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29.

O NOVO OCUPA SEU LUGAR

Onde está minha identidade? Até agora eu a procurei naquilo que considerava meu
projeto, minha maneira de ser eu, naquilo que esperava de mim mesmo, que devia a mim
mesmo. Que só eu podia construir.

Descobri que devo silenciar o antigo, aquilo que chamava de eu; não ouvir mais seus
apelos, nem considerar mais suas decisões como a única maneira de preservar minha
identidade. Não é mais o antigo eu que traça o meu caminho. Devo deixar para trás tudo o
que já construí e abrir-me para o novo, sem medo de me perder. Assumir o novo como algo
que já faz parte de mim. Se eu permitir, ele irá ocupar o lugar do antigo com uma
naturalidade que assusta.

Serei capaz de silenciar o que surgia desse eu e dar lugar para que o novo apareça? Será
esse o único caminho possível e normal para alcançar a minha verdade? É só entrar em
silêncio para que o novo surja com mais facilidade? Será que assim vou encontrar a minha
identidade?

O que devo fazer ao antigo eu é abandoná-lo, deixá-lo para trás, porque seu tempo já
passou. Agora é a vez de um novo eu. Este surge como algo que já esperava a hora de
aparecer. Um processo natural, que só pode ocorrer quando chega o seu momento.

O novo agora ocupa seu lugar, naturalmente. Bastou ficar em silêncio, deixar acalmar
tudo o que borbulhava dentro da mente; não prestar mais atenção àquilo que aparecia com
tanta insistência. É só um silêncio que nada sabe do que vai acontecer, silêncio que prepara
um caminho, e apaga tudo o que ocorre à mente e pode lembrar o velho eu.

Parece que o corpo inteiro quer cooperar com o que deve acontecer. Quer contribuir para
pôr de lado tudo o que um dia já foi importante e agora perdeu seu brilho. É como se todo
o organismo estivesse esperando, ansiosamente, aquilo que deve vir.

Percebo que algo em mim já sabe o caminho e recebe com naturalidade aquilo que já
estava presente dentro de mim e agora começa a despontar.

O antigo eu foi o caminho necessário para deixar crescer algo diferente, também
propriamente meu. Tudo o que houve tinha que acontecer, para preparar o caminho do eu
real.

O antigo era tão real como aquilo que agora surge, mas era provisório. O eu que aparece
agora será o definitivo? Não sei. Será que vai chegar um momento em que o homem poderá
dizer: “Agora sou aquilo que devia ser”? Ou será que ele vai passando de fase em fase,
sempre se modificando, sempre crescendo, nunca chegando ao definitivo? Passando
sempre para outro modo de ser, de compreender, de intuir, de sentir, de amar? Nunca
chegando a seu ponto final? Sempre obrigado a silenciar tudo o que fervilha dentro dele só
para encontrar outros caminhos? Pensando sempre que é agora que irá assumir todo o seu
ser, para novamente perceber que definitivamente é um ser inacabado?

O novo surge como algo que devia surgir; bastava desocupar o caminho. Mas, ao mesmo
tempo, aparece como algo que espanta. Eu o esperava, sabia de sua existência, mas fico
apavorado quando me apercebo dele. É completamente diferente, mas é meu. Nunca vi
coisa semelhante, mas sabia que ia surgir.

Então, quem sou eu? Somente uma aparência individualizada da essência divina tornada
homem? Uma aparência que Deus assume quando se torna humano? Sou aquele que
parece ser o que não é? Um que se parece com Aquele que ele não é? Uma identidade
emprestada?

Encontro minha identidade no meu próprio interior. Sou eu mesmo e posso revelar a mim
quem sou. Devo livrar-me daquilo que os outros dizem que sou e encontrar minha verdade
dentro de mim. Sou obrigado a procurar meu próprio eu dentro de mim; devo isso a mim
mesmo.

Quando penetro no meu interior, encontro silêncio, luz e paz. Encontro algo como se fosse
mistério, meu corpo reage diante de algo maior, antes que minha mente se dê conta de sua
presença. Algo grandioso, de que me devo defender, senão serei absorvido por ele. Algo
que me inspira temor e tremor. E ao mesmo tempo me chama, convida, seduz. Tenho
medo, pavor dele e ao mesmo tempo vou cada vez mais ao encontro dele. Ele pede para
eu me entregar, mas eu tenho medo de ser absorvido por ele. Aniquilado. Temo perder a
minha identidade, aquela ilusão que eu mesmo construí, e ser obrigado a enfrentar a
verdade. Aquela que me ameaça. Sei conviver somente com o eu que eu mesmo construí;
não sei se vou ser capaz de enfrentar minha verdade.

Minha verdade é que no fundo sou aquele mistério, que encontro dentro de mim, aquele
silêncio que eu mesmo tenho medo de quebrar, aquela luz que não sei compreender,
aquela paz que me amedronta.

Tento me aproximar daquele “Aquilo”, mas parece que eu mesmo me impeço de chegar
perto. Tenho medo de ser esse “Aquilo”. De não ser mais aquele eu que eu mesmo escolhi
ser.
Cresci com essa ideia que tenho de mim, ela me fez ser o que sou, agora devo livrar-me
da identidade que eu me atribuía, para me entregar “Àquilo”. Por que tenho medo? Por que
tenho medo de ser o que sou?

Podia dizer que sou a forma humana em que Deus se manifesta. O eu é a maneira pela
qual Deus se torna homem. Fora de Deus não existe nada, tudo existe em Deus. Deus
existe em tudo. Cada forma, cada ser é Deus que aparece como “Aquilo”.

Para ser eu, devo ser o que sou, devo viver como a forma em que Deus existe como
pessoa humana. Devo ser transparente para que a minha essência apareça. Devo retirar o
eu tal como imagino que ele é, deixar de me iludir com uma fantasia. Para ser autêntico
devo ser transparente para Ele. Viver como Deus em forma de um eu.

Para ser isto, não preciso fazer esforço algum. Não é resultado de esforço meu. Não
preciso esforçar-me para ser mais do que sou, para crescer naquilo que sou. A única coisa
que posso fazer é me conscientizar daquilo que sou. Ser conscientemente aquilo que sou.
Deixar cair a máscara e mostrar o que há por detrás dela.

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