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1. Introdução
1
Graduado em Direito e Mestrando em Direito Tributário pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG.
Mestrando em Direito Financeiro pela Universidade de São Paulo – USP. Pós-Graduado pelo Instituto Brasileiro
de Estudos Tributários – IBET. Presidente do Instituto Mineiro de Direito Tributário – IMDT. Membro do Comitê
Tributário da Sociedade Rural Brasileira – SRB e da Comissão do Direito do Agronegócio da OAB/MG. Professor
de Direito Tributário e Financeiro em cursos de Pós-Graduação e de Extensão. Advogado.
inclui a amortização nem a exaustão de recursos florestais.” Optou-se, nesse caso, por uma
interpretação formalista e supostamente obrigatória, em razão do art. 111, do CTN.
O assunto foi pacificado pela RFB por meio da Solução de Divergência Cosit n° 12,
de 7 de agosto de 2003, adotando-se a mesma interpretação formalista e restritiva do benefício,
com base nos seguintes fundamentos:
a) Diante da edição reiterada do dispositivo, com a redação inalterada, o legislador
teria demonstrado a “intenção de só permitir que sejam realizados integralmente
no próprio ano de aquisição os bens do ativo imobilizado da pessoa jurídica que
explore atividade rural sujeitos à depreciação no sentido estrito”.
b) Não seria “coerente” autorizar a exaustão integral, no próprio ano de aquisição,
visto que ela seria “custo direto de produção de determinado bem, sendo a ele
intrinsecamente vinculada, não possuindo limitação de prazo”, para fins de
dedutibilidade.
c) “As isenções ou abrandamentos de ônus de tributos” deveriam ser interpretadas
“restritamente” no Direito Tributário, por força do art. 111, do CTN.
Em 2004, a RFB editou a Solução de Consulta SRRF04 nº 5, estendendo as conclusões
da Solução de Divergência para a situação específica da cultura da cana-de-açúcar. Foram
reafirmadas as razões anteriores, citando diversos estudos contábeis, inclusive no sentido de
que “No caso de culturas permanentes, a depreciação é chamada de exaustão [...].”
Apresentada a controvérsia, no presente estudo será investigada a seguinte hipótese: o
artigo 6º, da MP nº 2.159-70/2001 poderia ser interpretado conforme a Constituição, de forma
que um dos seus sentidos possíveis (depreciação em sentido lato) abarcasse a exaustão de ativos
florestais?
Na primeira parte, demonstraremos o que é a interpretação conforme a Constituição, a
partir da obra de Karl Larenz e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Na segunda parte, será feito um teste dos sentidos literais possíveis para a expressão
“depreciados”, com base na ciência contábil e no direito privado, verificando se um desses
sentidos seria o mais adequado aos fins constitucionais.
Por fim, apresentaremos conclusões quanto à hipótese investigada.
2. A interpretação conforme a Constituição, a partir da obra de Karl Larenz e da
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
Karl Larenz2 afirma que uma norma só é inconstitucional quando não pode ser
interpretada em conformidade com a Constituição. Isto é, após feita a interpretação de uma
determinada regra a partir dos métodos interpretativos tradicionais, sendo possível uma leitura
que não viole a Constituição, há de preferir-se esta interpretação em detrimento de qualquer
outra que pudesse caracterizar a inconstitucionalidade3:
Disto decorre, então, que de entre várias interpretações possíveis segundo os demais
critérios sempre obtém preferência aquela que melhor concorde com os princípios da
Constituição. Conformidade à Constituição é, portanto, um critério de interpretação.
– (grifei).
2
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 479.
3
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 480.
4
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 480-490.
preferência, nos quadros do sentido literal possível e da cadeia de significação
(contexto), à interpretação que evite uma contradição no sistema jurídico e que
privilegie o postulado de justiça e a igualdade.
e) Interpretação conforme a Constituição: exige dar preferência, nos casos de várias
interpretações possíveis segundo o sentido literal e o contexto, àquela interpretação
em que a norma, medida pelos princípios constitucionais, possa ter subsistência.
Uma vez que o sentido literal delimita a interpretação possível de uma norma, é
recomendável começar por este critério, passando pelos demais na sequência. Não se trata de
cálculo, mas de uma “atividade criadora do espírito”.
O Supremo Tribunal Federal, na ADI 1.344 MC, Rel. Min. Moreira Alves, DJ
19/04/1996, deixou expresso que a interpretação conforme à Constituição só é utilizável quando
a norma impugnada admite, dentre as várias interpretações possíveis, uma que a compatibilize
com a Carta Magna, e não quando o sentido da norma é unívoco.
Na ADI 4.277 e na ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, DJE 14/10/2011, utilizou-se
dessa técnica para privilegiar uma interpretação que validasse o art. 1.723 do CC/2002:
Vê-se, portanto, que o STF admite há bastante tempo o uso dessa técnica interpretativa,
inclusive como método de controle de constitucionalidade5.
Não se pode deixar de expressar a similitude dessa técnica e da declaração de
inconstitucionalidade parcial sem redução de texto. Ocorre que, nesta última, o Poder Judiciário
não determina apenas uma interpretação válida, como faz na interpretação conforme a
5
“O STF está autorizado a apreciar a inconstitucionalidade de dada norma, ainda que seja para dela extrair
interpretação conforme à CF, com a finalidade de fazer incidir conteúdo normativo constitucional dotado de carga
cogente cuja produção de efeitos independa de intermediação legislativa.” [ADI 4.430, rel. min. Dias Toffoli, j.
29-6-2012, P, DJE de 19-9-2013.]
“É possível, juridicamente, formular-se, em inicial de ação direta de inconstitucionalidade, pedido de interpretação
conforme, ante enfoque diverso que se mostre conflitante com a Carta Federal. Envolvimento, no caso, de
reconhecimento de inconstitucionalidade.” [ADI 3.324, rel. min. Marco Aurélio, j. 16-12-2004, P, DJ de 5-8-
2005.]
Constituição. Como algumas interpretações de seu texto não guardam conformidade com a Lei
Maior, o Tribunal as julga inconstitucionais.
3. Teste dos sentidos possíveis para a expressão “depreciados”, contida no artigo 6º,
da MP nº 2.159-70/2001, e verificação de sua conformidade com a Constituição
6
DERZI, Misabel Abreu Machado; FONSECA, Fernando Daniel de Moura. Depreciação acelerada na
agroindústria. In 50 Anos do Código Tributário Nacional. CARVALHO, Paulo de Barros. SOUZA, Priscila de.
(Coord.). São Paulo: Noeses/IBET, 2016, p. 922.
7
POLIZELLI, Victor. Renda, Realização, Regimes de Caixa e de Competência. In DONIAK JR., Jimir (coord.).
Novo RIR: aspectos jurídicos relevantes do Regulamento do Imposto de Renda 2018. São Paulo: Quartier Latin,
2019, p. 47.
8
DONIAK JR., Jimir. Depreciação acelerada incentivada para pessoa jurídica que explore a atividade rural. In
TORRES, Heleno Taveira e DONIAK JR, Jimir (coord.). Agronegócio, tributação e questões internacionais. São
Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 249-250.
Essa acepção ampla do termo depreciação encontra suporte também na literatura
estrangeira. Richard K. Gordon9, no estudo Depreciation, Amortization, and Depletion, afirma
que “A depreciação é uma estimativa de um declínio no valor da propriedade.” No capítulo II,
explicita que “Depreciable Property” inclui a seguintes categorias físicas: “(1) buildings [...]
(2) industrial plant and equipment, (3) depletable property (e.g., minerals), (4) land, and (5)
inventory.” E as seguintes categorias intangíveis: “(1) term-limited rights (e.g., leases,
copyrights), and (2) property without specific time limits on use, such as goodwill.”
Fica claro que, para o autor, depreciação é gênero, do qual são espécies a exaustão
(depletion/depletable property) e a amortização de intangíveis. Diversos trechos do trabalho
em questão demonstram isso:
The German rule specifically limits depreciation to property that suffers from wear
and tear and depletion, as well as extraordinary technical or financial depreciation.
[...]
The U.S. statute begins with a general rule that restricts depreciation for the costs of
property, both physical and nonphysical, that is due to "exhaustion, wear, and tear
(including a reasonable allowance for obsolescence).
[...]
Nevertheless, a single depreciation rate is fixed for all nonphysical property.
[...]
The British rules, not surprisingly, are a fairly good example of system (3) above,
where the rules appear to be largely arbitrary. As noted earlier, British depreciation
rules are based on neither useful lives nor on any other apparent estimation of actual
declines in value. With only two rates available for all depreciable physical and
nonphysical assets (including depletion), it can be guaranteed that allowances do not
approximate reality. – (grifei).
Art. 1.187. Na coleta dos elementos para o inventário serão observados os critérios de
avaliação a seguir determinados:
I - os bens destinados à exploração da atividade serão avaliados pelo custo de
aquisição, devendo, na avaliação dos que se desgastam ou depreciam com o uso, pela
ação do tempo ou outros fatores, atender-se à desvalorização respectiva, criando-se
fundos de amortização para assegurar-lhes a substituição ou a conservação do valor.
– (grifei).
9
GORDON, Richard K. Depreciation, Amortization, and Depletion. In THURONYI, Victor (ed.). Tax Law Design
and Drafting, volume 2. International Monetary Fund, 1998.
deverão ser amortizados. Amortização, aqui, é vista como gênero, significando alocação de
custos no tempo, ao evidenciar o consumo/realização de ativos não circulantes.
Isso prova que a distinção entre depreciação, amortização e exaustão, contida no art.
183, § 2º, da Lei nº 6.404/1976, sequer pode ser vista como “o conceito de direito privado”
sobre a matéria, pretensamente unívoco, para fins tributários. Não há apenas “um” conceito de
direito privado sobre os termos em estudo, como demonstra a mera existência do art. 187, I, do
Código Civil de 2002.
Conclui-se que o primeiro sentido literal do termo “depreciados”, contida no artigo 6º,
da MP nº 2.159-70/2001: (i) designa genericamente a diminuição do valor dos ativos ao longo
do tempo; (ii) sendo regra geral de realização de ativos não circulantes; (iii) e que abarca tanto
a exaustão como a amortização, além da depreciação em sentido estrito.
O segundo sentido literal do termo “depreciados” é de mais fácil demonstração, por
ser mera remissão à definição contida no art. 183, § 2º, da Lei nº 6.404/1976, sendo esta a
interpretação veiculada na Solução de Consulta SRRF09 n° 120, de 25 de julho de 2001:
Nessa linha interpretativa, haveria: (i) “um” conceito de direito privado, de uso
obrigatório na interpretação da norma tributária; (ii) consistente em distinguir depreciação,
amortização e exaustão, consoante os critérios da Lei nº 6.404/1976; (iii) razão pela qual o
termo “depreciados”, contido no artigo 6º, da MP nº 2.159-70/2001, não abarcaria a exaustão
de ativos florestais.
Como visto, essa é apenas mais uma possibilidade para o sentido literal do termo
“depreciados”, não sendo sequer a única interpretação positivada pelo direito privado.
Por consequência, é necessário prosseguir com a aplicação dos demais métodos
interpretativos, a fim de identificar, dentro das possibilidades literais do termo “depreciados”,
a que seja mais adequada à Constituição.
3.2. Interpretação do termo “depreciados”, contido no artigo 6º, da MP nº 2.159-
70/2001, conforme a Constituição
Uma vez que a identificação dos sentidos literais possíveis é tão somente o ponto de
partida da interpretação, é preciso saber quais das duas interpretações literais da norma em
questão se mostra mais adequada perante os demais métodos interpretativos, especialmente a
conformidade com a Constituição.
Adotar-se-á, aqui, os métodos propostos Larenz e vistos na primeira parte deste estudo.
O contexto significativo do termo “depreciados” envolve o art. 6º, da MP nº 2.159-
70/2001. Por isso, é relevante separá-lo, didaticamente, em três partes: (i) “bens do ativo
permanente imobilizado, exceto a terra nua”; (ii) “adquiridos por pessoa jurídica que explore a
atividade rural, para uso nessa atividade”; (iii) “poderão ser depreciados integralmente no
próprio ano da aquisição”. O termo “depreciados” se encontra apenas na última parte do
dispositivo.
O leitor que percorre as partes (i) e (ii) do art. 6º, da MP nº 2.159-70/2001 não
identifica nenhum motivo para a leitura restritiva do termo “depreciados”. Ao contrário, o
contexto significativo indica a necessidade de descartar o sentido literal restritivo. Isso pelas
seguintes razões:
1) A parte (i) faz referência a todos os bens do ativo permanente imobilizado (onde
se encontravam, à época da sua edição10, as florestas cultivadas), apresentando uma
única exceção, relativa à terra nua. Se o objeto da norma em análise contempla
todos os ativos não circulantes imobilizados (à época, chamados de
10
O ativo permanente era o grupo de contas que englobava os bens ou direitos de permanência duradoura,
destinados ao funcionamento normal da sociedade. O ativo permanente era composto pelos subgrupos:
Investimentos, Imobilizado, Intangível e Diferido. A partir de 04.12.2008, tal terminologia foi extinta pela MP nº
449/2008, passando a corresponder ao ativo não circulante.
O Parecer Normativo do Coordenador do Sistema de Tributação (“CST”) nº 108, de 31 de dezembro de 1978,
determinava que a floresta plantada seja classificada no ativo imobilizado:
“8.1 Relativamente às aplicações em florestamento ou reflorestamento, a Lei nº 6.404/76 e o Decreto-lei
nº 1.598/77 estabelecem para as florestas, recursos florestais e direitos de sua exploração, tratamento de
correção monetária idêntico ao previsto para o ativo permanente; assim, a partir da introdução do novo
sistema de correção monetária, os empreendimentos florestais, independentemente da sua finalidade,
devem ser considerados como integrantes do ativo permanente. Portanto, o ativo permanente registrará:
a) no imobilizado, as florestas destinadas à exploração dos respectivos frutos e as que se destinem ao
corte para comercialização, consumo ou industrialização, bem como os direitos contratuais de exploração
de florestas, com prazo de exploração superior a dois anos.”
Com a edição da Lei nº 11.638/2007, que iniciou o processo de convergência das regras contábeis internacionais,
o CPC se tornou responsável pela elaboração das normas, conforme o padrão International Financial Reporting
Standards (“IFRS”). A CVM aprova os Pronunciamentos Técnicos do CPC, dotando-os de juridicidade, por força
do disposto no art. 177, da Lei nº 6.404/1976. Nesse sentido, o grupo de contas do ativo permanente, onde a floresta
plantada era classificada, passou a se chamar ativo não circulante. Editou-se, então, o Pronunciamento Técnico
CPC nº 29, divulgado em 16.09.2009, que determinou a classificação contábil da floresta plantada, e demais ativos
florestais, como ativo biológico, em conta específica, de mesmo nome, vinculada ao grupo dos ativos não
circulantes, sobretudo para fins de mensuração dos ativos a valor justo.
permanente/imobilizado), com exceção expressa apenas à terra nua, não há
nenhuma razão para pensar que haveria uma restrição implícita aos ativos sujeitos
à exaustão. Pelo contrário, não tendo sido excetuada essa espécie de ativo
juntamente com a terra nua, a primeira parte do dispositivo confirma sua aplicação
às florestas plantadas, sujeitas à exaustão.
2) A parte (ii) do art. 6º, da MP nº 2.159-70/2001 prossegue descrevendo o objeto de
aplicação da norma como os bens “adquiridos por pessoa jurídica que explore a
atividade rural, para uso nessa atividade”. Mais uma vez, não há nenhuma razão
para pensar que haveria uma restrição implícita aos ativos sujeitos à exaustão, na
medida em que basta que os bens (mencionados no item anterior) sejam adquiridos
por contribuinte produtor rural para uso nessa atividade, para que a norma seja
aplicável.
O art. 2º, da Lei nº 8.023/1990, dispõe, para fins de imposto de renda, que
“atividade rural” contempla a extração e a exploração vegetal, abarcando, por
consequência, o cultivo de florestas plantadas. Sendo assim, vê-se que a parte (ii)
do art. 6º, da MP nº 2.159-70/2001 confirma sua aplicação às florestas plantadas,
sujeitas à exaustão.
Vê-se que o contexto significativo da norma já é suficiente para que o intérprete
descarte o sentido literal restritivo, adotando o sentido literal do termo “depreciados” que
melhor se coaduna ao contexto da norma, qual seja, o de gênero de alocação de custos no
tempo, abarcando a exaustão de ativos florestais.
Conforme lição de Larenz, sempre que o sentido literal possível e o contexto
significativo da lei deixarem margem a diferentes interpretações, deve-se preferir a
interpretação que melhor se ajuste à intenção do legislador e ao escopo da norma (interpretação
histórico-teleológica). Para tanto, levam-se em conta a situação histórica, o motivo da
regulação, as declarações de intenção do legislador e a exposição oficial de motivos.
A Exposição Oficial de Motivos11 da MP nº 2.159-70/2001 reforça o que se extrai do
contexto significativo do seu art. 6º, proclamando se tratar de um amplo incentivo a qualquer
atividade rural. Afirmou-se que “[a] medida ora proposta justifica-se por que: [...] e) permite
a depreciação acelerada, em um único período base, de bens adquiridos para utilização na
atividade rural”, tendo a urgência e a relevância da matéria sido justificadas com base na
“concessão de justo benefício à atividade rural”, sem qualquer exceção ao cultivo de florestas
plantadas.
11
Exposição de Motivos da MP, Diário do Congresso Nacional publicado em 09/10/2001, p. 20.702.
Larenz demonstra que, antes de buscar o sentido de maior conformidade
constitucional, deve-se adotar critérios teleológicos-objetivos, para dar preferência, nos
quadros do sentido literal possível e da cadeia de significação (contexto), à interpretação que
evite uma contradição no sistema jurídico e que privilegie o postulado de justiça e a igualdade.
Trata-se de um teste prévio de controle de constitucionalidade dos sentidos literais
possíveis da norma. Nesses termos, para o caso em investigação, tem-se o seguinte:
a) O sentido literal restritivo, atribuído pela RFB ao art. 6º da MP nº 2.159-70/2001,
exclui do incentivo fiscal apenas a exaustão de recursos florestais, fazendo com
que os produtores rurais dedicados a esta atividade econômica sejam os únicos do
segmento incentivado (atividade rural) não autorizados a fruir o benefício.
Para que se pudesse justificar essa discriminação seria necessário encontrar na
Constituição motivo altamente relevante que a autorizasse. E esse motivo não
existe em parte alguma do ordenamento jurídico. O cultivo de florestas renováveis
é atividade rural como qualquer outra, cumprindo importantes objetivos de
preservação ambiental (art. 225, da Constituição), ao possibilitar que não sejam
desmatadas florestas nativas.
b) Por consequência, a interpretação da RFB afronta os postulados de justiça e de
igualdade, discriminando os produtores de florestas renováveis em flagrante
vulneração à Constituição.
c) Sendo assim e havendo outro sentido literal para o termo “depreciados”, contido
no art. 6º da MP nº 2.159-70/2001, que não vulnera os postulados de justiça e de
igualdade, deve-se preferir este sentido, qual seja, o de gênero de alocação de
custos no tempo, abarcando a exaustão de ativos florestais.
Entendimento semelhante foi manifestado pelo CARF:
“Ainda que se enquadrasse a lavoura de canadeaçúcar como exaustão, como
defendido pela Fiscalização, o que se admite apenas para argumentar e o que não é,
destaca-se, o entendimento deste Relator, a Contribuinte faria jus ao benefício da
depreciação acelerada.
Semelhante entendimento é esposado pelo d. Conselheiro Marcelo Cuba Netto, como
pode ser lido no Acórdão nº 1201-001.243, publicado em 06/01/2016 e cujo
julgamento ocorrera em 10/12/2015:
“[...]
É importante notar que embora seja possível defender-se, como fez a Solução
de Consulta nº 05/2004, da DISIT da 4º Região, que a lavoura de
cana-de-açúcar sujeita-se à exaustão e não à depreciação, o fato é que, a
meu ver, o termo ‘depreciados’ contido no abaixo transcrito art. 12, §
2º, da Lei nº 8.023/90 (revogado em 1995 e, após, devolvido ao mundo
jurídico pelo art. 6º da Medida Provisória nº 2.159-70/2001), não deve
ser interpretado em seu sentido técnico-jurídico (o conceito de depreciação
encontra-se estabelecido no art. 183, § 2º, "a", da Lei nº 6.404/76):
(...)
Isso porque o art. 12, § 2º, da Lei nº 8.023/90 foi criado com a finalidade de
conceder incentivo tributário à atividade rural como um todo, tal como definida
em seu art. 2º, e não apenas às atividades rurais submetidas à depreciação em
sentido técnico-jurídico. Então, segundo uma interpretação finalística da lei, o
termo ‘depreciados’ contido em seu art. 12, § 2º, deve ser compreendido como
‘deduzidos como despesa’.”
Realmente, analisando o artigo 6º da MP nº 2.159-70/01, constata-se que, segundo
uma interpretação finalística, é indiferente o bem do “ativo permanente imobilizado”
ter o seu valor diminuído por exaustão ou depreciação, já que o benefício visa
incentivar a atividade rural como um todo.
Desse modo, seja porque a lavoura de cana-de-açúcar está sujeita a depreciação, seja
porque o art. 6º da Medida Provisória nº 2.159-70/01 adota o conceito amplo de
depreciação, correto foi o procedimento adotado pela Contribuinte e deve ser afastada
a glosa da exclusão do valor relativo a cana-de-açúcar.
(CARF. Acórdão nº 1201-001.441. Conselheiro Rel. João C. F. Neto. 08/06/2016)
Finalmente, ainda que restasse qualquer dúvida interpretativa – o que claramente não
é mais o caso –, a interpretação conforme a Constituição resolveria definitivamente a questão.
Segundo Larenz, esse método exige dar preferência, nos casos de várias interpretações possíveis
segundo o sentido literal e o contexto, àquela interpretação em que a norma, medida pelos
princípios constitucionais, possa ter subsistência.
Pode-se dizer que o teste prévio de critérios teleológicos-objetivos seja componente
de uma interpretação conforme a Constituição, ao afastar os sentidos possíveis que colidem
com os postulados de justiça e de igualdade. Mas há ainda outras normas e objetivos
constitucionais relevantes que se devem investigar nessa fase da interpretação, pertinentes à
razão pela qual o art. 6º da MP nº 2.159-70/2001 é norma que se conforma às finalidades
constitucionais.
Referidas finalidades constitucionais são extraídas da Constituição Econômica e
Social, em diálogo com a Constituição Tributária, fazendo com que a norma tributária seja
instrumento de concretização de objetivos da ordem econômica e social. A
interconstitucionalidade, observa Heleno Torres12, “concorre para a convergência, na
justaposição imanente dos textos das constituições materiais que a integram, para a efetividade
da Constituição total.”
A Constituição definiu os fins a serem perseguidos pelo Estado, notadamente o
dirigismo estatal sobre a ordem econômica, a educação, a saúde, a segurança pública, a redução
das desigualdades regionais, o combate à pobreza etc. Conforme Heleno Torres13, para o
atingimento desses fins, a Constituição disponibiliza “diversos meios e receitas a serem
cobradas dentro de serviços próprios, [...], afora a autorização das despesas pelo orçamento
e a burocracia necessária à realização do gasto público, e respectivos controles.”
A constitucionalização da atividade financeira do Estado permite identificar, no texto
constitucional, um conjunto de normas jurídicas que regulam direta ou indiretamente a obtenção
de receitas públicas, a autorização e a realização das despesas públicas e os mecanismos de
12
TORRES, Heleno Taveira. Direito constitucional financeiro. SP: RT, 2014, p. 61.
13
TORRES, Heleno Taveira. Direito constitucional financeiro. SP: RT, 2014, p. 88.
controle, pelos quais são realizados os fins constitucionais14. Daí Heleno Torres propor a Teoria
da Constituição Financeira, como uma teoria da submissão do poder financeiro estatal à
Constituição.
Todo tributo possui uma feição fiscal e uma extrafiscal. Será extrafiscal,
legitimamente, o cumprimento de um objetivo constitucional por meio do instrumento
tributário, mediante diálogo da Constituição Tributária com a Constituição Econômica ou com
a Constituição Social, por exemplo.
No caso das atividades rurais e, especificamente, de cultivo florestal, a Constituição as
definiu como estratégicas. O art. 187, que trata da política agrícola nacional, deixou expresso,
no § 1º, que as atividades florestais se incluem no planejamento agrícola, ao qual também
devem ser endereçados especiais instrumentos “creditícios e fiscais” (inciso I):
Art. 187. A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a
participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores
rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes,
levando em conta, especialmente:
I - os instrumentos creditícios e fiscais;
[...]
§ 1º Incluem-se no planejamento agrícola as atividades agro-industriais,
agropecuárias, pesqueiras e florestais.” – (grifei).
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo
ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar
as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus
componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão
14
TORRES, Heleno Taveira. Direito constitucional financeiro. SP: RT, 2014, p. 54.
permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a
integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente
causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto
ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e
substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização
pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem
em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os
animais a crueldade.
[...]
§ 4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal
Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á,
na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente,
inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
As medidas provisórias não podem veicular norma que altere espaços territoriais
especialmente protegidos, sob pena de ofensa ao art. 225, inc. III, da Constituição da
República. As alterações promovidas pela Lei 12.678/2012 importaram diminuição
da proteção dos ecossistemas abrangidos pelas unidades de conservação por ela
atingidas, acarretando ofensa ao princípio da proibição de retrocesso
socioambiental, pois atingiram o núcleo essencial do direito fundamental ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado previsto no art. 225 da Constituição da
República.
[ADI 4.717, rel. min. Cármen Lúcia, j. 5-4-2018, P, DJE de 15-2-2019] – (grifei).
15
JUVENAL, Thais Linhares; MATTOS, René Luiz Grion. O setor florestal no Brasil e a importância do
reflorestamento. BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n. 16, set. 2002, p. 14.
b) Teste material de conformidade com a ordem econômica (art. 187): o segmento
florestal foi contemplado expressamente entre os setores do agronegócio que
devem ser incentivados por instrumentos fiscais.
c) Teste material de conformidade com a ordem social (art. 225): o cultivo de
florestas renováveis atende à preservação das florestas nativas e da biodiversidade,
concretizando o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, o que justifica a concessão de incentivos fiscais específicos para essa
atividade.
Isso significa dizer que, entre dois sentidos literais possíveis para a norma jurídica,
deve-se preferir aquele que concretiza mais profundamente os objetivos constitucionais.
Sendo assim, não resta dúvida que, no caso da interpretação do art. 6º da MP nº 2.159-
70/2001, entre os sentidos literais possíveis para o termo “depreciados”, o que melhor se
conforma à Constituição é o que privilegia o sentido de gênero de consumo/realização de ativos
não circulantes, abarcando a espécie de exaustão de ativos florestais.
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DONIAK JR., Jimir. Depreciação acelerada incentivada para pessoa jurídica que explore a atividade rural. In
TORRES, Heleno Taveira e DONIAK JR, Jimir (coord.). Agronegócio, tributação e questões internacionais. São
Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 257.
Portanto, essa norma é inaplicável ao art. 6º da MP nº 2.159-70/2001, que concede, sim, um
benefício fiscal, mas cujo efeito é meramente temporal, antecipando a dedutibilidade de
despesas que já são autorizadas pela legislação:
5. Conclusões
DONIAK JR., Jimir. Depreciação acelerada incentivada para pessoa jurídica que explore a
atividade rural. In TORRES, Heleno Taveira e DONIAK JR, Jimir (coord.). Agronegócio,
tributação e questões internacionais. São Paulo: Quartier Latin, 2019.
JUVENAL, Thais Linhares; MATTOS, René Luiz Grion. O setor florestal no Brasil e a
importância do reflorestamento. BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n. 16, set. 2002.