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Depreciação acelerada na atividade

rural: o caso da exaustão e os limites


interpretativos frente aos objetivos
constitucionais

CASTRO JÚNIOR, Paulo Honório de. Depreciação acelerada na atividade


rural: o caso da exaustão e os limites interpretativos frente aos objetivos
constitucionais. In Agronegócio, Tributação e Questões Internacionais
Vol. 2. São Paulo: Quartier Latin, 2021, p. 429-550.
Depreciação acelerada na atividade rural: o caso da exaustão e os limites
interpretativos frente aos objetivos constitucionais

Paulo Honório de Castro Júnior1

1. Introdução

O artigo 6º, da MP nº 2.159-70/2001, introduziu norma que autoriza o contribuinte a


depreciar integralmente, no próprio ano da aquisição, os bens do ativo imobilizado, exceto a
terra nua, utilizados na atividade rural, para fins de IRPJ.
Trata-se de regra muito similar àquela veiculada pelo art. 12, § 2º, da Lei nº
8.023/1990, revogado pela Lei nº 9.249/1995. A norma foi restabelecida pela MP nº 1.459, de
1996, sucessivamente reeditada até se cristalizar na ainda vigente MP nº 2.159-70/2001.
Tendo em vista que a referida regra sempre se valeu da expressão depreciados, e sendo
ela aplicável a qualquer atividade rural, a Receita Federal do Brasil (“RFB”), originalmente,
entendeu que a sua melhor interpretação seria a teleológica. Por meio da Solução de Consulta
SRRF10 n° 28, de 15 de março de 2001, o Fisco entendeu que “não importa a denominação
contábil dada a essa apropriação das despesas efetuadas com os investimentos incentivados –
se depreciação, amortização ou exaustão – mas sim a efetiva realização do investimento
destinado à atividade que se deseja fomentar.”
Ou seja, a compreensão fiscal era no sentido de o termo depreciação ser lido como (o
que de fato é) realização, abarcando também os bens sujeitos à exaustão (ativos florestais), por
força do objetivo incentivador da norma se voltar à atividade rural e não à forma de realização
do ativo. Seria ilógico e incongruente com essa razão finalística que houvesse uma restrição ao
benefício em razão de um detalhe procedimental e contábil, excluindo-se, de todas as atividades
rurais incentivadas, tão somente as que envolvem a exaustão de ativos florestais.
Posteriormente, a Solução de Consulta SRRF09 n° 120, de 25 de julho de 2001,
consagrou entendimento diverso: “O benefício consistente na dedução integral dos valores dos
bens do ativo permanente imobilizado, exceto a terra nua, no próprio ano de aquisição, não

1
Graduado em Direito e Mestrando em Direito Tributário pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG.
Mestrando em Direito Financeiro pela Universidade de São Paulo – USP. Pós-Graduado pelo Instituto Brasileiro
de Estudos Tributários – IBET. Presidente do Instituto Mineiro de Direito Tributário – IMDT. Membro do Comitê
Tributário da Sociedade Rural Brasileira – SRB e da Comissão do Direito do Agronegócio da OAB/MG. Professor
de Direito Tributário e Financeiro em cursos de Pós-Graduação e de Extensão. Advogado.
inclui a amortização nem a exaustão de recursos florestais.” Optou-se, nesse caso, por uma
interpretação formalista e supostamente obrigatória, em razão do art. 111, do CTN.
O assunto foi pacificado pela RFB por meio da Solução de Divergência Cosit n° 12,
de 7 de agosto de 2003, adotando-se a mesma interpretação formalista e restritiva do benefício,
com base nos seguintes fundamentos:
a) Diante da edição reiterada do dispositivo, com a redação inalterada, o legislador
teria demonstrado a “intenção de só permitir que sejam realizados integralmente
no próprio ano de aquisição os bens do ativo imobilizado da pessoa jurídica que
explore atividade rural sujeitos à depreciação no sentido estrito”.
b) Não seria “coerente” autorizar a exaustão integral, no próprio ano de aquisição,
visto que ela seria “custo direto de produção de determinado bem, sendo a ele
intrinsecamente vinculada, não possuindo limitação de prazo”, para fins de
dedutibilidade.
c) “As isenções ou abrandamentos de ônus de tributos” deveriam ser interpretadas
“restritamente” no Direito Tributário, por força do art. 111, do CTN.
Em 2004, a RFB editou a Solução de Consulta SRRF04 nº 5, estendendo as conclusões
da Solução de Divergência para a situação específica da cultura da cana-de-açúcar. Foram
reafirmadas as razões anteriores, citando diversos estudos contábeis, inclusive no sentido de
que “No caso de culturas permanentes, a depreciação é chamada de exaustão [...].”
Apresentada a controvérsia, no presente estudo será investigada a seguinte hipótese: o
artigo 6º, da MP nº 2.159-70/2001 poderia ser interpretado conforme a Constituição, de forma
que um dos seus sentidos possíveis (depreciação em sentido lato) abarcasse a exaustão de ativos
florestais?
Na primeira parte, demonstraremos o que é a interpretação conforme a Constituição, a
partir da obra de Karl Larenz e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Na segunda parte, será feito um teste dos sentidos literais possíveis para a expressão
“depreciados”, com base na ciência contábil e no direito privado, verificando se um desses
sentidos seria o mais adequado aos fins constitucionais.
Por fim, apresentaremos conclusões quanto à hipótese investigada.
2. A interpretação conforme a Constituição, a partir da obra de Karl Larenz e da
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

Karl Larenz2 afirma que uma norma só é inconstitucional quando não pode ser
interpretada em conformidade com a Constituição. Isto é, após feita a interpretação de uma
determinada regra a partir dos métodos interpretativos tradicionais, sendo possível uma leitura
que não viole a Constituição, há de preferir-se esta interpretação em detrimento de qualquer
outra que pudesse caracterizar a inconstitucionalidade3:

Disto decorre, então, que de entre várias interpretações possíveis segundo os demais
critérios sempre obtém preferência aquela que melhor concorde com os princípios da
Constituição. Conformidade à Constituição é, portanto, um critério de interpretação.
– (grifei).

Prossegue Larenz4 pontuando dois aspectos: (1) a interpretação conforme a


Constituição não pode ultrapassar o sentido literal possível e o contexto da lei; (2) os métodos
de interpretação não estão submetidos a nenhuma hierarquia rígida, mas não são arbitrariamente
fungíveis entre si, razão pela qual é bastante restrito o espectro de escolha entre duas
interpretações igualmente bem fundamentadas. Tais métodos interpretativos, em sua
concepção, são os seguintes:
a) Sentido literal: é o ponto de partida, extraindo-se do uso linguístico geral um limite
para a interpretação. Não se trata de algo inequívoco, em regra, admitindo
numerosas variantes, razão pela qual são decisivos os demais critérios
interpretativos.
b) Contexto significativo: imprescindível para compreender o significado específico
de um termo ou de uma frase precisamente neste contexto textual.
c) Intenção reguladora e escopo da norma: sempre que o sentido literal possível e o
contexto significativo da lei deixarem margem a diferentes interpretações, deve-se
preferir a interpretação que melhor se ajuste à intenção do legislador e ao escopo
da norma (interpretação histórico-teleológica). Para tanto, levam-se em conta a
situação histórica, o motivo da regulação, as declarações de intenção do legislador
e a exposição oficial de motivos.
d) Critérios teleológicos-objetivos: são as estruturas materiais do âmbito da norma e
os princípios jurídicos imanentes ao ordenamento jurídico. Trata-se de dar

2
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 479.
3
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 480.
4
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 480-490.
preferência, nos quadros do sentido literal possível e da cadeia de significação
(contexto), à interpretação que evite uma contradição no sistema jurídico e que
privilegie o postulado de justiça e a igualdade.
e) Interpretação conforme a Constituição: exige dar preferência, nos casos de várias
interpretações possíveis segundo o sentido literal e o contexto, àquela interpretação
em que a norma, medida pelos princípios constitucionais, possa ter subsistência.
Uma vez que o sentido literal delimita a interpretação possível de uma norma, é
recomendável começar por este critério, passando pelos demais na sequência. Não se trata de
cálculo, mas de uma “atividade criadora do espírito”.
O Supremo Tribunal Federal, na ADI 1.344 MC, Rel. Min. Moreira Alves, DJ
19/04/1996, deixou expresso que a interpretação conforme à Constituição só é utilizável quando
a norma impugnada admite, dentre as várias interpretações possíveis, uma que a compatibilize
com a Carta Magna, e não quando o sentido da norma é unívoco.
Na ADI 4.277 e na ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, DJE 14/10/2011, utilizou-se
dessa técnica para privilegiar uma interpretação que validasse o art. 1.723 do CC/2002:

A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo.


Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um
direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o
que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos
heteroafetivos à sua não equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos.
Aplicabilidade do § 2º do art. 5º da CF, a evidenciar que outros direitos e garantias,
não expressamente listados na Constituição, emergem "do regime e dos princípios por
ela adotados" (...). (...) Ante a possibilidade de interpretação em sentido
preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do CC/2002, não resolúvel à luz dele
próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de "interpretação conforme à
Constituição". Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que
impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do
mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas
regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva. – (grifei).

Vê-se, portanto, que o STF admite há bastante tempo o uso dessa técnica interpretativa,
inclusive como método de controle de constitucionalidade5.
Não se pode deixar de expressar a similitude dessa técnica e da declaração de
inconstitucionalidade parcial sem redução de texto. Ocorre que, nesta última, o Poder Judiciário
não determina apenas uma interpretação válida, como faz na interpretação conforme a

5
“O STF está autorizado a apreciar a inconstitucionalidade de dada norma, ainda que seja para dela extrair
interpretação conforme à CF, com a finalidade de fazer incidir conteúdo normativo constitucional dotado de carga
cogente cuja produção de efeitos independa de intermediação legislativa.” [ADI 4.430, rel. min. Dias Toffoli, j.
29-6-2012, P, DJE de 19-9-2013.]
“É possível, juridicamente, formular-se, em inicial de ação direta de inconstitucionalidade, pedido de interpretação
conforme, ante enfoque diverso que se mostre conflitante com a Carta Federal. Envolvimento, no caso, de
reconhecimento de inconstitucionalidade.” [ADI 3.324, rel. min. Marco Aurélio, j. 16-12-2004, P, DJ de 5-8-
2005.]
Constituição. Como algumas interpretações de seu texto não guardam conformidade com a Lei
Maior, o Tribunal as julga inconstitucionais.

3. Teste dos sentidos possíveis para a expressão “depreciados”, contida no artigo 6º,
da MP nº 2.159-70/2001, e verificação de sua conformidade com a Constituição

Apresentadas as premissas interpretativas que serão adotadas neste trabalho, passa-se


a extrair os sentidos possíveis para a expressão “depreciados”, contida no artigo 6º, da MP nº
2.159-70/2001. Posteriormente, verificaremos as normas constitucionais aplicáveis ao caso e
realizaremos o teste de conformidade desses sentidos com a Constituição.

3.1. Os sentidos possíveis

Há dois sentidos possíveis para a expressão “depreciados”, contida no artigo 6º, da MP


nº 2.159-70/2001. Os dois sentidos são provados pela mera existência das Soluções de Consulta
SRRF10 n° 28, de 15 de março de 2001 e SRRF09 n° 120, de 25 de julho de 2001, mencionadas
na introdução desde trabalho.
Foi a existência dos dois sentidos possíveis, ora referidos, o que motivou a Solução de
Divergência Cosit n° 12, de 7 de agosto de 2003, por meio da qual a RFB estabeleceu a sua
preferência por um deles.
Resta aqui, portanto, contextualizar esses dois sentidos, quais sejam: (i) o que
prevalece na RFB, pelo qual “depreciados” deve ser lido restritivamente; e (ii) o que foi
consignado na SC SRRF10 n° 28, de 15 de março de 2001, segundo o qual a exaustão de ativos
florestais estaria abarcada pela expressão “depreciados”.
Como visto, na Solução de Divergência Cosit n° 12, de 7 de agosto de 2003, a RFB
afirma que a “intenção” do legislador seria a de só permitir que sejam realizados integralmente
no próprio ano de aquisição os bens do ativo imobilizado da pessoa jurídica que explore
atividade rural sujeitos à “depreciação no sentido estrito”.
Essa locução deixa evidente que a própria RFB entende haver uma depreciação em
sentido lato (que abarcaria a exaustão) e uma depreciação em sentido estrito, que seria distinta
da amortização e da exaustão.
Não é possível discordar da RFB nesse ponto, pois, exatamente por força dessas duas
acepções da palavra “depreciação” (sentido lato e sentido estrito), é que se justifica os dois
sentidos literais possíveis, aqui apresentados.
A Solução de Consulta SRRF04 nº 05/2004, que aplicou as conclusões da Solução de
Divergência para a situação específica da cultura da cana-de-açúcar, corrobora o exposto. É
que, entre os estudos contábeis citados na resposta fiscal, destaca-se o que afirma: “No caso de
culturas permanentes, a depreciação é chamada de exaustão [...].”
Se a depreciação é chamada de exaustão, isso prova que a exaustão é uma espécie de
depreciação.
Portanto, podemos afirmar, com convicção, que não há sequer disputa teórica quanto
ao fato de haver duas interpretações literais possíveis da expressão “depreciados”, contida no
artigo 6º, da MP nº 2.159-70/2001: uma que abarca a exaustão, outra que não abarca. A questão
que se coloca é explicitar com maior clareza esses dois sentidos, antes de verificar qual deles
melhor se conforma à Constituição.
O primeiro sentido literal do termo “depreciados” é visto como “a diminuição do valor
dos ativos ao longo do tempo”6. Nessa acepção, a depreciação é entendida como a regra geral
de realização de ativos não circulantes, conforme sua contribuição para o resultado do
exercício. Justamente nessa linha, Victor Polizelli7 apresenta suas reflexões sobre as regras do
novo Regulamento do Imposto de Renda, ao introduzir o seguinte tópico: “Realização no
consumo de ativos (depreciação/amortização/exaustão)”. Isto é, a realização no consumo de
ativos não circulantes pode se dar mediante depreciação, amortização ou exaustão, sendo a
depreciação vista, nesta primeira leitura literal do termo, como gênero e as demais como
espécies.
Jimir Doniak Jr.8 é adepto desta interpretação, fundamentando-a especialmente nas
normas contábeis brasileiras. Partindo da premissa de que “depreciação e exaustão são métodos
para alocação de custos no tempo”, afirma que são “figuras muito próximas, que têm o mesmo
objetivo”. Conclui que nem mesmo as regras contábeis sobre ativos imobilizados ou biológicos
fazem referência à “exaustão”, valendo-se sempre do termo “depreciação”, como gênero:

Nos Pronunciamentos do CPC, recentes, também se nota esse tratamento conjunto ou


a utilização do vocábulo “depreciação” de forma genérica alcançando as três figuras
[depreciação, amortização e exaustão]. Assim, no Pronunciamento Técnico CPC 01,
sobre a redução do valor recuperável de ativos, na maior parte das vezes é utilizada a
expressão conjunta “depreciação, amortização e exaustão”, sem diferenciar cada uma
dessas figuras. Já no Pronunciamento Técnico CPC 27, sobre ativo imobilizado, há
menção apenas à depreciação. [...]. O vocábulo “exaustão” não é utilizado é nenhum
local (assim como amortização). A conclusão é que “depreciação” foi utilizada para
abranger as três figuras “depreciação, amortização e exaustão.” – (grifei).

6
DERZI, Misabel Abreu Machado; FONSECA, Fernando Daniel de Moura. Depreciação acelerada na
agroindústria. In 50 Anos do Código Tributário Nacional. CARVALHO, Paulo de Barros. SOUZA, Priscila de.
(Coord.). São Paulo: Noeses/IBET, 2016, p. 922.
7
POLIZELLI, Victor. Renda, Realização, Regimes de Caixa e de Competência. In DONIAK JR., Jimir (coord.).
Novo RIR: aspectos jurídicos relevantes do Regulamento do Imposto de Renda 2018. São Paulo: Quartier Latin,
2019, p. 47.
8
DONIAK JR., Jimir. Depreciação acelerada incentivada para pessoa jurídica que explore a atividade rural. In
TORRES, Heleno Taveira e DONIAK JR, Jimir (coord.). Agronegócio, tributação e questões internacionais. São
Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 249-250.
Essa acepção ampla do termo depreciação encontra suporte também na literatura
estrangeira. Richard K. Gordon9, no estudo Depreciation, Amortization, and Depletion, afirma
que “A depreciação é uma estimativa de um declínio no valor da propriedade.” No capítulo II,
explicita que “Depreciable Property” inclui a seguintes categorias físicas: “(1) buildings [...]
(2) industrial plant and equipment, (3) depletable property (e.g., minerals), (4) land, and (5)
inventory.” E as seguintes categorias intangíveis: “(1) term-limited rights (e.g., leases,
copyrights), and (2) property without specific time limits on use, such as goodwill.”
Fica claro que, para o autor, depreciação é gênero, do qual são espécies a exaustão
(depletion/depletable property) e a amortização de intangíveis. Diversos trechos do trabalho
em questão demonstram isso:

The German rule specifically limits depreciation to property that suffers from wear
and tear and depletion, as well as extraordinary technical or financial depreciation.
[...]
The U.S. statute begins with a general rule that restricts depreciation for the costs of
property, both physical and nonphysical, that is due to "exhaustion, wear, and tear
(including a reasonable allowance for obsolescence).
[...]
Nevertheless, a single depreciation rate is fixed for all nonphysical property.
[...]
The British rules, not surprisingly, are a fairly good example of system (3) above,
where the rules appear to be largely arbitrary. As noted earlier, British depreciation
rules are based on neither useful lives nor on any other apparent estimation of actual
declines in value. With only two rates available for all depreciable physical and
nonphysical assets (including depletion), it can be guaranteed that allowances do not
approximate reality. – (grifei).

O fato de depreciação, exaustão e amortização terem o mesmo objetivo de alocação de


custos no tempo, ao evidenciar o consumo/realização de ativos não circulantes, levou o
legislador brasileiro a utilizar o termo de forma distinta daquela pretendida pela RFB, no art.
187, I, do Código Civil de 2002:

Art. 1.187. Na coleta dos elementos para o inventário serão observados os critérios de
avaliação a seguir determinados:
I - os bens destinados à exploração da atividade serão avaliados pelo custo de
aquisição, devendo, na avaliação dos que se desgastam ou depreciam com o uso, pela
ação do tempo ou outros fatores, atender-se à desvalorização respectiva, criando-se
fundos de amortização para assegurar-lhes a substituição ou a conservação do valor.
– (grifei).

A regra do dispositivo acima transcrito consiste em determinar que os bens destinados


à exploração da atividade (ou seja, ativos não circulantes) que se desgastam ou depreciam,

9
GORDON, Richard K. Depreciation, Amortization, and Depletion. In THURONYI, Victor (ed.). Tax Law Design
and Drafting, volume 2. International Monetary Fund, 1998.
deverão ser amortizados. Amortização, aqui, é vista como gênero, significando alocação de
custos no tempo, ao evidenciar o consumo/realização de ativos não circulantes.
Isso prova que a distinção entre depreciação, amortização e exaustão, contida no art.
183, § 2º, da Lei nº 6.404/1976, sequer pode ser vista como “o conceito de direito privado”
sobre a matéria, pretensamente unívoco, para fins tributários. Não há apenas “um” conceito de
direito privado sobre os termos em estudo, como demonstra a mera existência do art. 187, I, do
Código Civil de 2002.
Conclui-se que o primeiro sentido literal do termo “depreciados”, contida no artigo 6º,
da MP nº 2.159-70/2001: (i) designa genericamente a diminuição do valor dos ativos ao longo
do tempo; (ii) sendo regra geral de realização de ativos não circulantes; (iii) e que abarca tanto
a exaustão como a amortização, além da depreciação em sentido estrito.
O segundo sentido literal do termo “depreciados” é de mais fácil demonstração, por
ser mera remissão à definição contida no art. 183, § 2º, da Lei nº 6.404/1976, sendo esta a
interpretação veiculada na Solução de Consulta SRRF09 n° 120, de 25 de julho de 2001:

Art. 183. No balanço, os elementos do ativo serão avaliados segundo os seguintes


critérios:
[...]
§ 2º A diminuição do valor dos elementos dos ativos imobilizado e intangível será
registrada periodicamente nas contas de: (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009)
a) depreciação, quando corresponder à perda do valor dos direitos que têm por objeto
bens físicos sujeitos a desgaste ou perda de utilidade por uso, ação da natureza ou
obsolescência;
b) amortização, quando corresponder à perda do valor do capital aplicado na aquisição
de direitos da propriedade industrial ou comercial e quaisquer outros com existência
ou exercício de duração limitada, ou cujo objeto sejam bens de utilização por prazo
legal ou contratualmente limitado;
c) exaustão, quando corresponder à perda do valor, decorrente da sua exploração, de
direitos cujo objeto sejam recursos minerais ou florestais, ou bens aplicados nessa
exploração.

Nessa linha interpretativa, haveria: (i) “um” conceito de direito privado, de uso
obrigatório na interpretação da norma tributária; (ii) consistente em distinguir depreciação,
amortização e exaustão, consoante os critérios da Lei nº 6.404/1976; (iii) razão pela qual o
termo “depreciados”, contido no artigo 6º, da MP nº 2.159-70/2001, não abarcaria a exaustão
de ativos florestais.
Como visto, essa é apenas mais uma possibilidade para o sentido literal do termo
“depreciados”, não sendo sequer a única interpretação positivada pelo direito privado.
Por consequência, é necessário prosseguir com a aplicação dos demais métodos
interpretativos, a fim de identificar, dentro das possibilidades literais do termo “depreciados”,
a que seja mais adequada à Constituição.
3.2. Interpretação do termo “depreciados”, contido no artigo 6º, da MP nº 2.159-
70/2001, conforme a Constituição

Uma vez que a identificação dos sentidos literais possíveis é tão somente o ponto de
partida da interpretação, é preciso saber quais das duas interpretações literais da norma em
questão se mostra mais adequada perante os demais métodos interpretativos, especialmente a
conformidade com a Constituição.
Adotar-se-á, aqui, os métodos propostos Larenz e vistos na primeira parte deste estudo.
O contexto significativo do termo “depreciados” envolve o art. 6º, da MP nº 2.159-
70/2001. Por isso, é relevante separá-lo, didaticamente, em três partes: (i) “bens do ativo
permanente imobilizado, exceto a terra nua”; (ii) “adquiridos por pessoa jurídica que explore a
atividade rural, para uso nessa atividade”; (iii) “poderão ser depreciados integralmente no
próprio ano da aquisição”. O termo “depreciados” se encontra apenas na última parte do
dispositivo.
O leitor que percorre as partes (i) e (ii) do art. 6º, da MP nº 2.159-70/2001 não
identifica nenhum motivo para a leitura restritiva do termo “depreciados”. Ao contrário, o
contexto significativo indica a necessidade de descartar o sentido literal restritivo. Isso pelas
seguintes razões:
1) A parte (i) faz referência a todos os bens do ativo permanente imobilizado (onde
se encontravam, à época da sua edição10, as florestas cultivadas), apresentando uma
única exceção, relativa à terra nua. Se o objeto da norma em análise contempla
todos os ativos não circulantes imobilizados (à época, chamados de

10
O ativo permanente era o grupo de contas que englobava os bens ou direitos de permanência duradoura,
destinados ao funcionamento normal da sociedade. O ativo permanente era composto pelos subgrupos:
Investimentos, Imobilizado, Intangível e Diferido. A partir de 04.12.2008, tal terminologia foi extinta pela MP nº
449/2008, passando a corresponder ao ativo não circulante.
O Parecer Normativo do Coordenador do Sistema de Tributação (“CST”) nº 108, de 31 de dezembro de 1978,
determinava que a floresta plantada seja classificada no ativo imobilizado:
“8.1 Relativamente às aplicações em florestamento ou reflorestamento, a Lei nº 6.404/76 e o Decreto-lei
nº 1.598/77 estabelecem para as florestas, recursos florestais e direitos de sua exploração, tratamento de
correção monetária idêntico ao previsto para o ativo permanente; assim, a partir da introdução do novo
sistema de correção monetária, os empreendimentos florestais, independentemente da sua finalidade,
devem ser considerados como integrantes do ativo permanente. Portanto, o ativo permanente registrará:
a) no imobilizado, as florestas destinadas à exploração dos respectivos frutos e as que se destinem ao
corte para comercialização, consumo ou industrialização, bem como os direitos contratuais de exploração
de florestas, com prazo de exploração superior a dois anos.”
Com a edição da Lei nº 11.638/2007, que iniciou o processo de convergência das regras contábeis internacionais,
o CPC se tornou responsável pela elaboração das normas, conforme o padrão International Financial Reporting
Standards (“IFRS”). A CVM aprova os Pronunciamentos Técnicos do CPC, dotando-os de juridicidade, por força
do disposto no art. 177, da Lei nº 6.404/1976. Nesse sentido, o grupo de contas do ativo permanente, onde a floresta
plantada era classificada, passou a se chamar ativo não circulante. Editou-se, então, o Pronunciamento Técnico
CPC nº 29, divulgado em 16.09.2009, que determinou a classificação contábil da floresta plantada, e demais ativos
florestais, como ativo biológico, em conta específica, de mesmo nome, vinculada ao grupo dos ativos não
circulantes, sobretudo para fins de mensuração dos ativos a valor justo.
permanente/imobilizado), com exceção expressa apenas à terra nua, não há
nenhuma razão para pensar que haveria uma restrição implícita aos ativos sujeitos
à exaustão. Pelo contrário, não tendo sido excetuada essa espécie de ativo
juntamente com a terra nua, a primeira parte do dispositivo confirma sua aplicação
às florestas plantadas, sujeitas à exaustão.
2) A parte (ii) do art. 6º, da MP nº 2.159-70/2001 prossegue descrevendo o objeto de
aplicação da norma como os bens “adquiridos por pessoa jurídica que explore a
atividade rural, para uso nessa atividade”. Mais uma vez, não há nenhuma razão
para pensar que haveria uma restrição implícita aos ativos sujeitos à exaustão, na
medida em que basta que os bens (mencionados no item anterior) sejam adquiridos
por contribuinte produtor rural para uso nessa atividade, para que a norma seja
aplicável.
O art. 2º, da Lei nº 8.023/1990, dispõe, para fins de imposto de renda, que
“atividade rural” contempla a extração e a exploração vegetal, abarcando, por
consequência, o cultivo de florestas plantadas. Sendo assim, vê-se que a parte (ii)
do art. 6º, da MP nº 2.159-70/2001 confirma sua aplicação às florestas plantadas,
sujeitas à exaustão.
Vê-se que o contexto significativo da norma já é suficiente para que o intérprete
descarte o sentido literal restritivo, adotando o sentido literal do termo “depreciados” que
melhor se coaduna ao contexto da norma, qual seja, o de gênero de alocação de custos no
tempo, abarcando a exaustão de ativos florestais.
Conforme lição de Larenz, sempre que o sentido literal possível e o contexto
significativo da lei deixarem margem a diferentes interpretações, deve-se preferir a
interpretação que melhor se ajuste à intenção do legislador e ao escopo da norma (interpretação
histórico-teleológica). Para tanto, levam-se em conta a situação histórica, o motivo da
regulação, as declarações de intenção do legislador e a exposição oficial de motivos.
A Exposição Oficial de Motivos11 da MP nº 2.159-70/2001 reforça o que se extrai do
contexto significativo do seu art. 6º, proclamando se tratar de um amplo incentivo a qualquer
atividade rural. Afirmou-se que “[a] medida ora proposta justifica-se por que: [...] e) permite
a depreciação acelerada, em um único período base, de bens adquiridos para utilização na
atividade rural”, tendo a urgência e a relevância da matéria sido justificadas com base na
“concessão de justo benefício à atividade rural”, sem qualquer exceção ao cultivo de florestas
plantadas.

11
Exposição de Motivos da MP, Diário do Congresso Nacional publicado em 09/10/2001, p. 20.702.
Larenz demonstra que, antes de buscar o sentido de maior conformidade
constitucional, deve-se adotar critérios teleológicos-objetivos, para dar preferência, nos
quadros do sentido literal possível e da cadeia de significação (contexto), à interpretação que
evite uma contradição no sistema jurídico e que privilegie o postulado de justiça e a igualdade.
Trata-se de um teste prévio de controle de constitucionalidade dos sentidos literais
possíveis da norma. Nesses termos, para o caso em investigação, tem-se o seguinte:
a) O sentido literal restritivo, atribuído pela RFB ao art. 6º da MP nº 2.159-70/2001,
exclui do incentivo fiscal apenas a exaustão de recursos florestais, fazendo com
que os produtores rurais dedicados a esta atividade econômica sejam os únicos do
segmento incentivado (atividade rural) não autorizados a fruir o benefício.
Para que se pudesse justificar essa discriminação seria necessário encontrar na
Constituição motivo altamente relevante que a autorizasse. E esse motivo não
existe em parte alguma do ordenamento jurídico. O cultivo de florestas renováveis
é atividade rural como qualquer outra, cumprindo importantes objetivos de
preservação ambiental (art. 225, da Constituição), ao possibilitar que não sejam
desmatadas florestas nativas.
b) Por consequência, a interpretação da RFB afronta os postulados de justiça e de
igualdade, discriminando os produtores de florestas renováveis em flagrante
vulneração à Constituição.
c) Sendo assim e havendo outro sentido literal para o termo “depreciados”, contido
no art. 6º da MP nº 2.159-70/2001, que não vulnera os postulados de justiça e de
igualdade, deve-se preferir este sentido, qual seja, o de gênero de alocação de
custos no tempo, abarcando a exaustão de ativos florestais.
Entendimento semelhante foi manifestado pelo CARF:
“Ainda que se enquadrasse a lavoura de cana­de­açúcar como exaustão, como
defendido pela Fiscalização, o que se admite apenas para argumentar e o que não é,
destaca-se, o entendimento deste Relator, a Contribuinte faria jus ao benefício da
depreciação acelerada.
Semelhante entendimento é esposado pelo d. Conselheiro Marcelo Cuba Netto, como
pode ser lido no Acórdão nº 1201-001.243, publicado em 06/01/2016 e cujo
julgamento ocorrera em 10/12/2015:
“[...]
É importante notar que embora seja possível defender-se, como fez a Solução
de Consulta nº 05/2004, da DISIT da 4º Região, que a lavoura de
cana-de-açúcar sujeita-se à exaustão e não à depreciação, o fato é que, a
meu ver, o termo ‘depreciados’ contido no abaixo transcrito art. 12, §
2º, da Lei nº 8.023/90 (revogado em 1995 e, após, devolvido ao mundo
jurídico pelo art. 6º da Medida Provisória nº 2.159-70/2001), não deve
ser interpretado em seu sentido técnico-jurídico (o conceito de depreciação
encontra-se estabelecido no art. 183, § 2º, "a", da Lei nº 6.404/76):
(...)
Isso porque o art. 12, § 2º, da Lei nº 8.023/90 foi criado com a finalidade de
conceder incentivo tributário à atividade rural como um todo, tal como definida
em seu art. 2º, e não apenas às atividades rurais submetidas à depreciação em
sentido técnico-jurídico. Então, segundo uma interpretação finalística da lei, o
termo ‘depreciados’ contido em seu art. 12, § 2º, deve ser compreendido como
‘deduzidos como despesa’.”
Realmente, analisando o artigo 6º da MP nº 2.159-70/01, constata-se que, segundo
uma interpretação finalística, é indiferente o bem do “ativo permanente imobilizado”
ter o seu valor diminuído por exaustão ou depreciação, já que o benefício visa
incentivar a atividade rural como um todo.
Desse modo, seja porque a lavoura de cana-de-açúcar está sujeita a depreciação, seja
porque o art. 6º da Medida Provisória nº 2.159-70/01 adota o conceito amplo de
depreciação, correto foi o procedimento adotado pela Contribuinte e deve ser afastada
a glosa da exclusão do valor relativo a cana-de-açúcar.
(CARF. Acórdão nº 1201-001.441. Conselheiro Rel. João C. F. Neto. 08/06/2016)
Finalmente, ainda que restasse qualquer dúvida interpretativa – o que claramente não
é mais o caso –, a interpretação conforme a Constituição resolveria definitivamente a questão.
Segundo Larenz, esse método exige dar preferência, nos casos de várias interpretações possíveis
segundo o sentido literal e o contexto, àquela interpretação em que a norma, medida pelos
princípios constitucionais, possa ter subsistência.
Pode-se dizer que o teste prévio de critérios teleológicos-objetivos seja componente
de uma interpretação conforme a Constituição, ao afastar os sentidos possíveis que colidem
com os postulados de justiça e de igualdade. Mas há ainda outras normas e objetivos
constitucionais relevantes que se devem investigar nessa fase da interpretação, pertinentes à
razão pela qual o art. 6º da MP nº 2.159-70/2001 é norma que se conforma às finalidades
constitucionais.
Referidas finalidades constitucionais são extraídas da Constituição Econômica e
Social, em diálogo com a Constituição Tributária, fazendo com que a norma tributária seja
instrumento de concretização de objetivos da ordem econômica e social. A
interconstitucionalidade, observa Heleno Torres12, “concorre para a convergência, na
justaposição imanente dos textos das constituições materiais que a integram, para a efetividade
da Constituição total.”
A Constituição definiu os fins a serem perseguidos pelo Estado, notadamente o
dirigismo estatal sobre a ordem econômica, a educação, a saúde, a segurança pública, a redução
das desigualdades regionais, o combate à pobreza etc. Conforme Heleno Torres13, para o
atingimento desses fins, a Constituição disponibiliza “diversos meios e receitas a serem
cobradas dentro de serviços próprios, [...], afora a autorização das despesas pelo orçamento
e a burocracia necessária à realização do gasto público, e respectivos controles.”
A constitucionalização da atividade financeira do Estado permite identificar, no texto
constitucional, um conjunto de normas jurídicas que regulam direta ou indiretamente a obtenção
de receitas públicas, a autorização e a realização das despesas públicas e os mecanismos de

12
TORRES, Heleno Taveira. Direito constitucional financeiro. SP: RT, 2014, p. 61.
13
TORRES, Heleno Taveira. Direito constitucional financeiro. SP: RT, 2014, p. 88.
controle, pelos quais são realizados os fins constitucionais14. Daí Heleno Torres propor a Teoria
da Constituição Financeira, como uma teoria da submissão do poder financeiro estatal à
Constituição.
Todo tributo possui uma feição fiscal e uma extrafiscal. Será extrafiscal,
legitimamente, o cumprimento de um objetivo constitucional por meio do instrumento
tributário, mediante diálogo da Constituição Tributária com a Constituição Econômica ou com
a Constituição Social, por exemplo.
No caso das atividades rurais e, especificamente, de cultivo florestal, a Constituição as
definiu como estratégicas. O art. 187, que trata da política agrícola nacional, deixou expresso,
no § 1º, que as atividades florestais se incluem no planejamento agrícola, ao qual também
devem ser endereçados especiais instrumentos “creditícios e fiscais” (inciso I):

Art. 187. A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a
participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores
rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes,
levando em conta, especialmente:
I - os instrumentos creditícios e fiscais;
[...]
§ 1º Incluem-se no planejamento agrícola as atividades agro-industriais,
agropecuárias, pesqueiras e florestais.” – (grifei).

Dada a relevância constitucional do setor de florestas renováveis, o Decreto Federal


nº 3.420, em 20 de abril de 2000, instituiu o Programa Nacional de Florestas, com a meta de
articular políticas públicas para promover o seu desenvolvimento sustentável. Entre os
objetivos do programa estão (i) “apoiar o desenvolvimento das indústrias de base florestal”; e
(ii) “ampliar os mercados interno e externo de produtos e subprodutos florestais.”
O cultivo de florestas renováveis atende não apenas ao objetivo da ordem econômica,
contido no art. 187, da Constituição, mas também à preservação das florestas nativas e da
biodiversidade, concretizando a finalidade perseguida pelo art. 225, qual seja, o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo
ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar
as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus
componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão

14
TORRES, Heleno Taveira. Direito constitucional financeiro. SP: RT, 2014, p. 54.
permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a
integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente
causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto
ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e
substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização
pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem
em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os
animais a crueldade.
[...]
§ 4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal
Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á,
na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente,
inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

No estudo intitulado “O setor florestal no Brasil e a importância do reflorestamento”15,


conduzido pelo BNDES, demonstrou-se que “os investimentos no plantio de florestas durante
as décadas de 1970 e 1980 tiveram como resultado”, entre outros pontos, o “acúmulo de áreas
de preservação de florestas nativas (preservação permanente e reserva legal) da ordem de 1,6
milhões de hectares”.
O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, que é realizado por meio do
plantio de florestas renováveis, pertence à categoria dos direitos fundamentais, conforme
definido pelo Supremo Tribunal Federal:

As medidas provisórias não podem veicular norma que altere espaços territoriais
especialmente protegidos, sob pena de ofensa ao art. 225, inc. III, da Constituição da
República. As alterações promovidas pela Lei 12.678/2012 importaram diminuição
da proteção dos ecossistemas abrangidos pelas unidades de conservação por ela
atingidas, acarretando ofensa ao princípio da proibição de retrocesso
socioambiental, pois atingiram o núcleo essencial do direito fundamental ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado previsto no art. 225 da Constituição da
República.
[ADI 4.717, rel. min. Cármen Lúcia, j. 5-4-2018, P, DJE de 15-2-2019] – (grifei).

Em resumo, a interpretação conforme a Constituição aqui preconizada, para o art. 6º


da MP nº 2.159-70/2001, envolve o seguinte:
a) Teste prévio de igualdade: não é possível discriminar os produtores de florestas
renováveis, excluindo apenas este segmento de toda as atividades rurais
incentivadas, porque esse tratamento desigual não encontra suporte na
Constituição, representando arbítrio e injustiça;

15
JUVENAL, Thais Linhares; MATTOS, René Luiz Grion. O setor florestal no Brasil e a importância do
reflorestamento. BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n. 16, set. 2002, p. 14.
b) Teste material de conformidade com a ordem econômica (art. 187): o segmento
florestal foi contemplado expressamente entre os setores do agronegócio que
devem ser incentivados por instrumentos fiscais.
c) Teste material de conformidade com a ordem social (art. 225): o cultivo de
florestas renováveis atende à preservação das florestas nativas e da biodiversidade,
concretizando o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, o que justifica a concessão de incentivos fiscais específicos para essa
atividade.
Isso significa dizer que, entre dois sentidos literais possíveis para a norma jurídica,
deve-se preferir aquele que concretiza mais profundamente os objetivos constitucionais.
Sendo assim, não resta dúvida que, no caso da interpretação do art. 6º da MP nº 2.159-
70/2001, entre os sentidos literais possíveis para o termo “depreciados”, o que melhor se
conforma à Constituição é o que privilegia o sentido de gênero de consumo/realização de ativos
não circulantes, abarcando a espécie de exaustão de ativos florestais.

4. Esclarecimento sobre a aplicação do art. 111, do CTN, na interpretação do art. 6º


da MP nº 2.159-70/2001

A intepretação do art. 6º da MP nº 2.159-70/2001, tal qual proposta neste trabalho, não


colide com o art. 111, do CTN, por dois motivos.
Em primeiro lugar, referido dispositivo determina que “interpreta-se literalmente a
legislação tributária que disponha sobre: [...].” Foi fartamente demonstrado que a interpretação
literal é o ponto de partida, definindo os sentidos possíveis da norma.
Logo, não se deixou aqui de interpretar literalmente o art. 6º da MP nº 2.159-70/2001.
Pelo contrário, entre os sentidos literais possíveis, demonstrou-se aquele mais adequado (i) ao
contexto significativo, (ii) à intenção reguladora e ao escopo da norma, em interpretação
histórico-teleológica, (iii) aos critérios teleológicos-objetivos, privilegiando os postulados de
justiça e igualdade, e (iv) aos objetivos e normas da Constituição Econômica e da Constituição
Social.
Em segundo lugar, como destacado por Jimir Doniak Jr.16, o art. 111, do CTN, apenas
é aplicável às normas que disponham sobre (i) suspensão ou exclusão do crédito tributário; (ii)
outorga de isenção; e (iii) dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.

16
DONIAK JR., Jimir. Depreciação acelerada incentivada para pessoa jurídica que explore a atividade rural. In
TORRES, Heleno Taveira e DONIAK JR, Jimir (coord.). Agronegócio, tributação e questões internacionais. São
Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 257.
Portanto, essa norma é inaplicável ao art. 6º da MP nº 2.159-70/2001, que concede, sim, um
benefício fiscal, mas cujo efeito é meramente temporal, antecipando a dedutibilidade de
despesas que já são autorizadas pela legislação:

Afora isso, o benefício da depreciação integral do valor do bem no ano de sua


aquisição não caracteriza nenhuma das hipóteses do mencionado artigo: não se trata
de suspensão ou exclusão do crédito tributário, não caracteriza outorga de isenção,
nem muito menos dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.
Curioso observar, então, que aqueles que pretendem desvendar o conteúdo do art. 6º
da Medida Provisória nº 2.159-70/2001 utilizando-se para tanto do artigo 111 do CTN
terminam por não adotar uma interpretação literal dos próprios termos do artigo 111.
Acolhem uma interpretação expansiva dessa regra do CTN, para sustentar que ela
seria aplicável em qualquer caso de benefício fiscal, a despeito de seus termos literais
apontarem para outro sentido. Ou seja, os próprios defensores da interpretação literal
prescrita no artigo 111 muitas vezes são os primeiros a abandonar essa forma limitada
de compreensão na interpretação do próprio artigo 111.

Com tais esclarecimentos, previnem-se possíveis objeções à argumentação deduzida


quanto à melhor construção interpretativa do art. 6º da MP nº 2.159-70/2001, inclusive
mediante o critério da conformidade constitucional.

5. Conclusões

Ante o exposto, conclui-se:

a) O artigo 6º, da MP nº 2.159-70/2001, introduziu norma que autoriza o contribuinte


a depreciar integralmente, no próprio ano da aquisição, os bens do ativo
imobilizado, exceto a terra nua, utilizados na atividade rural, para fins de
IRPJ/CSLL. Para a correta interpretação desse dispositivo, partiu-se da obra de
Karl Larenz e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, valendo-se dos
seguintes critérios ou métodos:
1. Sentido literal: é o ponto de partida, extraindo-se do uso linguístico geral
um limite para a interpretação. Não se trata de algo inequívoco, em regra,
admitindo numerosas variantes, razão pela qual são decisivos os demais
critérios interpretativos.
2. Contexto significativo: imprescindível para compreender o significado
específico de um termo ou de uma frase precisamente neste contexto
textual.
3. Intenção reguladora e escopo da norma: sempre que o sentido literal
possível e o contexto significativo da lei deixarem margem a diferentes
interpretações, deve-se preferir a interpretação que melhor se ajuste à
intenção do legislador e ao escopo da norma (interpretação histórico-
teleológica). Para tanto, levam-se em conta a situação histórica, o motivo
da regulação, as declarações de intenção do legislador e a exposição oficial
de motivos.
4. Critérios teleológicos-objetivos: são as estruturas materiais do âmbito da
norma e os princípios jurídicos imanentes ao ordenamento jurídico. Trata-
se de dar preferência, nos quadros do sentido literal possível e da cadeia de
significação (contexto), à interpretação que evite uma contradição no
sistema jurídico e que privilegie o postulado de justiça e a igualdade.
5. Interpretação conforme a Constituição: exige dar preferência, nos casos de
várias interpretações possíveis segundo o sentido literal e o contexto,
àquela interpretação em que a norma, medida pelos princípios
constitucionais, possa ter subsistência.
b) Demonstrou-se que o artigo 6º, da MP nº 2.159-70/2001, comporta dois sentidos
literais possíveis, especialmente quanto ao termo “depreciados”. Os dois sentidos
são provados pela mera existência das Soluções de Consulta SRRF10 n° 28, de 15
de março de 2001 e SRRF09 n° 120, de 25 de julho de 2001. Foi a existência dos
dois sentidos possíveis, ora referidos, o que motivou a Solução de Divergência
Cosit n° 12, de 7 de agosto de 2003, quais sejam: (i) o que prevalece na RFB, pelo
qual “depreciados” deve ser lido restritivamente; e (ii) o que foi consignado na SC
SRRF10 n° 28, de 15 de março de 2001, segundo o qual a exaustão de ativos
florestais estaria abarcada pela expressão “depreciados”.
c) O primeiro sentido literal do termo “depreciados” é visto como a diminuição do
valor dos ativos ao longo do tempo. Nessa acepção, a depreciação é entendida
como a regra geral de realização de ativos não circulantes, conforme sua
contribuição para o resultado do exercício, da qual são espécies a exaustão e a
amortização.
d) O segundo sentido literal do termo “depreciados” é mera remissão à definição
contida no art. 183, § 2º, da Lei nº 6.404/1976. Nessa linha interpretativa, haveria:
(i) “um” conceito de direito privado, de uso obrigatório na interpretação da norma
tributária; (ii) consistente em distinguir depreciação, amortização e exaustão,
consoante os critérios da Lei nº 6.404/1976; (iii) razão pela qual o termo
“depreciados”, contido no artigo 6º, da MP nº 2.159-70/2001, não abarcaria a
exaustão de ativos florestais.
e) O fato de depreciação, exaustão e amortização terem o mesmo objetivo de alocação
de custos no tempo, ao evidenciar o consumo/realização de ativos não circulantes,
levou o legislador brasileiro a utilizar o termo de forma distinta daquela pretendida
pela RFB, no art. 187, I, do Código Civil de 2002. Essa regra consiste em
determinar que os bens destinados à exploração da atividade (ou seja, ativos não
circulantes) que se desgastam ou depreciam, deverão ser amortizados.
Amortização, aqui, é vista como gênero, significando alocação de custos no tempo,
ao evidenciar o consumo/realização de ativos não circulantes. Isso prova que a
distinção entre depreciação, amortização e exaustão, contida no art. 183, § 2º, da
Lei nº 6.404/1976, sequer pode ser vista como “o conceito de direito privado”
sobre a matéria, pretensamente unívoco, para fins tributários.
f) Não há, portanto, apenas “um” conceito de direito privado sobre os termos em
questão. Por consequência, foi necessário prosseguir com a aplicação dos demais
métodos interpretativos, a fim de identificar, dentro das possibilidades literais do
termo “depreciados”, a que seja mais adequada à Constituição.
g) O contexto significativo do artigo 6º, da MP nº 2.159-70/2001 já é suficiente para
que o intérprete descarte o sentido literal restritivo, adotando o sentido literal do
termo “depreciados” que melhor se coaduna ao contexto da norma, qual seja, o de
gênero de alocação de custos no tempo, abarcando a exaustão de ativos florestais.
h) A interpretação histórico-teleológica, valendo-se da Exposição Oficial de Motivos
da MP nº 2.159-70/2001 reforça o que se extrai do contexto significativo do seu
art. 6º, proclamando se tratar de um amplo incentivo a qualquer atividade rural,
sem qualquer exceção ao cultivo de florestas plantadas.
i) O teste da interpretação conforme a Constituição, para o art. 6º da MP nº 2.159-
70/2001, levou aos seguintes resultados:
1. Teste prévio de igualdade: não é possível discriminar os produtores de
florestas renováveis, excluindo apenas este segmento de toda as atividades
rurais incentivadas, porque esse tratamento desigual não encontra suporte
na Constituição, representando arbítrio e injustiça;
2. Teste material de conformidade com a ordem econômica (art. 187): o
segmento florestal foi contemplado expressamente entre os setores do
agronegócio que devem ser incentivados por instrumentos fiscais.
3. Teste material de conformidade com a ordem social (art. 225): o cultivo
de florestas renováveis atende à preservação das florestas nativas e da
biodiversidade, concretizando o direito fundamental ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, o que justifica a concessão de incentivos
fiscais específicos para essa atividade.
j) No caso da interpretação do art. 6º da MP nº 2.159-70/2001, entre os sentidos
literais possíveis para o termo “depreciados”, o que melhor se conforma à
Constituição é o que privilegia o sentido de gênero de consumo/realização de
ativos não circulantes, abarcando a espécie de exaustão de ativos florestais.
k) A intepretação do art. 6º da MP nº 2.159-70/2001, tal qual proposta neste trabalho,
não colide com o art. 111, do CTN, por dois motivos. Em primeiro lugar, referido
dispositivo determina que “interpreta-se literalmente a legislação tributária que
disponha sobre: [...].” Foi fartamente demonstrado que a interpretação literal é o
ponto de partida, definindo os sentidos possíveis da norma. Logo, não se deixou
aqui de interpretar literalmente o art. 6º da MP nº 2.159-70/2001. Pelo contrário,
entre os sentidos literais possíveis, demonstrou-se aquele mais adequado, inclusive
aos objetivos e normas da Constituição Econômica e da Constituição Social. Em
segundo lugar, o art. 111, do CTN, apenas é aplicável às normas que disponham
sobre (i) suspensão ou exclusão do crédito tributário; (ii) outorga de isenção; e (iii)
dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias. Portanto, essa
norma é inaplicável ao art. 6º da MP nº 2.159-70/2001, que concede, sim, um
benefício fiscal, mas cujo efeito é meramente temporal, antecipando a
dedutibilidade de despesas que já são autorizadas pela legislação.
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