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Poder Judiciário da União Fls.

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS

Órgão : 6ª TURMA CÍVEL


Classe : APELAÇÃO CÍVEL
N. Processo : 20160111193833APC
(0034424-40.2016.8.07.0001)
Apelante(s) : HOME HOSPITAL ORTOPEDICO E
MEDICINA ESPECIALIZADA LTDA. E
OUTROS
Apelado(s) : OS MESMOS
Relator : Desembargador ESDRAS NEVES
Acórdão N. : 1131262

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. RELAÇÃO


DE CONSUMO. SERVIÇO MÉDICO. HOSPITAL. OBRIGAÇÃO
DE MEIO. TRATAMENTO ADEQUADO NA LITERATURA.
FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DIAGNÓSTICO
ERRADO. AUSÊNCIA DE EXAME INDICADO PELA
LITERATURA. CONSEQUÊNCIA. PERDA DE TESTÍCULO.
NEXO DE CAUSALIDADE. PRESENÇA. DANO MORAL.
CONFIGURADO. VALOR ARBITRADO. RAZOABILIDADE.
DANO ESTÉTICO. CARACTERIZAÇÃO. O fornecedor de
serviços médicos, em regra, assume uma obrigação de meio,
ou seja, não garante a cura, mas assume o dever de prestar o
tratamento adequado, segundo a literatura médica. No caso
dos autos, houve falha na prestação do serviço, pois a ré
deixou de realizar exame à disposição e indicado pela literatura
médica, com o qual seria possível diagnosticar corretamente a
doença que acometeu o autor e, assim, realizar cirurgia para
evitar o agravamento do seu quadro clínico. Nexo de
causalidade demonstrado, porquanto a conduta negligente da
ré foi determinante para o retardamento do procedimento
médico adequado para a recuperação da saúde do autor,
culminando na perda do seu testículo. O valor fixado na origem
mostra-se razoável e adequado, mormente porque os efeitos
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deletérios da conduta da ré se propagarão para toda a vida do


requerente. Para a configuração do dano estético é
imprescindível alteração morfológica no corpo da vítima,
causando deformação visível e desagradável. A perda de um
dos testículos, sobretudo por um adolescente, aos dezessete
anos de idade, no início da sua vida sexual, caracteriza dano
estético. A possibilidade de correção da deformidade por
cirurgia de prótese testicular deve ser considerada no
arbitramento do valor da condenação. Conforme enunciado nº
326, da súmula do Superior Tribunal de Justiça, na ação de
indenização por dano moral, a condenação em montante
inferior ao pleiteado na inicial não implica sucumbência
recíproca, entendimento que deve ser aplicado à condenação
por danos estéticos.

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ACÓRDÃO

Acordam os Senhores Desembargadores da 6ª TURMA CÍVEL do


Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, ESDRAS NEVES - Relator,
ALFEU MACHADO - 1º Vogal, CARLOS RODRIGUES - 2º Vogal, sob a
presidência do Senhor Desembargador ALFEU MACHADO, em proferir a seguinte
decisão: CONHECIDOS. DESPROVIDO O APELO DA RÉ. PARCIALMENTE
PROVIDO O RECURSO DO AUTOR. UNÂNIME. , de acordo com a ata do
julgamento e notas taquigráficas.
Brasilia(DF), 17 de Outubro de 2018.

Documento Assinado Eletronicamente


ESDRAS NEVES
Relator

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RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos por HOME


HOSPITAL ORTOPEDICO E MEDICINA ESPECIALIZADA LTDA (ré) e,
adesivamente, por LUIS GABRIEL SOARES (autor) contra sentença proferida pelo
Juízo da Sétima Vara Cível de Brasília, que, nos autos da ação de indenização por
danos morais e estéticos, julgou parcialmente procedentes os pedidos da inicial,
para condenar a ré ao pagamento de R$35.000,00, a título de indenização por
danos morais, a ser corrigido pelo INPC e com juros de mora de 1% a.m., ambos
fluentes desde o arbitramento. Julgou improcedente o pedido de indenização por
danos estéticos, requerida no valor de R$35.000,00. Diante da sucumbência
recíproca, as partes foram condenadas, em igual proporção, ao pagamento das
custas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em 15% do valor total da
condenação (fls. 221/223).
Nas razões recursais (fls. 225/236), a ré sustenta, em síntese, ter
prestado ao paciente apenas atendimento inicial, sendo que, ao ser liberado, ele foi
orientado a buscar profissionais especializados, momento em que foram indicados
os Drs. Welington e Roberto Cavalcanti, que atendem naquele nosocômio. No
entanto, alega que o autor não procurou os profissionais indicados, o que motivou o
agravamento do seu quadro de saúde e a perda do testículo esquerdo. Afirma que o
diagnóstico realizado pelo médico que atendeu o apelado, diante dos sintomas
apresentados na referida ocasião, também está de acordo com a literatura médica,
sendo, ainda, correta a prescrição medicamentosa e a indicação de que procurasse
por atendimento especializado, a fim de averiguar, com exatidão, o ocorrido. Diz que
a prova pericial não foi capaz de precisar o momento em que tiveram início os
sintomas apresentados pelo autor, mas foi assertivo quanto à necessidade de
atendimento a ser realizado nas primeiras 4 (quatro) horas, para garantir a
viabilidade testicular, demora imputada ao próprio requerente.
Assevera que a orquiectomia não trouxe maiores prejuízos ao
requerente, pois sua fertilidade, atividade sexual ou produção hormonal foram
preservadas, sendo que, na maioria dos casos semelhantes à hipótese vivenciada
nos autos, a presença do outro testículo supre a falta do testículo extraído.
Argumenta que, sob pena de ofensa ao artigo 373, I, do Código de Processo Civil,
não se pode responsabilizar o apelante com base em análise de probabilidade e de
suposição do perito e do apelado, que em nenhum momento atestaram com certeza
que, caso o exame doppler fosse realizado ou mesmo a cirurgia, no primeiro

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atendimento, ocorreria a salvaguarda do testículo. Alega não ter sido comprovado


que o paciente tenha sofrido danos em sua personalidade, pois apenas sofreu
consequências da enfermidade que lhe acometeu e da demora em procurar
atendimento. Expõe que o valor arbitrado é excessivo e que, em caso de
manutenção da condenação, deve ser reduzido, em observância ao princípio da
proporcionalidade e da razoabilidade.
Requer o conhecimento e provimento do recurso, para julgar
improcedente o pedido inicial ou subsidiariamente a redução do quantum
indenizatório.
Preparo recolhido (fls. 237/238).
Contrarrazões apresentadas pelo autor, às fls. 252/259, pelo
desprovimento do recurso.
O autor, por sua vez, nas razões do seu apelo adesivo (fls.
243/249), lembra a possibilidade de cumulação entre danos morais e estéticos, nos
termos da súmula 387, do Superior Tribunal de Justiça. Argumenta que, por erro
médico, perdeu um testículo, o que, por lógica, ocasionou uma alteração corporal.
Acrescenta que a retirada do testículo irá, ao contrário do que entendeu o
magistrado de origem, expor o autor a situação vexatória, como nos momentos de
intimidade, ainda mais porque o recorrente se encontra no início de sua vida sexual,
atualmente com 20 anos de idade. Alega que, ainda que não seja possível cravar
a incapacidade em relação ao órgão reprodutor como um todo, é igualmente
proibitivo dizer que a vida do homem que possui apenas um testículo é igual à de
quem mantém intactos os dois. Esclarece que a possibilidade de ser amenizado o
dano estético por meio de futura cirurgia para colocação de uma prótese siliconada,
conforme indicado pelo próprio perito, não altera sua configuração, sobretudo porque
até que isso ocorra, o recorrente estará exposto a todas as situações citadas.
Pleiteia o conhecimento e acolhimento da apelação, para reformar
parcialmente a sentença recorrida e condenar a ré ao pagamento de indenização por
danos estéticos.
Preparo às fls. 250/251.
A ré apresentou contrarrazões às fls. 265/270, pelo não provimento
do recurso e pela majoração dos honorários advocatícios.
É o relatório.

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VOTOS

O Senhor Desembargador ESDRAS NEVES - Relator


Conheço dos recursos apresentados, porquanto estão presentes os
pressupostos processuais.
No mérito, sem razão a ré e com parcial razão o autor.
Na inicial, autor relata ter procurado atendimento emergencial da ré
no dia 30/05/2016, em virtude de fortes dores nos testículos, mas, na ocasião,
apenas lhe foram ministrados remédios para lidar com as dores, sem exames
laboratoriais ou por imagem, o que não permitiu o correto diagnóstico. Diz que, no
dia 01/06/2016, dirigiu-se ao Hospital Urológico de Brasília, constatando-se que
ocorreu a torção escrotal e ausência de vascularização no testículo esquerdo, o que
ocasionou sua remoção cirúrgica. Afirma que a conduta da ré configura erro médico.
De início, a relação estabelecida entre as partes é de índole
consumerista, na medida em que as partes se subsumem, respectivamente, às
figuras de consumidor e fornecedor, segundo artigos 2° e 3°, da Lei nº 8.078/90.
A responsabilidade civil (temática da lide) decorre do
inadimplemento contratual ou de um ato ilícito danoso, que exige a presença de
certos requisitos para sua efetivação, quais sejam: conduta, nexo causal e o dano
propriamente dito.
No caso, a ré obrigou-se a prestar serviço médico, cuja obrigação é
de meio, ou seja, ela não se responsabilizou por curar o autor ou evitar a perda do
seu testículo, mas, sim, por proporcionar o melhor tratamento possível. Isto não
ocorreu, pois deixou de realizar exame à disposição e indicado pela literatura
médica, com o qual seria possível diagnosticar corretamente a doença que acometia
o autor e, assim, realizar cirurgia para evitar o agravamento do seu quadro clínico.
Esta conclusão é obtida a partir da simples leitura da perícia
realizada nos autos, em especial dos apontamentos de fls. 184/185, 187 e 189:

1- Se da documentação acostada aos autos pode ser afirmado


que no momento do primeiro atendimento, de acordo com o
quadro clínico apresentado, justificar-se-ia solicitação de
exames mais aprofundados para análise e realização de
diagnóstico adequado;

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(...) o quadro de escroto agudo, síndrome clínica apresentada


pelo requerente, deve ter um diagnóstico preciso e rápido, pois
uma cirurgia de urgência pode ser necessária para salvar o
testículo. Segundo esta mesma publicação, um quadro de
escroto agudo, até que se prove o contrário, deve ser
considerado como torção do testículo.
O exame que fecha o diagnóstico de torção do testículo é a
ultrassonografia do escroto com doppler em cores. Caso não
seja disponível o exame e não se tenha certeza diagnostica a
exploração cirúrgica é indicada.
(...) Sendo assim, no momento do primeiro atendimento do
requerente, seria justificado a solicitação de uma
ultrassonografia do escroto com doppler em cores para
esclarecimento diagnóstico.

2- Se a lesão sofrida pelo autor poderia ser evitada ou revertido


o quadro mediante diagnóstico correto no momento do primeiro
atendimento no Hospital réu.
Segundo literatura médica, a lesão sofrida pelo autor de torção
do testículo caracteriza-se inicialmente por um
comprometimento venoso, levando a obstrução do retorno
sangüíneo, em seguida ocorre comprometimento do fluxo
arterial, levando a isquemia (falta de sangue) testicular.
Importante salientar que a lesão inicia-se em aproximadamente
4 horas do início da torção, sendo que a viabilidade testicular
está intimamente relacionada ao tempo de agressão ao órgão
alvo, sendo que após 24 horas de torção, menos de 10% dos
pacientes apresentarão viabilidade testicular, contrapondo-se,
se a lesão estiver presente por menos de 4 horas o índice de
viabilidade aproxima-se de 95%.

d) se diante dos sintomas apresentados pelo autor era possível


entender como caso de escroto agudo?
Na ocasião do primeiro atendimento, o autor apresentava um
quadro de "dor testicular". Segundo literatura médica a dor
testicular é o principal sintoma de escroto agudo, por isso era
possível entender os sintomas do autor como uma caso de

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escroto agudo.

j) se foi prudente conceder alta hospitalar ao autor após a


simples aplicação de remédio.
Segundo a literatura médica seria ideal que, neste caso, fosse
afastada ou confirmada a hipótese de torção de testículo antes
de se tomar qualquer conduta definitiva ou conceder alta
hospitalar (...)

(...) o periciando relatou que o tempo entre o início das dores e


a chegada ao hospital foi de aproximadamente 3 horas.

A ré argumenta que foi indicada ao autor a procura de profissional


especializado; no entanto, a alegação não tem verossimilhança e não é suficiente
para afastar a sua responsabilidade.
Não foi apresentada nenhuma prova acerca desta orientação.
Lembre-se que, sendo fato impeditivo ou extintivo do direito do autor, caberia à parte
ré produzir prova a respeito. Ademais, intimada para especificar as provas, a ré
limitou-se a requerer a realização de perícia (fl. 131).
Inobstante, o relatório do atendimento médico prestado ao
requerente pela ré (fls. 106/111) não demonstra nenhuma recomendação para
procura de outro profissional. Mesmo porque impensável que, na situação tratada
nos autos, na qual resta evidente que o tratamento correto em até 4 horas do início
dos sintomas praticamente elimina a chance de perda do testículo, possa-se
imaginar que o profissional médico, dentro de um hospital equipado com tudo
necessário para o tratamento da doença, oriente o autor a sair do nosocômio e
procurar outro profissional.
Além disso, se o autor tivesse sido informado sobre a possibilidade
de perda do testículo, certamente e evidentemente teria procurado outro profissional.
É inimaginável que alguém, ao procurar atendimento médico e ser informado sobre a
possibilidade de perder um testículo, permaneça inerte. Frise-se que a postura do
autor foi a de procurar imediatamente atendimento médico na emergência da ré,
que, contudo, limitou-se a um diagnóstico errado, sem realizar os exames
necessários, e prescrever medicamentos para a dor, que apenas mascararam a

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gravidade do quadro clínico.


Por este motivo, também, deve ser rejeitada a tese de culpa
exclusiva do autor, pois não se verifica nenhuma conduta dele que tenha
influenciado no trágico desfecho.
Assim, presente o primeiro elemento da responsabilidade civil.
Presente, ainda, o nexo de causalidade, porquanto a conduta
negligente da ré foi determinante para o retardamento do procedimento médico
adequado para o quadro clínico do autor, culminando na perda do seu testículo.
Como informado pelo perito, o rápido atendimento era essencial para a preservação
da integridade física do requerente.
Ainda que não estivesse presente o nexo de causalidade
naturalístico, não poderia ser afastada a responsabilidade civil da ré, pois sua
omissão causou a perda de uma chance de cura do autor.
Em julgado, o Ministro Relator Ricardo Villas Bôas Cueva, no
Recurso Especial nº 1.335.622 - DF, discorreu sobre a responsabilidade civil
daquele que, tendo o dever de agir, de praticar um ato para impedir um resultado,
omite-se, assumindo o risco de sua ocorrência, o que a Corte Superior vem
denominando de perda de uma chance de cura ou sobrevivência. Transcrevo trecho
do seu voto:

(...)Com razão, a doutrina, ainda tímida no âmbito cível, tem-se


firmado no sentido de que a omissão adquire relevância jurídica
e torna o omitente responsável pelo dano, quando este tem o
dever jurídico de agir, de praticar um ato para impedir o
resultado, e se omite assumindo o risco pela ocorrência do
resultado. O dever geral de prevenção do perigo encontra a
sua base de sustentação em razões não só normativas como
também ética, inserto no princípio geral do já citado neminem
laedere. É de se enfatizar no plano dogmático este princípio
geral, o qual, embora não expressamente plasmado em
preceito legal, decorre de várias normas do nosso
ordenamento, no sentido de que, tendo o dever jurídico de agir,
quem está diante de uma situação de risco ou perigo, deve
tomar as providências necessárias para prevenir os danos daí

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relacionados. (...)Dessume-se, portanto, que é indiscutível que,


no caso em apreço, o hospital pode não ter causado
diretamente o resultado morte mas tinha a obrigação legal e
não o impediu, privando a paciente de uma chance de receber
um tratamento digno que, talvez pudesse lhe garantir uma
sobrevida. Em suma, a omissão está em relação de
causalidade não com o evento morte, mas com a interrupção
do tratamento, ao qual tinha a obrigação jurídica de realizar,
ainda que nunca se venha a saber se geraria resultado positivo
ou negativo para a vítima.

O dano moral, por sua vez, é evidente. In casu, a integridade física


do autor foi frontalmente atingida, de modo a lhe causar dor e sofrimento, além do
transtorno sofrido pela perda de um dos seus testículos. Destarte, comprovada a
lesão a direitos da personalidade, deve o Judiciário arbitrar compensação no escopo
de reparar os danos sofridos.
Assim, deve ser rejeitada a alegação da ré acerca da inexistência de
dano moral.
Quanto ao valor arbitrado a título de dano moral (R$35.000,00),
verifica-se a sua razoabilidade e proporcionalidade à ofensa causada ao autor.
Destaque-se a margem de subjetivismo para quantificar a tradução
do dano em pecúnia. Se, por um lado, o valor em espécie deve proporcionar ao
ofendido uma satisfação capaz de amenizar o sofrimento, a atribulação sentida; em
contrapartida, a indenização deve, também, servir como castigo ao ofensor causador
do dano, incutindo-lhe um impacto tal, suficiente para dissuadi-lo de um novo
atentado, evidenciando-se, desse modo, o caráter satisfativo-punitivo da reparação a
tal título.
Caio Mário da Silva Pereira leciona que:

A vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem cunho


patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem jurídico que em
certos casos pode ser mesmo mais valioso, deve receber uma

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soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada


pelo juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo
em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do
ofendido. Nem tão grande que se converta em fonte de
enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva
(Caio Mário in Responsabilidade Civil, 9.ª ed., Rio de Janeiro,
Forense, pág. 60).

Nesse sentido, o valor da indenização deve ser fixado em montante


adequado às circunstâncias que envolveram o caso, atendendo aos critérios que
informam os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, evitando o
enriquecimento sem causa do autor, mas servindo à justa recomposição do dano
sofrido.
Assim, importante se faz a ponderação do magistrado, para que não
se permita que a indenização se transforme em fonte de renda indevida para os
lesados ou que, de tão pequena, passe despercebida pelo ofensor.
Por outro lado, cumpre anotar que, nessa difícil tarefa de equacionar
pecuniariamente a dor moral, decorrente das aflições geradas por trágico acidente, o
magistrado deve sopesar, dentre diversos fatores, a situação econômica das partes
envolvidas e as circunstâncias do evento fatídico.
Não se deve olvidar o caráter punitivo e compensatório da sanção, a
natureza intrínseca da indenização, a gravidade da repercussão da ofensa, as
circunstâncias específicas do evento, os incômodos sofridos pelo requerente, bem
como a natureza do direito subjetivo fundamental violado.
Ademais, os efeitos da omissão da ré foram trágicos para o autor,
que, além da dor extrema e de passar por cirurgia para retirada de um de seus
testículos, deve amargurar a perda sofrida pelo resto da sua vida. Ou seja, os efeitos
deletérios da conduta da ré se propagarão para toda a existência do requerente.
Portanto, não prevalece o argumento de desproporcionalidade da
condenação.
No que diz respeito ao dano estético, é pacífico na jurisprudência a
possibilidade de cumulação com o dano moral. Neste sentido, a súmula 387, do
Superior Tribunal de Justiça, cujo enunciado dispõe que é lícita a cumulação das
indenizações de dano estético e moral.

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O dano estético enseja controvérsia doutrinária acerca da sua


natureza, sendo que parte da doutrina defende que ele nada mais é do que uma
subespécie do dano moral. Veja-se que a discussão reside na sua análise ontológica
(questão superada na jurisprudência com a edição da Súmula 387 supracitada), não
na sua caracterização. Para a configuração do dano estético, imprescindível uma
alteração morfológica no corpo da vítima, causando deformação visível e
desagradável. Assim, por estar vinculada à ocorrência de uma modificação na
aparência externa, a pretensão de reparação por dano estético pressupõe a
comprovação da deformidade física permanente.
No caso, o dano estético restou configurado, uma vez que o autor
perdeu parte do seu corpo, o que lhe causa alteração morfológica desagradável. É
importante destacar que o autor perdeu seu testículo quando tinha apenas 17 anos
de idade, ou seja, no início da sua vida sexual, sendo evidente que o dano estético,
caso não atrapalhe a função de órgão reprodutor, poderá acarretar
constrangimentos.
Neste sentido, a manifestação do expert (fl. 192):

O paciente possui dano estético decorrente da retirada do


testículo, pois a ausência do órgão faz com que a aparência do
escroto seja modificada.

Inclusive, esta Turma Julgadora recentemente reconheceu que a


perda de um dos testículos caracteriza dano estético. Confira-se:

DIREITO CIVIL, CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL.


PRETENSÃO DE REPARAÇÃO. ERRO MÉDICO.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO HOSPITAL. NECROSE
DE TESTÍCULO. DIAGNÓSTICO TARDIO. LAUDO PERICIAL.
NEXO CAUSAL ENTRE O FATO E O PREJUÍZO ALEGADO.
DANO MORAL VERIFICADO. DANO ESTÉTICO.

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OCORRÊNCIA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. DEVER DE


CUSTEAR CIRURGIA REPARADORA. (...) 2.Tendo o laudo
pericial constatado que os prepostos do hospital não
procederam com a devida cautela nas diversas vezes em que o
paciente lá esteve com queixa de dor abdominal e havendo
provas de que tais condutas negligentes culminaram na
necessidade de extração do testículo do autor, configurada
está a responsabilidade civil do nasocomio. (...) 6. O dano
estético deve ser reparado autonomamente e
independentemente da aflição de ordem psíquica.
7.Configurada a responsabilidade do hospital-réu pelo dano
estético sofrido pelo autor, deve este ser condenado a arcar
com todos os custos necessários à realização de cirurgia
plástica reparadora. 8.Recursos conhecidos e desprovidos.
(Acórdão n.1009421, 20150110581098APC, Relator: CARLOS
RODRIGUES 6ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento:
22/03/2017, Publicado no DJE: 18/04/2017. Pág.: 357/420)

No entanto, não deve ser arbitrada compensação no valor


pretendido (R$35.000,00), pois a deformidade pode ser corrigida/mitigada por
cirurgia de prótese testicular, conforme apontado pelo perito (fl. 192):

O dano estético decorrente da retirada do testículo pode ser


amenizado com a realização de cirurgia de prótese testicular,
portanto não é irreversível.

Assim, entendo que o valor de R$5.000,00 é adequado para a


compensação dos danos estéticos sofridos pelo autor.

ÔNUS SUCUMBENCIAL

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Considerando que o julgado de primeira instância foi reformado para


condenar a ré a compensar os danos estéticos sofridos pelo autor, deve ser
readequada a distribuição dos encargos sucumbenciais.
Desse modo, passou a ré a ser sucumbente na integralidade.
Ademais, todos os pedidos autorais foram julgados procedentes,
sendo que apenas o quantum indenizatório dos danos estéticos não atingiu o valor
almejado (R$35.000,00). Conforme enunciado nº 326, da súmula do Superior
Tribunal de Justiça, na ação de indenização por dano moral, a condenação em
montante inferior ao pleiteado na inicial não implica sucumbência recíproca, o que
deve ser aplicado à condenação por danos estéticos. Logo, a ré deve arcar
integralmente com as custas judiciais e os honorários advocatícios.

HONORÁRIOS RECURSAIS
Por fim, cumpre observar que, conforme previsto no artigo 85, § 11,
do Código de Processo Civil, deverão ser fixados, nesta fase processual, os
honorários de sucumbência recursais, diversos daqueles estabelecidos em primeiro
grau de jurisdição, que com eles serão acumulados, devido ao trabalho adicional
realizado em segundo grau de jurisdição, observando-se os limites estabelecidos
nos §§ 2º e 3º do mesmo dispositivo legal.

DISPOSITIVO
Ante o exposto, conheço dos recursos apresentados. No mérito,
NEGO PROVIMENTO ao apelo da ré e DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso
do autor, para condenar a ré ao pagamento de R$5.000,0, a título de danos
estéticos, observados os mesmos critérios de juros e correção monetária fixadas
pelo Juízo a quo. Inverto a sucumbência e condeno a ré a arcar com as custas
processuais e os honorários advocatícios arbitrados na origem (15% sobre a
condenação). Nos termos do artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil, majoro os
honorários de 15 para 16% sobre o valor de condenação.
É como voto.

O Senhor Desembargador ALFEU MACHADO - Vogal


Com o relator

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O Senhor Desembargador CARLOS RODRIGUES - Vogal


Com o relator

DECISÃO

CONHECIDOS. DESPROVIDO O APELO DA RÉ. PARCIALMENTE


PROVIDO O RECURSO DO AUTOR. UNÂNIME.

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