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Populismo no Brasil, Marilena Chauí

Kayque Eduardo de Souza

O texto em questão, sobre o populismo no Brasil, foi apresentado a princípio no


seminário internacional Claude Lefort por Marilena Chauí. O texto em questão versa
sobre o populismo no Brasil e possui algumas similaridades com um outro texto
sobre a Teopolítica no Brasil. Nesse texto aqui abordado, no entanto,
aparentemente o movimento é expandido um pouco mais, para além da
apresentação desse caráter peculiar da política brasileira para algo mais e decisivo,
dado a época em que este foi apresentado, em 2015, momento no qual a política
brasileira sofria mais do que burburinhos de um impeachment da presidenta Dilma
Rousseff, que nos desdobramentos posteriores, culminou não só no dito
impeachment da mandatária, mas em um golpe de estado que deixa marcas até os
dias atuais, em 2022, vejamos um pouco mais de perto como caminha o raciocínio
pertinente da autora.

Se trata da aproximação da autora com Claude Lefort a respeito da invenção


democrática, com a inspiração de Moses Finley sobre a invenção da política. Divido
essa apresentação em três momentos chaves, que são os três subtítulos do artigo
de Chauí, em um momento, a articulação do conceito de democracia em Lefort,
onde os termos nos quais ela trabalha são reaproveitados para a comparação com
o Brasil.
Num segundo momento, uma vez posto esse conceito de democracia Leforteano, a
autora volta suas atenções uma vez mais ao Brasil, à questão do populismo no país,
rearticulando uma vez mais as ideias expostas a partir da teopolítica em texto
anterior (lido na aula passada) ao lado das aquisições do conceito de democracia de
Lefort que é incorporado à reflexão.
O texto termina com Chauí apontando possíveis saídas, dados os resultados do
primeiro e do segundo momento, ao analisar de certa maneira historiográfica alguns
movimentos de esquerda no país, que tendem a mostrar algo que possa ultrapassar
a lógica exposta nos dois primeiros momentos supracitados.
Segundo Chauí, a ideia da ‘’invenção democrática’’ é cunhada por Claude Lefort
inspirado em Moses Finley quando este se refere a invenção da política, mas em
um contexto novo. Em termos simples, o que significaria essa retomada neste
contexto? De acordo com Chauí na leitura do autor, trata-se o fato de pensar a
democracia sem qualquer força externa ou fundamento anterior que a possa
determinar que não seja o próprio corpo social. Lefort de acordo com Chauí
recusaria tanto a formulação do liberalismo clássico, onde a democracia seria a
proteção dos direitos individuais, da própria liberdade e também a visão mais
ortodoxa reinante no Marxismo a respeito da superestrutura. A democracia não é
somente uma formalidade que as classes dominantes usam para prosseguir sua
dominação.
Outra pretensão do autor, de acordo com Chauí é afastar certas interpretações
dominantes na ciência política e na sociologia que enxergam seu objeto a partir do
isolamento do fato social com sua totalidade, pois ambos estão calcados numa
vontade de objetivação e em um esquecimento de que não há fatos anteriores que
possam sustentar certas formações sociais, como categorias fundamentais da vida
social ou da própria política. Isso impediria de compreender a sociedade em
questão na sua imanência e de entender além de tudo o porque essas categorias
poderiam ganhar privilégios no que diz respeito à exposição desse social
(categorias como o trabalho? a linguagem, a vontade? é possível que sim).

A formulação da democracia como aquilo que não aceita fundamentos externos ao


próprio social, que já institui a crítica às versões mais clássica nos obriga a pensá-la
de uma maneira original, pois a democracia não É UM REGIME POLÍTICO, MAS
UMA FORMAÇÃO SOCIAL.
E Chauí acrescenta, ela é uma formação social que nasce com a própria
desincorporação do poder, onde se apaga qualquer imagem de privilégio de
fundamentos que dão origem à sociedade ou que representam algo transcendente a
ela que possa determiná-la sempre pois faria parte de uma essência desta, além,
claro, de afastar a possibilidade desta brotar da vontade mística incorporada em um
governante. A democracia em um primeiro momento se apresenta desta maneira.
Mas isso ainda, no entanto, não a esgota, pois apesar de ser uma formação social
que não aceita fundamentos externos, isso é insuficiente para expor as divisões
sociais, abstrações como ‘’povo’’, por exemplo, estariam ainda presentes e sendo
um empecilho para a concretização dessa formulação de democracia. O conceito
que é comentado por Chauí posteriormente é, então, a ideia de poder, presente
desde Maquiavel e que é recuperado por Lefort para articular o conceito de
democracia. A democracia conjuga a ideia de poder, mas não um poder centralizado
numa classe dominante, mas o poder como algo DESINCORPORADO, o poder em
uma democracia é um lugar vazio, o que significa dizer que o poder aqui não é algo
que não é ocupado, mas sim algo que é SEM SUBSTÂNCIA, isto é, ele é cindido,
fundado numa lógica da contradição, numa dialética que não termina uma síntese,
mas sim em excesso, o poder não está identificado em nenhuma classe, mas está
desincorporado.

Em termos práticos, essa dialética sem síntese implica que os indivíduos em


determinada sociedade que se quer democrática, estão em conflitos. Peguemos a
sociedade capitalista, suas representações são simbólicas, pois se concretizam ao
mesmo tempo em que não esgotam as ações dos indivíduos porque estas estão
ligadas diretamente a algo que escapa à própria determinação da divisão, ela se
transcorre para algo além no qual a teoria que quer unificar abstratamente, não o
faz. Este excesso implica ao mesmo tempo em um caráter simbólico do poder, que
é excedido pela ação (noções como liberdade, igualdade, por exemplo sempre
podem ser ampliadas), seja para ampliar direitos ou para questionar a forma na qual
a sociedade se desenvolve na relação entre as classes, que aqui, se torna luta
política constante.

A relação, por exemplo entre burguesia e proletariado, pensando a sociedade


capitalista se perfaz em uma dialética entre os desejos dos capitalistas(que podem
muito bem se portar como únicos, mas tomados a partir da determinação aberta da
democracia, são passíveis de se tornarem símbolos aquém da ação efetiva) de
dominar X o desejo dos trabalhadores de não querer ser dominados, de resistir a
mesma. A democracia a partir disso, revelaria o caráter simbólico do poder. Do
ponto de vista democrático, onde não se admitem fundamentos externos à própria
formação da sociedade e suas relações, essa dinâmica pode acabar numa
ampliação de direitos ou num esfacelamento dessa sociedade. A razão aqui, é
muito simples, a democracia uma vez posta nessa indeterminação constitutiva
desta, isto é, recusa de fundamentos externos, permite ser compreendida como a
única formação social que se dá DENTRO DA HISTÓRIA. Ela permite que a noção
de história limite certas formas de sociedade que se querem fixas. Na determinação
excessiva de uma democracia, a sociedade está aberta em uma constante criação
de direitos ou então numa derrocada da própria forma social, o universal se
MEDEIA pelo particular nesse caso, rearticulação do poder simplesmente. Seja para
qual lado for, o caráter efêmero e verdadeiramente temporal de determinada
sociedade está aberto e não fechado em acontecimentos predeterminados pela
providência divina, leis da razão que a guiam, etc. Se trata da possibilidade de se
admitir sua inserção no espaço e no tempo, entre sua efetivação a partir dessa
divisão, criação de direitos ou a desintegração sempre no horizonte.

O segundo momento do texto começa situando o problema da democracia no Brasil


como literais obstáculos para a sua concretização em nossas terras. Em especial,
Chauí identifica 2, pois se trata da formação social brasileira que não é democrática,
ela ao invés de ser dividida no conflito como é o caso da democracia, lugar onde o
poder se desincorpora, ela é dividida na DESIGUALDADE entre o privilégio dos
grandes e as carências dos dominados. O outro empecilho se trata justamente da
maneira teológica de aparição da política, não mais como local simbólico do poder,
mas sim como aquilo que o esgota na figura do Estado, se trata da matriz teológica
assumida por este.

O privilégio desses grandes não se equilibra com as carências desse povo, se trata
na verdade, de uma formação oligárquica, onde estes têm sempre mais, querem
sempre mais. No caso do Brasil, essa particularidade exigida sempre pelos grandes
torna-se universal e medeia as relações. Tudo piora quando se insere a matriz
teológica assumida pelo político. Mas o que significa efetivamente isso? Ora, assim
como os privilégios dos grandes, o Estado no Brasil sempre foi visto como
ANTERIOR A SOCIEDADE, pois a colônia dependia da metrópole para existir
enquanto tal. O Estado brasileiro surgiu como um produto externo à própria
sociedade brasileira.

A proclamação da república não mudou muito isso, pelo contrário, ela somente
reformou essa estrutura, o Estado continuava a aparecer ao lado da sociedade
como algo que a determina de fora para dentro, muito embora pudesse de fato
refletir certas lutas no interior da sociedade brasileira, principalmente na classe
dominante, de acordo com Chauí, mas isso não mudou essa concepção teológica
do Estado, muito pelo contrário, porque a formação social oligárquica seguia
existindo a todo vapor . Isso em termos práticos significa que a política no Brasil não
aparece como uma luta e o poder um lugar vazio, pelo contrário. No que diz respeito
ao Brasil, a política aparece, de acordo com a cultura brasileira, ainda carregando
desde sempre esse ranço teológico concebido desde os tempos do Brasil colônia,
relacionando-se diretamente com a exploração material do território brasileiro.

O país não é uma terra entre as terras, mas o oriente (no sentido teológico e
geográfico), é o lugar onde a vontade de Deus misteriosa se realiza, onde se tem
leite e mel vertendo, tudo é belo, não há contradições. Essa concepção também
afirma que o homem perdeu o direito de governar e tem o direito somente posto por
Deus cedido como um favor divino representado a partir do governante que distribui
favores e representa esse salvador, essa vontade divina que apazigua esse conflito
entre os grandes e os dominados, que desemboca a partir da vontade do
governante e do próprio estado, novamente na união do povo em um só.
Por isso, existe na formação social brasileira, dada sua desigualdade ou polarização
entre o privilégio dos grandes e as carências do povo, um terreno fértil para o
populismo. Chauí dá 6 momentos para mostrar essa adesão ao populismo que
encaixa tão bem com a formação social brasileira, que não é tão somente
assimilada a coronelismo e as formas clássicas, é possível também a imagem que
escapa disso, visto que o que está em jogo na adesão do populismo é algo bem
mais profundo do que a imagem passada.

1. O poder sem mediações políticas, uma relação direta com o governante que de
tudo sabe e é dono das virtudes pois é enviado diretamente por Deus à governar o
Éden terreno

2. Um poder realizado a partir disso da tutela e do favor, o governante é o pai que


cuida e que provém, detentor do saber e da lei

3. um poder transcendente e imanente, o governante vem do meio do povo ao


mesmo tempo que está transcendendo-o porque representa com excelência a
vontade divina

4. UM PODER INCORPORADO, INDISTINÇÃO ENTRE O LUGAR DO PODER E


AQUELE QUE EXERCE A FUNÇÃO DO GOVERNO.

5. Um poder personalista que identifica a imagem do governante com este

6. a raiz de todo autoritarismo brasileiro, o paradigma deste.

Desde o início de sua história o Brasil é narrado de forma mítica e teológica, tudo se
aprofunda quando a noção de mito fundador está colocado. O Brasil não se tornou
um estado com suas mediações particulares, ele foi descoberto como uma terra
sacralizada, como já explicitado, oriente em que tudo de bom brota, a visão do
paraíso, como documentado nas correspondências por exemplo de Pero Vaz de
Caminha. O Brasil é um espaço onde expressa-se o paraíso terreno e sua política
reflete isso, somos um povo agraciado por Deus, por viver em um lugar onde
verte-se leite e mel dos rios e das montanhas saem pedras preciosas. Isso fica claro
quando se fala da bandeira nacional que ao invés de ser concebida como algo
ligado à sua história real, ela é ligada diretamente com essa simbologia teológica,
de paraíso, o verde das florestas, azul é o seu céu, o amarelo é seu ouro, suas o
branco é a ordem cravejada com suas estrelas, seus estados.

Esse mito nos forçaria a aceitar uma visão de uma indivisão originária no território
brasileiro, todos nós nascemos no seio da pátria mãe gentil que nos agracia de viver
diretamente nesse solo. O Brasil está fora do tempo, pois ele é o Éden, indiviso,
pois estamos livres de contradição e além de tudo, não está suscetível às mudanças
históricas que uma formação social democrática pode forçar dentro de uma
sociedade, dada sua natureza e este seria o primeiro elemento deste mito fundador.

A única história que existe a partir desse mito é a do cristianismo ortodoxo, com a
história tomada como providência divina para manter os privilégios dos grandes ou
como messianismo, no qual a história é somente uma possibilidade de redenção
final dos homens, o direito ao seu espaço no paraíso sem sofrimento, onde todo o
sofrimento até aqui, é justificado com o plano divino que nos faz desembocar na
situação aqui e agora. Esse momento lança o Brasil de novo na história, mas numa
história teológica, portanto.
O tempo aqui, só pode ser concebido como tempo divino, nos termos de Agostinho,
citado pela autora. Deus se revela como providência ao assegurar os privilégios dos
grandes, pois eles o são pela vontade de Deus ou como uma possibilidade
messiânica de redenção dos debaixo. Essa desigualdade, encarnada na figura do
governante que cede favores ou que cuida dos menos abastados, é o tecido pelo
qual o populismo pode ser traçado no Brasil como uma formação social
extremamente aderente à sua determinação.
O Brasil se recusa a ter instituições para mediar os conflitos sociais, tudo pode ser
concentrado na figura do líder, do Estado que provém e que apazigua. Em outras
palavras, não existe cidadania no Brasil.
Trata-se de uma relação privada com o governante a partir dos governados. Não é
por acaso que Chauí detecta o Brasil como um terreno fértil para o neoliberalismo
que se encaixa tão bem com essa formação social brasileira, pois o neoliberalismo
nada mais seria do que a diminuição do espaço público em favor do espaço privado.
Se as relações entre governante e governados se dão a partir da tutela e da
cedência de favores, se a figura do governante é uma figura personalista e se não
há mediações públicas para tal, o neoliberalismo cresce.

Em suma, no Brasil o grande obstáculo para uma democracia de acordo com Chauí
nesse segundo movimento do texto, está diretamente ligada à forma na qual o Brasil
se desenvolve, como uma terra fora do tempo, fora do espaço, fora dos conflitos,
terra mãe gentil, paraíso terrestre, o próprio Éden encarnado, onde suas
imperfeições não são contradições inerentes ao campo social, ao contrário, mas sim
ações de um inimigo que quer minar a boa vida por esses lados, acaba por dificultar
totalmente a adesão do país a algo parecido à uma democracia. Não há
desincorporação do poder fundamental para tal. O que não nos aponta para a forma
apontada por Lefort, mas sim o seu extremo OPOSTO, de acordo com o que fora
exposto por Chauí.
Não há caráter simbólico do poder que suscita um excesso que sempre é
encarnado na ação que sempre ultrapassa o símbolo. Os símbolos simplesmente
encerram essa realidade já dada de antemão, definidora do social por excelência. A
realidade no Brasil é necessária para justificar a política do jeito que ela é. A
democracia sempre nos é negada porque nos formamos e concretizamos a partir
dessa oligarquia de traços teológicos. O único sujeito político nesse caso é o
Estado, não é por acaso que governantes aparecem com slogans como pai dos
pobres de um lado, caçador de marajás do outro e mais ironicamente e
recentemente… Mito.

A relação de cima para baixo e da teologia, de fora para dentro, suscita sempre os
dois momentos da história aqui no Brasil como uma concepção claramente
ideológica desta, mas que sempre retorna de tempos em tempos, seja para
conservar os privilégios ou simplesmente para melhorar a situação dos menos
favorecidos. E por vezes, com os dois momentos conjugados ao mesmo tempo,
como é o caso do governo Bolsonaro ou então, puxando para os anos 90 a imagem
de Collor. Nesse caso, ambos já estão ligados ao neoliberalismo e não mais ao
desenvolvimentismo antigo ou algo parecido, que era possível ser rastreado nos
governos anteriores à ditadura militar.
Se mantém aquilo que é mais persuasivo à tradição populista, a relação do alto para
baixo e de elementos externos à política que a determinam a priori, não há sujeitos
históricos, há personalizações, encarnações do divino.

Isto posto, no entanto, Chauí ainda consegue no fim do texto, no seu movimento
final, vislumbrar a possibilidade de uma mudança que pode ser possível a se
articular na sociedade brasileira, sem no entanto esquecer esse caráter supracitado
que coloca reais obstáculos à democracia, mas que ao mesmo tempo nos dá um
vislumbre bastante assustador e que para nós aqui e agora, possui ares de previsão
e de profecia.

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