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Psicopatologia I – Consciência e suas alterações

Definição neuropsicológica: emprega o termo “consciência” no sentido de estado de vigilância; de certa


forma, igualando consciência ao grau de clareza sensório. Consciência, aqui, é fundamentalmente o
estado de estar desperto, acordado, vígil, lúcido. Trata-se especificamente do nível de consciência.

Definição psicológica: trata-se da soma total das experiências conscientes do indivíduo em determinado
momento; designando campo da consciência. É a dimensão subjetiva da atividade psíquica do sujeito que
se volta à realidade. Na relação do Eu com o meio ambiente, a consciência é a capacidade do indivíduo
entrar em contato com a realidade, perceber e conhecer seus objetos.

Definição ético-filosófica: o termo consciência refere-se à capacidade de tomar ciência dos deveres
éticos e assumir as responsabilidades, os direitos e os deveres concernentes a essa ética. Assim, a
consciência ético-filosófica é atributo do homem desenvolvido e responsável, engajado na dinâmica social
de determinada cultura. Refere-se a consciência moral, ética e política.

Todo o estado de consciência vem acompanhado de um sentimento qualitativo especial das experiências
vivenciadas pelo sujeito. Assim, os estados de consciência são experimentados como um campo de
consciência unificado. Sendo, a unidade, a subjetividade e o caráter qualitativo, as marcas da experiência
nos estados da consciência.

Nesse campo, o RDoC propõe sistemas reguladores relacionados ao nível de consciência, os quais são
responsáveis por gerar toda a ativação dos sistemas neurais nos vários contextos da vida. Eles têm por
função produzir uma regulação adequada dos estados de consciência vígil e dos períodos do sono. Deve-
se salientar que o nível de consciência é o continuum de sensibilidade e alerta do organismo perante os
estímulos, tanto externos quanto internos. As principais características e propriedades do nível de
consciência são:

I- O nível de consciência facilita a interação da pessoa com o ambiente de forma adequada ao


contexto no qual o sujeito está inserido (ex: em situações de ameaça, alguns estímulos podem
ser ignorados, e, ao mesmo tempo, a sensibilidade para outros, pode estar aumentada,
expressando o chamado estado de alerta).
II- O nível de consciência adequado pode ser evocado tanto por estímulos externos ambientais
como por estímulos internos (como pensamentos, emoções, etc.).
III- O nível de consciência pode ser modulado tanto pelas características dos estímulos externos
como pela motivação que o estímulo implica para o indivíduo em questão.
IV- O nível de consciência varia ao longo de um continuum que inclui desde o estado total de
alerta, passando por níveis de redução da consciência até os estados de sono (variação normal)
ou coma (variação patológica).
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Ao voltar-se para a realidade, a consciência demarca um campo, no qual se pode delimitar um foco, ou
parte central mais iluminada da consciência, e uma margem, que seria a periferia menos iluminada,
mais nebulosa, da consciência. Segundo a psicopatologia clássica, é na margem da consciência que
surgem os chamados automatismos mentais e os estados ditos subliminares.

As alterações normais da consciência ocorrem no contexto dos chamados ritmos circadianos. Eles são
oscilações endógenas autossustentadas do ritmo biológico no período de 24 horas (que inclui
centralmente as oscilações do nível de consciência da vigília e do sono), as quais, nesse intervalo,
organizam a temporalidade dos sistemas biológicos do organismo e otimizam a fisiologia, o
comportamento e a saúde.

Sono: o RDoC define sono e vigília como estados comportamentais endógenos e recorrentes que
expressam mudanças dinâmicas na organização da função cerebral e que otimizam aspectos como
fisiologia, comportamento e saúde. O sono se caracteriza por:

I- Ser um estado reversível, tipicamente expresso pela postura de repouso, comportamento


quieto e redução da responsividade;
II- Ter uma arquitetura neurofisiológica complexa, com estados cíclicos de sono não REM e sono
REM;
III- Ter duração e intensidade dos seus vários períodos afetados por mecanismos de regulação
homeostáticos;
IV- Ser afetado por experiências ocorridas durante a vigília;
V- Ter efeitos restauradores e transformadores que otimizam funções neurocomportamentais
da vigília.

Dividem-se as fases do sono em duas: o sono sincronizado, sem movimentos oculares rápidos (sono
NREM), e o sono dessincronizado, com movimentos oculares rápidos (sono REM).

Sono NREM: há diminuição da atividade do sistema nervoso autônomo simpático e aumento relativo do
tônus do sistema nervoso autônomo parassimpático, permanecendo vários parâmetros fisiológicos
estáveis em um nível de funcionamento mínimo, como as frequências cardíaca e respiratória, pressão,
etc. Durante o sono não-REM, ocorrem quatro estágios:

I- Primeiro estágio: é mais leve e superficial, com atividade regular do EEG de baixa voltagem.
II- Segundo estágio: é um pouco menos superficial, com traçado do EEG revelando um aspecto
fusiforme.
III- Terceiro estágio: sono um pouco mais profundo, com traçado de EEG mais lentificado.
IV- Quarto estágio: sono mais profundo, com traçado de EEG bem lentificado.

É mais difícil despertar alguém nos estágios 3 e 4, podendo o indivíduo apresentar-se confuso ao ser
despertado.
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Sono REM: não se encaixa em nenhuma dessas quatro fases. Sua duração total em uma noite perfaz de
20 a 25% do tempo total de sono. O sono REM não é, entretanto, um sono leve, tampouco profundo, mas
um tipo de sono qualitativamente diferente. Caracteriza-se por instabilidade no sistema nervoso
autônomo simpático, com variações das frequências cardíaca e respiratória, da pressão arterial, do débito
cardíaco e do fluxo sanguíneo cerebral.

No sono REM, há um padrão de movimentos oculares rápidos e conjugados (movimentos oculares


sacádicos), bem como um relaxamento muscular profundo e generalizado (atonia muscular),
interrompido esporadicamente por contrações de pequenos grupos musculares, como os músculos dos
olhos. É durante o sono REM que ocorre a maior parte dos sonhos, e em 60 a 90% das vezes, se o indivíduo
for despertado durante a fase REM, relatará que estava sonhando.

O sonho, fenômeno associado ao sono, pode ser considerado uma alteração normal da consciência. Nas
mais diversas sociedades, ao longo da história, ele tem exercido grande curiosidade, sendo interpretado
das mais diversas formas. Ao contrário do que se pensava no passado, sonhar não é algo raro. A maioria
das pessoas sonha várias vezes durante uma noite, entretanto, se acordarem após mais de 8 minutos de
um sono REM (durante o qual os sonhos acontecem), não se lembrarão mais do conteúdo do sonho.

Rebaixamento do nível de consciência; Em diversos quadros neurológicos e psicopatológicos, o nível


de consciência diminui de forma progressiva, desde o estado normal de vigília (desperto) até o estado de
coma profundo (no qual não há qualquer resquício de atividade consciente). Os diversos graus de
rebaixamento da consciência são:

I- Obnubilação ou turvação da consciência: trata-se do rebaixamento da consciência em grau


leve a moderado. O paciente encontra-se sonolento, com a compreensão dificultada, podendo
o pensamento estar já ligeiramente confuso.
II- Torpor: é o grau mais acentuado de rebaixamento da consciência. O paciente está
evidentemente sonolento; responde ao ser chamado de forma enérgica, e, depois, volta ao
estado de sonolência evidente.
III- Supor: é um estado de marcante turvação da consciência, no qual o paciente pode ser
despertado apenas por um tempo muito curto, por estímulo enérgico, sobretudo de natureza
dolorosa. Aqui, o paciente sempre se mostra evidentemente sonolento. Embora ainda possa
apresentar reações de defesa, ele é incapaz de qualquer ação espontânea. Portanto, aqui, ele
sempre se mostra intensamente sonolento, quase em coma.
IV- Coma: é a perda completa da consciência, o grau mais profundo de rebaixamento do nível de
consciência. No estado de coma, não é possível qualquer atividade voluntária consciente. Além
da ausência de qualquer indício de consciência, os seguintes sinais neurológicos podem ser
verificados: movimentos oculares errantes com desvios lentos e aleatórios, nistagmo,
transtornos do olhar conjugado, ausência do reflexo de acomodação, etc.
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Delirium: diz respeito, portanto, aos vários quadros com rebaixamento leve a moderado do nível de
consciência, acompanhados de desorientação temporoespacial, dificuldade de concentração,
perplexidade, ansiedade em graus variáveis, agitação ou lentificação psicomotora, discurso ilógico e
confuso e ilusões e/ou alucinações, quase sempre visuais. Trata-se de um quadro que oscila muito ao
longo do dia.

Não se deve confundir delirium (quadro sindrômico causado por alteração do nível de consciência, em
pacientes com distúrbios cerebrais agudos) com o termo delírio (idéia delirante; alteração do juízo de
realidade encontrada principalmente em psicóticos esquizofrênicos).

Além dos diversos estados de redução global do nível de consciência, a observação psicopatológica
registra uma série de estados alterados da consciência, nos quais se tem mudança parcial ou focal do
campo da consciência. Uma parte do campo da consciência está preservada, normal, e outra parte,
alterada. De modo geral, há quase sempre, nas alterações qualitativas da consciência, algum grau de
rebaixamento (mesmo que mínimo) do nível de consciência. Têm-se, então, as seguintes alterações
qualitativas da consciência:

I- Estados crepusculares: consistem em um estado patológico transitório no qual uma


obnubilação da consciência (mais ou menos perceptível) é acompanhada de relativa
conservação da atividade motora coordenada. É caracterizado por surgir e desaparecer de
forma abrupta e ter duração variável, de poucos minutos ou horas a algumas semanas.
Durante esse estado, ocorrem, com certa frequência, atos explosivos violentos e episódios de
descontrole emocional (podendo haver implicações legais de interesse à psicologia e à
psiquiatria forense). Geralmente ocorre amnésia lacunar para o episódio inteiro, podendo o
indivíduo se lembrar de alguns fragmentos isolados.
II- Estado segundo: é caracterizado por uma atividade psicomotora coordenada, qual,
entretanto, permanece estranha à personalidade do sujeito acometido e não se entrega a ela.
Em geral, atribui-se uma natureza mais psicogenética, sendo produzido por fatores
emocionais. Já ao estado crepuscular, são conferidas causas mais frequentemente orgânicas.
Os atos cometidos durante o estado segundo são geralmente incongruentes, extravagantes,
em contradição com a educação, as opiniões ou a conduta habitual do sujeito acometido, mas
quase nunca são realmente graves ou perigosos, como no caso dos estados crepusculares.
III- Dissociação da consciência: designa a fragmentação ou a divisão do campo da consciência,
ocorrendo perda da unidade psíquica comum do ser humano. O termo “dissociação” pode não
cobrir apenas a consciência como também a memória, a percepção, a identidade e o controle
motor. Nessas situações, observa-se uma dissociação da consciência, um estado semelhante
ao sonho, geralmente desencadeada por acontecimentos psicologicamente significativos que
produzem ansiedade intensa, independente de se tratar de paciente com personalidade
histriônica ou traços histéricos, sendo a dissociação uma estratégia defensiva inconsciente
para lidar com a ansiedade muito intensa; o indivíduo se desliga da realidade para parar de
sofrer.
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IV- Transe: estado de alteração qualitativa da consciência que se assemelha a sonhar acordado,
diferindo disso, porém, pela presença em geral de atividade motora automática e
estereotipada acompanhada da suspensão parcial dos movimentos voluntários.

V- Estado hipnótico: é um estado de consciência reduzida e estreitada e de atenção concentrada,


que pode ser induzido por outra pessoa. Trata-se de um estado de consciência semelhante ao
transe, no qual a sugestionabilidade do indivíduo está aumentada, e a sua atenção,
concentrada no hipnotizador. Nesse estado, podem ser lembradas cenas e fatos esquecidos e
podem ser induzidos fenômenos como anestesia, paralisias, etc. É apenas uma técnica refinada
de concentração da atenção e de alteração induzida do estado da consciência.

VI- Experiencia de quase morte: trata-se de um estado especial de consciência é verificado em


situações críticas de ameaça grave à vida, como parada cardíaca, hipoxia grave, isquemias,
acidente automobilístico grave, entre outros, quando alguns sobreviventes afirmam ter
vivenciado as chamadas experiências de quase morte.

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