção da
posse.
Quando se fala em animus domini, vale destacar que pessoa jurídica também pode usucapir, assim como o
Estado. A pessoa jurídica pode exercer posse por meio de seus funcionários/servidores. O mesmo ocorre com
entes despersonalizados, por exemplo em caso de condomínio edilício – Enunciado 596, CJF:
c) posse mansa e pacífica: “é aquela que não sofreu oposição judicial séria em toda a sua trajetória”
Por exemplo: Damasiano possui imóvel em 2016; em 2026, com 10 anos de posse, aparece Nelson que informa
ser o proprietário, ajuizando ação reivindicatória contra Damasiano. Em 2031, é proferida uma sentença
procedente com trânsito em julgado, a qual informa ser Nelson o vencedor da pretensão reivindicatória.
Damasiano já possui 15 anos de posse, mas ela perdeu a mansidão e a pacificidade no momento em que Nelson
interrompeu o prazo da usucapião por meio da propositura de uma ação. O efeito interruptivo só foi alcançado
porque a sentença foi procedente - art. 240, §1º, CPC:
Nos termos do artigo 1.238, parágrafo único, do Código Civil, o prazo da usucapião extraordinária é diminuído
para 10 anos se o possuidor estiver estabelecido no imóvel sua moradia habitual ou tiver realizado nele obras de
caráter produtivo. Esta usucapião observa a função social e foi chamada por Miguel Reale de “posse trabalho”
porque vai além de uma posse normal. Há uma ponderação entre a posse normal e a posse com função social
Exemplo: Damasiano ingressa na posse do imóvel e coloca um funcionário para tomar conta deste terreno.
Durante 15 anos o funcionário assim o faz e nada é realizado no imóvel, além de pagar o IPTU e cercar o terreno.
Após 15 anos é possível usucapir este imóvel, contudo, nele não houve nenhuma função social. Caso comece a
possuir e more no bem, ou realize obras de caráter produtivo (por exemplo, um mercadinho), esta posse será
meritória, motivo pelo qual o Código Cicil reduz o prazo da usucapião de 15 para 10 anos.
Qualquer usucapião requer, no mínimo, os três requisitos acima, mas podem exigir mais, por exemplo, usucapião
ordinária, além do tempo, posse mansa e pacífica e animus domini, ela exige boa fé e justo título – art. 1.242, CC:
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Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o
imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro
constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde
que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou
realizado investimentos de interesse social e econômico”.
Exemplo: Zé Rainha ingressou no imóvel e usando de violência, coloca Nelson para fora. ZR permanece por 15
anos, assim, é possível ele usucapir o bem?
Sim, mas pela usucapião extraordinária, pois possui o desejo de excluir o antigo dono; nesta hipótese nunca
poderá usucapir pela forma ordinária, pois esta exige justo título e boa–fé
A boa-fé para a usucapião, é restrita, de modo que ”o possuidor de boa-fé é aquele que tem a falsa convicção de
ser o dono da coisa”.
Boa fé é mais que animus domini, pois o que possui animus domini tem intenção de ser o proprietário, enquanto
que o de boa-fé tem a equívoca noção de que é proprietário. O elemento objetivo que ampara a boa-fé subjetiva
é o justo título, ou seja, só quem possui o justo título tem a falsa convicção de ser o dono da coisa.
Justo título “é aquele potencialmente hábil para transmitir a propriedade, que, porém, deixa de fazê-lo por
padecer de um vício de natureza substancial ou formal”. O justo título faz com que o possuidor seja apto, em
tese, para obter a propriedade, mas possui um vício formal (documental) ou material, que impede que se torne
dono da coisa.
Exemplo: Damasiano possui em 2016 um terreno adquirido de Nelson, que o vendeu por meio de uma escritura
pública de compra e venda. Em 2028 aparece Daniel informando que é o verdadeiro dono e que Nelson falsificou
o documento. Daniel ajuíza ação reivindicatória. Em defesa, Damasiano alega a usucapião e a existência do justo
título que lhe dava a certeza de ser dono.
Contudo, o tempo superior a 10 anos, sana o vício inicial e transforma o título viciado em justo, para gerar a
propriedade. A ação reivindicatória de Daniel será julgada improcedente, pois Damasiano possui elementos para
provar sua usucapião ordinária – Enunciado 86, CJF:
No artigo 1.242, parágrafo único, CC, é prevista usucapião com função social cujo prazo será de 5 anos,
observando, além dos requisitos já citados, mais três requisitos cumulativos:
a) justo título oneroso: por exemplo, promessa de compra e venda, ou dação em pagamento;
b) função social da posse: por exemplo, morar no imóvel ou nele realizar investimentos econômicos e
produtivos;
c) o justo título deve ter sido registrado
Exemplo: escritura pública de compra e venda registrada – tornou-se dono e posteriormente o dono aparece e
consegue cancelar o registro da escritura de compra e venda => já existirá usucapião ordinária, motivo pelo qual
deverá ser ajuizada ação de usucapião.
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Cuidado, pois há outra usucapião semelhante a ordinária, que é a tabular, prevista na Lei de Registros Públicos.
Trata-se de uma usucapião alegada em defesa e antes do registro ser cancelado.
Por exemplo, Damasiano possui 5 anos de posse com imóvel registrado em seu nome, e em determinado
momento alguém aparece e busca cancelar o registro.
Por mais que existe uma falha, o cartório não cancelará o registro, e interpelará o proprietário, o qual alegará a
impossibilidade do registro ser cancelado, porque há usucapião tabular (que não é modo de aquisição da
propriedade, mas “apenas uma forma de convalidação dos vícios”
Art. 214, Lei de Registros Públicos: o §5º do artigo afirma que a nulidade não será decretada se atingir 3º de boa-
fé que já tiver preenchido os requisitos para a usucapião.
Enunciado 569, CJF: quando alegada usucapião como matéria de defesa, ela prescinde do ajuizamento da ação de
usucapião, porque é forma de convalidação de vícios (convalescença registral).
Também chamado de pró-família. É a forma de usucapião judicial mais recente que foi introduzida no Código
Civil.
É previsto no art. 1.240-A, CC, que aquele que exercer por 2 anos a posse direta com exclusividade sobre imóvel
urbano de até 250 metros, e tiver sido abandonado por seu cônjuge/companheiro, o utilizando para moradia,
adquirirá o domínio integral do imóvel.
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“Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos
ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade,
sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros
quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-
companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou
de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja
proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo
possuidor mais de uma vez.
§ 2º (VETADO). (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)”
c) dois anos de residência exclusiva do cônjuge ou companheiro que permaneceu no imóvel: o prazo de 2
anos é contado da data da separação de fato e da data da vigência da lei. Por exemplo, um fato deste ocorrido em
2010 - o prazo de 2 anos começará a correr da vigência da lei que é a partir de 2011 – Enunciado 498, CJF:
Estas ações não serão ajuizadas em vara de família, mas sim em vara cível ou de registro, caso tenha no local.
Trata-se de um patrimônio afetado, reservado e que está fora do patrimônio comum que será partilhado em
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eventual vara de família. Por exemplo: pagamento de prestações de imóveis do programa Minha Casa Minha Vida
exclusivamente pela mulher, pois o outro cônjuge foi embora de casa.
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MATERIAL DE APOIO
Disciplina: Civil
Professor: Nelson Rosenvald
Aulas: 65 e 66 | Data: 28/06/2016
ANOTAÇÃO DE AULA
SUMÁRIO
USUCAPIÃO
1. Usucapião urbana
2. Usucapião coletiva
3. Usucapião rural
4. Sentença de usucapião
5. Usucapião extrajudicial
Aula 07/07
USUCAPIÃO
1. Usucapião urbana
“Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até
duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos
ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou
de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja
proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao
homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado
civil.
§ 2º O direito previsto no parágrafo antecedente não será
reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez”.
“Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos
e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e
sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família,
adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro
imóvel urbano ou rural.
§ 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao
homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado
civil.
§ 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de
uma vez.
§ 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião”.
A usucapião urbana exige a posse mansa e pacífica por 5 anos, observando ainda:
A usucapião urbana tem sua previsão na Constituição e materializa direitos fundamentais sociais, como a
moradia, o qual possui aplicação entre particulares, inclusive.
Devido ao fato de possuir pessoalmente e para fins de moradia, a pessoa é premiada por meio da redução do
prazo necessário de posse para usucapir.
Accessio possessionis: é acessão de posses; trata da união de posses que ocorre inter vivos.
Por exemplo: Damasiano ficou no imóvel de 2016 até 2018 e cedeu a posse para Nelson, que ficou no imóvel de
2018 a 2021. Neste contexto, é possível a união de posses? Não, pois a base da usucapião especial é a
pessoalidade, a qual, não existiu pelo prazo de 5 anos, pois o prazo de cada um, no exemplo, foi inferior a 5 anos.
A limitação é para este usucapião especial urbano.
Sucessio possessionis: é a sucessão de posses; trata da união de posses que ocorre após a morte.
Por exemplo: Pato Donald ficou no imóvel de 2016 até 2018, vindo a falecer; seus herdeiros – sobrinhos - já
residiam no imóvel e nele permanecem até 2021. Neste exemplo é possível a usucapião especial sucessio
possessionis, pois é uma usucapião da entidade familiar como um todo.
Enunciado 317, CJF: a accessio possessionis não se aplica na usucapião rural e nem na urbana, devido à norma
constitucional.
O máximo da metragem do imóvel que se pode adquirir por meio da usucapião urbana é de 250m².
Exemplo: Em 2016 Damasiano possui imóvel de 800m². Em 2021, alcança o prazo de 5 anos. Como o imóvel é
maior, o pedido pode ser restringido à 250m²?
Não, pois se trata de um comportamento deslealmente contraditório, um efeito surpresa em relação ao
proprietário do imóvel, que possui área de 800m². Damasiano deve aguardar o prazo para usucapir o imóvel todo,
ou, caso tivesse intenção de utilizar a usucapião constitucional, deveria ter cercado a área de 250m², a fim de
restringir a sua posse e utilizar apenas aquele espaço - Enunciado 313, CJF:
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E no caso do terreno possuir área de 250m² e tiver sido construído um imóvel de 800m². É possível usucapir?
O limite constitucional do usucapião constitucional urbano, é de 250m² de área, não importando o que for
construído. Onde a Constituição não restringiu, não caberá ao intérprete restringir.
Enunciado 85, CJF: é possível usucapião urbana de apartamento, que deve possuir área útil de 250m², não
importando a fração ideal.
I Jornada de Direito Civil - Enunciado 85
Para efeitos do art. 1.240, caput, do novo Código Civil, entende-se
por "área urbana" o imóvel edificado ou não, inclusive unidades
autônomas vinculadas a condomínios edilícios.
Enunciado 314, CJF: também não importa se possui vaga de garagem ou um box.
Prevalece ainda no CPC/2015, no art. 246, 3º, que na ação de usucapião urbano de unidade autônoma de prédio
em condomínio, a citação dos confinantes é dispensada, pois a citação será realizada ao condomínio todo na
pessoa do síndico.
2. Usucapião coletiva
É uma construção da Lei 10.257/2001 – Estatuto da Cidade – a qual instituiu a usucapião coletiva urbana.
A usucapião urbana coletiva “destina-se a inserir a população carente, ocupante de assentamentos informais, na
cidade legal. Regulariza áreas de ocupação coletiva já consolidada, pela via de transformações urbanísticas
estruturais”.
Por exemplo: favela existente com 100.000m², onde residem 1000 famílias; a média de área ocupada por cada
família é de 100m². Uma família lá reside por 5 anos. Ela terá êxito no usucapião constitucional urbano? Não, pois
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ao tentar demonstrar que o imóvel é individualizado (por meio da planta a ser juntada no processo), não será
possível, uma vez que tais áreas não estão regularizadas, sendo um loteamento, de modo que a realidade está
dissociada do fato jurídico.
Assim, a forma de permitir o acesso a propriedade destas pessoas, foi por meio da usucapião coletiva, prevista no
art. 10, Lei 10.257/2001:
“Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinquenta metros
quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua
moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde
não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor,
são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os
possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou
rural.
§ 1º O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este
artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que
ambas sejam contínuas.
§ 2º A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada
pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá de título para registro no
cartório de registro de imóveis.
§ 3º Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada
possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um
ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos,
estabelecendo frações ideais diferenciadas.
§ 4º O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo
passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no
mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de
urbanização posterior à constituição do condomínio.
§ 5º As deliberações relativas à administração do condomínio
especial serão tomadas por maioria de votos dos condôminos
presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes”.
Toda a coletividade de baixa renda que estiver no local é que ajuizará a ação de usucapião coletiva (legitimidade
ativa), por meio da associação de moradores, como legitimado extraordinário.
Esta ação visa tutelar interesses individuais homogêneos desta coletividade de baixa renda.
Quando o juiz conceder a sentença julgando procedente a ação, cada morador ficará com a área que habitava?
Não, a sentença constituirá um condomínio necessário entre eles, onde cada uma daquelas família terá uma
fração ideal. O Estado poderá nele ingressar, abrindo ruas, instalando postes, ou seja, reurbanizando o espaço, e
gerando a necessidade das pessoas se readequarem nos espaços.
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Considera-se possuidor, para todos os efeitos legais, também a
coletividade desprovida de personalidade jurídica.
Art. 10, §1º, Lei 10.257/2001: a previsão nele contida valida a accessio possessionis.
3. Usucapião rural
A usucapião constitucional rural está prevista no art. 1.239, CC e corresponde ao art. 191, CF:
O parâmetro da usucapião rural é a exigência de posse por 5 anos, com animus dominis, mansa e pacífica.
A usucapião rural, além de demandar a pessoalidade e utilização para moradia (exigidos na usucapião urbana
também), exige produtividade, motivo pelo qual é conhecida como usucapião pro labore, uma vez que necessita
da destinação econômica daquele imóvel rural. A produção pode ser uma atividade de subsistência, desde que
fique comprovado que a família utiliza o imóvel para o seu sustento.
A exigência da lei em relação a usucapião rural, é em relação à destinação do imóvel ser rural ou estar o imóvel
localizado em zona rural?
O que distingue o imóvel rural do urbano é a localização; o imóvel rural é aquele que está na zona rural, que
poderá ser constatado por exclusão, no Plano Diretor.
Outra diferença entre ambos, é que a usucapião urbana foi criada pela CF/1988, enquanto que a usucapião rural
já era prevista desde a Constituição de 1934. Ademais, antes da CF/1988, a Lei 6.969/82, tratava da usucapião
rural e ainda está em vigor (alguns artigos não se aplicam por serem incompatível com a CF/1988), assim, como
ela é o foco das questões processuais relativas ao usucapião rural, somente na hipótese dela silenciar ou se sua
previsão não se aplicar por ser incompatível com a CF/1988, é que serão aplicadas as regras do CPC/15.
Art. 1.240, §2º, CF: afirma que o direito a usucapião urbana não será reconhecido ao possuidor mais de uma vez.
Caso a pessoa venda o imóvel usucapido, não será possível usucapir novamente por meio da usucapião urbana
(possível com a utilização de outras modalidades). A CF visou proibir comportamentos de má-fé e a especulação
imobiliária.
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Não, pois como se trata de uma norma restritiva, devemos interpretá-la de forma restritiva, logo, é possível uma
segunda usucapião rural (ou ter uma rural, por exemplo, vender, e obter uma urbana posteriormente).
O Estatuto da Terra fixou os módulos rurais, que são áreas mínimas de ocupação previstas para cada região do
Brasil, buscando evitar minifúndios improdutivos. Estes mínimos se estendem a usucapião? É possível usucapir se
o terreno estiver abaixo dos módulos rurais previstos?
O Professor aduz que sim, pois a CF assim o fixou, não restringindo (logo, o intérprete não pode fazê-lo), além do
fato do Estatuto da Terra fixar regramentos para aquisição derivada de propriedade, enquanto que a usucapião é
forma de aquisição originária – Enunciado 594, CJF:
Por fim, observa-se que está em curso no STJ, discussão no tocante aos limites mínimos para parcelamento
urbano - Informativo 783, STF.
4. Sentença de usucapião
A sentença não é um requisito formal de usucapião, mas apenas um título que será levado ao Registro de
Imóveis. A natureza desta sentença é meramente declaratória, ou seja, irá declarar que a parte cumpriu os
requisitos formais da usucapião almejada.
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A parte será titular retroativamente desde o primeiro dia da posse (corrente de Orlando Gomes e majoritária). Há
segurança jurídica neste entendimento, com base nos seguintes argumentos:
a) todos os atos praticados pelo usucapiente desde o início estão validados;
b) evita a restituição dos frutos ao proprietário que abandonou o bem;
c) pela teoria da aparência, ou seja, perante a coletividade quem deu a aparência de dono foi o
usucapiente.
Em regra, a pessoa ao buscar a usucapião, o faz por meio de uma ação de usucapião.
Por exemplo: Damasiano começou a possuir em 2016 e completa o prazo de 10 anos em 2026 e não ajuiza a ação
de usucapião. Em 2030, o proprietário aparece e ajuíza uma pretensão reivindicatória contra Damasiano.
Apenas o titular do bem pode reivindicá-lo, pois possui direito a sua posse em razão de poder usar e fruir.
Damasiano alega em defesa a usucapião.
Alegada a usucapião em defesa, realiza-se uma exceção de domínio, ou seja, afirma-se em defesa que possui os
requisitos formais para determinada espécie de usucapião. Alegada e provada a exceção de domínio, a
reivindicatória será julgada improcedente, uma vez que o proprietário somente poderá reivindicar se ainda possui
o domínio; perdido o domínio, permanece apenas a titularidade – Súmula 237, STF:
No exemplo acima, é possível registrar no Registro de Imóveis a sentença que julgou a ação reivindicatória
improcedente?
Prevalece que não, com amparo no artigo 1.241, CC, sendo necessário o ajuizamento de uma ação de usucapião,
cuja sentença será um título hábil para registro.
O Professor, no entanto, aduz que existem situações legislativas em que não há necessidade do usucapiente ter
que ajuizar uma segunda ação de usucapião a fim de obter uma sentença para levar a registro:
a) alegado usucapião urbana ou rural em defesa, ao julgar improcedente a pretensão reivindicatória, a
sentença já será um título a ser levado ao Registro de Imóveis, sem a necessidade de uma segunda
demanda – art. 13, Lei 10.257/2001:
b) há norma equivalente na Lei 6.969/1981, em seu art. 7º, com relação a usucapião rural;
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Atenção: questiona-se como a sentença fará coisa julgada entre as pessoas que não foram parte da ação
reivindicatória (por exemplo, confinantes, Fazenda Pública, Ministério Público, etc.), desta forma, nas ações em
que alegada como defesa a usucapião rural ou urbana, deverá ser determinado pelo juiz a citação destas pessoas.
Contudo, deve ser observado devido a operabilidade intrínseca ao Código Civil, que busca atender as demandas
reais da sociedade, assim como a necessidade de uma tutela justa, adequada e afetiva (art. 5º, XXXV, CF - XXXV - a
lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;), o Professor aduz que a
interpretação do art. 1.241, CC, deve ser no sentido de que poderá ser requerida a usucapião pela via da ação ou
por pedido contraposto. Assim, a usucapião alegada em defesa será recebida como pedido contraposto, uma vez
que a parte se defendeu e levou aos autos uma pretensão contra o proprietário. Nesse sentido, a sentença seria
formalmente una, mas materialmente dúplice, uma vez que, por exemplo, julgará improcedente a reivindicatória
e procedente o pedido contraposto daquele que alegou a usucapião.
O Enunciado 315, CJF, aduziu justamente sobre esta possibilidade, ou seja, de permitir-se o pedido contraposto,
que caso julgado procedente, reconhecendo a usucapião, poderá ter sua sentença registrada.
O CPC/2015, no mesmo sentido passou a admitir a reconvenção em caso de alegação da usucapião como defesa,
permitindo sua utilização em face do autor e de terceiro – art. 343, §3º - ou seja, confinantes, Poder Público,
terceiros incertos, etc:”
“(...) § 3º A reconvenção pode ser proposta contra o autor e terceiro”
Portanto, ao reconvir alegando usucapião como defesa, é possível a obtenção de coisa julgada material sem a
necessidade de uma ação autônoma.
5. Usucapião extrajudicial
O CPC/15 passou a prever uma alternativa de desjudicialização da usucapião, ou seja, sem a necessidade de
intervenção do Judiciário, a fim de facilitar o acesso a propriedade.
Art. 1.071, CPC: admite-se o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado
diretamente no Registro de Imóveis.
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em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do
interessado, representado por advogado, instruído com:
I - ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do
requerente e seus antecessores, conforme o caso e suas
circunstâncias;
II - planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente
habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no
respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de
direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na
matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis
confinantes;
III - certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do
imóvel e do domicílio do requerente;
IV - justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a
origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o
pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel.
§ 1º O pedido será autuado pelo registrador, prorrogando-se o prazo
da prenotação até o acolhimento ou a rejeição do pedido.
§ 2º Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos
titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou
averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos
imóveis confinantes, esse será notificado pelo registrador
competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de
recebimento, para manifestar seu consentimento expresso em 15
(quinze) dias, interpretado o seu silêncio como discordância.
§ 3º O oficial de registro de imóveis dará ciência à União, ao Estado,
ao Distrito Federal e ao Município, pessoalmente, por intermédio do
oficial de registro de títulos e documentos, ou pelo correio com aviso
de recebimento, para que se manifestem, em 15 (quinze) dias, sobre
o pedido.
§ 4º O oficial de registro de imóveis promoverá a publicação de edital
em jornal de grande circulação, onde houver, para a ciência de
terceiros eventualmente interessados, que poderão se manifestar em
15 (quinze) dias.
§ 5o Para a elucidação de qualquer ponto de dúvida, poderão ser
solicitadas ou realizadas diligências pelo oficial de registro de
imóveis.
§ 6º Transcorrido o prazo de que trata o § 4o deste artigo, sem
pendência de diligências na forma do § 5o deste artigo e achando-se
em ordem a documentação, com inclusão da concordância expressa
dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou
averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos
imóveis confinantes, o oficial de registro de imóveis registrará a
aquisição do imóvel com as descrições apresentadas, sendo
permitida a abertura de matrícula, se for o caso.
§ 7º Em qualquer caso, é lícito ao interessado suscitar o
procedimento de dúvida, nos termos desta Lei.
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§ 8º Ao final das diligências, se a documentação não estiver em
ordem, o oficial de registro de imóveis rejeitará o pedido.
§ 9º A rejeição do pedido extrajudicial não impede o ajuizamento de
ação de usucapião.
§ 10. Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento
extrajudicial de usucapião, apresentada por qualquer um dos
titulares de direito reais e de outros direitos registrados ou
averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos
imóveis confinantes, por algum dos entes públicos ou por algum
terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis remeterá os
autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel,
cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao
procedimento comum.”
No Registro de Imóveis deverá ser entregue a planta do imóvel, sendo realizada uma ata notarial, juntando os
demais documentos.
A usucapião extrajudicial somente será possível caso haja o assentimento explícito do proprietário do imóvel e
dos confinantes identificados no registro. Caso um não responda no prazo dado pelo cartório na notificação, não
será possível a realização da usucapião extrajudicial, e o processo administrativo será indeferido.
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