Você está na página 1de 13

1

8.ª AULA
IED

A INTERPRETAÇÃO DA LEI

Em que consiste a interpretação da lei? 1234

Consiste em fixar o sentido e o alcance com que ela deve valer.

E por quê?

Trata-se de uma tarefa indispensável, a realizar antes da aplicação da lei,


pois é fundamental apreender o pensamento legislativo (vide art. 9.º do
CC).

Ou seja, é preciso compreender a lei, determinar o seu conteúdo e o seu


alcance, para depois a aplicar, e nisso consiste a interpretação.

E como se chama a técnica de interpretação?

A técnica de interpretação chama-se hermenêutica (método de


interpretação ou teoria da interpretação).

E qual a razão da existência dessa técnica?

A lei emprega várias significações, assim, para garantir a uniformidade de


resultados e evitar o livre arbítrio do julgador, é imposto ao intérprete
alguns critérios interpretativos.

1
Manuel Fernandes COSTA, Noções Fundamentais de Direito. Coimbra: Serviços de Acção Social da UC,
2000. p. 198.
2
Carlos José BATALHÃO, Direito Noções Fundamentais. Porto: Porto Editora, 2012. p. 68.
3
A. SANTOS JUSTOS, Introdução ao Estudo do Direito, 14.ª ed. Coimbra: Petrony Editora, 2023. p. 303
e ss.
4
Sandra Lopes LUÍS, Introdução ao Estudo do Direito – Sumários das Aulas Práticas e Hipóteses
Resolvidas, 4.ª ed. Lisboa: AAFDL, 2022. p. 113 e ss.
2

Formas de interpretação

Interpretação autêntica e doutrinal/jurisprudencial

Podem distinguir-se sob este aspeto, fundamentalmente, dois tipos de


interpretação: i) Autêntica; ii) Doutrinal ou jurisprudencial.

i) Autêntica » quando é realizada por outra lei (interpretativa), de valor


igual ou superior – vincula a todos (art. 13.º do CC).

Trata-se, portanto, da explicitação legislativa duma lei duvidosa, carecida


de esclarecimento, que tem a força vinculativa de lei. No entanto, é
necessário que o legislador a qualifique em termos suficientemente
inequívocos.5

Além do órgão legislativo que elaborou a lei interpretada (auto-


interpretação)6, a interpretação autêntica pode ser igualmente feita por
outro órgão legislativo (hétero-interpretação)7

ii) Doutrinal ou jurisprudencial » efetuado com recurso aos critérios


fixados pelos autores ou pensadores do Direito (doutrina) ou pelos órgãos
encarregados da sua aplicação (jurisprudência).

Pode ser de quatro tipos:

a) Interpretação jurisdicional » feita pelo tribunal no âmbito do


processo. Só tem efeito vinculativo no processo em que tem lugar.

5
A. SANTOS JUSTOS, Introdução ao Estudo do Direito, 14.ª ed. Coimbra: Petrony Editora, 2023. p. 305.
6
Exemplo: uma lei interpreta outra lei ou um decreto-lei interpreta outro decreto-lei.
7
Exemplo: em matéria de competência legislativa comum, uma lei interpreta um decreto-lei ou
inversamente.
3

b) Interpretação administrativa » a cargo da Administração


Pública. Tem eficácia meramente interna na Administração Pública
e, portanto, não vincula os particulares.

c) Interpretação particular » feita por qualquer pessoa não jurista.


Baseia-se na autoridade intrínseca das razões invocadas.

d) Interpretação doutrinal propriamente dita » realizada por


jurisconsultos e juristas. Baseia-se na autoridade intrínseca das
razões invocadas.

A interpretação doutrinal (ou jurisprudencial), apesar de não


vincular, pode ter força persuasiva.

Interpretação subjetivista e objetivista

Este tipo de interpretação visa o sentido da lei. São de duas modalidades: i)


Subjetivista; ii) Objetivista.

i) Subjetivista » quando se procura reconstituir o pensamento concreto,


real, do legislador.

Críticas » O Estado e o poder político são realidades institucionais


e não pessoais e, portanto, carecem de vontade psicológica; o
legislador é um termo cômodo que personifica entidades muito
complexas (Assembleia ou Parlamento, Governo) e nem sempre é
fácil ou mesmo possível determinar a sua vontade; as leis são
vocacionadas para vigorar, em regra, durante muitos anos e até
séculos de modo autónomo da vontade do legislador e os tribunais
não podem subtrair-se ao espírito do tempo em que as interpretam
e decidem; e, reduzindo a interpretação jurídica à mens ou voluntas
legislatoris, atribui-se à lei um âmbito mais pobre e, por isso,
4

amplia-se o recurso à integração das lacunas com algum sacrifício


da segurança e da certeza do direito.8

ii) Objetivista » quando se procura determinar o sentido da lei em si,


desligado da pessoa ou pessoas que a fizeram (mens legis).

Críticas » O juiz, embora esteja limitado pelos possíveis


significados linguísticos do texto e pelo sistema do direito em que
a lei se insere, goza, sobretudo, no objetivismto atualista, duma
apreciável margem de arbítrio que, fomentando a disparidade de
julgados, sacrifica a certeza e a segurança do direito e é suscetível
de atentar contra o dever de obediência ao poder constituído. Uma
segunda crítica é que a expressão "vontade da lei” é uma
personificação injustificada da lei, porque só o homem tem
vontade.9

Interpretação histórica e atualista

Assente na contraposição entre o passado e o presente, temos duas modalidades:


i) Histórica; ii) Atualista.

i) Histórica » se procura o sentido que a lei tinha quando foi feita.

ii) Atualista » se procura fixar o sentido que a lei tem no momento da sua
aplicação.

Código Civil

E o Código Civil?

Como se pronuncia sobre a forma de interpretação?

8
A. SANTOS JUSTOS, Introdução ao Estudo do Direito, 14.ª ed. Coimbra: Petrony Editora, 2023. p. 308.
9
A. SANTOS JUSTOS, Introdução ao Estudo do Direito, 14.ª ed. Coimbra: Petrony Editora, 2023. p. 310.
5

Art. 9.º do CC: “Interpretação da lei 1 - A interpretação não deve cingir-se


à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo,
tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias
em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é
aplicada. 2 - Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o
pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de
correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. 3 - Na
fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador
consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento
em termos adequados”.

E isso significa que o CC adotou as formas de interpretação acima referidas?

A doutrina entende que no esforço interpretativo se deve, sempre que


possível, determinar qual a vontade real do legislador (portanto, numa
interpretação subjetivista), atualizada (numa interpretação atualista),
embora não descurando os elementos históricos e literais.

Ou seja, adotou a teoria mista (gradualista ou de síntese) » o sentido da


lei não se identifica com a mens ou voluntas legislatoris, mas também não
a dispensa: é o resultado dum processo de pensamento que considera todos
os momentos subjetivo e objetivos.

Por isso, a sua interpretação não dispensa a intenção do legislador histórico


nem o circunstancialismo atual que determina seu atual sentido normativo.

Numa palavra, é necessário conhecer a decisão do legislador e os


fundamentos em que se apoia, para se acomodar e adaptar a lei ao
presente.10

10
A. SANTOS JUSTOS, Introdução ao Estudo do Direito, 14.ª ed. Coimbra: Petrony Editora, 2023. p. 313
e ss.
6

Elementos de interpretação

Por elementos11 de interpretação entendem-se aqueles fatores ou instrumentos que


o intérprete deve utilizar para fixar o sentido da lei.

Estes elementos aparecem vulgarmente agrupados em três grandes categorias: i)


Elemento gramatical, textual ou literário; ii) Elementos lógicos.

i) Elemento gramatical, textual ou literário » o ponto de partida tem de


ser, obviamente, a letra da lei (n.º 1 do art. 9.º do CC).

Competem duas funções primordiais a este elemento:

a) Função negativa » o elemento literal serve para excluir todos os


sentidos que não tenham apoio na letra da lei (n.º 2 do art. 9.º do
CC).

b) Função positiva » privilegia sucessivamente, de entre os vários


significados possíveis, o técnico-jurídico, o especial e o fixado pelo
uso geral da linguagem.

Em relação ao primeiro, dever-se-á ter presente a suposição de que


o legislador soube exprimir corretamente o seu pensamento e, por
isso, serviu-se do vocabulário jurídico adequado. Quando ao
segundo, ocorre em matérias técnicas, onde assume um sentido
próprio ou peculiar. E sobre o último, que é o sentido comumente
entendido, dir-se-á que o legislador se dirige a todos os cidadãos e
é necessário que o entendam.12

11
Manuel Fernandes COSTA, Noções Fundamentais de Direito. Coimbra: Serviços de Acção Social da
UC, 2000. p. 207.
12
A. SANTOS JUSTOS, Introdução ao Estudo do Direito, 14.ª ed. Coimbra: Petrony Editora, 2023. p. 315.
7

Elemento literal (ponto de partida) » “a interpretação deve (…)


reconstituir , a partir dos textos, o pensamento legislativo” (art. 9.º,
n.º 1, CC).

Função negativa » o intérprete não pode considerar aquele


pensamento “que não tenha na letra da lei um mínimo de
correspondência verbal” (art. 9.º, n.º 2, CC).

Função positiva » quando determina que o intérprete presumirá que


o legislador “soube exprimir o seu pensamento em termos
adequados” (art. 9.º, n.º 3, CC).

Menor importância da letra » ao afirmar que “a interpretação não


deve cingir-se à letra da lei” (art. 9.º, n.º 1, CC).

ii) Elementos lógicos13 » não chega a partir do texto legal, é necessário


determinar o espírito da lei, na sua racionalidade ou lógica, lançando mão
de vários outros elementos, como veremos a seguir:

a) Elemento histórico » atende à história da lei, aos seus


antecedentes, que ajudam a compreender qual o fim visado pelo
legislador com a alteração legislativa (leis anteriores, trabalhos
preparatórios, preâmbulo, precedentes normativos, etc.) – n.º 1 do
art. 9.º do CC.

b) Elemento sistemático » a norma a interpretar não existe


isoladamente, pelo que as leis interpretam-se uma pelas outras, pois
o Direito é um sistema de normas correlacionadas entre si,
formando uma ordem, um sistema jurídico – n.º 1 do art. 9.º do CC
(unidade do sistema jurídico).

13
Carlos José BATALHÃO, Direito Noções Fundamentais. Porto: Porto Editora, 2012. p. 70.
8

Com efeito, as normas jurídicas relacionam-se por:

i) Subordinação » é a relação entre uma norma e os


princípios gerais do sistema jurídico, cujo conhecimento
auxilia o seu esclarecimento.

ii) Conexão » é a relação entre as normas contíguas que


formam o contexto da norma.

iii) Analogia » é a relação entre preceitos semelhantes que


integram outros institutos.

c) Elemento racional ou teleológico » o fim visado pelo legislador


ou o objetivo que a norma visa realizar (sua razão de ser – ratio
legis).

Para esse efeito, atende-se a uma série de circunstâncias


(sociais, morais, políticas e económicas) – n.º 1 e 3 do art.
9.º do CC (“o intérprete presumirá que o legislador
consagrou as soluções mais acertadas").

Resultados da interpretação

A interpretação é uma tarefa complexa, cabendo ao intérprete determinar o sentido


e o alcance da lei, partindo do seu texto, o que pode levar a vários resultados.

Relativamente aos resultados, temos a interpretação: i) Declarativa; ii) Extensiva;


iii) Restritiva; iv) Enunciativa; v) Ab-rogante.14

i) Declarativa » quando se fixa à norma, como seu verdadeiro sentido, um


dos seus sentidos literais.

14
A. SANTOS JUSTOS, Introdução ao Estudo do Direito, 14.ª ed. Coimbra: Petrony Editora, 2023. p. 320
e ss.
9

Ocorre, quando o significado literal é indeterminado ou ambíguo e


o intérprete se limita a clarificar e a fixar um.

Exemplo: Como declarativa será a interpretação do art.


875.º do CC ao considerar-se o seu preceito aplicável à
venda de uma casa de habitação ou de uma propriedade
agrícola (v. art. 204.º, n.º 1, al. a, e n.º 2, do CC).

Será lata ou restrita se o sentido literal fixado for, respetivamente,


o mais amplo ou restrito. Em qualquer dos casos nada se estende
nem restringe, porque há perfeita coincidência entre o significado
literal e o espírito da lei.

Exemplo: a palavra homem pode significar ser humano


masculino (sentido restrito) e ser humano
independentemente de sexo (sentido lato).

Exemplo: o verbo alienar pode significar dispor totalmente


duma coisa (sentido lato) ou parcialmente (sentido restrito).

ii) Extensiva » quando se fixa à norma um sentido mais amplo do que


aquele que resulta do texto da lei.

Exemplo: A proibição da venda de pais ou avós a filhos ou


netos deve estender-se à venda a genros ou netos (art. 877.º,
n.º 1, CC).

iii) Restritiva » quando se fixa à norma um sentido mais limitado do que


aquele que resultaria do texto da lei.

Exemplo: Negócio usurário » é anulável, por usura, o


negócio jurídico quando alguém, explorando o estado
mental de outrem, obtiver deste a promessa ou a concessão
10

de benefícios excessivos ou injustificados. A expressão


estado mental tem um alcance excessivo, devendo
considerar-se não um estado mental lúcido e firme, mas,
tão-só, um estado mental depressivo.

Exemplo: Publicidade da lei » a lei só se torna obrigatória


depois de publicado no jornal oficial. O vocábulo lei tem
um sentido que carece de restrição: não é qualquer lei, mas
apenas aquela que deva ser publicada no Diário da
República.

iv) Enunciativa » quando se deduz uma norma de outra norma ou de outras


normas, usando certos argumentos lógicos.

A obtenção deste sentido “oculto” exige o apelo a argumentos lógicos, dos


quais se destacam:

a) Argumento da maioria de razão ou a fortiori


- A lei que permite o mais, também permite o menos (se é
autorizada a alienação de certos bens deve logicamente
admitir-se que também é autorizada a sua oneração).
- A lei que proíbe o menos também proíbe o mais
(proibindo-se a oneração, logicamente se proíbe também a
alienação).

b) Argumento a contrario ou contrario sensu » quando certa


norma é excecional, conclui-se que a regra geral é contrária.

c) Argumento das relações entre meios e fins.


- Se uma lei proíbe um fim também proíbe os meios que o
produzem, ou se impõe a realização de um fim também há-
se, naturalmente, consentir o uso que o garante.
11

v) Ab-rogante » quando se conclui que a norma não tem sentido ou já não


tem campo de aplicação.

A INTEGRAÇÃO DA LEI

Em que consiste a integração da lei?15

Voluntária ou involuntariamente podem surgir espaços vazios no direito,


isto é, espaços que colocam problemas ao direito e que não encontram nele
uma norma que lhes seja diretamente aplicável.

A estes espaços carecidos de preenchimento normativo dá-se o nome de


lacunas ou casos omissos.

E qual a definição de lacunas ou casos omissos?

Lacuna ou caso omisso será, assim, a situação que, embora revelando à luz
de princípios e valores fundamentais da ordem jurídica, não depara com
normas em cuja previsão se possa direta e imediatamente acolher.

Ou seja, corresponde à ausência duma norma jurídica que permita resolver


uma situação da vida social que reclama uma solução jurídica.

E como deve o intérprete proceder quando se lhe depara uma lacuna na lei?

A resposta é dada pelo art. 8.º do CC: “O tribunal não pode abster-se de
julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei ou alegando dúvida
insanável acerca dos factos em litígio.”

E como julgar um caso quando não há norma que o preveja?

15
A. SANTOS JUSTOS, Introdução ao Estudo do Direito, 14.ª ed. Coimbra: Petrony Editora, 2023. p. 326
e ss.
12

A resposta consta do art. 10.º do CC: “Integração das lacunas da lei 1 - Os


casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos
casos análogos. 2 - Há analogia sempre que no caso omisso procedam as
razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei. 3 - Na falta
de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio
intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.”

Assim, não se encontrando uma norma que regule a relação social em


causa (omissa), procura-se no direito objetivo uma norma que discipline
um caso semelhante (embora diferente), aplicando-a ao caso concreto – é
a analogia legis.

E se não houver casos análogos?

Não se identificando casos análogos, a lacuna será suprida com uma norma
que o intérprete criaria se estivesse na posição de legislador a regular o
caso omisso, atendendo ao espírito e coerência do sistema.

Exemplo: Art. 939.º do CC. A referida norma, ao


determinar a sujeição dos “outros contratos onerosos pelos
quais se alienem bens ou se estabeleçam encargos sobre
eles” às regras da compra e venda, opta, no preenchimento
regulamentar de todo este espaço negocial, pelo
procedimento analógico. Um contrato como o escambo ou
troca (permuta de bens por bens), por exemplo, terá a
disciplina que para ele derivar da aplicação adaptada ou
analógica dos arts. 874.º a 938.º do CC.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

A. SANTOS JUSTOS, Introdução ao Estudo do Direito, 14.ª ed. Coimbra: Petrony


Editora, 2023.
13

Sandra Lopes LUÍS, Introdução ao Estudo do Direito – Sumários das Aulas Práticas e
Hipóteses Resolvidas, 4.ª ed. Lisboa: AAFDL, 2022.

Você também pode gostar