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Direitos Humanos e Multiculturalismo

Docente: Juliana Tonche

Discente: Luís Barboza

Antes propriamente de abordar as temáticas trabalhadas dentro do trabalho


cinematográfico, considero necessários trabalhar algumas ideias antecipadamente a fim de
estabelecer um vínculo de disparidade entre sistemas diferentes e como um, o fascismo, pode
acabar crescendo dentro do outro, o Estado de Direito.

A queda do absolutismo na França, após a Revolução Francesa, entra-se o sistema


parlamentar e, posteriormente, instaura-se o Estado de Direito, este tem como base o
estabelecimento de um contrato social, como pensou Rousseau, em que o humano necessita
abdicar de sua liberdade natura para o estabelecimento de uma liberdade civil. Assim, o povo
passa a deter poder sobre a lei, elaborando e cumprindo leis a fim de estabelecer a ordem em
uma sociedade à partir da vontade geral e dos interesses da sociedade

Esse novo Estado deveria ser equânime, havendo a distribuição justa de direitos.
Assim sendo, o Estado de Direito é um sistema político estabelecido pela soberania popular,
distribuídos nos poderes legislativo, executivo e judiciário como conhecemos, a fim de que os
poderes sejam distribuídos de maneira que possa ser fiscalizador e fiscalizado pelos demais
poderes, idealizado à partir da “Teoria dos Três Poderes” de Montesquieu, mas que. Viver em
Estado de Direito é viver em uma democracia representativa, em grupos sociais elegem seus
representantes no campo político.

Essa é uma forma resumida da Democracia como a conhecemos, no entanto há uma


outra forma política de se viver, ou de sobreviver, que contraria completamente o que nós
conhecemos.

No século XX, a humanidade, sobretudo a parte europeia, conheceu um sistema de


opressão-político que antes não havia conhecido, sobretudo graças ao avanço da tecnologia
que impulsionou ainda mais o processo de globalização, e que muito se assemelha ao
processo de colonização, como trabalha Frantz Fanon (1968) em “Os Condenados da Terra”
pedindo para que vejamos as atrocidades do fascismo não como uma nova forma de violência,
talvez mais brutal, mas que é um tipo de violência já conhecida, o colonialismo, só que agora
em Europa, contra o próprio povo europeu, com uma tecnologia que permite o extermínio
mais rápido, só que mais cruel.
O filme “The Wave” se passa no contexto da Alemanha, berço do nazismo. Pelos erros
cometidos pela população, os jovens acreditam que não há o que temer para que aquilo se
repita, pois a Alemanha pagou um preço alto por suas atrocidades. No entanto, alguns alunos
pagam uma disciplina sobre autocracia com Rainer, alunos estes que relataram anteriormente
que não há mais desafios em suas vidas, um objeto para lutar e dar sentidos a vida, algo
importante quando se pensa em governos autocratas.

A tática de Rainer, superficialmente inofensiva, mas demonstra na prática como ocorre


o início de um governo que adota o fascismo. A própria escolha do líder, que inicialmente
possui divergências sobre a escolha, mas, por fim, escolhem uma figura que já se apresenta
como líder e como autoridade em sala de aula. Uma questão interessante até, é que no início
as decisões passam por uma análise grupal, ainda há tomadas de decisões individuais até um
momento em que há tanta coesão no grupo, que somente a decisão do líder é a decisão do
grupo.

O que se passa em seguida é o que a psicologia social, no campo dos processos


grupais, denomina de coesão. Tornar algo coeso é forçar, é exercer pressão para que seus
integrantes permaneçam nele. Então adotar medidas como adotadas por Rainer, como
uniformizar o grupo, adotarem saudações próprias e, sobretudo, darem uma identidade, um
nome, em que se perde a subjetividade individual e cresce a subjetividade grupal. Isso é
importante quando se trata desse tipo de regime, pois suas ações passam a ter menos
responsabilidade, a ponto do sujeito cometer atos cada vez mais perturbadores, mas não por
uma questão individual, e sim por uma ação que fortaleça o grupo. É essa coesão junto com o
crescimento da subjetividade grupal que fez com que muitos nazistas cometessem as
atrocidades mais bárbaras contra judeus, homossexuais, ciganos, etc, mas não vissem como
um crime, mas um mal necessário para o crescimento do seu grupo e de seus “valores”. Sem
esse tipo de coesão, vai haver pensamento crítico, o que é inaceitável dentro de um sistema
autocrata, este que precisa de distorção da realidade para manter seu sistema.

Outros dois processos identificáveis e importantes são a formação de normas e a


cooperação.

Os uniformes, as saudações, as atitudes que se deve ter dentro do grupo são


construídas pelos integrantes e recebem força o suficiente para que se tornem normas,
tornando-se indispensáveis para o grupo. Paralelo a isso, temos o “Heil Hitler” como
saudação, a suástica como marca em integrantes, a idolatria ao líder e a adoção de um inimigo
a ser combatido e eliminado a todo custo, durante o longa temos a saudação da onda, com um
slogan dela, além do uniforme branco, e a adoção de um inimigo, sendo todo aquele que não
faz parte do grupo, um dos princípios desse tipo de sistema. Os nomes e saudações mudam,
indo de “Heil Hitler” até “Deus, Pátria e Família”, mas a ideia é linear, é integrar, dar
identidade e exterminar o outro tudo embasado nas nomas adotadas pelo grupo, para uns os
judeus, para outros os negros e por aí vai.

E dentro disso, há a cooperação. Outro processo que sem ele, não há um grupo coeso
apropriadamente. Cooperar em grupo é quando integrantes se unem a fim de promover ações
que cheguem a um objetivo estabelecido pelo grupo. Exemplo no filme é quando alguns
sujeitos não possuem camisa branca para adotarem o uniforme, mas outros se oferecem para
auxiliar, ou quando um dos sujeitos é intimidado fora do colégio e recebe apoio da onda. Sem
a cooperação não há engajamento dos integrantes de maneira adequada.

Quando já integrado e marcada a identidade, tanto com símbolos quanto com a


liderança firmada, o grupo passa a tomar atitudes cada vez mais intensas sob a justificativa de
defender a ordem do grupo e sua coesão. Logo, vandalismo, portar armas e até violência são
normatizados dentro da onda, visto como algo necessário. No entanto, o seu líder não
reconhece algumas atitudes como males, apesar de claramente pessoas de fora do grupo, até
mesmo sua esposa, demonstrar forte descontentamento com o rumo com que a atividade está
tomando. E isso é muito característico de um sistema autocrata, existe uma distorção da
realidade, graças a coesão e as normas que vão sendo construídas, que impede que os sujeitos
dentro dele vejam com clareza seus atos.

É um fenômeno conhecido como distorção cognitiva, no qual o pensamento que o


sujeito tem sobre o fato não corresponde com precisão o que realmente ocorre, quanto mais
coeso, quanto mais integrado, como ocorre com a onda, maior é essa distorção, necessitando
de menos motivos para cometer o que for preciso em nome do seu grupo. A distorção é tão
grande que rapidamente outros indivíduos passam identificar aquilo como fascismo, com
práticas que beiram a violência, isso quando não chegam a ela, de exclusão aos demais
sujeitos, etc, no entanto, a visão da onda não essa. São jovens que encontraram um motivo
pelo qual lutar, um ideal, e, portanto, aquilo passa a ser uma das bases prioritárias do
indivíduo, que não reconhece mais sua individualidade, descartando seus próprios desejos, e
incorporando todas as vontades que o grupo deseja.
A volta que dá é interessante. A ideia da retomada de grupos fascistas era algo fora da
realidade inicialmente, mas bastou uma semana e um ideal que logo esse grupo foi formado e
demonstrou que isso não é uma impossibilidade, mas uma potência que dorme latente e que
pode ser despertada a qualquer momento. Isso se pensarmos como Rainer previu inicialmente,
ser apenas uma atividade pedagógica, então torna-se fácil imaginar o que ocorre quando
líderes já buscam iniciar um movimento fascistas, utilizando-se da retórica do ódio e dos
domínios das massas, por vezes sedentas por novos ideais e necessitadas de afetos que podem
ser encontrados no campo da cooperação de um grupo, mesmo o de um fascista.

Pensar em fascismo é pensar em um grupo de distorção da realidade, baseado em


interesses de seus líderes ou de sua figura principal. Sem essa figura, o grupo se perder, não
por falta de força, mas por falta de coesão. Ainda há alguns indivíduos que não aceitam que
esse grupo possa se desfazer em algum momento, esses, via de regra, já apresentavam pouca
inclusão social, sem o grupo, não há mais motivo para continuar a existir, não há mais uma
rede de afeto, não há mais uma causa pela qual lutar, podendo levar sujeitos a cometerem atos
extremos como suicídio, o que ocorre com um dos integrantes, que ver seus antigos colegas
de ideal como traidores da causa.

O fascismo pode crescer em qualquer sociedade, sobretudo em sociedades com ideais


de hegemonia e, tal como uma praga, se espalha lentamente, mas de maneira forte, captando
aqueles que se apegam a suas ideias e que logo passam a incorpora-lo dentro de si. Pensar que
ele não pode surgir mais é esquecer o passado e, como coloca o teórico político Edmund
Burke, “um povo que não conhece sua história está fadado a repeti-la”.

Referências

FANON, F. Os Condenados da Terra. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 1968.

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