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Israel Pedrosa

DA COR Ä
COR INEXISTENTE
r

. . Que venha um dia o seu livro de tanta ri­


queza estética e finura de percepção, a atestar a
mescla de artista e humanista, que enriquece a nos­
sa maneira de ver, desvendando-nos os sutis segre­
dos do mundo."
CARLOS D R U M M O N D DE A N D R A D E - Carta a
Israel Pedrosa — Rio, 10-IX-75.

. . . Tua contribuição enriquece e renova a pa­


leta (talvez considerem anacrônico mencioná-la)
que se conserva ainda na mão do homem, que o
coração comanda. Tens à tua frente um caminho
aberto. E tu o percorrerás com a mesma honestida­
de e modéstia que marcam a tua árdua escalada.
Analisando a reprodução publicada no "O Globo",
verifiquei que geometrizaste a figura de um peixe.
Deduzo, então, que o emprego e a conjunção de li­
nhas retas, assim como a variação tonal de cor esco­
lhida, tenham produzido a irradiação da cor inexis­
tente com a mesma intensidade obtida nas figuras
puramente geométricas, que vi em teu atelier. Sen­
do a geometria a anatomia do pintor moderno, pre­
vejo a transfiguração luminosa da tua temática. . .
IBERÉ CAM A RG O — Carta a Israel Pedrosa — Por­
to Alegre, 26-X I-1969.

"O que seria de nós sem o auxílio do que não


existe"? A frase de Paul Valéry é uma citação ade­
quada para a pintura de Israel Pedrosa. Com o au­
xílio de cores inexistentes ele encontrou novas re­
lações matemáticas entre os tons e criou uma nova
poética da cor (. . . ) Sua arte elaborada conscien­
ciosamente não é apenas ciência pura, é também
uma revelação das características da cor como men­
sagem lírica.
F L Á V IO DE A Q U IN O - Manchete, 6-IX -1975.

Em abril de 1914, no Cairo, Klee anotava em


seu Diário: "A cor me possui. Eu não necessito
mais perseguí-ia. Ela me possui para sempre. Eu
e a cor somos um. Sou pintor." O mesmo Klee,
anos mais tarde, afirmaria que "a arte não reproduz
o visível, torna visível".
No Brasil, em 1967, e depois de 16 anos de es­
tudos, Israel Pedrosa, nascido em Alto Jequitibá,
Minas, aluno de Portinari, pôde afirmar, com aplau­
sos gerais, não só que é pintor, mas que possui (é
possuído) a cor. Ou mais do que isso, ele possui a
cor invisível. Ou seja, nesse ano chegou às conclu­
sões básicas do domínio do fenômeno que denomi­
nou de cor inexistente (por surgir no quadro em
áreas desprovidas de cor-pigmento).
F R ED ER IC O M O RAIS - O Globo - Rio, 28-IX -
1975,

Ou então eu poderia diier: Israel Pedrosa é um


homem de aparência muito simples que abriu os
caminhos da arte para o futuro, revelando através
de uma extraordinária intuição e de um trabalho
que lhe consumiu toda a vida, as possibilidades se­
cretas das cores e foi capaz de pintar com a própria
radiação. f= o primeiro pintor que conseguiu domi­
nar e utilizar na sua obra a própria luz. Aquilo que
fora o formidável trabalho secular — a incansável
pesquisa e fascínio da cor chegou ao seu limite e o
homem pode orgulhar-se de ter avançado um passo
decisivo no seu caminho em busca da beleza e da
verdade.
O que é esse universo que nos envolve e apaixo­
na e que chamamos, tão genericamente, arte? Que
mistérios, que encantamentos, em que cavernas mi­
lenares foi traçado o nosso destino e decidido ser a
arte a poesia do homem?
Por que eu, emocionado e em elevada vibração
com a pintura de Israel Pedrosa, novamente me
pergunto e quero redefinir o conceito arte e dizer
para todos que a arte é novamente importante, que
foi recuperada — mais uma vez — para os homens?
JACOB K L IN T O W IT Z — Apresentação da Exposi­
ção de Israel Pedrosa na Galeria Marte 21 — Rio,
X-1975.

. . . Você, que me lê, duvida que as cores pen­


sem? Em Israel Pedrosa — se observarmos — elas
não apenas pensam: sentem, falam e propõem. Pro­
põem o finito como experiência e o infinito como
solução para outros infinitos. Compõem uma espé­
cie de sinfonia. Tão sutil que só a ouvem os que se
quedam em humildade e silêncio. Os que se inte­
gram ao mistério para atingir o absoluto.

TE LM O P A D IL H A — Apresentação da Exposição
de Israel Pedrosa, Itabuna, 11-1976.
UKgBP
Centro Universitário Adventists de São Paulo
Biblioteca Universitária J ° í ve,ra
Caixa Postal 11 - CEP 13165-97 ,
Engenheiro Coelho - SP

Israel Pedrosa

BIÍLIO TKC I. - I AI
K. o

DA COR À
COR INEXISTENTE

BIBLIOTECA /1 A E .~ c t
INSTITUTO ADVENT 1STA DE ENSINO
BNG, C O B L H O ^ ^ ->
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Da Cor
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Inexistente
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Tel.: (021) 288-0962

Planejamento gráfico, ilustrações (exceto as de n°.s


19, 20, 21, 22, 23 e 24, de Goethe; 30b, c, d, e, f, g, h, i,
30 lllc , d, fotografias de Agostinho Miranda) e capa de
Israel Pedrosa.
Indexação: Francisco Albuquerque.

Pedrosa, Israel

Da cor à cor inexistente. Rio de Janeiro, Léo


Christiano Editorial Ltda., 3? Edição — 1982, co-
editado pela Editora Universidade de Brasília.

224 p. ilust. 31 cm.

Inclui bibliografia e índice.

1. Cor — Estética, História da teoria, trata­


dos, manuais, etc. 2. Cor inexistente.

C.D.U. 7.017.4
Sumário

PREFÁCIO ........................................................................................7
PREFÁCIO DA 1? EDIÇÃO ........................................................... 11

I - INTRODUÇÃO

1 - A C O R ................................................... ^ ....................................... 17
Estímulos. Percepção da cor. Classificação das cores.
2 - A LU Z................................................................................................ 23
Emissão, propagação e natureza da luz. Características e pro­
priedades da luz. Diferença de velocidades: fator de decomposi­
ção da luz branca. Aferição da luz. Os átomos na produção da
luz.
3 - O OLHO E A V IS Ã O ...................................................................... 31
Estrutura do olho humano. Visão cromática. Limites da visão.

II - PREMISSAS E DESENVOLVIMENTO DA TEORIA

1 -L E O N A R D O DA VINCI EA TEORIA DAS C O R ES 37


O legado histórico. A influência de Alberti e o saber da Antigui­
dade. Perspectiva aérea. Cores primárias. Visão da cor. Colorido
renascentista. O esfumado. A beleza das cores. Contraste simul­
tâneo de cores. Sombra e luz. Composição da luz branca.
2 -N E W T O N E A ÓPTICA FfSICA..................................................... 49
3 - O ESBOÇO DE UMA TEORIA DAS CORES, DE GOETHE 53
Antecedentes e origens das preocupações cromáticas. Discordân­
cia da teoria de Newton. Antigas verdades e descobertas de
Goethe. O efeito sensível-moral da cor.
4 —ÓPTICA FISIO LÓ G IC A.................................................................. 67
Teoria tricromática. Adaptação visual. Movimento e latência.
Discos rotativos. Diferença de percepção.
5 -REPRESENTAÇÃO GRÁFICA, TRIDIM ENSIONAL E
MENSURAÇÃO DE CORES........................................................... 81
Sólidos de cores. Espectrofotometria. Colorimetria.

3
III - A NATUREZA DA COR E SUA AÇÃO PSfQUICA,
SIMBÓLICA E MÍSTICA

1 -E S T ÍM U LO S : ESTRUTURA DA C O R .......................................... 89
2 -E LE M E N TO S PSICOLÓGICOS..................................................... 91
3 -U T IL IZ A Ç Ã O M fS TIC AE S IM B Ó L IC A ..................................... 99
Reações à cor. Fascínio da abstração. A cor no esporte. A cor
na Teosofia e Antroposofia. A cor nos cultos afro-brasileiros.

IV -C O R E S

CORES.............................................................................................. 107
Vermelho. Amarelo. Verde. Azul. Violeta. Laranja. Púrpura.
Marrom, ocre e terras. Branco. Preto.

V - DO IMPRESSIONISMO A ARTE ABSTRATA

DO IMPRESSIONISMO À ARTE A B STR ATA............................. 123


Antecedentes do Impressionismo. O Impressionismo. O Abstra-
cionismo.

VI - O EMPREGO DAS CORES NO BRASIL

O EMPREGO DAS CORES NO B R A S IL ..................................... 137

V II - ELEMENTOS DE HARMONIA

1 -CONSIDERAÇÓES G E R A IS ......................................................... 143


Harmonização de valores e tons. Escala de valores.
2 -H A R M O N IZ A Ç Ã O ........................................................................ 151
Sistema gráfico de harmonização de cores. Círculos de Harmo­
nização e Módulos de Mensuração. Módulos de Mensuração.
Combinação de cores. Harmonia de tons, ou cromática. Escala
cromática em Modo Maior ou Menor. Harmonia consonante.
Harmonia assonante.
3 - D A LEI DO CONTRASTE SIMULTÂNEO DAS CORES 167

V III - COR INEXISTENTE

1 -M U TA Ç Õ E S C R O M Á T IC A S ......................................................... 179
' 2 -C O R INEXISTENTE........................................................................ 199
Componentes estruturais. O domínio do fenômeno.
ÍNDICE R E M IS S IV O ........................................................................ 215
À memória de
CÂNDIDO PORTINARI
e à presença de
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
(.. .) e houve luz.
" Gênesis" — Versículo 3

( . . . ) o a/ém-da-coisa,
coisa livre de coisa, circulando.
Carlos Drummond de Andrade
"A Palavra e a Terra"

Não sei se era memória o que eu falava,


se era palavra muda o que eu ouvia,
sei de imensas presenças que giravam,

Jorge de Lima
" invenção de O rfeu" — Canto / V
Prefácio
Este é um livro sem par, sob muitos aspectos. Sobre esses muitos
aspectos não posso nem quero desentreter o Leitor-Vedor, pois lhe au­
guro e asseguro coisa muito melhor: muito melhor é que ele vá direta­
mente ao texto (com suas citações) e às ilustrações que lhe são ofereci­
das pelo Autor, e alimente o diálogo que lhe é proposto. De uma coisa
estamos, todos, certos: sua visão cromática do mundo — do mundo obje­
tivo e do seu mundo subjetivo — sairá extremamente enriquecida e (mais)
enriquecfvel, pois este é um livro que, a cada leitura, a cada manuseio, a
cada remanuseio, se vai revelando sempre mais pejado de direções, inspi­
rações, sugestões, até mesmo sonhações: uma segunda, uma terceira, uma
enésima compulsação deste biblo, desta bíblia, irá desvelando sempre ho­
rizontes diferentemente coloridos e permitindo que se adivinhem e in­
tuam outros ainda não ousados nem sonhados.
O A u tor tem todas as características dos maníacos, dos loucos, dos
possessos, dos obsessos, dos obsediados, dos obcecados, dos obsessio-
nados — com a imensidão de sua racionalidade buscadora e inquisidora
e de sua emoção transfiguradora que o transformam num sábio e artista,
às vezes até quase um santo, pois às vezes a miragem e o projeto de que
se deixou motivar o levam a orações quase franciscanas de aparente in­
genuidade, vale dizer, da pureza que não atemoriza os iluminados.
Na prática expositiva atual, este livro sairia normalmente escrito a
uma dezena de mãos (e cabeças) de especialistas — pois em verdade este
livro recobre setores do conhecimento empírico e teórico que são, hoje
em dia, especialidades dentro das especializações, microtécnicas dentro
da tecnologia, miniartes dentro da arte. Mas nesse caso, este livro, quero
dizer, esse livro a dez mãos perderia seguramente ante este que aqui está:
pois lhe faltaria, àquele, essa unidade de vivência, de visão e de paixão
que fazem desta obra — de natureza intrinsecamente enciclopédica — um
ensaio marcado por uma aventura intelectual criadora e emocional una.
Afinal de contas, seu A utor vem sendo, há vinte e sete anos, só uma
coisa: um pintor pensador da cor. Ser obra de um só Autor, que durante
sua elaboração foi paralelamente pintor, professor, pesquisador, experi­
mentador, aliando prática e teoria, eis o primeiro ponto alto deste en­
saio, deste livro.
Eis o segundo: quem enveredou pelos ínvios caminhos desta pesqui­
sa intuía, desde o início que o fenômeno e a essência cujas leis buscava
eram algo que, tendo substancialidade e fisicalidade, vigiam sobretu­
do pelo relativismo sensorial e perceptivo, o que os incluía no reino
das coisas humanas, vale dizer, culturais, o que vale também dizer per-

7
fectfveis (e imperfectíveisK Aqui também, como em tudo mais que é hu­
mano ou disso participe, aqui também o homem se faz a si mesmo, quer
dizer, o Homem se ensina e aprende consigo mesmo a "ver” cada vez
mais e melhor a cor, as cores, numa progressão que vai até à tomada de
consciência da "cor inexistente", esse conceito como que expressamente
elaborado pelas insônias inquiridoras deste A utor: a cor humana faz o
olho humano que faz a cor no processo humano, chegando à percepção
e ao dom ínio das interações cromáticas que geram, em áreas isentas de
pigmentação, sua presença, o da cor existente por interação, essa cor
"inexistente".
Há um ponto ainda que é de conveniência ressaltar aqui: o conflito
que, de certo modo, se pode exibir entre diferentes conclusões de croma-
tólogos, antropólogos e cromatonomistas — e já me esclareço:
Ao longo da história da cor e dos homens preocupados com as in-
trinsicalidades e extrinsicalidades disso que chamamos cor — homens que
são hoje ditos cromatólogos e cromatotécnicos —, tem havido desde os
que a negam, pura e simplesmente, aos que as reduzem a sete ou a três
(em dois pares) cores primárias, aos que lhes asseguram existência na
ordem de grandeza de até cem milhões de diferenciais. Isso vem sendo
ressaltado, porque — assegura-se — um espectro cromático qualquer pode
ser, entre dois pólos, graduado em infinitésimos quantitativos tais que, a
haver distinção sensorial e perceptiva, esta se fará por zonas de saltos —
do que seria prova a pobreza cromatonímica de todas as línguas de cul­
tura: de fato, os nomes das cores são muito poucos. De fato, os "nomes
das cores" são de uma pobreza sem par, se comparados à alegada riqueza
de cores ofertada pela natureza ou percebida e/ou criada pelo homem.
(Há aí algo afim do fato de que, para que o significante folha só pudes­
se significar "folha ", todas as "folhas" reais deveriam ser iguais, quando
se sabe, ao contrário, que em sua fisicalidade intrínseca nunca nenhuma
folha foi jamais igual a outra folha,.mesmo que do mesmo pé, da mesma
estação, da mesma foliação).
Mas entre cromatólogos e cromatonimistas se interpõem, por vezes,
certas alegações antropológicas. Antropólogos, seres estranhos, esses, por
vezes. Pois que os há que alegam que há povos, ditos primitivos, que sa­
beriam dar nomes a até três mil cores: entra-se, assim, no campo dos
cômputos incomparáveis, sobretudo porque, nas línguas documentadas,
isto é, com reserva e tradição gráficas, nenhuma há que ofereça mais de
30-40 palavras para designar cores, baixando algumas para "confusões"
hoje conspícuas, como a do grego para o que chamamos "verde" e
"azul", confusão que também existe entre povos cultos modernos — o
escocês, por exemplo. Estar-se-ia, repito; na área de comparações feitas
sob critérios díspares. É que é absolutamente improvável que exista, uma
língua que use de três mil lexemas para diferenciar nominalmente as co­
res. Leve-se a esse respeito em conta certas analogias: no Brasil, por
exemplo, deve haver algo como sessenta mil espécies de animais e não
conhecemos mais de três mil nomes substantivos comuns vulgares para
designá-los (o que é "norm al" e impõe a nomenclatura científica da
zoologia para todas as partes do mundo).
Mas a pobreza verbal não é apenas para a cromática. É, compara­
tivamente, também do campo das formas e dos volumes. Com efeito, se
se deixa de lado a nomenclatura científica da geometria e da matemática,
para as formas e volumes ditos uni-, bi- ou tridimensionais, vê-se logo que os
nomes comuns populares são extremamente poucos, não apenas em por­
tuguês, mas (provavelmente) em quaisquer línguas. Assim, podemos falar
em ponto, linha, quadrado, redondo, bicudo, estrelado, chato, liso (estes
já da área táctil), por aí, para logo cairmos no cúbico, cônico, piramidal,
romboédrico, dodecaédrico e equivalentes, eruditos e matemáticos. Há,
isso não obstante, uma pobreza também aparente,, pois imediatamente se
enseja um campo de derivação de nomes específicos: por exemplo, para
o corpo humano, há, potencialmente derivados em -udo que lembram
forças (enfáticas) parecidas com as correspondentes do corpo humano:
um prego cabeçudo, uma xícara orelhuda, e narigudo, e queixudo, e
olhudo, e pescoçudo, peitudo, ancudo, coxudo, e fiquemos por aí (pois
alguns se prestam mais se pensados no feminino).
Esta digressão visa a mostrar que o Autor — embora adentrando-se
na sua seara com alma aparentemente enciclopédica — na realidade era
animado por outra alma, por sua alma cromática, aceitando que sua te­
mática tivesse campos de manifestação e cognição que não seriam enfren­
tados por ele, pois exigiriam outro tanto da vida para serem levados a
cabo. Esperemos, assim, que apareça entre nós um estudioso da croma-
toním ia que venha a ficar à altura do cromatólogo (e em grande parte
cromatotécnico) que é Israel Pedrosa, que a tudo isso alia a sua perso­
nalidade de Pintor — pura e puramente.
E, agora sim, louvemos o que é de louvar. Eu, pessoalmente, estou
fascinado com este Da cor à cor inexistente: não me proponho a postura
de árbitro capaz de julgar tudo o que este ensaio oferece, pois, embora
luminosamente clara a sua linguagem e exposição, nem sempre minha
formação prévia me dava os requisitos prévios para assimilar toda a carga
de informação que para mim há neste ensaio. De outro lado, porém, há
um sem-número de aspectos, aqui, que degusto com matização, pois me
creio qualificado para fazê-lo, por meu passado e por meu presente. Ora,
isso me faz suspeitar que ocorrerá com todos os leitores deste livro, de
forma parecida, o que dá bem a medida de sua importância.
E, então, é o espanto. Mas espanto que é grato e comove, pois
poucos autores há que mereçam tanto quanto este. Pois que outros, com
menor obstinação, se afundaram no autismo ou no solilóquio ou em fo r­
mas piores de incomunicação. Entretanto, Israel Pedrosa não só superou
o desafio que se propôs já faz tantos anos, senão que o transformou em
fonte luminosa para todos nós, fonte de saber e conhecer e praticar e
amar as cores, o que por si só é bastante para que todos lhe sejamos
gratos para sempre.
E fico-me nisto, que não é louvor, mas agradecimento.
Mas há um pormenor neste livro em que não quis deter-me, a fim
de não me exceder, pormenor da maior importância — veja-se que o
menor é maior, às vezes. Como coisa industrial, como produto gráfico,
como artesanato, tipológico, cromático, litográfico, diagramático, este é
um livro que honra a tipografia e a editoração brasileira: Israel Pedrosa
merecia-o. Ficamos-lhe devendo isso também.

Rio de Janeiro, 10 de abril de 1978


ANTONIO HOUAISS
ISRAEL PEDROSA nasceu a 18 de abril de 1926, em A lto Jequitibá
(Presidente Soares)/Minas Gerais.
Aos 18 anos seguiu como voluntário, com a FEB, para a Itália. Em
Paris, 1948, foi eleito Vice-Presidente da Federação Mundial dos Ex-Com-
batentes, um dos órgãos não governamentais da UNESCO.
Discípulo çle Cândido Portinari, estudou ainda na Escola Superior de
Belas Artes, de Paris (1948-1950).
A partir de 1947 realizou várias exposições individuais e participou
de inúmeras mostras coletivas, no Brasil e no exterior. Sua pintura encon­
tra cada vez mais maior ressonância nacional e internacional. Tem traba­
lhos nos acervos do Museu de Arte Assis Chateaubriand, de São Paulo
(MASP), dos Museus de Arte Moderna do Rio e de São Paulo.
Fundador da Cadeira de História da Arte na Universidade Federal
Fluminense (1963), exerceu as funções de Coordenador dos Cursos Bási­
cos, e de Vice-Diretor do Instituto de Arte e Comunicação Social da UFF
(1969-1972). Foi titular da Cadeira de Percepção e Comunicação Visusias
da Faculdade de Formação de Professores, do CEN — da Fundação Brasi­
leira de Educação (1974-1976).
Há 29 anos iniciou estudos teórico-práticos relativos às manifestações
das cores de contraste, chegando em 1967 às conclusões básicas do domí­
nio do fenômeno que denominou cor inexistente.
Com um capítulo deste livro, O Esboço de uma Teoria das Cores, de­
monstrando a influência das idéias de Goethe como fator decisivo para a
descoberta do domínio do fenômeno da cor inexistente, foi um dos vence­
dores do "Prêmio Thomas Mann", instituído pela Embaixada da Repúbli­
ca Federal da Alemanha, sob os auspícios da União Brasileira de Escrito­
res. O trabalho foi vertido para o alemão sob o títu lo : Die Aktualitaet der
Goetheschen Farbtheorie und die Zeitgenoessische Darstellende Kunst.
Em razão do prêmio, viajou à Europa como hóspede do Governo ale­
mão, realizando palestras e demonstrações de seus trabalhos na Academia
, de Belas Artes de Munique; na Casa de Goethe, em Frankfurt; na Escola
Superior de Gestalt, em Offenbach; no Arquivo da Documenta de Kassel,
e na Universidade belga de Louvain.
ISARAEL PEDROSA é o autor do verbete monográfico Cor, da En­
ciclopédia Mirador Internacional (Britânica do Brasil — 1975).
Em novembro de 1977, lançou o livro de fundamentação teórica de
sua obra: Da Cor à Cor Inexistente. O livro teve calorosa acolhida por
parte do público e da crítica, sendo indicado pelo Itamarati para represen­
tar o Brasil no Salão do Livro de Montreal, em 1978.
Recentemente, o Departamento dos Cursos de Pós-Gradução da
Escuela Nacional de Artes Plásticas da Universidad Autônoma de México,
solicitou permissão ao autor para realizara edição em língua espanhola do
livro: Da Cor à Cor Inexistente. Também, uma versão do livro, em inglês,
está sendo preparada pelo tradutor Richar Spock.
Prefácio da
12 Edicão f

Como fruto de um acúmulo multimilenar de conhecimentos, vive­


mos o mais colorido dos séculos de que se tem notícia, prelúdio de um
futuro cada vez mais luminoso e de desenvolvimento sem precedentes de
novos códigos de expressão e comunicação visuais. Em nossos dias a cor
invadiu todos os campos da atividade humana, e além de seu poder
encantador, com suas sínteses luminosas, tornou-se o meio insubstituível
de perscrutação, avaliação e mensuração do Universo, desde as partículas
infinitesimais reveladas pelos poderosos microscópios eletrônicos até as
vastidões cósmicas cujas grandezas suspeitadas pertencem ao puro dom í­
nio das equações matemáticas.
O desejo de Paul Klee em ser apenas o prim itivo de uma nova era
parece que já começa a ser pressentido por muitos espíritos que vêem
como manifestação de sua intuição a busca incessante de compreensão da
realidade das coisas invisíveis e alheias aos nossos sentidos, almejando
ampliar sempre mais o domínio estético, até a essência da origem dos ele­
mentos que geram as formas ou as idéias do mundo dos objetos naturais.
Em meio a uma variedade tão grande de elementos e assuntos de di­
ferentes áreas do conhecimento, procurei a forma mais acessível ao maior
número de leitores, para o entendimento dos fenômenos básicos de que
tratam estes subsídios para uma história da teoria dás cores. Por isso foi
incluída uma introdução referente a certas particularidades da cor, da luz
e da visão que, pela abordagem histórica e finalidade estética, poderá des­
pertar interesse mesmo às pessoas de formação científica conhecedoras
desses fenômenos, quando tratados em suas esferas de saber.
Como síntese geral, o objetivo deste trabalho não é provar que a har­
monia das cores depende das relações estabelecidas entre elas, nem que
as cores se transformam em presença umas das outras. Isto já vem sendo
demonstrado desde Leonardo da Vinci. Pretende, sobretudo, fazer avan­
çar o conhecimento lógico para exercer de forma integral o controle
sobre essas transformações das cores (mutações cromáticas), base de toda
a harmonia cromática, extraindo daí a variável dose desejada de lirismo
existente na pureza da linguagem íntima da cor. O que está além dos sim­
ples meios materiais empregados: a outra cor implícita no corpo material
da cor, a cor que é a alma e essência da cor, e que, no entanto, é ao mes­
mo tempo a sua aura — o além-da-cor.
Com propósitos os mais diversos, algumas vezes interpelam-me sobre
a cor inexistente e os limites entre os domínios da arte e da ciência. Res­
pondo invariavelmente que, a duras penas, a cultura avança, e faz surgir
as premissas diferenciadoras de um novo estágio de fruição estética, mis-

11
turando a outros ingredientes a alegria do conhecimento. Como na histó­
ria do circo chinês: "O mágico faz a mágica e o público aplaude. Mas o
público aplaude mais ainda quando ele explica como fez a mágica."
Nos períodos florescentes ao longo da História, arte e ciência estive­
ram sempre juntas, e por vezes ligadas indissoluvelmente, num enriqueci­
mento e embelezamento recíproco. Henri Poincaré costumava dizer que,
numa equação matemática, o que mais o surpreendia não era a verdade
expressa, e sim a beleza.
Este livro é uma história da cor, mas é também, de certo modo, a
história de um pintor que um dia se viu envolvido por uma visão, e a
partir daí o objetivo de sua vida não foi mais que uma incessante busca
para explicar o que vira. E no inefável prazer da procura diluíam-se mais
e mais as fronteiras entre os dados estéticos e científicos que estavam ao
seu alcance.
Numa tarde de fevereiro de 1951, ao çair do dia, "nessa hora em
que as cores se tornam incomparavelmente brilhantes" por ação de con­
trastes entre as luzes que se atenuam e as sombras que se intensificam,
minha atenção foi atraída pela beleza da relação de várias gamas de ama­
relo: um barranco cortado em desmonte para abertura de ruas num su­
búrbio do Rio, gramas queimadas pelo sol e arbustos calcinados.
Extasiado pelo efeito da harmonia dos tons que iam do amarelo
puro à coloração da terra-de-sombra queimada, permaneci algum tempo a
contemplar a paisagem. Uma mulher estendeu no varal três lençóis bran­
cos, precisamente sob meu campo visual, a uns cinqüenta metros de dis­
tância. Em dado momento, os lençóis e alguns papéis que se encontravam
no chão pareceram-me banhados de um violeta intenso, sem que houves­
se nenhum elemento dessa cor que pudesse influenciá-los, nem nas proxi­
midades, nem na atmosfera, pois o azul do céu era límpido.
Tive naquele instante a imediata intuição de que se tratava de um
fenômeno físico e não de uma ilusão óptica, e que se eu conseguisse re­
produzir num quadro as mesmas relações cromáticas, surgiria sobre o
fundo branco da tela uma cor inexistente (que não fosse pintada), quim i­
camente sem suporte.
À medida que buscava novas relações que pudessem conduzir-me
ao domínio do fenômeno da cor inexistente, ia descobrindo outro senti­
do na pintura, e cada vez maior atração pela obra dos grandes coloristas
como Leonardo, Vermeer, Veronese, Turner, Delacroix, Van Gogh,
Malevitch, Klee, Delaunay e Portinari.
As teorias das cores de Goethe constituíram os elementos essenciais
ao preparo de meu espírito no sentido de outras possibilidades da utiliza-
( ção cromática para além do emprego mecânico da cor. A rigor, foram
' elas que me abriram as portas para o domínio do fenômeno da cor inexis­
tente.
Tornava-se cada vez mais claro para mim que, ao lado da manipula­
ção dos elementos da prática pictórica, havia uma série de preocupações
que formava uma nítida linha de desenvolvimento da pintura, envolven­
do um grupo crescente de grandes artistas nos últimos séculos. Também
começava a tomar consciência de que, para fazer evoluir sua própria
ciência, a pintura teria obrigatoriamente que expressar de alguma manei­
ra os elementos mais dinâmicos da cultura de seu tempo.
Durante os anos de estudo em busca do que se tornara obsessão em
minha vida, crescia em mim a certeza da necessidade de integração na
área estética dos fundamentos básicos das Ópticas Fisiológica, Física e
Físico-química.
Sendo a cor fundamentalmente uma sensação que origina todas as
manifestações perceptivas do mundo cromático, era natural que com o
desenvolvimento da Psicologia, em nossos dias, se ampliasse o mais pro­
missor dos campos de investigação cromática: a mente humana. Mas isto
não significa diminuição de interesse pelas extraordinárias conquistas
oriundas de pesquisas em campos científicos como os da Física atômica,
da Hélio-física, da Física coloidal e principalmente da Física teórica, tor­
nando mais claros inúmeros aspectos dos dados objetivos que geram os
estímulos visuais.
Em meados de 1967.. dezesseis anos depois de iniciadas as primeiras
tentativas, reuni uma série de observações que, tomadas em conjunto, re­
velavam novas características das cores de contraste. Sobre um fundo
branco, ou neutro homogêneo, sem suporte químico, obtive a coloração
complementar (inexistente) da cor dominante pintada, perceptível ao
primeiro contato visual, sem necessidade de saturação retiniana, e detec­
tável por qualquer câmara fotográfica.
Com essas experiências consegui provar o acerto de Goethe sobre o
caráter mutável e relativo dos fenômenos cromáticos, bem como a origi­
nalidade de sua intuição em relação à Física de seu tempo, dominada por
rígidos princípios mecanicistas.
A Goethe não escaparam as observações de Leonardo referentes à
cor, baseadas todas elas em princípios nitidamente relativistas.
Para a aplicação estética da cor, a linha de desenvolvimento das
idéias de Leonardo, passando por Kepler, Descartes e Goethe, é mais fértil
em resultados práticos do que a enunciada por Newton.
Os fundamentos do domínio do fenômeno da cor inexistente,
apoiando-se nos elementos essenciais enunciados por Leonardo, Scherffer,
Runford, Haüy, Goethe, Maxwell e Einstein, diferem em vários pontos
das conclusões emitidas pelo químico francês Michel-Eugène Chevreul
em seu célebre livro Da Lei do Contraste Simultâneo das Cores.
Em experiências realizadas nos últimos vinte e seis anos, verifiquei
que não corresponde à realidade a afirmação de que uma cor sobre fundo
branco produz sempre, e da mesma forma, em sua periferia, uma colora­
ção complementar.
Variando a qualidade, a quantidade, a forma e o posicionamento
das áreas coloridas em termos de organização e relatividade, uma deter­
minada cor pode produzir a sensação de sua cor complementar em diver­
sos graus de intensidade. Pode produzir a sensação de outras gamas de
sua própria coloração, ou ainda, de forma mais surpreendente: a própria
cor pode transformar-se em sua cor contrária (cor complementar)!
Escapou a Chevreul, como escapara a Newton, que os fenômenos
cromáticos oriundos das cores de superfície são regidos pelos índices de
refletância das substâncias coloridas (cor-pigmento), que variam enorme­
mente, indo de apenas 5,23%, num violeta com 42,5% de pureza e
564,5c mu (milimícrons) de comprimento de onda (raio em diagrama de
cores CIE), até 68,45%, num amarelo com 77% de pureza e 573,2 m/x de
comprimento de onda. Por esta razão, as cores do espectro não produ­
zem suas complementares com o mesmo índice de visibilidade, nem os
discos de Newton pintados com cor-pigmento, postos em rotação, produ­
zem o branco almejado.
Além da análise da diversidade na composição atômica que caracte­
riza as cores-pigmento no fenômeno cromático por refletância, ocasiona­
do pela absorção, reflexão ou refração dos raios luminosos, é de prim or­
dial importância considerar a qualidade da composição tricromática da
luz incidente.
Tais observações referentes ao conjunto destes elementos, ao criar a
possibilidade do domínio sobre o fenômeno da cor inexistente, perm iti­
ram também a sistematização dos dados que influem nas cores induzidas
e nas relações gerais que regem as mutações cromáticas.
Experiências feitas com mais de dez mil pessoas, catalogadas em
grupos por sexo e idade, comprovaram que a cor inexistente é percebida
com maior intensidade pelas crianças de ambos os sexos, até 10 anos, em
seguida pelas mulheres e, finalmente, pelos homens.
Mesmo os daltônicos percebem o fenômeno. Mas onde o Observa­
dor Padrão detecta a cor inexistente eles vêem sempre um cinza, variável
de acordo com a intensidade da cor inexistente, ou o grau da distorção
daltônica.
A busca empreendida durante todos esses anos transcorreu sempre
numa atmosfera de sonho, alimentada pela certeza de que o caminho
aberto para trazer às áreas da pintura cores nunca antes conscientizadas
seria irreversível.
Chamar a atenção de alguém para estes fenômenos é, ao mesmo
tempo, elevar-lhe e enriquecer-lhe o mundo das percepções, porque a
partir daí não mais poderá fugir ao fascínio das manifestações superiores
e ultra-sensíveis das vibrações cromáticas, passando a percebê-las freqüen­
temente na vida cotidiana.
Sabido que no exercício de suas funções os órgãos humanos se de­
senvolvem para atender a certas exigências da adaptação ao meio, à
medida que incluímos novos elementos intelectuais na ação da per­
cepção visual enriquecemos nossa capacidade perceptiva numa maior in­
tegração no universo cromático.
Isto foi o que me ocorreu dizer à guisa de apresentação do livro que
acabo de preparar. Sobre sua longa germinação, muito mais poderia ser
dito.
Olhando para o alto, não vi os tropeços ou abismos nos tormentosos
embates da vida, pelos ásperos caminhos percorridos.
Cercado por seres exemplares, não percebi o afastamento da juven­
tude, nem o peso dos anos. Da longa viagem, o que ficou foi apenas a
grata certeza das maravilhosas possibilidades humanas para um infinito
aperfeiçoamento, como característica dominante da espécie.
Ao lançar este trabalho, torno público o meu enternecido agradeci­
mento aos queridos amigos Antônio de Pádua Ramos Mello, Jacob Ber­
nardo Klintowitz, Paulo Pèdrosa de Vasconcellos e Alberto Passos Gui­
marães pelo apoio e compreensão com que me ajudaram a vencer dificul­
dades das mais variadas ordens durante a elaboração deste livro que, nos
momentos de desânimo, já me parecia destinado a ser obra póstuma, ou
irremediavelmente inédita.

Israel Pedrosa
Setembro de 1977
/
Introdução
/
A Cor
"No momento, meu espírito está inteiramen­
te tomado pelas leis das cores. Ah, se e/as
nos tivessem sido ensinadas em nossa juven­
tu d e !"
Van Gogh

A cor não tem existência material: é apenas Cor-pigmento é a substância material que,
sensação produzida por certas organizações ner­ conforme sua natureza, absorve, refrata e reflete
vosas sob a ação da luz — mais precisamente, é a os caios luminosos componentes da luz que se di­
sensação provocada pela ação da luz sobre o ór­ funde sobre ela. É a qualidade da luz refletida
gão da visão. Seu aparecimento está condiciona­ que determina a sua denominação. O que faz
do, portanto, à existência de dois elementos: a com que chamemos um corpo de verde é sua
luz (objeto físico, agindo como estímulo) e o capacidade de absorver quase todos os raios da
olho (aparelho receptor, funcionando como de- luz branca incidente, refletindo para nossos olhos
cifrador do fluxo luminoso, decompondo-o ou apenas a totalidade dos verdes. Se o corpo
alterando-o através da função seletora da retina). verde absorvesse integralmente as outras fai­
Em vários idiomas existem vocábulos preci­ xas coloridas da luz (azul, vermelho e os raios
sos para diferenciar a sensação cor da caracterís­ derivados dessas), e o mesmo ocorresse com o
tica luminosa (estímulo) que a provoca. Em in­ vermelho, absorvendo as faixas verdes e azuis,
glês, a sensaçãoé colour vision e o estímulo, hue. e com o azul, absorvendo a totalidade dos raios
Em francês, teinte designa o estímulo, qualifi­ vermelhos e verdes, a síntese subtrativa seria o
cando-o, em oposição ao dado subjetivo couleur. preto. Como isso não ocorre, a mistura das cores-
Em português, o melhor termo para essa caracte­ pigmento produz um cinza escuro, chamado cin-
rística do estímulo é matiz, diferenciando-a da za-neutro, por encontrar-se eqüidistante das co­
sensação denominada cor. Em linguagem corren­ res que lhe dão origem.
te, em quase todos os idiomas, a palavra cor de­ Quem primeiro explicou cientificamente a
signa tanto a percepção do fenômeno (sensação) coloração dos corpos foi Newton, denominando-
como as radiações luminosas diretas ou as refleti­ a de cores permanentes dos corpos naturais. Suas
das por determinados corpos (matiz ou colora­ experiências basearam-se na observação do cina-
ção) que o provocam. bre (vermelhão) e do azul-ultramarino, ilumina­
dos inicialmente por diferentes luzes homogê­
ESTÍMULOS neas, e depois por luzes compostas. Daí concluiu
que os corpos aparecem com diferentes cores
Os estímulos que causam as sensações cro­ que lhes são próprias, sob a luz branca, porque
máticas estão divididos em dois grupos: o das co- refletem algumas de suas faixas coloridas mais
res-luz e o das cores-pigmento. fortemente do que outras.
Cor-luz, ou luz colorida, é a radiação lumino­ Comumente, chamamos cores-pigmento as
sa visível que tem como síntese aditiva a luz substâncias corantes que fazem parte do grupo
branca. Sua melhor expressão é a luz solar, por das cores químicas. Segundo Goethe, cores quí­
reunir de forma equilibrada todos os matizes micas "são as que podemos criar, fixar em maior
existentes na natureza. As faixas coloridas que ou menor grau e exaltar em determinados obje­
compõem o espectro solar, quando tomadas iso­ tos e aquelas a que atribuímos uma propriedade
ladamente, uma a uma, denominam-se luzes mo­ imanente. Em geral se caracterizam por sua per­
nocromáticas. sistência. Em razão do que antecede, em outros

17
tempos designavam-se as cores químicas com poníveis são o vermelho, o amarelo e o azul
epítetos diversos: colores propii, corporei, ma- (ilu st 3).
teriales, veri permanentes, fix i." Desde as experiências de Le Blond em 1730,
essas cores vêm sendo consideradas primárias, re-
duzindo-se assim para três as quatro cores primá­
PERCEPÇÃO DA COR rias de Leonardo da Vinci (vermelho, amarelo,
verde e azul). Com a tríade de cores-pigmento
0 fenômeno da percepção da cor é bastante opacas o violeta só é obtido pela estimulação si­
mais complexo que o da sensação. Se neste en­ multânea de dois grupos de cones da retina. Para
tram apenas os elementos físico (luz) e fisiológi­ tal estimulação os dois processos mais conheci­
co (o olho), naquele entram, além dos elemen­ dos são: primeiro, pela mistura óptica de luzes
tos citados, os ciados psicológicos que alteram refletidas por pequenos pontos azuis e vermelhos
substancialmente a qualidade do que se vê. colocados bem próximos uns dos outros nos tra­
Exemplificando, podemos citar o fato de um balhos de pintura e artes gráficas (ilust. 6), e se­
lençol branco nos parecer sempre branco, tanto gundo, pela mistura de luzes coloridas refletidas
sob a luz incandescente amarela como sob a luz pelo vermelho e azul pigmentários, em discos ro­
violácea de mercúrio, quando em realidade ele é tativos em movimento (ilust. 5).
tão amarelo quanto a luz incandescente, quando A mistura das cores-pigmento vermelho, ama­
iluminado por ela, como tão violáceo quanto a relo e azul produz o cinza-neutro por síntese
luz de mercúrio que o ilumina. subtrativa.
Na maioria das vezes não atentamos para a Nas artes gráficas, pintura em aquarela e para
diferença de coloração e continuamos a conside­ todos os que utilizam cor-pigmento transparen­
rar branco o lençol, por uma codificação do cé­ te, ou por transparência em retículas, as primá­
rebro, que incorpora aos objetos, como uma de rias são o magenta, o amarelo e o ciano. A mis­
suas características físicas, a cor apresentada por tura dessas três cores também produz o cinza-
eles quando iluminados pela luz solar, transfor­ neutro por síntese subtrativa (ilust. 4). A super­
mando em valor subjetivo as cores permanentes posição de filtros coloridos magenta, amarelo e
dos corpos naturais. ciano, interceptando a luz branca, produz igual­
Na percepção distinguem-se três característi­ mente o cinza-neutro.
cas principais que correspondem aos parâmetros Cor complementar — Desde a época de New-
básicos da cor: matiz (comprimento de onda), ton, adota-se em Física a formulação de que co­
valor (luminosidade ou brilho) e croma (satura­ res complementares são aquelas cuja mistura
ção ou pureza da cor). produz o branco. Segundo Helmholtz, excluin­
do-se o verde puro, todas as demais cores simples
são complementares de uma outra cor simples,
CLASSIFICAÇÃO DAS CORES formando os seguintes pares: vermelho e azul-es-
verdeado, amarelo e anil, azul e laranja. Em Físi­
Apesar da identidade básica de funcionamen­ ca, cores complementares significam par de co­
to dos elementos no ato de provocar a sensação res, complementando uma a outra.
colorida (os objetos físicos estimulando o órgão
Cor secundária é a cor formada em equilí­
visual), a cor apresenta uma infinidade de varie­
brio óptico por duas cores primárias.
dades, geladas por particularidades dos estímu­
los, dizendo mais respeito à percepção do que à Cor terciária é a intermediária entre uma cor
sensação. Guiados pelos dados perceptivos, os secundária e qualquer das duas primárias que lhe
estudiosos do assunto puderam iniciar um levan­ dão origem.
tamento de classificação e nomenclatura das co­ Cores quentes são o vermelho e o amarelo,
res, segundo suas características e formas de ma­ e as demais cores em que eles predominem.
nifestação. É o que resumidamente se segue. Cores frias são o azul e o verde, bem como as
Cor geratriz ou primária é cada uma das três outras cores predominadas por eles. Os verdes,
cores indecomponíveis que, misturadas em pro­ violáceos, carmins e uma infinidade de tons po­
porções variáveis, produzem todas as cores do derão ser classificados como cores frias ou como
espectro. Para os que trabalham com cor-luz, as cores quentes, dependendo da percentagem de
primárias são: vermelho, verde e azul-violetado. azuis, vermelhose amarelos de suas composições.
A mistura dessas três luzes coloridas produz o Além disso, uma cor tanto poderá parecer fria
branco, denominando-se o fenômeno síntese adi­ como quente, dependendo da relação estabeleci­
tiva (ilust. 2). Para o químico, o artista e todos da entre ela e as demais cores de determinada ga­
os que trabalham com substâncias corantes opa­ ma cromática. Um verde médio, numa escala de
cas (cores-pigmento, às vezes denominadas cores amarelos e vermelhos, parecerá frio. O mesmo
de refletância ou cores-tinta) as cores indecom­ verde, frente a vários azuis, parecerá quente.

18
Must. 2 — Cores-luz primárias. I lust. 3 — Cores-pigmento opacas.

Must. 4 — Cores-pigmento
transparentes.
llust. 5 — Disco parado e efeito produzido quando em
rotação.

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llust. 6 — Formação de cores complementares, por mistura óptica.


/

PRIMÁRIAS

Magenta
Violeta Vermelho-
violetado

Azul-violetado Vermelho

Amarelo

SECUNDÁRIAS

Amarelo-
Verde-azuladoi
esverdeado
Verde

llust. 7 — Círculo das 12 cores-pigmento transparentes, com indicação das primárias,


secundárias e terciárias.

llust. 8 — Um verde-amarelado, numa escala de vermelhos e amarelos, parecerá frio.


Em comparação com vários azuis e violetas, o mesmo verde-amarelado parecerá quente.

21

BIBLIOTECA / 1 A E .- C T
;N,V:\ ri/r o ADVENTiSTA DE ENSINO
I I I/ -' /'"V1 : u n . SD i
Cor natural é a coloração existente na natu­ o nome dado pelo autor deste livro à aplicação
reza. Para a reprodução aproximada de sua in fi­ objetiva que fez, em trabalhos mostrados em
nita variedade, na impressão gráfica, além das co­ agosto, setembro e outubro de 1967 (conclusões
res primárias, são necessários o branco e o preto. básicas de estudos desenvolvidos a partir de
Cor aparente ou acidental é a cor variável 1951 ), do efeito da percepção visual de cores de­
apresentada por um objeto segundo a proprieda­ nominadas "cores fisiológicas" por Goethe, e de
de da luz que o envolve ou a influência de outras cores de contraste pela Comission Internacionale
cores próximas. de l'Éclairage (Comissão Internacional de Ilum i­
Cor induzida é a coloração acidental de que nação). O elemento novo é a possibilidade de
se tinge uma cor sob a influência de uma cor in­ controlar tecnicamente o fenômeno e enquadrá-
dutora. Nessa indução reside a essência da beleza lo em bases práticas, de acordo com a distância
cromática. Em certa medida, podemos classificar em que se coloque o observador e os vários tons
como indução as manifestações dos contrastes si­ de cor da pintura observada, a qual deve também
multâneos de cores, das mutações cromáticas e obedecer a padrões de forma preestabelecidos. 0
do fenômeno da cor inexistente. domínio do fenômeno da cor inexistente possi­
Cor retiniana éa cor caracterizada pela maior bilitou a revelação da essência da harmonia cro­
participação da retina em sua produção, transmi­ mática, a sistematização dos dados que influem
tindo ao cérebro impressões que retêm, alteram, no surgimento das cores induzidas e as relações
sintetizam ou totalizam o efeito dos estímulos gerais que determinam as mutações cromáticas.
recebidos. São cores retinianas as imagens poste­ Colorido, diz-se da distribuição das cores na
riores, as misturas ópticas, os efeitos de deslum­ natureza. Efeito da aplicação de cor-pigmento
bramento e as sensações coloridas produzidas (ou cor tinta) sobre uma superfície.
por pressão à base do globo ocular, etc. Cor dióptrica — a produzida pela dispersão
Cor irisada é a que apresenta fulgurações da luz sobre os vários corpos refratores: prisma,
análogas às cores espectrais, comuns nas asas de lâminas delgadas (bolhas de sabão, manchas de
borboletas e nas refrações de um modo geral.
óleo sobre a água), etc.
Cor dominante —a que ocupa a maior área
da escala em determinada relação cromática. Cor catóptrica, ou simplesmente cor, é a co­
Cor local — conjunto de dados e circunstân­ loração revelada na superfície dos corpos opacos
cias acessórios que, numa obra de arte, caracte­ pela absorção e reflexão- dos raios luminosos
riza o lugar e o tempo. incidentes.
Cor crua — a cor pura, que não apresenta Cor paróptrica — a que aparece na superfície
gradações. dos corpos ocasionalmente, quase sempre de ma­
Cor falsa — a que destoa do conjunto. neira fugaz, mas às vezes, também, com existên­
Cor cambiante — a que varia segundo o ângu­ cia mais duradoura. É uma das formas das cores
lo em que se coloca o observador em relação ao aparentes ou acidentais.
objeto colorido. Cor endóptrica - a que surge no interior de
Cor inexistente é a cor complementar forma­ determinados corpos transparentes, a exemplo
da de entrechoques de tonalidades de uma cor do efeito do espato-de-islândia, ligada a fenôme­
levadas ao paroxismo por ação de contrastes. Foi nos de birrefringência.

22
2
A Luz
" Dentre os estudos das causas e efeitos natu­
rais, o da luz é o que tem mais fervorosos
cultores."
Leonardo da Vinci

0 elemento determinante para o aparecimen­ as condições para serem incluídos entre os raios
to da cor é a luz. O próprio olho, que a capta, é luminosos. Os exemplos citados demonstram cla­
fruto de sua ação, ao longo da evolução da espé­ ramente que a visibilidade não é condição sufici­
cie. ente para a definição da luz, podendo-se mesmo
Para aprofundar as pesquisas das particulari­ dizer que nem todas as luzes são visíveis e que
dades da luz, a Física divide seu estudo em duas nem todas as sensações luminosas são provoca­
disciplinas distintas: a primeira, Optica Geomé­ das pela luz. A experiência mostra que, na escu­
trica, trata da trajetória dos raios luminosos in­ ridão, uma simples pressão no olho à altura da
dependentemente da natureza da luz; a segunda, raiz do nariz faz surgir a sensação de formas lu­
Optica Física, busca a interpretação dos fenôme­ minosas. Muitas das cores patológicas e das aber­
nos que estão associados à própria natureza da rações cromáticas não têm relação direta com a
luz, fundamentada nas radiações eletromagnéti­ luz, sendo fruto exclusivo de funções e de dis­
cas. funções orgânicas.
Até o século XVII definia-se a luz como sen­ A luz tem sua existência condicionada pela
do "o que o nosso olho vê, e o que causa as sen­ matéria. O mundo material apresenta-se-nos sob
sações visuais". Ainda hoje, certos compêndios duas formas principais: substância e luz. Moder­
de Física a definem "com o a radiação que pode namente, na busca de maiores conhecimentos da
ser percebida pelos órgãos visuais". Tal conceito gênese e desenvolvimento dessas duas formas, in­
revela-se insuficiente por apoiar-se exclusivamen­ troduziu-se nas pesquisas físicas a concepção da
te no sentido humano para definir um fenômeno antimatéria como instrumento teórico da eletro-
cujas manifestações ultrapassam nossas possibili­ dinâmica quântica. Por mais variadas que sejam
dades sénsitivas. as aparências do mundo material, as substâncias
Depois das experiências de Herschell sobre as que o compõem são constituídas por elétrons
propriedades dos raios infravermelhos, que, pas­ (portadores de carga negativa), prótons (com
sando sem interrupção do limite extremo do ver­ carga positiva) e nêutrons (desprovidos de carga).
melho visível correspondente a 750, vão até A luz, forma de expressão da matéria, é ra­
300.000 milimícrons, a ciência teria de conside­ diação eletromagnética, emitida pela substância.
rá-los como raios luminosos, uma vez que possu­ A possibilidade de transformação da substância
em todas as características da luz, embora os em luz desde muito era intuída, devido à manei­
nossos olhos não tenham capacidade para perce- ra evidente como os corpos em combustão pro­
bê-los. duzem luz, ao mesmo tempo em que se conso­
O mesmo ocorre com os raios ultravioleta mem, mas a constatação da possibilidade da
(faixa de 400 a 10 milimícrons), também invisí­ transformação da luz em substância é uma con­
veis, mas perfeitamente detectáveis e capazes de quista do nosso século. A partir das premissas
fazer com que vários corpos sob sua ação proje­ teóricas do físico inglês Paul Dirac (Prêmio No-
tem luzes visíveis, com radiações luminescentes. bel de Física, 1933), há algumas décadas atrás
Apesar de sua distância do espectro visível, foi realizada experimentalmente a transforma­
os raios de Roentgen e os raios gama têm todas ção de um raio gama (raio luminoso) em duas

23
partículas substanciais infinitamente pequenas do de vibrações de um campo magnético perpen­
(um elétron e um posítron). dicularmente à direção de propagação em que
Em itir luz é uma propriedade de todos os sua energia apresenta uma distribuição contínua
corpos quentes, isto é, dos que têm temperatura no espaço. Na óptica corpuscular ela é considera­
superior a zero absoluto. É chamada zero abso­ da como formada de fótons (ou quanta), partí­
luto a temperatura aproximada de -273° C. 0 culas que apresentam um quantum de energia. A
que equivale a dizer que todos os corpos que nos concepção ondulatória é a que melhor explica os
cercam emitem luz. Quando fortemente aqueci­ fenômenos de polarização, interferência, difra­
dos, sua luz contém grande número de raios vi­ ção, propagação de ondas de raios X, etc., mas
síveis; se fracamente aquecidos, emitem apenas somente a concepção corpuscular explica satisfa­
raios infravermelhos, invisíveis. Em tais casos, a toriamente o efeito fotoelétrico, o efeito Comp-
energia das moléculas em movimento transfor­ ton e as demais formas de manipulações quânti­
ma-se em luz e, inversamente, a luz é absorvida cas. Por isso, aceita-se a luz como dotada ao mes­
pelas moléculas num permanente fluxo de emis­ mo tempo de propriedades ondulatórias e cor­
são e absorção de quanta inteiros. Um corpo só pusculares, o que implica a aceitação de deter­
deixa de em itir luz quando se consegue deter o minado índice de materialidade da luz.
movimento de suas partículas. Tal imobilidade Estudando-se os vários estágios da matéria,
o leva a baixar de temperatura, atingindo o zero chegou-se à conclusão de que em estado gasoso
absoluto. extremamente rarefeito as moléculas emitem es­
pectro de faixa. Com o auxílio de aparelhos de
EMISSÃO, PROPAGAÇÃO E NATUREZA espectrografia, estas faixas aparecem divididas
DA LUZ numa infinidade de linhas m uito finas (linhas de
Fraunhofer). A situação destas linhas é regida
Os babilônios já conheciam a propagação re- por leis quânticas, numa demonstração de que a
tilínea da luz, mas coube à Escola de Platão teo­ luz e a substância têm traços fundamentais co­
rizar o conhecimento herdado, possibilitando a muns.
descoberta da igualdade dos ângulos de incidên­ Ao descobrir-se ser a luz um fenômeno ele­
cia e de reflexão, criando a base da Optica Geo­ tromagnético, abria-se o caminho do entendi­
métrica que impulsionaria todo o campo do co­ mento de novos ângulos das relações existentes
nhecimento dos dados visuais, durante mais de entre a luz e a substância material, surgindo a
dois mil anos. Modificações substanciais no es­ possibilidade da explicação de como a luz impri­
tudo da luz só iriam ocorrer com os trabalhos de me coloração aos corpos.
Descartes e Newton, principalmente do último,
que inauguraria o caminho da Óptica Física. Sendo toda substância constituída por partí­
Durante m uito tempo acreditou-se serem ir­ culas portadoras de uma carga elétrica, de nú­
reconciliáveis a teoria da emissão de Newton e os cleos positivos e de elétrons negativos gerando
princípios da teoria ondulatória levantados por ondas eletromagnéticas invisíveis, quando ondas
Huygens, Young e Fresnel. Com as descobertas eletromagnéticas de luz visível, oriundas de ou­
de Maxwell e Hertz, provando ser a luz radiação tras fontes energéticas, caem sobre os átomos e
eletromagnética, pensou-se de início na derroca­ moléculas, fazendo vibrar as partículas carrega­
da definitiva das teorias de Newton. No entanto, das de eletricidade, a energia das ondas inciden­
os trabalhos do físico alemão Max Planck (Prê­ tes vê-se dispersa, absorvida e refletida simulta­
mio Nobel de Física, 1918), realizados no início neamente em graus diferentes, de acordo com a
do século, iriam reabrir a questão, ao provar que composição molecular da superfície atingida. O
a luz é emitida e absorvida em porções de ener­ fenômeno da coloração percebida sobre os cor­
gia perfeitamente definidas, denominadas quanta pos (substância) é o resultado desta reação das
(ou fótons). A teoria newtoniana, baseada na partículas eletricamente carregadas,, frente à
emissão corpuscular, recebeu novo alento ao ação da onda eletromagnética (luz) incidente.
constatar-se que a luz se propaga por quanta Verifica-se, assim, que as substâncias (os objetos
inteiros, isto é, por corpúsculos. ou os corpos) não têm cor. O que têm é certa
Com o nível atual das ciências, chegou-se à capacidade de absorver, refratar ou refletir deter­
conclusão de que as teorias de Maxwell e Hertz minados raios luminosos que sobre elas incidam.
não excluíam, obrigatoriamente, as de Newton O fato da cor não constituir uma proprieda­
e de Planck; ao contrário, em essência, somavam- de específica e substancial dos corpos já era re­
se e revelavam novos aspectos do fenômeno luz. conhecida por Epicuro. É sua a afirmação de que
Desta nova visão surgiram os estudos parale­ a coloração dos objetos varia de acordo com a
los das ópticas ondulatória e corpuscular. Na luz que os ilumina, concluindo que os corpos
óptica ondulatória a luz é definida como resulta­ não têm cor em si mesmos.

24
CARACTERfSTICAS E PROPRIEDADES racterística da luz. Sua descoberta baseou-se na
DA LUZ seguinte experiência: colocando-se uma lente de
fraca convexidade sobre um vidro plano ilumina­
Velocidade do por luz branca, surge uma série de anéis con­
cêntricos com todas as cores do arco-íris. Troca­
Há m uito o homem deduzira que, como to­ da a luz branca por uma luz monocromática, ver­
do corpo que se desloca (de um ponto de partida melha por exemplo, aparece uma série de anéis
a um alvo qualquer), a luz também deveria ter pretos e vermelhos, alternadamente. Estando
uma determinada velocidade, por não haver na igualmente iluminada toda a superfície da lente
natureza nenhuma ação, envolvendo percurso, pelos raios incidentes da luz refletida e pela luz
que seja instantânea. Perdem-se no tempo as pri­ refratada pelo vidro plano, o surgimento dos
meiras tentativas para a apreensão de tal veloci­ anéis pretos, isto é, carentes de luz, mostrando
dade. Já mais perto de nossos dias, os experi­ uma parte não iluminada, revela certa periodici­
mentos de Leonardo e depois de Galileu, ambos dade regular do fluxo luminoso. Ao medir os
utilizando lanternas com obturadores, consegui­ raios dos anéis, Newton constatou sua analogia
ram alguns resultados positivos, úteis à demons­ com as variações das raízes quadradas de núme­
tração da velocidade da luz, mas insuficientes ros pares sucessivos: V 2; V4; V6; V8 (ilust. 9-10).
quanto à sua precisão. Desses testes saiu a conhe­
cida formulação de Galileu sobre a propagação
da luz: "se não for instantânea, será extrema­
mente rápida".
O que se poderia chamar de êxito científico
neste terreno coube à mensuração inicial do as­
trônomo dinamarquês Olav Roemer, que, partin­
do da observação do eclipse de Júpiter (Paris,
1675), calculou a velocidade da luz em mais ou
menos 200.000 quilômetros por segundo. Com Ilust. 9 — Equação dos anéis de Newton.
os cientistas franceses Fizeau e Foucault inaugu­
ram-se as medidas da velocidade da luz, utilizan­
do métodos terrestres realmente científicos. O
primeiro, em 1849, com sua roda dentada, en­
controu a velocidade de 313.300, e o segundo,
em 1862, utilizando o espelho rotatório, previu
298.000 km/s.
Hoje a velocidade da luz é considerada com
absoluta precisão para os quatro primeiros alga­
rismos de 299.792 km/s quando se propaga no
vácuo, persistindo variações em torno dos dois
últimos números.
Dependendo dos métodos de averiguação, os
resultados são contraditórios. Nos Estados Uni­
dos, em 1941, utilizando a célula de Kerr,
Anderson encontrou a velocidade de 299.776.
Em 1950, Boi e Hansen, ainda nos Estados Uni­
dos, encontraram 299.789,3, usando o geodíme- Ilust. 10 — Anéis de Newton.
tro. No mesmo ano, na Inglaterra, Essem, com
microondas, aferiu 299.792,5. Também em Comprimento de onda
1950, na Escócia, Huston, utilizando cristal vi­
bratório, assinalou a velocidade de 299.775. Em Com o mesmo aparato, vidro plano e lente
1956, Edge, na Suécia, usando o geodímetro, de fraca convexidade iluminados por faixas de
encontrou 299.792,9. Para facilidade de uso e de diferentes cores simples, a largura dos anéis
memorização, costuma-se dizer que a velocidade (anéis de Newton) se altera. Aos raios vermelhos
da luz é de 300.000 quilômetros por segundo. correspondem os anéis mais largos; aos raios vio­
letas, os mais estreitos. Cada cor simples tem
Periodicidade uma largura do primeiro interstício que lhe é
própria, sejam quais forem as lentes usadas. Essa
O fluxo luminoso possui certa periodicidade largura do primeiro interstício é que define
regular. Deve-se a Newton a revelação desta ca­ quantitativamente uma cor, e denomina-se

25
comprimento de onda, designado pela letra grega reções de ação predominante. A essa nova pro­
X (lambda). Os comprimentos de onda'da luz vi­ priedade é que chamamos polarização.
sível são extremamente pequenos, expressan­
do-se em milimícrons (m/x), que significam mi­ Ref ração
lionésimo de milímetro. Newton encontrou, pa­
ra a cor existente entre os limites do verde e do De todas as propriedades da luz e de todos
azul, o comprimento de onda de 492 m/x, para o os fenômenos luminosos, o mais apaixonante é
vermelho extremo do espectro 700 m/x e para o o da refração. Suas inúmeras manifestações e
violeta extremo oposto, 400 m/i. diversificadas aparências desde os tempos mais
O comprimento de onda corresponde à divi­ remotos instigaram a imaginação humana ao so­
são da velocidade de propagação da luz pela fre­ nho e à fantasia. As abordagens e especulações
qüência de vibração do raio luminoso, sendo: de caráter ora místico ora científico em torno
do assunto têm sido uma constante nos diversos
\ = 7 graus de desenvolvimento da humanidade. Eucli-
des (302 a.C.), em sua Optica e Catóptrica, já
onde X é o com prim ento de onda, v. a velocidade procurava definir os efeitos da refração, o que de
de propagação da luz e i a freqüência de vibra­ modo'algum significa ter sido dos primeiros a se
ção do raio luminoso. interessar pela matéria.
As medidas de comprimento de onda da luz No primeiro século de nossa era, Sêneca refe-
mais usadas são o mícron (abreviatura /x) = ria-se às luzes coloridas produzidas pelos raios do
10~6m, o mi li mícron (abreviatura m/x) = 10"9m e sol incidentes transversalmente sobre uma vara
o Angstrõm (abreviatura A) = 10~l0m. de vidro com caneluras. Dentre as cores citadas
por ele estavam o vermelho, o amarelo e o bran­
Difração co, afirmando que as demais cores do arco-íris
sucediam-se por degradação insensível. Também
A partir do século X V II, a formulação de no mesmo período, Plínio referia-se ao fenôme­
que a luz se propaga em linha reta sofreu um pe­ no, obtido com a utilização de um quartzo, a pe­
queno reparo, ao descobrir-se que ela é capaz de dra denominada íris: "num lugar coberto, atingi­
introduzir algumas alterações em seu curso. Gri- da pelos raios do sol, ela projeta sobre a muralha
maldi foi o primeiro a chamar a atenção dos fí ­ vizinha todas as aparências, todas as cores do
sicos e ópticos para a importância desses fenô­ arco-íris".
menos que ele denominou difração, demonstran­ No século seguinte, em Alexandria, Ptolo-
do a capacidade da luz de contornar pequenos meu estudou a refração da luz ao passar do ar
objetos que se encontrem em seu caminho e de para a água, do ar para o vidro e do vidro para a
passar através de fendas estreitas, espalhando-se água. Durante o século XI Al Hazen, no Cairo,
em faixas irisadas. Estudando o fenômeno, publicou vários estudos sobre os efeitos da refra­
Newton afirmou que a difração não depende ção. Cinco séculos mais tarde, Kepler traria no­
absolutamente da matéria em que se pratica a vas contribuições para a descoberta de suas leis,
fenda, nem mesmo da que constitui o objeto utilizando, além de outros meios, o prisma como
contornado, tratando-se de uma propriedade es­ elemento refrator.
sencial da. luz. Em 1637, em Leyde, Descartes publicou sua
Dióptrica, abordando de maneira integral e coe­
Polarização rente as leis da refração descobertas por Snell.
Também no século X V II Boyle e Hocke, em tra­
A polarização é outra das características da balhos diferentes, estudaram o surgimento das
luz. Em Optica denomina-se polarização o conjun­ franjas coloridas pela dispersão dos raios lumi­
to de fenômenos luminosos ligados à orientação nosos incidentes nas lâminas delgadas (bolhas
das vibrações luminosas em torno de sua dire­ de sabão, manchas de óleo sobre a água, etc.).
ção de propagação. A idéia simplificada do que Como vimos, desde a Antiguidade conhe­
seja polarização está contida na seguinte expe­ cia-se a propriedade refratora de vários corpos
riência: dirigindo a luz solar refletida num es­ transparentes, mas acreditava-se que o surgimen­
pelho plano para o interior de uma peça som­ to das cores do espectro era fruto da proprieda­
bria, veremos que a luz refletida pelo espelho re­ de do corpo refrator, mudando a cor da luz.
cebe uma nova característica, organizando-se Coube a Newton desfazer o longo equívoco.
num feixe de raios ou fluxo luminoso que não Apoiado nos êxitos de investigações sistemáticas,
atua nem para cima nem para baixo, mas apenas ele afirmaria: "O prisma não muda a cor da luz
lateralmente. Tecnicamente dizemos que na se­ branca, decompõe-na em suas partes constituti­
ção transversal do feixe luminoso aparecem di- vas simples, as quais, combinando-se de novo,

26
produzem novamente o branco inicial". De­ de refração. O índice de refração é igual à rela­
monstrando que a dispersão resultava da varieda­ ção existente entre a velocidade da luz no vácuo
de de graus de refração das faixas coloridas que e a velocidade de determinada faixa colorida
compõem a luz branca, ele possibilitou a entra­ (cor) ao atravessar o meio refrator (prisma, água
da das manipulações e aferições da refração no em suspensão, etc.).
domínio dos conceitos objetivos. Nas primeiras
experiências, Newton colocou um prisma de vi­ Freqüência
dro interceptando um raio de sol que entrava
num quarto escuro, produzindo, assim, o ver­ Dividindo a velocidade da luz pelo com­
melho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e viole­ primento de onda, obtém-se o número de vibra­
ta do espectro solar. Essa dispersão da luz pelo ções do raio luminoso num segundo, isto é, a
prisma já havia sido produzida intencionalmente freqüência da luz. Designando-se a freqüência
por outros experimentadores antes de Newton, pela letra f, a velocidade pela letra v e o compri­
mas foi ele o primeiro a realizar a experiência a- mento de onda por X, teremos:
dicional de recombinar as cores do espectro por
meio de um segundo prisma invertido. O fato
da luz branca ter sido produzida pela recombi-
nação levou-o a concluir que todas as cores do
espectro estavam presentes no raio de sol origi­ Incandescência
nal, comprovando a formulação de Leonardo de
que "o branco é o resultado de outras cores, a Chama-se luz incandescente a que é produzi­
potência receptiva de toda cor". da pela elevação do calor dos corpos. Em alta
temperatura, a partir de 400°C, começam as ra­
DIFERENÇA DE VELOCIDADE: FATOR DE diações de maior comprimento de onda, surgin­
DECOMPOSIÇÃO DA LUZ BRANCA do os matizes denominados vermelhos. Num au­
mento progressivo de temperatura surgem os de­
O surgimento das cores pela decomposição mais matizes, completando o espectro, tal qual
da luz branca está ligado à diferença de velocida­ ocorre na passagem de um metal aquecido, indo
de de propagação dos diversos raios luminosos. do vermelho ao branco, quando atinge tempera­
No vácuo — observa Einstein (1) — . se tura superior, a 1.200°C. A luz solar é o melhor
sabe, com a maior exatidão, que esta velocidade exemplo de luz incandescente, gerada por uma
é a mesma para todas as cores, pois se não fosse temperatura aproximada de 5.750° C.
assim, num eclipse de uma estrela fixa por um de Além da luz e da gravitação universal, exis­
seus satélites opacos, não se poderia observar si­ tem entre o Sol e a Terra outros modos de inte­
multaneamente (como se observa) o mínimo de ração. A Terra recebe incessantemente do Sol
emissão para as diferentes cores". correntes de partículas negativamente carrega­
Estudando os eclipses de estrelas duplas, o das, os elétrons. Os pólos magnéticos da Terra,
holandês De Sitter provou que, no vácuo, a ve­ desviando essas correntes elétricas para as regiões
locidade da luz não depende do comprimento polares, provocam as conhecidas variações do
de onda de seus componentes, sendo a mesma magnetismo terrestre. Ao penetrarem nas cama­
tanto para os raios vermelhos como para os das superiores extremamente rarefeitas da
azuis. Quando uma das estrelas componentes atmosfera terrestre, os elétrons tornam lumines-
passa pela sombra da outra, não se nota altera­ centes os gases que aí se encontram, originando
ção na cor da estrela. Se houvesse variedade de um dos mais belos espetáculos cromáticos da
velocidade das cores simples, um mínimo que natureza, as auroras boreais.
fosse, no curso de tais eclipses verificar-se-ia Existem certos fenômenos luminosos que
necessariamente uma mudança na cor da estrela. permaneceram longos anos cercados por lendas e
Quando a luz se propaga numa substância mistérios, até que a ciência pudesse explicar-lhes
como a água ou o vidro, a velocidade depende as origens, é o caso do fogo-fátuo e do fogo-de-
do comprimento de onda de seus componentes, santelmo.
e é esta precisamente a causa da decomposição O fogo-fátuo, por ser mais visível à noite,
da luz em diferentes faixas coloridas ao atraves­ principalmente nas mais escuras, e aparecer co-
sar o prisma. Determina-se essa velocidade divi­ mumente em lugares ermos, florestas úmidas,
dindo a velocidade da luz no vácuo pelo índice pântanos e cemitérios, teve sempre um caráter
terrificante para as populações do interior. Tra­
ta-se da chama fugaz produzida pelas emanações
f l) A /b ert Einstein — " Teoria de la fíelatividad Especial y de hidrogênio fosforado, liberadas pela decom­
General". Buenos Aires, 1925. posição de substâncias orgânicas.

27
Fogo-de-santelmo é o fenômeno físico que O foguete assim concebido seria capaz de
tem recebido o maior numero de designações atingir a enorme velocidade de 290.000 km/s,
através dos tempos. Trata-se de meteoro ígneo ou seja, a velocidade da luz. Isto significa que só
provocado por descargas elétricas lentas em ex­ conquistaremos as estrelas quando pudermos
tremidades elevadas (postes, torres de igrejas, de deixar para trás, em lugar de nuvens de fumaça,
transmissão, de petróleo, mastros de navios, ár­ um rastro luminoso, navegando numa esteira de
vores secas, etc.), por ocasião de tempestades. cores.
Também as pessoas e animais, quando em luga­ A potência incandescente da luz encontra
res altos ou descampados, podem atrair tais des­ sua forma mais ativa de manifestação no fenô­
cargas, ficando o corpo coberto por eflúvios azu­ meno da radioatividade. Tal radiação tem o po­
lados que se escoam pelas extremidades, sem der de penetrar os corpos opacos impenetráveis
causar qualquer sensação fisiológica. As descar­ às radiações luminosas comuns. A descoberta da
gas provocadas pelo Siroco também produzem radioatividade artificial, desintegrando o átomo
a eletrização de dunas, tendas e animais no de­ sob a ação de nêutrons lentos do isótopo de urâ­
serto, fazendo-os faiscar e crepitar. nio, abriu as portas para sua aplicação em quase
A utilização dos raios luminosos é o único todos os ramos da ciência e da técnica (química,
meio existente para a perscrutação dos corpos biologia, medicina, metalurgia, agricultura, etc.).
celestes. A avaliação de propriedade da luz das Novas possibilidades de emprego dos raios
estrelas ou de raios luminosos manipulados pelo luminosos surgiram com a descoberta dos raios
homem é que nos permite avançar no caminho laser. A luz homogênea do laser, produzida pelo
do conhecimento das distâncias e volumes cós­ rubi ativado, chega a 6.000°C, penetrando facil­
micos. O estudo de cada raia dos espectros este­ mente os corpos opacos e até mesmo lâminas de
lares, impressa sobre fundo colorido, fornece os aço. Sua aplicação nos diversos ramos de ativida­
dados para a dedução da composição química de humana é possível, por ser controlada com
das atmosferas astrais. absoluta precisão.
Segundo o diagrama de Hertzprung-Russel,
as cores das estrelas indicam a temperatura que Luminescência
as classifica de gigantes a anãs:
Chama-se luminescência a emissão de luz
Estrelas azuis de . . . . 30.000° K a 10.000° K sem incandescência. A luminescência é a proprie­
brancas de . . 10.000° K a 7.000° K dade que numerosas substâncias têm de em itir
amarelas de. . 7.000° K a 4.000° K luz sob o efeito de uma excitação. Se esta excita­
vermelhas de. 4.000° K a 2.500° K ção é luminosa, principalmente originada por
raios ultravioleta, denomina-se fotoluminescên-
A mais surpreendente possibilidade da luz é cia. Quando o fenômeno começa e acaba instan­
a de transformar-se em elemento propulsor de taneamente junto com a excitação, chama-se
naves cósmicas. Invadindo o terreno da fantasia, fluorescência; se manifesta uma remanência após
a Física abandona as fórmulas da mecânica clás­ a cessação do estímulo, fosforescência.
sica e vê a solução dos vôos estelares (para atin­ Luz fluorescente é a alterada por certos cor­
gir a Próxima e Alfa da constelação do Centau­ pos que têm a capacidade de transformar a luz
ro), no emprego de cálculos baseados na teoria por eles recebida em radiação de maior com pri­
de Einstein., mento de onda. É uma fotoirradiação que cessa
A Física moderna conclui pela equivalência praticamente quando deixa de atuar a energia
da massa e da energia, resultando daí o conceito radiante incidente. Quando os átomos de uma
de enormes reservas de energia contidas na maté­ substância fluorescente são atingidos por fótons
ria. Segundo a teoria da relatividade, toda massa de uma radiação eletromagnética, a energia rece­
de 1 kg contém a fantástica quantidade de ener­ bida é transformada e reemitida sob a forma de
gia de 9 x 1023 ergs. "Essa circunstância permite uma radiação de comprimento de onda superior
conceber a possibilidade da existência de um fo ­ ao da radiação incidente. Os corpos fluorescen­
guete "radiante" que ejetaria, em vez de gases, tes (que possuem fluróforo), sob a ação de radia­
um facho ultra-poderoso de luz produzido por ções ultravioleta, fornecem uma emissão de luz
conta de uma perda da massa, sendo desse modo visível, m uito empregada para a obtenção de
propulsionado pela reação resultante da emissão efeitos luminosos no escuro, denominados de luz
de uma torrente de luz" (2). negra (luz de wood). A fluorescência obtida des­
te modo permite a criação de efeitos deslum­
brantes ou fantasmagóricos para a arte ambien­
tal, cenográfica, vitrinística, etc.A luz ultraviole­
f1) — A. Stern fe/d — “O Vôo no Espaço Cósmico". Rio, 1957. ta é m uito usada em análises e pesquisas de pro­

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priedade dos corpos e na terapia. As lâmpadas 1922) estabeleceu o modelo do átomo como sis­
fluorescentes usadas na iluminaçâío são tubos de tema planetário, regido pelas leis dos quanta,
vidro contendo vapores de mercúrio a baixa chegando ainda à concepção de que os corpúscu­
pressão e recobertos internamente por uma ca­ los e as ondas representam dois aspectos comple­
mada de substância fluorescente, onde se produz mentares de uma mesma realidade. 0 átomo que
uma descarga elétrica por energia conduzida do nos interessa particularmente, por sua capacida­
exterior. As radiações ultravioleta originadas dos de de absorver e projetar a energia em forma de
átomos de mercúrio do interior do tubo, ao atin­ luz, é estudado detalhadamente.
gir as paredes que contêm fluróforos, produzem Com o reparo do físico alemão Arnold
luz visível. Sommerfeld, propondo a forma elíptica para o
movimento dos elétrons, em substituição à circu­
Fosforescência lar indicada por Bohr, nasceu o símbolo mais ca­
racterístico de nosso século: elétrons voando em
é a propriedade que têm certos corpos de elipses em torno do núcleo, tal como os planetas
brilhar na obscuridade, sem irradiar calor. Os em torno do Sol. Para que se tenha uma idéia
corpos fosforescentes tornam-se luminosos quan­ mais aproximada do que seja o átomo, essa par­
do sujeitos a fricção, a uma elevação de tempera­ tícula invisível, infinitesimal, em termos de pro­
tura, ou a uma descarga elétrica, sem que haja porção, devemos imaginar um elétron de menos
combustão. A fosforescência é uma fotoirradia- de dois milímetros, tal qual um pequeno mos­
ção que persiste durante um lapso de tempo, de­ quito, percorrendo uma elipse cujos pontos extre­
pois da cessação da excitação, podendo mesmo mos toquem os iimites de uma esfera de 50 me­
subsistir durante vários dias nos sulfetos alcali­ tros de diâmetro, em torno de um núcleo menor
nos que sofreram forte insolação. que um grão de feijão, formado por nêutrons e
Nos organismos vivos, a produção de fosfores­ prótons.
cência é devida a órgãos fotógenos m uito aper­ O imenso vazio dentro da hipotética esfera
feiçoados, com refletor, lente e obturador. EJa é onde circulam os minúsculos elétrons é a anti-
encontrada em diversos animais das profundezas matéria, ou a inexistência por excelência, fonte
marinhas, em particular peixes e cefalópodes, e das mais promissoras investigações energéticas,
em alguns insetos coleópteros, como o piróforo onde o próprio sentido de materialidade se des­
e o pirilampo. Em outros animais, em'diversos materializa em termos de proporção. Inicia-se
protozoários e bactérias, em certos ovos e em uma marcha acelerada em direção aos conceitos
certas plantas, a luz é emitida pelo conjunto do das nuvens de probabilidade, regiões turvas onde
corpo. Em todos os casos, trata-se de luz fria, surgiriam os elétrons. Em tais escalas de relação
gerada pela longa adaptação da espécie ao meio entre matéria e antimatéria, altera-se o concei­
onde vive. to da origem da substância e da energia, dos sis­
temas estelares, das imensas galáxias e do pró­
AFERIÇÃO DA LUZ prio universo em seu conjunto, situação nova
em que a extraordinária reserva de potência das
Para atender à necessidade de mensuração do antipartículas se apresenta no confronto com a
fluxo luminoso, criou-se a fotometria como matéria como a realidade maior.
uma especialidade da Optica. A unidade de ilu-
minamánto adotada mundialmente pela fotome­ Em seus trabalhos, Bohr assinalou que o elé­
tria é o lux. O lux corresponde à capacidade de tron se move somente num determinado número
iluminamento uniforme de uma superfície plana de órbitas de tamanhos fixamente estabelecidos.
da área de um metro quadrado sob a ação de um Tomando o hidrogênio por exemplo, teremos
fluxo luminoso de um lúmen. uma órbita aproximada de 1/100.000.000 de
Lúmen é o fluxo luminoso emitido no inte­ centímetros de diâmetro e órbitas de 4, 9, 16 e
rior de um ângulo sólido de um esferorradiano 25 vezes maiores que a primeira órbita. Não exis­
por uma fonte puntiforme de intensidade inva­ tindo órbitas intermediárias entre as citadas, o
riável, revelando um poder de iluminação idênti­ elétron pode, no entanto, saltar de uma órbita
co em todos os sentidos, igual ao de uma vela in­ para outra.
ternacional. Quando um elétron passa de uma para outra
órbita, há uma mudança em sua energia. Passan­
OS ÁTOMOS NA PRODUÇÃO DA LUZ do para uma órbita mais afastada do núcleo,
eletricamente ele foi promovido, "subiu", signi­
Aplicando à teoria de Planck o protótipo ficando que recebeu energia de alguma fonte
atômico de Rutherford, em 1913 o cientista di­ externa. Se, ao contrário, ele salta para uma ór­
namarquês Niels Bohr (Prêmio Nobel de Física, bita menor, mais próxima do núcleo, o salto é

29
instantaneamente acompanhado de um despren- energia liberada denominam-se quanta ou fó-
dimento de energia igual à diferença do nível de tons. E é desta maneira que as radiações eletro-
energia das duas órbitas. Essas concentrações de magnéticas (luz) são produzidas.

R ADIAÇÃO SOLAR

llust. 11 — Da imensa área de radiações solares a vista humana alcança apenas a


diminuta faixa compreendida entre os raios infravermelhos e os ultravioleta, cujos
limites extremos são, de um lado, o vermelho com cerca de 700 milimícrons e, do
outro, o violeta com cerca de 400 milimícrons de comprimento de onda.
As cores do espectro solar têm por fonte as seguintes substâncias: vermelho de
718,5 m u — vapor d'água da atmosfera terrestre; vermelho de 686,7 m u — oxigénio
da atmosfera terrestre; vermelho de 656,3 m u — hidrogênio do Sol; amarelo de 589,6
a 589 ,0 m u — sódio do Sol; verde de 527,0 m u — cálcio do Sol; verde de 518,4 a 516,8
m \i — magnésio do Sol; a n il de 486,1 m p — hidrogênio do Sol; violeta de 430,8 a
393 ,4 m u — cálcio do Sol.
A luz solar visível, caracterizada por seu espectro contínuo, quando analisada em
espectroscópio apresenta na realidade duas séries de raias ou linhas escuras (espectros
de absorção), causadas pelas absorções de certos comprimentos de onda da luz branca
nas camadas internas da fotosfera solar (raias de F raunhofer) e na atmosfera terrestre
(raias telúricas).

30
3
O Olho e a Visão
"Por que o olho vê com maior precisão o
objeto dos seus sonhos, com a imaginação,
quando está acordado? "
Leonardo da Vinci

A infinita variedade de espécies animais apre­ humanas. O cérebro realiza um permanente tra­
senta os mais diversos índices de sensibilidade balho de avaliação, análise e correção das ima­
frente aos fenômenos luminosos. Dos organis­ gens visuais recebidas. Tal correção é feita em es­
mos unicelulares ao olho dos animais superiores, tágio de pré-consciência, influenciada pelo acer­
há uma imensa escala de gradações evolutivas. 0 vo de nossos conhecimentos relativos ao mundo
olho humano está no cimo dessa linha de desen­ objetivo.
volvimento e representa o mais elevado grau de A idéia da propagação retilínea da luz e a de
aperfeiçoamento da matéria, no que tange à cap­ sua identidade com a vista foram os dados prin­
tação das manifestações da energia luminosa. cipais herdados da Antiguidade para o desenvol­
A formação do órgão e a acuidade visual dos vimento da Óptica.
diferentes seres (aves de rapina, peixes e animais Durante muito tempo a visão foi explicada
das regiões abissais e os organismos apenas provi­ pela teoria dos raios visuais, segundo a qual dos
dos de células fotossensíveis) decorrem de longa olhos emanam luzes que apreendem os objetos,
batalha seletiva e de adaptação ao meio ambien­ como tentáculos. As visíveis cintilações que jo r­
te, no curso da qual sofrem as modificações in­ ram do olhar eram citadas como prova da exis­
dispensáveis à sobrevivência da espécie. tência de tais raios, assim como a luminescência
O olho é o mais ativo instrumento de defesa dos olhos dos animais noturnos.
dos gêneros animais. Discernir o que os cerca já Qualificando os raios do olhar, Platão afir­
é julgar as possibilidades favoráveis e as adversas, mava: “ Os deuses agiram de modo que o fogo
já é o início da definição do amigo ou do inim i­ que trazemos em nós, e que é semelhante à luz
go da eçpécie. Os demais órgãos dos sentidos de­ do dia, seja derramado, purificado, pelos olhos,
sempenham a mesma função, porém de maneira que fizeram compactos, mormente em seu cen­
incomparavelmente menos precisa e bastante tro, a fim de reterem a parte mais brutal do fo­
mais imperfeita. Somente o olho é capaz de in­ go e não o deixarem passar a não ser em estado
formar a distância, a direção e a forma dos obje­ de pureza".
tos. Basta dizer que todo o conhecimento huma­ Para defender a teoria dos raios visuais, Da-
no relativo a medidas de grandeza, do micro ao mião de Larissa (IV a.C.) dizia que, contraria­
macro (volume, comprimento, área, peso, dis­ mente aos demais órgãos dos sentidos, a forma
tância, velocidade, intensidade luminosa, cor, de nossos olhos não é oca — eles "são esféricos,
etc.), tem sua origem primeira na percepção provando que deles emanam raios luminosos".
visual. Muitos séculos depois, Leonardo da Vinci (3),
Nossa visão difere da dos outros animais, sem abandonar a teoria dos raios visuais, mas co­
não apenas em dados de quantidade, mas princi­ locando reparos (". . . O olho não poderia enviar
palmente em qualidade. Ela é coadjuvada pelo em um mês sua potência visual à altura do Sol"),
cérebro, o que lhe dá a possibilidade de projetar
nas coisas as dimensões de nossos sonhos, po­
voando o universo visível com os elementos de (3) Leonardo da Vinci — "Tratado de la Pintura y deI Paisaje
beleza e espiritualidade, próprios das aspirações Sombra y Luz". Buenos Aires, 1944.

31
descreveria o mecanismo da percepção das ima­ número aproximado de 7 milhões, são os respon­
gens, que, em seu conjunto, está bem próxima sáveis pela visão colorida. Envolvendo a fóvea,
dos conceitos modernos. encontram-se os bastonetes, cerca de 100 milhões,
A atração pelos raios visuais marcou muitos sensíveis às imagens em preto e branco. No fun­
escritores e poetas do passado, até bem perto de do do olho, correspondendo à parte central da
nós. Júlio Dinis não teve dúvidas em recorrer aos retina, há uma interrupção dos cones e bastone­
seus encantos, em As Pupilas do Senhor Reitor: tes, num ponto, denominado ponto cego, corres­
"Clara, adivinhando-se objeto daquela inspeção pondente à localização do nervo óptico. É por
minuciosa de conhecedor e entusiasta, não ousa­ este nervo que as impressões visuais se transmi­
va erguer os olhos. Dir-se-ia que, magicamente tem ao cérebro.
condensados, os raios visuais que a envolviam da­ A retina tem a capacidade de adaptar-se pro­
quela maneira lhe tomavam os movimentos até gressivamente à quantidade de luz do ambiente.
mal a deixarem respirar". No escuro, a sensibilidade da retina aumenta gra-
Aludindo também aos poderes e à força sim­ dativamente, de acordo com o comportamento
bólica dos raios visuais, Eça de Queiroz, em O dos cones e bastonetes. A sensibilidade dos co­
Primo Basílio, escreveria: "E como a odiava! Se- nes aumenta apenas algumas dezenas de vezes
guia-a por vezes com um olhar tão intensamente em comparação com sua sensibilização relativa à
rancoroso, que receava que ela se voltasse subita­ luz do dia. A dos bastonetes, em processo moro­
mente, como ferida pelas costas". so, leva mais tempo para adaptar-se; em compen­
Hoje, decorridos mais de dois milênios do sação, ao fim de uma hora ou mais, atinge em
surgimento da teoria dos raios visuais, a ciência plena escuridão o limite máximo, aumentando
aceita que não apenas dos olhos emanam luzes, sua capacidade em várias centenas de milhares de
mas também de toda matéria cujo calor esteja vezes.
acima do zero absoluto. Os conceitos atuais, evi­ A parte externa da retina contém grãos de
dentemente, diferem dos da Antiguidade, mas pigmento escuro cuja função é enfraquecer a luz
fazem ressaltar a intuição do saber antigo. que chega aos cones e bastonetes. A adaptação
gradativa do olho à escuridão pode explicar-se
ESTRUTURA DO OLHO HUMANO pela passagem lenta do pigmento escuro para o
fundo da retina, deixando as fibrilas nervosas o
Os olhos dominam uma área pouco inferior a mais possível expostas à fraca luz que as atinge.
180° em torno da figura humana. Com a função O processo de sensibilização da retina pela
de captar as imagens que nos cercam, o olho tem luz é indiscutivelmente a base do fenômeno da
forma esférica e seu diâmetro atinge cerca de 24 visão. Para explicá-lo, há duas hipóteses igual­
mente aceitas: a fotoquímica e a fotoelétrica,
mm nas pessoas adultas. É revestido externa­
ambas derivadas da necessidade de existência de
mente por um espesso invólucro branco, que o
protege, a esclerótica. A córnea, sua parte da um mínimo de energia funcionando como estí­
mulo capaz de desagregar a molécula ou dela ar­
frente, é transparente e convexa, com uma espes­
sura de 0,5mm, aproximadamente; atrás dela se rancar elétron. Em tais hipóteses, o elemento
essencial é a luz. Na primeira, ela seria fator de
acha a câmara anterior do olho, separada da câ­
mara posterior por uma lente, o cristalino. À ação fotoquímica; na segunda, de ação fo to ­
elétrica.
frente do cristalino encontra-se a íris, dotada de
um orifício que funciona como diafragma, lim i­
tando o feixe de raios luminosos que penetram VISÃO CROMÁTICA
no olho.
A face interna da esclerótica é forrada pela O olho não tem capacidade para suportar a
coróide, constituída por vasos sanguíneos que luz direta do sol. A variedade de tempo de estí­
alimentam o olho, sendo sua superfície exterior mulo e de intensidade luminosa provoca um
revestida por uma membrana fotossensível, de­ grande número de fenômenos visuais. Num cla­
nominada retina. rão excessivo, o olho perde momentaneamente a
A retina compõe-se de duas camadas: a ca­ capacidade de distinguir formas ou cores. Quan­
mada superior, ou pigmentar, e a inferior, ou do a luz é demasiadamente forte, produz o que
nervosa, que é um desenvolvimento do nervo chamamos de efeito de deslumbramento. Algo
óptico. Na superfície da retina, nota-se a divisão parecido ocorre quando descansamos a vista e
de duas áreas compostas pelos elementos funda­ deparamos de repente uma luz colorida qual­
mentais da percepção visual, os cones e os basto- quer. A retina colocada em repouso, perma­
netes. A parte central da retina, ou fóvea retini- necendo durante um período prolongado na
ana, é constituída pelas fibras nervosas denomi­ obscuridade, aumenta sua sensibilidade. Em tal
nadas cones, devido à sua forma. Os cones, em situação, o primeiro contato com uma luz colo-

32
rida, de qualquer intensidade, poderá causar-lhe Quando os três grupos de fibrilas são estimu­
a impressão de branco (deslumbramento), du­ lados ao mesmo tempo com uma energia aproxi­
rante um breve momento. mada, produzem a sensação do branco.
Olhando-se fixamente por algum tempo uma
lâmpada forte, ao fecharmos os olhos, continua­ LIMITES DA VISÃO
mos a ver a imagem luminosa que, aos poucos,
vai perdendo luminosidade, mudando de cor. O que Darwin chamava de seleção natural é,
Este fenômeno tem várias gradações e é denomi­ afinal de contas, a capacidade de adaptação de
nado impressões consecutivas, ou imagens poste­ determinados organismos ou órgãos ao meio. O
riores (positivas ou negativas). olho é um órgão relativamente bem adaptado ao
meio, ou seja, à luz solar.
Todos esses efeitos estão ligados ao tempo
A própria delimitação de nossa percepção vi­
de saturação da retina. Os diferentes graus de sa­
sual (do violeta ao vermelho espectrais — 400 a
turação foram estudados por Purkinje, no inicio
700 mju ) foi a forma que o olho desenvolveu pa­
do século passado, revelando as particularidades
ra proteger a espécie de certas radiações lumino­
do comportamento retiniano frente às cores, em sas.
diferentes tempos de repouso e de saturação. O olho nos impede de ver abaixo de 400
Goethe, um dos primeiros a perceber a impor­ m/x para evitar os efeitos maléficos das ações quí­
tância desses fenômenos, dedicou-lhes acurado micas destrutivas das radiações de ondas curtas
estudo, demonstrando a tendência visual à total i- que por vezes chegam a matar os organismos vivos.
zação cromática. As lâmpadas bactericidas a vapor de mercúrio
No que se refere aos dados fisiológicos da são baseadas nessa propriedade destrutiva das
percepção da cor, com algumas variantes, as de­ ondas curtas. Provocando calor artificial, os raios
duções de Thomas Young são hoje mundialmen­ ultravioleta de comprimento de onda aproxima­
te aceitas. Pelas contribuições e desdobramentos do dos 250 m/x podem cegar, se os olhos ficarem
comparativos e afirmativos, a elas estão ligados expostos m uito tempo à sua ação.
os nomes de Hermann Von Helmholtz e James A barreira levantada contra esse perigo é o
Clerck Maxwell, e são conhecidas sob a denomi­ cristalino, que, absorvendo esses raios, impede
nação de Teoria Tricromática. que eles atinjam a retina. A função do cristalino
Segundo Young, a fóvea retiniana é consti­ não é apenas de projetar a imagem na retina. Ele
tuída por três espécies de fjb rilas nervosas (cones) funciona também como filtro protetor, retendo
capazes de receber e transmitir três sensações di­ os raios luminosos de ondas curtas. Retendo fo r­
ferentes. O primeiro grupo dessas fibrilas é sensí­ temente os raios azuis e violetas, o cristalino
vel prioritariamente à ação das ondas luminosas contribui para diminuir as aberrações cromáticas.
longas e produz a sensação a que damos o nome No outro limite, do lado dos raios de ondas
de vermelho, produzindo secundariamente as longas, a visibilidade cessa por volta dos 700 m/x,
sensações do verde e do violeta. 0 segundo gru­ impossibilitando a visão dos raios infravermelhos.
po é sensível prioritariamente às ondas de com­ Como todos os corpos fracamente aquecidos ir­
primento médio, que produzem, a sensação que radiam luz infravermelha, se a retina percebesse
denominamos verde, e secundariamente às ondas essa luz como luz visível, todo o processo visual
que produzem as sensações de vermelho e viole­ seria influenciado pelas poderosas radiações in­
ta. Enfim, o terceiro grupo é sensível priorita­ fravermelhas produzidas no interior do olho, tor­
riamente ao violeta (azul-violetado) e secundaria­ nando obscuro tudo o que se encontra fora dele.
mente ao vermelho e ao verde. Mesmo a luz solar.

33
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II
Premissas e
Desenvolvimento
da Teoria
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Leonardo da Vinci
e a

Teoria das Cores


" Felizes os visionários: deles é o reino in fin i­
to da visão. "
M urilo Mendes

"Que as figuras, que as cores, que todas as


espécies das partes do universo sejam reduzi­
das a um ponto: que maravilha de ponto!
Oh admirável e surpreendente necessidade:
p or tua lei, tu obrigas todos os efeitos a par­
ticiparem em sua causa pela via mais curta!
A li estão os verdadeiros milagres."
Leonardo da Vinci

0 homem inicia a conquista da cor ao iniciar Esta química complica-se e especializa-se


a própria conquista da condição humana. quando deliberadamente ele busca nos óleos ani­
0 conscientizar as diferenças de coloração mais, vegetais ou minerais o meio de fixar esses
entre os frutos ou os animais, entre o clarão do corantes.
raio e o da labareda de uma chama já é um longo Num acúmulo permanente de conhecimen­
caminho percorrido no aprendizado utilitário, tos, enriquece-se sua subjetividade e a cor contri­
no trato com a natureza, na luta pela preserva­ buirá para abrilhantar-lhe os atos religiosos pro­
ção da espécie. piciatórios, comemorativos, guerreiros e fúne­
0 querer reproduzir a coloração que conse­ bres. Como elementos úteis à ação social, surgi­
gue distinguir nos seres e nas coisas assinala o co­ rão os primeiros códigos cromáticos dando a ca­
meço de uma história que se prolonga até aos da cor um significado. Assim como varia o códi­
nossos-dias. Numa ação de caráter predatório, tal go oral dos povos primitivos, também as cores
como a da caça ou da coleta de frutos, ele utiliza terão variada significação em povos e épocas di­
os elementos minerais, da flora e da fauna, para ferentes, guardando por vezes certa analogia.
colorir e ornamentar o próprio corpo, seus uten­ 0 domínio progressivo da forma (traço, de­
sílios, armas e as paredes das cavernas. senho) na expressão naturalista de sua pintura
Esta ação primária tem em si o germe de não está desligado dos conhecimentos gerais her­
uma incipiente indústria química, quando ele es­ dados ao longo de milênios. 0 mesmo acontece
frega e tritura flores, sementes, elementos orgâ­ com o domínio da cor.
nicos e terras corantes, com a finalidade de colo­ Durante o neolítico o homem já conhecerá
rir. A observação o leva a utilizar matérias calci­ as propriedades do barro e da argila e os segredos
nadas para tingir de preto as áreas desejadas. A de sua queima para a obtenção de determinadas
queima de certos corpos, por opção em relação a colorações e vitrificações.
outros, para obter um preto mais intenso, já re­ Servindo à variável crença do poder mágico
vela uma elevação do nível técnico e determina­ da cor, ele dominará a técnica da incrustação,
do grau de espírito científico. Até hoje o preto maneira prática de aprisionar a cor das pedras
usado pelos pintores é produzido da mesma for­ que julga preciosas, ali onde deseja, ao lado do
ma, pela calcinação de matérias orgânicas. maleado metal. Legará à posteridade a técnica da

37
pintura afresco, em que a simplicidade da água crever com grandes intervalos e fragmento por
como solvente do pigmento possibilitará o mila­ fragmento".
gre das grandes extensões coloridas dos túmulos, Embora as preocupações de Leonardo com
templos e palácios. Diluindo colas para fixar a a cor já estivessem relacionadas a elementos da
cor, a água será ainda o veículo ideal para os co­ óptica, da física, da química e da fisiologia, os
rantes que valorizarão os Livros dos mortos e os escritos se dirigiam fundamentalmente aos pinto­
escritos diversos, inaugurando as técnicas da res, os maiores interessados pelo assunto, na
aquarela, da aguada, do guache e da têmpera. época.
De um fazer geral, a espécie individualiza-se A influência dos escritos de Leonardo já se
— surgem os gênios do trato com a cor. Os mu­ faziam sentir durante sua vida. Copiados em par­
rais atribuídos a Eumares de Atenas e a Címon tes, circulavam pelos ateliers italianos alguns dos
de Cleones iniciam a época da ascensão dos conceitos do Mestre relativos à pintura. Trans­
meios que suscitariam o aparecimento da grande formados em livro, viriam a ser mais tarde o ma­
pintura do século V a.C. Com Polignoto, liberta- nual da pintura acadêmica.
se a pintura do frontalismo e da posição exclusi­ A primeira edição do Tratado da Pintura e
va de perfil, mostrando os rostos de três-quartos da Paisagem seria publicada em italiano, na Fran­
e de frente, buscando a representação dos esta­ ça, somente 132 anos após a morte de Leonardo.
dos de alma, que iria influenciar tanto a pintura Um ano depois surgiria a tradução francesa. Em
de vasos como a escultura decorativa. 1716, apareceria nova edição francesa, com dese­
As sombras estudadas por Apolodoro abrem nhos de Poussin. Um século mais tarde (1817),
à pintura o caminho da representação dos volu­ surgiria a edição italiana de Manzi. Em 1882, se­
mes e da magia do claro-escuro. A técnica da ria lançado o texto integral Codex Vaticanus e
encáustica, descoberta por Pausias, possibilitaria apareceria a edição alemã. Mas a verdadeira di­
a precisão das nuances e o surgimento do mode­ vulgação da obra viria a ocorrer no século XX,
lado que valorizaria as cores. com edições em numerosas línguas e a publica­
A cor seria também utilizada com mestria ção de fragmentos e conceitos em quase todos
nos mosaicos bizantinos e nos vitrais das cate­ os países do mundo.
drais góticas. Mas todo o saber da técnica de u ti­ A curiosidade universal de Leonardo revela-
lização estava ainda m uito longe de poder criar se por inteiro nos manuscritos. Para guardar se­
uma teoria que explicasse cientificamente a cor gredo sobre seus conceitos e inventos, adquirira
e os segredos do seu emprego. o hábito de escrever ao contrário, da direita para
a esquerda, de forma que somente com o auxílio
de um espelho é que podem ser lidos seus ma­
O LEGADO HISTORICO nuscritos.
O desenvolvimento das artes italianas dos sé­
A primeira visão de conjunto dos dados que culos X IV e XV inaugura as premissas das con­
levariam à criação de uma teoria das cores deve- cepções estéticas dos tempos modernos e realiza
se a Leonardo da Vinci. o mais humano movimento artístico de todos os
O que se convencionou chamar de Teoria das tempos.
Cores de Leonardo são as formulações teóricas Agudas intuições ávidas de conhecimento co­
esparsas contidas em seus escritos, reunidas pos­ locam o saber num elevado lugar, sendo ponto
tumamente no livro Tratado da Pintura e da Pai­ pacífico que a arte é vista como parte integrante
sagem — Sombra e Luz. Os manuscritos utiliza­ e a mais alta expressão da cultura que a anima.
dos para compor esse volume, pela diversidade Nutrir-se nas culturas grega, romana e árabe
dos assuntos e falta de registro cronológico, fa­ é um desejo dos espíritos mais avançados. Assim,
zem supor que se destinavam aos dois livros a herança cultural é avaliada de maneira crítica,
mencionados em épocas diferentes pelo autor. viva e objetiva, numa utilização que enriquece a
Com referência ao primeiro, encontrou-se a cada passo o patrimônio herdado. Tudo que era
seguinte anotação: " A 2 de abril de 1489, come­ humano lhes interessava, e o saber constituía a
cei um livro intitulado Da Configuração do Ho­ maior recompensa ao esforço do espírito.
mem". Tudo indica que se tratava dos manuscri­ Num período em que ainda imperava a uni­
tos sobre óptica e anatomia. O segundo livro, dade das artes plásticas, os dados filosóficos, ci­
com objetivo mais ambicioso, foi "começado em entíficos e técnicos de outras áreas eram assimi­
Florença, na casa de Braccio Marteli, em 22 de lados conjuntamente nas construções arquitetô­
março de 1508", sendo "o conjunto desordena­ nicas e escultóricas e nas obras cromáticas. Por
do de muitas páginas que copiei com a esperança sua vez, tais atividades contribuíam para os
de classificá-las em seu lugar, segundo a matéria mais variados ramos do contraditório saber nas­
de que tratam " .. . "pois tenho por costume es­ cente, com suas experiências e fantasias.

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Em Leonardo aguçam-se todas as contradi­ Pensador universal, liberto de qualquer pre­
ções do Renascimento e nele a superação de inú­ conceito ou dogma, Leonardo, mesmo utilizan­
meras delas coloca a arte e o conhecimento re­ do os sentidos como instrumentos de pesquisa,
nascentistas em seu ponto culminante. já não aceitava os informes das sensações como
Foi ele, sem dúvida, o mais autêntico repre­ verdades absolutas e incisivamente afirmava: "Se
sentante dos novos ideais que agitavam a Penín­ duvidamos de cada coisa que passa pelos senti­
sula Itálica no fim da Idade Média e início dos dos, como não duvidar também daquelas que são
Tempos Modernos. Para ele, mais do que para rebeldes aos sentidos, tais como a essência de
qualquer outro homem, parece ter sido criado Deus, a alma e outras questões similares sobre as
o termo gênio. quais eternamente se discute? É necessário que
Era um ser de exceção, mas perfeitamente sempre onde falta a razão apareça, suprindo-a, a
entrosado na complexa gama de interesses e es­ dissertação; o que não acontece com as coisas
peculações artísticas, religiosas, filosóficas, ci­ verdadeiras. Diremos, pois, que ali onde se discu­
entíficas e até militares que abalavam as Cidades- te interminavelmente não há verdadeira ciência,
Estados peninsulares (sua carta a Ludovico, o a verdade não tem mais que um só termo, e este,
Mouro, o comprova). Se não era homem de ação uma vez expresso, destrói o litígio para sempre."
no sentido comum da palavra, seria m uito menos Durante a Renascença, à medida que o senti­
um alienado. Era, sobretudo, um visionário, que do da história humana começa a se revelar com
nutria realizações e sonhos com os elementos es­ maior coerência, surge paralelamente o desejo
peculativos mais avançados das ciências e das ar­ de se levantar também a história da pintura. Leo­
tes, gerando um descompasso entre seus projetos nardo não escapou a essa tentação. Ao expor sua
e a possibilidade prática de executá-los no nível concepção, demonstra admiração pelas obras da
do desenvolvimento técnico e social de seus dias. Antiguidade e respeito pela experimentação na­
Sua ação de pensador e pesquisador correponde- turalista.
ria m uito mais às necessidades futuras da socie­ Num período em que se estava ainda longe
dade moderna do que às exigências do século em de descobrir e avaliar criticamente a arte paleolí­
que viveu. tica, como a maioria dos homens cultos de seu
Para os homens do século XX Leonardo re­
tempo ele aceitava a lenda grega do nascimento
presenta uma síntese do saber da Antiguidade
da pintura, atribuída à ação da jovem Debutade,
acumulado historicamente e enriquecido por vá­
filha de um oleiro de Sicione, que, ao despedir-se
rios gênios do pré e do Renascimento. A atração
do amado que partia para a guerra e querendo
que suas obras continuam exercendo sobre nós é
guardar sua lembrança, traça-lhe com carvão o
a maior prova de sua atualidade. Como método
contorno do perfil, projetado no muro pelo sol
de raciocínio e de proposições, contêm ainda ho­
poente.
je elementos da mais autêntica vanguarda.
Procurando explicar o gênio (ou herói), "A primeira pintura — escreve Leonardo —
Carlyle (deixando de lado a superestimação do foi unicamente uma linha que contornava a som­
papel do indivíduo na História) o define como o bra de um homem feita pelo sol sobre um muro.
ser excepcional nascido em período de fé coleti­ A pintura, de idade em idade, vai declinando e
va, que por inúmeras circunstâncias é capaz de perdendo-se quando os pintores têm por único
revelar com maior clareza as elevadas aspirações, mestre a pintura precedente. O pintor realiza um
anseios e sonhos de toda uma época e, até mes­ trabalho pouco excelente se toma por modelo a
mo, de Várias épocas e períodos históricos dife­ pintura de outro; porém, se se inspira na nature­
rentes. za, logrará bons frutos. Desde a época dos roma­
O gênio é sempre original, mas, para Carlyle, nos, vemos que os pintores, imitando-se, de ida­
a originalidade não decorre da prioridade e sim de em idade, fizeram declinar esta arte. Logo
da revelação da autenticidade. E, como se sabe, veio G iotto: este florentino, nascido nos solitá­
o movimento de idéias designado por Renasci­ rios montes em que só habitavam as cabras e ani­
mento foi obra de homens sobretudo autênticos, mais do mesmo tipo, vendo a natureza de frente,
num dos momentos históricos de maior fé cole­ semelhante à arte, pôs-se a executar sobre as pe­
tiva: fé na razão, fé nos princípios científicos, fé dras as atitudes das cabras que apascentava, con­
nos poderes da beleza e fé principalmente no tinuando logo depois com todos os animais que
homem. havia no lugar, de tal maneira que, depois de
O homem passou a ser a medida de todas as muito estudo, ultrapassou não só os mestres de
coisas, e os sentidos humanos ascenderam à posi­ seu tempo, mas também muitos outros dos sécu­
ção de instrumentos conscientes de perscrutação los passados. Depois de G iotto a arte declinou,
e aferição da natureza, preparando a revolução porque todos imitaram as pinturas já feitas; e
científica e deixando para trás todo um arsenal assim, de século em século, continuou a deca­
de misticismo, crendices e discutíveis saberes. dência até Tomaso, Florentino, chamado

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Masaccio, que mostrou, por meio de uma obra produzidas apenas por um pequeno número de
perfeita, que aqueles que tomam por mestre a cores, dando origem a todas as outras. A deter­
outro que não seja a natureza, mestra de mes­ minação de quantas e quais seriam essas cores
tres, se esforçam em vão." que originavam as demais é que permaneceria
duvidosa até bem perto de nossos dias.
A INFLUÊNCIA DE ALBERTI E O SABER A primeira revelação de uma verdade quase
DA ANTIGUIDADE integral a esse respeito.nos vem de Alberti, cla­
reando e ordenando exposições de Plínio.
Durante a infância, a adolescência e o perío­ Quando se acompanha o longo esforço hu­
do de formação cultural e artística de Leonardo, mano para entender o que seja a cor e descobrir
uma das personalidades mais influentes, dentre suas características, surpreende-nos que m uito
os intelectuais florentinos, era Leon Battista A l­ antes de Plínio já se constatasse que na natureza
berti (Gênova 1404 — Roma 1472), humanista, existem apenas três cores principais; surpreende-
teatrólogo, poeta, matemático, musicólogo, es­ nos ainda mais quando verificamos que as três
cultor, pintor e arquiteto, que continuou a li­ cores eleitas estão bem próximas das que a Físi­
nhagem espiritual de seu grande mestre Brunel­ ca moderna utiliza como primárias ou básicas.
leschi. O prestígio de Alberti como teórico das Embora o sentido de cor principal, entre os anti­
artes visuais permanece inalterado até os nossos gos, não fosse exatamente o mesmo que usamos
dias, principalmente pelos seus três livros de ar­ para designar as cores primárias, era já uma hie­
te: De Statua (sobre a escultura), De re Aedifi- rarquização das cores, resultante da percepção
catoria (sobre a arquitetura) e De Pictura (sobre de suas características.
a pintura). Segundo Plínio (4), " . . .existem três cores
No tratado sobre a pintura, Alberti coloca a principais: o vermelho vivo, que brilha com todo
arte renascentista em pé de igualdade com a da o seu esplendor nas rosas e encontra o reflexo
Antiguidade. Considerava a impressão de relevo, nas púrpuras de Tiro, na púrpura duas vezes tin ­
traduzindo a terceira dimensão, o elemento es­ gida e na de Lacônia; a cor da ametista, que bri­
sencial da pintura e insistia na necessidade de lha nas violetas e se reencontra na cor púrpura,
se "fazer girar as figuras" pelo afastamento dos e aquela que denominamos iantino (nós só fala­
planos. Condenava os fundos de ouro da arte bi­ mos dos gêneros que oferecem várias subdivi­
zantina, por serem elementos estranhos à pintu­ sões); enfim, a cor conchífera propriamente dita,
ra. Conhecia bem a perspectiva geométrica teori­ de várias sortes. ( . . . ) Eu vejo nos autores que o
zada por Brunelleschi. È bem possível que am­ amarelo recebia honrarias desde os tempos mais
bos tivessem conhecido no original a Perspectiva antigos, mas o reservavam exclusivamente para
comunis, de John Peckham (Sussex 1220 — Can- as mulheres, para seus véus nupciais; pode ser
tuária 1292), que seria traduzida para o italiano, que de lá venha a origem dele não ser incluído
em 1482, por Fazio Cardano. Preocupou-se em entre as cores principais, quer dizer, comuns aos
desenvolver os elementos cognoscíveis da pers­ homens e às mulheres; é de fato este uso comum
pectiva aérea, e exigia que o pintor fosse culto, que dá o primeiro lugar".
lesse os poetas, estudasse os gestos, as expressões Quando se trata das três cores principais, Plí­
e os movimentos do corpo humano. nio refere-se às suas características. A seguir, fa­
Os conceitos de Leonardo com referência à lando de uma modalidade de uso, acredita ser
pintura em nada diferem dos de Alberti: em mui­ esta a razão da exclusão do amarelo como cor
tos casos, cônstituem um aprofundamento deles, principal e não por suas propriedades físicas. É
como indica sua teorização da perspectiva: "A evidente que a opinião dos "autores" (que só
perspectiva é uma razão demonstrativa pela qual poderiam ter como ponto de partida a filosofia
a experiência confirma que todo objeto envia ao grega) gira em torno de problemas físicos e não
olho sua própria imagem mediante linhas’pira­ da pura ordem dos costumes.
midais". Relativamente à cor, por vezes, considera­
A explicação racional do que faz é uma ne­ mos com extrema superficialidade o juízo dos
cessidade para a maioria dos que trabalham cria­ povos da Antiguidade, deixando-nos atrair por
tivamente. E essa explicação é comum nos ma­ um anedotário pitoresco, em detrimento dos ele­
nuais e escritos diversos dos grandes artistas do mentos de conhecimento que a duras penas pro­
Renascimento. Portanto, é natural que encon­ curavam abrir caminho à ciência.
tremos em tais obras suas indagações e respostas Seria um falseamento histórico julgar o pen­
teóricas ém torno dos elementos cromáticos uti­ samento de sacerdotes, magos e curandeiros co-
lizados. A percepção de uma infinidade de cores,
na natureza, há milênios não iludia mais aos filó ­ (V P/inius Secundus — "Natura/is Historia " (Traduzida por
sofos e pesquisadores, que intuíam serem elas Littré). Paris, 1877.

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mo sendo o único da Antiguidade. O fato de que menos escurecido quanto mais ou menos esteja
tal pensamento dominasse em certos períodos, carregado de umidade. (. . .) Existe uma pers­
por vezes m uito longos, não impediu que fosse pectiva que se denomina aérea e que, pela degra­
superado pela verdade dos conhecimentos laten­ dação dos matizes no ar, torna sensível a distân­
tes que coexistiam e se desenvolviam. Portanto, cia dos objetos entre si, mesmo que todos este­
parece-nos bem mais atraente, útil e significativa jam no mesmo pla.no."
a história desses conhecimentos subjacentes do E exemplificando: " 0 primeiro edifício além
que a do conjunto de idéias extravagantes, por do muro será da cor natural; o segundo estará li­
vezes risíveis e absurdas, que afloravam. geiramente alinhado e com uma coloração um
Se o estudo dos astros gerava paralelamente tanto azulada; o terceiro, ainda mais distante, es­
a astrologia, especulada por poucos, o importan­ tará mais azulado. Se desejar que outro apareça
te historicamente eram os rudimentos da astro­ cinco vezes mais distante, procure que tenha cin­
nomia que procuravam decifrar o universo e ti­ co graus mais de tom azulado e, por esta re­
nham valia para a navegação e a organização dos gra, os edifícios sobre o mesmo plano parecerão
calendários agrícolas, beneficiando a todos. Se a iguais em tamanho e, no entanto, se notará per­
revelação de valores expressos em números possi­ feitamente a distância e dimensão de cada um
bilitava o aparecimento da numerologia, manipu­ deles. (. . .) As coisas mais distantes parecem
lada por alguns, mais bela é a história de sua u ti­ mais azuladas, devido à grande quantidade de ar
lização prática, em que os dados matemáticos que se encontra entre a vista e o objeto."
empregados pela maioria na criação de medidas 0 sentido de realidade física da pintura re­
de grandeza cada vez mais exatas e na constru­ nascentista baseia-se na conjugação das perspec­
ção de módulos científicos, industriais e artísti­ tivas aérea e linear. ” A diminuição da qualidade
cos dão forma às aspirações gerais. das cores está em concomitância com a dim inui­
Defendendo a prática científica, diria Leo­ ção dos corpos coloridos. Sem a perspectiva das
nardo que a experiência era "inimiga dos alqui­ cores, a perspectiva linear não é suficiente em
mistas, necromantes e outros espíritos ingênuos” . seu movimento para determinar as distâncias” :
No mesmo sentido, em alusão à cor das pedras,
afirmaria Plínio: "Os magos mentirosos dizem CORES PRIMARIAS
que a ametista impede a embriaguez, acreditan­
do que isto está bem de acordo com a aparên­ As descrições dos antigos a respeito do nú­
cia e a cor desta pedra — daí, segundo eles, o no­ mero de cores principais, do efeito de refração
me que ela tem. Demais, se nela se inscrevem os e da cor do ar contribuíram como elementos ins­
nomes da lua e do sol, e dependurada ao pescoço tigadores da investigação renascentista do pro­
com pelos de cinocéfalo ou de andorinha, ela blema essencial para a manipulação da cor: a de­
preserva os malefícios. Ao ser usada, ela conse­ terminação do número e de quais sejam as cores
gue de qualquer maneira um favorável acesso primárias.
junto aos reis; se se recita uma prece que os ma­ 0 interesse milenar de cientistas e artistas em
gos indicam, ela impede a chuva de granizo e as torno do número mínimo de cores invariáveis e
pragas de gafanhotos. Quanto às esmeraldas, eles indecomponíveis necessário à formação das de­
lhes atribuíram iguais virtudes, com a condição mais cores existentes na natureza seria satisfeito
de gravar-lhes águias e escaravelhos. Sem dúvida, quase integralmente por Alberti:
foi com um sentimento de desprezo e de zomba­ "Parece óbvio que as cores tomam da luz
ria para com o gênero humano que eles escreve­ suas variantes: porque todas as cores, colocadas
ram tais coisas” . na sombra, aparecem diferentes do que são na
Como outros naturalistas e filósofos da A n ti­ luz. A sombra faz a cor escura; a luz, onde ela
guidade, Plínio considerava a cor do ar como atinge, torna a cor clara. Os filósofos dizem que
verde. Descrevendo uma espécie branca de ame­ nada pode ser visto enquanto não for ilumina­
tista, dizia: "Ela reúne à transparência do cristal do e colorido. Por conseguinte, afirmam que há
o verde particular do ar. . .” íntima relação entre a luz e a cor, em se fazerem
visíveis. A importância disto é facilmente de­
PERSPECTIVA AÉREA monstrada, pois quando falta a luz não há cor, e
quando a luz aparece a cor surge também. Logo,
A descoberta da cor do ar faz parte do acer­ me parece que, primeiro, devo falar das cores;
vo de deduções experimentais do Renascimento. então investigarei como elas variam sob a luz . . .
Sua importância para o estudo da cor cresce de Falo aqui como pintor. Pela mistura de cores, in­
significado quando se percebe que ela éa base da finitas outras cores aparecem, mas há somente
teoria da perspectiva aérea, assim descrita por quatro cores verdadeiras — como existem apenas
Leonardo: ” 0 azul é a cor do ar, sendo mais ou quatro elementos (fogo, terra, água e ar) — das

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quais mais e mais tipos de cores poderão então isso, o colocamos em primeiro lugar. O amarelo,
ser criados. Vermelho é a cor do fogo; azul, do o verde, o azul, o vermelho e o preto vêm em
ar; verde, da água, e cinza, da terra. Outras co­ continuação."
res, tais como o jaspe e o pórfiro, são misturas Na classificação de Da Vinci figuram tanto as
destas. Assim, há quatro gêneros de cores, e elas três cores físicas (vermelho, verde e azul) como
fazem suas espécies de acordo com o aumento as três cores químicas (vermelho, amarelo e azul).
de sombra ou luz, preto ou branco, tornando-se Com relação aos elementos naturais, diria: "O
quase inumeráveis (. . .). Por conseguinte, a mis­ branco equivale à luz, sem a qual nenhuma cor é
tura com o branco não muda o gênero das cores, perceptível; o amarelo representa a terra; o ver­
mas forma espécies. O preto, quando misturado, de, a água; o azul, o ar; o vermelho, o fogo; o
contém igual força para produzir espécies quase preto, as trevas."
infinitas de cor. Nas sombras, as cores escure­ Das quatro cores citadas por Alberti, Leonar­
cem. À medida que a sombra se aprofunda, as do apenas substituiu o cinza pelo amarelo, de
cores esvaziam-se e, quando a luz aumenta, as vez que ele mesmo reconhecia o caráter diferen­
cores tornam-se mais abertas e claras. Por esta ra­ ciado do branco e do preto em relação às cores.
zão, o pintor deve persuadir-se de que preto e Percebia Leonardo que, para a produção de
branco não são cores verdadeiras, mas sim altera­ todas as cores existentes no universo, as geratri­
ções de outras cores. . ." zes seriam o vermelho, o amarelo, o verde e o
Ao ampliar de três para quatro o número das azul, porque com tais cores simples poderiam ser
cores já definido por Plínio 14 séculos antes, Al- criadas tanto as cores-pigmento como as cores-
berti paga elevado preço por seu amor à teoria luz, ou seja, toda a coloração da natureza.
dos quatro elementos. De qualquer forma, cabe- Revitalizando a formulação de Aristóteles,
lhe o mérito de ter sido o primeiro a determinar Da Vinci insistia na inclusão do preto e do bran­
com exatidão as três cores primárias, falhando co na escala, como única maneira de se poder re­
apenas pela inclusão de uma quarta, que a rigor velar a característica de valor da cor, expressa
não é cor. Eliminando-se o cinza das quatro co­ em grau de luminosidade (rebaixamento no sen­
res citadas, teremos precisamente as três primá­ tido do preto, ou degradação no sentido do
rias consagradas pela Física moderna: vermelho, branco). As escalas cromáticas de Chevreul,
verde e azul. Ostwald e Munsell, realizadas três e quatro sécu­
Dezenove séculos antes, Aristóteles afirmava los depois, apoiaram-se nos enunciados de Da
que as cores eram sete e que as demais colora­ Vinci, incluindo o branco e o preto como lim i­
ções decorriam da mistura destas. O preto e o tes extremos de luminosidade das cores.
branco estavam estre as sete cores. Ele acreditava Leonardo foi o primeiro a demonstrar de
que toda cor resultava da mistura do branco com forma experimental que o branco é composto
o preto. De modo geral, os filósofos da Antigui­ pelas demais cores. Um século e meio antes de
dade oscilavam entre dois conceitos: o primeiro, James Gregory e Newton abordarem o assunto,
dominante, considerava a cor como propriedade ele afirmara em várias passagens de seus escri­
dos corpos; o segundo baseava-se na tese de que tos: "O branco não é uma cor, mas o composto
os fenômenos de coloração eram fruto de um en­ de todas as cores".
fraquecimento da luz branca. Este últim o con­
ceito permaneceu vivo durante a Idade Média e, VISÃO DA COR
mesmo depois das teorizações de Leonardo, Gre-
gory e Newton, ainda foi capaz de influenciar Não obstante o respeito que tinha pelos an­
Goethe. tigos, Leonardo não aceitava a tese de Aristóte­
"Como os sabores, as cores são em número les de que a cor seja uma propriedade dos obje­
de sete, se, como é lógico, admite-se que o mar­ tos, um de seus atributos.
rom é jma nuance do preto. O amarelo reporta- Nada melhor para demonstrar sua divergên­
se ao branco, e entre o branco e o preto vêm co­ cia dos princípios peripatéticos do que a form u­
locar-se o vermelho, o violeta, o verde e o azul. lação em que reconhecia a importância do dado
As outras cores resultam da mistura das prece­ subjetivo no ato da percepção da cor: "Todo
dentes." corpo que se move com rapidez parece atingir o
Leonardo assim definiria as cores primárias: percurso com sua própria cor. O relâmpago,
"Chamo cores simples aquelas que não podem que rasga as nuvens com rapidez, assemelha-se a
ser feitas pela mescla de outras cores.(. . .) O uma cobra luminosa. Façamos com um tição um
branco, se bem que alguns filósofos não aceitem movimento circular, e sua circunferência parece­
nem ao branco nem ao preto como cores, por­ rá de fogo."
que um é a causa do outro e o outro a privação Até a revolução copérnica, numa herança
da cor, o pintor não poderia privar-se dele e, por medieval, o mundo culto continuaria reveren-

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ciando o saber antigo, de modo quase dogmáti­ ser direita, e que a esquerda torne a ser esquerda,
co. Maravilhado por esse saber, com exemplar por meio da segunda interseção que se forma no
modéstia Leonardo escreveria: . . uma vez que centro do cristalino". Em seguida, "são recolhi­
os homens nascidos antes de mim tomaram to ­ das pela sensibilidade" (nervo óptico) "e envia­
dos ós temas úteis e necessários, farei como aque­ das ao sentido comum, onde são julgadas".
le que, por pobreza, chega por últim o à feira e, Com os estudos de anatomia, descobriu o
não podendo prover-se de outra forma, adquire cristalino, chegando a julgar que era devido à
as coisas vistas pelos outros e recusadas por seu sua função que a imagem invertida, ao penetrar
escasso valor. Nesta mercadoria menosprezada, no olho, voltava à posição normal. Só bem mais
recusada e proveniente de muitos fornecedores, tarde é que a ciência pôde explicar que a reinver-
investirei meu últim o pecúlio e desta maneira são da imagem era obra do cérebro.
irei, não pelas grandes cidades, mas pelas pobres Sua argúcia levou-o a formular corretamente
aldeias, distribuindo e recebendo o preço que o funcionamento da visão binocular. E foi ele o
merece o que dou." primeiro a explicar que a distância entre os dois
Neste quadro geral, por vezes colaborando olhos é que permite a formação de imagens dife­
ou competindo com as teorias de Aristóteles, as rentes, do ponto de vista da perspectiva, criando
obras de Platão, em manuscritos no original gre­ a impressão de terceira dimensão: "As coisas vis­
go ou em latim, tiveram grande influência sobre tas por dois olhos parecerão mais em relevo que
os melhores espíritos renascentistas. Para essa in­ as vistas só por um ."
fluência contribuíram também o prestígio e a Partindo de constatações de Ptolomeu, Leo­
ação cultural do tradutor, filósofo e humanista nardo explica corretamente o funcionamento bá­
Marcílio Ficino. sico da pupila: "A pupila do olho, ao ar livre, al­
No Timeu, a explicação da visão cromática tera-se de dimensão para cada grau de movimen­
inclui vários elementos que o Mestre florentino to solar, e com as variações da pupila se produz
incorporaria ao acervo de seus conhecimentos: uma variação na percepção visual de um mesmo
" . . . cores, cbama que se escapa de todos os cor­ objeto, se bem que com freqüência a compara­
pos, em que as partes se unem com o fogo da vis­ ção dos objetos que nos rodeiam não nos permi­
ta, para formar a sensação. ( . . . ) O fogo exterior, te descobrir estas mudanças no objeto que olha­
que atinge a vista, a dilata em toda sua extensão mos."
até o olho, separa mesmo e divide com violência Poeticamente, diria: "O olho, janela da alma,
as partes do olho que servem de saída ao fogo in­ é a via principal pela qual o cérebro pode simples
terior, e faz sair fogo de nossos olhos; e esta água e magnificamente julgar as infinitas obras da na­
condensada que nós chamamos de lágrima, como tureza."
este agente, é um fogo vindo de fora, e, assim,
existe ao mesmo tempo fogo que sai de nós, co­ COLORIDO RENASCENTISTA
mo se ele fosse produzido pelo golpe, e fogo que
entra em nós e vem apagar na umidade e que No que se refere à compreensão da cor, o
desta mistura nascem todas as cores; nós dize­ longo caminho percorrido desde Simone Martini
mos que a impressão experimentada é a do re­ (1282-1344) até Leonardo é uma ascensão gra­
lâmpago e que o objeto que a produziu é bri­ dual de conhecimento teórico e de novos está­
lhante e resplandecente." gios cromáticos, mas não precisamente de um
Apesàr de toda a admiração de Leonardo pe­ enriquecimento na aplicação prática da cor.
los antigos, seu espírito estava sempre atento aos Simone Martini era o herdeiro de uma exu­
fenômenos naturais. Criticando antigos concei­ berante tradição e permanece ainda hoje como
tos, diria: "O olho, do qual a experiência mostra um dos maiores, coloristas de todos os tempos.
tão bem a função, até o meu tempo tem sido de­ Sua mestria na utilização dos fundos dourados,
finido por um número in finito de autores de em que reluzem pedras preciosas em contraste
uma forma que julgo errônea. O olho não pode­ com as carnações e a harmonia das cores vivas,
ria enviar em um mês sua potência visual à altu­ quase gritantes, representa o ápice do desenvol­
ra do Sol. ( . . . ) A natureza fez a superfície da vimento das possibilidades bizantinas e góticas.
pupila convexa, a fim de que os objetos que a ro­ No entanto, a euforia do brilho feérico das
deiam possam refletir suas imagens com ângulos cores não seria o único caminho que conduziria
maiores, o que não ocorreria se o olho fosse ao amadurecimento dos meios técnicos do Renas­
plano. (. . .) A pupila do olho recebe as imagens cimento. Revificando o legado de Apolodoro,
invertidas e, no entanto, elas são vistas direito. Giotto, com sua visão pessoal, iria im prim ir nova
( . . . ) O cristalino, no meio do olho, serve para direção à técnica pictórica, utilizando-se do cla-
endireitar as imagens que se entrecruzam na ro-escuro. Embora várias cores vibrantes vitali­
abertura da pupila, a fim de que a direita volte a zassem suas obras, era na busca dos efeitos psico­

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lógicos tirados do contraste de cores, fazendo va­ estilo luminista, e influenciar não só os italianos
ler suas afinidades com a luz e com as sombras, mas também os mais importantes pintores euro­
que residiria a maior contribuição do pintor ao peus: Velázquez, Van Dyck, Rembrandt, Vermeer
desenvolvimento geral das características renas­ de Delft, Frans Hals, Georges de La Tour, etc.
centistas. O aprofundamento das pesquisas sobre A sombra desdobrava-se nas infinitas possi­
o claro-escuro, principalmente quando se tratava bilidades do claro-escuro, como legado tangível
de degradação de cores, e não do clareamento do Renascimento. Leonardo foi o seu maior teó­
do preto, era em si mesmo o início do estudo da rico, e o melhor títu lo encontrado para seu livro
perspectiva aérea. foi: Tratado da Pintura e da Paisagem — Sombra
Do ponto de vista técnico, a evolução da pin­ e Luz. Em investigações ligadas às sombras, mas
tura desde a pré-história até os nossos dias evi­ com objetivos científicos, estabelece compara­
dencia que o realismo renascentista só foi possí­ ção entre duas fontes de luz cuja intensidade me­
vel graças à descoberta das leis das perspectivas de pela diferença das sombras, desenhando um
linear e aérea. A essas duas conquistas Leonardo aparelho bem próximo do fotôm etro que Rum-
somaria ainda o esfumado. ford iria construir dois séculos depois.
Mesmo em aplicação artística, as perspecti­ Sensíveis coloristas, os venezianos impõem
vas linear e aérea fazem ressaltar suas origens ao claro-escuro a técnica de contrastes comple­
científicas, o que não acontece com o esfumado, mentares de valores e de tons, em que, mesmo na
que, escondendo a ciência de seu emprego, deixa mais intensa obscuridade, as cores vibram. Os
à mostra apenas a fantasia do artista, parecendo tons quentes oriundos das terras coloridas eram
inscrever-se no dom ínio da pura sensibilidade. apanágio da pintura renascentista. A longa práti­
Tanto a perspectiva aérea como o esfumado ca da utilização dessa coloração termina por im­
estão ligados às proporções de luzes e sombras por o castanho como cor intermediária entre a
(como acontece com todos os fenômenos vi­ luz e a sombra, principalmente a partir de Ticia­
suais, em maior ou menor escala), razão que va­ no. Com ele, o castanho, representando a meia*
loriza seu estudo como fonte da compreensão de luz, assume a função de um dourado que envolve
vários estágios da percepção. todo o motivo. O castanho é a mais feliz repre­
O florescimento da arte em diversos pontos sentação das cores quentes na penumbra, devido
da Itália iria desaguar, em suas expressões mais ao seu ligeiro toque avermelhado. Em Ludovico
altas como movimento de conjunto, na obra dos Dolce, no seu Diálogos sobre a Pintura (1557),
pintores de Florença e Veneza. É comum encon­ encontra-se o elogio globalmente teorizado desta
trarmos a definição das correntes artísticas des­ preferência cromática. Todavia, a eleição do cas­
sas duas cidades como sendo a da primeira mais tanho como cor intermediária, em mãos menos
racional e filosófica, e a da segunda, mais natura­ experientes, conduzidas por espíritos menores,
lista e sensual. continha o germe da morte do colorido. Confun­
O contato com as reverberações luminosas dindo maneirismo com academicismo, a grande
das regiões do Adriático conduziria os pintores maneira de fazer é substituída por frias regras
venezianos cada vez mais à representação da na­ acadêmicas, baseadas na cor local, procurando
tureza. Em Giorgione (1480-1510) esta represen­ contornar dificuldades, buscando suprira ausên­
tação assumiria o primeiro plano de importância cia da verdadeira criação cromática por fórmulas
no quadro, abrindo caminho ao surgimento da e receitas insuficientes, que terminariam por di­
paisagem como gênero de pintura. luir as vibrações luminosas, num todo inexpres­
O encanto da luminosidade e o terror das sivo de coloração duvidosa.
trevas em perpétua luta terminam por encon­ Também a arte florentina, principalmente
trar sua síntese pictórica no sábio emprego de através das teorias de Da Vinci e da pintura de
luz e sombra, marcando o surgimento dos gran­ Rafael, forneceria preciosos elementos aos fu tu ­
des coloristas — Ticiano (1477-1576), Paulo Ve- ros acadêmicos, num período em que todas as
ronese (1528-1588) e Caravaggio (1573-1610). verdades daquelas formas já haviam sido esgota­
De tal modo os pintores venezianos se embriaga­ das e tudo o que elas poderiam dizer já haviam
vam com os sentidos que a Inquisição termina­ dito.
ria por não tolerar a quebra de seus cânones cro­ O esgotamento das formas não significava
máticos na "Ceia em Casa de Levi", pintada por que a maneira de fazê-las estivesse igualmente es­
Veronese. Defendendo-se, o pintor revela os gotada. Foi exatamente isto o que provaram os
princípios de sua moral estética, ao invocar o di­ maneiristas.
reito aos "vôos da fantasia e a licença que cabe Encarando a pintura como "a mais impor­
aos artistas, aos poetas e aos loucos". tante das ciências", a contribuição teórica flo ­
A violência da luz brotando das sombras in­ rentina iria influenciar também a Óptica Física,
tensas de Caravaggio (o Tenebroso) iria criar o deixando ainda enorme saldo à disposição dos

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futuros movimentos artísticos, no que tange à levo que dão às figuras as sombras fortes, seme­
essência científica dos meios formais. lhantes a esses brilhantes oradores que não di­
As idéias e princípios científicos que alicer­ zem nada de concreto."
çaram a arte florentina dos séculos XV e XVI Tendo muito a dizer, ele sacrifica o brilho
constituem a base de sua influência nas escolas exterior da pintura, em favor de uma maior vera­
e movimentos artísticos ocidentais posteriores. cidade, que não é apenas formal, mas expressão
Quando o gosto baseado nos padrões de be­ de uma rica subjetividade. Portanto, o esfumado
leza greco-romanos começara a entrar em crise do claro-escuro surge, em Leonardo, mais como
no fim do século XVI11 e princípio do XIX, em uma exigência do espírito que busca realizar-se
nada diminuiu o interesse dos espíritos mais cul­ do que como uma técnica que procura impor-se.
tos pelo estudo da arte renascentista. Era a re- Como diria Lionello Venturi, Leonardo "re ­
descoberta dos elementos vitais que animaram nunciou à riqueza da cor para viver em pobreza
essa arte que continuava a orientar as pesquisas com as suas penumbras. Mas quem disse que a
de seres superiores como Goethe, Helmholtz, pobreza é menos artística do que a riqueza?"
Chevreul, etc.
Mesmo em nossos dias, quando se festeja a
negação da beleza como única forma artística A BELEZA DAS CORES
válida e até mesmo é declarada sua morte,
surgem novos caminhos para a arte contempo­ Os grandes coloristas de todos os tempos t i­
rânea, e as leis essenciais que regeram as produ­ nham e têm cada um o seu código cromático,
ções renascentistas voltam à tona. Voltam e que se traduz sob a forma de estilo. Os troncos
voltarão sempre, em qualquer época em que se básicos desses códigos vêm do Renascimento, às
deseje pintar, porque são leis essenciais da vezes alterados por algumas escolas ou mestres
pintura e não apenas elementos da técnica influentes.
pictórica. Leonardo foi o primeiro a revelar a essência
A beleza era uma aspiração da arte, e a arte comum a todos esses códigos e troncos — cujas
do Renascimento era bela. Bela, no sentido de origens se perdem na Mesopotâmia, Egito e Gré­
que assim foi considerada durante séculos e ain­ cia —, penetrando no âmago da questão, eluci­
da hoje satisfaz às necessidades subjetivas de dando os elementos das matrizes de beleza, no
grande parte da humanidade. que se refere à sua constituição física.
Na obra de Leonardo, a beleza foi sempre al­ Com ele aprendemos que essa essência é o
go que transcendia a própria pintura, para inscre­ contraste entre luzes e sombras, ou seja, entre
ver-se no âmbito das idéias expressas. claro e escuro. À medida que se alteram os con­
trastes, altera-se o nível de beleza. Daí poder-se
O ESFUMADO concluir que a beleza da cor é sempre relativa.
Em seus escritos surge, pela primeira vez, na
No tocante à parte física do quadro, o ideal história da cor, uma disposição racional das afi­
artístico de Leonardo revelavá-se no esfumado nidades das diversas cores em relação às luzes e
do claro-escuro, sua singular contribuição à pin­ às sombras. As cores só são belas quando expres­
tura renascentista. sam uma realidade, funcionando como luz,
A suavidade buscada na claridade diáfana meia-luz, sombra ou treva. Esta afinidade das co­
que se espalha sobre os corpos, gerada pela res com a luz, com a sombra ou com a treva é,
vitória da luz contra as trevas envolventes, hoje em dia, facilmente constatada pela fotogra­
correspondia à suavidade interior de Da Vinci. fia em preto e branco, " é preciso compreender
O fato de conhecer anatomia melhor que que as diversas cores têm sua beleza em diversas
qualquer outro artista não o levou a despir gra­ partes: o preto tem a beleza da sombra, o bran­
tuitamente as figuras de seus quadros em de­ co a da luz, o azul e o verde tostados na meia-
monstração de virtuosismo. O fato de conhecer tinta, o amarelo e o vermelho nas luzes, o ouro
a cor como só ele conhecia em seu tempo não o em seus reflexos e a laca em suas meias-tintas."
conduziu a buscar os contrastes cromáticos do­ A beleza das cores só se revela por inteiro,
minantes, e sim a utilizar seus conhecimentos pa­ em cada uma delas, ao contato com a luz. "A
ra criar os climas psicológicos que mais traduzis­ cor que não brilha é formosa em suas partes ilu­
sem a sua personalidade artística. minadas, porque a luz vivifica e torna mais vi­
"O que parece belo à vista nem sempre é jus­ sível sua qualidade, enquanto que a sombra ate­
to; digo isto para certos pintores que sacrificam nua e vela esta beleza e impede de vê-la. Se, ao
tudo à beleza do colorido, que suprimem as som­ contrário, o preto é mais belo na sombra que na
bras ou as põem m uito fracas e quase insensíveis. luz, é porque o preto não é uma cor." (. . .) "A
Estes, menosprezando sua arte, descuidam o re­ beleza de qualquer cor que não tenha brilho oor

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si mesma cria-se pela grande claridade das partes sobre um branco ou o branco sobre um preto;
mais iluminadas dos corpos opacos". cada cor parece mais nobre sobre os confins de
A idéia de beleza por afinidade foi expressa sua contrária do que em seu próprio meio. (. . .)
por ele da seguinte maneira: "A parte de um cor­ Há uma outra (regra) que tende não a fazer as
po opaco que terá cor mais bela será aquela que cores mais formosas do que são naturalmente,
se encontre próxima a um corpo da mesma cor. mas que por sua companhia se embelezam umas às
( . . . ) A cor entre a parte sombreada e a parte outras, como o verde com o vermelho e o verme­
iluminada será menos bela que em plena luz, de lho com o verde, que se fazem valer por sua re­
modo que a beleza da cor se vê nos claros ciprocidade . . ." Em outra experiência diz: "Os
principais." extremos dos corpos aparecem ora mais claros
Beleza por oposição: "Entre as cores iguais, a ora mais escuros do que são em realidade, quan­
mais excelente será aquela que esteja mais próxi­ do o campo que confina com eles é mais escuro
ma da cor que lhe seja contrária: como o verme­ ou mais claro que a cor do corpo lim itado."
lho ao lado do que é pálido, o preto com o bran­ Aprofundando as observações sobre o con­
co, o amarelo dourado com o azul, o verde com traste simultâneo de cores, constatou o fenôme­
o vermelho; cada cor parece mais acentuada per­ no da aparição de cores em área não pintada.
to de sua contrária do que ao lado de uma simi­ Pela descrição feita, trata-se de dispersão cromá­
lar. (. . .) Se queres que uma cor dê graça à vi­ tica, uma das manifestações da cor inexistente,
zinha que lhe confina, vê os raios solares na for­ estudada na parte final deste livro. Embora a cor
mação do arco-iris." dispersa seja uma cor irradiada (uma forma de
Sua compreensão da força e da ação dos con­ refletância que surge sobre o fundo claro, pela pre­
trários, revelada nas cores, possibilitou-lhe a sença próxima da mesma cor mais intensa), ela
abertura do caminho para o domínio do contras­ se inclui entre as manifestações mais sutis das
te simultâneo de cores. possibilidades cromáticas, num tipo especial
de reverberação luminosa.
CONTRASTE SIMULTÂNEO DE CORES Leonardo assim a descreveu: "Se queres
obter uma excelente obscuridade em oposição
De todas as descobertas de Leonardo, nenhu­ a uma excelente brancura, ou uma excelente
ma teve maior importância para o colorido nas brancura com a mais intensa obscuridade, o que
artes visuais que a da simultaneidade dos con­ é pálido parecerá vermelho, do mais chamejante
trastes de cor. Esta descoberta revela a essência vermelho, não por si, senão por comparação com
da beleza do colorido, oriunda da ação das cores o violeta. . ." (0 grifo é nosso).
umas sobre as outras, ao mesmo tempo que mos­ Apesar da deficiência de informações sobre
tra a relatividade da aparência da cor. Scherffer, quantidades (formas, áreas e proporções), é evi­
Goethe e mais tarde Chevreul perceberam o al­ dente que ele se refere a uma forma de contras­
cance dessa descoberta, a ponto de Chevreul fa­ te em que entram três elementos: a mais intensa
zer dela o centro de sua teoria (Da Lei do Con­ obscuridade, e uma excelente brancura contras­
traste Simultâneo das Cores). tando com o violeta. Neste caso, o vermelho
Leonardo penetrou no núcleo do conflito "chamejante" seria fruto da dispersão do verme­
que se estabelece entre cores justapostas, reve­ lho contido no violeta, conforme a experiência
lando a síntese do fenômeno. Mostrou que uma demonstra cabalmente.
cor ao lado de outra mais escura tende a parecer
mais clara do que realmente é, enquanto a outra SOMBRA E LUZ
se torna ainda mais escura pela aproximação da
mais clara. Da mesma forma, a qualidade cromá­ As sombras bem estudadas são uma caracte­
tica é acentuada simultaneamente quando uma rística do Renascimento, mas nenhum outro pin­
cor se confronta com outra. ". . . Em geral as co­ tor ou filósofo preocupou-se tanto com o pro­
res contrárias têm uma forma particular quando blema como Leonardo. Mais que qualquer outro,
estão opostas às suas respectivas contrárias. ele percebera no conflito entre luz e trevas o
(. . .) A carnação empalidece sobre um campo meio de revelação dos fenômenos cromáticos e o
vermelho, a pele avermelha-se sobre um fundo núcleo da linguagem plástica e psicológica.
amarelo, e também as cores parecem diferentes Definindo a sombra, diria: ". . . é um aciden­
do que são, segundo o campo em que se encon­ te nascido dos corpos sombrios interpostos entre
trem ." o lugar da sombra e o corpo luminoso. ( . . . ) A
A simultaneidade é claramente definida: " 0 sombra é uma diminuição da luz; a treva é a pri­
contorno de uma cor uniforme não se mostra vação total da luz."
igual se não termina sobre um campo da mesma Quanto à relação entre luzes e sombras,
cor. Isto se comprova quando o preto termina constataria: "A soma das sombras é proporcional

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à soma das luzes, e quanto mais forte é a obs­ Leonardo classificava de falsa a sombra des­
curidade que se vê, mais esplendor tem a luz." crita, por residir aí o cerne de sua opção cromá­
Com uma abordagem inteiramente nova, ele tica. Aceitando a inclusão de tal sombra na pin­
abriria caminho à futura teorização das sombras tura, ele estaria aceitando os contrastes de cores
coloridas. Chama-se sombra colorida a sombra que levam à pintura de tons, em oposição à pin­
de coloração complementar à cor do fundo onde tura de valores, que defendia: "A sombra dos
ela surge. Percebendo que nem sempre a cor da corpos não deve participar senão da cor dos cor­
sombra corresponde à do corpo onde aparece, pos mesmos, ali onde ela se aplica. Portanto, o
Da Vinci deu o primeiro passo para a explicação preto não sendo considerado cor, com ele desa­
do fenômeno das sombras coloridas ao demons­ parece a sombra de todas as cores, com mais ou
trar que as sombras cuja cor não corresponda ao menos obscuridade, conforme se encontrem no
escurecimento do corpo opaco onde surja são lugar, sem perder jamais totalmente a cor do re­
sombras produzidas pela conjugação de luzes de ferido corpo (senão nas trevas)."
colorações diferentes. A disposição das cores espectrais em forma
Ainda no estudo das sombras, percebeu que circular sempre nos suscitou a indagação de
a ação das cores dos objetos circundantes a uma como teria ocorrido pela primeira vez a idéia de
superfície opaca tem o poder de influenciar essa dispô-las dessa maneira. Como Newton teria che­
superfície, colorindo-a. "Toda superfície de um gado a essa solução? Tudo indica que a origem
corpo opaco, atingida pela cor de vários objetos, foi uma adaptação do gráfico de sombras de
estará influenciada pela mescla das cores referi­ Leonardo. Newton devia conhecer o desenho em
das; a parte do corpo opaco a-b-c-d estará mes­ que Da Vinci apresentava as sombras de um
clada de luz e de sombra, porque este lugar está objeto divididas proporcionalmente e dispostas
atingido pela luz n-m e o escuro o-p" (ilust. graficamente em forma circular. A idéia, válida
13). para representar percentuais de sombras, poderia
também representar percentuais de luzes.

o n

Ilust. 13 — Mescla de cores.


Em outra experiência: "Quando um corpo
opaco projeta sua sombra sobre a superfície de
outro corpo opaco, este últim o estará iluminado
por diveVsas luzes; então essa sombra não virá do
corpo opaco mesmo, mas de outra parte. Isto de­
monstra: seja n-d-e o corpo opaco e branco em si
mesmo, e esteja iluminado pelo ar a-b e pelo A descrição de uma das experiências que ge­
fogo c-g e colocado na frente, entre o fogo e o rou este desenho está ligada à anedota descrita
objeto opaco o-p, cuja sombra se cortará sobre por Merejkowsk em seu livro sobre Leonardo da
a superfície em d-n e a esse d-n não chega a ver­ Vinci e transcrita por Kandinsky ( 5): "Leonardo
melhidão do fogo, mas sim o azul do ar; então, imaginara um sistema, ou melhor, uma gama de
em d-n haverá azul e em n-f, fogo. Portanto, a pequenas colheres, para medir as diferentes co­
sombra azulada termina embaixo, com a verme­ res. Este sistema deveria perm itir uma harmonia
lhidão do fogo sobre esse corpo opaco, e por mecânica. Um de seus alurcs, apesar de todo es­
cima termina em violeta, a saber: d-e está ilum i­ forço, não conseguia empregar o método com
nado por uma cor mista, composta pelo azul do sucesso. Desesperado, perguntou a um colega
ar a-b-e e pela vermelhidão do fogo g-c, que é como o Mestre o fazia. — "O Mestre não o u tili­
quase da cor violeta (ilust. 14). Assim se pro­ za nunca", respondeu-lhe.
va que essa sombra é falsa, que não é uma som­
bra do branco nem do vermelho que a rodeia." ( ' ) Kandinsky — "Du Spirituel dans l'A rt". Paris, 1954.

47
Leonardo enuncia o método da seguinte ma­ Lendo inúmeras vezes os mesmos trechos de
neira: ". . . colocando-se um objeto branco en­ Leonardo, no intuito de confirmar-lhe a preocu­
tre dois muros, um branco e o outro preto, entre pação com as sombras coloridas, encontrei outro
a parte escura deste objeto e a clara haverá uma sentido expresso nos textos, que me escapara nas
proporção parecida com a que existe entre as primeiras leituras, como escapara aos pesquisa­
duas muralhas. Se o objeto é azul, produzir-se-á dores dos séculos precedentes que os analisaram.
o mesmo efeito. Então, tens que pintar assim: Trata-se da descrição de uma experiência que
para dar sombras ao objeto azul, pega um preto comprova caber-lhe irrefutavelmente a descober­
semelhante ao da muralha que supostamente ta da composição da luz branca, e não a Newton,
deve refletir-se sobre o objeto; e para seguir prin­ como se vem ensinando há três séculos.
cípios seguros, quando pintes um muro, procura
tomar uma colher mais ou menos grande, segun­
do a dimensão da obra, com as bordas de igual
altura, para medir a quantidade de cor que em­
pregarás na preparação de tuas tintas."
"Se tiveres dado às primeiras sombras três
graus de obscuridade e um de claridade, ou seja,
três colheres cheias, e que estas colheres sejam
de um preto simples, com uma colher de branco,
a mescla será de uma qualidade certa e exata.
Tendo feito um muro branco e outro escuro, se Ilust. 16 — Demonstração de que "o branco é a potência
entre ambos colocas um objeto azul ao qual de­ receptiva de toda cor."
sejas dar o verdadeiro tom de sombra e de clari­ Numa seqüência lógica de observações, Leo­
dade que lhe convém, mistura de um lado o azul nardo da Vinci acumulou os dados necessários à
que será completamente escuro e o preto a seu dedução de que a luz branca era o "produto de
lado; toma em seguida três colheres de preto e outras cores".
mistura-as com uma de azul claro, dando-lhes a "O corpo sombrio (o que não tem luz, em
sombra mais forte. Feito isto, vê se o objeto é re­ oposição ao corpo luminoso), colocado entre as
dondo ou quadrado, ou crescente, ou exagerado. paredes próximas de um lugar escuro, que está
Traça linhas a partir dos extremos das muralhas iluminado de um lado pelo esplendor de uma
escuras ao centro desse objeto redondo e coloca vela e do outro por um pequeno respiro de ar,
as sombras mais fortes entre os ângulos iguais, será branco; então esse corpo se mostrará de um
no lugar onde suas linhas se cruzam sobre a su­ lado amarelo e do outro azulado". . . (ilust.
perfície do objeto, clareia pouco a pouco as 16). Ao iluminar um corpo opaco (branco), de
sombras, afastando-te do ponto em que elas são um lado, com a luz amarela de uma vela e do ou­
fortes, por exemplo em n o, e diminui tanto de tro com a luz azul diurna filtrada por um respi­
sombra como este lugar participe da luz do muro ro, ele percebeu que na parte em que as duas lu­
superior a d, e mistura esta cor na primeira som­ zes se misturavam surgia o branco.
bra a b com a mesma proporção" (ilust. 15). Na Teoria das Cores, afirma Goethe que por
d a muito tempo a Física considerou o amarelo e o
azul como as únicas cores realmente básicas.
Mas, de toda maneira, essa consideração só pode­
ria ter ocorrido a partir das experiências de Leo­
nardo, pois antes delas o que se conhecia de mais
avançado era a concepção das quatro cores de
Alberti.
O que a Física chama de síntese aditiva é
exatamente o que Leonardo descobrira: que a
soma de duas cores que se complementam pro­
duz o branco. Esta descoberta constitui a base
COMPOSIÇÃO DA LUZ BRANCA de toda a teoria cromática dos tempos moder­
nos.
Durante muito tempo a afirmativa de Leo­ Com a descrição da experiência citada, assu­
nardo de que "o branco é o resultado de outras mem novo significado as frases eufóricas, como
cores, a potência receptiva de toda cor", intrigou que a gritar eureka!: "O branco não é uma cor,
os estudiosos, despertando-lhes o desejo de saber mas sim a potência receptiva de toda cor. O
como ele chegara a essa formulação, se por pura branco não é uma cor, mas o composto de todas
intuição, ou por comprovação prática. as cores."

48
2
Newton
ea
Óptica Física
"Se pude ver tão longe, é porque gigantes me
transportaram em seus ombros."
Isaac Newton

A partir do século XVI as investidas em tor- drado da distância. Retomando a idéia da câma­
.no dos fenômenos cromáticos tornam-se cada ra escura, faz avançar os princípios da câmara fo ­
vez mais precisas, à procura de definições inequí­ tográfica. Eleva a outros termos a hipótese de
vocas, se possível matemáticas. Mas o verdadeiro Leonardo sobre o mecanismo de projeção de
progresso no estudo da luz estaria reservado para imagens invertidas no interior do olho e, ao defi­
o século seguinte. Os nimbos que se adensaram nir melhor a função do cristalino, elabora teori­
transformar-se-iam em benesses. Seria o grande camente a fórmula das lentes para óculos de
salto qualitativo, cujas quantidades iniciais se fir ­ míopes e presbitas.
mavam nos raciocínios pitagóricos, em lenta e Desesperadamente, durante 18 anos Kepler
tortuosa evolução no curso de mais de 23 sécu­ buscaria a solução do desacordo entre a idéia
los. herdada do movimento circular dos planetas e a
Com a aplicação dos conhecimentos acumu­ evidência de. sua negação. Com intuição de visio­
lados sobre os meios de manipulação da luz, o nário, terminaria por arrancar da montanha de
napolitano Porta (1541-1615) meíhora a câmara notações de Tycho Brahe os dados precisos para
escura descrita por Leonardo da Vinci (lanterna descobrir as elipses que formariam A Harmonia
mágica), dando ensejo a que o padre Kircher de­ do Mundo. As leis de Kepler dariam a Newton
senvolvesse seus princípios para a construção da os elementos básicos para a formulação do gran­
primeira lanterna de projeção. de princípio da atração universal.
Numa intensiva busca dos fenômenos ópti­
cos, em fins do século XVI Zacarias Jansen cria O novo quadro da astronomia levantado por
o microscópio. Amplia-se, no sentido inverso, a Kepler se entrelaça de tal maneira com os conhe­
possibiljdade de prospecção do universo quando cimentos matemáticos e luminosos que se apre­
Lippershey fabrica em Middelburg (1606) a pri­ senta como uma conquista da matemática e da
meira luneta de aproximação de objetiva conve­ óptica, forçando passagem ao nascimento da
Óptica Física. A visão do universo kepleriano é
xa e ocular côncava. Três anos depois Galileu
tão moderna e fornece tantos dados especulati­
construiria a luneta que traz seu nome.
vos a Einstein que nos parece ter sido lançada na
Todavia, o catalisador das principais inquie­
véspera do aparecimento das leis da relatividade.
tações científicas do período foi, indiscutivel­
mente, o matemático Johann Kepler (1571- Enquanto perseguia tenazmente as leis que
1630), cuja infortunada figura, pelas contradi­ regem as órbitas de Marte, escreve a Dióptrica
ções de genialidade e desenfreada loucura de elu­ (1610), com a qual funda uma nova ciência, des­
cubrações mentais, místicas e científicas, exalta tinada ao estudo da luz refratada. Nesse traba­
nossa imaginação e desperta a mais profunda lho, Kepler desenvolve o sistema da óptica geo­
simpatia humana. métrica e instrumental, lançando ainda os princí­
Em 1604, Kepler escreveu a Õptica, estimu­ pios do telescópio astronômico, ou telescópio de
lado pela compilação dos trabalhos de óptica de Kepler. Com a Dióptrica procurou definir as leis
Ptolomeu e Al Hazen (Alhazen), feita no século da refração luminosa, por meio de vários corpos
XIII por Vitellio. Demonstra nesse livro que a refratores, inclusive o prisma, sem contudo al­
intensidade da luz diminui na proporção do qua­ cançar seu intento.

49
Cabe-lhe, no entanto, o mérito de ter aberto do e desenvolvido em nova escala o sistema de
caminho aos êxitos do sábio holandês ViIlebrord propagação corpuscular da luz criado por Leuci-
Snell — a quem se atribui a descoberta das leis da po e difundido por Demócrito.
refração — bem como de Descartes, que publica­ Um ano depois da morte de Gassendi, o ma­
ria um livro também intitulado Dióptrica temático italiano Francisco Grimaldi lançaria as
(1637), onde faz ampla exposição das leis que bases da teoria ondulatória da luz, comparando
regem a ref ração (leis dos senos) e a formação do sua propagação ao comportamento das ondas
arco-íris. formadas pelos líquidos. Essa tese ganharia rapi­
Em sua obra, Descartes revela as proprieda­ damente novos e influentes adeptos. Doze anos
des das lentes e explica a aberração da esferici- mais tarde o astrônomo e físico holandês Chris-
dade. Suas leis fundamentais sobre a reflexão e a tian Huygens publicaria o Tratado da Luz, que
ref ração têm o seguinte enunciado: aborda a polarização da luz e outros fenômenos
1. O raio incidente, o raio refletido e o raio luminosos, explicados segundo a teoria ondula­
refratado e a normal do ponto de incidência es­ tória (forma de movimento vibratório).
tão em um mesmo plano. Por volta de 1665 Isaac Newton empreeende
2. O ângulo de incidência é igual ao ângulo de forma sistemática o estudo dos fenômenos lu­
de reflexão. minosos, com base na luz solar. Os resultados de
3. Há uma relação constante entre o seno do suas investigações possibilitaram-lhe alcançar os
ângulo de incidência e o seno do ângulo de refra- mais altos graus de conhecimento, na época, e
ção, isto é: são o tema do livro fundamental para a compre­
ensão da cor: Optica — ou um Tratado sobre a
Reflexão, a Refração e as Cores da Luz, publica­
sen r do em 1704. As idéias revolucionárias contidas
onde n constitui o índice de refração do segundo nessa obra constituem a essência da Optica Físi­
meio em relação ao primeiro. ca, nova disciplina por ele inaugurada. No livro é
Descortinando novos horizontes para a ciên­ revelada a descoberta do mecanismo de colora­
cia da cor, Descartes a definiria como sensação: ção dos corpos através da absorção e reflexão
"A luz é uma matéria fina e sutil que se propaga dos raios luminosos determinadas por certas
por toda parte e que fere nossos olhos. As cores propriedades, que chamou de "cores permanen­
são as sensações que Deus excita em nós, segun­ tes dos corpos naturais".
do os diversos movimentos que trazem essa ma­ Depois de interceptar um raio de luz com
téria aos nossos órgãos". um prisma, fazendo surgir as cores do espectro,
A idéia da cor como sensação resumia o co­ Newton realizou uma operação adicional em que
nhecimento que se acumulara desde os atomistas as cores, ao atravessar um segundo prisma, ou
gregos, passando pela intuição de Leonardo, até uma lente convergente, recompunham a luz
atingir a formulação de Galileu. Advertia Galileu branca original (ilust. 17). A decomposição da
para a necessidade de se distinguir na natureza as luz branca pelo prisma permitiu-lhe deduzir que
qualidades primordiais, como a posição, o núme­ a separação espacial das cores simples é obtida
ro, a forma e o movimento dos corpos, e as qua­ graças ao grau diferente de refração de cada cor
lidades secundárias, como as cores, os cheiros, os revelado ao atravessar os corpos transparentes.
sabores e os sons, que só existem na consciência Essa refração é caracterizada por certa grandeza,
do observador. Para produzir em nós gostos, denominada índice de refração. As aferições dos
odores, sons e cores — dizia — "creio que nada se raios refratados possibilitaram a Newton retirar
exige dos corpos exteriores, exceto formas, nú­ a noção da cor do âmbito das impressões subjeti­
meros e movimentos rápidos ou lentos. Penso vas, para introduzi-la no caminho das medidas e
que, se excluirmos os ouvidos, a língua e o nariz, verificações matemáticas.
permanecerão as formas, os números e os movi­ O estudo da refração da luz pelos corpos
mentos, mas não permanecerão nem os odores, mostrou que ela dependia, em grande parte, da
nem o gosto, nem os sons. Estas últimas qualida­ substância de que era feito o meio refrator.
des, na minha opinião, nada mais são que pala­ Assim como varia o grau de refração da luz ac
vras, quando separadas dos seres vivos. . passar do ar para a água ou para o vidro, assim
Seguindo os exemplos de Copérnico e atento também varia o grau de refração da luz de acor­
às teses de Pierre Ramus, Erasmo e Paracelso, do com a qualidade da substância refratora.
contrárias aos princípios de Aristóteles, o abade, Mas Newton descobriu também outra pro­
matemático e filósofo francês Pierre Gassendi priedade dos raios simples, que permite defini-
(1592-1655) combateu violentamente a filosofia los quantitativamente, sem levar em conta a na­
aristotélica, indo buscar em outros filósofos an­ tureza da substância que atravessam. Trata-se de
tigos o suporte para suas teorias. Assim é revivi­ seu comprimento de onda. Data daí a perda da

50
Must. 17 — Prismas invertidos.

Must. 18 — Discos de Newton.

importância da nomenclatura da cor para os físi­ como vem sendo difundido há mais de três sécu­
cos, uma vez que todos os cálculos e aferições los.
dos matizes são feitos e expressos matematica­ O disco criado por Newton é dividido por
mente fem milimícrons, fugindo das confusões e raios em sete partes, correspondentes proporcio­
imprecisões vocabulares e sensíveis. nalmente às cores do espectro, com os seguintes
Ao deduzir que a mesma síntese obtida com graus (ilust. 18):
as cores-luz (o branco) poderia também ser con­ vermelho = 60° 45' 34"
seguida utilizando cores-pigmento em movimen­ laranja = 34° 1 0 '3 8 "
to, Newton equivocou-se. Transportando para amarelo = 54° 41' 1"
um disco de cartão a seqüência das cores espec­ verde = 60° 45' 34"
trais, e dando a cada uma a área proporcional azul = 54° 41' 3 "
que elas têm no espectro, quando se gira o disco anil =34° 1 0 '3 8 "
numa velocidade de 50 a 80 rotações por minu­ violeta = 60° 45' 34"
to, as sete cores reduzem-se visualmente a três,
correspondendo às cores primárias. Aumentando Por todas essas razões, dizer que os trabalhos
a velocidade da rotação, ocorre o desaparecimen­ de Newton contribuíram enormemente para o
to gradual dos azuis. A partir de 800 rotações desenvolvimento da ciência, em alguns casos, é
por minuto, a mistura das luzes coloridas refleti­ ainda muito pouco. No que se refere à cor, são a
das pelas cores-pigmento causa a sensação de origem e a própria ciência num de seus momen­
uma cor ocre bastante forte, e não de branco, tos decisivos.
3
O Esboço de uma
Teoria das Cores,
de Goethe
"Tudo é teu, que enuncias. Toda forma
nasce uma segunda vez e torna
infinitamente a nascer" (. . .)
Carlos Drummond de Andrade
(A Palavra e a Terra)

"De tudo o que faço como poeta, não tenho


a menor vaidade. Bons poetas viveram ao
mesmo tempo em que eu, outros melhores
ainda antes de mim, outros virão mais tarde;
mas que no meu século eu seja o único que
conheça a d ifíc il ciência das cores, disso me
vanglorio um pouco, e é p o r isso que tenho o
sentimento de uma certa superioridade."

Johann Wolfgang Goethe


(Carta a Eckermann — 19 de fevereiro de
1829)

De todos os pesquisadores, Goethe é o que A Teoria das Cores teve sorte diametralmen­
exerce maior influência sobre os intelectuais e te oposta à de Os Sofrimentos do Jovem
artistas contemporâneos, no tocante à utilização Werther. Enquanto esta obra originou-se de ilu­
estética dos princfpios cromáticos. Contudo, tal minada inspiração quase juvenil e exigiu de
influência se processa por via indireta. Suas Goethe relativamente pouco trabalho em sua
idéias, refletidas nos trabalhos de Chevreul, realização, alcançando indiscutível sucesso ime­
Rood, Ostwald, etc., e as inúmeras citações, vi­ diato, aquela, que teria sido produto de maior
sões e máximas sobre a cor que se espalham por ambição intelectual, consumindo-lhe mais de 30
toda a sua obra poética e de ficção, além da pró­ anos de esforços em período de plena maturida­
pria mística que envolveu sua paixão pela luz, de, foi contestada por muitos, utilizada em silên­
respondem melhor pelo prestígio do autor, nesta cio por alguns e permaneceu longos anos em
matéria, do que seus experimentos científicos e completo esquecimento do público. Os Sofri-
teses, reunidos no Esboço de uma Teoria das .mentos de Werther, embora continuem muito li­
Cores. dos, quase não têm influência na literatura con­
Até hoje a Teoria das Cores continua um temporânea, ao passo que os princípios levanta­
livro incômodo para muitos. A agressividade po­ dos pela Teoria das Cores — em que pese a seus
lêmica contra as teorias de Newton, que tantas conhecidos equívocos — são as bases das artes
dificuldades causou ao livro quando de seu apa­ visuais do século XX.
recimento, ainda o mantém num clima de reser­ Comparando a Teoria das Cores com a mais
vas e de refutação prévia por parte dos cientistas. importante obra literária de Goethe (uma das
Por outro lado, seu caráter pouco acessível às maiores da humanidade), poderíamos dizer que
pessoas de formação não científica criou barrei­ a glória universal do Fausto, explosão artística
ras à sua compreensão e maior divulgação. de seus conhecimentos e vivências acumulados

53
durante toda a existência, foi o prêmio que a A preocupação de Goethe com as cores data
vida lhe dera; o reconhecimento da Teoria das da juventude, quando iniciou a prática da pintu­
Cores, o que ele gostaria de ter tido. ra e do desenho. A viagem à Itália seria decisiva
Era um gênio e até mesmo os equívocos de para ampliar-lhe o conhecimento das artes plásti­
tais homens têm o poder de ajudar os demais a cas num nível superior de entendimento. Na
descobrirem verdades antes não suspeitadas. Não observação direta dos originais antigos, deduzi­
significa isto uma apologia das idéias que mini­ ria: "Estas sublimes obras de arte foram produzi­
mizam as diferenças entre o certo e o errado, das pelos homens, segundo leis verdadeiras e na­
entre o bem e o mal. Quer apenas dizer que os turais, tal como as maiores obras da natureza".
equívocos resultantes de elevados ideais de a- A busca dessas leis passou a ser o objetivo maior
certo e perfeição trazem sempre em si alguma de suas pesquisas e de sua própria existência.
parcela desses ideais que os geraram. No momento em que começa a desvendar a
complexa trama dos fenômenos físico-técnico-
ANTECEDENTES E ORIGENS DAS artísticos, paradoxalmente abandona a pintura,
PREOCUPAÇÕES CROMÁTICAS afirmando: "De minha prolongada permanência
Tendo vivido a juventude em intensa inquie­ em Roma, obtive a vantagem de renunciar a prá­
tação intelectual, seu espírito, que cada vez mais tica das artes plásticas" (Viagem à Itálià — 22 de
fevereiro de 1788).
se nutria da cultura clássica, não deixaria escapar
É bem verdade que esta renúncia ocorre num
as premissas do Romantismo, que dominaria a
período de intensa realização literária, mas o
Europa logo a seguir.
grande fervor com que fala da arte do passado
Apesar do extraordinário sucesso do Werther,
contrasta com a quase indiferença pela pintura
que o situaria como indiscutível "chefe-de-esco-
de seu tempo: "De tudo isso, porém, restava-me
la", não seria Goethe um defensor do Romantis­
apenas a observação de que os artistas vivos se
mo, e afirmaria mais tarde: "Eu denomino clássi­
valiam unicamente de fórmulas e de tradições
co o que é são, e romântico o que é doentio.
mal assimiladas e de certo impulso, de maneira
(. . .) As obras antigas não são clássicas por se­
rem antigas, mas por serem vigorosas, vibrantes, que claro-escuro, colorido e harmonia das cores
alegres e sãs.” giravam continuamente dentro de um círculo. . .
Mas sua opinião estética não era dogmática que ninguém conseguia dominar, nem transpor
ou limitadora — para ele "a fantasia do artista não os limites." Tudo indica que, por intuição e de­
(devia) conhecer outra lei que ela mesma". Nessa dução, ele pressentia a crise que se alastraria
paixão pelo classicismo está a origem de suas no seio das artes plásticas.
preocupações e investigações científicas. Os re­ O desvirtuamento da maneira de fazer, em
sultados de sua viagem à Itália são bastante es­ pleno domínio do academicismo, conduziria a
clarecedores a respeito. pintura ao extremo esgotamento formal a que
Muitos críticos, se não negam inteiramente a chegou a arte oficial de meados do século passa­
Goethe a vocação científica, qualificam-no, do. é importante notar que a data da renúncia
neste terreno, como um pensador modesto, so­ de Goethe à prática da pintura corresponde ao
bretudo quando o comparam a Leonardo da início de suas preocupações com os problemas
Vinci e Newton, ou cotejam sua produção cien­ óptico-físicos e que os dois fatos estão intima­
tífica com sua própria obra literária. A grandeza mente ligados. Cada vez mais ele reconhecia que
do Fausto parece obscurecer os demais méritos uma grande arte só poderia ser fruto de leis ver­
dos êxitos que conquistara em outros campos do dadeiras e naturais, e o academicismo constituía
saber. No entanto, o simples títu lo de divulgador a própria negação de tais leis.
dos trabalhos de Goethe sobre história natural e Ardoroso defensor de uma arte de elevado
a deificação de suas idéias científicas bastaram conteúdo moral e humano, iria contribuir, tam­
para fazer a nomeada de Rodolfo Steiner em cer­ bém, com suas descobertas estético-científicas,
tos meios intelectuais. para o advento da abstração nas artes plásticas
A Metamorfose das Plantas e os escritos so­ quase um século depois de sua morte.
bre mineralogia ainda hoje despertam interesse. A preocupação com a cor, que empolgou a
Estudando anatomia, descobriu o osso inter-ma- maioria dos grandes espíritos de sua época, foi
xilar, que, segundo ele, "constitui, por assim também uma constante na vida de Goethe. Re­
dizer, a pedra angular do homem". A observação tratando a atmosfera reinante, ele escreveria iro­
do funcionamento dos órgãos dos sentidos possi­ nicamente: "Quando se agita um trapo verme­
bilitaria sua descoberta capital no terreno das lho, o touro se irrita e enfurece; porém, quando
cores, a tendência à complementação cromática se fala em cor, o filósofo fica frenético."
como função da retina, vinculando a pesquisa da Os estudos mais aprofundados e a determina­
cor ao campo da fisiologia. ção de publicar sua teoria parecem ter-lhe surgi-

54
do logo após a viagem à Itália. Em 1790 divul- bém, quando mais de uma vez fraquejava em
gou-se a "notícia de uma obra sobre as cores, meu caminho intuitivo, ele, com sua energia re­
realizada pelo Senhor Conselheiro Von Goethe", flexiva, obrigava-me a seguir adiante, como que
mais tarde comentada por ele nos seguintes ter­ me empurrava para o fim almejado."
mos: "Agora me atrevo a chamar a atenção do
público sobre outra obra da qual penso expor DISCORDÂNCIA DA TEORIA DE NEWTON
uma parte, em compêndio. Trata das cores, so­
bretudo daquelas que podem chamar-se cores Sabidamente, o que transforma uma hipóte­
puras, primordiais, que só percebemos através de se em teoria é o resultado de sua experimentação
corpos incolores, como aquelas cores que nos prática. Neste sentido, algumas das proposições
mostram o prisma, a lente e a gota d'água." de Goethe, sem causar o mínimo transtorno às
(Weimar, 28 de agosto de 1791). teorias de Newton — contra as quais se arroja­
No curso de sua breve campanha militar vam — também permanecem válidas, em muitos
(1792), vamos encontrá-lo com "o espírito mais de seus aspectos, para utilização em campos que
preocupado com suas teorias sobre a óptica do não sejam os da Física.
que com as operações militares" (6). A verdade, Não admitia Goethe que a luz branca (tendo
porém, é que antes de 1790 já começara a prepa­ a luz solar como típica) fosse formada pelas dife­
rar o livro Contribuições para a Optica, prelúdio rentes luzes coloridas do espectro: "Como pode
de uma série de estudos que resultariam na pu­ a luz branca ser formada por luzes mais escuras
blicação da Teoria dás Cores e na elaboração dos que ela?"
Materiais para a História da Teoria das Cores À primeira vista, poderia parecer apenas sim­
(1805a 1810). ples incompreensão. Mas não se tratava disto.
Esses trabalhos, enriquecidos com novas Tralava-se de uma não aceitação decorrente de
observações, formariam o Esboço de uma Teoria razões especulativas, em que verdades relativas
das Cores, terminado em 1820. A edição defini­ complicavam o que deveria ser simples. Ele esta­
tiva compõe-se de duas partes, ou dois livros in­ va informado, tanto quanto os físicos de nossos
dependentes, mas intimamente ligados entre si dias, com respeito à composição da luz branca.
pelo desejo do autor em opor-se às teorias de Sua formação cultural o levara a isso: "Eu estava
Newton. Devido a esse fato, as matérias do pri­ convencido, como todo mundo, que todas as co­
meiro livro, que contêm as magníficas contribui­ res continham-se na luz branca; nunca me disse­
ções goethianas, são expostas de maneira clara e ram outra coisa,' e tampouco pude encontrar a
didática, mas já com evidente intenção polêmica. menor razão para duvidar disso, por não ter pe­
A segunda parte, ou Livro II, é exatamente o que netrado a fundo a matéria. Na Universidade,
diz seu agressivo títu lo : Parte Polêmica — De­ haviam-me ensinado a Física como aos demais, e
núncia da Teoria de Newton. coube-me ver as experiências. . ."
Segundo se depreende logo na Introdução, A recusa em aceitar essa verdade fechou-lhe
Goethe considerava o Esboço de uma Teoria das o caminho da Õptica Física, tal como a concebe­
Cores, também, como a terceira tentativa de mos desde sua criação, mas não impediu que ele
uma história da cor: "A té agora só duas tentati­ imprimisse novo rumo à teoria das cores, enca­
vas se registraram de uma enumeração e classifi­ minhando-a no sentido da fisiologia e da psicolo­
cação dos fenômenos cromáticos: a primeira por gia. São os êxitos verificados nestes campos que
Teofrasto (filósofo e naturalista grego, 374-287 dão atualmente à sua teoria caráter de contem-
a.C.); a segunda por Boyle (Roberto Boyle, físi­ poraneidade.
co e químico inglês, 1626-1691). Não se discuti­ Em 1820, comentando sua posição, Goethe
rá o terceiro lugar, que cabe ao presente inten­ afirmava: "Com isso, fiz com que toda a escola
to ." (newtoniana) se voltasse contra mim; todos se
Na parte final dos Materiais para a História admiravam de que alguém sem o domínio supe­
da Teoria das Cores (Confissão do autor), em rior das matemáticas ousasse contradizer
tom de agradecimento, de grande interesse bio­ Newton, porque pareciam não ter a mais remota
gráfico, escreve Goethe: ". . . um reparo que a idéia de que pudesse existir uma física absoluta­
mim mesmo faço: o de não ter citado meu insubs­ mente independente das matemáticas."
tituível Schiller entre aqueles homens excelen­ Goethe considerava a cor como um efeito
tes que espiritualmente me fizeram progredir. que, embora dependente da luz, não era a pró­
Devido à grande naturalidade do seu gênio, não pria luz. E assentava sua teoria sobre a existência
apenas percebeu prontamente o ponto principal de três tipos de cores: "as cores, primeiramente,
do qual dependiam todos os outros, como tam- como algo que faz parte da vista, são o resultado
de uma ação e reação da mesma; em segundo lu­
( 6 ) J. Ancelet-Hustache — " Goethe par Lui-même". Paris, 1965. gar, como fenômeno concomitante ou derivado

55
de meios incolores; e, finalmente, como algo que "A luz engendra em si mesma uma cor que cha­
poderíamos imaginar como parte integrante dos mamos amarela, e a sombra, outra que denomi­
objetos. Às primeiras denominamos fisiológicas; namos azul. Se em seu estado mais puro amalga­
às segundas, físicas, e às terceiras, químicas." mamos estas duas cores, obteremos uma terceira,
Demonstrando que as cores fisiológicas são que chamaremos verde. Porém, cada uma das
produzidas pelo órgão visual, sob a ação de uma duas cores primárias pode também determinar
excitação mecânica ou como forma de equilíbrio em si mesma um novo fenômeno, tornando-se
e compensação cromáticos, e influenciadas pela mais densa ou escura, e neste caso toma um tom
ação do cérebro, Goethe faz avançar a caracteri­ avermelhado, que é possível acentuar-se até o
zação da cor como sensação que se transforma extremo de não se poder distinguir nela o amare­
em percepção. lo e o azul primitivos. No terreno físico, pode-se
Mas, ao descrever as cores físicas como fenô­ obter o vermelho mais vivo e puro combinando
menos concomitantes ou derivados de meios in­ os dois extremos do vermelho amarelado e do
colores, conscientemente recai numa variante do vermelho azulado. Este é o aspecto vivo do fenô­
antigo conceito de que os meios refratores modi­ meno cromático e da produção das cores."
ficam a cor da luz branca. Idêntica volta ao pas­ Sobre a mutação das cores, declara como lei
sado ocorre quando descreve as cores químicas, geral: "Todo branco que escurece turva-se e tor­
retomando parcialmente a idéia da cor como na-se amarelo, todo preto que clareia torna-se
propriedade dos corpos e não da luz que sobre azul. (. . .) No desenvolvimento químico dos pig­
eles incida. Dubitativamente, apresenta tais cores mentos, comprovamos o mesmo: a coloração
"como algo que poderíamos imaginar como amarela que recobre o aço escurece ao mesmo
parte integrante dos objetos". tempo a superfície brilhante. Ao transformar-se
A moderna divisão dos campos que estudam o branco de chumbo em massicote, realça o fato
as cores corresponde precisamente às três cores de que o amarelo é mais escuro que o branco."
de Goethe: Optica Fisiológica (cores fisiológi­ Goethe consegue provar que está certo em
cas), Optica Física (cores físicas) eOptica Físico- alguns pontos referentes à sensação da cor, mas
-química (cores químicas). de forma alguma invalida a teoria de Newton —
Afirma-se hoje que a alteração da luz branca ao contrário, enriquece-a com novos dados e par­
pode ser fruto de três causas: da disposição das ticularidades supletivas ou adicionais.
moléculas no espaço, da natureza particular de
um átomo, ou da organização dos átomos nas ANTIGAS VERDADES E
moléculas. À primeira causa atribuem-se os fenô­ DESCOBERTAS DE GOETHE
menos de coloração por interferência e difração,
por exemplo: coloração das bolas de sabão, arco- Decorridos mais de 150 anos, podemos ava­
íris, etc. A segunda e terceira causas englobam os liar melhor a contribuição de Goethe para a ela­
fenômenos de coloração dos corpos derivados boração da moderna teoria das cores.
das químicas inorgânica e orgânica. Historicamente, seu maior mérito reside em
Essas constatações da física e da química ter percebido as questões essenciais que abririam
apóiam-se nas descobertas de Newton. No pri­ caminhos à pesquisa, realizando o mais especula­
meiro caso, as moléculas no espaço funcionam tivo dos trabalhos escritos até hoje sobre a u tili­
como meio refrator, decompondo a luz branca zação estética da cor — o que equivale a dizer,
por dispersão dos raios coloridos. No segundo e destacando a influência dos elementos da física,
no terceiro, a composição e organização dos áto­ química, filosofia, fisiologia e psicologia.
mos decompõem a luz por absorção e reflexão Todos os teóricos surgidos posteriormente
de seus raios. valeram-se de suas proposições. Ostwald, agrade­
De acordo com a formulação de Goethe, luz, cendo aos grandes homens do passado que con­
sombra e cor deveriam coexistir para o surgimen­ tribuíram para o enriquecimento de seu saber,
to da visão: "a claridade, a obscuridade e a cor cita entre outros Newton, Goethe, Young e
constituem, juntas, os meios que possibilitam à Chevreul. Os resultados das experiências do físi­
S/ista diferenciar os objetos e suas diversas partes. co norte-americano Land, em 1959, descobrindo
De forma que, baseados nesses três fatores, cons- o processo fotográfico polaróide, consagrou o
truímos o mundo visível, tornando^ possível ao acerto das idéias de Goethe no tocante à polari­
mesmo tempo a pintura, capaz de representar a zação luz-tênebra.(7)
visão de um mundo m uito mais perfeito do que
possa ser o mundo real."
O que Leonardo classificara apenas como
afinidade de certas cores com a luz ou com a D H. O. Proskauer — " Goethes Farbenlehre und die Landschen
sombra, Goethe o toma num sentido absoluto: Versuche". Die Drei, margo-abril, 1961.

56
Percepção da cor no surgimento da cor inexistente e nas mutações
cromáticas.
Partindo da realidade física, não se pode ne­
gar a existência objetiva dos componentes da luz Experiências físicas
branca, nem tampouco esquecer que esses com­
ponentes só criarão a sensação da cor em deter­ Nem sempre a modificação da luz pela ação
minadas condições. E tais condições, por mais dos meios incolores obedece à mesma causa.
variáveis, serão sempre expressões de quantidade Quando a luz atravessa um corpo incolor, sem
de sombras. se dispersar, a rigor sua alteração é apenas ó p ti­
Essas particularidades não escaparam à intui­ ca, produzida pela densidade do meio incolor.
ção de Goethe. Também Newton não desconhe­ Quando se dispersa por refração, interferência,
cia a necessidade do ambiente escuro para o êxi­ etc., sua alteração é física.
to de suas experiências, mas na física a sombra Defendendo a tese de que a cor é fruto da
não conta, é encarada apenas como diminuição luz' e da sombra, Goethe afirmava que "o fenô­
ou ausência de luz, ao passo que fisiológica, psi­ meno cromático pressupõe o deslocamento da
cológica e esteticamente sua importância sempre imagem" e que esta imagem é formada pela
rivalizou com a da própria luz na avaliação dos "combinação de contorno e superfície. As ima­
fenômenos cromáticos. gens deslocadas em virtude da refração apresen­
Sem que estivesse certo quanto à composi­ tam bordas e limbos coloridos. (. . .) Ao deslo­
ção da luz e natureza dos matizes, Goethe tinha car-se uma imagem, a cor que a precede é sempre
razão no tocante ao surgimento da sensação co­ a mais larga, e a chamamos limbo; a que perma­
lorida — não pelos argumentos que apresentava, nece aferrada ao contorno é mais estreita e a de­
mas porque os diferentes raios luminosos (mati­ signamos com o nome de borda."
zes), apesar de sua existência objetiva, não são Mesmo sem aceitar a cor como decorrência
cores. A cor, sendo uma sensação, é produzida da decomposição da luz branca, experimental­
pelos matizes, mas tal fenômeno só se realiza em mente Goethe manipula os fenômenos físicos
certas condições, que exigem contrastes de lumi­ com valiosas observações, e comprova a verdade
nosidade, ou seja, ação oposta entre luz e obscu­ contida na descoberta das três cores-luz primá­
ridade. O fato de que as cores das estrelas não rias (vermelho, verde e violeta, esta última mais
sejam vistas durante o dia (quando a luz solar eli­ tarde substituída pelo azul-violetado), atribuída
mina as trevas), e não se possa decompor a luz ao Professor C. Wünch (1792).
branca, a não ser quando exista um mínimo de A primeira experiência é assim descrita por
sombra (como na formação do arco-íris e na re- Goethe: "Nos dois extremos opostos (do prisma)
fração produzida por lâminas delgadas), demons­ aparece em ângulo agudo um fenômeno contrá­
tra o acerto de Goethe na afirmação de que " to ­ rio que, conforme avança pelo espaço, vai au­
da cor tem por origem uma luz e uma não mentando em virtude do referido ângulo. Assim,
luz. . .". na direção em que se desloca a imagem lumino­
Segundo Goethe, todos os corpos transpa­ sa, projeta-se até a obscuridade um limbo viole­
rentes são sempre mais ou menos turvos, contêm ta, enquanto sobre o contorno se mantém uma
em maior ou menor escala alguma parcela de borda azul mais estreita. Do outro lado se pro­
obscuridade. O ar atmosférico que nos envolve jeta até a claridade um limbo amarelo, e uma
(corpo, transparente — portanto, corpo turvo, borda vermelho-amarelada mantém-se sobre o
com certo nível de obscuridade) pode ser encara­ contorno" (ilust. 19).
do como sombra que se mistura permanente­ Ao defender o princípio de que a cor tem
mente com a luz, alterando-lhe a qualidade. por origem a luz e a obscuridade, acrescenta:
Quanto à coloração azul do firmamento, "N o entanto, há de ter-se presente o movimento
atualmente ninguém duvida de que seja causada do escuro até o claro, e do claro até o escuro." E
pelas partículas extremamente pequenas de ar continuando a descrição de sua experiência,
que difundem os raios luminosos de ondas mais observa: "A parte interior de uma imagem
curtas (azuis e violeta). Quando aumenta o tama­ grande permanece incolor um longo trecho,
nho dessas partículas, a coloração muda, chegan­ sobretudo em se tratando de meios de pouca
do até ao vermelho do extremo oposto do espec­ densidade e efeito, até que não entrem em con­
tro. tato as bordas opostas, por linhas definidas, ori­
Como vemos, o fenômeno da decomposição ginando uma coloração verde na parte interior
da luz solar pela atmosfera é um problema de da imagem luminosa. Se recortarmos um cartão
quantidade ligado à densidade do ar (sombras). para interpô:lo diante do prisma, fazendo em seu
Nestas particularidades fundaram-se as observa­ meio uma abertura horizontal alargada e deixan­
ções a respeito de certas leis gerais que influem do passar por ela a luz do sol, o limbo amarelo e

57
a borda azul fundem-se na claridade e só perce­ ção hierárquica, Goethe trata em primeiro lugar
bemos o vermelho-amarelado, o verde e o viole­ das cores que denomina fisiológicas.
ta." No estudo da função do olho e de seu com­
Goethe discordava de que o fenômeno pris­ portamento em várias situações, faz algumas des­
mático se encontra completo ao emergir do pris­ cobertas que constituem o centro de sua teoria
ma a imagem luminosa. Neste momento se per­ e que iriam modificar o rumo dos conhecimen­
cebem apenas "seus princípios contrapostos; logo tos cromáticos.
se intensifica o fenômeno, fundem-se os contrá­ Revitalizando cientificamente antigas con­
rios e acabam por interpenetrar-se. Recolhida em cepções da luz do olhar e dos raios visuais, afir­
um anteparo, a seção deste fenômeno varia de ma que o olho possui luz própria: "Graças à luz,
acordo com a distância existente entre o prisma adapta-se o olho à luz, a fim de que à luz exte­
e o anteparo, de maneira que não cabe falar de rior corresponda outra interior. . . no olho reside
uma ordem constante nem de uma intensidade uma luz patente que se excita ao menor estímu­
igual de cores. (. . .) Geralmente as experiências lo interior ou exterior. Como ato de nossa ima­
objetivas foram sempre realizadas tomando por ginação, podemos produzir na obscuridade as
base unicamente a imagem luminosa do sol, e até mais claras imagens. Nos sonhos, os objetos nos
agora quase nunca utilizando uma imagem escu­ aparecem como em pleno dia."
ra. Mas indicamos também para esse fim um pro­ Sua intuição leva-o a concluir que a visão hu­
cedimento sensível: colocando-se o grande pris­ mana propende para a total ização cromática,
ma oco ao sol e pondo-se um disco de cartão em produzindo a todo instante as cores necessárias
sua face externa ou interna, também se apresen­ para atingir esse equilíbrio (cores fisiológicas).
ta o fenômeno colorido nos contornos, de acor­ "Estas cores são as que se devem estudar em pri­
do com a lei conhecida (surgimentos dos limbos meiro lugar, de vez que integralmente ou em sua
e bordas); produzem-se e logo crescem as bordas, maior parte referem-se ao sujeito, ao órgão da
e na parte média aparece a coloração púrpura" visão; estas cores que constituem o fundamento
(ilust. 20 ). de toda teoria e nos revelam a harmonia cromáti­
Percebeu Goethe que as cores (amarelo, púr­ ca, origem de tantos debates acalorados, até ago­
pura e azul) projetadas no anteparo pelo1prisma ra, foram consideradas fenômenos secundários e
coberto em parte pela imagem escura eram as fortuitos, ilusão e defeito da vista. Suas manifes­
complementares das obtidas com a experiência tações são conhecidas desde tempos remotos,
anterior (azul-violetado, verde e vermelho-alaran- porém, pela impossibilidade de apreensão de sua
jado). A indicação gráfica de cada tríade de cor fugacidade, renegaram-nas ao reino dos fantas­
aparece no canto inferior direito das pranchas V mas nocivos e as designaram neste sentido com
e VI. os mais diversos nomes. Boyle denominava-as
No fim da terceira década do século X V III cores adventicii; Rizetti, imaginarii e phantastici;
os naturalistas de toda a Europa tomaram conhe­ Buffon, couleurs accidentelles; Scherffer, colo­
cimento da descoberta das três cores-pigmento res aparentes; alguns qualificavam-nas de ilusão
primárias (vermelho, amarelo e azul), feita pelo óptica e engano visual; Hamberger chamava-as
impressor Le Blon. Embora utilizasse várias ve­ vitia fuggitiva e Darwin, ocular spectra."
zes a denominação em voga das cores primárias,
a atenção de Goethe esteve sempre voltada para Imagens pretas e brancas
o fato de que mesmo em cor-pigmento as tonali­
dades não eràm exatamente as que a nomencla­ A o estudar as imagens pretas e brancas, mos­
tura de Le Blon indicava. Foi Goethe o primei­ tra que um objeto escuro parece sempre menor
ro a ressaltar a importância da tríade amarelo- que um claro do mesmo tamanho. Em sua argu­
púrpura-azul, ao defender o caráter primário da mentação, apóia-se em observações astronômicas
púrpura em substituição ao vermelho. Mas a púr­ de Tycho Brahe e na formulação de Kepler: "É
pura de que ele fala é a cor denominada moder­ certo que a dilatação dos objetos claros existe ou
namente magenta. Depois de longas contradi­ na retina, causada pela pintura, ou nos espíritos,
ções, aceita-se hoje integralmente a formulação causada pela impressão."
goethiana, por constatar que as colorações ma­ Veiculando um conceito generalizado, afir­
genta, amarelo e ciano são as que melhor corres­ ma que "a roupa preta faz com que as pessoas
pondem à condição de primárias em cor-pigmen­ pareçam mais magras que quando vestidas de
to.
claro".
Cores fisiológicas Atualmente acreditamos que as imagens
brancas parecem maiores que as escuras devido
Dividindo em sete capítulos o Esboço de ao movimento excêntrico próprio das cores cla­
uma Teoria das Cores, num sentido de valoriza­ ras. Um círculo branco sobre fundo preto, fo to ­
v ,vj

liust. 19 — Desenvolvimento gradual das cores, ao saírem llust. 20 — Um anteparo opaco, no centro do prisma, faz
do prisma. surgir as cores complementares amarelo, magenta e ciano.

grafado inúmeras vezes, numa seqüência de fotos xar no mesmo lugar o papel colorido e desviar
que tomem por modelo a fotografia precedente, a vista para outro ponto do placar; perceberemos
tende a aumentar de tamanho progressivamente. nele o mesmo fenômeno cromático, de vez que
0 surgimento da imprecisão dos contornos é o deriva de uma imagem que prontamente im­
primeiro sinal de sua ampliação gradativa. pressiona a retina. As cores diametralmente
opostas se complementam na retina. Assim, ao
Totalização cromática amarelo, o violeta; à púrpura, o verde e também
ao contrário. Todos os tons se complementam
Depóis de ressaltar o vigor da oposição entre entre si', e à cor mais simples corresponde a mais
o preto e o branco, Goethe retoma e desenvolve composta e vice-versa."
a idéia contida na demonstração leonardiana —
reveladora da propriedade que tem a retina de Contrastes simultâneos de cores
reter determinadas imagens — e teoriza magis­
tralmente o fenômeno das imagens posteriores, Partindo do conceito de Leonardo referente
positivas e negativas. à simultaneidade da ação de contrastes das ima­
"Como no caso das imagens incolores, a im­ gens incolores, Goethe escreveria: "Uma imagem
pressão das coloridas persiste na retina, só que a cinza apresenta-se muito mais clara sobre fun­
vitalidade desta se faz sentir mais patente, pois do negro que sobre fundo branco". E dos con­
incita à oposição, e realiza através do conflito trastes incolores ele passa aos contrastes simultâ­
uma totalidade. Se olharmos fixamente um pe­ neos de cores, analisando-os do ponto de vista
queno pedaço de papel ou de seda de cor viva fisiológico:
sobre um placar branco pouco iluminado e, pas­ "Já que comprovamos que a toda cor sucede
sados alguns instantes, o retirarmos sem afastar na retina a que lhe é complementar, só falta de­
a vista do lugar, perceberemos no placar branco monstrar que este fenômeno é também simultâ­
o espectro de outra cor. Também, podemos dei­ neo. Quando uma imagem colorida se inscreve

59
numa parte da retina, logo a parte restante se luz que a projeta colore de alguma forma uma
põe a produzir as cores complementares das per­ superfície branca e que uma contraluz ilumine
cebidas. . . até certo ponto a sombra projetada.
"A simultaneidade desses efeitos, que até "N o entardecer, coloque-se uma vela curta
aqui temos advertido nos casos diretos, pode-se sobre um papel branco, e à minguante luz do dia
comprovar, também, no inverso. Se colocamos interponha-se verticalmente um lápis, de modo
um pedacinho de papel de cor alaranjada satura­ que a sombra projetada pela vela se ilumine e
da sobre um fundo branco, apenas olhando-o fi­ não faça desaparecer a débil luz diurna. Então,
xamente, percebemos no fundo restante a cor a sombra tomará uma cor de belíssimo azul.
complementar azul; porém, se retiramos o papel "Qualquer um nota imediatamente que essa
alaranjado, em seu lugar se apresenta a imagem sombra é azul; porém, só o observador atento re­
azul aparente; no instante de alcançar sua máxi­ para que no papel branco aparece uma superfície
ma intensidade, o resto da superfície cobre-se amarelo-avermelhada, e que é precisamente essa
de um halo amarelo avermelhado; prova palmar cor que provoca na retina a percepção do azul."
da forma dinâmica como atua a lei que rege es­ Como está claramente expresso, para Goethe
tes fenômenos. a sombra colorida era um fenômeno fisiológico,
"Estes fenômenos são da maior importância, mas tal conceito não corresponde aos dados
porquanto nos sugerem as leis da visão e consti­ objetivos.
tuem um requisito indispensável para o estudo Já em 1797 Benjamin Thompson Rumford
das cores. definira o fenômeno das sombras coloridas, de­
"O órgão visual propende essencialmente pa­ senvolvendo raciocínios de Leonardo: duas luzes
ra a totalidade e contém em si mesmo toda a coloridas que se complementam produzem sem­
gama cromática." pre sombras de colorações complementares à co­
A explicação dos contrastes incolores e dos loração do fundo onde se projetem. A mais forte
contrastes simultâneos de cores como decorren­ delas funcionará como luz, atingindo o fundo
tes da tendência à total ização cromática, apoian­ branco. A mais fraca, como contraluz, dando cor
do-se no comportamento fisiológico, constituiu complementar à sombra. Concluindo, Rumford
o dado original das descobertas de Goethe. A afirmaria que "duas sombras coloridas só estão
Chevreul não escaparia a importância dessa origi­ em oerfeita harmonia quando a mescla de suas
nalidade, que seria o cerne da revolução pictóri­ colorações causa a sensação do branco."
ca do século X IX , preâmbulo das artes visuais Essa afirmativa de sabor tão newtoniano não
contemporâneas. poderia ser aceita por Goethe. Não aceitando as
evidências objetivas, não poderia teorizar um fe­
Sombras coloridas nômeno físico, mesmo que fosse capaz de repro­
duzi-lo quantas vezes quisesse. Na defesa de suas
Denomina-se sombra colorida a sombra de posições, chegaria a chamar de incolor, na expe­
coloração complementar à cor do fundo onde riência seguinte, a luz de uma vela, que na expe­
surge. Pressentida e explicada, em parte, por riência anterior ele devia supor ser a origem do
Leonardo da Vinci, foi por ele mesmo qualifica­ amarelo-avermelhado surgido no fundo do papel
da como falsa. branco.
Os grandes coloristas de todos os tempos, in­ "Se de noite colocarmos duas velas acesas,
tuitivamente, sempre aplicaram em seus traba­ uma ao lado da outra, sobre um fundo branco
lhos certos princípios físicos e, por vezes, até e colocarmos entre elas verticalmente uma vari­
mesmo as sombras coloridas. A busca de defini­ nha bem fina, de modo que se produzem duas
ções mais precisas inquietou Delacroix, ao obser­ sombras, e em seguida colocarmos um vidro co­
var os quadros de Turner e Constable. O Mestre lorido diante de uma das velas, de sorte que a
francês parecia ver no princípio utilizado nesses superfície branca apareça colorida, no mesmo
quadros o germe das transformações que ocorre­ instante veremos como a sombra projetada pela
riam na pintura, logo a seguir, com o advento do luz agora corante e pela outra incolor toma a cor
Impressionismo. complementar."
No capítulo sobre as sombras coloridas, A rigor, a única luz teoricamente incolor é a
Goethe escreve: "Antes de prosseguir nessa ex­ do sol, pelo fato de a vista estar adaptada a ela.
posição, devemos considerar os casos muito es­ A luz incandescente- das velas tem coloração
tranhos referentes a essas cores complementares. mesclada de amarelo e vermelho.
(. . .) Estas sombras coloridas, que agora se ex­ Como outros pesquisadores de seu tempo,
plicam tão facilmente, no passado foram um Goethe percebeu a importância do fenômeno
quebra-cabeças para os observadores. (. . .) A das sombras coloridas para a teoria das cores. A
sombra colorida pressupõe, antes de tudo, que a formulação da necessidade de uma luz e de uma

60
contraluz para sua produção é correta, mas vez ocupei-me em observá-lo pessoalmente e até
incompleta. Não se trata de uma contraluz qual­ fiz experiências neste sentido.
quer. Para o surgimento da sombra colorida, a "Pois bem: em 19 de junho de 1799, na hora
contraluz deve tender obrigatoriamente para a em que o crepúsculo vespertino ia cedendo lu­
coloração complementar à da luz que projeta a gar, pouco a pouco, a uma plácida noite, eu pas­
sombra sobre um fundo claro. seava pelo jardim em companhia de um amigo,
Quase dois séculos depois das experiência e quando de repente nós dois percebemos com to­
exposições teóricas de Rumford e Goethe refe­ da a clareza que umas papoulas orientais — que,
rentes às sombras coloridas, Johannes Itten, um como é sabido, são de um vermelho intenso —
dos mais destacados estudiosos da cor em nossos apresentavam por cima umas emanações seme­
dias, ainda acredita terem sido originais suas exi­ lhantes a chamas. Aproximamo-nos das flores e
bições no Museu de Arte Decorativa de Zurique, as olhamos fixamente, porém não percebemos na­
em 1944. O que para o nosso contemporâneo da; depois de várias idas e vindas pelo jardim,
pareceu "resultados surpreendentes", segundo olhando de determinado ângulo, conseguimos re­
sua afirmação e descrições na página 82 de seu produzir o fenômeno à vontade. Pudemos com­
livro Kunst der Farbe, Goethe no Esboço de provar que se tratava de um fenômeno de cores
uma Teoria das Cores já havia explicado as cau­ fisiológicas e que aquele brilho aparente não era,
sas do fenômeno de maneira bem mais clara e em realidade, mais que a imagem aparente da
convincente que ele. flor que se mostrava da cor complementar verde-
azulado.
Cor de contraste (cor inexistente) "Quando se olha as flores de frente, não se
produz o fenômeno; porém, afastando-se um
O fenômeno atualmente denominado cor de pouco a vista, volta a produzir-se. Quando se
contraste — ou cor inexistente, quando aplicado olha com o rabo do olho, surge uma fugaz ima­
ao domínio estético — é descrito por Goethe gem dupla, percebendo-se a imagem aparente
mais ou menos nos moldes em que o haviam fei­ junto à real.
to outros cientistas. Goethe considerava-o como "N o crepúsculo, quando os olhos estão com­
fisiológico, mas na parte final de seu relato o pletamente descansados, e por conseguinte mais
apresenta com todas as características dos fenô­ sensíveis, a cor das papoulas é tão intensa, que
menos físicos: "Em dias de sol radiante, a luz até ao anoitecer dos dias mais longos é suficien­
solar, dando tom à cor das flores, permite-lhes temente poderosa para produzir uma imagem
em itir a cor complementar com tal intensidade complementar. Estou convencido de que se po­
que, mesmo sob a luz mais viva, torna-se per­ deria tomar este fenômeno como base para uma
ceptível." experiência e produzir o mesmo efeito com flo ­
A qualificação da cor de contraste (cor ine­ res artificiais.
xistente) como fenômeno fisiológico retirou-a "Quem deseje capacitar-se para a observação
do campo das indagações físicas, atrasando em ao natural, deverá acostumar-se, em seus passeios
mais de 150 anos a possibilidade de seu domínio pelo jardim, a olhar fixamente as flores coloridas
para utilização estética. Isto demonstra o quanto e voltar a vista rapidamente para o caminho.
a teoria de Goethe foi aceita e influente entre os Este parecerá salpicado de manchas de cor com­
modernos pesquisadores. Haja vista que as nor­ plementar. Pode-se fazer esta observação com o
mas vigentes da CIE (1931) consideram a cor de céu nublado, mas também em dias de sol radian­
contraste como uma cor subjetiva, "percebida te, em qlie a luz solar, dando tom à cor das flo ­
pelo observador posto em presença de uma situa­ res, permite-lhes em itir a cor complementar com
ção tal que uma cor indutora provoque sobre tal intensidade que, mesmo sob a luz mais viva,
uma superfície vizinha a percepção de uma cor torna-se perceptível."
que não se apresenta fisicamente e que é a com­ No trecho transcrito, Goethe engloba dois
plementar fisiológica da indutora" (8). fenômenos diferentes como se fossem um só: o
Foi assim que Goethe viu a cor de contraste primeiro, fisiológico, relativo a imagens posterio­
uma das vezes: ". . . fenômeno que já no passado res produzidas pelas flores coloridas saturando a
chamara a atenção dos naturalistas. Contam que retina, e vistas a seguir, em cores complementa­
nas noites de estio certas flores se tornam fosfo­ res sobre o caminho; e o segundo, físico, produ­
rescentes e emitem brilho de luz. Alguns obser­ zido pela luz solar dando tom às flores, permi­
vadores registraram o fenômeno. Mais de uma tindo-lhes em itir a cor complementar. A emissão
da cor complementar por uma cor qualquer é
um dos fenômenos mais complexos da Óptica
f9 ) Journal de Psychologie Normale et Pathologique, n ° 4. Física. Conseguir explicá-la é explicar, ao mesmo
Paris, 1967. tempo, a essência da harmonia cromática, com

61
09

um m
m m io . M i m m u m
VOi.i.Üi <£>; J
ritual, e ao vê-las produzir abaixo o verde, e o
vermelho acima, não se deixará de evocar respec­
tivamente os engenhos terrestres e celestiais dos
elohim. Mas não nos exponhamos ao risco de
que nos tachem de místicos, sobretudo levando
em conta que, se nossa teoria das cores tiver uma
acolhida favorável, não deixarão de surgir as apli­
cações e interpretações alegóricas, simbólicas e
místicas, de acordo com o espírito de nossa épo­
ca."
Pela vastidão especulativa de suas proposi­
ções, teses e teoria, Goethe aparece frente aos
estudiosos dos problemas cromáticos como um
dos mais fecundos pesquisadores de todos os
tempos.
Apoiado no saber da Antiguidade, conseguiu
a reabilitação da luminosidade do olhar ("no
olho reside uma luz patente, que ao menor estí­
mulo interior ou exterior se excita"), abrin-
do-lhe as portas da fisiologia e da psicologia co­
mo o verdadeiro campo de averiguação dos
efeitos da cor.
A teoria tricromática, que engloba os traba­
lhos de Young, Hering e Helmholtz, tem como
síntese a formulação goethiana: " . . . a impres­
são das imagens coloridas persiste na retina, in­
citando a oposição, através da qual se realiza a
totalização cromática."
A Lei de Contrastes Simultâneos das Cores,
de Chevreul, base teórica dos artistas impressio­
nistas, pós-impressionistas e contemporâneos, é
de certa forma o desdobramento de muitas das
observações de Goethe.
No estudo da influência psíquica da cor,
cresce a cada dia o interesse das formulações de
Goethe, tanto para a Psicologia, como para cer­ llust. 22 — Hexágono. Contrastes de tons e valores mos­
tas correntes espiritualistas. Conforme ele havia trando as modificações que sofre cada cor em fundo branco,
cinza ou preto.
previsto, uma influente ceita iniciada por Hele­
na Blavatsky e Rodolfo Steiner procura encai­
xar sua teoria num quadro antroposófico em
que a idéia p o elemento primário no surgimento
da cor. Com Goethe aprendemos que a beleza
da cor é uma projeção da beleza interior do ser
humano.
Ao afirmar que não existe na natureza ne­
nhum fenómeno que englobe a totalidade cro­
mática, e que a mais bela harmonia é a do círcu­
lo cromático produzido pelo homem, Goethe
abre as portas das artes visuais à abstração, por
onde entrariam um século mais tarde as formula­
ções de Wilhelm Worringer, e os trabalhos de
Wassily Kandinsky, Robert Delaunay e Kasimir
Malevitch.
Seus magníficos desenhos sobre experiências
físicas, demonstrando o comportamento mutá­
vel do espectro, seu prático Círculo Cromático
(ilust. 21J ou seus Hexágonos (com efeitos
da refração luminosa e dos contrastes simultâ-

64
neos de cores) aparecem-nos como curiosos pre­
cursores do Raionismo, do Concretismo e da Op-
arte (ilu st 22 ).
O interesse científico por essas especulações
aumenta mais ainda quando percebemos que
Goethe, adiantando-se à maioria dos físicos de
seu tempo, faz a defesa e a representação gráfi­
_________________ IX ca do vermelho, do verde e do azul, como sendo as
três cores fundamentais, geratrizes de todas as
demais (ilust. 23).
'-f. +ny -p
. (9.
Num retrocesso em relação a Alberti e Leo­
nardo, e mesmo aos Antigos, citados por Plínio,
toda a corrente newtoniana difundia a idéia da
existência de sete cores fundamentais, devido à
decomposição da luz branca em sete faixas es­
pectrais. Substituindo o preto e o branco pelo la­
ranja e o anil, Newton fazia reviver a tese aristo-
télica de sete cores fundamentais, vinculando-as
às sete notas musicais.
Em várias páginas de seu livro, Goethe
adverte para o caráter purpurino do vermelho
natural, e levando-se em conta que o azul u tili­
zado por ele para a tríade das cores-pigmento é
o ciano (azul-esverdeado), e não o ultramarino
(azul-violetado), teremos assim, com nomencla­
tura diferente, as três cores-pigmento transparen­
h V u £ F & â te s + cU á 2 o € tes primárias: magenta (vermelho violetado),
amarelo e ciano (azul-esverdeado), consagradas
“ modernamente como primárias físico-químicas,
em substituição à tríade: vermelho, amarelo e
..... . _
n azul (ilust. 24).
Atualmente, ao verificarmos que as cores-luz
complementares ou secundárias produzidas por
filtros coloridos magenta, amarelo e ciano pro­
duzem a síntese subtrativa — numa demonstra­
ção de que, a rigor, elas correspondem melhor
ilust. 23 — Natureza. Verde em Halle. Desejo em Frankfurt
junto ao Oder.
às colorações primárias, em cor-pigmento, que o
vermelho, o amarelo e o azul — evidencia-se o va­
lor objetivo dessas teses de Goethe em aplicações
práticas na fotografia e nas artes gráficas e vi­
suais de um modo geral.
A despeito do vertiginoso desenvolvimento
dos meios de comunicação na era tecnológica,
constata-se que os princípios teóricos enuncia­
dos por Leonardo, Newton, Goethe, Young,
Chevreul e Maxwell apenas começam a frutificar,
e que o Esboco de uma Teoria das Cores é, hoje,
mais que em qualquer outra época, um livro de
leitura obrigatória para quem aspire a conhecer
em profundidade as possibilidades estéticas da
cor.

65
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llust. 24 — As três cores primárias estão indicadas embaixo,


à direita. As letras minúsculas r, g, gr, b e v, dentro dos peque­
nos quadrados, significam: R o t (vermelho). Ge/b (amarelo),
G rün (verde), Bleichen (cinza) e Veii (violeta).
4
Óptica Fisiológica

Com a interpenetração cada vez maior de di­ e as mensurações realizadas por Maxwell (1857)
ferentes ramos científicos, a Optica Fisiológica esta hipótese de Young encontrou ampla reper­
torna-se disciplina composta por conhecimentos cussão nos meios científicos.
de vários campos, dependentes ou condicionado­ Com os trabalhos do físico e fisiologista ale­
res da Fisiologia: Psicologia, Histologia, Física e mão Hermann Ludwig Ferdinand von Helmholtz
Eletrofísica, Química e Histoquímica, etc. (1821-1894), a teoria tricromática receberia
Os contornos da Optica Fisiológica definiram- novo impulso, impondo-se rapidamente no meio
se quando, logo no primeiro ano do século passa­ científico. Deve-se a Helmholtz o traçado das
do, a teoria da cor foi sacudida pelas descobertas curvas representativas da ação das diferentes co­
do fisiologista inglêsThomas Young (1783-1829), res sobre as três categorias de fibrilas nervosas
do Royal Institute of London. Coube-lhe dedu­ existentes na retina. Segundo o índice das curvas,
zir que a função primordial do cristalino é regu­ as fibrilas da primeira espécie são energicamente
lar as imagens na retina por meio de contrações estimuladas pela luz vermelha, bem menos pela
e distensões (acomodação), conseguindo depois luz amarela, menos ainda pela luz verde e muito
responder satisfatoriamente às questões relativas pouco pela luz violeta. As fibrilas da segunda
às interferências luminosas e ao processo de sen­ espécie são m uito sensíveis à ação da luz verde,
sibilização cromática. bem menos à da luz amarela e da azul, e menos
Os dados fisiológicos da sensação da cor levan­ ainda à das luzes vermelha e violeta. As fibrilas
tados por Young, ao criarem um novo ramo da da terceira espécie sofrem facilmente a influên­
ciência, incorporaram-se também à própria cia da luz violeta e se deixam cada vez menos
Fisiologia. Já as especulações de Goethe referen­ influenciar pelas outras espécies de luz, na se­
tes às propriedades do olho e ao funcionamento guinte ordem: azul, verde, amarelo, laranja e
da retina encontraram maior aplicação nos do­ vermelho. v
mínios da Psicologia, aprofundando o estudo da A Optica Fisiológica apóia-sesimultaneamen­
sensação, da percepção e dos processos supe­ te em duas hipóteses: a fotoquímica e a fotoelé-
riores concernentes ao sentimento estético. trica. A primeira baseia-se na existência, no olho,
O ponto de partida da Optica Fisiológica foi a de uma substância fotossensível que se decom­
teoria tricromática formulada por Young, em põe sob a ação da luz e origina uma excitação
1801, com base na reação fisiológica frente aos nervosa. A segunda é assim explicada: a luz que
estímulos vermelho, amarelo e azul. Ao conhe­ penetra no globo ocular é absorvida por um pig­
cer a descrição do espectro feita pelo químico mento que se altera, ativando as fibras nervosas
inglês William Wollaston (1807), Young optou da retina.
pelas cores vermelha, verde e violeta, em detri­ O mecanismo de visão realiza dois tipos de
mento das que havia indicado anteriormente apreensão de imagens: a diurna (fotópica), ca­
como fundamentais. Assim é retomada a idéia racterizada pela visão colorida, que se processa
original de C. Wünsch (1792) que fora defendi­ quando há suficiente iluminação para sensibili­
da por Goethe no Esboço de uma Teoria das zar os cones grupados na fóvea retiniana, e a
Cores. Após os trabalhos de Helmholtz (1852) crepuscular ou noturna (escotópica), resultante

67
Tais princípios são utilizados por possibilita­
rem a produção e reprodução de todas as cores
naturais. A fotografia, a impressão gráfica e a
televisão a cores resultam da aplicação dos prin­
cípios tricromáticos.
CURVA MÁXIMA DE SENSIBILIDADE De conformidade com esses princípios, em
DO OLHO HUMANO 1859 Maxwell reproduziu, pela primeira vez,
uma imagem em cores por síntese aditiva, inau­
gurando o método de seleção de cores. Passo
inicial para a realização de qualquer processo
tricromático, chama-se seleção à decomposição
das cores naturais nas três cores primárias. Isto
é feito através de fotografias'com três filtros
coloridos (vermelho, verde e azul-violetado).
Cada filme possibilita a obtenção de uma pelí­
cula monocromática contendo todas as gamas
de uma das cores primárias existentes no objeto
\ fotografado. As três películas sensibilizadas,
cada uma por uma das cores primárias, quando
projetadas simultaneamente sobre uma tela bran­
ca, dão a impressão das cores naturais do objeto
fotografado. Obedecendo aos mesmos princípios
de seleção, modernamente a sensibilização das
três cores é feita numa única película composta
de três camadas, cada uma destinada a receber
400 450 500 550 600 determinada cor primária, criando os diapositi­
(Comprimentos de onda em milimícrons). vos ou slides coloridos.
Quando se deseja obter a fotografia colorida
em papel, o filme é feito em negativo, apresen­
Ilust. 25 — 0 comprimento de onda que produz a sensação tando as cores invertidas em termos de comple­
de verde é o ponto mais alto de sensibilidade do olho humano. mentares. O que é vermelho no negativo aparece
verde na revelação fotográfica. O que é amarelo
da sensibilização dos bastonetes situados ao re­ aparece violeta e o que é azul aparece laranja,
dor da fóvea. Esta visão se efetua em baixo índi­ e vice-versa.
ce de luminosidade, e vem sendo explicada por A transmissão de imagens coloridas pela tele­
duas hipóteses: a primeira como decorrência do visão também se baseia no princípio de seleção
deslocamento progressivo do púrpura retiniano ou redução das cores naturais às três cores pri­
da superfície para o fundo dos bastonetes, origi­ márias. Simplificadamente, o processo resume-
nando uma sensibilidade acromática; a segunda se no seguinte: as filmagens ou tomadas de cenas
como resultado da recomposição da rodopsina e objetos (fotografias) são feitas por três máqui­
(púrpura retiniano) decomposta sob a ação da nas conjugadas, ou seja, três objetivas sincroniza­
luz em retineno e vitamina A. A curva de sensi­ das filmando ao mesmo tempo uma cena, do
bilidade escalonada no sentido dos comprimen­ mesmo ângulo. Um objetiva capta todas as ga­
tos de onda mais fracos em visão escotópica re­ mas de vermelho existentes na cena, outra as de
cebeu o nome de seu autor, denominando-se verde e a terceira as de azul. As imagens são
fenômeno de Purkinje, em homenagem ao fi- transmitidas separadamente como se fossem fei­
siólogo tcheco Jean E. Purkinje (1787-1869). tas por três transmissores comuns de televisão.
No aparelho receptor há um canhão com três
TEORIA TRICROMÁTICA saídas de imagens: uma para as imagens em ver­
melho, outra para as imagens em verde e outra
A maioria dos pesquisadores e técnicos nos para as imagens em azul. Essas imagens são pro­
vários ramos da aplicação cromática adota os jetadas no vídeo através de uma máscara perfura­
princípios de Young e Helmholtz, fundados na da como um agulheiro, que serve como seletor
existência de três tipos de receptores visuais dos raios luminosos, fazendo a filtragem das lu­
destinados à captação das luzes-coloridas: ver­ zes coloridas para que permaneçam três imagens
melho, verde e azul-violetado. Progressivamen­ distintas. Cada imagem surge no vídeo como um
te o azul-violetado foi substituindo o violeta, clichê de impressão gráfica, formada por inume­
citado originalmente. ráveis pontos luminosos. Por efeito de mistura

68
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óptica, as três imagens conjugadas causam a im­ realizou os estudos de óptica cujo início de pu­
pressão da cor natural do objeto fotografado. blicação data de 1885. Suas teses referentes à
Para a impressão gráfica, o processo de seleção percepção das cores são clássicas hoje em dia.
é idêntico, havendo apenas a troca do verde pelo Utilizando discos vermelho, verde, amarelo, azul,
amarelo. Por destinar-se à impressão em cor-pig- branco e preto, e fazendo variar a superfície re­
mento, a seleção das cores naturais será feita gulável dos mesmos, Maxwell observou que qual­
para reduzi-las às primárias: vermelho (magenta), quer cor pode ser obtida, estabelecendo assim as
amarelo e azul (ciano). De posse dos três filmes bases práticas da teoria tricromática que confir­
(películas fotográficas) monocromáticos conten­ mavam a teoria de Young. Os trabalhos de
do o objeto fotografado, o gravador faz um jogo Maxwell com cores-pigmento complementaram
de três clichês. O clichê gravado do filme amare­ as teses de Helmholtz contidos no enunciado das
lo será impresso com tinta amarela; o do filme luzes coloridas (cores) simples, cujas misturas
vermelho, com tinta vermelha em superposição duas a duas causam a sensação do branco (ver
ao amarelo já impresso, e o do filme azul, com Cor Complementar, cap. 1 — Parte I).
tinta azul sobre as duas impressões anteriores.
O desenho do objeto no clichê é formado por ADAPTAÇÃO VISUAL
uma rede de pequenos pontos (retícula), que se Todos os fenômenos visuais estão ligados a de­
alteram de acordo com a intensidade da cor. terminados níveis de adaptação do olho ao am­
Nas áreas em que a cor deve ser pura, esses pon­ biente, mas nossa atenção somente se volta para
tos se juntam para que, na impressão, a tinta co­ essas adaptações quando elas apresentam índices
locada por eles sobre o papel cubra toda a super­ de intensidade acima do normal.
fície impressa. Durante o dia a vista se adapta gradualmente
Quando o clichê do film e vermelhoé impresso aos diversos graus de claridade e das interferên­
em superposição ao amarelo, nos lugares em que cias de cores ambientais sem que o percebamos.
as retículas dos dois clichês se misturam surgem À noite, raramente nos damos conta se a luz de
áreas alaranjadas por mistura óptica de cores. A um local é amarela, azulada ou violetada. Essas
impressão do terceiro clichê com tinta azul, características são mais facilmente notadas quan­
sobre as duas impressões já feitas, produz viole­ do mudamos de um ambiente, onde nossa vista
ta nas áreas em que se mistura ao vermelho, e estava adaptada, para outro iluminado com colo­
verde onde se mistura ao amarelo. Nas partes ração diferente.
em que as três cores são superpostas, aparece o A vista adaptada a uma cor torna-se mais sen­
preto (cinza-neutro). sível às cores contrárias à que se acostumou.
As misturas ópticas de cores têm algumas par­ Essa sensibilidade aumenta de acordo com a in­
ticularidades que se circunscrevem aos quadros tensidade ou duração da excitação, até o ponto
das sínteses aditiva e subtrativa. A mistura reali­ de saturação. Quando uma parte da retina se sa­
zada pela retina, em se tratando dos pontos da tura sob o efeito de uma cor, a parte restante
retícula, m uito embora seja cor-pigmento, faz-se reage de várias maneiras, podendo até criar fi-
aditivamente, tal como ocorre com os pontos siologicamente a cor que lhe é contrária, como
luminosos provenientes da televisão a cores. Para forma de dessaturação, em busca do equilíbrio
o olho, pouco importa se os pontos luminosos perdido. Esse é o mecanismo fisiológico da fo r­
que ele mistura provenham de fontes luminosas mação dos contrastes simultâneos e sucessivos
diretas; ou que sejam refletidos por uma super­ de cores, das imagens posteriores negativas e
fície qualquer. O azul e o vermelho em pequenos positivas, dos efeitos de deslumbramento e da
pontos, quer em cor-luz ou em cor-pigmento, cegueira momentânea causada pelos ambientes
produzem o violeta, o mesmo acontecendo com escuros aos olhos adaptados à claridade.
cada par formado por cores primárias. No entan­ Partindo das proposições de Goethe, o psicó-,
to, se a esses pares adicionar-se a terceira cor pri­ logo Edwald Hering (1834-1918) explicou con­
mária, o resultado será diferente. A mistura ópti­ vincentemente a formação de todos esses fenô­
ca das três cores-luz dará o branco, enquanto a menos, demonstrando que eles decorrem da ca­
mistura óptica dos pontos luminosos refletidos pacidade reversiva do mecanismo visual — ação
pela retícula da cor-pigmento dará o cinza-neu­ das três duplas de estímulos: branco-preto, azul-
tro, tal como a mistura das três cores feita na amarelo e vermelho-verde.
palheta. Apesar de pertencerem ao domínio da Optica
Por seus trabalhos teóricos no campo da Fisiológica, os contrastes simultâneos, sucessivos
Optica Fisiológica, aos nomes de Young e de e mistos de cores, teorizados por Chevreul, apa­
Helmholtz viria juntar-se o do físico escocês recem mais longamente descritos na parte refe­
James Clerk Maxwell (1831-1879). Depois de rente à harmonia, por serem eles a própria essên­
elaborar a teoria eletromagnética da luz (1865) cia da harmonia cromática.

69
Ilust. 26 — Olhando fixamente, durante 40 segundos, para o
círculo vermelho. . .

Olhando-se fixamente, durante 40 segundos, tantemente corrigidas pelo cérebro, via de regra
para a bola vermelha da ilust. 26, a uma dis­ não percebemos os estágios de acomodação e
tância de 30 centímetros, perceberemos em sua sensibilização existentes entre a percepção de
periferia a cor complementar verde; se, em se­ uma imagem e outra, nos constantes movimen­
guida, olharmos para a área branca ao lado, vere­ tos da cabeça e do olho, nem as modificações
mos, ao cabo de alguns segundos, a área tingir-se verificadas nas imagens por influência de uma
de um belíssimo verde azulado luminoso, que permanente retenção delas pela retina.
terá uma curva de intensidade e de duração rela­ Há, portanto, um retardo na captação que é
tiva ao índice de saturação da retina. mais ou menos compensado pela retenção da
Ao contrário do que se pensava há algum tem­ imagem anterior. Mas a latência, ou retardo de
po, essa saturação que origina os contrastes su­ captação, depende também da cor, pois ela não é
cessivos, ou imagens posteriores, pode ser produ­ a mesma para os três tipos de células receptoras.
zida por mais de uma cor simultaneamente. O tempo de latência é mais curto para o verme­
Olhando fjxamente, durante 40 segundos, a lho que para o azul, o que explica o fenômeno
bandeira pintada em vermelho, azul-violetado, dos corações flutuantes de Helmholtz. Pintando-
amarelo e preto (ilust. 27)', e depois rapidamente se alguns corações vermelhos, de pequena dimen­
para a área abaixo, veremos surgir as cores reais são, num fundo azul, quando se agita a pintura
da bandeira nacional. os corações parecem flutuar (ilust. 29). O
descompasso de tempo entre a apreensão do ver­
MOVIMENTO E LATÉNCIA melho e a do azul é que cria a sensação de flu­
tuação. É também, em parte, pela diferença de
A percepção visual não é instantânea. Para latência que se explica o surgimento de cores
a captação de uma imagem é necessário certo subjetivas provocadas pelos discos de Benham.
tempo de latência, que varia segundo as cores.
O mesmo fenômeno que ocorre quando saímos DISCOS ROTATIVOS
de um lugar claro e entramos em outro, escuro,
e a vista exige algum tempo para adaptar-se, Nas primeiras décadas do século passado
ocorre também na percepção de todas as ima­ Fechner criara um disco branco corn uma espiral
gens. Como a visão está ligada à adaptação, e de Arquimedes desenhada em preto. Ao girar-se
esta à diferença de cores e de iluminação, cons­ o disco, surgiam anéis coloridos, mutáveis con-

70
Ilust. 27 — Depois de uma saturação de 40 segundos,
olhando para a área branca abaixo, veremos a bandeira na­
cional com suas cores reais.
® ©
llust. 28 — Em rotação, os discos de Benham produíem
sensações coloridas.

ilust. 29 — Corações flutuantes. Quanto maior for o tempo


de saturação da retina, mais os corações se destacam do fundo.
Ao mais leve movimento da página, eles parecem flutuar.

forme a velocidade de rotação. No fim do século uma lente convergente, fazendo surgir uma ima­
o fenômeno despertou grande interesse público gem que é branca no centro. Essa imagem é fru ­
após a sua vulgarização por Benham, que, u tili­ to de uma mistura óptica, em que os cones, exci­
zando o mesmo princípio de Fechner, criou tados pela superposição das cores espectrais, não
novas formas de divisão das áreas brancas e pre­ conseguem distingui-las, somando-as e causando
tas em discos colocados à venda como brinquedo a sensação do branco. Mas se as três cores primá­
infantil (ilust. 28). rias são capazes de produzir todas as cores natu­
0 fenômeno do surgimento de cores provoca­ rais, evidentemente produzirão também as sete
do pelo disco foi explicado por Ch. Henry, em cores espectrais. É lógico deduzir, então, que as
1896, como ligado ao tempo de latência. Os dis­ sete cores do espectro são passíveis de redução
cos são estímulos mecânicos que refletem a luz às três cores primárias. Este raciocínio é que
incidente, revelando a capacidade da retina em levou Young e depois Helmholtz a elegerem o
decompor a luz em determinadas situações. As vermelho, o verde e o violeta como cores primá­
sensações coloridas provocadas pelos discos de­ rias. O mecanismo da redução seria o seguinte:
correm da excitação das três categorias de cones o vermelho, ampliando sua área e cobrindo uma
retinianos. pela rápida passagem alternada do parte do amarelo, permanece vermelho, apenas
branco e do preto, que enviam ao olho os mati­ um pouco mais alaranjado; o azul, incidindo de
zes componentes da luz branca, numa velocida­ um lado, sobre o verde, influencia a outra parte
de que ultrapassa a capacidade normal de capta­ do amarelo não atingida pelo vermelho, criando
ção da vista. um verde quente; incidindo do outro, sobre o
violeta, torna-o mais azulado.
Redução de cores pela retina Baseado no princípio das quatro cores primá­
rias de Leonardo da Vinci, Hering estabeleceu
a diferença entre cores primárias percebidas e
Inversamente ao que ocorre com o fenômeno cores primárias que funcionam como estímulo.
do disco de Benham, em que a retina se mostra Para os estímulos adotou, em cor-luz, o verme­
capaz de decompor sensorialmente a luz branca lho, o verde e o azul e, em cor-pigmento, o ver­
que lhe é enviada, ela pode também produzir melho, o amarelo e o azul. Mesmo reconhecendo
um fenômeno de redução de cores, idêntico ao a inexistência de receptores retinianos específi­
descrito por Newton na experiência dos pris­ cos para captar o amarelo, ele denominou as co­
mas invertidos, tal como ocorre na operação em res primárias de Leonardo (vermelho, amarelo,
que se recombinam os matizes do espectro com verde e azul) cores percebidas.

72
Disco redutivo de cores

Partindo do princípio de que os receptores da


retina são capazes de inúmeras operações de sín­
tese dos matizes, é fácil deduzir que tais opera­
ções possuem etapas intermediárias.
Num disco as sete cores do espectro, em par­
tes iguais, são dispostas circularmente, formando
três circunferências inscritas, como três anéis,
ficando um círculo branco no centro, com um
raio igual à metade da largura dos anéis. Envol­
vendo os anéis espectrais, o fundo deverá apre­
sentar uma faixa branca de largura igual à meta­
de do raio do círculo interior. As partes brancas llust. 30, a — Disco redutivo de cores; b — disco parado; c —
do disco funcionam como área de contraste. As com 200 rpm, percebem-se ainda as sete cores espectrais, mas o
cores do primeiro e do segundo anéis devem for­ vermelho, o laranja e o amarelo ampliam sua área, tomando con­
ta de 2/3 do disco; d — com 300 rpm, esboça-se a tríade amarelo,
mar três pares de complementares, e as do tercei­ ciano e magenta; e — com 400 rpm, definem-se mais ainda as co­
ro anel outros três pares de complementares com res da tríade; f — com 800 rpm, o amarelo e o magenta crescem
as do segundo anel (ilust. 30). e o azul restringe-se a menos de 1/6 da área das coroas em que
Com o disco a mais de 1.000 rotações por mi­ está inscrito; g — com 800 rpm, o azul está reduzido a menos de
nuto surge um ocre bastante forte, visivelmente 1/10 da área das cores do disco; h — com 1.000 rpm, o azul desa­
parece, surgindo em seu lugar um cinza quente, levemente esver­
idêntico ao captado pela câmara fotográfica, o deado; i — a partir de 1.200 rpm, surge um ocre claro, levemente
que não ocorre com os estágios intermediários violetado. Esta é a cor mais clara que se consegue com os discos
de 100 a 1.000 rpm. A interferência do tempo de redução de cores.
de latência agindo na apreensão diferenciada das
imagens coloridas, e a ação da retina retendo por
frações de segundo a imagem, alteram a sensação
óptica em relação à imagem física.

DIFERENÇA DE PERCEPÇÃO Ilust. 30 I — Os dois primeiros discos de Maxwell apresentam


fendas para acoplamento e graduação de percentagem de cores.
A visão difere sensivelmente de um indivíduo O terceiro disco, formado pela junção dos dois primeiros, quan­
do em rotação produz o efeito visto no quarto disco.
para outro, quando se toma por base um grande
número de testes. Além das diferenças naturais, Ilust. 30 II, a — Disco de Rood. O vermelho e o verde, nas
a percepção varia num mesmo indivíduo em fun­ proporções indicadas, produzem uma coloração com o mesmo
ção de seu estado fisiológico. O estado psíquico, índice de luminosidade que o do cinza produzido pelo branco e
a fadiga, o debilitamento e a ingestão de certas pelo preto, do interior do disco; b — disco em rotação.

drogas alucinógenas podem causar essas variações Ilust. 30 III, a e b — Discos redutores de cores criados por
ou distúrbios, motivando uma hipersensibilida- Newton; c — disco parado; d — o efeito produzido pelo disco
de à cor. em movimento é bem diferente do branco almejado por Newton.
Apoiado no trabalho de A. Keys The Biology Ilust. 30 IV , a — Disco dos círculos concêntricos, resultante
of Human Starvation, nas pesquisas de George de nossas experiências de 1957; b — o disco em rotação, devido à
Watson sobre o papel das carências de vitamina organização de suas formas, em lugar de misturar as cores na re­
nas doenças mentais e em sua própria experiên­ tina, produz o efeito de círculos concêntricos com as mesmas
medidas das faixas indutoras. As duas faixas laterais, com a rota­
cia sob a ação de tóxicos, Aldous Huxley escreve ção, fundem-se num único círculo.
em As Portas da Percepção (9) : "O cérebro é do­
tado de um certo número de sistemas enzimáti-
cos que servem para coordenar seu funcionamen­
to. Algumas dessas enzimas visam a regular o flu ­
xo de glicose destinado a alimentar as células ce­
rebrais. A mescalina, inibindo a produção dessas
enzimas, diminui a quantidade de glicose à dis­
posição de um órgão que tem fome constante de
açúcar. ( . . . ) Esses efeitos da mescalina constitu-

(V Aldous Huxley — "As Portas da Percepção". Rio, 1963.

74
75
Must. 30-1

76
mm
Æ b
em o tipo de reação que se poderia esperar de As diferenças daltônicas são classificadas em
uma droga que tenha o poder de reduzir a efici­ três grupos: tricromatismo anormal, dicromatis-
ência da válvula redutora que é o cérebro. Quan­ mo e acromatopsia.
do esse órgão é atingido pela carência de açúcar,
o subnutrido ego se enfraquece, já não mais se O tricromatismo anormal caracteriza-se pelo
pode perm itir suas tarefas rotineiras e perde todo desvio na curva espectral, principalmente na par­
interesse por essas relações de tempo e espaço te referente às cores quentes — vermelho e laran­
que possuem tão grande valor para um organis­ ja — ocasionando a troca destas cores por suas
mo preocupado com a vida neste mundo. (. . .) complementares (ilust. 31).
A esse respeito, quão significativa é a enorme Dicromatismo, ou visão em apenas duas cores,
ampliação da percepção das cores sob o efeito é a disfunção em que o olho tende a ver tudo em
da mescalina! ( . . . ) O que nós só vemos sob a amarelo e azul. O amarelo, o vermelho, o laranja
influência da mescalina pode, a qualquer tempo, e o verde-limão são vistos como se fossem amare­
ser visto pelo artista, graças a sua constituição lo, ou seja: as cores quentes se identificam com a
congênita. Sua percepção não está limitada ao claridade. O ciano e certos violetas mais frios são
que é biológica ou socialmente ú til." percebidos como se fossem cinzas. O azul é per­
As disfunções permanentes relativas à per­ cebido de forma mais ou menos normal.
cepção da cor começaram a ser estudadas a partir
das teses do físico, químico, biologista e natura­ Acromatopsia, ou cegueira para as cores, é a
lista inglês John Dalton (1766-1844), que, anali­ insuficiência visual que leva o olho a perceber
sando inicialmente as distorções de cores de que tudo em apenas preto e branco, ou seja: inexis­
padecia, determinou as causas da deficiência de­ tência de função dos cones que compõem a fó-
nominada, em sua homenagem, daltonismo. vea retiniana.

Ilust. 31, a — A forte distorção daltônica faz com que os ver­


des e vermelhos sejam percebidos como cinzas escuros; b — as
pessoas com tricromatismo anormal, em lugar do vermelho e do
laranja, vêem suas cores complementares; c — os graus médios de
t daltonismo impedem a percepão da cruz e do círculo esverdea­
dos; d — nas linhas brancas interiores, onde as pessoas com visão
normal percebem uma leve coloração complementar, os portado­
res de qualquer índice de distorção daltônica percebem apenas
um leve cinza.

78
79
5
Representação Gráfica,
Tridimensional e
Mensuração
de Cores

As primeiras tentativas no sentido de se con­ descrever sua "invenção", em livro bilingüe


seguir uma definição quantitativa das cores de­ (inglês-francês), ele afirma que a mistura das três
vem-se a Leonardo da Vinci. Na impossibilidade cores produz o preto, isto é, uma nova unidade
de aferir a luz, ele improvisou o célebre método referencial, em oposição à luz branca. Estava res­
das colheres com tinta, para medir a quantidade saltado o caráter diferencial dos estímulos cor-
de cor-pigmento que refletia a luz-colorida. Os luz e cor-pigmento.
resultados foram insatisfatórios, mas a idéia da Ao mesmo tempo em quelLefBlon fazia suas
viabilidade da mensuração das cores estava lança­ descobertas, Gautier chegava a conclusões idênti­
da. cas, em Paris, iniciando uma polêmica sobre a
Para se estabelecer um sistema de medidas, o prioridade da idéia.
principal obstáculo residia na falta de uma uni­ Depois da disposição circular das cores feita
dade referencial, bem como na inexistência de por Newton, e impressa em preto e branco em
conhecimento da parte com o todo. Tais elemen­ sua Óptica, Moses Harris usaria a mesma idéia
tos, porém, seriam fornecidos por Newton. para criar um círculo cromático impresso em.
Leonardo havia disposto as sombras em forma vermelho, amarelo e azul, com 18 cores produzi­
circular, dando a cada uma o número de graus das pela mistura das três. O livro de Harris, The
correspondente à sua área em relação ao todo — Natural System of Colours (1766), que trazia o
o círculo representava, então, desde o início da círculo cromático, é considerado uma das maio­
diminuição da luz até a treva total (ilust. 15). res raridades bibliográficas. F. Schmidt afirma,
Percebeu Newton que a forma circular se presta­ em A Prática da Pintura (1948), ter sido impres­
va, também, a um sistema de representação per­ so apenas um exemplar do tratado de Harris, o
centual de cada cor com referência ao todo — que parece não ser verdade, porquanto Faber
espectro solar. Birren localizou recentemente um exemplar de­
A disposição das cores em forma circular exe­ dicado a Sir Joshya Reynolds, do qual não se
cutada por Newton, de acordo com os percen­ tinha notícia e que tudo indica não ser o mesmo
tuais de cada uma na composição da luz branca, de que fala Schmidt.
surge como o primeiro método de representação O caráter primário dos pigmentos vermelho,
gráfica de uma grandeza de cores, onde a luz amarelo e azul confirmou-se mais uma vez em
branca é o todo, a unidade referencial, e as sete impressão gráfica com o aparecimento de Um
cores espectrais (matizes), as partes. Mas o fator Tratado de óptica de Sir David Brewster (1831),
decisivo para a criação do sistema de medidas de autor do círculo brewsteriano de cores, larga­
cores foi a descoberta, por Newton, do compri­ mente difundido no século passado.
mento de onda que caracteriza cada matiz, re­
presentado em grandeza matemática por milimí- SÓLIDOS DE CORES
crons ( m /i).
A revelação do gravador alemão J.C. LeEBlon Deve-se a R. Waller (1689) a primeira disposi­
(1730) de que todas as cores estão contidas em ção que se conhece das cores num sólido igual a
apenas três — vermelho, amarelo e azul — traria um tabuleiro de xadrez que pudesse ser manu­
novos elementos para a medida das cores. Ao seado como quadro. No tabuleiro aparecem as

81
quatro cores primárias de Leonardo, cada qual dessaturando-se até o branco do centro. No sen­
colocada num ângulo do quadrilátero: o verme­ tido do ápice, as cores rebaixavam-se para atingir
lho e o amarelo de um lado, o verde e o azul do o preto, limite extremo da forma e das cores.
outro. Os quadrados do meio foram reservados Coube a Chevreul construir o mais curioso ca­
às cores resultantes da mistura das cores externas. tálogo de cores até hoje conhecido, com cerca de
Dessa representação gráfica em duas dimen­ 20.000 tons classificados teoricamente, desde as
sões passou-se à busca de uma representação das cores saturadas e suas misturas até o branco por
cores em três dimensões. Em 1745, Tobias degradação e o preto por rebaixamento. A forma
Mayer criou um sólido de cores composto por utilizada para o seu sólido foi a de um hemisfé­
vários triângulos, tendo em cada ângulo uma cor rio.
primária (vermelho, amarelo e azul). As cores se­ Objetivando a classificação das cores com
cundárias ficavam dos lados e as terciárias no in­ finalidade científica e prática na indústria de tin ­
terior. O maior grau de cromaticidade e lumino­ turaria e de gobelin, Chevreul construiu um vas­
sidade das cores encontrava-se no triângulo do to mostruário com duas dezenas de milhares de
centro. As cores dos triângulos do meio para nuances de fios de lã colorida. Num sentido mais
cima (numa disposição vertical) eram degradadas utilitário, Seguy mandou im prim ir um álbum
no sentido do branco, enquanto as dos triângu­ destinado aos floristas, no qual designa por nú­
los que estavam do meio para baixo escureciam mero a variedade de cores de crisântemos de sua
até o preto. criação.
Todos os trabalhos anteriores contribuíram Face às confusões geradas em todos os tempos
para o aparecimento do primeiro sólido realmen­ pela imprecisão vocabular na designação das co­
te de grande valor representativo, o qual foi res, impunha-se a criação de gráficos para repre­
construído pelo matemático francês Jean Henri sentá-las. Mas, devido às variações de tonalidades
Lambert (1772), a quem se deve também a lei nas impressões, eles tornaram-se tão ineficientes
fundamental da fotometria. Com triângulos quanto a designação vocabular. A crescente con­
superpostos a distâncias regulares um do outro, corrência na indústria e comercialização de co­
que vão diminuindo gradualmente de tamanho, rantes começava a exigir maneiras classificatórias
ele compôs um sólido denominado pirâmide de e designativas mais precisas, que pudessem uni­
Lambert. No triângulo-base, cada ângulo foi pin­ versalizar-se com a mesma amplitude do comér­
tado com uma das cores primárias — vermelho, cio.
amarelo e azul — apresentando nos lados as cores
secundárias. Internamente, logo depois das se­ Estas exigências foram satisfeitas com novos
cundárias, surgem as cores terciárias que se mis­ sistemas de análise e classificação de cores refe­
turam e escurecem até atingir o preto no centro. renciais que possibilitaram a elaboração de vários
À medida que os triângulos diminuem de tama­ tipos de atlas de cores. Os atlas científicos deram
nho, perdem coloração por dessaturação, até origem aos atlas e catálogos comerciais. Utilizan­
chegar ao ápice, que é branco. A falha principal do a idéia de Seguy, neles as cores aparecem ge­
dessa pirâmide consiste em não apresentar o re­ ralmente numeradas. Desta maneira um cliente
baixamento das cores primárias, no sentido do do outro lado do mundo pode encomendar fa­
preto. cilmente uma tonalidade determinada ao fabri­
A complementação da pirâmide de Lambert cante de tintas sem o risco de enganos. Assim, o
seria feitg, por um amigo de Goethe, o pintor ale­ cálculo de Judd, segundo o qual as gamas de co­
mão Philipp O tto Runge (1777-1810), usando a lorido podem ultrapassar 10 milhões de tonalida­
forma esférica. No sólido de Runge os tons pu­ des, estaria ao alcance de uma indicação precisa.
ros ficavam num círculo equatorial: o branco no A partir do fim do século passado, surgiram
polo superior e o preto.no inferior. As cores des- inúmeros sistemas de referência e padronização
saturavam-se para cima, numa escala gradual até de cores. Com aplicação regional ou nacional, os
atingir o branco, e, no sentido inverso, até o pre­ mais conhecidos foram o Sistema DIN, larga­
to no pólo oposto. Foi esta a primeira represen­ mente empregado na Alemanha; o Sistema do
tação correta das cores naturais, tal como ha­ British Color Council; o de Syreeni, na Finlân­
viam sido descritas por Leonardo da Vinci. dia; Pêtre (Octochrome), na Bélgica; Marnier
Pouco depois do trabalho de Runge, aparece­ Lapostolle, na França; Perry Martin, na Suécia,
ram os sólidos de M. E. Chevreul e de Wilhelm etc.
von Bezold. Seguindo um padrão estabelecido Partindo da estrela cromática de David, criada
por Helmholtz, Bezold construiu um sólido de por Goethe, M. Demulder-Dutron realizou um
forma cônica com a disposição das cores exata­ círculo cromático harmônico, com 24 cores, que
mente oposta à de Lambert. Os tons puros com­ foi adotado pelo Centro de Informação da Cor
punham o círculo exterior da base do sólido, (Bélgica). Nele, as cores são numeradas de 1 a 24.

82
As fundamentais aparecem nas seis pontas da es­ O vértice horizontal corresponde ao grau de
trela, com os comprimentos de onda indicados maior pureza da cor (saturação). A cor, dividida
em Angstrõn (A): 1 — amarelo; 5 — laranja; 9 — em oito estágios, degrada-se progressivamente
vermelho; 13 — violeta; 17 — azul; 21 — verde. até atingir o branco do vértice superior e o preto
As cores intermediárias estão próximas das fun­ do inferior. Tal sistema tem a vantagem de reve­
damentais: 2-24, amarelos intermediários; 3-4-6- lar, num mesmo lance visual, várias gradações de
7 , laranjas intermediários; 8- 10 , vermelhos inter­ uma cor, que em progressão sistemática atingem
mediários; 12-14, violetas intermediários; 15-16- o branco e o preto.
18-19, azuis intermediários; 20-22 , verdes inter­ Wilhelm Ostwald, químico alemão, nasceu em
mediários; 11, púrpura; e 23, clorado. Riga a 2 de setembro de 1853 e faleceu em
Mas a imagem que se afigura como osímbolo Leipzig a 4 de abril de 1932. Foi professor das
da moderna representação das cores é a do dia­ Universidades de Harvard e da Califórnia, a par­
grama tricromático adotado pela CIE (ilust. 32). tir de 1905. Suas conquistas no campo da Quí­
Preocupados com os estudos tendentesà clas­ mica Física, na Universidade de Leipzig, influen­
sificação e codificação das cores, para atender à ciaram toda uma geração, terminando por torná-
sua crescente utilização social, Ostwald eMunsell lo detentor do Prêmio Nobel em 1909. Aos 56
criaram os principais sistemas de análise e refe­ anos de idade encerrou sua carreira didática para
rência cromáticas de nosso século. dedicar-se exclusivamente à filosofia e ao estudo
Em sua Ciência da Cor, Ostwald fez a seguinte da cor. Considerava seu trabalho sobre a cor o
observação: "A ciência da cor não foi até agora ponto alto de suas conquistas científicas. Conhe­
colocada em seu verdadeiro habitat. Os pintores cia a ciência da cor e sentia-se reconhecido às
e tintureiros, os primeiros a se tornarem familia­ contribuições de vários grandes homens do pas­
rizados com as cores no curso de sua rotina diá­ sado, que contribuíram para o enriquecimento
ria, não estavam em condição de transformar seu do seu saber: Isaac Newton, Johann Tobias
conhecimento empírico numa ciência. Foi a des­ Mayer, J.H. Lambert, J. Wolfgang Goethe, Tho-
coberta fundamental de Newton, de que a luz mas Young, M. E. Chevreul, A rthur Schopen-
branca podia ser decomposta por um prisma hauer, G. T. Fechner, H. Helmholtz, J. C. Max­
numa faixa contínua de cores variadas, que per­ well e Ewald Hering.
m itiu ao físico arvorar-se em fundador e guar­ Dos vários métodos criados para padronizar a
dião da ciência da cor — uma pretensão que, determinação das cores-pigmento, o que alcan­
mesmo nos dias atuais, permaneceu praticamen­ çou maior sucesso foi o de Munsell. Em 1942 a
te incontestada. Os pintores e tintureiros fizeram American Standards Association (Associação
então a descoberta de que de três cores funda­ Americana de Normas) recomendou-o como pa­
mentais todos os tons intermediários podiam ser drão de aferição cromática. Atualmente, é u tili­
produzidos, e dessa maneira desenvolveram uma zado em vários países.
doutrina prática de três cores que foi posterior­ Desde jovem, Munsell sentira-se atraído pelo
mente adotada pelos físicos. estudo da cor e muito cedo tomou contato com
"Então, novamente, na fabricação de produ­ a Cromática Moderna de Ogden Rood. Por volta
tos corantes artificiais — conhecidos por nós aos de 1900 já tinha completamente desenvolvido
milhares — foi necessário utilizar os recursos da um sistema de análise de cores, mas só em 1905
Química, e como resultado a ciência da cor pas­ é que publicou o Livro da Cor, com os principais
sou até*certo ponto aos cuidados dos químicos, dados de seu trabalho. Dez anos depois aparece­
que também, no entanto, deixaram de organizá- ria a primeira edição do Atlas do Sistema de Co­
la cientificamente. A seguir, seguindo o exemplo res Munsell. Adotando a concepção de Helmholtz
de Goethe, o lado fisiológico da ciência da cor sobre as três características fundamentais da cor,
foi explorado e cultivado até que se desenvolveu ele utiliza a seguinte nomenclatura para designá-
como um .ramo da Fisiologia, ajudada pelo pro­ las: matiz, valor e croma. Matiz representa a co­
gresso da Oftalmologia. Finalmente, tornou-se loração (amarelo, azul, etc.). Valor significa lum i­
cada vez mais evidente que, em última análise, a nosidade ou brilho. E croma o grau de pureza da
cor é uma sensação, e que o seu conhecimento cor. No Atlas, as várias centenas de amostras de
deve ser incluído na moderna Psicologia". cores são feitas em retângulos de papel pintado
A necessidade de maior precisão na determi­ em diferentes tons e gradações, indo da cor pura
nação de uma cor levou Ostwald a criar um siste­ ao tom acinzentado.
ma de mostragem conhecido como sólido das A mais feliz síntese de suas idéias encontra-se
cores. No sólido, constituído por triângulos no sólido, também denominado árvore de
equiláteros unidos pela base em torno de um Munsell. Nele as cores puras — vermelho, amare­
eixo, as cores são colocadas de maneira que suas lo, verde, azul e violeta — aparecem intercaladas
complementares fiquem diametralmente opostas. com as intermediárias: laranja, verde-amarelado,

83
azul-esverdeado, violeta-azulado e vermelho-vio- dé análise de cores. O emprego desses aparelhos
letado. Trata-se de uma representação tridimen­ em várias indústrias levou ao reconhecimento
sional do seu sistema em coordenadas cilíndri­ formal do espectrofotômetro como o instrumen­
cas, com escala de valores neutros como eixo to básico na padronização fundamental da cor.
vertical. O matiz é representado por seções do
círculo em torno do eixo, e o croma pelas dis­ COLORIMETRIA
tâncias que vão dos círculos extremos até o cen­
tro. Para a descrição de superfícies iluminadas por
luzes compostas, com comprimentos de onda
ESPECTROFOTOMETRIA heterogêneos, a espectrofotometria revela-se in­
suficiente. A análise de tais superfícies e das
É o processo usual de análise de luzes homo­ luzes que as iluminam é feita pelo processo de
gêneas. As primeiras indicações seguras para a colorimetria.
criação do método datam da época de Newton. Os estudos iniciais de Maxwell, Gassmann e
Presentemente, são vários os aparelhos usados Helmholtz, visando à determinação de um
para a aferição dos matizes do espectro, desta- "observador padrão", personagem fictícia, cria­
cando-se o espectroscópio e o espectrofotômetro. da com a média das observações de um grande
O espectroscópio possui comumente um antepa­ grupo de pessoas normais em.determinadas con­
ro com uma fenda localizada no foco de uma dições de iluminação, possibilitaram os êxitos
lente por onde passa a luz (matiz) a ser analisa­ das novas pesquisas de Wright e Guild. O "obser­
da. Compõe-se de um colimador, um prisma vador padrão" adotado pela Comissão Interna­
refringente e uma luneta que recolhe os raios cional de Iluminação baseia-se nos índices indi­
emergentes, e nele a avaliação da imagem colori­ cados por Wright e Guild.
da é feita pelo olho humano. O espectrofotôme­ Apesar de fundamentar-se na observação hu­
tro, desdobramento do espectroscópio, compara mana, a colorimetria não leva em conta as dife­
de maneira mecânica as intensidades das radia­ renças de percepção da cor, tão variáveis de in­
ções simples de duas fontes, constituindo-se da divíduo para indivíduo. Sua função é determinar
combinação de um monocromador e de um fo- as diferentes composições físicas da luz, que pro­
tômetro. vocam as sensações coloridas.
O processo típico de espectrofotometria con­ Os princípios teóricos da colorimetria estão li­
siste em dispersar os componentes da luz branca gados aos dois enunciados básicos das leis de
e, então, isolar uma das faixas coloridas por Gassmann: 1) a luminância de uma mistura é
meio de uma lâmina com uma fenda. A luz da igual à soma das luminâncias das cores compo­
faixa selecionada, passando através dessa fenda, nentes; 2 ) quando duas amostras luminosas pro­
é dividida em dois raios, um dos quais cai sobre a duzem a mesma impressão de cor, esta igualdade
amostra que está sendo estudada, e o outro nu­ de impressão permanece inalterável, se m u ltip li­
ma superfície branca comum. A amostra, sendo carmos ou dividirmos cada uma delas por um
um refletor de luz pior do que a superfície bran­ mesmo número.
ca comum, será proporcionalmente menos lumi­ A padronização aceita mundialmente para a
nosa; e a proporção de luminosidade é facilmen­ colorimetria é a do quadro ao lado, denominada
te encontrada por qualquer técnica fotométrica tricromática. Pela variação de quantidade de ca­
adequada. 'O processo é repetido várias vezes, da uma das três cores primárias componentes da
até que a amostra tenha sido submetida a exame amostra a ser examinada, determina-se a sua
com todas as faixas coloridas do espectro. composição tricromática. Por exemplo: um com­
Desde 1928 o Instituto de Tecnologia de primento de onda de 400 m/i é visualmente equi­
Massachusetts utiliza os fototubos ou espectro- valente a uma mistura compreendendo 014.310
fotômetros criados por A. C. Hardy para substi­ unidades de vermelho, 000.396 unidades de ver­
tu ir o olho humano, automatizando o método de e 067. 850 unidades de azul.

84
Resumo da Tabela dos Estímulos Tricromáticos do Espectro

(Adotada pela Comissão Internacional de Iluminação (CIE) —1931)

Comprimento de onda X Y Z
(m/i) (vermelho) (verde) (azul)

400 014.310 000.396 067.850


410 043.510 001.210 207.400
420 134.380 004.000 645.600
430 283.900 011.600 1.385.600
440 348.280 023.000 1.747.060
460 290:800 060.000 1.669.200
480 095.640 139.020 812.950
490 032.010 208.020 465.180
500 004.900 323.000 272.000
510 009.300 503.000 158.200
520 063.270 710.000 078.249
540 290.400 954.000 020.300
560 594.500 995.000 003.900
580 916.300 870.000 001.650
600 1.062.200 631.000 000.800
620 854.449 381.000 000.190
640 447.900 175.000 000.020
660 164.900 061.000
680 046.770 017.000
690 022.700 008.210
700 011.359 004.102
52 0

400

llust. 32 — Diagrama tricromático indicado pela Comissão Internacional de Iluminação (CIE).

86
III
A Natureza da Core
sua Ação Psíquica,
Simbóiica e Mística

«
7
Estímulos:
Estrutura da Cor

A sensação colorida é produzida pelos mati­ ciadas dos raios coloridos componentes da luz
zes da luz refratada ou refletida pela substância. branca incidente sobre a substância. Trata-se de
Comumente, emprega-se a palavra cor para desig­ coloração influenciada pela composição e estru­
nar esses matizes que funcionam como estímulos tura química dos corpos.
na sensação cromática, é neste sentido que a Nos estímulos f ísico-químicos, a natureza e
usamos aqui ao falar de estrutura da cor. Com organização dos átomos nas moléculas é que de­
base no esquema de Goethe, dividem-se as cores terminam a cor percebida nas substâncias, a
ou matizes (estímulos) em três categorias: estí­ exemplo dos elementos químicos inorgânicos co­
mulos fisiológicos, físicos e físico-químicos. loridos, como o níquel, o cobalto, o cromo, etc.
O que caracteriza o estímulo fisiológico é a Todavia, o maior número de substâncias coran­
sua integração com a sensação, pelo fato de ser tes ou com coloração mais intensa pertence a
originado fisiologicamente. Há dois tipos prin­ substâncias orgânicas geradas pela combinação
cipais de estímulos fisiológicos: o primeiro é o do carbono com alguns outros elementos: hidro­
gerado por uma excitação mecânica saturando gênio, oxigênio, azoto, etc.
parte da retina com uma cor, forçando a outra Como a cor aparente dos corpos revelada
parte da retina a produzir fisiologicamente a cor pela reflexão e absorção dos raios luminosos não
complementar da que foi excitada (fenômenos está ligada apenas à sua composição atômica,
das imagens posteriores, efeitos de deslumbra­ mas também à sua estrutura, uma vez modifica­
mento, etc.). O segundo é o formado por excita­ da a estrutura modifica-se igualmente a nuance
ção subjetiva, pela ação da própria retina, ou do ou coloração. Por exemplo: com CH 4C40 2NH
cérebro^ (sensação colorida no escuro, manipula­ poderemos ter tanto a naftalimida, que é branca,
ção mental de cores realizada por pintores, men­ como a isatina, que é vermelha:
tal izações coloridas dos místicos e das demais-
pessoas que exercitam essa faculdade, como des­ CH CH

dobramento da memória cromática; visões cau­ CH C- CH -C - O

sadas por alucinógenos; mecanismo dos sonhos, T


etc.), e por disfunções orgânicas (cores patológi­ CH C NH CH c C=0
^ / \ /
cas). CH
II
C ' CH NH

O estímulo físico é o em itido por uma fonte O


energética direta (luz colorida), ou por dispersão N aftalim ida Isatina
dos raios luminosos da luz branca. Atribui-se a
três causas a transformação da luz branca em luz
colorida: posição da molécula no espaço, nature­ O conhecimento atual em relação à cor dos-
za dos átomos e disposição dos átomos na molé­ corpos químicos baseia-se fundamentalmente
cula. À primeira causa estão ligados os fenôme­ nos resultados das pesquisas de materiais coran­
nos de dispersão, de interferência e de polariza­ tes realizadas por Graebe e Liebermann em 1867
ção cromáticas. Na segunda e terceira causas, a e O tto N. W itt em 1876, ligando a estrutura quí­
coloração resulta da absorção e reflexão diferen­ mica à coloração aparente dos corpos.

89
W itt afirmava que o surgimento de uma cor Como a coloração dos corpos é devida à
na substância se deve à existência ou à formação, absorção e reflexão dos raios luminosos, signifi­
na molécula, dé um ou mais grupos de átomos cando que todo raio não refletido foi absorvido,
polivalentes, que ele denominou grupos cromó- a explicação da absorção assume importância
foros. Os cromóforos não têm vida isolada — para a compreensão do fenômeno da coloração.
para que possam exercer sua ação é necessário A absorção seletiva decorre do tamanho das
que se encontrem numa substância rica de áto­ órbitas dos elétrons em torno do núcleo dos áto­
mos de carbono. Introduzindo-se um cromóforo mos, que forma um campo eletrônico carregado
na molécula de um composto aromático (como positivamente. Portanto, a cor de um corpo é
os da série hidrocarboneto), a absorção se realiza condicionada, de uma parte, pelo campo eletrô­
na direção da parte visível do espectro e se nico, ou núcleo atômico, e de outra, pela quanti­
obtém uma substância mais ou menos colorida, dade de elétrons e pelas dimensões de suas órbi­
perceptível ao olho, que W itt denominou molé­ tas.
cula cromógena ou cromogênio. A substância co­ Os elétrons afastados do núcleo, sob qual­
lorida (cromogênio) pode ser transformada em quer ação de uma carga energética, elevam-se
substância corante, bastando para isto adicionar- eletronicamente, provocando a absorção. Os
lhe conveniente quantidade de auxocromos. Nas fenômenos eletrônicos estão ligados aos fenôme­
moléculas corantes (hidroxiantraquinonas) cons­ nos de redução-óxida que regem as transforma­
tata-se a presença do núcleo quinônico. O núcleo ções coloridas. A ação do cromóforo sobre o
quinônico é um dos principais grupos cromófo­ auxocromo pode comparar-se a uma redução do
ros, podendo ser citados dentre eles os seguintes: cromóforo ou a uma oxidação do auxocromo.
- n = o , - n = n -.-n = n
Desta forma explica-se a coloração de numero­
sos halogênios (metalóides univalentes: flúor,
cloro, bromo e iodo). Comumente a cor aparece
em ligação direta com os diferentes graus de oxi­
dação, o que explica o fato de o hidrato ferroso
C= S C=N ser branco e o hidrato férrico marrom. Todos
estes conhecimentos iriam alimentar a indústria
tintureira durante o século passado.
Para se transformar o cromogênio em subs­ Até os fins do século X V III, empregavam-se
tância corante, basta adicionar-lhe determinada principalmente matérias tintórias retiradas dos
quantidade de auxocromos. vegetais para a indústria de corantes, como
Os grupamentos auxocromos são radicais áci­ garança, índigo, brasil, etc. No início do século
dos (OH, C 0 2 H) ou básicos (NH2, NHR, NR2). XIX, Chevreul conseguiu isolar os princípios
Numa esquematização dos elementos inco­ corantes de algumas plantas: a hematoxilina do
lor, colorido e corante, teremos: pau-campeche, a luteolina do Iírio-dos-tinturei-
OH || ros, a indigotina do índigo, etc. A partir de 1826,
Robiquet e Colin extraíram da garança a alizari-
o2n / \ no 2 0,N, y \ N02 0,N = NO
na e a púrpura. Em 1856, Perkin obtinha, por
< ONa
oxidação, o primeiro corante derivado do alca­
trão da hulha, o violeta-de-anilina, aumentando
, NO, NO NOj a produção das anilinas, iniciada por Bechamp e
Acido pícrico
Hoffmann. Daí para a frente, o impulso da
C rom óforo Cromogênio A uxocrom o (Substância corante) indústria química de corantes foi imenso.

90
2
Elementos
Psicológicos
" L'homme vit et se meut dans ce q u 'il voit;
mais /'/ ne voit que ce q u 'il songe. "
Pau! Valéry

0 crescente interesse pela Psicologia demons­ Do estudo do cérebro como principal res­
trado pelos tradicionais estudiosos da cor (pinto­ ponsável pela elaboração do pensamento, a ciên­
res, programadores visuais, físicos, químicos, fi- cia passa à busca da própria origem das várias
sioíogistas, etc.)corresponde à seriedade com que formas de pensamento lógico e em imagens,
os psicólogos analisam também os fenômenos "tornando-se evidente que o espírito não é mais
objetivos referentes à cor. um domínio reservado exclusivamente à metafí­
Para o estudo da cor a parte da Psicologia sica" (10).
que mais interessa é a experimental, por revelar Com os métodos do físico e filósofo alemão
as implicações sensoriais num encadeamento Gustav Theodor Fechner (1801-1887), criando a
analítico controlado, com base em observações, Psicofísica, patenteia-se a viabilidade de medidas
experiências e deduções na manipulação das rea­ psicológicas- que introduzem a Psicologia expe­
ções de organismos completos (homens e ani­ rimental no campo científico. Alguns anos mais
mais) face às condições do meio que os cerca. tarde, Helmholtz analisaria a interligação dos
Tal quadro é sintetizado no esquema: R = f dados físicos, fisiológicos e psicológicos na fo r­
(S, P), em que R corresponde à reação, f à fun­ mação das sensações. Seus trabalhos, desenvol­
ção, S à situação e P à personalidade. vendo as teses de Young, concorreriam de ma­
Logo depois do aparecimento dos trabalhos neira decisiva para o enriquecimento da teoria
de Lewin (1936) e Hull (1943), a Psicologia se das cores (1852). Onze anos depois, Helmholtz
encaminha para as posições hipotéticas dedutivas, abordaria os problemas acústicos relativos à har­
situação em que as hipóteses não são mais retira­ monia, gradações e altura dos sons, com novas
das das observações diretas, mas deduzidas de contribuições ao conhecimento da sensação e da
leis já cqnhecidas. percepção.
Essas leis começaram a avolumar-se a partir Mas quem estabeleceu definitivamente a au­
das pesquisas do fisiólogo inglês C. Bell (1811), tonomia da Psicologia experimental foi o fisiolo-
que delimitaram os campos dos métodos fisioló­ gista e psicólogo Wilhelm Wundt (1832-1920).
gicos e psicológicos, pela demonstração das dife­ Criou em Leipzig (1879) o primeiro laboratório
renças entre as fibras nervosas motrizes e as f i­ de Psicologia experimental, grupando ao seu
bras nervosas sensoriais. Em 1838, J. MüIler de­ redor grande número de alunos de várias nacio­
finiu de forma sistemática o princípio da energia nalidades, consagrados ao estudo e à divulgação
específica dos nervos, afirmando que a excitação da nova ciência. Dentre esses alunos, destacou-se
do nervo visual dá origem a uma sensação visual B. Bourdon (1860-1943), cuja pesquisa da per­
e a nenhuma outra, o que acontece também com cepção visual do espaço trouxe os elementos bá­
cada um dos outros sentidos. Aprofundando o sicos para a compreensão da estrutura e localiza­
estudo do sistema nervoso, a Psicologia científi­ ção espacial dos corpos.
ca avança cada vez mais na conquista de maiores
conhecimentos relativos à divisão e funciona­
mento do cérebro, numa demonstração da vitali­
dade da Frenologia, enunciada por F. J. Gall
(1738-1828). ( l0) M aurice Reuchlin — “ H istoire de la Psycologie". Paris, 1967.

91
Estudando a percepção sensorial, Wundt, ao unidades organizadas em determinados padrões
mesmo tempo que Helmholtz, definiu a distin­ ou formas (gestalt).
ção entre sensação, simples resultado da estimu­ O princípio fundamental comum a todas as
lação de um órgão sensorial, e percepção, toma­ correntes psicológicas gestaltistas é o reconheci­
da de consciência de objetos ou acontecimentos mento do valor científico, explicativo e heurís­
exteriores. Na análise experimental dos proces­ tico da aplicação das noções de estrutura, forma
sos superiores (memória, natureza das imagens ou totalidade ao estudo dos fenômenos psicoló­
mentais, imaginação, faculdade de compreender, gicos.
sugestibilidade, sentimento estético, sentimentos é necessário considerar que a psicologia dos
morais, etc.), considerou os fatos psicológicos conteúdos mentais, como a idealizara Wilhelm
como unidades firmemente estruturadas e não Wundt, intimamente ligada ao estruturalismo,
como simples justaposição de elementos. vem sofrendo, desde o seu aparecimento, grande
Como era de se esperar, o desenvolvimento oposição por parte de outras correntes psicológi­
da Psicologia traria em seu seio muitos elemen­ cas. De forma indireta e contraditória, o maior
tos controvertidos e idéias opostas. A mais vigo­ suporte recebido pelo estrutural ismo provém do
rosa reação a uma Psicologia fundada sobre a gestaltismo, que se generalizou como método de
introspecção partiria de Ivan Petrovitch Pavlov elaboração das artes visuais contemporâneas.
(1849-1936). Armando a Psicologia objetiva Na utilização estética — eliminado o caráter
com a contundente teoria dos reflexos condicio­ extremado do anti-sociologismo, que procura d i­
nados, provou a permanência da influência dos m inuir a importância da experiência acumulada
estímulos sobre os reflexos e a variedade de for­ — a corrente gestaltista é a que exerce maior
mas sutis que as reações reflexivas podem assu­ atração aos comunicadores atuais que utilizam a
mir por interferência de vários reflexos conjuga­ forma e a cor como meio de expressão, por cen­
dos. tralizarem seus esforços no conhecimento da
O centro convergente das preocupações psi­ funcionalidade dos elementos estruturais.
cológicas, desde 1879, passou a ser o estudo ex­ Perceptivamente, há certa analogia entre os
perimental dos processos superiores, iniciado por padrões da cor e os da forma: a alteração por
F. Galton, que recolheu o testemunho de grande acréscimo, diminuição ou mudança de posição
número de pessoas sobre a natureza visual, audi­ de uma cor em relação ao conjunto altera tam­
tiva e outras imagens mentais que certas palavras bém o significado da estrutura. O que é necessá­
evocam. rio levar em consideração, com referência à cor,
Mas caberia ao filósofo alemão H. Ebbinghaus é que sua capacidade de influência psíquica
(1850-1909) sistematizar o estudo dos processos tende sempre mais para os aspectos emotivos, ao
superiores, tomando por base a memória, a par­ passo que a da forma é predominantemente lógi­
tir dos domínios da sensação e da percepção. Ao ca.
mesmo tempo em que realiza os trabalhos sobre Assim como a forma só é percebida em razão
a memória, ele estuda a teoria das cores e faz de uma diferença de cor ou de luminosidade dos
pesquisas experimentais referentes à inteligência. campos que a definem, a capacidade expressiva
Esses estudos e experiências terminam por ressal­ e comunicativa da cor só aparece através da
tar determinados índices de relação entre a per­ forma (tamanho, configuração da área, repetição,
cepção e a inteligência, e vice-versa. Perceber contraste, combinação, proximidade e semelhan­
mais (ver mais) passa a ser sinônimo de maior ça), atingindo seu maior grau de eficiência quan­
inteligência. do complementa ou reforça a mensagem contida
Desde a primeira década do século XX a Psi­ na forma.
cologia encaminha-se para o estudo dos proble­ Na análise psicológica, o contraste simultâ­
mas relativos à totalidade psíquica, nos rumos neo de cores pode encerrar determinadas ilusões
indicados por Ehrenfels, Lipps, F. Krüger e J. sensoriais de índices tão elevados quanto os das
Volkelt, segundo o princípio de que a potência ilusões óptico-geométricas.
(funcionalidade) da forma não depende da sim­ Em toda a sua história, a comunicação sem­
ples particularidade e número de seus elementos pre se valeu de símbolos. Os sinais (sonoros, vi­
constitutivos, mas de sua estruturação, uma vez suais ou gestuais), gergdos de memorização das
que qualquer troca de situação na organização formas, terminam por constituir códigos. Daí
da forma origina outra forma, criando nova nascem os símbolos, que podem ser formados
situação. por um ou vários sinais. Por isso, chegamos à
A constatação da interdependência da parte constatação de que todo pensamento expresso é
com o todo levaria os psicólogos alemães M. sempre simbólico em maior ou menor escala, de­
Wertheimer (1880), K. Koffka (1886) e Kòhler vido à impossibilidade de representação de todos
(1887) a considerar os fatos psicológicos como os componentes do objeto comunicado. Para re­

92
presentar idéias, situações e objetos cada vez empresariais, cada vez mais abstratos, demons­
mais complexos, os comunicadores procuraram tram a fragilidade da posição gestaltista. Só fun­
aperfeiçoar seus códigos, no sentido de uma cionam (ganham qualidade) através do uso dife­
maior clareza de expressão e de comunicação, rencial, institucional e promocional pela empresa
possibilitando a criação de símbolos tão desen­ — inclusive inserção nos jornais, televisão, etc. —
volvidos que chegariam a rivalizar com a fo to ­ que acaba por impregná-los de conteúdo. Esse
grafia e com a descrição analítica. Mas a eficiên­ conteúdo é fruto da experiência do observador
cia desses símbolos nunca esteve na fidelidade da (público), que, pela freqüência de visualização
representação, e sim na valorização de certas ca­ (ou audição), termina por ligar o símbolo à
racterísticas do objeto representado, segundo empresa que o utiliza. Com as devidas variantes,
certas necessidades ou exigências do público a o processo de apreensão de uma estrutura qual­
que se destinavam. A mestria dos grandes pinto­ quer guarda certa analogia com o fenômeno de
res de todos os tempos sempre residiu na capaci­ impregnação de qualidade que a experiência
dade em descobrir essas características, ou seja: atribui à forma.
as linhas de força que encerram a geometrização Segundo Benussi, as ilusões óptico-geométri-
das figuras e que as fazem falar. Assim falaram as cas são fenômenos pouco sensíveis à influência
lanças de Paulo Uccelo, os grupamentos circula­ da vontade. Não se revelam permeáveis pelo
res das figuras de Rubens, a forma fechada, reco­ fator exercício, no sentido de serem reduzidos
lhida em si mesma, da Tristeza de Van Gogh, através de treinamento. A repetição da vivência
os retângulos de Mondriaan, a forma triangular de um modelo freqüentemente reforça a sua
do Enterro na Rede, de Portinari, etc. assimilação distorcida (ilust. 33).,

Ilust. 33

\
\
/
/ *
/
/ *
/ \
\
*
*

J
\
V

Ilusão de Helmholtz Ilusão de Zõllner


A e B são paralelas A. B, C e D são paralelas

A constatação de mensagens explícitas con­ Como no caso das ilusões óptico-geométri-


tidas na estrutura dessas formas comunicadas cas, ocorre o mesmo com os elementos bem es­
instigou a pesquisa à descoberta da organização truturados. A primeira impressão permanece e
das imagens visuais (e outras), daí surgindo a ainda é capaz de influenciar as impressões se­
Gestalt como escola psicológica. Sem subestimar guintes, quando se'trata de elementos estruturais
o grande impulso que os gestaltistas deram ao semelhantes aos contidos na boa forma. A quali­
estudo da cognoscibilidade das estruturas for­ dade emprestada a estes elementos, quando par­
mais, há de reconhecer-se que eles castraram a ticipam de uma estrutura determinada, tende a
própria idéia, tornando-a impotente para expli­ impregná-los de conteúdo, que pode permanecer
car a complexidade expressiva da estrutura, ao mesmo quando eles sejam vistos nurna subestru-
pretenderem isolar o sentido da forma, da expe­ tura, ou isoladamente. Neste caso, revela-se o
riência do observador. Atualmente, os símbolos sentido hierárquico entre os elementos: o mais

93
significativo guardará maior quantidade de con­ é dado por notas ou grupamentos de notas isola­
teúdo, podendo sozinho expressar o todo; os das, mas pela combinação deles numa estrutura
demais só serão reconhecidos em organização de que, guardando certas relações, pode ser enten­
subestruturas. Vejamos: 19 caso — elementos iso­ dida como melodia. Este é o princípio geral que
lados, inexpressivos; 29 caso — elementos organi­ rege a organização das imagens, tanto sonoras
zados numa estrutura; 39 caso — elementos im­ como visuais.
pregnados de qualidade (conteúdo) (ilust. 34). Proximidade — Partindo dos princípios
Para Wertheimer, nossa capacidade percepti- enunciados por Ehrenfels, poderemos conhecer
va se subordina a um fator básico, denominado melhor determinadas estruturas simples. Na
pregnância, que significa boa forma ou forma observação das duas linhas de pontos (ilust. 35),
potente e funcional. A pregnância resulta de al- verificamos que, na primeira, há realmente uma
linha pontilhada, devido à proximidade dos
pontos. Na segunda, a quebra da proximidade
I lust. 34
faz desaparecer a linha, surgindo ora pares, ora
trincas de pontos. Várias estruturas encontram
sua característica no fator proximidade. U tili­
zando-o, podemos com três circunferências for­
- - I mar tanto uma pirâmide como uma trinca em
seqüência, dependendo da disposição das circun­
ferências, o que demonstra a versatilidade deste
Elementos isolados, inexpressivos. fator. Ainda com o fator proximidade , de acor­
do com a natureza e a quantidade dos elemen­
tos, poderemos ver inúmeras subestruturas con­
tidas numa estrutura. Por exemplo: sete hexágo­
nos grupados poderão dar a idéia de uma flor es­
quematizada, de um grande hexágono, de uma pi­
râmide, ora com a base para baixo, ora com a ba­
se para cima, ou de três linhas de hexágonos
(ilust. 36).
Semelhança — Num segmento constituído
Elementos organizados numa estrutura.
por círculos e circunferências, à primeira vista
podem saltar tanto a linha como as tríades
pretas e brancas. Mas, se reforçarmos o . fator
semelhança, construindo três fileiras de circunfe­
rências e círculos, teremos a predominância vi­
sual das formas quadrangulares pretas e brancas,
com nove elementos cada uma, e só com algum
esforço é que descobriremos as linhas paralelas
formadas pelos elementos. Neste caso, o fator
Elementos impregnados de qualidade. experiência tem grande influência. Quem tenha
Ilust. 35

A proximidade dos pontos faz surgir uma linhà perfeitamente visível.

Os pares e trincas de pontos substituem a linha.


gumas características dos elementos formais que visto a linha isolada perceberá com menor esfor­
poderiam ser sistematizados em: proximidade, ço a conjugação das três linhas. Se aumentarmos
semelhança, movimento, boa continuação e des­ a quantidade dos elementos, terminaremos por
tino comum. ver facilmente uma linha, mas desta vez ela será
Tomada a música por exemplo, observa-se grossa, formada pelas subestruturas de quadra­
que na estrutura musical o sentido da obra não dos brancos e pretos (ilust. 37).

94
P irâ m id e T rinc a de c irc u n fe r ê n c ia s .

Conforme o ângulo visual, surgem várias subestruturas.

Ilust. 37
* * * 000 * * * 000* * * 0 0 0 ***0 0 0 0 0
À primeira vista podem saltar tanto a linha como as tríades pretas e brancas.

* * * 000* ® * 000* * * 000* * * 0 0 0 * * *000000000


* * * 000 * * * 000 * * * 000* * * 0 0 0 * * *000000000
• • • o o o # » » o o o * * « o o o m #o o o m « o o o o o o o o o
Linha grossa (barra) formada pelos quadriláteros brancos e pretos.

0 0 0 *0 0 0 ooooo*
0 0 0 *0 0 0 0 0 0 0 *0
0 0 0 *0 0 0 0 0 0 *0 0
0 0 0 *0 0 0 00*000
0 0 0 *0 0 0 0*0000
000*000 •ooooo
Linha vertical Linha diagonal.
Movimento — De todos os fatores que com­ Com os mesmos círculos e circunferências
põem a pregnância, o mais contraditório e rico usados no fator semelhança, dispostos em outra
de possibilidades de expressão e comunicação é estrutura, percebe-se o movimento vertical origi­
o movimento. Nas artes visuais, entende-se por nado tanto pela proximidade como pela seme­
movimento a característica que indica a orienta­ lhança dos elementos. Em nova disposição, surge
ção das linhas de força (deslocamentos no espa­ um movimento diaqonal.
ço ou transformações), em se tratando de estru­ Boa continuação ou continuidade — Quando
turas estáticas — movimento virtual ou ilusório. os elementos de certas estruturas apresentam um
Quando se trata de estruturas dinâmicas, o estu­ destino comum, como no caso de fios torcidos,
do da percepção do movimento ganha novas de barras gregas entrelaçadas, ou ainda de formas
perspectivas de enfoque, ligadas ao movimento precisas que indicam a direção dos segmentos,
real ou físico. Mesmo neste segundo caso, há diz-se que integram o fator continuidade, ou
íntima ligação entre os dados subjetivos gerados seja: que têm boa continuação (ilust. 39).
por movimentos reais e o processo perceptivo
virtual ou ilusório observado nas estruturas Tendência à complementação — Alguns
estáticas. autores incluem a tendência à complementação
Para os pintores, o movimento está sempre (condição de clausura ou fechamento) como
ligado à idéia de ritmo. Os movimentos ou uma das particularidades da pregnância. Outros,
ritmos de um quadro (ou de uma estrutura qual­ baseados nos princípios de Hartmann, a conside­
quer) obedecem a certas leis de orientação de ram como decorrência dinâmica do fator preg­
suas linhas estruturais. As linhas horizontais nância, mas não como uma de suas propriedades.
criam a sensação de calma; as verticais, de ener­ A rigor, a tendência à complementação não é
gia; as diagonais, de movimentação, deslocamen­ mais que a propriedade que têm certas formas de
to. Segundo Georges Seurat, a combinação de induzirem o espírito a completar o fechamento
diagonais, partindo do meio do quadro para de uma estrutura fortemente esboçada. Assim,
cima, dá a sensação de alegria, enquanto que do na ilust. 40, não vemos uma série de pequenas
meio para baixo expressa tristeza, conforme de­ circunferências, e sim uma grande circunferência
monstra o sentido das linhas de força das másca­ formada por elas. Também não vemos separada­
ras do teatro grego (ilust. 38) . mente a linha horizontal nem as inclinadas para

Calma Energia

Sensação de alegria. Sensação de tristeza. Ilust. 38

96
bU
Boa continuação. Ilust. 39

Circunferências

o OOOo oo
o
O
o o
o o
Paralelogramo de Sander
AB = BC o o
o o
o o
o o
o o
o o
° o o o ° °

\
/
Estrela Triângulo
Ilusão de Müller-Lyer
AB = CD Tendência à complementação. Ilust. 40

97
dentro — tendemos a ver um triângulo, onde
apenas há indicações incompletas. O mesmo
ocorre com as três linhas curvas, que nos levam
a perceber uma circunferência, e com as cinco
Ifnhas retas, que nos induzem a ver uma estrela.

FIGURA E FUNDO

O campo perceptivo é uma unidade consti­


tuída pela figura e pelo fundo. Há milênios o
problema representa um permanente desafio
aos pintores, que muitas vezes fizeram de seus
ilust. 41
motivos (figuras) o centro de preocupações do
quadro, relegando o fundo a plano secundário. Figura e fundo
Mas também houve pintores que trataram o fun­ (formas ambíguas ou reversíveis).
do com tal exuberância de detalhes que a figura
vinha à tona por força de contraste, pela simpli­
cidade ou ausência de pormenores. A Psicologia
só veio a abordar o problema da relação entre
fundo e figura a partir de 1890, inicialmente de A avaliação de espaço no mesmo plano, ou
maneira indireta, com os trabalhos de William em profundidade, é uma manifestação de rela­
James ressaltando a distinção entre franja e foco ção, integração ou conflito entre a figura e o
ou entre aspectos centrais e marginais da cons­ fundo. Desde o Renascimento italiano, a repre­
ciência, e mais tarde, de forma aprofundada sentação de espaços foi cientificamente resolvi­
com a sistematização de Edgar Rubin. da pelas perspectivas linear e aérea, demonstran­
As relações existentes entre figura e funde do a necessidade de conjugação de ambas, para
têm maior força nas figuras ambíguas, reversí­ o pleno êxito da ilusão de terceira dimensão
veis e ilusões de percepção, mas em todo ato sobre uma superfície plana. De acordo com
perceptivo, em maior ou menor escala, elas esses princípios, a Psicologia procura explicar
estão presentes, valorizando ora o fundo, ora a ' percepção do espaço real, estudando-lhe os
a figura (ilust. 41). efeitos sobre os sentidos e a consciência.
3
Utilização Mística e
Simbólica
1

Em todas as épocas, as sociedades organi­ luto. O amarelo, que lembra o sol, o ouro e o
zadas sempre tiveram seus códigos completos, fruto maduro, facilmente será identificado com
ou certos elementos de uma simbologia das a idéia de riqueza, abundância e poder. O branco
cores, atribuindo-lhes freqüentemente caráter relacionar-se-ia com a luz, portanto com a idéia,
mágico. A variedade de significados de cada o pensamento, a segurança, a tranqüilidade, a
cor, ao longo dos tempos, está intimamente pureza e a paz. O preto, com a noite, a escuri­
ligada ao nível de desenvolvimento social e dão, o perigo, a maldade, a insegurança e o ani­
cultural das sociedades que os criam. quilamento.
Os diversos elementos da simbologia da Historicamente, muitos dos significados das
cor, como em todos os códigos (visuais, ges- cores guardam o sentido original, enriquecidos
tuais, sonoros ou verbais), resultam da ado­ com a evolução espiritual dos povos. A cada
ção consciente de determinados valores re­ nova sociedade, os símbolos tornam-se mais
presentativos, designativos ou diferenciado- requintados e abstratos, acompanhando de perto
res, emprestados aos sinais e símbolos que o vôo da fantasia e das aspirações humanas.
compõem tais sistemas ou códigos. Com efei­ A idéia de poder, representada por um taca­
to, o que dá qualidade e significado ao símbolo pe, vermelho de sangue, está na linha de desen­
(sinais sonoros, verbais ou visuais) é sempre sua volvimento que leva às evocações do manto pur­
utilização. Por isto, a criação dos símbolos mais purino de um imperador romano. Mas o signifi­
significantes e duráveis é, via de regra, ato cole­ cado de poder emprestado à púrpura já engloba
tivo de função social, para satisfazer certas ne­ toda a complexidade mental de uma sociedade
cessidades de representação e comunicação. capaz de construir um Império. Embora os dois
Como exemplo temos a utilização simbólica símbolos representem uma mesma coisa — o
da circunferência, do quadrado e do triângulo, poder — o conteúdo de ambos difere na mesma
cuja origem se perde nos albores do período neo­ proporção em que diferem os níveis dos estágios
lítico. Curioso é notar que tais formas suscita­ sociais e de desenvolvimento intelectual dos po­
ram idéias análogas a vários povos do mesmo vos que os utilizam.
grau de desenvolvimento, em lugares e épocas O significado das cores nunca teve uma vida
diferentes. autônoma, que iniciasse e terminasse o seu ciclo
Embora de maneira bem mais complexa e su­ de ação no próprio âmbito das idéias. Ao con­
til, o mesmo ocorreu com a cor. Pode-se dizer que trário, as idéias originadas por certos estímulos
a simbologia da cor nos povos primitivos nasceu exteriores só conseguiram transformar-se em
de analogias representativas, para só depois, por símbolos, no retorno ao mundo objetivo, quan­
desdobramentos comparativos, atingir um nível do testadas pela prática. Decorre daí a impor­
de relativa independência, que corresponde a tância do símbolo na origem e veiculação de
estágios mais elevados de subjetividade. O verme­ conceitos, base de sua integração nos variados
lho, lembrando o fogo e o sangue, poderá tam­ elementos da superestrutura social. Mas essa
bém representar a força que o faz jorrar, o integração só se realiza quando o símbolo ex­
terror, ou a morte e, por sua reminiscência, o pressa certas realidades que satisfaçam necessi­

99
dades subjetivas. Usando os símbolos ao seu atribuídas às pedras preciosas" tivessem tido
alcance, o culto mágico-fetichista do período "sua origem na experiência profunda do bem-
paleolítico é um exemplo: comprova-lhes a estar indescritível" provocado por essas pedras.
utilidade social, não pelos apelos feitos aos ele­ Acreditava que as cores "não só engendram esta­
mentos naturais, mas pela capacidade de trans­ dos de ânimo, mas também se adaptam a eles."
m itir ao grupo, a cada nova geração, a experiên­ A aplicação do método científico de pesqui­
cia para a ação guerreira, a caça e a coleta de sa estética — inaugurado há um século por
frutos — o que se traduz em maior índice de Gustav Theodor Fechner, partindo do estudo
subjetividade e eficácia. dos dados objetivos componentes da forma esté­
Da utilização da cor no ritual, ao puro gosto tica — levaria G. J„ Von Allesch, em 1925, a
pela cor vai um longo caminho de evolução so­ negar a existência de padrões de gosto e de pre­
cial e psíquica em que participam inúmeros ele­ ferências por cores, uma vez que o grande núme­
mentos conturbadores. Daí ser tão complexa a ro de pessoas por ele testadas variava sempre nas
definição do gosto estético em geral. Não bas­ suas sucessivas escolhas. Por isso, concluiu
tam esquemas apriorísticos de herança cultural, Allesch que as preferências são influenciadas por
de estágios sociais, de características individuais, variáveis individuais ainda não conhecidas intei­
etc., tomados isoladamente, para determinar-lhes ramente, e que não tem sentido a qualificação
as causas. A mutabilidade do gosto com varian­ de beleza para uma cor. Qualquer uma poderá
tes coletivas e individuais em períodos mais ou ser bela ou não, conforme o papel que desempe­
menos curtos e seus estágios hierárquicos de pre­ nhe na dinâmica do fenômeno estético. Esse
ferências constituem o núcleo da dificuldade de mesmo ponto de vista, defendendo a relatividade
conceituá-lo. e subordinação da beleza da cor, foi expresso
Como em todos os métodos de averiguação por Delacroix na conhecida frase: "Dê-me lama e
psicológica, esbarra-se aqui, também, com a con­ farei com ela a pele de uma Vênus, se me permi­
tradição entre influências coletivas como expres­ tirem cercá-la de cores a meu modo."
são mais nítida das injunções sociais e as particu­ Modernamente, o reconhecimento de que a
laridades individuais. A opção exclusiva por ape­ cor é tão-somente uma sensação coloca-a no
nas um dos elementos da contradição é que tem campo das especulações psicológicas, possibili­
causado a ineficiência da maioria dos sistemas tando o aprofundamento do estudo das relações
organizados para detectar o gosto estético, inclu­ entre estímulos e componentes fisiológicos, para
sive o gosto predominante por certas cores. maior conhecimento dos dados sensitivos e per-
Na formação das preferências sempre se en­ ceptivos e sua influência nos reflexos conscientes
contra o efeito da ação física da cor sobre o or­ e inconscientes de caráter emocional e moral.
ganismo humano, condicionado pelas reminis­ O estudo da projeção da personalidade
cências do uso individual e social da cor. É sabi­ humana, através de sua preferência ou gosto por
do, por exemplo, que os povos das regiões tropi­ determinadas cores, poderá vir a ser de grande
cais gostam de roupas brancas. Esta preferência importância para o conhecimento de certas áreas
decorre do fato de tais roupas serem mais fres­ da personalidade individual, desde que vencidas
cas, por absorverem menor quantidade de raios as barreiras de uma aplicação mecânica, de um
luminosos que as das outras cores. Já nas grandes método que deve ser antes de tudo instrumento
superfícies, coloridas ambientais o fenômeno é de pesquisa, mas que, em mãos inexperientes,
inverso: as cores, ao refletir os raios luminosos, corre sempre o risco de transformar-se num sirrw
agem como refletores sobre o ser humano, dan­ ples código de etiquetagem dos "pacientes".
do-lhe um banho de luz da mesma forma que a Dentre os vários métodos cromáticos de proje­
fonte energética primitiva (o sol ou outro qual­ ção da personalidade, destacam-se o Psicodiag-
quer foco gerador de luz). A diferença é apenas nóstico de Hermann Rorschach e o Teste das
quantitativa, devido à perda de energia provoca­ Pirâmides Coloridas de Max Pfister. Ambos ado­
da pelos efeitos de absorção e dispersão. As su­ tam valores interpretativos aproximados para ju l­
perfícies polidas, principalmente os espelhos, gamento das preferências por certas cores, que
podem realizar um banho de luz com a energia resumidamente são os seguintes: o vermelho está
luminosa quase integral, ou até mesmo aumentar relacionado com necessidades afetivas, afetos e
sua potência, quando providos de lentes de au­ suas manifestações, das mais suaves às mais vio­
mento, como no caso das baterias térmicas lentas, em direção extroversiva; o azul expressa
solares. mais diretamente uma disposição introversiva
Ao estudar a influência das cores sobre o psi­ das funções emocionais e intelectuais — pode
quismo humano, Goethe ressaltou-lhes o efeito ser racionalização ou sublimação e capacidade de
significativo na esfera moral, levantando a hipó­ intuição; o amarelo corresponde a anseios voliti-
tese de que "as virtudes curativas antigamente vos e liga-se à disposição afetiva e à iniciativa; o
laranja é vontade deliberada de agir e de fazer-se jantar bizarro descrito por Mitchell Wilson;
valer através da ação; o verde mostra o grau de "quando os convidados foram servidos sob luzes
adaptação ao ambiente, a capacidade de contato; que faziam o bife parecer cinzento, o aipo cor-
o violeta corresponde à busca de equilíbrio entre de-rosa, as ervilhas pretas e o càfé amarelo, a
o pensar e o sentir; o preto, o branco e o cinza maioria não pôde comer e, embora os alimentos
parecem ligados mais diretamente ao incons­ fossem ótimos, os que tentaram comer ficaram
ciente. doentes."
Num país de forte miscigenação como o Depois de um tal exemplo, seria m uito d ifí­
Brasil, o que mais dificulta a análise da projeção cil defender a tese de uma potência da forma,
para um justo diagnóstico é a complexa origem funcionando acima e independentemente do
da preferência por determinada cor. O gosto condicionamento subjacente, mas também seria
pelo vermelho pode estar ligado tanto à paixão ingenuidade não considerar a m últipla ação das
clubística como à preferência política, à devoção formas bem estruturadas.
a Exu, ou à reminiscência de um rito tribal, e
não precisamente por uma tendência à extrover­ FASCÍNIO DA ABSTRAÇÃO
são. O significado das cores varia muito de um
código religioso para outro, e destes para os filo ­ Antes de aparecer a iluminação feérica das
sóficos, mas o conhecimento dessa variedade de cidades modernas, o espetáculo colorido mais
conceitos está longe de ser inútil. Por mais extra­ deslumbrante que se conhecia era o produzido
vagantes que sejam, sempre fornecerão ao pes­ pela pirotécnica.
quisador novos caminhos para o levantamento A luminosidade dos fogos de artifício repre­
da complexidade do psiquismo humano nessa sentou a primeira explosão de encantamento
área, plasmado por uma utilização cromática mi­ abstrato do mais livre tachismo, decorrente da
lenar em que se misturam buscas, equívocos e liberação de energia química pela "combustão
acertos. de sais de potássio em combinação com compos­
tos de outros metais: estrôncio para o vermelho,
REAÇÕES À COR bário para o verde, sódio para o amarelo e cobre
para o azul", e diversas misturas formando o
Ao abordarmos o problema da percepção e branco.
do gosto pelas cores, entramos em terreno extre­ E bem antes do surgimento das caprichosas
mamente litigioso. Por isso, reduziremos o con­ formas pirotécnicas, já se conhecia a rigidez geo­
flito a apenas um dos aspectos das áreas litigan­ métrica do caleidoscópio.
tes, deixando que se defrontem as tendências As tachistas abstrações pirotécnicas e as mu­
pavlovianas e as gestaltistas. táveis formas concretas do caleidoscópio conti­
No curso do desenvolvimento desta batalha, nuam a ser utlizadas ainda hoje, por seu poder
veremos surgir os sintomas de uma integração, de criar êxtases oníricos ou lúdicos, em estados
tal qual ocorreu com as contraditórias teorias da de enlevo semi-hipnótico.
propagação da luz.
De um lado, começa-se a perceber que a sín­ A COR NO ESPORTE
tese do conhecimento acumulado (herança so­
mada à experiência inédita) resulta num condi­ No esporte as cores desempenham importan­
cionamento com certa autonomia de determina­ te papel diferenciador para a visualização dos
ções que independe do fator consciente. Por contendores.
outro lado, a boa organização ou estruturação Durante as partidas de futebol, os juizes
da forma é capaz de infiltrar-se na trama das ma­ auxiliares —fiscais de linha — empunham bandei­
trizes onde se originam as reações condicionadas ras coloridas. O que está munido de bandeira
e marcar sua presença de uma maneira nova e vermelha é o substituto do árbitro. Quando o
definida. juiz mostra cartão amarelo a um jogador, signifi­
Nesse embate, acreditamos que a surpreen­ ca advertência por infração às regras do jogo;
dente forma sulcará o cérebro como as marcas cartão vermelho é sinal de expulsão para o atleta
de um sinete, mas tais sulcos ou marcas criarão faltoso.
um desenho novo, diferente das estrias do sine­ Em competição marítima, a denominação
te, ao misturar seus traços aos que já se encon­ de fita azul é símbolo de velocidade na travessia
travam impressos na superfície da memória, pro­ do Atlântico Norte.
vocando por vezes resultados ou reações inteira­ No judô, as cores designam a categoria do
mente inesperados. atleta. Na roupa de combate (quimono — Judo-
A experiência que melhor ilustraria o confli­ Ghi), o lutador leva à cintura uma faixa com a
to, a integração e o resultado não previsto é a do cor indicativa de seu grau. Branco é a cor dos

101
principiantes, seguindo-se, na escala de desenvol­ dos pensamentos determina a nitidez dos seus
vimento de eficiência, amarelo, laranja, verde, contornos. (...) As cores dos diferentes corpos
roxo, marrom, preto, vermelho com raias bran­ do homem são análogas às das formas de pen­
cas, e vermelho. samento geradas nesses corpos: o preto signi­
A bandeira das Olimpíadas, idealizada pelo fica ódio e maldade; o vermelho, em toda a sua
Barão de Coubertin, é formada por cinco circun­ escala, desde o vermelho de ladrilho até o escar­
ferências coloridas enlaçadas, sobre fundo bran­ late brilhante, indica cólera. Um vermelho escu­
co. A circunferência azul representa a Europa; a ro e repugnante é indício das paixões animais e
preta, a África; a verde, a Austrália; a amarela, de todos os desejos sensuais. A cor moreno-clara
a Ásia, e a vermelha, a América. (como de terra queimada) expressa avareza; o
cinzento escuro indica egoísmo; o cinzento claro
A COR NA TEOSOFIA E ANTROPOSOFIA e lívido indica medo. O verde cinzento denota
suspeição, ao passo que o verde escuro salpicado
Em nossos dias, a penetração da filosofia ori­ de pontos e de relâmpagos de cor escarlate mani­
ental no Ocidente vem exercendo certa influên­ festa ciúmes. Em seu estado mais elevado, o ver­
cia na apreciação e avaliação das cores em alguns de brilhante expressa o divino poder da simpatia.
meios e seitas. Entre as seitas que procuram u tili­ A afeição se manifesta por meio de toda a gama
zar essa influência, salientam-se os grupos teosó- do carmesim, até o rosa. O alaranjado escuro im­
ficos e antroposóficos. plica orgulho ou ambição, e toda gama do ama­
Aliando antiquíssimas concepções místico- relo pertence à intelectualidade. As diferentes
mágicas a idéias cristãs e modernas, em busca de tonalidades do azul indicam todas o sentimento
uma fundamentação científica, Annie Besant, religioso. (...) Um pensamento cheio de amor,
continuadora de Helena Blavatsky à frente do produzido por um coração piedoso, dá origem
movimento teosófico internacional, revela em a uma série de tonalidades maravilhosas, seme­
seu livro Formas de Pensamento um ideário lhantes ao azul profundo de um céu de estio. O
completo da significação das cores do ponto de brilho e a intensidade das cores denotam, geral­
vista da corrente que lidera. mente, a medida da força e a atividade do senti­
mento que lhes deu nascimento".
Também o filósofo e pedagogo alemão
Rodolfo Steiner, que dirigiu durante 12 anos
(1901-1913) a seção alemã da Sociedade Teosó- A COR NOS CULTOS AFRO-BRASILEIROS
fica, preocupou-se seriamente com o problema
das cores, definindo-as como representação da Como todos os cultos religiosos conhecidos,
idéia. Após separar-se de madame Blavatsky, os de origem africana também possuem uma sim-
fundou a Sociedade Antroposófica (da Sabedo­ bologia da cor reveladora do nível mental e do
ria do Homem), continuando até o fim de seus desenvolvimento social do meio onde surge. "Os
dias como divulgador da obra científica de santos africanos (orixás jeje-nagôs) têm suas co­
Goethe. Em trabalhos de crítica, ressaltou a afi­ res, e suas filhas usam essas cores como os fidal­
nidade de concepções do poeta alemão com seu gos usavam as cores das casas onde serviam como
movimento espiritualista. A Teoria das Cores vassalos. Oxalá é branco, Xangô é vermelho,
de Goethe tornou-se uma espécie de livro sagra­ Omulu é preta, Anamburucu é azul-escuro" (n ).
do para os antroposóficos. Nos candomblés, macumbas, xangôs, batu­
Na teosôfia, a cor e sua significação têm im­ ques, parás, babaçuês, tambores, etc., as cores
portância primordial. Segundo Annie Besant, aparecem designando as divindades através da
todos os homens possuem uma aura colorida, decoração dos terreiros, dos objetos sagrados,
que é alterada pelas emoções vividas, mas apenas das vestimentas, paramentos e adornos dos Baba­
os clarividentes conseguem ver tais auras. "Todo lorixás, Mães-de-Santo, Filhas-de-Santo, Ogãs e
pensamento dá origem a uma série de vibrações Babalaôs. A variada denominação dos cultos de­
que no mesmo momento atuam na matéria do monstra as influências aparecidas no Brasil, alte­
corpo mental. Uma esplêndida gama de cores o rando cada um deles. Tais influências, díspares,
acompanha, comparável às reverberações do sol marcam sua presença, também, no significado
nas borbulhas formadas por uma queda d'água, das cores rituais. Por isso, às vezes vamos encon­
porém com uma intensidade mil vezes maior. trar, na prática mística, a mesma cor designando
Sob este impulso, o corpo mental projeta para o vários orixás, e o mesmo orixá representado por
exterior uma porção vibrante de si mesmo, que várias cores:
toma uma forma determinada pela própria natu­
reza destas vibrações. (...) A qualidade dos pen­
samentos determina a sua cor. A natureza dos ( l l ) L u ís da Câmara Cascudo — "D icio n á rio do F olclore Brasilei­
pensamentos determina a sua forma e a precisão ro ". R io, 1954.

102
Olorum (nagô) ou Zaniapombo (Angola, iorubano, sempre ocupado em transportar água
Congo, caboclo) — deus supremo, pai de todos da terra para o ardente palácio das nuvens, onde
os orixás, avô dos mortais. Sua indumentária é reside Xangô. As filhas de Oxum-Maré usam fita
inteiramente branca, usando prata ou níquel. verde e colares de pedras alaranjadas. Os apetre­
Obatalá, Orixalá ou Oxalá — é representada chos rituais são uma cobra em forma de hidé,
por duas cuias pintadas de branco, em alusão dilonga otói, contas raspadas com chumbo verde
ao céu e à terra. "O utra representação da deusa e três pratos pequenos de louça verde.
era a lima ou limão verde e nisto está a razão do Ifá — orixá das coisas ocultas, das predições
seu nome complementar; do ioruba ohsan, a li­ e adivinhações. Identifica-se com ocre pálido da
ma, ou limeira, e nlá, grande, notável; ohsanlá, palha da esteira de Ifá, dos frutos de dendê e das
oxalá" (12). Pela origem de seu nome e pelos nozes de manga do colar de Ifá.
símbolos usados, destacam-se as cores branca
e verde. Ogum — é o orixá guerreiro. Nas macumbas
lemanjá — mãe d'água dos iorubanos, a do Rio de Janeiro, identifica-se com São Jorge.
mais prestigiosa entidade feminina dos candom­ "A cor predileta do Ogum é o azul-profundo. Os
blés da Bahia. É mãe de todos os orixás e de colares das filhas de Ogum são de contas azul-
tudo o que existe na face da terra. Protetora das marinho na Bahia, amarelas no Recife ou mesmo
viagens marítimas, "teve o processo sincrético vermelhas e brancas, em disposição diferente das
das deusas marinhas, passando a ser Afrodite, do colar de Xangô" (14). Os crentes afirmam ver
Anadiômene, padroeira dos amores, dispondo na pedra de Ogum um homem vestido de verme­
sobre uniões, casamentos e soluções amorosas. lho com uma espada na mão.
Sua sinonímia é grande: Janaína, Princesa do Oxóssi — orixá da caça e dos caçadores. Suas
Mar, Sereia, Sereia do Mar, Oloxum. . ." (13). filhas vestem verde e amarelo, pintura verde,
Suas cores rituais são o vermelho, azul-escuro pulseiras de bronze e colares de continhas, verde-
e cor-de-rosa, mas a cor preferida para as oferen­ branco nos candomblés bantos e azul-claro nos
das é o branco, principalmente flores. nagôs.
Oxum — orixá dos rios e das fontes, égide Omulu — o orixá da varíola, ou Omonolu,
das águas doces, como lemanjá é das salgadas e ou Obaluacê, santo da varíola nas macumbas do
Anamburucu da chuva. Sua insígnia é um-leque Rio de Janeiro, o mesmo Alalaú, Aiê, Obaluaiê,
de latão, o abedê, tendo no meio uma estrela "O homem da bexiga". Para o culto de Omolu as
branca ou uma sereia. Suas filhas usam colares e vestimentas são vermelhas e pretas e palha da
pulseiras largas de latão amarelo-ouro e cores Costa. As pinturas nas penhas e nas iauôs, roxas.
douradas na vestimenta. Os colares de Omolu são de macau de palha da
Anamburucu (Nanã) — o mais velho dos três Costa, contas pretas e brancas nos terreiros
orixás das águas (Anamburucu, lemanjá e nagôs, pretas e vermelhas nos terreiros bantos.
Oxum). Suas cores rituais são o branco e o azul-
Logunedê — sincretizado com São Expedito,
escuro. As filhas-de-santo usam pulseiras de alu­
suas contas são verde-amareladas.
mínio e contas brancas, vermelhas e azuis.
Xangô — rei nagô. É divindade das tempesta­ Exu — representante das potências contrárias
des, raios, trovoadas, descargas da eletricidade ao homem, sendo por isso, às vezes, identificado
atmosférica. Usa contas vermelhas, brancas e com as forças malignas. É uma divindade brinca­
pulseirag de latão. Sincretiza-se com São Jerôni- lhona e fálica. As contas usadas por suas filhas
mo e Santa Bárbara. têm as mesmas cores das vestimentas: vermelho e
lansã — uma das mulheres de Xangô, identi­ preto.
fica-se com Santa Bárbara. Suas cores são o ver­ Ibeiji — divindade gêmea, orixá jeje-nagô,
melho e o branco. representada nos candomblés pelos santos católi­
Oxum-Maré — é o orixá do arco-íris, imagem cos São Cosme e São Dam ião. Suas cores são o
identificada com a serpente-marinha. Santo vermelho e o branco.

( l V L u ís da Câmara Cascudo — Obra citada.


( li) Edison Carneiro — " Negros Bantos". R io, 1937. ( l4) Roger Bastide — "Estudos A fro -brasileiros". R io, 1954.
IV
Cores
Cores
"C'est le dessin qui donne ta forme aux
êtres; c'est la couleur qui leur donne la vie.
Voila le souffle divin qui les anime. "
Diderot

Em nenhuma outra época a cor foi tão lar­ Possui elevado grau de cromaticidade e é a mais
gamente empregada como em nosso século. As saturada das cores, decorrendo daí sua maior
grandes indústrias de corantes e de iluminação visibilidade em comparação com as demais. Seu
tornam cada vez mais ricas as possibilidades escurecimento em mistura com o preto (escala
cromáticas, por meio de novas tintas sintéticas, de valor) tem como pontos intermediários, entre
plásticas e acrílicas, e de luzes incandescentes co­ o vermelho e o preto, vários tons de marrom. Seu
muns, gás neon, luzes de mercúrio, fluorescentes, escurecimento sem perda de luminosidade (esca­
acrílicas, etc., ao mesmo tempo que no emprego la de tom) obtém-se com a mistura da púrpura,
estético da cor surgem novas especialidades na violeta ou azul, dependendo do grau de escureci­
comunicação visual. As mensagens de todos os mento desejado. É a única cor que não pode ser
tipos, sempre mais coloridas, inauguram uma era clareada sem perder suas características essen­
cultural em que a luz alucinante e psicodélica ciais. Clareado com a mistura do amarelo, pro­
das grandes metrópoles parece ter como único duz o laranja e, dessaturado pela mistura com o
objetivo a poluição visual. branco, produz o rosa, cor eminentemente alegre
Mas esse desregramento no uso da cor se ori­ e juvenil.
gina de fatores sociais e não estéticos. Cada A complementar do vermelho, em cor-luz, é
cartaz, cada anúncio luminoso, cada vitrine, cada o ciano e, em cor-pigmento, o verde. Está situa­
imagem colorida de TV e até a simples indumen­ do na extremidade oposta do espectro em rela­
tária de uma corista, de um jogador de futebol ção ao violeta e seu matiz é de 700 m/i de com­
ou de um jóquei são longamente estudados em primento de onda, aproximadamente.
seus contrastes e harmonias de cores, o que não Sua aparência mais bela e enérgica é conse­
impede que o conjunto visual da maioria das ci­ guida quando aplicado sobre fundo preto, fun­
dades, p"or falta de planejamento cromático, cionando como área luminosa. Sobre fundo
possa dar idéia de um imenso caos crepitante. branco, torna-se escuro e terroso.
O mais surpreendente em tudo isto é que Ao lado do verde, forma a dupla de cores
sempre que alguém, em qualquer lugar, por qual­ complementares mais vibrante, atingindo até a
quer motivo, toma um pincel para colorir a obra brutalidade, dependendo das proporções empre­
que inicia, seu espírito utiliza consciente ou in­ gadas e da forma das áreas coloridas. Aplicado
conscientemente o resultado de escolhas e em pequenas porções sobre fundo verde, agita-se
opções milenarmente preparadas para este ins­ e causa desagradável sensação de crepitação.
tante mágico. É a cor que mais se destaca visualmente e a
Cada cor traz consigo uma longa história. mais rapidamente distinguida pelos olhos. Estas
duas propriedades do vermelho é que dão origem
VERMELHO à impressão dos "coeurs flottants", estudados
por Helmholtz.
O vermelho é uma das sete cores do espectro Dos vários vermelhos utilizados pelos tin tu ­
solar, sendo por isso denominado cor fundamen­ reiros e pintores, destacam-se o vermelho-de-sa-
tal ou primitiva. É cor primária (indecomponí- turno, o inglês, o laca e o de cádmio. O vermelho-
vel), tanto em cor-luz como em cor-pigmento. de-saturno ou míniõ (zarcão) já era conhecido

107
dos pintores gregos e romanos, é obtido por len­ mais. O ocre amarelo, tanto pela ação do fogo
ta oxidação do chumbo exposto ao ar, ou pela como por outras causas, toma uma cor vermelha
calcinação do alvaiade de chumbo. Os vermelhos muito intensa. O massicote (amarelo) se exalta
de laca provêm da alizarina, da rúbia de tinturei­ até converter-se em mínio (vermelho) e o turbi-
ro, da conchinilha, do vermelho de litol e da pa- go em cinábrio, o qual representa um laranja
ranitranilina. muito intenso. Todos esses processos implicam
O vermelho mais usado pelos pintores con­ uma acidificação íntima empiricamente infinita
temporâneos é o de cádmio, produzido por mes­ do metal. Do lado do menos, é menor a freqüên­
cla de cádmio, enxofre e selênio. Conforme as cia da exaltação, se bem que é comprovado que
proporções de seus ingredientes, varia desde o o azul-da-prússia e o verde-de-cobalto assumem,
vermelho-alaranjado até o vermelho-violetado, segundo sua pureza e saturação, uma leve colo­
tendo como ponto intermediário um vermelho ração avermelhada, aproximando-se do violeta."
forte, de características próprias. Para Goethe, o vermelho mais puro era o extraí­
De todos os vermelhos é o vermelhão o que do da conchinilha, que pode ser levado tanto
mais rapidamente perde sua coloração ao conta­ para o lado do mais como para o do menos,
to com o ar. Um século antes de nossa era, Vi- sendo seu ponto de equilíbrio encontrado no
irúvio já recomendava cobri-lo com uma camada carmim; mas, como sabemos, o carmim é um
de óleo e cera, para evitar seu escurecimento pre­ vermelho tirante ao violeta.
maturo. Nas definições cromáticas, além de outros
O vermelho é a mais contraditória das cores, problemas, entra a dificuldade gerada pela im­
devido à sua origem e seu processo de saturação. precisão vocabular, que é comum em todas as
Nos círculos cromáticos de matizes contínuos e épocas. Para evitar equívocos, somos obrigados a
nas experiências prismáticas, o vermelho surge levar em conta apenas a idéia dos autores do pas­
entre as radiações violáceas e as alaranjadas que sado, e não os termos usados por eles. Buscando
se interpenetram, sendo impossível determinar definir o vermelho, Goethe diria: "O vermelho
onde começa e termina o vermelho-alaranjado. O puro, que muitas vezes designamos com o nome
mesmo ocorre com o vermelho-violetado. Esse de púrpura, devido à sua elevada dignidade (não
ponto ideal, comumente chamado vermelho ignoramos qiie a púrpura dos antigos tendia bas­
puro, é uma abstração, por ser da própria nature­ tante mais para o azul), origina-se de dois modos
za do vermelho a participação do azul e do ama­ diferentes: pela superposição do limbo violeta à
relo em sua constituição. No seu ponto mais ca­ borda vermelho-alaranjada nas experiências pris­
racterístico, correspondente a 700 mu de com­ máticas, ou por exaltação continuada nas quím i­
primento de onda, para cada 011.359 unidades cas e, além delas, pelo contraste orgânico nas
de vermelho existem 004.102 unidades de verde, fisiológicas." Na aplicação prática, a moderna
segundo a tabela de padronização dos estímulos indústria gráfica confirma a dedução de Goethe.
tricromáticos elaborada pela Comissão Interna­ Nos trabalhos de tricromia e policromia, o
cional de Iluminação. Como se sabe, o verme­ vermelho puro é um vermelho-violetado e só
lho é formado pela mistura do amarelo com o conseguimos o vermelho intermediário, entre o
azul, provando a impossibilidade da existência púrpura e o laranja, pela superposição do verme­
de um vermelho sem que dele participem o azul lho magenta ao amarelo.
e o amarelo. Pelas observações de Kandinsky sobre o mo­
A rigor, todo vermelho é sempre influencia­ vimento excêntrico próprio das cores claras e do
do, de forma variada, ou pelo azul ou pelo ama­ movimento concêntrico das escuras, constata-se
relo, derivando daí a formulação de que o ver­ que o vermelho encerra em si outra contradição:
melho sempre pende para um mais ou para um a de um aparente movimento concêntrico, "re­
menos, ou, ainda, para um quente ou para um sultado de impressões psíquicas, inteiramente
frio. Percebendo essa contradição constitucional empíricas", e a de um real movimento excêntri­
do vermelho, que, aliás, é potencialmente ineren­ co, fruto de seu grande poder de dispersão. "O
te a todas as cores, mas que se evidencia com vermelho, tal como o imaginamos, cor sem lim i­
maior clareza no vermelho, Goethe afirmava: "A tes, essencialmente quente, age interiormente
oxidação do aço prova claramente a passagem do como uma cor transbordante de vida ardente e
amarelo ao vermelho e do vermelho ao azul” , agitada. No entanto, ele não tem o caráter dissi­
classificando o vermelho como um ponto do de­ pado do amarelo, que se espalha e se desgasta
senvolvimento da oxidação, eqüidistante do de todos os lados. Apesar de toda a sua energia e
amarelo e do azul ( . . . ) Toda exaltação química intensidade, o vermelho dá prova de uma imensa
é fruto imediato de um desenvolvimento. Pros­ e irresistível força, quase consciente de seu obje­
segue de modo irresistível fe contínuo, sendo de tivo. Nesse ardor, nessa efervescência, transpare­
se notar que geralmente se opera do lado do ce uma espécie de maturidade macho, voltada

108
para si mesma, e para a qual o exterior não exis­ mente a neblina e a escuridão do que as outras
te." Esta é a descrição da impressão psíquica; a cores, ele é usado como luz de alarme, nas torres
realidade objetiva, no entanto, nos mostra exata­ elevadas, cimo dos edifícios, proas de embarca­
mente o oposto — uma acentuada capacidade de ções, etc.
dissipar a luz que sobre ele incide, e nessa dissi­ É a cor da pedra dos anéis de grau dos advo­
pação ele se agiganta, colorindo as áreas lim ítro­ gados, por evocar os litígios às vezes sangrentos
fes com sua própria cor. em que estes têm de estudar, acusar, defender e
Sobre os estados anímicos provocados pelo julgar.
vermelho, escreve ainda Kandinsky: "O verme­ Valoriza a pele das pessoas morenas, princi­
lho claro quente (Saturno) tem certa analogia palmente a das que têm cabelos negros. Na deco­
com o amarelo médio. Força, ímpeto, energia, ração de interiores, sua melhor utilização é nos
decisão, alegria, triunfo, é tudo isto que ele evo­ pisos, tapetes e passadeiras. Devido à sua agressi­
ca. Eie soa como uma fanfarra onde domina o vidade, somente é usado nas paredes em casos es­
som forte, obstinado, importuno da trombeta." peciais, quando se deseja dar um toque de vio­
Cor do fogo e do sangue, o vermelho é a lência e alarde ao ambiente. Por essa razão, é em­
mais importante das cores para muitos povos, pregado quase que exclusivamente no teto e pa­
por ser a mais intimamente ligada ao princípio redes interiores de lojas, casas comerciais e de
da vida. As contraditórias características físicas espetáculos. Sendo estimulante, agressivo e dinâ­
do vermelho deram origem à bivalência de ima­ mico por excelência, é largamente utilizado nas
gens inspiradas por elas, surgindo entre os alqui­ decorações festivas e torneios esportivos. Nos jo ­
mistas a idéia simbólica de dois vermelhos, um gos de cartas, é a cor das copas e dos ouros.
noturno, fêmea, possuindo um poder de atração Em linguagem corrente, o vermelho é tam­
centrípeta, e o outro diurno, macho, centrífugo. bém chamado encarnado e rubro. Como a maio­
O vermelho noturno, centrípeto, era visto ria das cores, ele recebeu na Antiguidade vários
como a cor do fogo central que anima o gênero nomes relativos aos elementos naturais que t i­
humano e a terra. Estava ligado ao centro onde nham a mesma coloração. Sua mais antiga deno­
se operam a digestão, o amadurecimento, a rege­ minação conhecida é rubi, devido à semelhança
neração do ser ou da obra em elaboração. Era a com a pedra preciosa que tem esse nome (alumi-
cor da alma, do libido e do coração. É a cor da na cristalizada — do baixo latim rubinus).
ciência, do conhecimento esotérico, interditada No horóscopo, o rubi é a pedra do mês de
aos não-iniciados. O vermelho diurno, centrífu­ julho. Em heráldica, o esmalte gueules (verme­
go, invade o espaço. E tanto para o profano lho) é representado convencionalmente por tra­
como para o sagrado, torna-se sinónimo de ços verticais nas gravuras em preto e branco, sig­
juventude, de saúde, de riqueza e de amor. nificando valentia, magnanimidade, ousadia, ale­
O vermelho foi a cor de Dionísio para os gria, generosidade, honra, vitória, crueldade e
pagãos e é a do Amor Divino para os cristãos. Na cólera.
maioria das lendas européias e asiáticas, o espíri­ O vermelho, fazendo lembrar a guerra, mas
to do fogo é sempre representado com roupas funcionando como símbolo de trégua e de paz,
vermelhas, é a cor de Marte, dos guerreiros e compôs uma das bandeiras mais significativas do
conquistadores. Era a cor distintiva dos generais últim o século, graças aos esforços de Henri
romanos e da nobreza patrícia, tornando-se a cor Dunant, fundador da Cruz Vermelha Internacio­
dos imperadores. O vermelho chamejante é o nal.
símbolo do amor ardente. No Brasil, a visão do vermelho está marcada
No Oriente, o vermelho evoca o calor, a in­ oela fusão do gosto de vários qrupos étnicos.
tensidade, a ação, a paixão, sendo a cor dos rajás Conforme assinala.Gilberto Freyre (1S), "encon­
e das tendências expansivas. No Japão, é o sím­ tramos a pintura do corpo desempenhando entre
bolo da sinceridade e da felicidade. De acordo os indígenas do Brasil função puramente m ísti­
com certas escolas xintoístas, o vermelho desig­ ca, de profilaxia contra os espíritos maus e, em
na o Sul, a harmonia e a prosperidade. O arroz número menor de casos, erótica, de atração ou
vermelho é usado como voto de êxito e de felici­ exibição sexual. E como profilaxia contra os es­
dade em aniversários e outras datas festivas. píritos maus era o encarnado cor poderosíssima,
A partir da Comuna de Paris, o vermelho como demonstra o estudo de Karsten. ( . . . ) Von
passou a simbolizar a revolução proletária e é den Steinen surpreendeu os Bororo besuntando
atualmente identificado como símbolo ideológi­ o cabelo de encarnado para poderem tomar
co.
Em todos os países do mundo, o vermelho
significa perigo e sinal fechado para o trânsito.
Por sua capacidade de penetrar mais profunda­ ( l s) G ilb e rto Freyre — " Casa-Grande & Senzala". R io, 1964.

109
parte em danças e cerimônias fúnebres, ocasiões tornam a área amarela com um filete escuro (de­
em que o índio se sente particularmente exposto brum), para ressaltá-la. Sobre fundo preto ganha
à ação maléfica do espírito do morto e à de força e vibração. Em contraste com o cinza se
outros espíritos, todos maus, que os selvagens enriquece em qualidade cromática e beleza. Na
julgam soltar-se ou assanhar-se nesses momen­ pintura, assume geralmente a função de luz,
tos." Ainda "V on den Steinen teve ocasião de quando se deseja representar as cores naturais
presenciar a cerimônia com que os índios do Rio numa técnica de tons.
Xingu esconjuraram um meteoro: os baris, ou Está situado entre as faixas laranja e verde
curandeiros, gesticulando com veemência e cus­ do espectro e tem um comprimento de onda de
pindo para o ar. E a fim de enfrentarem o inim i­ 580 m/x, aproximadamente. No gráfico das
go, haviam-se cautelosamente pintado de verme­ cores-padrão organizado pela CIE, a composição
lho vivo de urucu". típica do amarelo é representada por 916.300
Os portugueses trouxeram para cá a mística unidades de vermelho, 870.000 de verde e
do vermelho que lhes teria sido comunicada 001.650 de azul.
pelos mouros e negros da África. "Vermelho Em cor-luz, o amarelo forma com o azul um
deve ser o teto das casas para proteger quem par complementar cuja mistura, em partes óoti-
mora debaixo dele." "É a cor de que pintam os cas equilibradas, produz o branco, denominan­
barcos de pesca, os quadros populares dos mila­ do-se tal fenômeno síntese aditiva, é necessário
gres e das alminhas. (. . .) Nos africanos, encon­ frisar que o azul empregado pelos físicos em tais
tra-se a mística do vermelho associada às princi­ experiências é um azul-violetado e que o amarelo
pais cerimônias da vida, ao que parece com o tende sensivelmente para o laranja. Por revela­
mesmo caráter profilático que entre os amerín­ rem em maior grau as características de opofiição
dios" (16). que totalizam o fenômeno cromático, represen­
tadas pela idéia de um mais e um menos, de um
AMARELO quente e um frio, elas foram consideradas, du­
rante m uito tempo, como as únicas geratrizes au­
Uma das faixas coloridas do espectro solar, o tênticas.
amarelo é também cor fundamental ou p rim iti­ Em cor-pigmento, o amarelo exige como
va. Em cor-pigmento, é uma das três cores pri­ complementar o violeta. Essas duas cores, quan­
márias (indecomponíveis), tendo por comple­ do misturadas, produzem o cinza-neutro por sín­
mentar o violeta. Em cor-luz, é cor secundária, tese subtrativa.
formada pela mistura do vermelho com o verde, Nas cores-pigmento, os amarelos mais conhe­
sendo a complementar do azul. É a mais clara cidos são os de cromo, de zinco, de Nápoles e de
das cores e a que mais se aproxima do branco cádmio. Obtém-se o amarelo de cromo por dupla
numa escala de tons. decomposição das soluções de cromato de sódio
Nas experiências químicas, surge do escure­ e de um sal neutro de chumbo. Seu maior inconve­
cimento progressivo do branco. Segundo niente, na pintura, é o escurecimento que sofre
Goethe, todo branco que escurece tende a em presença do hidrogênio sulfurado. O amarelo
tornar-se amarelo, assim como todo preto que de zinco é o cromato básico de zinco hidratado.
clareia tende para a coloração azul. Na distin­ É uma cor bastante firme e resistente à ação da
ção psicológica de cores quentes e frias, o ama­ luz e do hidrogênio sulfurado. Sua tonalidade
relo é o termo de definição, por ser a cor quente limão é obtida pela junção de cromato duplo
por excelência. de zinco e potássio, coloração ligeiramente es­
Misturado ao vermelho, exalta-se, produzindo verdeada, muito utilizada pelos pintores devido
o laranja. Misturado ao azul, esfria-se e produz o ao seu tom firme e permanente. O amarelo-de-
verde. Escurecido com o preto (rebaixado), nápoles é formado por uma combinação de an-
toma coloração esverdeada pouco agradável, pró­ timoniato de chumbo e de sulfato de cal. Mais
xima do verde-oliva sombrio. Clareado com o usado pelos pintores contemporâneos é o ama­
branco (dessaturado), não perde subitamente as relo de cádmio. Sua fórmula de produção cons­
qualidades intrínsecas; a gama de tonalidades ta basicamente da precipitação de um sal de
que vai se formando do amarelo ao branco guar­ cádmio em contato com o hidrogênio sulfurado.
da percentualmente as propriedades da cor origi­ A cor varia do amarelo-limão ao amarelo alaran­
nal em relação à quantidade de branco usado na jado, segundo a acidez do meio em que se realiza
mistura. a precipitação. Os matizes claros se formam nos
É pouco visível quando aplicado sobre fundo meios mais ácidos. Tem ótimo grau de opacida­
branco — por isso os pintores e decoradores con- de na cobertura de outras cores e grande perma­
nência de coloração. A todas essas vantagens jun­
( 16) G ilb e rto F reyre — Obra citada. ta-se a de não ser tóxico.

110
Segundo Plínio, os autores da Antiguidade sespero, por ser intenso, violento e agudo até a
não consideravam o amarelo como uma das estridência.
cores principais, o qual era usado exclusivamente Am plo e ofuscante como uma corrida de
pelas mulheres em seus véus nupciais. "Pode ser metal incandescente, é a mais desconcertante das
que daí venha a origem de não ser incluído entre cores, transbordando dos limites onde se deseja
as cores principais, quer dizer, comuns aos encerrá-lo, parecendo sempre maior do que é na
homens e às mulheres; é, de fato, este uso realidade, devido à sua característica expansiva.
comum que dá o primeiro lugar às cores." Segundo Kandinsky, o amarelo, representando
Esta observação de Plínio evidencia o caráter o calor, a energia e a claridade, assume a prima­
contraditório que sempre existiu na utilização zia do lado ativo das cores, em oposição à passi­
simbólica da cor. é sabido que o amarelo, desde vidade, frigidez e obscuridade representadas pelo
o Antigo Egito, aparecia nos livros dos mortos, azul. Olhando-o fixamente, "percebe-se logo que
nas decorações de palácios, templos e túmulos, o amarelo irradia, que realiza um movimento ex­
para colorir os corpos femininos, em oposição ao cêntrico e se aproxima quase visivelmente do
vermelho, empregado para os masculinos. Mas o observador".
amarelo também estava ligado ao disco solar eà O amarelo com o roxo, aplicados sobre fun­
imagem de Osiris, sendo freqüentemente encon­ do preto, formam a combinação de cores mais
trado ao lado do azul nas câmaras funerárias usada na decoração funerária. O amarelo está
para assegurar a sobrevivência da alma, uma vez ligado também à idéia de impaciência. No trânsi­
que o ouro que ele representava era a carne do to, ele significa sinal de espera, chamada de aten­
sol e dos deuses de ambos os sexos. ção para os sinais verde e vermelho. É usado,
Na mitologia grega, o amarelo do pomo de ainda, como sinal de alarme sanitário, para indi­
ouro, símbolo da discórdia, podia guardar certa car áreas contaminadas por doenças contagiosas.
analogia feminina, mas ao mesmo tempo, contra­ Em heráldica, é substituído pelo esmalte ■
ditoriamente, o amarelo simbolizava o másculo ouro e pela cor dourada. Graficamente, é repre­
carro de Apoio, o deus da luz. Apesar da varieda­ sentado por linhas horizontais interrompidas,
de de significados atribuídos ao amarelo nos di­ formando uma retícula clara. Significa sabedo­
versos períodos históricos, o que se evidencia, ria, amor, fé, virtudes cristãs e constância.
em todos os tempos, é sua íntima ligação com o O topázio, ou citrínio, como também é
ouro, o fruto maduro e o sol. chamado, variando do amarelo-claro até o ouro
Na India, a faca empregada nos grandes sacri­ velho, é a pedra zodiacal do mês de novembro.
fícios do cavalo deve ser de ouro, porque o Atribuem-se-lhe todas as virtudes do amarelo.
"ouro é luz e é por meio da Luz dourada que o
sacrificado ganha o reino dos deuses", como VERDE
rezam os textos bramânicos. Para os budistas, o
amarelo corresponde ao mesmo tempo ao centro O verde é uma das três cores primárias em
-raiz (Mulâdharachakra) e ao elemento terra cor-luz. Sua complementar é o magenta. Mistura­
(Ratnasambhava), onde a luz é de natureza solar. do ao azul, produz o ciano, e ao vermelho, o
Para os chineses, o amarelo ou o preto signi­ amarelo. No espectro solar, encontra-se entre os
ficam a direção do Norte ou dos abismos subter­ matizes amarelos e azuis. Tem o comprimento
râneos onde se encontram as fontes amarelas que de onda de 560 rn/x, aproximadamente, e sua
levam ad reino dos mortos. O Norte e as fontes composição tricromática indica 594.500 unida­
amarelas são de essência Yin e também a origem des de vermelho, para 995.000 de verde e
da restauração do Yang. O amarelo associa-se ao 003.900 de azul. Situa-se no ponto mais alto da
preto, como seu oposto e seu complementar. curva de visibilidade. Em cor-pigmento, é cor
Ambos surgem como diferenciações primordiais secundária ou binária, formada pela mistura do
— análogas às oposições de forças contrárias amarelo com o azul, sendo a complementar do
como as existentes em Yang e Yin, no redondo e vermelho.
no quadrado, no ativo e no passivo, etc. Na É o ponto ideal de equilíbrio da mistura do
antiga simbologia chinesa o amarelo emerge do amarelo com o azul. As potencialidades diame­
negro, como a terra emerge das águas. O amarelo tralmente opostas das duas cores — claridade e
era a cor do Imperador, por se encontrar no obscuridade, calor e frio, aproximação e afasta­
centro do universo, como o sol no centro do fir ­ mento, movimento excêntrico e movimento con­
mamento. cêntrico — anulam-se e surge um repouso feito
Entre os cristãos, o amarelo é a cor da eterni­ de tensões. Para Kandinsky, "o verde absoluto é
dade e da fé. Une-se à pureza do branco, na ban­ a cor mais calma que existe. Não é o centro de
deira do Vaticano. Em vários países simboliza o nenhum movimento. Não se acompanha nem de
despeito e a traição. É também o símbolo do de­ alegria, nem de tristeza, nem de paixão. Não so-

111
licita nada, não lança nenhum apelo. Esta imo­ signo do início da ascensão do Yang — ligando-se
bilidade é uma qualidade preciosa, e sua ação é também ao elemento Bosque, é a cor da espe­
benfazeja sobre os homens e sobre as almas que rança, da força, da longevidade, assim como da
aspiram ao repouso. A passividade é o caráter imortalidade, simbolizada por ramos verdes. Na
dominante do verde absoluto, mas esta passivi­ tradição chinesa, o vermelho e o verde represen­
dade se perfuma de unção, de contentamento de tam a oposição de forças como o Yin e o Yang,
si mesmo." um macho, impulsivo, centrífugo e vermelho, o
O verde escurecido com o preto descaracteri­ outro fêmea, reflexivo, centrípeto e verde. O
za-se, tornando-se acinzentado. Escurecido com equilíbrio de um e do outro é todo o segredo do
o azul-da-prússia, cria infinitas possibilidades de equilíbrio do homem e da natureza. Os chineses
enriquecimento cromático. Clareado com o ama­ acreditavam que o jade (identificado com o ver­
relo, torna-se mais ativo e penetra peia variada de) possuía virtudes medicinais, principalmente
gama de verdes-limão até confundir-se com os para a cura de doenças dos rins. Pela antiga filo ­
amarelos-limão. Dessaturado com a mistura do sofia, o verde era a cor do misterioso sangue do
branco, ganha em qualidade luminosa. dragão.
As substâncias corantes verdes podem ser na­ No Egito, o coração do faraó morto era
turais ou produzidas por mescla. Dentre as natu­ substituído por um escaravelho de esmeralda,
rais destacam-se os seguintes pigmentos minerais: como símbolo de ressurreição. A verde Irin,
verde de cromo (óxido de cromo anidrido ou hi­ antes de tornar-se Irlanda, foi a ilha dos bem-
dratado), acinzentado, opaco e de baixo preço aventurados do mundo céltico.
comercial; verde-guignet ou verde-esmeralda (ses-
quióxido de cromo hidratado), o mais usado na Durante a Idade Média o verde tinha signifi­
pintura artística; verdes de cobre: verde malaqui- cação contraditória, assumindo às vezes a condi­
ta (pulverização de carbonato básico de cobre ção de portador de poderes maléficos. A esme­
natural) e verde-veronese (acetoarseniato de co­ ralda, pedra papal, era também a pedra de Lúci-
bre), que tem a cor mais bela e é o mais firme, fer antes da queda. Tomado como medida, o ver­
com boa capacidade de cobertura, mas pouco re­ de simbolizava a razão — embora os olhos garços
comendável para mistura com outras cores; e ter­ de Minerva representassem o desatino — e era
ras verdes, produto da moagem de diversas ro­ usado como brasão para os loucos. O Graal, vaso
chas, como o serpentino, ou de argilas naturais de esmeralda ou de cristal verde que continha o
verdes. sangue de Deus personificado — no qual se fun­
Dos verdes obtidos por mescla do amarelo diam as noções de amor e de sacrifício que eram
com o azul, os mais usados são: verde-inglês ou as condições da regeneração, simbolizada pela
yerde de cromo, mistura de amarelo de cromo luminosidade verdátrea do vaso — tinha sua ori­
:om azul-da-prússia; verde-vitória, mistura de gem na visão de São João (Apocalipse, cap. IV,
/erde-esmeralda com amarelo de zinco; verde de vers. 3): ". . . E quem estava sentado assemelha­
zinco, mistura de azul-da-prússia com cromato va-se pelo aspecto a uma pedra de jaspe e de sar-
de zinco. dônia; e o arco-íris rodeava o trono semelhante
Com os pigmentos verdes orgânicos, produz- à esmeralda." Esta descrição contém a duplicida­
se o verde de ftalocianina, bem como os verdes de de significado expressa pelas cores contrárias,
Fanal e os Laprolac. sendo dupla em uma — o verde do jaspe unido
Acreditavam os antigos que o ar era verde. na mesma imagem ao vermelho da sardônia (cor­
Píínio, descrevendo uma ametista, afirmou: "ela nai ina). Sobre tais ações contrárias, mas de um
reúne a transparência do cristal ao verde parti­ ponto de vista psicológico ligado estreitamente
cular do ar". Alberti, vinculando as cores aos às características físicas das cores, diria Van
quatro elementos naturais, preferiu designar o Gogh: "Eu procurei exprim ir com o vermelho e
o verde as terríveis paixões humanas." Lembran­
verde como cor da água, da mesma maneira
como Fídias o escolhera para a cor de Vênus. Se­ do a esperança, a toga dos médicos era verde.
gundo Winkermann, "tudo o que tinha relação Pela mesma razão, ainda hoje seus anéis de grau
com os deuses marítimos, até os animais que são verdes. Verde é também a cor preferida para
lhes eram sacrificados, levavam ornamentos ver­ a ornamentação das farmácias e da indústria far­
des da cor do mar. Deriva dessa máxima o fato macêutica.
de os poetas colocarem nos rios cabelos da mes­ No Islã, o verde era a cor do conhecimento,
ma cor. Em geral as ninfas, cujos nomes se origi­ como a do profeta. Os santos, em sua permanên­
nam da água, Nimphi, Limpha, são assim tam­ cia paradisíaca, eram descritos vestidos de verde.
bém vestidas nas pinturas antigas." Benéfico, o verde assume um valor místico, que
Na China, o verde corresponde ao trigrama é o dos grandes prados verdejantes, dos verdes
tch'en, que significa o abalo e a tempestade — paraísos dos amores infantis.

112
Os alquimistas definiam o fogo secreto, espí­ nas que suas cores simbolizavam "o verde da pri­
rito vivo e luminoso como um cristal translúci­ mavera e o amarelo do ouro". Hoje, a área verde
do, verde fusível como cera. A natureza servia-se envolvente da bandeira brasileira traz em si a
dele, subterraneamente, para todos os misteres imagem das florestas do País, fazendo ainda lem­
da arte. Esse fogo resumia os contrários: era ári­ brar a esperança.
do, mas fazia chover; era úmido e ao mesmo
tempo produzia a seca. Nos preceitos esotéricos, AZUL
o princípio vital, segredo dos segredos, aparece
como um sangue profundo contido num recipi­ Por ser a mais escura das três cores primárias,
ente verde. Para os alquimistas ocidentais é o o azul tem analogia com o preto. Em razão
sangue do Leão Verde, que é o ouro, não do vul­ disto, funciona sempre como sombra na pintura
gar mas dos filósofQs. O verde simboliza a luz da dos corpos opacos, numa escala de tons. É inde-
esmeralda que penetra todos os segredos. O am­ componível, tanto em cor-luz como em cor-pig-
bivalente significado do raio verde, capaz de tras­ mento. Nas luzes coloridas, sua complementar é
passar todas as coisas, evidencia-se como porta­ o amarelo. Misturado ao vermelho, produz o ma-
dor da morte, ao mesmo tempo em que traz a genta, e ao verde, o ciano. Em cor-pigmento, sua
vida consigo. complementar é o laranja. Com o vermelho pro­
O sinople, esmalte verde do brasão, significa duz o violeta e com o amarelo, o verde. Todas as
bosque, campos de verdura, esperança, civilida­ cores que se misturam com o azul esfriam-se, por
de, amor, honra, cortesia, amizade, domínio, ser ele a mais fria das cores. Na natureza, as
obediência, compreensão, lealdade ao príncipe. cores tendem a mesclar-se com o azul do ar
Sua representação heráldica em preto e branco, atmosférico, influindo nas mutações cromáticas,
nas gravuras e pedras de armas, é feita por traços assunto abordado na Parte V III deste livro. Duran­
diagonais. te o Renascimento, vários aspectos desse fenô­
Pela infinita gama de seus componentes (azul meno foram estudados por Leonardo da Vinci,
e amarelo) e pela ampla escala de saturação e cla­ sob a denominação de perspectiva aérea.
ridade que possui, o verde reúne as melhores No círculo cromático de Newton o azul apa­
condições para a decoração de interiores. Seu rece com um raio de ação de mais de 208°
poder tranqüilizante e até sedativo, quando cla­ (agindo do verde ao violeta), ao passo que a in­
ro, facilmente se conjuga com a estimulante e fluência do amarelo atinge pouco mais de'148°
até inquietante estridência dos tons fortemente (do verde ao laranja). A í não se leva em conta a
saturados, possibilitando seu emprego tanto nos contraditória influência do azul e do amarelo na
ambientes de repouso (salas de estar, quartos de constituição do vermelho.
dormir, sanatórios, etc.), como nos de estudo O estado típico de cromaticidade do azul en-
(gabinetes de pesquisa, salas de aula, etc.) e de contra-se no ultramarino, que corresponde ao li­
trabalho (escritórios, lojas, fábricas, etc.). mite com o anil. O tom mais escuro é o do azul-
Internacionalmente, identificou-se com o gri­ da-prússia e o mais luminoso, o do cobalto. So­
to de exclamação: Viva!, descarga emocional do mado ao anil (índigo), abrange uma área de mais
homem motorizado diante do sinal verde repre­ de 88,5° do círculo, contra apenas 54° do ama­
sentativo de passagem permitida, trânsito livre. relo e 60,5°, aproximadamente, do vermelho.
Entre as pedras preciosas, a esmeralda é a Sua composição tricromática (padrão CIE),
que tem'o maior número de significados simbóli­ correspondente ao matiz de 480 mju, é de
cos, por encampar toda a linha de significações 095.640 unidades de vermelho, 139.020 de ver­
do verde. Na Antiguidade, recomendava-se a es­ de e 812.950 de azul.
meralda para os doentes da vista, especialmente As mais antigas referências sobre a produção
para os que tinham a vista cansada. No horósco­ e utilização dos azuis datam de cerca de 5.500
po, é a pedra do signo de maio. anos. Os egípcios já conheciam o azul de monta­
O verde e o amarelo são as cores nacionais. nha (obtido pela azurita moída — carbonato bá­
Segundo antigas tradições de brasões e bandei­ sico hidratado de cobre), o azul antigo (vidro co­
ras, o verde estaria ligado à reminiscência do lorido com cobre) e o ultramar extraído do
verde da Casa de Bragança, da qual descendia lápis-lazúli. Em 1910, iniciou-se a produção do
Dom Pedro, e o amarelo à do amarelo da Casa de azul-ultramar em forma sintética. O azul-ultra-
Habsburgo-Lorena, à qual pertencia a Imperatriz mar de Guimet, aperfeiçoado em 1926, tornou-
Leopoldina. Introduzidas na bandeira, essas se o mais utilizado. É uma combinação de silí­
cores adquiririam significados complementares e cio, alumínio, soda e enxofre. Sua coloração
diferentes, que subjugariam os anteriores, princi­ avermelhada impede a mistura com o amarelo,
palmente depois da proclamação da República. no sentido de produzir o verde. De todos os
O decreto que criava a nova bandeira dizia ape­ azuis, o que tem maior emprego é o da Prússia,

113
que, devido à sua forte coloração, possibilita a A gravidade solene do azul tem algo de
produção de outros azuis, tomando-o por base. supra-terrestre, evocando a idéia da morte. Nas
O azul-de-cobalto é o mais utilizado pelos pinto­ necrópoles egípcias, as cenas de julgamento das
res modernos, em virtude de sua luminosidade e almas eram pintadas em ocre avermelhado, sobre
permanência, é produzido com aluminato de fundo azul claro. Os egípcios consideravam o
cobalto. Por sua transparência, é também muito azul como a cor da verdade. As idéias do absolu­
usado o azul-de-cerúleo (mistura de estanho de to, da morte e dos deuses eram comumente sim­
cobalto e sulfato de cal). O azul anil, bastante bolizadas pelo azul.
empregado em pinturas de todos os tipos, é pro­ Com o vermelho ou o ocre amarelo, o azul
duzido pelo índigo, fazendo parte das cores ditas manifesta as rivalidades do céu e da terra. Segun­
orgânicas, assim chamadas em oposição às cores do uma tradição ainda em voga, Genghis-Khan,
de origem mineral. fundador da grande dinastia mongol, nasceu da
0 azul é a mais profunda das cores — o olhar união do lobo azul com a fera selvagem. O lobo
o penetra sem encontrar obstáculo e se perde no azul é ainda Er Tõshtük, herói lendário khirguize
infinito. É a própria cor do in finito e dos misté­ que leva uma armadura de ferro, brincos e lança
rios da alma. Devido a afinidades intrínsecas, a azuis. No Budismo tibetano, o azul é a cor de
passagem dos azuis intensos ao preto faz-se de Vairocana, da sabedoria transcendental, da po­
forma quase imperceptível. O azul é, ainda, a tencialidade e da vacuidade, em que a imensidão
mais imaterial das cores, surgindo sempre nas do céu azul constitui uma imagem representati­
superfícies transparentes dos corpos. Por isso, na va. A luz azul da sabedoria de Dharma-dhatu
Antiguidade acreditava-se que ele era formado (lei, ou consciência original), de potente deslum­
pela mistura do preto com o branco. Esta con­ bramento, é que abre o caminho da Liberação.
cepção subsistiu até bem perto de nossos dias, e O azul foi também a cor dos campos elísios.
Leonardo da Vinci, um de seus mais ilustres de­ a superfície infinita onde surge a luz dourada
fensores, afirmava: "O azul é composto de luz e que exprime a vontade dos deuses. A ação vio­
trevas, de um preto perfeito e de um branco lenta do ouro sobre o azul — valores identifica­
muito puro como o ar." Na mesma linha de ra­ dos como macho e fêmea — assume sempre o
ciocínio, Goethe acreditava que "to d o preto que sentido simbólico de oposição e tensão de forças
clareia se torna azul. . . O azul nos causa uma im­ contrárias. Zeus e Jeová, em todas as representa­
pressão de cinza e també.m nos evoca a sombra. ções cromáticas, reinam sempre com os pés pou­
Sabemos que ele deriva do preto." sados sobre o azul significativo da abóbada celes­
Uma superfície pintada de azul dilui-se na te. Essa mesma abóbada celeste é, por sua vez,
atmosfera, causando a impressão de desmateria­ simbolizada pelo manto azul que cobre e vela as
lizar-se como algo que se transforma de real em divindades. O azul, com três flores-de-lis de ouro
imaginário. A lenda do pássaro azul, símbolo da do brasão da Casa de França, proclamava a ori­
felicidade inatingível, nasceu, sem dúvida, dessa gem divina dos reis cristãos.
analogia secreta do azul com o inacessível. Dian­ Pela idéia de superioridade sugerida em com­
te do azul a lógica do pensamento consciente paração com as outras cores, o azul foi escolhido
cede lugar à fantasia e aos sonhos que emergem como a cor da nobreza, originando a expressão
dos abismos mais profundos de nosso mundo in­ designativa de sangue azul. No sentido de reina­
terior, abrindo as portas do inconsciente e pré- do, na festa da ascensão da Virgem-Mãe, o ouro
consciente! Por sua indiferença, impotência e solar aparece sobre fundo azul, numa representa­
passividade aguda que fere, ele atinge o clima do ção de céu sem nuvens. Ligado à idéia de pureza,
inumano e do supra-real. Segundo Kandinsky, subsiste ainda, em várias regiões da Polônia, o
seu movimento é, ao mesmo tempo, "um movi­ costume de pintar de azul as casas das jovens em
mento de afastamento do homem e um movi­ idade de casar. O anel de grau do engenheiro é
mento dirigido unicamente para seu próprio cen­ azul, simbolizando inteligência, raciocínio e
tro, que, no entanto, atira o homem para o in fi­ possibilidade de construção de novos mundos.
nito e desperta nele o desejo de pureza e de sede É o segundo dos esmaltes heráldicos, conven­
do sobrenatural." cionalmente representado por linhas horizontais
Contemplando-o, envolve-nos sua significa­ em reproduções a preto e branco. Simboliza jus­
ção metafísica e facilmente avaliamos as possibi­ tiça, lealdade, beleza, boa reputação, nobreza e
lidades de seu emprego clínico na cromoterapia. fidelidade.
Um ambiente azul acalma e tranqüiliza, mas, di­ As pedras preciosas azuis mais belas são a
ferentemente do verde, ele não tonifica, uma vez água-marinha e a turquesa. A primeira desde
que apenas fornece uma evasão sem vínculo com tempos remotos era usada pelos navegantes, na
o real, uma fuga que se torna deprimente ao fim crença de seu poder propiciatório de viagens se­
de algum tempo. guras e tranqüilas. Sua cor varia do azul claro

114
ao azul escuro, havendo também algumas espé­ Desde os tempos mais remotos o violeta im­
cies de coloração azul-esverdeado. No signo zo- pressionou os homens. Não sendo fácil produzir
diacal é a pedra do mês de março. essa coloração por nenhum dos meios que lhes
A terra é azul — foi a exclamação eufórica estavam ao alcance, a ametista passou a simboli­
do primeiro homem ao ver o nosso planeta de zar a própria cor. Os faraós do Antigo Império já
uma distância cósmica. se enfeitavam com ela, e a Bíblia relata que os
trajes dos sumos sacerdotes eram guarnecidos
com essa variedade de quartzo. Na Grécia, acre­
VIOLETA ditava-se que a ametista pudesse neutralizar os
efeitos da bebida — por isso o vinho era tomado
Violeta é o nome genérico que se dá a todas em taças talhadas nesse mineral e usavam-se os
as cores resultantes da mistura do vermelho com mais variados adornos dessa pedra para evitar a
o azul, desde os azuis-marinhos que se averme­ embriaguez. A raiz grega da qual se originou a
lham até os carmins que se esfriam. Numa maior palavra ametista significa sóbrio.
precisão vocabular, essas tonalidades são deno­ No horóscopo, é a pedra do mês de feverei­
minadas violáceas, deixando-se a palavra violeta ro. No taró, os segredos da cartomancia desig­
para o ponto de equilíbrio óptico da mescla do nando a temperança representam um anjo com
vermelho com o azul. Este ponto é também co- dois vasos, um vermelho e o outro azul, entre os
mumente chamado roxo. Em pigmento, é cor se­ quais se troca um fluido incolor, a água vital. O
cundária e complementa o amarelo. Rebaixado violeta, invisível sob essa representação, é o re­
com o preto, torna-se desagradável e sujo. Escu­ sultado da troca perpétua entre o vermelho das
recido pela mistura com o azul, esfria-se, ofere­ potências da terra e o azul-celeste.
cendo possibilidades tonais de extrema riqueza O violeta foi considerado como símbolo da
cromática. Em seus limites mais escuros, tem alquimia. Sua essência indica uma transfusão es­
grande capacidade de dispersão. Dessaturado piritual, a influência de uma pessoa sobre outra
com o branco, forma a extensa gama dos lilases, pela sugestão, a persuasão, o domínio hipnótico
produzindo tonalidades de intensa luminosidade e mágico.
e beleza. Na simbologia da Idade Média, Jesus aparece
Em luz colorida, a mescla equilibrada de vestido de violeta durante a Paixão, no momento
azul e vermelho é denominada magenta, tonali­ de sua completa encarnação, quando reúne em si
dade que se aproxima do violeta purpurino, sen­ mesmo o Homem filh o da terra e o Espírito ce­
do a cor que complementa o verde. leste. Essa roupa violeta representa a identifica­
O violeta é a cor extrema do espectro visível, ção completa do Pai e do Filho. Jesus, como ho­
confinando com os raios ultravioleta. Possui a mem, veste a roupa vermelha sob um manto
mais alta freqüência e o menor comprimento de azul; despojando-se da natureza humana para se
onda dentre todas as cores, cerca de 400 mix. unir a Deus, torna a vestir a roupa violeta; após
Sua composição tricromática é de 014.310 uni­ sua glorificação, é o próprio Deus e aparece em
dades de vermelho para 000.396 de verde e vermelho e branco, símbolo de Jeová. Na simbo­
067.850 de azul. logia cristã o violáceo denominado roxo é a cor
A maior parte dos corantes violeta é fruto da da Paixão e cobre as igrejas e os locais dos atos
mistura de vermelhos e azuis, mas há também al­ litúrgicos da Sexta-Feira Santa. Junto com o ver­
guns pigmentos puros, entre eles os de origem melho participa da liturgia dos mártires. Aproxi-
mineral, como o violeta-de-borgonha ou violeta: mando-se da púrpura, é a cor designativa da rou­
de-manganês (pirofosfato amoníaco-mangânico), pa dos bispos.
o violeta-de-cobalto, produzido pela calcinação Em tons escuros, o violeta está ligado à idéia
do fosfato de cobalto, e o violeta-de-ultramar. de saudade, ciúme, angústia e melancolia, tor-
Os vernizes coloridos e as tintas tipográficas se nando-se deprimente. Em tons claros, é alegre e
preparam com corantes de origem orgânica, aproxima-se das propriedades do rosa. A colora­
como o violeta-de-metioleno e o de benzila. ção violácea utilizada na arte dos brasões é a
Grande número de tintas dessa coloração deriva púrpura.
das lacas violetas produzidas pela fixação de co­
rantes orgânicos sobre base mineral. LARANJA
É o violeta a cor da temperança. Reúne as
qualidades das cores que lhe dão origem (verme­ Quando produzido por luzes coloridas, o la­
lho e azul), simbolizando a lucidez, a ação refle­ ranja é cor terciária, com a proporção óptica de
tida, o equilíbrio entre a terra e o céu, os senti­ 2/3 de vermelho e 1/3 de verde. Em pigmento, é
dos e o espírito, a paixão e a inteligência, o amor cor binária, complementar do azul. Resultado da
e a sabedoria. mistura do vermelho com o amarelo, em equilí­

115
brio óptico. Cor quente por excelência, sintetiza frações luminosas e luzes coloridas em geral. É
as propriedades das cores que lhe dão origem. cor terciária e sua dignidade gerou em todos os
Em comparação com cores mais frias, parece tempos a maior admiração e respeito.
avançar em direção ao observador. Tem grande Usando como matéria-prima a substância co­
poder de dispersão. As áreas coloridas pelo laran­ lorida secretada pelas glândulas anais dos molus­
ja parecem sempre maiores do que são na reali­ cos murex brandaris (da família dos muricídios),
dade. Devido à sua característica luminosa, fun­ os fenícios produziram essa cor altamente valori­
ciona às vezes como luz, ou meia-luz, nas escalas zada na Antiguidade e da qual a História guardou
de tom. Por sua estrutura, não pode ser escureci­ a lembrança com a designação de púrpura-de-tiro.
do. Rebaixado com o preto, torna-se sujo, mar­ Modernamente, são mais empregadas a púrpura-
chando no sentido das colorações terrosas. Mis^_ de-cássio (precipitado resultante da redução de
turado ao vermelho, consegue-se um escureci­ um sal de ouro pelos cloretos de estanho), de
mento tonal relativo, mas surge uma cor mais largo consumo na cerâmica, e a púrpura france­
enérgica e agressiva que o laranja equilibrado sa, corante natural que age por ação de morden­
(vermelho alaranjado). Clareado com amarelo, te metálico, preparado pelo químico francês
ilumina-se, aumenta em vibração, mas perde em Mamas, a partir dos liquens dos gêneros Lecanora
consistência. Dessaturado com o branco, ganha e Rocella.
em luminosidade, criando variada gama de tona­ Na Roma antiga, ligava-se à idéia da primeira
lidades agradáveis à vista. Tem comprimento de magistratura, devido à vestimenta púrpura ou
onda de 620 m/x, aproximadamente, e sua com­ com ornatos purpurinos usada pelos magistrados.
posição tricromática é de 854.449 unidades de Substitui o violeta nos esmaltes heráldicos,
vermelho para 381.000 de verde e 000.190 de sendo representada em preto e branco, nas pe­
azul. dras de armas, por linhas'diagonais que partem
Em substância corante, os laranjas mais co­ da extremidade inferior esquerda para a parte
nhecidos são o de cádmio e o de cromo. A vasta superior direita. Simboliza devoção, fé, tempe­
gama de vermelhos e amarelos fornece, por mis­ rança, castidade, dignidade, abundância, riqueza,
tura, grande quantidade de alaranjados que guar­ autoridade e poder.
da as propriedades das cores originais. Na indústria gráfica e nas mesclas de luzes
O flammeum, antigo véu de noivas, significa­ coloridas, o vermelho usado para tricromia é um
va a perpetuidade do casamento. A pedra jacin­ vermelho carminado (magenta), daí a discutível
to, de coloração alaranjada, era considerada idéia de que a púrpura seja cor primária.
como símbolo de fidelidade. Do ponto de vista
místico, encontra-se o laranja como fruto do MARROM, OCRE E TERRAS
ouro celeste e do gueule xintoniano, num equilí­
brio prestes a'romper-se, ou na direção da revela­ Os ocres e os marrons não existem como lu­
ção do amor divino, ou na da luxúria. O difícil zes coloridas, por serem amarelos sombrios ou
equilíbrio do laranja, entre o vermelho e o ama­ quase trevas. Em pintura ou em artes gráficas,
relo, vinculava-se ao não menos difícil equilíbrio essas tonalidades se obtêm por mistura de amare­
entre o espírito e a Libido, passando o laranja a lo e preto para a produção dos ocres e terras-de-
simbolizar, também, a infidelidade e a luxúria. sombra, ou amarelo, vermelho e preto, para os
Numa expansão lasciva, Dionísio vestia-se de la­ marrons avermelhados e terras-de-siena.
ranja para*as festas em sua honra. Os ocres são argilas coloridas por proporções
Em heráldica, a cor laranja corresponde ao variáveis de óxidos de ferro. Em estado natural,
esmalte aurora. É representado em branco e pre­ são amarelas ou marrons, mas se tornam verme­
to, ou nas pedras de armas, por diagonais que se lhas pelo efeito da calcinação. Por sua origem,
entrecruzam, formando uma retícula de peque­ essas tonalidades se chamam genericamente ter­
nos losangos. Abandonando o significado que ras. A terra ocre é o ocre-amarelo, a mais clara
possa ter a aurora como nascimento de um novo das terras. A terra-de-sombra natural é o ponto
dia, ele representa mutação, inconstância, insta­ intermediário entre o ocre-amarelo e a terra-de-
bilidade, dissimulação e hipocrisia. sombra queimada. Esta última, de coloração
marrom-escuro, muitas vezes se emprega em
PÚRPURA pintura para a criação de um preto quente apa­
rente. A terra-de-siena natural equivale, numa
Na mistura em proporção óptica de 2/3 de escala de valores, à terra-de-sombra natural,
vermelho por 1/3 de azul, obtém-se a mais impo­ diferenciando-se desta apenas por sua coloração
nente cor violácea, a púrpura. Seu ponto de equi­ avermelhada. A terra-de-siena queimada é um
líbrio é tão definido que facilmente é encontra­ marrom escuro avermelhado, aproximando-se
do na mistura de corantes e reconhecido nas re- bastante do marrom-van-dyck.

116
0 marrom é um pigmento muito sólido, co­ qualidade de cor para o branco e para o preto,
lorido pelo óxido férrico ou pelo bióxido de Leonardo salientava que "o pintor não poderia
manganês. O marrom-van-dyck é um ocre pro­ privar-se deles".
veniente das cinzas de pirita, calcinadas em alta Dos brancos mais utilizados na pintura artís­
temperatura. tica sobressaem os de prata, de zinco, de titânio
Durante todo o período conhecido como e de barita. O branco de prata é produzido pelo
Pós-Renascimento, as terras foram sabiamente carbonato de chumbo puro. O branco de zinco
empregadas na coloração geral dos quadros. As é o óxido de zinco em grãos de tamanhos variá­
mais belas carnações dos pintores venezianos veis, pigmento inalterável à ação da luz, com a
partiam de marrons sombrios para os castanhos vantagem de não ser tóxico. O branco de barita
dourados em plena luz. Mas tal maneira de fazer ou branco fixo provém do sulfato de bário.
foi abastardada a tal ponto que o academicismo Do ponto de vista físico, o branco é a soma
em pintura encontrou nas colorações terrosas e das cores; psicologicamente, é a ausência delas.
sombrias uma de suas mais fortes características. O branco é sempre o ponto extremo em qual­
A diluição da cor numa atmosfera marrom quer escala: partindo da luminosidade em dire­
simplifica e escamoteia a incapacidade do empre­ ção às trevas, ele é o ponto inicial; das trevas em
go da justeza do tom. Portanto, é prática acadê­ direção à luz, é o término. Por isso, costuma-se
mica rebaixar as cores ou com terras e marrons representar o branco ora por 100, ora por 0,
ou com pretos e cinzas-neutros, para fugir à di­ dependendo do ponto de partida do sistema de
ficuldade da vibração das cores puras. notações. Também os sentidos simbólicos em­
Em heráldica, os tons de terra são represen­ prestados ao branco decorrem dessa singularida­
tados pelo marrom, que corresponde ao esmalte de de sua natureza, que faz lembrar as duas ex­
tanné. Sua representação nas gravuras em branco tremidades da infinita linha do horizonte, onde
e preto faz-se pelo preto chapado. Significa peni­ surgem a noite e a alba.
tência, sofrimento, traição, humildade. Em vários rituais místicos, é a cor indicativa
das mutações e transições do ser. Segundo o es­
BRANCO quema tradicional de toda iniciação, ele repre­
senta morte e nascimento ou ressurreição. O
"A página branca indicará o discurso branco do Oeste é o branco fosco da morte que
Ou a supressão o discurso?" (.. J absorve o ser e o introduz no mundo lunar, frio
(Texto de Consulta) e fêmea. Ele conduz à ausência, ao vácuo notur­
no, ao desaparecimento da consciência e das co­
"Uma paisagem de cilindros & triângulos res diurnas. O branco do Este é o do retorno. É
Onde passeamos; dentro. o branco da vida, da alba, onde a cúpula celeste
Depois cria: reaparece. Rico de potencialidades, é nele que o
Quadrado negro em campo branco, microcosmo e o macrocosmo se reabastecem.
Estema do tempo m oderno." ( . . . ) Em todo pensamento simbólico, a morte
(G rafito para Casimir Malevitch) precede a vida, todo nascimento é um renasci­
M urilo Mendes mento. Daí a idéia primitiva do branco como cor
da morte e do luto. Neste sentido é ainda empre­
gado em todo o Oriente, e durante m uito tempo
Resultado da mistura de todos os matizes do
significou o luto na Europa, tendo tido sua
espectro solar, o branco é a síntese aditiva das
maior ' permanência na corte dos Reis da
luzes coloridas. Uma cor-luz e sua complementar
França.” . . . o luto negro só tomou maior popu­
produzem sempre o branco. Em pigmento, o que
laridade em Portugal no século XVI. Antes o
se chama branco é a superfície capaz de refletir
burel (branco) competia vitoriosamente com o
o maior número possível dos raios luminosos
dó (negro) como cores dedicadas ao lu to " (17).
contidos na luz branca.
Nas primitivas populações agrárias e dedica­
Já na Antiguidade o branco não era citado
das ao pastoreio, o culto da cor branca se ligava
entre as cores principais, pelo que se depreende
intimamente ao sentido de pureza e princípios
das observações de Plínio. Durante o Renasci­
vitais vinculados à farinha e ao leite. Sobre o uso
mento, Leon Battista Alberti afirmara que "o
do branco observa Câmara Cascudo em Made in
branco não muda o gênero das cores, mas forma Africa (18):"R ecordo do meu tempo de investi-
espécies” , demonstrando assim compreender a
eqüidistância existente entre o branco e os
gêneros (matizes). A definição de Leonardo da
Vinci sobre o branco, negando-lhe a qualidade
de cor, permanece, em sua essência, inalterada ( 17) L u ís da Câmara Cascudo — Obra citada.
até os nossos dias. Mesmo não reconhecendo a ( 16) L u ís da Câmara Cascudo — "Made in A fric a ". R io, 1965.

117
gação popular a constatação da cor branca ter gráfica, onde a parte não coberta por tinta deixa
uma supremacia na ordem das cores. Nos can­ aparecer a superfície original. Van Gogh pergun-
domblés da Bahia, Oxalá, Orixalá, Obatalá, o tava-se se não poderia pintar com branco sobre
Pai dos Orixás, Deus Supremo, vestia branco to­ um muro branco. Como que respondendo à per­
talmente de branco como nenhum outro entre gunta, vários anos depois Renoir afirmaria que a
os deuses nagôs, jejes ou angolanos." maior luminosidade possível, em pintura, é a
"N o comum — acrescenta — o branco predo­ conseguida pela aplicação de branco sobre bran­
mina na roupa do africano, na pintura das casas co. Numa seqüência de raciocínios e ações em
de taipa, na indumentária cerimoniosa. Nos três busca de maior enriquecimento estético, Casimir
enterros que vi, dois em Luanda e um em Gam- Malevitch, com seu célebre Quadrado branco,
biafada, arredores de Bissau, na Guiné, os defun­ sobre fundo branco, inaugurarra uma nova fase
tos vestiam branco. Na exposição do morto co­ de concepção colorística em que as cores se en­
brem-no apenas com um único pano branco entre contrariam apenas em estágio de possibilidades.
os Cassangas e Mandingas. Brancos os turbantes.» Nos esmaltes heráldicos, o branco é prata.
Notável a predominância nas residências africa­ Nas gravuras em preto e branco, representa-se
nas, inevitavelmente na primeira sala, local de re­ por um simples traço preto que delimita a área
cebimento protocolar. Paredes irrepreensivel­ branca, assumindo a significação simbólica de
mente caiadas de branco. Purificação. Em quim- pureza, inocência, verdade,esperançaefelicidade.
bundo o verbo zela, branquejar, vale clarear, lim ­ Como reflexo de uma aspiração dominante,
par. (. . .) Nas danças festivas, nas pinturas ele­ o branco encontra seu maior significado no sé­
gantes de atração erótica, dispostas outrora logo culo XX, representando a paz, principalmente a
após as complicadas tatuagens clânicas, os ne­ paz entre os povos, é neste sentido que ele apa­
gros, notadamente as negras dona irosas, amam as rece na bandeira da Organização das Nações Uni­
tintas vermelhas, amarelas, azuis, pretas, reluzen­ das (ONU), desenhando sobre fundo azul o glo­
tes, com as variações inumeráveis e combinações bo terrestre e os ramos de louro que o cercam.
sensacionais. O branco intervirá quando houver
uma intenção superior às funções visivelmente
ornamentais e às expressões unicamente defensi­
vas que os desenhos manifestam. Sempre que se PRETO
ultrapassem as fronteiras do lúdico, recorre-se ao
branco como um apelo ao antepassado, ao mor-
to-protetor, às suas forças custodiantes." "Ó G oeldi: pesquisador da noite m oral sob a
O branco é a cor da pureza, campo que não noite física.
originou ainda uma cor definida, que é como
uma promessa, a expectativa de um fato a se de­ Ês metade sombra ou todo sombra?
senvolver. Nessas premissas a iniciação cristã da Tuas relações com a luz como se tecem?
primeira comunhão e a brancura virginal expres­
Amarias talvez, preto no preto,
sas pelas vestes brancas e pelo branco véu de noi­
fixa r um novo sol, n o tu rn o " ( . . . )
va encontram sua origem e significado.
Na visão espiritual de Kandinsky, "o branco, Carlos Drum m ond de Andrade
considerado muitas vezes como uma não-cor, A Goeldi
principalmente pelos impressionistas, porque
não vêem o branco na natureza, é como o sím­ O preto não é cor. Seu aparecimento indica a
bolo de um mundo onde todas as cores, como privação ou ausência da luz. Em condições nor­
propriedades materiais, desapareceram. ( .. .) O mais, o preto absoluto não existe na natureza. O
branco age sobre nossa alma como o silêncio que distingue o pigmento chamado preto é sua
absoluto. ( . . . ) é um nada pleno;de alegria juve­ propriedade física de absorver quase todos os
nil ou, para dizer melhor, um nada antes de todo raios luminosos incidentes sobre ele, refletindo
nascimento, antes de todo começo." acenas quantidade mínima desses raios. Os cor­
Nas especulações estéticas, o branco sempre pos pretos só são plenamente percebidos pelos
figurou como o reino das possibilidades infinitas. bastonetes que formam a parte periférica da reti­
Funcionando como luz, desde a Antiguidade, na. Num esforço de concentração visual, sempre
nas primeiras tentativas de claro-escuro dos pin­ é possível distinguir leves tendências à coloração,
tores gregos, foi também a cor de fundo das te­ mesmo nos pretos mais intensos. Demonstrando
las, preferida pelos pintores renascentistas. Esta perfeita compreensão desse fenômeno físico,
preferência estendeu-se até Rubens e Velásquez, num aforismo matreiro Portinari costumava re­
que utilizaram o fundo branco do quadro, tal petir uma frase de Batista da Costa: "O preto na
qual é utilizado o branco do papel na impressão luz é mais claro que o branco na sombra."

118
Como substância corante, o preto figura nosidade das cores dos objetos e das roupas de
entre as cores mais empregadas nos diversos ra­ seus modelos.
mos da atividade humana em todos os tempos. Devido à sua violência, o uso do preto foi
Sua base material se encontra no óxido magnéti­ sempre um desafio à técnica e à sensibilidade dos
co de ferro e nos corpos calcinados de origem artistas. Por esta razão, é raramente empregado
orgânica e mineral. A grande variedade de pretos na pintura ocidental. O êxito de sua aplicação
de origem vegetal e animal é produzida pela pul­ está restrito a poucos artistas na história da pin­
verização de carvões desses corpos. O preto mais tura, entre eles El Greco, Braque e o brasileiro
indicado para a pintura artística é o obtido pela Iberê Camargo.
combustão incompleta do marfim. Seu sucedâ­ Durante seu período holandês, Van Gogh de­
neo é feito com pretos de ossos diversos a que se fendeu o preto na pintura com o mesmo ardor
agrega pequena quantidade de azul-profundo. com que, mais tarde, falaria das cores: " . . . o
Dentre os pretos mais puros utilizados na indús­ preto e o branco, temos ou não o direito de em­
tria gráfica, destacam-se o de acetileno e o de pregá-los? Serão eles frutos proibidos? Creio que
breu (hulha destilada). não. Frans Hals conseguiu 27 pretos diferentes."
Teoricamente, o preto representa a soma das Na pintura oriental (principalmente na chi­
cores-pigmento na mistura que produz a síntese nesa e japonesa) o preto surge com uma beleza
subtrativa, mas o que se denomina preto nessa inusitada para os ocidentais. Entretanto, sua
síntese é, a rigor, um cinza escuro, também cha­ característica eminentemente gráfica, buscando
mado cinza-neutro, por não ser influenciado pre­ acima de tudo o ritm o linear, levaria Constable,
ponderantemente por nenhuma cor. apaixonado pelo claro-escuro, a negar-lhe valor
artístico, devido à ausência de sombras e de pas­
O preto encontra sua maior força e presença sagens em meias-tintas.
em oposição ao branco. Sendo um ponto extre­ Como fruto da associação de idéias ligadas à
mo como o branco, tanto poderá marcar o início produção social, o preto, lembrando a sombra
como o fim da gama cromática, no que tange ao e o frio, em regiões tórridas como o Egito e
rebaixamento ou iluminação dos matizes na es­ outras partes do Norte da África, foi considera­
cala de valores. Quando se toma a luz como pon­ do símbolo da fertilidade da terra, da fecundida­
to de partida, o preto será o ponto extremo final de e dos nimbos carregados de chuva.
da escala; a partir da privação da luz, será o pon­ Psicologicamente, encarna a profundeza da
to inicial. angústia infinita, em que o luto aparece como
Misturado ao branco, produz o cinza, cor símbolo de perda irreparável. Neste sentido, em
neutra por excelência, o que levaria Kandinsky certa interpretação do Zoroastrismo, Adão e Eva
a afirmar; "Não é sem razão que o branco é o se cobrem de preto ao serem expulsos do Parqí-
ornamento da alegria e da pureza sem mancha, so, numa representação do mal sem remédio.
e o preto o do luto, da aflição profunda, símbo­ Evocando o caos, o nada, o céu noturno, as tre­
lo da morte. 0 equilíbrio destas duas cores, vas terrestres, o mal, a angústia, a tristeza, o in­
obtido por uma mistura mecânica, dá o cinza. consciente e a morte, o preto é o símbolo maior
É naítiral que uma cor assim produzida não da frustração e da impossibilidade.
tenha nem som exterior nem movimento." Biblicamente, significou a estigmatização de
Quando o preto é misturado às cores claras, Cam e seus descendentes, e ainda hoje está liga­
rebaixa-as, criando tonalidades desagradáveis, do à condenação e à danação da alma, mas, su­
sujas, que se interpretam psicologicamente como blimando-se, representa renúncia à vaidade deste
influenciadas por dados negativos. Sua mistura mundo, originando os mantos negros, proclama­
mais feliz é com as cores escuras, capazes de ção da fé no Cristianismo.
funcionar como sombras nas escalas de valores: No Egito, uma pomba negra era o hieróglifo
terras sombrias e azuis profundos. da mulher que sofre a viuvez até o fim de seus
Nas artes decorativas e artes gráficas em dias. Na antiga Grécia, a vela negra içada ao mas­
geral, tem emprego indispensável como elemento tro dos navios, revelando tragédia, simbolizava
de contraste para ressaltar a qualidade dos mati­ a fatalidade.
zes. As cores puras (vermelho, amarelo, azul, Em heráldica, o preto mantinha analogia
violeta, etc.), contornadas com preto, ganham com o sable (areia, representada pelo ocre-ama-
em luminosidade e vibração. Conhecendo esta relo), exprimindo sua identidade com a terra es­
propriedade, Caravaggio pintou de preto as pare­ téril. Significava prudência, sabedoria, constân­
des e o teto de seu atelier para valorizar a lumi­ cia na tristeza e na adversidade.

119
1/

Do Impressionismo
à
Arte Abstrata
Do Impressionismo \

a
Arte Abstrata
"Em realidade, trabalha-se com poucas cores.
O que ilude seu número é terem sido coloca­
das no lugar ju sto ."
Pablo Picasso

"A cor apoderou-se de m im : não tenho mais


necessidade de persegui-la. Sei que ela me
tomou para sempre. Tal é o significado deste
momento abençoado. A cor e eu somos um
só. Sou p in to r."
Pau! Klee

Em todos os períodos artísticos férteis, sem­ As forças liberadoras fundavam-se diretamen­


pre aparece uma corrente moderna em relação te na destruição, e Picasso foi um magnífico in­
à arte do período anterior, ou a elementos con­ térprete desta situação das artes do início do
temporâneos tendentes a perpetuar uma tradição século: "Antes os quadros se encaminhavam a
artística. Mas o que a expressão "arte moderna" seus fins por progressão. Cada dia trazia qual­
passou a designar, em nosso século, éa renovação quer coisa de novo. Um quadro era uma soma
ocorrida a partir do Impressionismo. de adições. Comigo, um quadro é uma soma de
Em essência, em que consiste a arte moderna? destruições." Encarnando ao mesmo tempo a
Para Paul Klee (1879-1940) a resposta se encon­ morte e a ressurreição, completaria o raciocí­
tra na própria concepção de que "a arte não re­ nio: "Eu faço um quadro, em seguida o des­
produz o que é visível, ela torna visível” . Na truo. Mas, no fim de contas, nada se perde; o
mesma linha de desligamento das concepções vermelho que retirei de uma parte se encontra
estéticas anteriores, Pablo Ruiz Picasso (1881- em outro lugar."
1973) daria outra definição, também por exce­ De seu processo criador, afirmaria Picasso:
lência moderna: " A arte não é a aplicação de "N o momento em que faço o quadro, penso
uma regra de beleza, mas daquilo que o instinto em um branco e aplico um branco. Mas posso
e o cérebro podem conceber além de qualquer continuar a trabalhar, pensar e aplicar um bran­
regra." co; as cores, como os traços, seguem a m obili­
Tais definições contêm todos os elementos de dade da emoção. Vísteis o esboço que fiz de um
possibilidades da arte do século XX: a liberação quadro com todas as indicações de cores. O que
do espírito para os grandes vôos em busca da restou? No entanto, o branco em que pensei, o
forma suprema, e a liberação da contestação de verde que pensei, estão no quadro; mas não no
tudo, até, mesmo da arte. lugar previsto, nem na quantidade pensada. Na­
Os suportes filosóficos dessas duas linhas de turalmente podem-se fazer quadros bem harmo­
desenvolvimento transparecem nas declarações niosos por trechos transportados, mas se perde
dos dois artistas mais significativos deste século. a dramaticidade."
E Delaunay? A rigor, Delaunay não foi repre­ Pela linguagem, percebe-se a liberdade total
sentativo de seu tempo. Foi, sobretudo, o colo- com que o pintor se lançava sobre as telas: "Co­
rista preocupado com o que sonhara ,Van Gogh. loco em meus quadros tudo que eu gosto. Azar
Enquanto Picasso, comentando as próprias des­ para as coisas, elas não têm outro remédio senão
cobertas, afirmava enfaticamente: "Eu não pro­ se arranjarem entre si."
curo, acho", Paul Klee dizia: "Nada pode ser A destruição e a negação na obra de Picasso
feito às pressas. As coisas devem crescer, devem seriam interpretadas por Jean Cassou (10) nos se­
progredir para o alto, e se jamais chegar o tempo guintes termos: "Na verdade, é ao nada que de­
da grande obra, tanto melhor. (. ..) Devemos veremos reduzir-nos, e ao universo também, se
continuar a procura. (. . .) Encontramos partes,
mas não encontramos o to d o !" Este raciocínio
era coerente num pintor que aspirava, acima de ( 19) Jean Cassou — "Panorama das A rtes Plásticas Contemporâ­
tudo, a "ser o prim itivo de uma nova era". neas". Lisboa, 1962.

123
quisermos medir toda a verdadeira natureza do A partir do Surrealismo, crescera a valorização
artista barroco que, sem relação com ninguém, da originalidade e da espontaneidade, de uma
salvo consigo próprio, faz exatamente o que maneira inconcebível em qualquer outra época.
quer e enche toda a capacidade do seu possível A atrativa idéia de que existe mais criatividade
poder, é sob esta inspiração do seu demônio bar­ na livre invenção de um desenho infantil do que
roco que Picasso, em 1932-1933, se apaixona pe­ na mars perfeita reprodução de uma obra greco-
las formas curvilíneas, enroladas, envolventes, romana firmara-se como princípio estético,
germinativas. Nos anos seguintes, num crescente abrindo caminho a todas as manifestações do
delírio de cores a que o leva o freqüente empre­ inconsciente e da inconsciência, do irracional e
go do ripolin, pinta insólitas mulheres num inte­ do irracionalismo. Em pouco mais de cinqüenta
rior, ou antes metaforicamente confundidas com anos de exercício de uma arte fundada sobre
as turbulências de um interior. Após a exaspera­ essa base, a crítica pe,rdera toda função de orien­
ção de Guernica, as fantasias anatômicas tornam- tação pública que porventura tivera, e até a pos­
se cada vez mais extravagantes e os "retratos" sibilidade e a autoridade para aferir a avalanche
cada vez mais blasfematórios." crescente das obras produzidas.
Se William Blake tivesse conhecido Picasso, O livre jogo da imaturidade e da irresponsabi­
por certo não diria que o pintor malaguenho lidade profissionais, e mesmo da simples defi­
fora contratado por Satã — diria que era o pró­ ciência mental elevada à condição de arte, con­
prio, em mais uma de suas reencarnações. Secre­ duziria Portinari à jocosa observação crítica:
tamente, o século XX teve esta mesma intuição, "Loucos e crianças sempre existiram, o que não
mas com sabedoria julgou que, inversamente ao havia antes era quem os levasse a sério."
que ocorrera no Paraíso (onde um rebelde da
corte divina se transformara no espírito do mal), ANTECEDENTES DO IMPRESSIONISMO
da destruição, do caos e de todas as misérias po­
deria surgir, também, o germe redentor de um 0 caminho percorrido do Impressionismo à
anjo, deus ou semideus. E ele surgiu. abstração foi o mais movimentado, contraditó­
Na Bauhaus, o ambiente se iluminou ao rio e tortuoso que a história da arte conheceu.
ouvir sua voz descrever como a linha, as propor­ Apresentado pela crítica contemporânea como
ções e a cor se transformam no ato da criação: a revolução que rompeu com as formas do pas­
"Gênese eterna" — a consciência humana pene­ sado, o Impressionismo criou as premissas de
trando até "esse lugar secreto onde o poder pri­ um novo conceito estético em oposição às re­
mordial alimenta toda evolução". E sua ambição miniscências do conceito greco-romano.
foi também revelada: "Acontece-me sonhar com Para efeito didático, costuma-se dizer que seus
uma obra de grande envergadura, abarcando ao precursores foram Velázquez, Goya, Turner,
mesmo tempo o elemento, o objeto, a significa­ Constable, Delacroix, etc. Mas, neste caso, a
ção e o estilo. Receio que isto permaneça como história da pintura está dividida em períodos
um sonho, mas é uma boa coisa, mesmo agora, estanques, incomunicáveis, em que se conside­
alimentar de tempos em tempos este sonho." ram apenas as influências imediatas, para estudá-
No atormentado ambiente da primeira guerra los separadamente, tal como se estuda em ana­
mundial, Paul Klee escreveu em seu diário tomia um órgão decepado. A rigor, o Impressio­
(1915): "Quanto mais horrível se torna este nismo só pode ser inteiramente entendido quan­
mundo (oomo acontece neste màmento), mais do se avaliam as conquistas da pintura desde o
abstrata se torna a arte, enquanto um mundo de Helenismo até o Romantismo.
paz produz uma arte realista." Concordando Aceitando-se que o Impressionismo foi uma
com os surrealistas, Klee afirmava que o proces­ revolução em .que culminou o processo evolutivo
so essencial de criação está situado abaixo do ní­ da pintura ocidental num determinado momen­
vel da consciência, mas ele recusava o princípio to, aceita-se também que ele encerra, no conjun­
de que a arte possa jorrar automaticamente do to de suas possibilidades, as qualidades mais sig­
inconsciente, por julgar que o processo de gesta­ nificativas de todo o processo. Neste ponto resi­
ção é complexo e implica observação, meditação de a discordância entre as correntes que o vêem
e, finalmente, mestria técnica dos elementos como uma verdadeira revolução estética e as que
pictóricos. "É pela importância que dá, ao mes­ o encaram apenas como o início de um período
mo tempo, às fontes subjetivas e aos meios obje­ de decadência da arte.
tivos da arte que Klee é o artista mais importan­ Surgiu o Impressionismo numa época de gran­
te de toda a nossa época"(20) . des transformações econômicas e sociais. De vá­
rias maneiras, agudas sensibilidades pressentiam
( 20) H e rb e rt Read — " H istoire de ia Peinture M oderne". Paris, o impasse artístico frente à nova vida que se
196a organizava sob o impulso da industrialização, e

124
algumas delas chegaram a decretar a morte da A pintura, querendo atingir o intelecto/bus­
pintura, prenunciada pela agonia cada vez mais cou na representação natural a forma ideal de
curta de inumeráveis ismos pós-impressionistas. expressão. A síntese dessa representação foi o
A aplicação dos elementos da pintura às téc­ domínio das perspectivas linear e aérea, e o som­
nicas artísticas da sociedade industrial e da mo­ breado, que, adequadamente conjugados, possi­
derna sociedade tecnológica provou que a arte bilitavam ao pintor representar em três dimen­
tem fôlego infinito: a cada dia se transfigura, sões os volumes e os espaços. Desde o início,
para acompanhar o homem em sua longa jorna­ destacou-se o caráter mais apropriadamente ar­
da. No quadro geral, qualquer que seja o juízo tístico do sombreado, cuja aplicação esteve sem­
sobre o Impressionismo — revolução estética pre ao arbítrio do pintor, podendo ser realizado
autêntica ou movimento decadente — ninguém indiferentemente, tanto na escala de valor como
lhe pode negar a importância histórica de pre­ na escala de tom, sem perder o caráter natural.
cursor das mais significativas tendências das
A linha de desenvolvimento técnico que bus­
artes visuais do século XX. cava o relevo, iniciada por Apolodoro (405 a.C.),
A particularidade que o Impressionismo tem culminaria com o esfumado de Leonardo da
a seu favor, como autêntica revolução, é a de Vinci, vinte séculos depois. Conforme teorizou
haver colocado em novo nível de avaliação os o Mestre florentino, a intensidade de uma som­
elementos emoção e razão. Emoção pura motiva­ bra corresponde proporcionalmente à intensida­
da pelos sentidos, através de novas formas de es­ de da luz. Quanto maior a intensidade de uma
tím ulo, e razão, não mais moralizante, socioló­ sombra, maior a beleza da luz que surge por ação
gica ou anedótica, mas pura razão estética que de contraste. Torna-se evidente, portanto, que o
enriquece o patrimônio cultural humanoaoabrir- estudo das sombras visava ao controle da luz, ou
Ihe o campo da pintura como terreno especifica­ melhor, das áreas iluminadas (coloridas) do qua­
mente pictural. dro. Quando se fala nas sombras arbitrárias de
A pintura ocidental, desde seu início, foi Caravaggio, está-se reconhecendo o caráter mais
sempre marcadamente racional. O desenvolvi­ livre do emprego das sombras em relação ao da
mento da arte pré-helênica revelaria uma aspira­ cor, e não criticando seu colorido.
ção realista, no sentido de que os elementos da A sombra arbitrária descendia do princípio
sensualidade oriental cedessem lugar à ação ra­ da luz particular, exaltação do combate entre
cional izadora dos dóricos. O equilíbrio entre a luz e sombra. Manejando o conhecimento desse
razão e a emoção marcaria o apogeu da arte princípio, Ticiano Vecéllio conseguia efeitos
helénica. \ psicológicos de intensa dramaticidade. A violên­
A luta entre esses dois elementos esteve pre­ cia das sombras exacerbava o colorido. A técni­
sente em toda a história da arte ocidental, ora ca de Veneza introduziu-se na Espanha pelas
predominando um, ora o outro. O desejo da re­ cores e trevas dos quadros de El Greco (1541-
conquista do equilíbrio rompido com o fim do 1614).
classicismo grego foi uma das maiores aspirações Mas os venezianos foram também os maiores
do Renascimento. O que marca a Alta Renascen­ mestres da pintura tonal, subordinando a forma
ça é o novo equilíbrio entre emoção e razão. plástica à composição cromática, com o que
Souberam seus artistas criar a forma que provo­ faziam surgir massas cromáticas ao invés de mo­
cava a sensação adequada para revelar a razão delados plásticos. No emprego do tom, Paulo
humana nos dilatados limites de um novo mun­ Veronese não apenas criou escola, como foi
do que emergia dos escombros feudais. A técnica insuperável. Maravilhado por sua técnica, escre­
que empregavam estava envolta no mesmo clima veria Van Gogh: "A cor exprime alguma coisa
misterioso dos "milagres" não explicados pela em si mesma; não se pode negar e devemos
ciência. A nascente História da Arte só encontra­ utilizar-nos disso; o que é belo, realmente belo,
va um meio para contornar a dificuldade: atri­ é também justo. Quando Veronese pintou os
buir às particularidades individuais toda a com­ retratos de seu belo mundo nas Bodas de Caná,
plexidade da realização artística. utilizou toda a riqueza de sua palheta em viole­
Apesar de Alberti já ter procurado demons­ tas sombrios, em tons dourados magníficos. E,
trar, em seu livro De Pictura, a importância dos ainda, tinha também esse claro azul celeste e
meios técnicos para a comunicação do artista, e um branco nacarado de sua predileção, que não
Leonardo haver teorizado longamente a respeito salta para a frente do quadro. Ele o aplicou
da técnica, somente com Ludovico Dolce (Diálo­ atrás, e fez m uito bem; por si mesma, essa cor
gos sobre a Pintura) a história e a crítica se enca­ modifica os palácios de mármore e o céu que
minham para a análise objetiva do conhecimento completa a série das personagens de uma manei­
pictórico. ra característica. Tão magnífico, esse fundo nas-

125
ce espontaneamente de uma combinação pre­ Mesmo ligado à tradição —fora o fundador da
meditada das cores." Academia Real e seu presidente até à morte —
Todas essas conquistas técnicas iriam refletir- forçava a derrubada de certos conceitos que se
se na arte da Espanha, somando-se às influências transformaram em dogmas acadêmicos: "Eu pen­
nórdicas que chegavam até lá diretamente, ou so que uma das primeiras lições que todos os
através do espírito francês, preparando terreno mestres darão aos principiantes para dispor lu­
para o aparecimento de dois dos seus maiores zes e sombras é a que dá Leonardo da Vinci —
mestres, precursores do Impressionismo: Diogo saber opor um fundo claro ao lado sombreado
Velázquez (1599-1660) e Francisco Goya (1746- da figura e um fundo escuro ao lado iluminado.
1828). Se Leonardo da Vinci tivesse vivido o bastante
Influenciado pelas iluminuras nórdicase pelas para ver o brilho superior que se obtém por um
pinturas bizantina, gótica, pré-renascentista e método precisamente contrário, aproximando
renascentista italianas, o emprego da cor tam­ luz com luz, e sombra com sombra, não tenho
bém se desenvolvera em outras partes da Europa. dúvida de que ele o teria admirado."
O vivo colorido das Horas e dos Missais seria O sopro de modernidade científica que per­
transportado para os óleos dos irmãos Van Eyck- passa por seus quadros, deixando antever a
Hubert ( ? -1426) e Jan (entre 1385 e 1390- possibilidade da quebra de todas as regras acadê­
1441), que inauguravam uma nova técnica do micas, suscitara a violenta frase de William Blake
emprego desse aglutinante do pigmento. A seve­ (1757-1827) de que Reynolds "tinha sido con­
ridade cromática de Albrecht Dürer (1471-1528), tratado por Satã para deprimir a arte."
o sensual colorido de Pierre-Paul Rubens (1577- Reynolds fora contemporâneo do químico e
1640), a misteriosa e bruxuleante luminosidade físico seu compatriota José Priestley (1733-
de Georges de la Tour (1593-1652), as formas 1804), descobridor do hidrogênio, do oxigênio e
que se fundiam e diluíam no clímax de lumino­ do fenômeno da respiração das plantas. Priestley
sidade alcançado pelos quadros de Jan Vermeer escreveu uma História da Õpt|ca, culminando
de Delft (1632-1675), ou o sábio colorido de com os princípios newtonianos. Sabe-se hoje que
Jean-Baptiste-Siméon Chardin (1699-1779) de­ Moses Harris oferecera um exemplar de seu The
monstravam as infinitas possibilidades da cor, Natural System of Color a Reynolds, o que de­
como instrumento de revelação da alma dos monstra a familiaridade do pintor com cientistas
gênios. de seu tempo.
Até hoje não se fez inteira justiça à importân­ Preferia Reynolds os tons quentes: vermelhos
cia da arte inglesa dos séculos X V III e XIX. A luminosos, amarelos dourados e terras averme­
pintura inglesa revela, em seu desenvolvimento, lhadas. Esta predileção iria propiciar um episó­
coerência e integração com a cultura de seu tem­ dio revelador do clima de especulações teóricas
po e, neste particular, sobrepassa todas as esco­ em que vivia a pintura inglesa. Tomando por ba­
las pictóricas do período. É com ela que se dá a se a arte do Renascimento, principalmente a dos
primeira grande ruptura com a tradição do Re­ venezianos, ele afirmara que o equilíbrio de tons
nascimento italiano. Tão científica como fora a que embeleza os quadros é propriedade de do­
arte dos renascentistas, iguala-se à dos impres­ minantes quentes. Refutando-lhe a tese, Gains­
sionistas e pós-impressionistas na especulação e borough pintou o célebre Menino em Azul
assimilação das conquistas físicas, lançando as (1770). Foi o primeiro golpe teórico-prático
bases do próprio Impressionismo. A influência vibrado contra as concepções renascentistas,
das descobertas de Newton e dos trabalhos de derrubando ao mesmo tempo regras e precon­
Priestley e Harris permanecia viva, animando as ceitos. Abria-se caminho a uma maneira cada
discussões relativas ao emprego da cor. vez mais livre de se interpretar corretamente a
O espírito inglês, através de seus grandes pin­ natureza.
tores, William Hogarth (1697-1764), Reynolds, Amadurecida por várias influências externas
Gainsborough, George Romney (1734-1802), e pelos trabalhos de Joshua Reynolds (1723-
John Hoppner (1759-1810), Turner e Constable, 1792) e Thomas Gainsborough (1727-1788), a
iria assinalar um dos momentos culminantes da arte inglesa iria produzir seus dois maiores pin­
história da arte. tores: Turner e Constable.
Os discursos de Reynolds sobre pintura, feitos John Ruskin (1819-1900) estudara apaixo­
na Academia Real, demonstram a independência nadamente a obra de Joseph Mallord William
com que este pintor encarava a dinâmica da Turner (1775-1851), traçando-lhe vivo retra­
técnica. Com prudência, mas de forma inequívo­ to e penetrante análise de sua obra em Os Pin­
ca, ele faz brilhante crítica ao naturalismo e à tores Modernos. Da obra de Turner tirou a
imitação mecânica do real, defendendo o estado conclusão decisiva para a arte moderna: "Um
poético da arte. fiel estudo da cor permitirá sempre discernir

126
a forma, enquanto que o mais aprofundado te e em todas as ocasiões na natureza: oposição,
estudo da forma não permite discernir a cor." união, luz, sombra, reflexo e refração, todos
Ninguém melhor que Turner captou os efei­ contribuindo para ele."
tos particulares e o desencadeamento dos ele­ Numa seqüência cronológica no sentido do
mentos naturais. Empregando com mestria os Impressionismo, depois de Constable surge Dela­
contrastes simultâneos de cores, suas paisa­ croix. A pintura francesa dos fins do século
gens tornaram-se verdadeiras lições de utiliza­ X V III e princípios do XIX criara uma grande
ção da cor, deixando antever as possibilidades escola neoclássica, mas não resistira às influên­
do Impressionismo. A transparência caracterís­ cias externas, num período em que o desejo de
tica da aquarela foi o meio adequado que en­ renovação dos meios de expressão abrasava os
controu para desenvolver o domínio da lumi­ espíritos mais sensíveis. O exemplo característi­
nosidade e dos cambiantes reflexos coloridos co de tal situação é Eugênio Delacroix (1798-
da natureza. Contudo, ele considerava suas 1863), que, desde cedo, começara a buscar fora
aquarelas apenas como um método de nota­ do país o que melhor satisfizesse a sua ânsia de
ção e estudo para a realização da arte maior domínio dos meios técnicos para a revelação de
da pintura a óleo. novas idéias.
Rivalizando com Turner, John Constable Atraído pela arte nórdica, visita a Inglaterra
(1776-1837) exerceu grande influência sobre em 1825. Seu ardente espírito conservaria para
a pintura francesa, segundo declarações de sempre a paixão por Shakespeare, Byron, Rey­
Delacroix e Edouard Manet. Ao observar um nolds, Hogarth, Gainsborough, Turner, Consta­
prado pintado em verde por Constable, Dela­ ble e Bonington. Mais tarde, viajou ao Marrocos
croix chegara a uma constatação importantís­ e à Espanha. Em 1838, visitou a Bélgica e a Ho­
sima, cuja extensão nem ele mesmo poderia landa. Seus horizontes ampliavam-se a cada
aquilatar: "A maior luminosidade de uma viagem, nutrindo-se nas imagens luxuriantes da
pintura não resulta do emprego de muitas África e na vibração cromática dos pintores espa­
cores, mas sim da utilização racional de várias nhóis. Mas a influência decisiva iria encontrar em
gamas da mesma cor." Mais tarde Renoir daria Rubens, cuja exuberância flamenga e vitalidade
novo passo no mesmo sentido deste raciocí­ universal contribuiriam como um gigantesco so­
nio, quando afirmou que a maior luminosida­ pro para avivar a fogueira espiritual em que se
de que se pode conseguir é a do branco sobre consumiria.
branco. Estas constatações seriam elementos A França ressuscitava a arte do colorido, nu­
fundamentais para o domínio do fenômeno ma síntese majestosa de tudo o que se fizera, até
da cor inexistente, um século depois. então, no domínio da violência cromática. Re­
Ao analisar as origens do Impressionismo, ferências sobre o estudo da cor, como método
Herbert Read escreveu em O Sentido da Arte: supremo de aprimoramento artístico, aparecem
". . . se devemos atribuir a um homem mais constantemente no célebre Journal de Delacroix,
do que a outro o início dessa grande mudança documento de extraordinário valor confessional
em nossas vidas (porque afinal de contas im­ e autobiográfico penetrando os domínios da crí­
porta em que o mundo nos foi revelado sob tica sobre literatura e arte.
nova luz), é ao inglês louco que de repente Com Delacroix, o emprego das cores liberta-se
vem para fora do atelier e arrosta o vento e a de todo preconceito e regras acadêmicas. Surgem
chuva. . : " — Constable. as grandes composições em francos contrastes de
A pintura de Constable refletia uma autên­ cores nas cenas históricas ou de costumes, mas a
tica vitalidade emotiva, traduzida por uma concepção geral da pintura é a mesma que ani­
visão que encontrava nos contrastes simul­ mou o neoclassicismo, acrescida da genialidade
tâneos de cores o meio de externar-se. Foi a que não se enquadraria bem sob a etiqueta de
mestria dessa forma de expressão revelada no romântica nem de nenhuma outra.
quadro O Carro de Feno — exposto em Paris
no "Salon" de 1824 — que levara Delacroix a
declarar: "ce Constable me fait un grand bien". O IMPRESSIONISMO
Depois de ver O Carro de Feno, Delacroix refez
completamente o céu de seu quadro O Massacre Com o Impressionismo dá-se uma nítida rup­
de Seio, afirmando ser Constable o "pai da nossa tura com os postulados da arte do passado. Essa
escola de paisagem". Mesmo utilizando o con­ ruptura é tão significativa que influenciaria as
traste simultâneo de cores, Constable dava gran­ áreas da música, da literatura, da crítica, da mo­
de importância ao claro-escuro, e chegou a defi­ ral e dos costumes. O século XX iniciaria a mar­
ni-lo, numa formulação leonardiana, como "o cha em busca de sua linguagem própria, trilhan­
poder que cria espaço; achamo-lo por toda par­ do os caminhos abertos pelo Impressionismo.

127
" 0 Impressionismo foi uma reação ao realis­ A alegria de valor é a dominante luminosa; de
mo, à objetividade do realismo, e uma afirma­ cor, a dominante quente; de linha, as linhas
ção dos direitos da subjetividade, da personalida­ acima da horizontal.
de do artista. Este desprendimento em relação à A calma do valor é a igualdade do escuro e do
objetividade era um ideal — mas não um ideal claro; de cor, do quente e do frio e a horizontal
intelectual, precisamente porque se baseava na para a linha.
sensação" (21). A tristeza de valor é a dominante escura; de
Uma das maiores aquisições do Impressionis­ cor, a dominante fria, e de linha, as direções para
mo foi a do pintor Edouard Manet (1832-1883), baixo.
que viria a ser uma de suas principais individuali­ Técnica.
dades. Ainda m uito jovem ele afirmara que "ha­ Admitidos os fenômenos da duração da im­
via de pintar o que via e não o que os outros gos­ pressão luminosa na retina, a síntese impõe-se
tavam de ver." Logo descobriu que para alcançar como resultante. 0 meio de expressão é a mistu­
seu objetivo era necessário adquirir uma técnica ra óptica dos valores, das cores (de localidades e
à altura de sua ambição, e entregou-se ao estudo da cor iluminante: sol, lâmpada de petróleo, gás,
dos métodos dos grandes mestres coloristas. 0 etc.), isto é, das luzes e das suas reações (som­
contraste simultâneo passou a ser estudado cui­ bra) segundo as leis do contraste da gradação da
dadosamente, abrindo-lhe novas perspectivas. irradiação.
A pintura encaminhava-se rapidamente para A moldura está na harmonia oposta à dos
uma posição científica. Em resposta às acusações tons, das cores e das linhas do quadro."
de que em seus quadros detinha a dinâmica natu­ Os néo-impressionistas Seurat e Signac, em
ral da paisagem para estudá-la, Manet afirmara: vez de aplicar a cor em superfícies lisas, aplica­
"matamos para dissecar". Daí à ciência pura da vam-na em pequenos pontos ou traços, utilizan-
cor, como arte, foi um passo. do-se apenas das cores primárias. Para a obten­
Aprofundando as proposições cromáticas dos ção do verde, bastava salpicar de azul e amarelo,
impressionistas, Georges Pierre Seurat (1859- na quantidade precisa — mais azul escurecia,
1891) e Paul Signac (1863-1935) criam o ponti- mais amarelo clareava — a área desejada. A reti­
Ihismo, ou divisionismo, fazendo com que o na se encarregava de produzir o verde. 0 mesmo
observador participasse do quadro, como um de processo era empregado para conseguir cada
seus elementos, pela integração quadro-especta- uma das cores compostas. As cores assim pro­
dor, através da mistura óptica de cores. Era a in­ duzidas eram muito mais luminosas do que as
trodução, na pintura, dos recursos de impressão aplicadas já prontas sobre a tela.
gráfica, utilizados anteriormente por Le Blonde Da Lei do Contraste Simultâneo das Cores,
Mile, mas ampliados pelas teorias de Chevreul, de Chevreul, tornou-se o livro de cabeceira de
Helmholtz e Rood. todos os pós-impressionistas. Também citavam
Nos trabalhos do físico Charles Henry, estu­ com freqüência os trabalhos de Rood e de
dioso de Leonardo da Vinci, encontraria Seurat Helmholtz. 0 grande injustiçado, que não era
novos estímulos para o estudo das leis físicas. lembrado por ninguém, embora estivesse na
0 entusiasmo científico reforçaria em Seurat a origem de todo esse processo de conhecimento
convicção de que a arte é harmonia. Em carta cromático, era Goethe, cuja reparação só viria a
a Maurice Beaubourg (22), define sua concepção ser feita — em parte — mais tarde, por Robert
estética:' Delaunay.
"A Harmonia é a analogia dos contrários, a A partir do Impressionismo, a pintura enve­
analogia dos semelhantes, de tom (valor), de cor, redou pelo salutar mas perigoso caminho da
de linha, observados segundo a dominante e sob busca de novas soluções plásticas a qualquer
a influência de uma iluminação em combinações preço. Alargar os limites do emprego da cor
alegres, calmas ou tristes. constituía o objetivo de quase todos os pinto­
Os contrários são: Para o valor, um mais lu­ res. Neste quadro geral, destacou-se a figura
minoso ou mais claro para um mais escuro. de Auguste Renoir (1841-1919). Apesar de ter
Para a cor, as complementares, isto é, um cer­ participado desde o primeiro momento do grupo
to vermelho oposto à sua complementar, etc. impressionista, sua pintura difere da dos outros
(vermelho-verde; laranja-azul; amarelo-violeta). integrantes do movimento.
Quanto à linha, as que fazem um ângulo reto. Continuando a linhagem dos grandes coloris­
tas franceses La Tour, Fragonard, Watteau,
Chardin e Delacroix, soube Renoir elevar a no­
( 21) L io n e llo V e n tu ri — “ Para Com preender a Pintura de G io tto vos termos o colorido do quadro. Suas flores,
a Chagaii". Lisboa, 1968. carnações e tecidos eram delicados e amenos
( 22) John R ewald — "S eurat". Paris, 1948. como a vida a que aspirava boa parte da popu-

128
lação de seu tempo, embora a gama de contras­ Durante sua estada em Paris (meados de
tes fosse mais intensa que a de Van Gogh, só não 1887), escreveu: "Tive oportunidade de apro­
mais violenta porque, cultuando uma tradição, fundar a questão da cor. ( . . . ) Neste verão,
ele utilizava passagens de tons para amortecer os quando pintava paisagens em Asnieres, perce­
choques cromáticos. A gama de cores ia comu- bi mais cores que anteriormente." Pouco mais
mente de escuros intensos, que rivalizavam com de um ano depois, já de posse de profundos co­
o efeito do preto de marfim, até o branco abso­ nhecimentos cromáticos, escreve a Émile Ber-
luto, passando sempre por uma ou duas cores nard: " . . . o céu do Sul e do Mediterrâneo pro­
primárias inteiramente puras. Pela técnica u tili­ voca um alaranjado tão mais intenso quanto
zada, Renoir não se filia a nenhuma escola. O mais sobe de tom^a gama dos azuis. A nota
mínimo que se pode dizer dele é que foi um dos preta da porta, dos vidros, da pequena cruz
maiores coloristas. de todos os tempos. sobre a cumeeira faz que surja um contras­
Em Vincent Van Gogh (1852-1890), o empre­ te simultâneo de branco e preto agradável à
go das cores teria outro sentido: o da paixão de­ vista, tanto quanto o do azul com o laranja."
senfreada e da violência. Para André Lhote (23), Nos últimos anos de vida, Van Gogh consti­
"Van Gogh é certamente o colorista mais exas­ tuía sua palheta com as seguintes cores: verme­
perado da pintura moderna. Em seu nome nas­ lhão, laca de gerânio, carmim laranja de mínio,
cem tantas telas em que se esgotam e se anulam amarelo do cromo I, II e III (limão, amarelo
todos os recursos da quím ica." Com ele, a gene­ claro e amarelo escuro), verde-veronese, verde-
rosa ambição do pintor de tal forma se fundira esmeralda, azul-de-cobalto, ultramarino e azul-
com o objetivo do homem que se tornaram uma da-prússia, branco de prata, branco de zinco,
única coisa: "Em pintura desejo dizer algo de ocre amarelo, terras-de-siena natural e queima­
confortador comparável à música, desejo pintar da, e preto de marfim. O preto às vezes era
homens e mulheres com o quê da eternidade que substituído pelo azul-da-prússia e pelos cinzas-
o halo costumava simbolizar e que hoje procura­ neutros resultantes da mistura do azul-da-prús-
mos representar pela radiação e vibração do co­ sia, vermelhão e amarelo de cromo escuro.
lorido." Desde o início dos tempos históricos até Van
Tinha razão Van Gogh em lastimar-se por não Gogh, a pintura tinha sido feita com determina­
haver aprendido a ciência das cores em sua ju ­ dos fins e objetivos de classes ou camadas s©<
ventude. Até a permanência ém Antuérpia, aos ciais. Com ele, e só com ele, a pintura desclas-
33 anos, ele tinha adquirido apenas certa destre­ sificara-se para tornar-se apenas humana, fora
za no desenho e feito alguns quadros pungentes e acima de qualquer classe. É a própria espécie
pela dramaticidade do assunto, mas que não bas­ no momento da criação, quando criador e
tavam para classificá-lo como grande pintor, obra se fundem numa mesma natureza, para sal­
m uito menos como colorista. Nessa época sua vação do homem. Salvação pela fé no poder da
pintura era escura, com larga utilização do preto, obra, mesmo quando a esperança de salvação
não evidenciando de nenhuma maneira a erup­ individual já não existe mais. É o sacrifício de
ção cromática que ocorreria num período bem tudo em função do puro ideal. É a busca da
próximo. Depois de longo esforço para adqui­ transcendência das contingências humanas, mo­
rir o domínio da técnica da pintura de tons, vida pelo que de melhor produziu a aspiração ao
desfrutou apenas pouco mais de três anos dos belo. Como ele mesmo diria: "uma espécie de fa­
meios que lhe possibilitariam a plena expressão talidade nos condena a procurar incessantemente
artística, e assim mesmo já doente e alquebra­ a luz."
do pela miséria. No século XX, a ciência do emprego da cor
Numa carta de novembro de 1885, Van Gogh assumiria importância primordial na estrutura da
diz ter ouvido falar "de uma experiência feita obra. Tornava-se claro para todos o conceito de
com uma folha de papel de cor neutra, que se Ruskin: "A missão do pintor é pintar; se ele sabe
torna verdátrea sobre um fundo vermelho, aver­ colorir sua tela, é um pintor, mesmo que não
melhada sobre um fundo verde, azulada sobre saiba fazer nada mais. . ." Nos maiores artistas
um fundo alaranjado. . e pedia a seu irmão posteriores ao Impressionismo, nota-se a subida
Théo: "Se encontrares algum livro sobre estas gradual da importância da cor, até atingir a inde­
questões das cores, um livro que seja bom, me pendência total que subjuga e incorpora à sua di­
envia-o antes de qualquer outra coisa, pois é nâmica os demais elementos do quadro.
necessário que eu saiba tudo a respeito e não se Em Paul Cézanne (1839-1906) o Pós-lmpres-
passa um dia sem que procure me instruir." sionismo teria seu mais rigoroso colorista. Com
ele introduziu-se na pintura o elemento cons­
ciente do que se poderia chamar harmonia asso-
( 23) A ndré L h o te — "T ra ta d o d ei Paisaje". Buenos Aires, 1955. nante, onde nuances de tons diferentes se equi-

129
valem por equilíbrio óptico quando o observa­ cultor Marque, exclamou: "Donatello no meio
dor guarda certa distância do quadro. A caracte­ das feras!" O nome ficaria" (24).
rística básica da pintura de Cézanne reside na Intimamente, o Fauvismo guardava certa rela­
harmonização de contrastes de tons diversos, em ção com o Expressionismo, o que levou Henri
que a cor pura surge do emaranhado de delica­ Matisse (1869-1954) a afirmar: " . . . a tendência
das nuances ópticas. Seus trabalhos, ao lado das da cor deve ser a de servir o melhor possível à
máscaras africanas, constituíram o elemento expressão." Ficaria famosa a descrição de seu
propulsor do Cubismo. método de transformação da realidade objetiva
Em carta de 15 de abril de 1904, dirigida a em obra de- arte: "Na minha frente encontra-se
Émile Bernard, ele tece algumas considerações um armário que me dá a sensação de um verme­
teóricas em torno de seu pensamento estético: lho m uito vivo. Ponho na tela um vermelho que
. . tratar a natureza pelo cilindro, a esfera, o me satisfaz. Estabelece-se assim uma relação
cone, tudo isto posto em perspectiva, ou seja, entre esse vermelho e o branco da tela. Ao lado
que cada lado de um objeto, de um plano, se dele coloco um verde, dou o sombreado com um
dirija para um ponto central. As linhas para­ amarelo e de novo haverá entre este verde ou
lelas ao horizonte dão a extensão, isto é, uma se­ este amarelo e o branco da tela relações que me
ção da natureza ou, se prefere, do espetáculo satisfarão. Mas estes diferentes tons diminuem-se
que o Pater omnipotens aeterne Deus exibe mutuamente. É preciso que os diversos tons que
diante dos nossos olhos. As linhas perpendicula­ utilizo fiquem equilibrados de tal forma que se
res a esse horizonte dão a profundidade. Ora, não destruam uns aos outros. (. . .) Uma nova
para nós, homens, a natureza é mais em pro­ combinação de cores sucederá à primeira e dará
fundidade que em superfície, daí a necessidade a totalidade da minha representação. Sou obri­
de introduzir nas nossas vibrações de luz, repre­ gado a transpor e é por isso que se afigura que o
sentadas pelos vermelhos e amarelos, uma quan­ meu quadro mudou totalmente quando, após
tidade suficiente de azuis para fazer sentir o ar." modificações sucessivas, o vermelho substituiu
Em outra carta, também a Émile Bernard (fe­ nele o verde como cor dominante."
vereiro de 1904): "O desenho e a cor não são Na mesma época em que começam as exposi­
coisas distintas; à medida que se vai pintando, ções dos fauves em Paris, surge o Expressionismo
vai-se desenhando; quanto mais a cor se harmo­ na Alemanha, misturando aos elementos pura­
niza, mais o desenho se precisa. Quando a cor mente germânicos e nórdicos forte influência
atingiu sua riqueza, a forma chegou à sua pleni­ dos trabalhos de Van Gogh e Gauguin. Esco­
tude. Os contrastes e as relações de tons, eis o lhendo a "pon te" como símbolo, o primeiro gru­
segredo do desenho e do modelado. ( .. .) Dese­ po expressionista, a Brücke (Kirchner, Heckel,
nhe; mas é o reflexo que é envolvente, a luz, Bleyl, Schm idt-Rottluff e mais tarde Nolde) de­
graças ao reflexo.geral, é o que envolve." sejava demonstrar sua fé na arte do futuro.
Vivia-se na Europa o período pré-futurista em Ligados ao Expressionismo alemão, aparece­
que vários movimentos de vanguarda estavam ram os trabalhos do norueguês Edvard Munch
prestes a eclodir. Sem princípios ou programa (1863-1944) e do suíço Ferdinand Hodler
estabelecido, surgiram os fauves, participando do (1853-1918). Em sua Crônica da Brücke, Ernst
imperioso arrebatamento da vida. "Alguns belos Ludwig Kirchner (1880-1938) disse: "Acolhe­
temperamentos, em toda a sua petulância e mos todas as cores que, direta ou indiretamente,
inquietação da juventude, se encontraram para reproduzem o puro impulso criador."
formar esta labareda: alunos do atelier de Gusta- Mesmo depois de sua ligação com a Brücke,
ve Moreau, Matisse, Marquet, Camoin, Manguin; Emil Nolde (1867-1956) continuaria "um artista
Friesz e Dufy, vindos do Havre; Derain e Vla- isolado na arte alemã do século XX. Nele a cor
minck, que estão em Chatou; Van Dongen, que torna-se ativa, uma força elementar acionada por
está em Montmartre. (. . .) Se lhes chamaram um movimento íntim o e um abalo espiritual.
"Fauves" (feras), foi por efeito de um dito espi­ Sua pintura se expande na superfície, e ele reduz
rituoso e sem que ninguém alguma vez tivesse os graus tonais a poucas unidades de cor, gran­
pensado em reduzir o Fauvismo a um corpo de des e circunscritas. A figura perde sua forma na­
doutrinas. Tratava-se de uma explosão, mais tural em favor de uma interiorização e de uma
ainda, de um escândalo. O seu fulminante raio sensibilidade apaixonada. O prim itivo, o elemen­
foi lançado no Salon d'Automne, de 1905. Foi tar e o terrestre tornam-se evidentes na pintura
no Salon seguinte que o crítico de arte Vaux- de Nolde. A tinta a óleo é, para ele, uma matéria
celles, entrando na sala em que estavam expostas que escoa com dificuldade. Sejam nuvens, mar
as obras de Matisse e dos seus companheiros, e
descobrindo, perdidos naquela confusão de co­
res, alguns pequenos e ajuizados bronzes do es­ ( 24) Jean Cassou — Obra citada.

130
ou casas, animais ou flores, todas as coisas se obra. A pintura não possuía tema, náo represen­
movimentam num ritm o pesado e são penetradas tava nenhum objeto identificável, era composta
de uma surda melancolia. Mas, nas aquarelas, unicamente de manchas luminosas de cor. Final­
suas cores se aclaram na mais suave e bela trans­ mente me aproximei, e só então foi que vi o que
parência" (2S). era realmente — minha própria tela que estava
Seguindo-se à Brücke, surgiu em Munique o colocada de lado sobre o cavalete. . . Uma coisa
grupo do Blaue Reiter (Cavaleiro Azul), reunin­ me ficou então perfeitamente clara: a objetivi­
do Kandinsky, Paul Klee, Frans Marc, August dade, a descrição dos objetos não tinham ne­
Macke, Max Ernest, etc., que transformaria o nhum lugar em minhas telas e lhes eram até pre­
Expressionismo em verdadeiro prelúdio da Arte judiciais."
Abstrata. Por outro caminho, ao romper a forma tra­
dicional da estrutura do objeto, o movimento
O ABSTRACIONISMO cubista também abria as portas da pintura à
abstração, com a ruptura entre forma e cor
Pairavam no ar, indefinidamente, novos ele­ como concepção plástica. Para Picasso, o Cubis­
mentos de extraordinárias possibilidades. Em 14 mo é uma arte que se preocupa acima de tudo
de julho de 1907, August Macke (1887-1914) com as formas, porque, "quando uma forma está
declarava: "Coloquei agora toda a minha salva- realizada, permanece sempre, para viver sua
> ção na busca da cor pura. Na semana passada, própria vida." Esta seria a definição do Cubismo
tentei compor cores sobre uma tábua sem pensar ortodoxo ou analítico, seguido por seus criado­
em nenhum objeto real." Um ano depois, res Pablo Picasso e Georges Braque (1882-1963).
Wilhelm Worringer (Abstraktion und Einfühlung) Braque destacou-se sempre como representan­
falava da abstração como "fenômeno contem­ te da alta linhagem do intelectualismo plástico.
porâneo e expressão da necessidade interior." Artista de enormes recursos técnicos, apesar de
Considerado o pai da pintura abstrata, sua fidelidade cubista, foi também um dos res­
Kandinsky coloca-se também entre os mais des­ ponsáveis pela vitória definitiva das concepções
tacados teóricos do abstracionismo.'Seus livros inobjetivas em arte. Sua pintura de valores quen­
Du Spirituel dans l'Art (1910-1912) e Du tes e sombrios, valorizando magistralmente os
Point et de la Ligne au Plan revelam um espí­ pretos, pode ser tomada como a essência do re­
rito voltado para as especulações filosóficas, mas quinte máximo da Escola de Paris. Em numero­
são acima de tudo obras de um profundo conhe­ sos aforismos, Braque nos revela seus conceitos
cedor dos problemas da pintura, guiado por uma estéticos: "O pintor não se preocupa em recons­
extrema sensibilidade à cor. titu ir uma anedota, mas em constituir um fato
Segundo ele, a obra de arte compõe-se de dois pictural. ( . . . ) A nobreza vem da emoção con­
elementos: "o interior e o exterior. O interior é a tida. (. . .) Não sou um pintor revolucionário.
emoção na alma do artista; esta emoção tem a Não procuro a exaltação, o fervor me basta.
capacidade de despertar uma emoção idêntica na (. . .) Onde se faz apelo ao talento, é que falta
alma do observador." O elemento exterior é a imaginação." Vendo a série de suas paisagens
constituído pelos meios materiais. Afirmava deformadas geometricamente. Matisse dissera
ainda Kandinsky que a arte moderna só existe que pareciam cubos, e daí o rótulo da Escola
"quando os signos se transformam em símbolos." Cubista.
Como tem acontecido inúmeras vezes na his­ Menos de um ano após o aparecimento do
tória das grandes descobertas, ocorreu também Cubismo, surge na Rússia um movimento plás­
no aparecimento da arte abstrata um feliz acaso tico de enorme vitalidade, sintetizando o espí­
(rigidamente dentro das leis da possibilidade), rito de vanguarda de toda a Europa. Em 1909
que determinou o ponto inicial de uma arte e 1910 Nathalie Gontcharova eMichel Larionov
essencialmente e voluntariamente não objeti­ expuseram suas primeiras telas raionistas, autên­
va. Essa descoberta de Kandinsky é descrita por ticas raízes da arte abstrata. Segundo Larionov, a
seu autor (26): "Deixei meu desenho e, entregue pintura raionista, "ao mesmo tempo que conser­
a meus pensamentos, abri a porta do atelier, en­ va ‘ o estímulo da vida real, podia tornar-se ela
contrando-me brutalmente defronte de um qua­ própria." Nessa pintura, a cor deveria ter he­
dro de uma beleza indescritível e incandescente. gemonia idêntica à do som na música. Em outras
Estupefato, parei onde estava, fascinado por esta palavras: uma pintura que seja cor, assim como
a música é som.
Aspirando a uma arte cada vez mais colorida,
( 25) L u d w ig G rote — Apresentação da Representação Alemã. Ca­ Robert Delaunay (1885-1941) daria outra orien­
tálogo da V Bienal de São Paulo. São Paulo, 1959. tação aos trabalhos cubistas, criando o Orfismo.
( 2i ) H e rb e rt Reed — Obra citada. Em 1912, Apollinaire incluiria os nomes de Lé-

\ 131
ger, Picabia e Marcel Duchamp na lista dos pin­ Tal como Delaunay, Kasimir Malevitch (1878-
tores órficos. No Orfismo já se encontram deli­ 1935) sofreu as influências de Cézanne, do
neados os princípios que orientariam Delaunay Fauvismo e do Cubismo antes de atingir sua
em toda a sua vida e assim expostos por A polli­ linguagem individual universalizada: o Suprema-
naire: " . . . a arte de pintar novos conjuntos com tismo, contribuição originalíssima para a arte
elementos emprestados, não à realidade, mas moderna.
inteiramente criados pelo artista e dotados por Grande animador da vanguarda moscovita —
ele de uma potente realidade. As obras dos artis­ ao lado do Gontcharova, Larionov, Tatlin,
tas órficos devem apresentar simultaneamente Rodchenko e Kandinsky — Malevitch tornou-se
um prazer estético puro, uma construção que não somente uma das figuras centrais da arte
atinja os sentidos e uma significação sublime, russa, mas também do mundo ocidental.
quer dizer, o conteúdo. É a arte pura." Dominando a técnica figurativa, Malevitch
Fora Delaunay influenciado inicialmente pe­ passou pelo Cubismo e em 1913 chegou aos li­
las idéias de Cézanne e mais tarde pelo movimen­ mites extremos dos meios da pintura ao realizar
to fauvista. Sua aspiração maior era ultrapassar o o famoso Quadrado Preto sobre Fundo Branco,
que fizeram Seurat e Signac. Apesar de reconhe­ desenhado a lápis. Em 1919, pintou a réplica do
cer a importância dos trabalhos dos pontilhistas, trabalho anterior: Quadrado Branco sobre Fun­
Delaunay fazia-lhes algumas restrições: "Foi o do Branco. A arte estava libertada do objeto.
genial Chevreul que, por seus estudos teóricos, Os fundamentos teóricos de sua obra encon­
chamou a atenção para as leis das cores simul­ tram-se no livro publicado na Alemanha pela
tâneas. Seurat foi sensibilizado, mas Seurat não Bauhaus, em 1927, O Mundo sem Objeto, no
teve audácia para levar a composição até o rom­ qual Malevitch define o Suprematismo como "a
pimento com todos os meios convencionais da supremacia da pura sensibilidade na arte".
pintura. A linha e o claro-escuro ainda estão na Nesse livro, defendendo-se da acusação de
base plástica de sua arte." conduzir a pintura para um deserto, afirmou:
Com Delaunay, as preocupações e especula­ "Mas esse deserto está cheio da sensibilidade
ções cromáticas atingem seu mais alto ponto, e objetiva que penetra tudo." Em outro trecho,
tiveram influência decisiva sobre importantes ele retratou magnificamente o drama do homem
artistas de outros países, como Franz Marc e frente à imposição do artista: "Também eu fui
Paul Klee. Na estética de Delaunay, "a natureza invadido por uma espécie de timidez e hesitei até
não é mais um tema para descrição, mas um pre­ a angústia quando se tratou de deixar o "M undo
texto, uma evocação poética de expressão por da vontade e da representação" no qual vivera e
meio de planos coloridos que se ordenam pelos criara e em cuja autenticidade acreditara. Mas o
contrastes simultâneos." Os ritmos de seus qua­ sentimento de satisfação que experimentava pela
dros derivam de formas circulares em relações libertação do objeto levou-me cada vez mais
de contrastes e dissonâncias na expressão mais longe no deserto, até onde nada era autêntico se­
severa e mais pura. não a simples sensibilidade — e foi assim que o
Na opinião de Pierre Francastel (27),"a pintu­ sentimento se tornou a essência de minha vida.
ra de Delaunay é, a um tempo, abstrata e realis­ O quadrado que expusera não era um quadrado
ta; ele abre caminho a toda uma série de pesqui­ vazio, mas o sentimento da ausência do objeto."
sas das formas, em que o equivalente exato é Criador de uma pintura pura, as aparências
encontrado na escultura de Brancusi e de onde exteriores da natureza não apresentavam qual­
sairia mais tarde a expressão realidades concre­ quer interesse para Malevitch — o essencial resi­
tas, em oposição às formas abstratas ou figurati­ dia na natureza da sensibilidade, independente­
vas nascidas de uma especulação que tem por
mente do meio em que germinara.
objetivo a comunicação de um estado de alma
A pintura de Malevitch, em sua coragem
ou de uma impressão sentimental, não de uma
extrema, encerra a mesma atitude mística dos
visão."
grandes visionários, inventando, ali onde a c ríti­
Para Delaunay, a cor era ao mesmo tempo
ca vira apenas um deserto, "um mundo de for­
forma e assunto, decorrendo daí a principal dife­
mas de parentesco geométrico — retângulos, cír­
rença no emprego da cor por ele e pelos grandes
culos, linhas esbatidas, linhas cruzadas (a cruz
coloristas que o antecederam. Enquanto os
teve grande papel nas composições de Malevitch,
outros a empregaram para pintar os objetos, ou que, em seu testamento, pediu para ser enterra­
aspiraram transformá-la na própria vida, ele a do com os braços assim dispostos) — sempre
utilizou com a finalidade expressa de ser apenas conjugadas num espaço neutro e nele criando
cor, para pintar a própria cor. movimento. O beco sem saída que seu quadro
( 21) Pierre Francastsi — "D u Cubisme e l'A r t A b s tra it". Paris, de 1913 aparentemente constituía dera uma
1957. possibilidade nova à pintura — eé relativamente

132
à sua invenção que a arte abstrata geométrica te, destacando-se como a pintura mais autentica­
subseqüente (como o neoplasticismo de Mon- mente popular de nosso século.
driaan) se explica e ganha sentido. Arte espiri­ Cercada da mesma aura popular, revivendo o
tual, e a mais espiritual de todas, a de Malevitch, mistério dos ícones em forte debrum preto, sur­
que se traduz em poucas obras conhecidas ge a mágica pintura de Georges Rouault (1871-
(Seuplror informa, porém, haver 60 peças guar­ 1958). No contraste do preto, exacerba o brilho
dadas em algum lugar da Alemanha), repre­ das cores como se fossem as luzes filtradas por
senta a extrema posição idealista do Abstracio- um trágico vitral.
nismo" (28). Em seu desenvolvimento, a arte inobjetiva
Revelando o cerne da teoria estética de um ganharia numerosos adeptos e exerceria marcan­
mundo que antevia, afirmou que a realidade na te influência em todos os domínios das artes vi­
arte não é mais que o efeito da cor sobre os suais. Neste panorama, Kandinsky e Piet
sentidos. Mondriaan (1872-1944) apresentam-se como os
Em meio a tantos movimentos artísticos sur­ chefes de duas tendências extremas — tachista
giu, ligada à Escola de Paris, uma personalidade ou informalista e neoplasticista — e "entre eles
isolada que traria em sua pintura a marca das uma dúzia de movimentos ou grupos propõem
principais conquistas do século: Marc Chagall problemas afins" í30). Antes de adotar os ele­
(Vetebsk, Rússia — 1887). Nessa pintura de mentos geométricos dos constru ti vistas em
visões surrealistas em que os objetos hierarqui­ 1921, Kandinsky estimulara com sua obra a cor­
zados são iluminados por clarões de relâmpa­ rente informalista que resultaria noTachismo.
gos, fazendo lembrar El Greco, a unidade apa­ Já a abstração de Mondriaan, iniciada em
rece "não em proporções espaciais ou formas 1911, tenderia progressivamente para a precisão
plásticas, mas em algo de mais fluido, de mais geométrica, dando origem ao Neoplasticismo,
variado, de mais dúctil, para sequir a sua va­ difundido pela revista "De S tijl" a partir de
gabundagem fantástica — a co r" (29). 1917. A simplicidade rítmica das formas de
Conceitualmente, a cor estava liberta para ini­ Mondriaan, que se baseavam em verticais e hori­
ciar sua marcha no sentido de participar da so­ zontais formando retângulos sempre próximos
ciedade que emergia do processo tecnológico. da divisão áurea, corresponde à mestria do em­
Estavam lançadas as raízes da nova era artística prego das três cores primárias, juntamente com
que teria como joio uma requintada arte de con­ o branco, o cinza e o preto. Os exemplares mais
sumo. A criança que apenas engatinhava podia representativos desta fase são os da série
ser explorada à vontade. Mas, para os espíritos Broadwy-Boogie-Woogie (1942-1943), em que
mais avisados, o trigo que estava submerso no transparece a adoção das proposições de
joio era ao mesmo tempo pão e semente, nutrin­ Malevitch e do ex-professor da Bauhaus Josef
do o presente e preparando o futuro onde deverá Albers (1888).
aparecer o pintor, tal como predizia Van Gogh: Dentro do mesmo princípio de valorização
"um colorista como nunca existiu". A confusão geométrica usado pelo Suprematismo, Constru-
e o descaminho eram apenas aparentes. A arte, tivismo e Concretismo, Victor Vasarely (1908)
revigorada por tantos meios ao seu alcance e terminaria por realizar o ideal da Op-Arte, fazen­
deslumbrada com a própria infância, prepara-se do funcionar a forma num sentido de movimen­
para novos embates. tação e excitação visuais que por vezes tange as
Enquanto a abstração abria caminho na arte raias da alucinação. Desta maneira se inscreveria
européia, o México vivia uma experiência pictó­ a Op-Arte no domínio da Arte Cinética, que em
rica de alcance extraordinário, cujas conseqüên­ seu período mais original se vale da cor como
cias estão longe de se terem esgotado. Com certa elemento indispensável à criação da ilusão óptica.
independência da Escola de Paris, mas por ela Na procura de novos meios de enriquecimento
condicionados, procurando reviver origens au­ da comunicação visual, vários artistas encontra­
tóctones, os muralistas José Clemente Orozco ram na eletrônica os elementos de sua linguagem.
(1883-1949), Diego Rivera (1886-1957) e Davi d À cor viria juntar-se o som. Buscando a unida­
Alfaro Siqueiros (1898-1974) fizeram uso de co­ de entre som e cor, as experiências iniciadas no
res violentas, por vezes brutais, na busca do reen­ século X V III pelo padre Castel, autor do
contro do espírito nacional. Essa técnica — mais Clavessin Occulaire, teriam inúmeros conti-
nativista em Orozco — tornou-se originalíssima e nuadores. Entre eles destacaram-se o dinamar­
influenciou a pintura mural de todo o Continen- quês Wilfred, que em 1905 tenta a realização de

( M) José Augusto França — " D icionário da P intura Universal".


Lisboa, 1962. f 30) A rtu r Nobre de Gusmão — ~D icionário de P intura Universal".
f * 9) L io n a llo V enturi — Obra citada. Lisboa. 1962.

133
seu Clavilux, finalmente construído em 1919, nico para controlar fontes de luz colorida por
dando origem à arte Lumia; Wladimir Baranoff- meio de freqüências e de volume de som, e
Rossiné, com seu Disco Optofônico (1914-1926); Nicolas Schõffer, autor de uma Torre Cibernética
Raul Haussmann, também construtor de outro com finalidade estética. Em vários países surgi­
tipo de Optofone (1927); K urt Schwerdtfeger, ram as fontes luminosas para entretenimento pú­
criador do Jogo de Luz Colorida Refletida blico. Todas essas experiências desembocariam
(1923); E. P. Paterson, com seu Circuito Eletrô­ nos modernos espetáculos de Son et Lumière.

134
VI
O Emprego das
Cores no Brasil
O Emprego das
Cores no Brasil
"Há pintores que pintam de ouvido. "
Cândido P ortinari

"A mão sabe a cor da cor. "

Carlos Drum m ond de Andrade


A Mão

Do confronto dos três elementos étnicos mesmo autor nos informa: "Já se observou tam­
fundamentais da população brasileira surgiu um bém que entre os nossos Bororo orientais não
gosto estético que cada vez mais se distancia do existe uma palavra para designar a cor verde,
gosto de cada grupo original. No tocante à cor, quando eles têm adjetivos para o branco, preto,
os padrões dominantes do gosto europeu deixa­ vermelho, amarelo, roxo e azul. Mas isso será
ram-se influenciar pelos dos negros e indígenas, uma exceção entre os nossos índios, que se mos­
o que gerou um gosto caracteristicamente mesti­ tram perfeitamente conhecedores de todas as
ço, diferenciado do dos demais povos, residindo cores, inclusive nas mais sutis gradações de seus
aí o núcleo de sua originalidade. matizes."
Nos períodos de aproximação dos diversos Influenciada pela riqueza cromática da flora
grupos de seu caldeamento e do nascimento de e da fauna, estimulada pela exigência da decora­
sua síntese, o gosto pelas cores modifica-se a ção corporal, desenvolveu-se a mais importante
cada estágio. das artes dos índios brasileiros: a plumária. O
Período autóctone — As descrições da maio­ interesse por essa manifestação artística acen­
ria dos cronistas que tiveram contato com a arte tuou-se entre os estudiosos das coisas brasileiras
indígena brasileira — produzida em regime estri­ nas últimas décadas, à medida que se começou a
tamente tribal, sem influência de outros povos — tomar consciência de sua significação e de suas
demonstram admiração pela sensibilidade revela­ possibilidades estéticas para o enriquecimento
da no dom ínio das formas e das cores. As opi­ cromático de nossas artes visuais.
niões de Hans Staden, Jean de Lery, Thevet, "Os ornamentos de penas são ricos e varia­
Gabriel Soares, Cardim e Yves d'Evreux confir­ dos, entre as várias tribos Tupi-Guarani. Métraux
mam o.conceito geral. pôde estudá-los detidamente no Museu de Cope­
Frei Gaspar de Carvajal, que em 1540 acom­ nhague, que possui a mais rica coleção de anti­
panhou Orei lana em sua viagem, assim enalteceu gos objetos desses índios ( .. .) a rica arte plumá­
a cerâmica dos índios Omagua: ". . . havia talhas ria dos Tupinambá até hoje é conservada entre as
e cântaros enormes, de mais de vinte e cinco ar­ tribos Tupi do Tapajós, especialmente entre os
robas, e outras vasilhas pequenas, como pratos, Apiacá e os Mundurucu" (32).
escudelas e candieiros, tudo da melhor louça que Encontrando à sua disposição as mais varia­
já se viu no mundo, porque a ela nem a de Mála- das espécies de pássaros coloridos, e praticando
ga se iguala, é toda vidrada e esmaltada de todas com mestria a arte de transformar a cor das pe­
as cores, tão vivas que espantam, apresentando, nas dos pássaros (tapiragem), especialmente do
além disso, desenhos e figuras tão compassadas, papagaio, os índios manejavam uma gama
que naturalmente eles trabalham e desenham de cores infinitamente mais rica de tonalidades
como o romano" (31). e variações naturais do que a das paletas com
Sobre a difundida tese de que vários povos pigmentos corantes dos pintores de qualquer
primitivos não distinguiam o azul do verde, o época. Como exemplo, citamos apenas algumas
(*l) Citação de Gastão Cru/s em " A rte Indígena" (As Artes Plás­ ( 3i) A rth u r Ramos — “ Introdução i A ntropologia Brasileira".
ticas no Brasil. Rio, 1952). Rio, 1971.

137
plumas usadas por eles, segundo H. Fénelon e Eliseu Visconti introduziu entre nós as conquistas
Georgette Dumas (33): do Impressionismo, ampliando o vocabulário de
Vermelho-escarlate — da arara-canga (Ara nossas artes visuais. Neste mesmo sentido, merece
macao — Linn). destaque, pelo menos, um quadro de Antônio
Amarelo-escuro — da cauda do japu (Osti- Parreiras, Sete Notas, pintado para o saguão do
nops decumanus — Palias). auditório da Escola Nacional de Música.
Amarelo-limão — do pescoço da guarajuba Com um colorido agressivo, procurando
(Guaruba guarouba — Gmelin). temática diferente, Tarsila do Amaral inscreve na
Azul — do anambé azul (Cotinga cayana). pintura brasileira uma nova visão de caráter semi- »
Roxo — do anambé roxo (Cotinga cotinga). popular. No mesmo sentido surge a arte de
Verde — dos periquitos e araras. Emiliano Di Cavalcanti (1897-1977), em que as
Pardos-matizados, com brilho de bronze — cores são condicionadas pelo sensualismo das
da pomba trocai (Columba speciosa — Gmelin). formas. Alberto da Veiga Guignard, possuidor de
Negro-veludo — da cabeça do saí (Cyanepes sensibilidade particularíssima, expressaria em /
cyaneus - Linn). cores veladas, da escala de valores, um elevado
Negro com reflexos metálicos verdes — do conteúdo poético, de clima psicológico incon­
dorso do mutum (Crax pinima — Pelzeln). fundivelmente brasileiro.
Das cores de origem vegetal as mais usadas Marcando a fase mais importante da pintura
eram o preto do jenipapo e o vermelho do uru- nacional, Cândido Portinari realiza a síntese dos
cu (Bixa orei lana), este últim o m uito empregado vários caminhos de nossa evolução na aplicação
até hoje pelas populações do interior, principal­ da cor, em que os contrastes francos e a crepita- >
mente no preparo do arroz, obtendo-se com ele ção cromática atingem os mais altos níveis de
uma bela coloração avermelhada. mestria. Exemplos eloqüentes encontram-se nos
Períodos colonial e imperial — A tríade rosa, quadros Primeira Missa no Brasil e Chegada de
azul e branco tornou-se característica destes pe­ D. João VI.
ríodos, por sua grande utilização nos altares, for­ Com amplas chapadas de valores e tons lumi­
ros de igreja, oratórios, estandartes e vestuários nosos, José Pancetti renova o interesse pela pai­
para procissões, pinturas de casas, enfeites de sagem marinha.
interiores e baús. Revestindo-se de caráter sim­ Nos dias atuais, nossa pintura vive fase de
bólico, como em outros países, também no afirmação nacional, com possibilidades de relati­
Brasil o branco é ainda hoje a cor para o enxoval vo êxito no plano internacional — êxito que não
de noivas, o rosa e o azul para o de meninas e depende apenas do trabalho artístico. Dos vários
meninos recém-nascidos. milhares (por volta de dez) de artistas espalhados
A arte do primeiro período, essencialmente por todo o País, somente algumas dezenas conse­
religiosa, inspira-se em sua maior parte nas ilus­ guem viver exclusivamente da pintura. Neste pe­
trações dos missais e estampas portuguesas. Seu queno número estão alguns de nossos melhores
colorido é cru nas cores dominantes, e os fundos pintores, capazes de ombrear-se tecnicamente
quase sempre rebaixados com preto ou terras, com os maiores artistas contemporâneos.
o mesmo acontecendo com as sombras. Com o emprego de valores bem cuidados,
No segundo período, com a criação da Impe­ como o fizera Lasar Segall (1891-1957), M ilton
rial Academia de Belas-Artes, a exemplo de vá­ Dacosta (1915) e Iberê Camargo (1914) realizam
rios países europeus a arte se torna dependente importante obra. O primeiro, em valores claros,
do Estado Monárquico, implantando-se então pouco numerosos, tirando partido de sensíveis
um absolutismo neoclássico. Apesar das restri­ áreas lisas debruadas. O segundo, numa violenta
ções acadêmicas, o estudo da cor faz avançar os escala soturna, valorizando a intensidade dos
conhecimentos prático-teóricos, e a primeira pretos.
geração de pintores acadêmicos já demonstra Num aluvião de primitivos destaca-se o es­
esse enriquecimento técnico. O amadurecimento pontâneo colorido de Heitor dos Prazeres (1898-
do trato com a cor possibilitou a formação de 1966), bem como os vivos contrastes cromáticos
notáveis coloristas, como Almeida Júnior, feste­ de Djanira Mota (1914).
jado pela luminosidade de seus quadros, e Batis­ Vindo de outras plagas para inscrever-se e
ta da Costa, que, atento às sutilezas cromáticas, contribuir decisivamente em nosso processo ar­
revelaria em pintura a riqueza de verdes da pai­ tístico, aparece a hipersensibilidade cromática
sagem brasileira. de Alfredo Volpi (1896).
Período moderno — Abrindo caminho à Na área da vanguarda, Abraão Palatnik cria
compreensão das correntes modernas européias, trabalhos cinéticos com dispositivos eletrônicos
( * * ) Darcy R ibeiro — "A rte Plum ária dos índios K e a p o r R i o , (cinecromáticos): "uma caixa munida de uma
1957. tela sobre a qual aparecem grandes formas em

138
cor pastel animadas de movimentos lentos" í34). tornarem símbolo de juventude, de descontração
Também eletronicamente, Newton de Sá (1932) e democratização da indumentária de ambos os
pesquisa há vários anos a conjugação das artes sexos e de todas as idades.
plásticas, do cinema e da literatura em comple­ De modo geral, o que melhor define o gosto
xas caixas-espetáculo. pela cor, no Brasil, é sua utilização nos desfiles
Com a descoberta do domínio da cor inexis­ das Escolas de Samba durante o Carnaval. Em
tente, em 1967, estabeleceu-se um debate em di­ avenidas decoradas com metais polidos, plásticos
ferentes níveis de apreciação, desde os aspectos transparentes à guisa de vitrais, poliéster, jogan­
negativos da concorrência artística às mais diver­ do com os efeitos da iluminação elétrica, desfi­
sas especulações baseadas em dados científicos, lam milhares de foliões fantasiados com o má­
estéticos e humanísticos. O ambiente artístico, ximo de inventiva popular (enfeites de plumas,
mesmo sem o perceber, lucrou de imediato com tecidos brilhantes, brocados, vidrilhos, pedrarias,
os termos da discussão, liderada pelos elementos lantejoulas e materiais sintéticos, em contraste
mais significativos do meio. Elevando-se as preo­ com volumosas roupas ou com a semi-nudez de
cupações a novos estágios de compreensão e de corpos excitantes de uma população mestiça fo r­
assimilação, enriqueceu-se de maneira irreversí­ temente marcada pelo sangue negro). Com suas
vel a subjetividade e, conseqüentemente, passou- alas, motivos históricos ou populares, figurantes
se a enxergar mais, a ver um atraente mundo de em destaque, mestres-salas e porta-estandartes,
cores ali onde o olhar displicente nem de leve tais agremiações apresentam magníficos arranjos
suspeitava da existência (inexistência) de sutis cromáticos. A completa desinibição, o colorido,
variações e reverberações da luminosidade. os ritmos e as melodias, longe de formarem um
Nas artes populares e na pintura dos artistas todo erótico, revelam uma alma coletiva nostál­
primitivos, a vivacidade do colorido está intima­ gica e de uma pujança telúrica quase aterradora.
mente ligada às reminiscências e influências dos De tal forma as cores têm influência nos des­
amuletos, oratórios, estandartes, paramentos, files das Escolas de Samba que comumente elas
máscaras, alegorias e decorações ambientais usa­ são designadas por suas cores diferenciais: Verde
dos nos cultos religiosos e folguedos populares, e Branco, Império Serrano; Verde e Rosa, Esta­
como chegança, reisado, bumba-meu-boi, cava­ ção Primeira de Mangueira; Vermelho e Branco,
lhada, maracatu, carnaval, festa junina, etc. Acadêmicos do Salgueiro; Azul e Branco,
Por complexos elementos subjetivos, durante Portela.
o período em que se procurava depreciar o A influência da cor no viver popular revela-se,
ufanismo, a combinação das cores verde e amare­ ainda, em certos termos e expressões que, mes­
la era considerada de mau gosto para uso pes­ mo não definindo satisfatoriamente a cor deseja­
soal, sendo reservada quase exclusivamente à de­ da, possuem grande poder evocativo ou sabor lo­
coração de festividades oficiais, cívicas e esporti­ cal, dando colorido à narrativa oral e às obras li­
vas. Atualmente, porém, é usada em larga escala terárias regionais. Eis alguns exemplos: cor de
no vestuário, nas artes gráficas e decorativas, nos jambo — moreno claro, no sentido de belo; cor
símbolos e marcas empresariais, na decoração de de canela — mulato; cor de cuia — mulato, forma
interiores, etc. E para as amplas camadas popula­ pejorativa; cor de mel — castanho dourado; cor
res as cores nacionais evocam, acima de tudo, o de jabuticaba — designação de olhos pretos; cor
clima de euforia da conquista do tricampeonato de graúna — preto intenso; tição — negro retinto;
mundiaí de futebol. café-com-leite — beje; pedrês, o mesmo que cari­
Num caráter internacionalizante, a partir da jó — branco salpicado de preto; baio — castanho;
década de 60 o uso de cores vivas no vestuário bico-de-lacre — lábios exageradamente verme­
vem-se acentuando. O vermelho, que antes era lhos; cor de burro quando foge — cor indefinida,
utilizado apenas nos trajes esportivos, passou a gasta; azular — sumir, fugir; verde-periquito —
ser adotado pela juventude na roupa cotidiana verde intenso; verde-bandeira — aproximado ao
como forma de protesto. A partir do vermelho, verde-esmeralda; verde-abacate — verde-oliva cla­
as demais cores puras (azul, verde, amarelo, vio­ ro; .amarelo-canário — amarelo vivo; ruço — par­
leta, etc.) foram incorporadas à moda geral, alar­ dacento, cor arruinada, desbotado; rubro-negro
gando o sentido inicial de contestação, para se — vermelho e preto, cores do Clube de Regatas
do Flamengo; tricolor, termo usado para desig­
nar o Fluminense Futebol Clube — vermelho,
verde e branco; alvinegro (branco e preto) — Bo­
( * ) Frank P o p p e r- “ L 'A rt C inetique". Paris, 1968. tafogo de Futebol e Regatas.

139
vu
Elementos de
Harmonia
I

t
7
Considerações
Gerais
"Lacerado pelas pa/avras-bacantes
visíveis tácteis audíveis

Orfeu O rftu Orfele


Orfnós Orfvós O rfeies"
M urilo Mendes (Enxergo)

Apesar do grande desenvolvimento das artes dos. Isto significará que não há uma lógica para
visuais, não há uma teoria acabada para o em­ seu emprego, ou que há várias? Exatamente neste
prego da cor na pintura, como ocorre com o som particular residiu até o século X V II a dificulda­
na música e a palavra na literatura. de para o estabelecimento e aceitação de uma
Costuma-se dizer que a música foi a arte que teoria: as múltiplas e contraditórias possibilida­
mais demorou a se desenvolver, devido ao tardio des de arranjo da infinita gama de cores. A essa
aparecimento da grafia musical. No entanto, a dificuldade acrescia a da obrigatoriedade do
teoria musicai demonstra uma coerência compa­ respeito aos códigos cromáticos (de origem reli­
rável à da literatura, em sua linha ascensional de giosa ou de ordem utilitária), que impediam se
permanente organização e incorporação dos no­ aprofundasse a busca das leis físicas capazes de
vos meios técnicos, o que não acontece com a determinar a teoria.
pintura. Diferentemente do que se passava com a cor,
Desde a Antiguidade Clássica procura-se esta­ como não havia contradições fundamentais
belecer paralelos entre a pintura e a música, entre a idéia que se fazia do som e sua realidade
entre a cor e o som. A busca inicial de analogia física, treze séculos antes de Leonardo tentar a
entre esses dois elementos decorria do desejo de definição de uma teoria das cores já Cassiodoro
provar a origem comum dos sentidos humanos. definira a harmonia musicai de maneira razoavel­
Quando hoje se afirma que a visão se desenvol­ mente correta.
veu com a experiência tátil, ou que a audição só Desde suas origens grega e latina, o termo har­
se completa com o auxílio de reminiscências monia foi bastante impreciso, significando pro­
visuais pu táteis, retomam-se antigos problemas porção, ajustamento e arranjo. Só bem mais
ainda em debate, mas numa escala infinitamente tarde ganharia um sentido definido: disposição
mais complexa. bem ordenada das partes de um todo. "Quando
O que retardou o aparecimento da teoria da mesmo dentro da totalidade se percebem os ele­
cor foi a dificuldade em explicar o que era a cor, mentos que a integram, cabe denominá-la har­
explicação que só se tornou convincente quando monia" (Goethe). Estas partes poderão estar em
se pôde definir a luz e a transformação do estí­ repouso (acordes — harmonia em repouso) ou
mulo luminoso em sensação. desencadeadas (harmonia em movimento).
Dividindo as imagens visuais em forma(de- Ao afirmar que uma cor e sua complementar
senho das áreas) e cor, constata-se que desde produzem o branco, Newton criou o elemento
Pitáípras o estudo da forma foi possível, enri­ básico do acorde cromático, definindo a dispo­
quecido sempre com verdades absolutas. A Divi­ sição das partes (cores opostas) em relação ao
na Proporção de Luca Pacioli é imutável, como todo (luz branca). Uma cor qualquer e sua com­
são imutáveis as verdades das formas geométri- plementar rebaixada ou degradada formam um
qas de Euclides. No emprego da cor a verdade acorde que corresponderia em música à harmo­
escamoteia-se. Os mais belos coloridos de um nia em repouso. Uma cor dominante entre tona­
período podem negar integralmente a lógica de lidades afins produz contrastes que guardam
uma regra aplicada no colorido de outros perío­ certa analogia com a harmonia em movimento,

143
chamada em musica de escrita horizontal (desen­ som e cor, e fundamentando-se sobre o princípio
cadeamento, sucessão de sons no tempo — fator da vibração do ar e da luz, tentou-se demonstrar
da melodia e do ritmo). É evidente que esta ana­ que a pintura também tinha seu contraponto.
logia só pode ser relativa, uma vez que a música De outra parte, ensaiou-se fazer com que as
se desenvolve no tempo, e a pintura constrói-se crianças pouco dotadas para a música decoras­
no espaço. Mas, mesmo construída no espaço, sem uma melodia com o auxílio de cores. Mada-
a apreensão de seu todo se processa no tempo, me A. Sacharyne-Unkowsky estabeleceu um
subordinada a uma hierarquização de valores método especial que permite copiar a música
perceptivos ligada inicialmente à adaptação vi­ através das cores da natureza, ver os sons em co­
sual, em seguida ao tempo de latência e depois res e escutar a cor dos sons".
à interferência psíquica. Encarada pelo ângulo Com vista à maior clareza do texto musical,
perceptivo, tanto a fruição da pintura como a Wagner recorreu às cores como indicação suple­
da música desenvolvem-se no tempo, diferen­ mentar, escrevendo numa de suas composições:
ciando-se apenas em índices de quantidade. vermelho para as cordas, verde para as madeiras
Uma pintura de apreensão instantânea era o (sopro), negro para os metais. Mas ele não aceita­
ideal perseguido pelos cartazistas Cassandra e va a sinestesia como elemento de composição,
Paul Colin. Por não ser possível a instantaneida- deixando bem clara sua opinião: "Tenho encon­
de almejada, sonhavam com um cartaz de formas trado pessoas inteligentes sem conhecimento
tão simples, de apreensão tão rápida, que fosse musical, para quem as formas dos sons não têm
como "um grito na parede", mas eles sabiam que expressão, que tentam interpretá-los por analo­
mesmo o grito mais breve tem certa duração. gia com as impressões das cores; mas nunca en­
A maioria dos termos usados pelos musicólo- contrei um musicista a quem os sons transmitam
gos são igualmente utilizados pelos teóricos da idéia de cores, exceto quando acompanhados de
cor: harmonias consonante e dissonante, escala explicação verbal."
cromática, escalas em modo maior e menor, Do ponto de vista estritamente objetivo, as
tom, colorido, ritm o, fuga, etc. experiências não confirmam as várias tentativas
Em busca de vínculos cada vez mais estreitos de relacionamento entre cor e som, tomada por
entre a cor e o som, têm surgido ao longo da His­ base a emoção. Os maiores êxitos neste campo
tória inúmeros trabalhos de caráter experimental foram conseguidos com o emprego do espectró-
que procuram equivalências físicas ou fisiológi­ grafo acústico, em que o som em itido exerce
cas entre os sons e as cores. Apesar de tudo, a sobre o ar uma pressão definida que faz variar
sinestesia não conseguiu sair do campo experi­ o brilho de uma lâmpada especial, impressionan­
mental para o científico. do lâminas fotográficas. Desta maneira obtém-se
A descoberta de Max Planck, segundo a qual um espectrograma que registra, sob a forma de
a visão cromática é fruto da ressonância interior manchas específicas, os componentes acústicos
da luz transformada em vibração nervosa, tem do som.
sido identificada por alguns estudiosos com o A mais difundida relação criada entre os pla­
princípio sonoro de Rameau, referente à resso­ netas (mais o Sol e a Lua), as cores e os sons é
nância natural. Essa vibração já inquietava a seguinte:
Newton, que, ao analisar a relação entre cor e Marte vermelho C — dó
som, indagava: "A qualidade das sensações exci­ Sol laranja D -ré
tadas no fundo do olho pela luz não é de nature­ Mercúrio amarelo E — mi
za vibratória? Os raios mais refrangíveis não ex­ Saturno verde F -fá
citam as vibrações mais curtas? O menos refran- Vênus azul G — sol
gível, a maior? Pode a harmonia ou dissonância Júpiter índigo. A - lá
das cores nascer das proporções das vibrações Lua violeta B — si
propagadas através das fibrilas do nervo óptico Nesta escala, o relacionamento entre as cores
ao cérebro, como a harmonia e dissonância dos e as notas musicais foi realizado por Newton.
sons nasce das proporções das vibrações do ar?" Sobre o assunto afirmou Goethe: "O homem
Vários artistas têm procurado demonstrar a sempre intuiu certa relação entre a cor e o som,
analogia de certas cores com determinados sons, segundo demonstram as várias comparações fei­
chegando alguns até à afirmação da possibilidade tas, às vezes superficiais, às vezes profundas. Só
de se enxergar o som e de se ouvir a cor, como que sempre se incorria no seguinte erro: cor e
Skrjabin, que escreveu a partitura do Prometeu som não se prestam a comparações, mas se po­
com acompanhamento de cor. Kandinsky co­ dem unir ambos em uma forma superior e deri­
menta o assunto da seguinte forma: "Teórica e var uma e outro dela, mas cada um em separado.
também experimentalmente, já se estudou esta O som e a cor são como dois rios que nascem na
questão. Graças a numerosas aproximações entre mesma montanha, porém em condições m uito

144
diferentes, e correm em direção contrária, de
maneira que não oferecem nenhum ponto de Oxido de magnésio...................................98%
analogia em seus cursos. Ambos são ações ele­ Branco de z in c o ....................................... 89%
mentares que se regem pela lei geral da desunião Branco de m a rfim ..................................... 79%
e unificação, crescimento e decréscimo, movi­ Amarelo-de-cádmio p u r o ........................ 70%
mento e contra-movimento, mas em direções di­ V e rde -lim ão..............................................60%
ferentes e de forma diferente, sobre elementos Cinza m é d io .............................................. 50%
intermediários distintos e para sentidos diferen­ Laranja.......................................................50%
tes." Estes conceitos de Goethe correspondem Verde-esmeralda....................................... 40%
aos princípios da Frenologia de F. J. Gall. A zu l-de-cobalto....................................... 30%
Vermelho-de-cádmio ............................... 19%
HARMONIZAÇÃO DE VALORES E TONS Azul-ultramarino ..................................... 10%
Azul-da-prússia....................................... 6%
Tanto a escala de valores como a de tons obe­ Preto de m a rfim ....................................... 4%
decem a certas leis gerais de harmonização que
conduzem as partes a uma integração equilibrada
dentro do todo. Amarelo com 573 m/x, 78% de pureza,
Os limites extremos da escala de valores são o 68,50% de refletância.
branco, representando a luz, e o preto, sua au­ Verde com 520 rn/u, 30% de pureza, 13,70%
sência. Nesta escala pode-se inserir também qual­ de refletância.
quer cor-pigmento, partindo do coeficiente de Azul com 480 m/u, 60% de pureza, 20,20%
claridade de cada uma delas em relação aos valo­ de refletância.
res intermediários, existentes entre o branco e o Violeta com 565c mfi, 43% de pureza, 5,30%
preto. de refletância.
Dando-se coeficiente 100 para o branco ideal,
e 0 para o preto absoluto, um azul-de-cobalto
com 30% de reflexão luminosa exigirá 70% de
degradação para atingir o branco e 29% de rebai­
xamento para chegar ao preto. Um amarelo-de- ESCALA DE VALORES
cádmio com 70% de reflexão percorrerá distân­
cias exatamente inversas para atingir o branco A organização racional de vários índices de
(30%) e o preto (69%) (ilust. 42). Estas diferen­ luminosidade das imagens coloridas ou incolores
ças de claridade é que motivaram os desloca­ denomina-se escala de valores, em oposição à
mentos de aproximação e afastamento das cores escala de tons (cromática).
em relação ao branco e ao preto, na Árvore de Na escala de valores, a harmonia é revelada
Munsell. pelo equilíbrio de três pontos referenciais: máxi­
Para o trabalho de harmonização empregam- ma luminosidade, máxima obscuridade e lumino­
se comumente as cores-pigmento de uso corrente sidade intermediária entre os dois índices extre­
entre os pintores e decoradores. As diferenças de mos (cinza-médio). O cinza-médio tem grande
coloração do pigmento de um fabricante para beleza, funcionando primordialmente como ele­
outro (e até de cada remessa do mesmo fabrican­ mento catalisador de induções cromáticas.
te), de cfualidade da superfície pintada, de espes­ Numa escala de tons e valores (ilust. 42), as
sura da camada de tinta aplicada e, ainda, de ilu­ cores saturadas degradam-se no sentido do bran­
minação impedem a determinação precisa do co e rebaixam-se no sentido do preto. Por isto,
grau de reflexão de cada cor. Levando isto em as que têm afinidade com o branco — as de
conta, consideram-se então, apenas como dado maior índice de reflexão luminosa (o amarelo e
aproximativo, os índices percentuais de reflexão as cores em que ele predomina) — são mais belas
para os valores e cores enumerados no quadro da quando se degradam ou se dessaturam com o
coluna ao lado. branco do que quando rebaixadas ou escurecidas
A capacidade de refletância de determinados pela mistura com o preto. No entanto, as cores
corpos é que indica a qualidade da cor, criando que guardam afinidade com o preto — as de me­
uma relação entre comprimento de onda, pureza nor índice de reflexão (vermelhos e azuis) — são
e refletância: mais belas rebaixadas pelo preto do que quando
degradadas pelo branco. Assim como as cores
Púrpura com 494c mn, 47% de pureza, claras turvam-se e descaracterizam-se ao serem
21,25% de refletância. rebaixadas pelo preto, as escuras aniquilam-se e
Vermelho com 602 m/i, 75% de pureza, perdem consistência ao serem degradadas pelo
19,55% de refletância. branco.

145
TONS E VALORES que o simples rebaixamento da cor gritante pelo
marrom ou pelo preto.
A harmonização dos tons com o emprego do Em largas extensões, o cinza-colorido serve
claro-escuro apresenta certa facilidade para o também como base para a cor dominante ou,
pintor, em relação à harmonização dos tons pu­ ainda, como suporte da unidade de coloração ge­
ros. No entanto, não é fácil dominar superior­ ral da pintura (ilust. 43).
mente todas as possibilidades de combinação das O cinza-colorido é um cinza misturado em
escalas de tons e de valores. O simples conheci­ proporções variáveis a uma cor qualquer. Pode
mento lógico não basta para levar o pintor a este obter-se o cinza inicial de duas maneiras: a) pela
domínio. A sensibilidade exigida para a perfeita mistura do branco e do preto; b) pela mistura
harmonização dos tons puros é igualmente ne­ das três cores primárias, ou de pares de cores
cessária na conjugação de tons e valores, quando complementares. Este últim o cinza é m uito mais
se trata da aplicação dos princípios enunciados belo que o primeiro, devido à riqueza de suas
a seguir. possibilidades cromáticas.
Para a harmonização de um acorde comple­ Num esquema cromático rígido, de reminis­
mentar, misturam-se em partes ópticas iguais os cência acadêmica, afirma-se que quando três co­
dois tons a serem harmonizados e coloca-se a res estão em presença uma da outra apenas uma
mistura entre eles. A mistura produz um cinza- delas deve ser levada ao máximo de intensidade,
neutro, que determina o caráter misto da har­ a segunda ser diminuída e a terceira levemente
monização. Esta poderá ser chamada, também, sugerida. Este princípio continua válido para as
de equilíbrio pelo tom-rompido. Neste caso, a harmonias mistas, de tom e valor, porque o re­
mistura (cinza-neutro) fará com que a cor fria baixamento ou degradação de tons já indica a
do acorde funcione como cor dominante, por entrada da escala a que pertençam na gama de
efeito de ressonância. Da mesma forma, o ele­ valores. Nesta gama os cinzas desempenham fun­
mento quente que há na mistura, em ressonân­ ção primordial.
cia, servirá de passagem ou cor intermediária "Para convencer-se da eloqüência dos cinzas
entre os extremos. e da faculdade singular que têm os tons de ser vi­
Tomemos como exemplo o acorde disso­ vificados por' contraste, não existe experiência
nante vermelho-verde. A mistura de ambos pro­ mais interessante que o seguinte passatempo:
duzirá um cinza-neutro que será a cor interme­ juntar, entre papéis e trapos velhos, todos os que
diária com ressonância da cor dominante verde. possam ser classificados sob o mesmo rótulo, por
Igualmente por ressonância, fará a passagem exemplo cinza-amarelado. Colocar esses frag­
para o vermelho, cor tônica da harmonia. O mentos, diferentes por suas dimensões e forma,
acréscimo de vermelho ou de verde ao tom- sobre um papel branco: causará surpresa com­
rompido neutro, funcionando como cor inter­ provar que tons da mesma natureza, apenas dife­
mediária, formará novos acordes harmônicos renciados, se animam por justaposição. Deslizan­
sempre agradáveis. do debaixo de alguns desses fragmentos — dei­
A eliminação de um dos pólos da contradi­ xando transparecer o branco do fundo — alguns
papéis pretos, se obterá um esquema cheio de
ção é o caminho mais fácil para o equilíbrio do
acorde complementar. Basta rebaixar com pre­ vida, uma preparação quase suficiente para um
quadro. Bastará agregar a essa discreta sinfonia,
to a cor fria, ou degradar com branco a cor
aqui um tom complementar — neste caso um
quente.' Com o emprego do branco e do preto,
cinza-azulado—, mais adiante um tom da mesma
podem-se rebaixar igualmente os dois tons do
natureza, bastante violento — um alaranjado —,
acorde dissonante, conduzindo-o para a área dos
para lograr um conjunto de grande vivaci­
cinzas-coloridos.
dade" (14).
CIN Z AS-CO LO RI DOS Em que pese à riqueza dos tons misturados a
valores, o caminho natural das harmonias mistas
Para o enriquecimento da pintura feita à ba­ é no sentido do claro-escuro colorido. Por esta
razão a tríade que encerra todas as suas possibili­
se de valores, é indispensável a utilização dos
dades é a formada pelo branco e pelo preto ao
cinzas-coloridos. Estes cinzas podem ser empre­
lado de um tom puro. Estes três elementos, re­
gados com várias finalidades. Em geral, são mis­
presentando o desenvolvimento máximo que po-
turados às cores que sobressaem demasidamente
do conjunto, para rebaixá-las. Têm sido usados
tanto pelos grandes coloristas, na criação de cli­ f 14) A n d ré L h o te — Obre citada.
mas emocionais, como pelos pintores inexperi­
entes, para contornar dificuldades da vibração Ilust. 42 — Representação dos índices de luminosidade (apro­
cromática. Este recurso, no entanto, é mais feliz ximados) de diferentes cores.

146
E S C A L A D E T O N S E V A L O R E S

índices de
luminosidade
(aproximados)
%

90

80

70

60

50

40

30

20

10

0
148
Ilust. 43 — Diminuindo o impacto cromático das cores, o cinza facilita a
harmonização dos acordes. Página ao lado: a — cores rebaixadas e dessaturadas
com cinza; b — escala de tom e valor, formada por um magenta e um cinza claro.
Ilust. 44 — Tom -rom pido. À medida que os tons complementares se inter­
penetram, inicia-se o processo de ruptura do tom. Quando as duas cores mistu­
radas atingem proporções equivalentes, surge o cinza-neutro. Acorde magenta-
verde. Por mistura gradativa com verde, o magenta vai perdendo crominância
até atingir o cinza-neutro no centro. Pela mistura com o magenta, o verde tam­
bém cria uma escala que vai até o cinza-neutro. Fenômeno idêntico de mistura
é produzido pelos outros dois acordes: amarelo-azul-violetadoeciano-vermelho.
1

dem atingir as partes que integram ocinza-colo- escuras, e nas claras elimina-lhes toda a lumino­
rido, constituem fator comprobatório do caráter sidade, sujando-as, ao passo que o rebaixamento
predominantemente de valor da escala harmôni­ pela ruptura do tom por sua complementar cria
ca mista. O cinza-colorido é uma síntese evocati­ novas tonalidades, sempre belas, tanto para as
va, e sua beleza advém da força levemente indi­ cores claras como para as escuras.
cada de todas as qualidades latentes das cores e Uma cor primária com sua complementar
valores que o formam. contêm todos os elementos cromáticos da natu­
Quando vários cinzas-neutros estão uns ao la­ reza — por isso, a mistura de ambas em equilí­
do dos outros, influenciam-se mutuamente, fa­ brio óptico produz o cinza-neutro, eqüidistante
zendo com que o mais claro deles pareça ainda das duas cores geratrizes.
mais claro e que o mais escuro pareça mais escu­ Quando se adiciona qualquer quantidade de
ro ainda. Em presença de um tom puro, eles ten­ cor primária à sua complementar, ou da comple­
dem a tingir-se da cor complementar do tom. 0 mentar à primária, desde que não atinja o equi­
cinza-claro é o campo ideal para a projeção dos líbrio óptico, produz-se a ruptura do tom (ilust.
tons coloridos. Tal como os cinzas-neutros, os 44). Portanto, o tom-rompido é o tom rebaixado
cinzas-coloridos são extremamente sensíveis ao pela mistura com sua complementar, ou com
contraste simultâneo, podendo um cinza leve­ qualquer cor de característica oposta.
mente azulado parecer tingido de forte azul, Os tons-rompidos mais comuns são os produ­
quando colocado ao lado de um laranja saturado. zidos pela mistura do vermelho com o verde, do
Conhecidos desde o Renascimento, estes fe­ amarelo com o violeta e do azul com o laranja,
nômenos foram estudados detidamente por ou do magenta com o verde, do amarelo com o
Chevreul, sob a denominação geral de contrastes azul-violetado e do vermelho com o ciano.
simultâneos de tons e valores (ilust. 67). - Partindo do magenta numa extremidade e
Quando bem aplicado, o cinza-colorido pro­ do verde na extremidade oposta, à medida que
voca a sensação de veladura, de cor potencial em os dois tons-rompidos se aproximam do cinza-
ritm o de desenvolvimento. Daí o seu encanto neutro, no centro, o magenta ganha maior quan­
misterioso. A manipulação desses cinzas pode tidade de verde, e o verde maior quantidade de
revelar uma capacidade colorística tão grande magenta. Idêntico fenômeno de interpenetração
quanto a da manipulação dos tons puros. ocorre com as demais duplas complementares.
Pode-se ainda romper o tom misturando-o
TONS-ROMPIDOS com o cinza-neutro produzido pelas três cores
primárias.
Os grandes coloristas de todos os tempos va- O que valoriza os cinzas-neutros e os tons-
leram-se, na harmonização, dos cinzas-neutros e rompidos é a capacidade que têm de substituir
dos tons-rompidos para elevar ao máximo a vi­ os tons intermediários nas harmonias mistas,
bração de suas cores. O rebaixamento pela mis­ sem rebaixar demasiadamente o valor cromático
tura com preto ou marrom só é válido nas cores da escala.

150
2
Harmonização

"Je jouais avec les couleurs comme on


p o u rra it s'exprim er en musique par la fugue
des phrases colorée, fuguées. "
R obert Delaunay
Les Cahiers Inédits

Dos vários sistemas gráficos ou tridimensio­ na pintura), precisa, concreta e evocativa, mas
nais de representação das cores criados no pas­ restrita a um número relativamente pequeno de
sado por Mayer, Lambert, Goethe, Runge, iniciados.
Chevreul, Bezold, Maxwell, Rood, nenhum con­ A grande dificuldade que encontra a aplica­
seguiu impor-se como método internacional. ção dos códigos referenciais de cores são o des­
Apesar do grande prestígio dos trabalhos de conhecimento dos elementos específicos das
Ostwald e de Munsell, seus sistemas de notações áreas a que se destinam, a inexperiência e incapa­
e codificações foram sempre mais utilizados com cidade visual da população dos vários países, tor-
finalidades extra-estéticas, permanecendo restri­ nando-se necessária a adoção de métodos que
tos a âmbitos regionais. sensibilizem e ensinem a ver mais e melhor.
No campo científico, com emprego obrigató­
rio na área da Física, nosso século conheceu a
primeira sistematização gráfica das cores real­ SISTEMA GRÁFICO DE
mente aceita em escala mundial: o diagrama tri- HARMONIZAÇÃO DE CORES
cromático XY Z (tríplice estímulo), recomenda­
do em 1931 pela Comissão Internacional de Ilu­ Os conhecimentos acumulados nas várias dis­
minação (CIE), onde os três coeficientes colori- ciplinas que estudam as manifestações cromáti­
métricos têm as seguintes correspondências: cas, em suas inúmeras particularidades, levam-
X = Vermelho, Y = Verde e Z = Azul. Este sis­ nos a reconhecer que existem na natureza três
tema complementa com inúmeras vantagens o grupos principais de estímulos visuais. Um for­
sistema RGB (R = Red, G = Green e B = Blue). mado pelas cores-luz e dois pelascores-pigmento.
A partir da utilização dos dados recomenda­ Numa representação em círculo de 12 tons,
dos pela CIE, as referências às cores tornaram-se as cores-luz primárias vermelho, verde e azul-
mais precisas, por aperfeiçoarem os meios de co­ violetado, com as secundárias magenta, amarelo
dificação colorimétrica, expressos matematica­ e ciano, prodüzem as terciárias vermelho-violeta-
mente, indicando o comprimento de onda cor­ do, laranja, amareio-esverdeado, verde-azulado,
respondente ao estímulo desejado. azul e violeta (ilust. 45). Nesta disposição, tere­
Com isto, desenvolve-se cada vez mais a espe­ mos 7/12 de cores predominantemente frias e
cificidade das três formas de designação das co­ 5/12 de cores quentes. Exatamente a mesma
res. A primeira, verbal, valendo-se por vezes do proporção indicada por Newton em seu círculo
encanto poético e sugestivo de comparações com cromático. A curiosidade que surge nesta organi­
elementos naturais, mas sofrendo o mal de uma zação é a evidência da relatividade da composi­
nomenclatura variável e imprecisa. A segunda, ção e estrutura da cor, quando se alteram os fa­
matemática e precisa, mas evocativamente abs­ tores de luminância e refletância. O laranja e o
trata para o grande público, por tratar apenas violeta, habitualmente vistos como cores secun­
das qualidades inerentes aos estímulos. A tercei­ dárias no círculo cromático de Goethe, apare­
ra, linguagem cromática (da própria cor utilizada cem como terciárias, enquanto o azul tirante ao

151
cobalto, que é primária em cor-pigmento opaca,
surge como cor terciária.
Desde as descobertas do gravador alemão J.
C. Le Blon em 1730, os pintores e os gráficos
adotaram o vermelho, o amarelo e o azul como
tríade primária. Com o desenvolvimento das pes­
quisas físicas e químico-físicas, das indústrias
gráficas e das emulsões e películas para filmes a
cores, tornou-se evidente que o vermelho não é
cor primária em cor-pigmento. Consagrou-se,
então, universalmente, a tríade magenta, amare­
lo e ciano como a verdadeira geratriz das demais
cores-pigmento (ilust. 46), tendo, tal como as
cores-luz, 7/12 de cores frias e 5/12 de cores
quentes.
A tríade magenta, amarelo e ciano encontra
maior rendimento em precisão cromática nas
emulsões transparentes (películas fotográficas,
impressões gráficas, aquarelas, etc.). Daí termos
escolhido para elas a denominação de cores-pig-
mento transparentes, em oposição à outra tríade
de cores-pigmento, que chamamos opacas (en-
cáustica, óleo, têmpera, etc.).
A mistura do vermelho com o azul em cores-
pigmento não produz o violeta, o que demonstra
que o vermelho não é cor primária (geratriz),
mas, pela facilidade do emprego do vermelho já
pronto em cor-pigmento opaca, os pintores con­
tinuam a utilizar a tríade indicada por Le Blon
(ilust. 47). Esta tríade, ao inverso das anteriores,
contém 5/12 de cores frias e 7/12 de cores
quentes.

CfRCULO DE HARMONIZAÇÃO
E MODULO DE MENSURAÇÃO

No in tuito de estabelecer o maior controle


possível sobre as múltiplas manifestações dos fe­
nômenos cromáticos relativas às atividades, reu­
nimos uma série de observações num conjunto
esquematizado, que denominamos Sistema Grá­
fico de Harmonização de Cores. O Sistema é
constituído por dois Círculos de Harmonização Ilust. 4 5 — C írculo das 12 cores-luz. Primárias: verm e
e um Módulo de mensuração. lho, verde e azul-violetado; secundárias: magenta, amarelo e
ciano, formando 7/1 2 de cores frias e 5/12 de cores quente.
As mais variadas experiências na manipula­
ção da cor ao longo da História demonstram que
todos os fenômenos cromáticos são regidos basi­
camente por apenas quatro fatores: a) qualidade
— características das cores; b) forma — caracte­
rísticas das áreas coloridas; c) quantidade — ex­
tensão das áreas coloridas; d) posicionamento —
relacionamento e integração das áreas coloridas.
Para estudar e representar a qualidade das
cores, criamos os dois Círculos de harmonização:
Círculo 1 e Círculo 2. Ambos estão divididos ao
meio, horizontalmente. Na metade superior do

152
Ilust. 46 — C írculo das cores-pigmento transparentes. Ilust. 47 — Cores-pigmento opacas. Primárias: vermelho,
Primárias: magenta, amarelo e ciano, as mesmas cores que amarelo e azul; secundárias: laranja, verde e violeta. Ao con­
são secundárias em cor-luz. O vermelho, o verde e o azul- trário dos círculos anteriores, este é constituído por 5/12
violetado em cor-pigmento transparente sâo cores secundá­ de cores frias e 7/12 de quentes.
rias. Este círculo tem as mesmas cores terciárias que o ante­
rior, bem como a mesma proporção de cores frias e quentes.

153
Ilust. 48 — Círculos de harm onização. As cores e os valores estão
colocados diametralmente opostos às suas cores e valores complemen­
tares, desde os tons saturados até a complementação branco-preto, no
centro de cada círculo. Os quatro semicírculos se completam, a parte
de cima de um com a parte de baixo do outro, formando dois círcu­
los: um de cores dessaturadas, no sentido do branco, e o outro de co­
res rebaixadas, no sentido do preto.
Círculo 1, partindo de seu maior índice de^cro- ciano (I), do lado oposto do mesmo anel, mas
minância, as cores dessaturam-se no sentido do pertencente ao outro semicírcuío. A seguir, cada
branco central, ao passo que na metade inferior um dos valores do vermelho degradado (C1d,
as cores se rebaixam até atingir o preto. C2d, C3d, C4d, C5d, C6d) defronta-se com seu
As duas metades do Círculo 2 complemen­ valor complementar rebaixado, colocado no
tam as duas metades do Círculo 1, de maneira mesmo anel, mas no semicírculo oposto (I1r,
que todos os 12 tons aparecem formando esca­ I2r, I3r, I4r, I5r, I6r).
las de dessaturação e de rebaixamento na conju­ Traçando uma reta que passe pelo centro
gação dos quatro semicírculos. do círculo, teremos no primeiro anel cada um
Os Círculos de harmonização são compostos dos tons puros, diametralmente opostos ao seu
por sete anéis concêntricos. No primeiro anel, as tom complementar. Nos anéis seguintes, cada se­
cores saturadas estão diametralmente opostas à mitom rebaixado (r) defronta-se com seu semi­
suas complementares. Nos anéis seguintes, de tom complementar dessaturado (d), a saber: E1r
acordo com o semicírculo a que pertençam, com K1d, B3r com H3d, e assim por diante, até
elas se degradam até atingir o branco no interior atingir o branco oposto ao preto, no centro do
do semicírculo, ou se rebaixam até o ponto no círculo (ilust. 50).
centro do outro semicírculo (ilust. 48).
Obietivando a facilidade de notação, os dois MODULO DE MENSURAÇÃO
Círculos de harmonização foram assim codifi­
cados: a partir da esquerda, junto à linha hori­ Toda harmonia revela uma verdade íntima
zontal que divide cada círculo está o magenta, da cor. A cor isolada ou desajustada perde esta
designado pela letra A. Logo a seguir, no sentido capacidade. O que denominamos tons sujos, em
dó movimento dos ponteiros do relógio, situa-se pintura, são efeitos cromáticos provocados por
o vermelho-violetado, designado pela letra B. cores ou valores desajustados. Tais desajustes
Depois vêm as demais cores com as designações: tanto poderão ser de qualidade como de forma,
vermelho = C, laranja = D, amarelo = E, amarelo- quantidade ou posicionamento.
esverdeado = F, verde = G, verde-azulado = H, Numa relação cromática qualquer, a cor-
ciano = I, azul = J, azul-violetado = K e violeta pigmento expressa sua grandeza através da di­
= L (ilust. 49). mensão da área de superfície (cor catóptrica).
Nesta disposição (Círculo 1), o vermelho (C) Para a criação de uma harmonia, além da quali­
em seu maior grau de crominância, no primeiro dade das cores empregadas é necessário encon­
anel, defronta-se com sua cor complementar: trar as mais adequadas relações de proporção

Ilust. 4 9 — Na página ao lado, em cima, aparece a


codificação das áreas do círculo de harmonização. No
primeiro anel, as cores saturadas são representadas
pelas letras A, B, C, D, E, F, G, H, I, J. Nos anéis se­
guintes, os números de 1 a 6 indicam o grau de dessa­
turação ou de rebaixamento da cor.

Ilust. 50 — As cores e os tons estão diametralmente


opostos às suas colorações complementares.

Ilust. 51 — M ód u lo de mensuração de cores, consti­


tuído por 100 Unidades-Padrão {U P), de 1 cm5 cada
uma. No centro do módulo aparece a U P f5 dividida
em 1 0 0 subunidades-Padrão (sP) de 1 m m 2.

157
sPa I sPa2 sPa3 sPa4 sPa5 sPa6 sPa7 sPa8 sPa9 $Pa10

sP b l sPb2 sPb3 sPb4 sPb5 sPb6 sPb7 sPb8 sPb9 sPb10

sPc1 sPc2 sPc3 sPc4 sPc5 sPc6 sPc7 sPc8 sPc9 sPc10

sPd 1 sPd2 sPd3 sPd4 sPd5 sPd6 sPd7 sPd8 sPd9 sPd10

sP el sPe2 sPe3 sPe4 sPe5 sPe6 sPe7 sPe8 sPe9 sPe10

sP fi sPf2 sPf3 SPÍ4 sPf5 sPf6 sPí7 sPf8 sPÍ9 sPf10


CO

CO

sP g l sPg2 sPg4 sPg5


CL

sPg6
O)

sPg7 sPg8 sPg9 sPg10

sPhl sPh2 sPh3 sPh4 sPh5 sPh6 sPh7 sPh8 sPh9 sPh10

SPi1 SPÍ2 sPi3 sPi4 sPi5 sPi6 sPi7 sPi8 sPi9 sPi10

s P ji sPj2 sPj3 sPj4 sPj5 sPj6 sPj7 sPj8 S pj9 sPj10


IPv1 IPv2 IPv3 IPv4 IPv5 IPv6 IPv7 IPv8 IPv9 IPv10

llust. 52 — Ampliação de 8 vezes de uma Unidade-Padrão (U P), de 100 subunidades-


Padrão (sP) com o posicionamento de cada uma delas, das linhas-Padrão horizontais
(IPh) e das linhas-Padrão verticais (IPv).

158
UPa1 UPa2 UPa3 UPa4 UPa5 UPa6 UPa7 UPa8 UPa9 UPa10

UPb1 UPb2 UPb3 UPb4 UPb5 UPb6 UPb7 UPb8 UPb9 UPb10

jl| j UPc2 UPc3 UPc4 UPc5 UPc6 UPc7 UPc8 UPc9 UPcIO

p| UPd2 UPd3 UPd4 UPd5 UPd6 UPd7 UPd8 UPd9

UPe1 UPe2 UPe3 UPe4 UPe5 UPe6 UPe7 UPe8 UPe9 UPe10

UPf1 UPf2 UPÍ3 UPf4 UPf5 UPf6 UPf7 UPf8 UPf9 UPf10

UPg1 UPg2 UPg3 UPg4 UPg5 UPg6 UPg7 UPg8 UPg9 UPg10

UPh1 UPh2 UPh3 UPh4 UPh5 UPh6 UPh7 UPh8 UPh9 UPh10

UPÍ1 UPi2 UPÍ3 UPÍ4 UPÍ5 UPÍ6 UPÍ7 UPÍ8 UPÍ9 UPÍ10

Pli] UPj2 UP|3 UPj4 UPj5 UPj6


■ UPj8 UPj9 UPjlO

Ilust. 53 — M ód u lo constituído por 100 Unidades-Padrão na escala de 1/1,


indicando o posicionamento de cada UP.

entre quantidades e formas das áreas coloridas, dos Módulos, poderemos representar qualquer
ressaltando o melhor posicionamento para elas. grandeza de área, infinitesimal ou infinita.
Alterando-se qualquer destes elementos, alteram- A codificação da representação gráfica das
se na mesma proporção os resultados harmôni­ áreas é a seguinte: Unidade-Padrão = UP, dividi­
cos da obra. da em 100 sP (de sPal a sPj 10), 10 linhas hori­
No sentido de oferecer meios mais precisos zontais IPh (de IPh 1 a IPh 10) ou em linhas ver­
de medidas e anotações a quem utilize a cor como ticais IPv (de IPvl a IPv10) (ilust. 52).
linguagem, sistematizamos em Módulos de men- Módulo = M, constituído por 100 UP (de
suração os dados de quantidade e de posiciona­ UPa1 a UPj10) (ilust. 53).
mento que geram as formas.
A unidade básica referencial é a Unidade-Pa- COMBINAÇÃO DE CORES
drão (UP) de 1cm2. O módulo (M) de 10cm2
surge como organização quadrangular da soma Denomina-se combinação de cores a pro­
de 100 Unidades-Padrão. priedade que têm certos pares de cores de fo r­
A UP divide-se em 100 partes iguais de mar acorde — cores que se ajustam umas às
1mm2 cada uma. denominadas subunidades-Pa- outras, em duplas. Por efeito de ação de contras­
drão (sP), ou em 10 linhas-Padrão (IP) de 10mm tes simultâneos, todas as duplas tendem, em
x 1mm. maior ou menor grau, a formar acordes conso-
A linha-Padrão é formada por 10 sP, com a nantes ou dissonantes, segundo a natureza das
dimensão de 10mm x 1mm, ficando assim a mesmas. Em princípio, pode-se afirmar que toda
Unidade-Padrão dividida por 10 linhas ou por cor combina com qualquer outra, o que não sig­
100 quadrados padronizados (ilust. 51). nifica que todo grupo de cores forme uma har­
Dividindo, somando ou multiplicando as monia. Assim como não existe em termos abolu-
áreas das subunidades, das Unidades-Padrão e tos uma qualificação de cor bela e de cor feia,

159
não existe também dupla de cores irreconciliá­ Comumente a harmonia é confundida com a i
veis, impossíveis de serem combinadas. Uma cor combinação ou acorde de cores. Neste, a ação de
combina com outra por afinidade, semelhança, semelhança e de contraste das partes constitui a
aproximação, etc., ou por contraste, desseme- unidade e, portanto, seu princípio geral. Mas a
Jhança, oposição, etc. harmonia, pressupondo o equilíbrio de um con­
Para formação do equilíbrio no acorde de junto de partes ou de unidades para formar uma
uma dupla de cores, há três métodos principais: totalidade de novo tipo em relação aos elemen­
1) Pela intensificação ou diminuição do tom tos que a integram, exige algo que ultrapasse o
ou do índice de luminosidade de uma das cores, simples acorde.
sem perda de crominância. Tomemos como Um vermelho e um verde, um amarelo e um
exemplos as duplas complementares; violeta, um azul e um laranja, tomados dois a
dois, podem formar acordes, mas não uma har­
Magenta-verde:
monia. Para que surja a harmonia é necessária a
a) Mantendo o magenta em seu estado natu­
superação do conflito das forças contrárias, ex­
ral, pode-se tornar o verde mais claro pela mistu­
presso pela ação dás complementares. Por isso,
ra com o amarelo, ou mais escuro, com o azul.
b) Deixando o verde em seu estado natural, Newton afirmara que as complementares não
são o princípio da harmonia, fundando-se esta
pode-se escurecer o magenta com o azul, ou cla­
numa maneira qualquer de identidade das partes,
reá-lo com o amarelo.
e não na simples oposição das mesmas.
Amarelo-azul-violetado:
A dificuldade para a harmonização das cores
a) Conservando o amarelo em seu estado na­
puras é bem maior do que para a harmonização
tural, pode-se clarear o azul-violetado pela mistu­
de valores coloridos ou incolores. Enquanto nes­
ra com o ciano, ou escurecê-lo com o magenta.
ta última os conflitos são eliminados pela adição
b) O amarelo não pode tornar-se mais claro
do branco e do preto, na primeira o conflito só
pela mistura com qualquer outra cor. Com o
terminará através do equilíbrio harmônico, e
branco, perde cromaticidade, dessaturando-se.
não pela extinção da vibração das cores confli­
Seu escurecimento, entretanto, poderá ser obti­
tantes.
do pela mescla com o vermelho, quando se tor­
na alaranjado, ou com o azul, tornando-se esver­ Desde o Renascimento a harmonia cromática
deado. vem sendo definida como o resultado do equilí­
brio entre a cor dominante (a que ocupa maior
Ciano-vermelho: extensão no conjunto, ou seja a maior área da
a) Deixando o vermelho em seu estado natu­ escala) a cor tônica (coloração vibrante que, por
ral, pode-se clarear o ciano pela mistura com o ação de contraste complementar, dá o tom ao
verde, ou escurecê-lo com o magenta. conjunto) e a cor intermediária (coloração que
b) Clareia-se o vermelho misturando-o com o forma a passagem, meio-termo entre a dominan­
amarelo, e obtém-se o seu escurecimento com o te e a tônica).
magenta.
Os grandes coloristas modernos — principal­
2) Pela dessaturação ou rebaixamento do
mente Robert Delaunay — demonstraram que a
tom, através da mistura com o branco ou com o
mais bela harmonia cromática é exatamente a
preto. Nestes casos a perda de crominância dos
que indicara Goethe: a formada pelas cores puras
tons é inevitável e marcha-se para combinações do espectro solar; ou ainda a variante que tende
de valores. para a harmonia mista, feita por Mondriaan em
3) Péla utilização do debrum, ou cercadura
sua série Broadway Boogie-Woogie, em que se
das cores. O branco, o preto, ou a mistura deles equilibram as três cores-pigmento opacas, com a
— o cinza —, sempre equilibram os tons que en­ degradação de apenas uma delas, servindo como
volvem. Mas nestes casos já não se pode mais cor dominante, outra funcionando como tônica
falar em acordes de dois tons. As cores puras,
e a terceira no papel de intermediária (ou passa­
debruadas por eles, criam um acorde de três ele­
gem) entre as duas primeiras.
mentos, que pertence ao grupo dos acordes
mistos. Numa organização racional, André Lhote
(Tratado dei Paisaje) esquematizou as funções
harmônicas das três cores-pigmento e suas com­
HARMONIA DE TONS, OU CROMÁTICA plementares, nos seguintes termos: "A parte
mais próxima do olho ou a mais luminosa, em
A harmonia cromática expressa o equilíbrio duas palavras, o ponto que deve parecer o mais
dos elementos mais ativos da escala de tons. sólido, terá como cor fundamental o alaranjado.
Nesta escala as cores puras (tons) substituem as A parte mais carente de luz, ou a mais afastada
funções dos valores de luzes e sombras (claro- do olho, a que deva parecer menos sólida, será
escuro). de dominante azul. Só faltará, para proceder à

160
ESCALA CROMÁTICA EM MODO MAIOR
(Gênero Quente)

(Gênero Frio)
ESCALA CROMÁTICA EM MODO MENOR

t
iiust. 55. ESCALA CROMÁTICA EM MODO MAIOR

ESCALA CROMÁTICA EM MODO MENOR


passagem do laranja ao azul, colocar ao lado do vinculam aos sons graves em música. Assim tam­
laranja as duas cores primárias que o compõem: bém as cores frias se identificam com os sons
o amarelo e o vermelho, e nos compartimentos agudos e formam a escala em Modo Menor.
seguintes, a mescla de cada uma dessas cores pri­ No círculo de 12 tons, tomando-se do ma-
márias com o azul. Assim teremos o violeta ao genta ao verde (no sentido do movimento dos
lado do vermelho, e o verde ao lado do amarelo. ponteiros do relógio) como limites da escala,
O laranja e o azul estarão sobre a horizontal e todos os tons intermediários serão quentes, fo r­
as complementares se encontrarão sobre a mando a escala em Modo Maior. Os tons frios,
diagonal." que se encontram entre o verde e o magenta,
Esta unidade harmônica pode interpretar-se
formam o Modo Menor (ilusts. 54 e 55). Por ser
como formada pelo contraste de dois acordes
o círculo contínuo, e as cores interpenetrarem-
consonantes: azul, violeta e verde; e vermelho,
se, o verde e o magenta participam de ambas as
amarelo e laranja. Na primeira tríade, a afinida­
escalas.
de é evidente, pela direção comum no sentido
do azul. Na segunda, a afinidade se manifesta
de modo especial pela tendência à identificação HARMONIA CONSONANTE
com a luz, revelada pelas cores quentes, tendo o
amarelo como cor dominante. No círculo cromático de 12 tons em cor-pig-
mento transparente agrupam-se, de um lado, as
ESCALA CROMÁTICA EM sete cores aparentadas que guardam maior afini­
MODO MAIOR OU MENOR dade com a luz, influenciadas predominante­
mente pelo amarelo — verde, amareio-esverdea-
Em geral as cores quentes: são classificadas do, amarelo, laranja, vermelho, vermelho-viole-
como pertencentes ao Modo Maior, constituindo tado e magenta —, e do outro as que são afins ao
ainda uma relação sensível que por analogia as azul, identificadas com a sombra — verde, verde-

Escalas consonantes

162
Acordes consonantes de
semitons dessaturados (d):
G1d-H1d-I1d, J1d-K1d-L1d, H2d-I2d-J2d, J3d-K3d-L3d,
I5d-J5d-K5d. H6d-I6d-J6d.

Acordes consonantes de
semitons rebaixados (r):
A1r-B1r-C1r. D1r-E1r-F1r. B2r-C2r-D2r, D3r-E3r-F3r.
C4r-D4r-E4r, B5r-C5r-D5r.

azulado, ciano, azul, azul-violetado, violeta e ma- terização da harmonia é necessária a existência
genta. de uma cor dominante, de uma cor intermediária
Cada um desses grupos de cores forma uma e de uma cor tônica.
escala cònsonante (ilust. 56). Portanto, o caráter
harmônico que existe nos acordes consonantes é HARMONIA DISSONANTE
fruto de afinidades dos tons entre si, pela presen­
ça de uma cor geratriz comum, que participa de Dois tons que se complementam formam
maneira variável na estrutura de todos eles. É sempre uma dissonância — daí chamar-se disso­
evidente a presença tanto do vermelho, no pri­ nante a harmonização a que eles servem de base.
meiro acorde, como do azul, no último. Apesar É necessário reconduzir a harmonia cromáti­
desta afinidade, quando se tomam três tons se­ ca à sua simplicidade original, principalmente às
guidos do círculo cromático, o mais quente deles idéias de Goethe. Nos últimos cem anos têm sur­
representará a luz, o mais frio a sombra, e o in­ gido tentativas de novos métodos de harmoniza­
termediário o elemento da ligação entre os dois ção de complementares que não podem ser leva­
extremos, surgindo deste relacionamento a ca­ dos em consideração, porque em sua maioria eli­
racterização do acorde. minam o caráter cromático da harmonia, intro­
O que diferencia entre si o acorde e a harmo­ duzindo elementos da escala de valores que alte­
nia é que, para a formação do primeiro, basta ram o sentido preciso de harmonia cromática.
que as partes integrantes constituam uma unida­ Esta harmonização, que se baseia na pureza
de de qualquer classe, ao passo que para a carac­ cromática do tom, não pode admitir nenhum

163
Acordes consonantes de
semitons mistos (r-d):
K1r-L1r-A1d, L2r-A2d-B2d. E1d-F1d-G1r, F2d-G2r-H2r

tipo de dessaturação, de rebajxamento, ou a pre­ 1) Acorde complementar magenta-verde.


sença de elementos estranhos à escala de tons. Introduzido neste acorde, o tom amarelo-es­
Alguns autores, justificando suas posições, cos­ verdeado cria uma dominante de ressonância
tumam citar a formulação de Ruskin, segundo quente, tendo o verde por base, enquanto o
a qual "a degradação é para a cor o mesmo que azul contido em sua estrutura funciona como
a curva é para a linha” . Mas convém não esque­ cor intermediária, com ressonância no azul ape­
cer que Ruskin era ardoroso defensor da pintu­ nas pressentido do magenta. A cor tônica desta
ra m ista/que empregava simultaneamente valo­ harmonia é o magenta.
res e tons. 2) Acorde complementar amarelo-azul-viole-
Para manter o caráter dissonante na harmo­ tado. Neste acorde, o amarelo-esverdeado cria
nização de um acorde de três tons, sendo dois uma ressonância quente, tendo o amarelo como
deles complementares, surge a seguinte particu­ base. A pequena quantidade de azul contida no
laridade: a de que o mesmo tom que harmoniza amarelo-esverdeado é que atua como passagem
uma dupla de tons complementares é capaz de em ressonância com o azul componente do
harmonizar todas as demais duplas complemen­ azul-violetado. Nesta organização o azul-viole-
tares. O único tom que reúne esta qualidade é tado é a cor tônica.
o amarelo-esverdeado. Sua constituição origina­ 3) Acorde complementar vermelho-ciano.
da das potencialidades do amarelo e do azul é Neste acorde, o amarelo-esverdeado pode ser en­
um campo fértil para todas as ressonâncias cro­ carado como participante em ressonância tanto
máticas, elementos da maior importância na de uma dominante quente como de uma domi­
harmonização de cores fortemente contrastan­ nante fria, por sua eqüidistância em relação ao
tes. vermelho e ao ciano, significando também que
Na harmonização de acordes dissonantes a tônica poderá ser o ciano ou o vermelho. Nes­
ocorrem os seguintes fenômenos: te caso de harmonia dissonante, somente a maior
Ilust. 59 — 0 amarelo-esverdeado é harmonizador geral. No
acorde E-K-F, ele está para o amarelo e o azul-violetado como
está para o verde e o magenta no acorde G-A-F. No acorde C-l-F,
está para o vermelho como está para o ciano: eqüidistante de
ambos.

ou menor quantidade de área colorida é capaz de saturação e criam, por semelhança ou aproxima­
definir a cor dominante. Tal fato evidencia o ção estrutural, um acorde tônico, valorizado pela
caráter de equilíbrio absoluto deste acorde, le­ organização e qualidade de outros acordes que
vando-se em conta que, o ciano e o vermelho for­ funcionam como cor dominante e de passagem.
mam a dupla mais ativa das experiências físico- Dependendo da organização das formas, as
químicas, devido à identidade do azul com a dis­ harmonias assonantes encontram sua melhor ex­
tância e o frio, e à do vermelho com a proxim i­ pressão nos dois acordes constituídos pelas seis
dade e o calor. cores principais: 1) magenta, amarelo e ciano;
0 caráter de harmonizador geral do amarelo- 2) vermelho, verde e azul-violetado. Quando es­
esverdeado é claramente demonstrado pelo es­ tas cores estão em presença umas das outras em
quema traçado no Círculo de harmonização igualdade de forma e de qualidade, obedecendo
(ilust. 59). No acorde E-K-F, o amarelo-esverdea­ à seqüência de posicionamento do Círculo de
do está para o amarelo e o azul-violetado como harmonização, altera-se o conceito anterior da
está para o verde e o magenta no acorde G-A-F. formação de tônicas vinculadas às escalas de
No acorde C-l-F, ele está para o vermelho como Modos Maior, Menor ou Misto.
está para o ciano: eqüidistante de ambos. Na opinião de Goethe, a mais bela harmonia
é a do círculo cromático criado pelo homem, no
qual a harmonização do acorde assonante pro­
HARMONIA ASSONANTE vém dos três tons complementares que envolvem
os tons primários: o laranja separando o verme­
Por harmonia assonante entende-se uma lar­ lho do amarelo, o verde separando o amarelo do
ga escala harmonizada (acordes múltiplos) em azul, e o violeta separando o azul do vermelho
que várias cores tônicas se equivalem em nível de (ilust. 21).

165
Ilust. 6 0 — Colocar qualquer quantidade de cor sobre uma te­
la é movimentar todas as faixas do espectro, criando tensões
entre a cor aplicada e o fundo branco, ou com as demais cores
porventura existentes no quadro.
3
Da Lei do
Contraste Simultâneo
das
Cores

0 grande interesse teórico manifestado em Em seu livro, Chevreul cita longamente tre­
alguns setores com vista às artes visuais dos sécu­ chos do Tratado Elementar de Física do cientis­
los X IX e XX está intimamente ligado aos traba­ ta francês René Just Haüy (1743-1822) e das
lhos de Michel-Eugène Chevreul, químico fran­ Memórias de Scherffer, a respeito dos contrastes
cês nascido em Angers (1785) e falecido em simultâneo e sucessivo das cores. Falando de
Paris (1889). Professor de química e diretor das outras pesquisas ópticas, refere-se ao físico belga
tinturarias para manufatura de gobelins, tornou- Joseph-Antoine Plateau (1801-1883), mas não
se membro da Academia de Ciências em 1826. faz qualquer alusão a Leonardo e Goethe.
Em sua obra principal, Da Lei do Contraste Si­ Ao definir a parte principal de suas experiên­
multâneo das Cores (3S), com meticuloso traba­ cias, diz Chevreul (Capítulo I, itens 77-78-79 e
lho de pesquisa, procurou desenvolver os princí­ 81): " . . . é absolutamente necessário distinguir
pios levantados por Leonardo e tratados em ân­ três espécies de contrastes. A primeira inclui o
gulos diferentes por Scerffer, Haüy, Goethe e fenômeno relativo ao contraste que denomino
outros autores, relativos ao fenômeno do con­ simultâneo. A segunda, que se refere ao contras­
traste simultâneo das cores, para explicar cienti­ te, chamo sucessivo. E a terceira, que diz respei­
ficamente aquilo que os grandes pintores de to­ to ao contraste, nomeio misto.
dos os tempos percebiam por intuição. "78 — No contraste simultâneo das cores, está
A partir da teoria de Chevreul, as obras de incluído o fenômeno da modificação que os
Turner te Constable, que tanta influência exer­ objetos coloridos parecem sofrer na composição
ceram sobre Delacroix, puderam ser analisadas física e na altura do valor de suas respectivas co­
logicamente no tocante à aplicação da cor. Os res, quando vistas simultâneamente (ilust. 62).
impressionistas e pós-impressionistas, principal­ "79 — O contraste sucessivo das cores inclui
mente Seurat e Signac, alardeavam a influência todos os fenômenos que são observados, quando
de Chevreul em suas obras. Com o mesmo intui­ os olhos foram saturados pela cor de um ou mais
to, e num clima de entusiasmo científico, Robert objetos durante algum tempo; e quando se des­
Delaunay intitulou uma fase de sua pintura de loca o olhar, percebem-se imagens destes obje­
Contrastes simultâneos. tos, com a cor complementar à de cada um deles
Como princípio geral, Chevreul afirmara: (ilust. 63).
"Colocar cor sobre uma tela não é apenas colorir "81 — A distinção do contraste simultâneo e
dessa cor a parte da tela sobre a qual o pincel foi sucessivo torna fácil compreender um fenômeno
aplicado; é ainda colorir da cor complementar que podemos chamar de contraste misto, porque
dessa cor o espaço que lhe é contíguo'' (ilust. resulta do fato de que o olho, tendo visto por
60). algum tempo uma certa cor, vê por outro perío­
do a complementar daquela cor, e se uma nova
( 3S) Michel-Eugène Chevreul — "D e la L o i du Contraste Sim ultané cor lhe é apresentada por um outro objeto, a
des Couleurs". Paris, 1839. sensação percebida é a resultante da mistura des-

167
r

169
liust. 63 — Contraste sucessivo de cores. Fixando-se a vista no Ilust. 65 — Justaposição de cores. Duas superfícies coloridas
centro de cada um dos quadriláteros, ao cabo de alguns segundos justapostas (página ao lado) exibem modificações de valor e de
o cinza do arabesco interno parece tingir-se com a cor comple­ tom. Ex.: o mesmo laranja, sobre o fundo vermelho, parece mais
mentar da do fundo em que se encontra. amarelado e mais claro que sobre fundo amarelo. Em contraste
com o vermelho e com o azul, o mesmo violeta parece mais azu­
lado e mais escuro no primeiro caso, e mais avermelhado e mais
claro no segundo.
Ilust. 64 — Contraste m isto de cores. Depois de saturar a reti­
na pela fixação do círculo vermelho durante 40 segundos (tempo
relativamente longo, para melhor definição da imagem fisiológi­
ca) e olhando-se para o retângulo amarelo ao lado, produz-se a
mistura da imagem posterior (fisiológica) com a cor ffsico-quími-
ca observada.

170
171
ta nova cor com a complementar da primeira" Tome-se como exemplo a dupla vermelho e
(ilust. 64). laranja — o vermelho cobre-se de azul e torna-se
De maneira lógica, Chevreul demonstra que, mais púrpura, o laranja mais amarelado. Inversa­
como a complementar de uma cor pertence sem­ mente, duas cores frias tendem a se esquenta­
pre ao gênero oposto, é fácil deduzir que duas rem, pois, por justaposição, cada uma participa
cores, uma quente justaposta a uma fria, se exal­ da complementar da outra, pertencentes ao gê­
tem reciprocamente, de vez que são influencia­ nero quente. Ex.: verde-azulado e azul-violetado
das uma pela outra. Duas cores quentes justapos­ — o verde ganha amarelo, e o azul, vermelho.
tas se esfriam mutuamente, pois cada uma é in­ Para facilitar a percepção do contraste,
fluenciada pela ação complementar da outra, Chevreul elaborou o seguinte Método de obser­
pertencentes ambas ao gênero frio. vação:

Cores experimentadas Modificações

N° 1 — Vermelho Inclina-se para o Violeta


Laranja Inclina-se para o Amarelo
N° 2 — Vermelho Inclina-se para o Violeta, ou fica menos amarelo
Amarelo Inclina-se para o Verde, ou fica menos vermelho
N ° 3 — Vermelho Inclina-se para o Amarelo
Azul Inclina-se para o Verde
N ° 4 — Vermelho Inclina-se para o Amarelo
fndigo Inclina-se para o Azul
N ° 5 — Vermelho Inclina-se para o Amarelo
Violeta Inclina-se para o fndigo
N ° 6 — Laranja Inclina-se para o Vermelho
Amarelo Inclina-se para o Verde brilhante, torna-se menos vermelho
N ° 7 — Laranja Inclina-se para o Vermelho brilhante, ou é menos marrom
Verde Inclina-se para o Azul
o
CO
z

— Laranjá Inclina-se para o Amarelo, ou é menos marrom


fndigo Inclina-se para o Azul, ou é mais puro
N ° 9 — Laranja Inclina-se para o Amarelo, ou é menos marrom
Violeta Inclina-se para o fndigo
N ° 10 — Amarelo Inclina-se para o Laranja brilhante
Verde Inclina-se para o Azul
N ° 11 — Amarelo Inclina-se para o Laranja
Azul Inclina-se para o fndigo
k ° 12 — Verde Inclina-se para o Amarelo
Azul Inclina-se para o fndigo
N ° 13 — Verde Inclina-se para o Amarelo
fndigo Inclina-se para o Violeta
N ° 14 — Verde Inclina-se para o Amarelo
Violeta Inclina-se para o Vermelho
N ° 15 — Azul Inclina-se para o Verde
Indigo Inclina-se para o Violeta vivo
N ° 16 - Azul lnclina-sè para o Verde
Violeta Inclina-se para o Vermelho
N ° 17 — fndigo Inclina-se para o Azul
Violeta Inclina-se para o Vermelho

172
Ilust. 66 — Contraste de tom e valor. Com alguns segundos de satu­
ração retiniana, começa a surgir a coloração complementar sobre o fun­
do branco ao redor da cor indutora. A qualidade da cor fisiológica per­
cebida e a duração do fenômeno variam bastante de indivíduo para in­
divíduo.

"Pelas experiências descritas neste capítulo da cor a que foi justaposto. O preto rebaixa o
— salienta Chevreul — conclui-se, então, que valor de todas as cores que lhe sejam justapostas,
duas superfícies coloridas, em justaposição, exi­ aumentando o vigor das cores claras, até atingir
birão duas modificações para o olho examinar si­ o ponto de maior violência no contraste com o
multaneamente: uma relativa à altura do valor branco absoluto" (ilust. 67).
das respectivas cores, e a outra relativa à compo­ A ciência contemporânea engloba os três fe­
sição física destas mesmas cores" (ilust. 65). nômenos distintos descritos por Chevreul, sob a
Como leis gerais, afirmava: "Todas as cores denominação genérica de cores de contraste.
aumentam de valor sobre um fundo branco, au­ Comentando os contrastes simultâneo e su­
mentando também, ligeiramente, seu brilho. cessivo, Clarence H. Grahm escreveu em Visão e
Uma vez conhecida a lei de contraste de valore Percepção Visual (1965): "Há uma grande evi­
de tom, esta nos ajuda a perceber o fenômeno de dência de que estes dois fenômenos apresentam
o fundo branco cobrir-se da complementar da dois efeitos distintos. . . Embora exista grande
cor justaposta (ilust. 66). Colocar branco ao lado número de teorias, poucas consideram os dados
de uma cor é realçar-lhe o valor, é como se reti­ fundamentais relacionados com o processo fi­
rássemos da cor — por efeito de contraste — a siológico da referida cor de contraste". Segundo
luz branca que diminuía sua intensidade." Faber Birren, "os fenômenos estudados por
Com referência aos fundos cinzas, dizia Chevreul podem ser bastante óbvios, mas a causa
Chevreul: "Colocar cinza ao lado de uma cor é deles ainda permanece um m istério" (36).
torná-la mais brilhante e, ao mesmo tempo, equi­ ( 36) Faber Birren — "T h e Principies o i H a rm ony and Contrast
vale a tingir este cinza com a cor complementar o fC o lo rs ". New York, 1967.

173
I lust. 67 — Contraste de tons e valores. O vermelho sobre fun­
do branco perde crominância e luminosidade; em contraste com
o preto, aumenta sua luminosidade e sua crominância. Mesmo es­
curecendo um pouco, o amarelo é pouco visível em contraste
com o branco; sua maior luminosidade se revela quando contras­
ta com o preto. Em oposição ao branco, o azul escurece e sobre
fundo preto ganha luminosidade.
Todas as cores puras tornam-se mais brilhantes em contras­
te com o cinza-médio.
O mesmo cinza sobre fundo branco parece mais escuro do
que quando comparado ao cinza-médio. Em contraste com o
preto, o cinza torna-se mais claro.
VIII
Cor
Inexistente
7
Mutações
Cromáticas
"De que vale olhar sem ver?”
Goethe

Sob a denominação de cores induzidas a melho puro, verde puro e azul puro. Em última
maioria dos estudiosos do assunto costuma agru­ análise, cada cor contém em si mesma os elemen­
par todos os efeitos cromáticos de indução como tos estruturais de todas as demais cores da natu­
decorrência dos contrastes simultâneos de cores. reza.
Para melhor sistematização da matéria, objeti­ Assim, a cor que guarda identidade com a
vando seu emprego nas artes visuais, dividimos as luz, em menor escala, relaciona-se também com
cores induzidas em dois grupos: mutações cro­ a sombra, e a que se identifica fundamentalmen­
máticas e cor inexistente. te com a sombra não deixa de ter vínculos, por
Entre as mutações cromáticas incluímos as menores que sejam, com a luz.
manifestações das cores de contraste ou cores Ao estudarmos as leis dos contrastes simultâ­
induzidas, tratando dos fenômenos que ocorrem neos de cores, inteiramo-nos das ações recípro­
em graus e situações diferentes, por alteração de cas que as cores exercem umas sobre as outras.
uma ou mais cores químico-ffsicas em presença Como cada cor reúne em si mesma todos os ele­
umas das outras. mentos das demais cores, não seria lógico per­
Por cor inexistente chamamos todos os fenô­ guntar de que forma se comportam esses elemen­
menos de formação de cores complementares tos entre si no interior da própria cor?
que surgem ao primeiro contato visual em fundo A partir desta pergunta, foram realizadas vá­
branco, ou incolor, sob o efeito de certas indu­ rias experiências com cores-pigmento, no intuito
ções dominantes. de explicar o relacionamento tricromático inter­
Na área da Física estes fenômenos vêm sen­ no de cada cor. Por fim, constatou-se que este
do estudados principalmente a partir dos compo­ relacionamento se expressa para os sentidos hu­
nentes tricromáticos das chamadas faixas "m o­ manos invariavelmente sob o aspecto da contra­
nocromáticas" do espectro. Estudar essas faixas dição cromática existente e das diferenças entre
é como se fosse um mergulho dentro da cor, o luzes e sombras.
desmembramento dos componentes de cada Da mesma forma que a luz trava uma perpé­
uma, tal como fizera Newton ao desmembrar os tua batalha com as trevas, no âmago da cor rea­
componentes da luz branca. Mas, à medida que liza-se idêntica luta, gerada pela ação dos ele­
tais faixas vão sendo melhor estudadas, verifica-se mentos internos, uns contra os outros, como
que não são tão monocromáticas como se pensa­ resultado da absorção e reflexão ou refletância
va anteriormente. dos raios luminosos.
O gráfico do tríplice estímulo, ou dos estí­ Os fenômenos de absorção e refletância são
mulos tricromáticos, organizado pela CIE (ilust. bem conhecidos dos estudiosos da cor. Não está
32), baseou-se na constatação da existência ainda suficientemente explicada é a reação das
em percentagens diferentes de vermelho, verde e diferentes áreas coloridas sob a ação da luz, nos
azul em todas as faixas do espectro. Portanto, o fenômenos das cores induzidas. Até agora estçs
que chamamos luzes monocromáticas ou homo­ fenômenos vêm sendo estudados no conjunto
gêneas são as que apresentam maior quantidade das demais cores subjetivas. Mas, à proporção
de determinado croma, identificadas como ver­ que nos conscientizamos de que as sombras colo-

179
100
ridas, as cores de contraste, as mutações cromáti­
cas e as cores induzidas, apesar de constituírem 95

aspectos do mesmo fenômeno de indução de co­


res, são coisas diferentes, vemos que só podere­
mos avançar neste caminho se fizermos uma ní­
tida separação entre os vários efeitos, qualifican­
do-os segundo seu grau de maior ou menor
subjetividade e objetividade.
Numa classificação baseada em tais elemen­
tos, seriam subjetivas apenas as imagens posterio­
res (contrastes sucessivos e mistos), as geradas
por excitações e inibições, ou mentais, bem como
as patológicas. Em vários graus de diferenciação,
todas as cores induzidas (de contraste, mutações
cromáticas e cor inexistente) poderiam ser classi­
ficadas como cores psicof ísicas.
O processo de reflexão luminosa é hoje bas­
tante claro para todos. A explicação de Newton
sobre a cor permanente dos corpos naturais não
sofreu modificações substanciais com a teoria da
reflexão produzida pelos átomos ativados.
Em condições especiais, quando a reflexão
de certos raios luminosos atinge o paroxismo, re­
vela colorações latentes em áreas periféricas à da
cor saturada, que funciona como cor indutora.
Por isto, a coloração complementar das sombras
coloridas, dos contrastes simultâneos, das cores
de contraste, das mutações cromáticas, das cores
Localização da cor de contraste amarela sobre o diagrama
induzidas e inexistentes guarda relação direta de tricromático CIE, com um indicador' monocrático azul de
oposição às respectivas cores indutoras. 450 milimícrons. A: ponto branco com iluminante A; B: cor
Em índices variáveis, esses fenômenos são indutora azul; E: ponto branco teórico; J: cor de contraste
permanentes na natureza, mas, como nosso olho amarela.
está condicionado pela função reguladora do
cérebro — ligada à cor permanente dos corpos das cores de contraste. Em 1959 o físico norte-
naturais —, só os percebemos eventualmente, ou americano Land fez a seguinte experiência: pro­
quando eles se manifestam de maneira exacerba­ jetou duas fotografias superpostas da mesma ce­
da, m uito acima dos limites normais. na, a primeira com luz branca e a segunda com
Poderíamos dizer que esta foi a forma en­ luz vermelha. Do ponto de vista físico, as ima­
contrada pela natureza para o equilíbrio cromá­ gens superpostas na tela continham apenas um
tico de suas cores. vermelho mais ou menos dessaturado pela ação
Os fenômenos que atualmente chamamos da luz branca, mas todos os observadores acredi­
cores de •contraste têm recebido várias denomi­ tavam ver um verde, e outros até mesmo um
nações ao longo da História. Goethe foi d.os pri­ amarelo (principalmente nas imagens de objetos
meiros a estudá-los e percebeu-lhes a importân­ que eles sabiam ser amarelos). "Este princípio já
cia decisiva na harmonização cromática, denomi­ havia sido empregado por Ducos du Hauron
nando-os cores fisiológicas. A Comissão Interna­ (1897); o mérito de Land é o de ter colocado em
cional de Iluminação também os classifica como evidência as notáveis possibilidades deste proces­
cores fisiológicas. "Sabe-se que cor de contraste so e dos fatores psicológicos im plícitos" r 7).
é a cor percebida pelo observador em presença Utilizando o Atlas de Munseil, Jameson e
de uma situação tal que uma indutora provoque Hurvich (1960) e Wheeler (1962) procuraram
sobre superfície vizinha a percepção de uma cor definir o matiz, a saturação e a luminosidade das
que não é fornecida fisicamente e que é a com­ cores de contraste. Em 1962, Kinney apresentou
plementar fisiológica da indutora. Esta cor de um método baseado em cerca de 30 filtros colo­
contraste é uma cor subjetiva, resultante de um ridos, destinados à mensuração de tais cores em
mecanismo hipotético de inibição nervosa e, por diversas condições, por meio de comparação
isto, escapa a toda colorimétrica direta." com as cores físicas.
Nas últimas décadas, vários pesquisadores
criaram métodos para medir as características ( 31) Yves Le Grand — " Optique Physiologique". Paris, 1972.

180
Processo similar vem sendo desenvolvido As coordenadas são fornecidas pelas seguin­
pelo Professor Rõhler no Instituto de Óptica da tes relações:
Medicina, agregado à Faculdade de Física da
Universidade de Munique.
Os Professores belgas F. Braun, M. Matthe-
euws e G. Thinès criaram um aparelho, denomi­
Tal como ocorre nas averiguações da área
nado cromatoscópio, para anáíise das cores de
psicofísica, também na da psico-químico-física
contraste, com um dispositivo correspondente à
vêm-se elaborando métodos para a mensuração
classificação tricromática da CIE. Nele, a cor de
das cores induzidas. O processo básico é deriva­
comparação resulta da mistura das três cores de
do da comparação direta da cor induzida com
base e as proporções da mistura determinam as
uma amostra pintada em cor-pigmento.
características da cor produzida.
Quando se consegue uma amostra visualmen­
Para obter maior quantidade de misturas e
te igual à tonalidade e ao valor da cor induzida,
construir uma escala de matizes, luminosidade e
esta amostra é levada ao colorímetro e a medida
saturação a mais larga possível, evitando os valo­
resultante corresponde ao comprimento de
res negativos em certos casos de mistura, os cria­
onda, pureza e saturação da cor induzida.
dores do cromatoscópio escolheram cinco com­
ponentes, a fim de que o experimentador sele­ No caso das mutações cromáticas, em que,
cione três que lhe permitam equilibrar a mistura, variando as distâncias, aumenta ou diminui a
até atingir uma qualidade considerada ótima. Co­ potência do efeito de indução, com diversas
nhecidas as curvas de cada cor, pode-se determi­ amostras de comparação, pode-se traçar a curva
nar os componentes tricromáticos dos quatro f il­ de crescimento e de decréscimo da cor induzida
tros e do branco, ou seja, as quantidades das três mensurada.
cores fundamentais CIE. Como princípio geral, temos de considerar
que toda cor em presença de outra cor ou valor,
Valores tricromáticos dos assim como todo valor frente a outro valor ou
cinco componentes (38) cor, criam invariavelmente colorações ou valores
Z derivados de contrastes simultâneos.
X Y
O controle sobre estes efeitos derivados de
Componente (Vermelho) (Verde) (Azul)
contrastes obtém-se pelo estudo dos dados de
qualidade, quantidade, forma e posicionamento
Azul 0,0282 0,0158 0,1248
Verde 0,0697 0,1543 0,0170 das áreas coloridas.
Amarelo 0,7913 0,7332 0,0363 Tomemos por exemplo o acorde dissonante
Vermelho 0,1094 0,0483 0,0029 D-G (laranja-verde), com a grandeza expressa por
Branco 0,9181 0,8439 0,8065 um retângulo formado por cinqüenta UP (Uni­
dade-Padrão), dividido horizontalmente em
A determinação da cor de mistura faz-se pelo duas partes iguais de 25 UP cada uma. Na proxi­
cálculo dos valores X, Y e Z desta cor. Tais valo­ midade da linha que divide os dois quadrados, o
res são obtidos a partir dos coeficientes de remis­ laranja parece mais vermelho e o verde mais azu­
são (conversão dos valores angulares) e dos valo­ lado do que são em realidade.
res tricromáticos de cada composto, pelas se­ A Unidade-Padrão c3 (UPc3), em contraste
guintes .fórmulas: com o verde, torna-se mais avermelhada e ganha
X = X , ri + X 2 r2 + X 3 r3 (1) em crominância. A subunidade-padrão j 10
(sPj10) (UPal) da Unidade-Padrão al apresenta as
Y = Y j r, + Y 2 r2 + Y 3 r3 (2) mesmas modificações, mas com maior intensida­
de, produzindo efeitos proporcionais à diferença
Z = Zj + Z 2 r2 + Z 3 r3 (3) das dimensões dos quadrados UPc3 e sPj 10.
Sobre fundo laranja, os quadrados verdes UPh3 e
nas quais r x r 2 r3 são os coeficientes de remissão sPj5 tornam-se mais azulados e saturados (ilust.
dos três componentes; e X j , Y l f Z i, 69a).
X 2, Y 2, Z2,
X 3, Y 3, Z 3, os va­ As barras laranja, formadas por oito linhas-
lores tricromáticos destes componentes. Padrão verticais de largura (IPv) e duas IPv de
A partir destes dados, é fácil determinar as altura, em fundo verde, separadas por distâncias
coordenadas x e y, que permitirão a localização regulares, criam contraste com as barras verdes
desta cor composta no diagrama CIE. projetadas sobre o fundo laranja, contraste que
as valoriza mutuamente.
(**) ",'Journal de Psychologie Norm ale e t Pathologkfue", n ° 4. No mesmo Módulo surgem três contrastes
Paris. 1967. distintos: o primeiro formado pelas áreas maiores

181
laranja e verde; o segundo pelas verticais e as outra cor das faixas laterais, altera-se em cromi­
áreas do fundo; e o terceiro pelas barras verticais nância e luminosidade, dependendo da relação
entre si (ilust. 69b), entre o tamanho das áreas coloridas e a distância
Quando linhas verdes de largura variável, a do observador.
partir da linha Padrão, são dispostas sobre fundo Um vermelho (C), seccionando uma faixa de
laranja, a intervalos decrescentes, produz-se a azul-violetado (K) que esteja entre duas faixas de
sensação de uma escala de tons que varia do amarelo (E), transforma-se em laranja e ganha lu­
verde azulado da linha mais fina ao verde natural minosidade. O mesmo vermelho, cortando uma
tomado para o teste e que aparece levemente faixa amarela que se encontre entre duas faixas
modificado na linha mais grossa (ilust. 69c). azuis-violetadas, transforma-se em magenta, per­
Uma linha verde formada por três IPh, no dendo luminosidade (ilust. 71). Igual fenômeno
centro de um quadrado de vinte e cinco UP, de de mutação verifica-se com qualquer cor ou
cor laranja, a 1,5m de distância produz a sensa­ valor que sejam colocados em situações idênticas
ção de azul-esverdeado. Uma linha alaranjada de às do vermelho, produzindo efeitos segundo as
idêntico tamanho, sobre fundo verde, produz a propriedades constitucionais das cores ou valores
sensação de laranja-avermelhado (ilust. 69d). testados (ilust. 72).
Um quadrado alaranjado de quatro UP, ao Quando a cor de teste envolve os padrões
lado de um quadrado verde da mesma dimensão, formados pelas faixas paralelas azuis e amarelas,
no centro de um retângulo formado por quaren­ notam-se melhor as modificações ocorridas nas
ta e oito UP azuis-violetadas, produz um acorde partes da cor que estão sobre as referidas faixas
em que a indução valoriza todos os tons, assu­ azuis e amarelas (ilust. 73).
mindo o azul-violetado a função de cor domi­ Alteradas as formas e as proporções, as
nante, o verde a de cor de passagem e o laranja mutações não se manifestam apenas na cor jde
a de cor tonal. A beleza dos tons deste acorde teste: aparecem também nas cores das faixas que
deriva da justa indução sofrida por todas as constituem os padrões de análise de mutação
cores em presença umas das outras (ilust. 70). (ilust. 74).
No mesmo acorde está um dos limites ex­ Modificando-se a qualidade, a quantidade, a
tremos do equilíbrio tonal. O azul-violetado va­ forma e o posicionamento das áreas coloridas,
loriza-se em crominância e luminosidade, o que alteram-se todos os resultados. A mais surpreen­
também ocorre com o laranja. No entanto, dente das mutações que conseguimos até o mo­
embora perdendo saturação, o verde não fica em mento foi a percepção da transformação do vio­
inferioridade, funcionando como cor de passa­ leta em sua cor contrária: um amarelo alaranjado
gem entre o azul-violetado e o laranja. Esta tría­ (ilust. 75).
de de cores revela a potência da dupla laranja e Para o emprego estético das mutações cro­
azul-violetado, demonstrando que pode ser uma máticas, as mais ricas possibilidades encontram-
opção na formação de padrões bicolores oriun­ se na indução de várias cores simultaneamente.
dos da dupla azul-amarelo, que serve de base Este processo possibilita a indução de áreas intei­
para o esquema de produção das mais violentas ras, produzindo efeitos de irisação e de defini­
induções nas mutações cromáticas. ções de tons com crominâncias e luminosidades
Uma série de faixas azuis e amarelas coloca­ extremamente belas (ilusts. 76, 78 e 79).
das alternadamente constitui o padrão cromático Com a alteração de forma, quantidade e
ideal para a'indução de cores. Quando qualquer posicionamento, as imagens incolores poderão
cor é colocada em pequena quantidade sobre uma produzir a sensação de escala de valores (ilust.
das faixas, de forma a estabelecer contato com a 77).

Ilust. 69 — Variando a form a, a quantidade e o posiciona­


m ento, a mesma cor produz efeitos diferentes. Numa estrutura
determinada, a cor apresenta alteração de qualidade, quando
variam sua quantidade e seu p o sicionam ento: a — o pequeno
quadrado de uma sP parece mais azulado que o de uma UP-, b —
se observadas bem as barras verdes sobre fundo laranja, e as la­
ranjas sobre fundo verde, verifica-se que as form as criam grande
variedade de coloração nos limites que demarcam figura e fundo;
c — na linha mais fina o verde parece mais azulado que na barra
mais grossa; d — as linhas verde e laranja, em amplo campo de
contraste, parecem mais azulada e mais avermelhada, respectiva­
mente, do que quando projetadas sobre fundo neutra

182
Ilust. 70 — No acorde D-G-K (laranja-verde e azul-violetado)
está um dos limites extremos do equilíbrio tonal.
r

llust. 71 — Barras paralelas amarelas e azuis, de 1/2 UP de


largura, intercaladas, formam o padrão de teste de indução ideal
para a mutação cromática a pequena distância. Qualquer cor ou
valor que seccione uma das barras sofre grande alteração em seus
índices de luminosidade e de crominância.

llust. 72 — Os valores são mais sensíveis às qualidades de lu­


minosidade do que às de crominância dos padrões de teste.

185
Ilust. 73, a — Aumentando-se a quantidade e alterando-se a
fo rm a e o posicionam ento da cor de teste (a que é submetida à
verificação da ação de contraste do padrão), altera-se também a
coloração do amarelo e do azul-violetado que compõem o padrão
de teste; b — dependendo da relação de qualidade e de posiciona­
m ento das cores em confronto a distâncias variáveis, as mutações
cromáticas processam-se fortemente nas barras paralelas. Substi-
tuindo-se as barras amarelas por vermelhas, estas últimas incli­
nam-se para a púrpura, formando com as azuis um fundo de co­
loração violeta-azulado.
Ilust. 74 — Laranja e vermelho em mutações cromáticas (págs.
188 e 189). O controle sobre os elementos que determinam as
mutações cria possibilidades estéticas inteiramente novas para o
emprego da cor: a — elementos isolados; b — elementos integra­
dos numa estrutura, sofrendo todos eles as ações múltiplas de
contraste de cores. O mesmo azul do fundo cria, na faixa central,
uma escala que atinge o verde, em baixo, e o azul-cobalto, em
cima. A barra laranja altera-se tanto em crominância como em lu­
minosidade. O azul-violetado do padrão de teste transforma-se
em violeta intenso.

Ilust. 75 — 0 efeito mais surpreendente das mutações cromá­


ticas foi o que consegui com as experiências de 1368: o da trans­
formação do próprio violeta em sua cor complementar (amarelo
escuro), possibilidade até então não suspeitada por nenhum teó­
rico ou artista. Nas medidas em que se encontram na reprodução
ao lado, a partir de 1,5m de distância a faixa violeta no centro do
círculo, em sua parte superior, tinge-se de púrpura; na parte cen­
tral, de violeta azulado, e na parte inferior transforma-se em ama­
relo escuro.

190
Ilust. 76 — A indução simultânea de várias cores produz efei­ Ilust. 78 — Treliças irisadas. Meio-termo entre a indução de
tos de extrema beleza. Em lugar da mutação de cores isoladas, cores e a de áreas, o mesmo vermelho tinge-se de púrpura e de la­
cria áreas inteiras induzidas, produzindo efeitos de irisação e de­ ranja, o ciano transforma-se em azul-celeste e azul-cobalto, o
finições de campos coloridos em dinâmicas vibrações e crepita­ ocre em terra-de-sombra queimada e amarelo.
ções luminosas.

Ilust. 7 7 — 0 mesmo cinza, em contraste com o branco e o


preto, produz vários tons de uma escala de valores.
Ilust. 79 — C írculo e quadrado em decomposição. Por indu*
ção de várias cores, o círculo e o quadrado se decompõem em
áreas irisadas em cima e cores definidas em baixo.

194
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B a j cctis. o £ i o o/fi noVemlr/z o/ 73 .

196
2
Cor
Inexistente
. . . "falar somente, ouvindo os intervalos
entre as palavras, entre os pensamentos". ..
Jorge de Lima
Invenção de Orfeu
(Canto VII — Audição de Orfeu)

. . ."(perdoar é rito de pais,


quando não seja de amantes)."
Carlos Drummond de Andrade
A Mesa

A força, a suavidade, a beleza ou a desagra­ gicas sobre a inteligência e o comportamento.


dável agressividade de certas cores ou de conjun­ Lúdica ou solene, esta pintura amplia os hori­
to de cores decorrem do fenômeno de indução, zontes visuais, como extensão da mente e das
que é a parte dinâmica do colorido. Um matiz é ações humanas.
sempre mais belo quando aparece com sua colo­ No centro do imenso universo das induções
ração modificada pela justa indução de outras cromáticas, situa-se a mais sutil manifestação das
cores. Nesta indução reside a essência da harmo­ cores induzidas: o fenômeno que denominamos
nia cromática. cor inexistente, por surgir em áreas incolores,
A partir da ação mútua de contraste simul­ sem o suporte químico da cor-pigmento.
tâneo que uma cor exerce sobre outra, o fenô­ O domínio do fenômeno da cor inexistente
meno se desencadeia em seqüência, envolvendo apresenta particularidades diferenciadoras com
todas as cores que de uma forma ou de outra relação aos contrastes simultâneos de cores e
participem do todo. O bom relacionamento ou valores. A primeira delas é que a cor não pintada
a desarmonia provém dos elementos estruturais (inexistente) se revela ao simples contato visual,
de cada cor posta em confronto. sem necessidade de saturação retiniana, demons­
Como todas as cores resultam de composição trando não ser uma imagem posterior. Além
tricromática, deve-se considerar que cada uma disso, a cor inexistente é captada por qualquer t i­
delas possui, em escala variável, elementos que po de máquina fotográfica, sendo capaz de im­
também participam da constituição das demais. pressionar até os filmes em preto e branco. Este
É o que se poderia chamar, em linguagem figura­ fato a define como fenômeno objetivo, que afas­
da, de "tríp lice personalidade da cor". Ao pri­ ta a hipótese de ser apenas o resultado de "um
meiro estímulo favorável, essas "personalidades" mecanismo hipotético de inibição nervosa".
exaltam-se, manifestando o vigor ou a brandura À primeira vista, parece surgir o seguinte di­
de suas potencialidades. lema: ou a cor inexistente não é uma cor de con­
Na essência da cor encontra-se uma lingua­ traste, ou a cor de contraste não é um fenômeno
gem própria de enorme riqueza expressiva, sem subjetivo.
qualquer conotação ou paralelo com outras for­ A resposta mais lógica, baseada nas experiên­
mas de expressão. A poesia, o lirismo, a vibra­ cias de centenas de pesquisadores durante sécu­
ção, o arrebatamento, o telurismo, a quietude los, é a da existência de várias modalidades de
ou o silêncio da cor são mensagens especifica­ cores de contraste (cores induzidas). Algumas
mente visuais, podendo formular idéias e senti­ apresentando caráter predominantemente objeti­
mentos tão precisos como a palavra ou o som. vo, outras apenas subjetivo, ou misto.
Assim como Beethoven acreditava que a música A cor de contraste produzida pela cor per­
era a verdadeira filosofia, a pintura, sem nenhum manente dos corpos naturais, em sua manifesta­
vínculo com os princípios filosóficos correntes, ção mais bela (cor inexistente), é um fenômeno
pode expressar a filosofia da cor. Uma filosofia de radiação física, por ativação dos átomos da
dos sentidos, que se desencadeia em reações ló­ periferia da cor dominante. Por contraste com a

199
cor indutora, revela a coloração complementar
que surge nos corpos chamados incolores, como
resíduo de absorções parciais dos raios lumino­
sos incidentes.
Então o controle sobre este fenômeno ba­
seia-se na relatividade da absorção e reflexão dos
raios luminosos pela matéria. Como se sabe,
mesmo os raios luminosos de cores primárias (in-
decomponíveis), denominados monocromáticos
ou cores puras, são constituídos por três elemen­
tos — XYZ, ou seja: vermelho, verde e azul-viole-
tado (ver gráfico dos estímulos tricromáticos
CIE, pág. 85) — e nenhum corpo absorve ou re­
flete integralmente a totalidade dos raios lumi­
nosos incidentes. Deduz-se daí que a superfície
denominada branca, apesar de refletir a quase to­
talidade dos raios luminosos, absorve também,
em quantidade mínima que seja, parcela de
todas as cores contidas na luz incidente. Por isso,
quando o componente físico da superfície con­
siderada branca varia de coloração, sabemos
estar em presença de nova cor indutora. Como
não existe branco nem preto absolutos, também
não existem corpos totalmente incolores sob a
luz diurna. llust. 80 — Parâmetros de Munsell. As três características bá­
A dificuldade do domínio da cor inexistente sicas da cor são: m atiz ou comprimento de onda, lum inosidade
foi encontrar a maneira de tornar visível ao pri­ ou brilho, e croma ou pureza da cor.
a — M atiz é a característica que diferencia uma cor de outra:
meiro contato visual essas parcelas mínimas de o azul do verde, o verde do vermelho, etc.
raios luminosos absorvidos pelas superfícies
brancas, fenômeno que pode ser equacionado da
r|o "i"
seguinte maneira: Cl = , onde Cl corres-
ala i
ponde à cor inexistente, rla "i" à reflexão lumi­
nosa da área "incolor'', e a la "i" à absorção lumi­
nosa da área "incolor".

COMPONENTES ESTRUTURAIS

Pela diversidade dos percentuais de refletân-


cia de cada cor, as áreas "brancas" periféricas a
cada uma delas, mesmo sendo iguais, são perce­
bidas de ’maneiras diferentes, devido à variação
dos índices de refletância das cores indutoras.
Mas, como cada cor indutora tem comprimento
de onda, pureza e grau de refletância diferentes,
para tornar visível ao primeiro contato visual sua
cor complementar, necessitará de uma organiza­
ção especial em seus dados de qualidade, quanti­
dade, forma e posicionamento. Mesmo assim,
serão variáveis os índices de visibilidade de cada
cor inexistente, pela diferença dos fatores refle­
tância, pureza e comprimento de onda, que ca­
racterizam suas indutoras.

Qualidade

O que denominamos qualidade, no trato


com as cores, são os inumeráveis desdobramen-

200
b — Luminosidade é o grau de claridade ou de obscuridade c — Croma é a qualidade específica de saturação da cada cor
co n tid o numa cor. que indica seu grau de pureza. As cores perdem croma ou crom i-
nância, dessaturando-se, ao serem misturadas com o branco.
Ilust. 81 — As cores dos quadros a e b são iguais, menos a cor
tônica magenta do centro, que atinge parte das UPc3 e UPc4.
a — A cor tônica valoriza as demais cores do quadro, por con­
traste cromático.

b — Quando se dessatura a cor tônica de uma estrutura, todas


as tonalidades claras crescem em importância, intensificando o
contraste entre as áreas de tom e valor.
■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■

■■■■■■■■■■■

llust. 82 — Em determinado posicionam ento, as formas verdes têm a propriedade de ressaltar a cor complementar periférica,
quando criam escalas de dessaturação em que a tonalidade mais clara se aproxima do índice de luminosidade do fundo. As linhas
“ brancas" que contornam os quadriláteros tingem-se de um claro magenta.

203
tos possíveis dos parâmetros enunciados por
Munsell: matiz, luminosidade e croma (ilust. 80).
A conjugação de todos os matizes, com índices
variáveis de luminosidade (ou brilho) e de cro-
minância (dessaturação, ou rebaixamento do
tom), pode atingir dezenas de milhares de tona­
lidades (ilust. 48). Isto significa que, a rigor,
existe a possibilidade de dezenas de milhares de
cores induzidas, todas regidas pelas característi­
cas de suas indutoras sob o princípio geral: pro­
ximidade ou diferença de luminância entre figu­
ra e fundo (ilusts. 81 e 82).
Os acordes harmônicos fundam-se, em pri­
meiro lugar, na qualidade de suas cores compo­
nentes. Todos os demais fatores subordinam-se
a ela.

Quantidade

Na avaliação dos contrastes, a extensão das


áreas coloridas desempenha importante função.
Um acorde de duas cores cria variadíssima gama
de coloração induzida, pela simples alteração
das quantidades dos elementos do acorde.
O registro e o estudo dessas possibilidades
tornaram-se mais fáceis com a criação do méto­
do de mensuração das áreas coloridas, constante
de nosso Sistema de Harmonização das Cores
(ilusts. 51, 52, 53, 69, 70, 83, 84 e 85).

Forma

Para o ato de estimulação da retina, a forma


tem enorme importância. Intimamente ligada ao
lado racional da construção do desenho, a ela
podemos nos referir tanto como uma das partes
que contornam uma área, ou como o todo da
obra. Em geral, é através da forma (desenho) que
a pintura se vincula a outras esferas do saber,
transmitindo conceitos históricos, religiosos, f i­
losóficos, sociais, políticos, etc. A conscientiza­
ção das possibilidades especificamente visuais
da forma em desencadear estados anímicos de
excitação, equilíbrio, movimento, repouso, ener­
gia, etc., bem como idéias analógicas ou sensa­
ções de reversibilidade, indica estágio bastante
elevado no domínio das formas (ilusts. 41, 75,
76, 78 e 79).
Como vimos no estudo dos contrastes simul­ ! lust. 83 — Mantendo-se a mesma qualidade e a mesma form a,
tâneos de cores, a parte mais dinâmica da área quando se altera a quantidade surgem fenômenos novos que
colorida é a que confina com outras áreas, de­ transformam a qualidade da cor induzida. Com os pequenos cír­
culos azuis mais próximos uns dos outros, o fundo tinge-se de
marcando a forma. Para o surgimento da cor coloração alaranjada; na segunda faixa formada pelo afastamento
inexistente, a ampliação ao máximo do compri­ dos círculos, surge uma coloração azulada; na faixa superior em
mento da linha de demarcação de áreas é de pri­ que os círculos estão bem mais afastados, o azul irradiado é mais
mordial importância. Daí a criação de formas claro.
complexas, como as das rosáceas dentadas, ante­
pondo-se a bastonetes em forma de leme, da re­
petição e multiplicação de elementos, tudo no

204
> > > > > > > > > > > > > > > > :• > > > > > > > :

V # V f V A V . V A % V . V . V . V . V . V
V I V I V A V A V I V A V A V A V I V

• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •

• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
A V . V â V . V . V lW â V . V ê V â V . V .
• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •

205
in tu ito de ampliar ao máximo a dimensão e o tutivos, mas do conjunto de situações no qual
número das linhas de contorno entre figura e ela se insere.
fundo (ilusts. 82, 83, 84, 85, 86 e 87), Estudo particularizado da cor dominan­
te é indispensável a qualquer processo de har­
monização, que, a rigor, é sempre um processo
Posicionamento de indução. Foi exatamente o aprofundamento
da análise dos valores da cor dominante (induto­
A relação de posicionamento estabelecida ra) que possibilitou o domínio da cor inexistente.
pelas cores em qualquer escala ou estrutura tem 0 primeiro trabalho em que se conseguiu o
sempre característica definida. Alterar a posição domínio da cor inexistente foi um quadro de 1,0
das cores, mesmo num simples acorde de dois x 0,76 m, com rosáceas de 5 cm, próximas umas
tons de igual quantidade, já é alterar completa­ das outras, a distâncias regulares, e pintadas em
mente a mensagem visual da forma, em seu con­ diversas tonalidades de amarelo, sobre fundo
junto, e a relação e efeito das cores, em particu­ branco. Do amarelo vibrante, correpondendo à
lar. cor, em plena luz, até a terra-de-sombra queima­
O posicionamento é que vivifica a proporção da, funcionando como sombra mais intensa. Pe­
das partes numa estrutura. "A Divina Proporção" quenas formas em tonalidade azul-acinzentada,
de Luca Pacioli, lei imutável, ao estudar as pro­ por contraste, levavam o amarelo ao seu mais
porções de vários corpos, indicou para a pintura alto grau de exaltação (ilust. 88).
e o desenho as linhas áureas de posicionamento. Observado de perto, notava-se que o fundo
do quadro era inteiramente branco. Mas no aro
O DOMÍNIO d o fe n o m e n o interior das rosáceas distinguia-se a cor comple­
mentar (violeta), tingindo o branco. A três me­
tros de distância já se percebia a radiação da cor
Na natureza, as cores estão sempre harmoni­
complementar por todo o fundo do quadro, fe­
zadas. Os efeitos de aeração, de luzes incidentes
nômeno que atingia o clímax a uma distância
e refletidas, de sombras, meias-sombras e trevas
de 12 metros. Idênticos efeitos podiam ser obti­
criam contrastes e passagens necessárias para que
dos a distâncias reduzidas, se se inclinasse o qua­
cada corpo, ou conjunto de corpos, revele a ple­
dro, de forma que a vista caísse sobre ele obli­
nitude de suas possibilidade latentes.
quamente, alterando os graus do ângulo de visi­
0 olho experiente percebe a cada momento,
bilidade e de incidência da luz.
na natureza, as mutações cromáticas e os vários
Os dados principais que concorrem para a
efeitos de refração e de indução de cores. Esses
cambiantes cromáticos originam-se de reflexão e produção do fenômeno podem ser sintetizados
absorção da luz incidente e dos reflexos lumino­ em seis itens:
sos circundantes. 1) Comprimento de onda das faixas colori­
Ao realizar-se a análise de uma cor, tomada das (dado relativo ao fator qualidade).
separadamente, nota-se que uma área ou um 2) Capacidade de irradiação e vibração (ín­
corpo coloridos nunca têm a mesma coloração dices de refletância) e de luminosidade, relati­
por igual, em toda a superfície. Muitas causas vos à qualidade da cor.
concorrem para essa variedade de colorido den­ 3) Forma das áreas ou figuras que estimule
tro da mesma cor, sob a mesma luz. A primeira a ação de contrastes (dados referentes à forma
se deve aos? pontos de impacto dos raios lumino­ e à quantidade).
sos incidentes, que, criando partes mais lumino­ 4) Ações de contrastes capazes de levar a
sas, desencadeiam o processo de contraste simul­ cor dominante ao paroxismo (contrastes de
tâneo dessas partes com as menos iluminadas. qualidade, quantidade, forma e posicionamen­
Logo a seguir vêm os efeitos provocados pela re­ to):
flexão de luzes por outros corpos. 0 corpo colo­ a) contraste das várias gamas da cor domi­
rido, assim tão contraditório em si mesmo, en­ nante entre si;
frenta os fatores externos de contraste com b) contrastes de uma cor (secundária no
outras áreas limítrofes, ou distantes, provocando quadro), fazendo vibrar as diferentes gamas da
as inevitáveis induções dominantes. cor dominante.
Todos esses fenômenos são percebidos como 5) Grau de ref ração das faixas coloridas oca­
variações cromáticas e de luzes e sombras. 0 que sionado pelo ar atmosférico.
não pode ser esquecido é que tais luzes e som­ 6) Maior intensidade da cor inexistente,
bras, percebidas nos corpos, são fortemente in­ quando vista sobre fundo cinza-claro (relação de
fluenciadas pelos componentes tricromáticos da luminância entre figura e fundo).
iluminação geral. Portanto, a vibração da cor não As experiências feitas com milhares de pes­
está apenas em função de seus elementos consti­ soas comprovaram que a cor inexistente é perce-

206
Ilust. 84 — Conforme a dimensão dos círculos "brancos" e a quantidade de amarelo que os envolve, eles apresentam diferentes
tonalidades induzidas.

207
bida ao primeiro contato visual, não exigindo de­ aumentar ou dim inuir a área branca existente
morada fixação da vista para saturação retiniana. entre eles, dentro de certas proporções (ilust.
Mesmo os daltônicos percebem o fenômeno; 81).
apenas, eles distinguem um cinza onde os demais Em determinada organização, uma cor pode
vêem a complementar da cor indutora. até transformar-se em sua própria complemen­
Pode-se afirmar que a cor inexistente guarda tar. É o que ocorre quando se submete um viole­
relação direta com o que Chevreul chamou con­ ta (L) à mais alta pressão dos padrões de teste
traste simultâneo de cores e valor. É necessário amarelos (E) e azuis-violetados (K) (ilust. 75).
esclarecer, porém, que Chevreul, como alguns A devida avaliação dos mesmos elementos
outros autores, usava a palavra tom para designar que determinaram o domínio da cor inexistente
valor. possibilitou também uma abordagem lógica so­
Mesmo admitindo teoricamente a existência bre todas as manifestações harmônicas do colo­
objetiva do fenômeno, para indicar a cor com­ rido, além da sistematização dos dados que in­
plementar que surge no fundo branco em torno fluem na formação das cores induzidas e das re­
da cor indutora, Chevreul viu-se obrigado a pin­ lações gerais que determinam as mutações cro­
tar a coloração induzida (ilust. 66, pág. 173), por­ máticas.
que, da maneira como ele formulara o fenôme­
Assim avançamos um passo no caminho dos
no, esta só pode ser percebida por saturação reti­
sonhos "manipuláveis" e abrimos as portas da
niana (cor fisiológica). Portanto, do ponto de
especulação de todas as inexistências. Acredita­
vista prático, o que diferencia a cor inexistente
mos que a caminhada seja irreversível. O colo-
do contraste simultâneo de cores e valor é a eli­
rista do futuro, tal como sonhara Van Gogh,
minação da necessidade de saturação retiniana
deve estar sendo forjado em nosso século e foi
para a percepção do fenômeno. Mas a explicação
nosso intuito colaborar para seu advento.
desta diferença implica a enumeração de dados e
conceitos que terminam por refutar a idéia fun­ O universo que nos cerca é um mágico calei­
damental da tese de Chevreul, contida na "Lei doscópio, e as cores induzidas a alma deste uni­
do Contraste Simultâneo das Cores": a de que verso. A percepção das múltiplas aparências
uma cor colocada sobre fundo branco produz dessas cores indica elevado estágio de conheci­
sempre e da mesma forma, em sua periferia, uma mento sensível. Em nossas longas andanças,
coloração que lhe é complementar constatamos que a simples lógica é impotente
Em experiências realizadas nos últimos vinte para levar o homem à conscientização das ma­
e seis anos, verificamos que não corresponde à nifestações mais sutis da natureza.
realidade essa afirmação. Variando a qualidade, a Chamar a atenção de alguém para estes fe­
quantidade, a forma e o posicionamento das nômenos significa enriquecer-lhe o mundo das
áreas coloridas, em termos de organização e rela­ percepções sensoriais, porque a partir daí não
tividade, uma seqüência de círculos azuis da mais poderá fugir ao fascínio das manifestações
mesma dimensão pode produzir, no fundo bran­ superiores e ultra-sensíveis das vibrações cromá­
co sobre o qual se encontrem, a sensação de co­ ticas, passando a percebê-las freqüentemente na
loração complementar, ou de irradiação de sua vida cotidiana. Ê conduzi-lo por sendas irrever­
própria cor em várias gamas, bastando para isto síveis, no próprio âmago da cor.
Ilust. 85 — A inclusão de uma cor intermediária, em pequena proporção, entre a cor dominante e o fundo faz surgir nas áreas
"brancas", no quadrado central constituído pelos círculos amarelos, leve coloração complementar (esverdeada) da cor indutora (ver-
; melho).

209
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Ilust. 86 — A conjugação dos fatores qualidade, quantidade,


form a e posicionam ento cria situações novas perfeitamente previ­
síveis e controláveis. Os pequenos pontos e anéis "brancos" da
primeira fileira de círculos roxos tingem-se de púrpura; os anéis
da segunda fileira, de rosa claro; e os círculos internos da terceira
fileira apresentam coloração amarelada. Os círculos e anéis
"brancos" que contrastam com o azul da parte inferior do qua­
dro mostram várias gradações de coloração azulada.
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llust. 87 — Na linha em que a figura confina com o fundo, o


contraste é mais intenso. Por isso, nos ângulos formados pelas
linhas que se cruzam, há mais contraste, como soma de duas
áreas de cores induzidas (tingindo o cinza com um leve violeta),
que no restante do quadro. Pela mesma razão, os círculos cin­
zas internos das circunferências amarelas parecem mais violeta-
dos que o restante do fundo. O círculo, quando transformado
em coroa dentada, aumenta o comprimento da linha de con­
torno entre figura e fundo, aumentando a área de maior indu­
ção. A colocação de um círculo dentado no centro da coroa
exacerba os contrastes. A repetição das coroas dentadas, am­
pliando a área de contraste, aumenta a indução de toda a área
cinza do fundo.

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Ilust. 88 (pág. anterior) — A inclusão do cinza azulado em liust. 89 — Os finos aros "brancos" dentados no interior das
pequena proporção leva os contrastes das várias gamas de amare­ rosáceas azuis apresentam forte luminosidade fosforescente de
lo ao paroxismo. Os finos aros "brancos" do interior das rosáceas leve coloração amagentada. Todo o fundo do quadro tinge-se de
tingem-se de violeta, quando contemplados a pequena distância. tonalidade verdátrea, ou nacarada, conforme o ângulo e a quali­
A partir de dois metros, a indução produz a cor complementar dade da luz incidente.
em todo o fundo do quadro.

213
Ilust. 90 — As barras diagonais "brancas" que cortam o quadro e os círculos no interior dos quadriláteros, sob o efeito de in­
duções diversas, assumem várias colorações.

214
Indice
Remissivo

A BASTIDE, Roger 103 CASCUDO, Luis da Câmara


Bauhaus 124, 132, 133 102, 117
Aberração da esfericidade 50 BEAUBOURG, Maurice 128 CASSANDRA 144
Abstracionismo 131, 133 BÉCHAMP, Pierre J. A. 90 CASSIODORO 143
Acromatopsia 78 Beleza 45 CASSOU, Jean 123
Adaptação visual 69 BELL, Charles 91 Centro de Informação da Cor
Aferição da luz 29 BENHAM 72 (Bélgica) 82
Afinidade de cores 56 BENUSSI 93
CÈZANNE, Paul 129, 132
ALBERS, Josef 133 BESANT, Annie 102
BEZOLD, Wilhelm von 82 CHARDIN, Jean Baptiste S.
ALBERTI, Leon Battista 40,
BIRREN, Faber 81, 173 126
48, 117, 125
ALECH, G. J. von 100 BLAKE, William 124, 126 CHEVREUL, Michel-Eugène
Alegria e tristeza 96 BLAVATSKY, Helena 64,102 13, 42, 45, 46, 56, 69, 82,
A L HAZEN 26, 49 Boa continuação 97 128, 132, 167-208
A LM E ID A JUNIOR 138 BOHR, Niels 29 CfMON DE CLEONES 38
AM AR AL, Tarcila 138 BOL, K. 25 Cinza 148
Amarelo 110 BOURDON, B. 91 colorido 146
Anamburucu 102, 103 BOYLE, Robert 26, 55, 58 neutro 17-18
ANDERSON, W. C. 25 BRAHE, Tycho 49, 58 Círculo cromático 62, 64
ANDRADE,Carlos Drummond Branco 48, 117 Círculo das cores-pigmento
de 6, 7, 53, 118, 137, 199 BRAQUE Georges 119, 131 153
Anéis de Newton, 25 BRAUN F. 181 Círculo das 12 cores-luz 152
Antroposofia 102 BREWSTER, David 81 Círculo de proporção de som­
APOLINAIRE, Guillaume 131 Brilho da cor 18 bras 48
APOLODORO 125 British Colour Council 82 Círculos de harmonização 152,
ARISTÓTELES 41, 50 BRUNELLESCHI, Filippo 40 154
Arte abstrata 123-134 Budismo 114 Claro-escuro 44
Arte popular 139 BUFFON 58 Classificação das cores 18, 82
Árvore de Munsell 83 COLIN, Paul 90, 144
Aquarela 18 C Coloração 24, 50
Átom o 29 Colorido renascentista 43
Auxocromos 90 Camara escura 49 Colorimetria 84
Azul 113 Camara fotográfica 49 Combinação de cores 159
CAMARGO, Iberê 119, 138 Comprimento de onda da luz
B CARAVAGGIO, Michelangelo 25, 50, 68
da 44, 119, 125 Concretismo 65
Bandeira brasileira 113 CARLYLE, Thomas 39 CONSTABLE, John 60, 126,
BARANOFF-ROSSINI, Wladi- CARNEIRO, Edison 39, 103 127, 167
mir 134 CARVAJAL, Gaspar de 137 Continuidade 96

215
Contraste de cor 46, 64, 169, COSTA, Batista da 118, 138 E
172-175 Cristalino 33
Cor 17-22 Croma 18, 201 EBINGHAUS, H. 92
acidental 22 Cromatoscópio 181 Efeito Compton 24
aparente 22 Cromogênio 90 Efeito fotoelétrico 24
cambiante 22 CRULS, Gastão 137 EHRENFELS, Christian von
catóptrica 22 Cubismo 130, 132 92, 93
complementar 18, 20 Cultos afro-brasileiros 102 EINSTEIN, Albert 13, 27, 28
crua 22 Elétron 29
de contraste 13,22,61,179, D ELGRECO 119, 125, 133
180 EPICURO 24
dióptrica 22 DACOSTA, Milton 138 ERASMO 50
do ar 41, 57 DALTON, John 78 Escala cromática 162
do espectro solar 30 Daltônicos 14, 79 Escala de valores 145
dominante 22 DAMIÃO DE LARISSA 31 Escola de samba 139
— efeito sensfvel moral 62 DARWIN, Charles B. 33, 58 Esfumado 44, 45, 125
endóptrica 22 DA VINCI, Leonardo 11, 12, Espectro de faixa 24
e som 144 18, 23, 25, 27, 31, 37-48, Espectro solar 30
falsa 22 49, 54, 56, 59, 60, 72, 81, Espectrofotometria 84
fisiológica 22, 56 Esporte 101
82, 113, 114,117,125,126,
fria 18, 21, 161 Esti'mulo 17
128
fundamental 65 Estrela cromática de David 82
geratriz 18 DELACROIX, Eugène 12, 60, Estrutura da cor 89
— fndice de luminosidade 100, 127, 167 Estruturalismo 92
da 147 DELAUNAY, Robert 12, 64, EUCLIDES 26, 143
induzida 22, 179 123, 128, 131, 151, 160 EUMARESDE ATENAS 38
inexistente 12, 22, 46, 61, DEMOCRITO 50 Expressionismo 130
139, 179, 199-214 DEMALDER-DUTRON, M .82 Exu 103
irisada 22 DESCARTES, René 13, 24,
irradiada 46 26, 50 F
— justaposição de 170 Diagrama deHertzprung-Russel
local 22 28 Fauvismo 130
— luz 17, 19, 152 Diagrama tricromático 86,151, FECHNER, Gustav Theodor
mensuração da 81, 157 180 70, 91, 100
na pintura, teoria 143 Diapositivos 68 FÉNELON, H. 137
natural 22 Dl CAVALCANTI, Emiliano Fenômeno de PURKINJE 68
natureza da 87 FICINO, Marcilio 43
138
no Brasil 137-140 Figura e fundo 98
no esporte 101 Dicromatismo 78 FIZEAU, Armand A. L. 25
paróptica 22 DIDEROT, Denis 107 Fluorescência 28
percepção da 18 D if ração da luz 26 Fogo de artificio 101
permanente 17 DIN IS, Julio 31 Fogo-de-santelmo 28
— pigmento 17, 19,21, 153 DIRAC, Paul 23 Fogo-fátuo 27
primária 18, 19, 40, 41, 66 Disco de Rood 76 Forma e cor 183, 204
principal 41 Disco dos círculos concêntri­ Fosforescência 29
quente 18, 21, 161 cos 77
Fotografia em cores 68
qufmica 17, 56 Discos de Maxwell 76
Fotografia em preto e branco
retiniana 22 Discos de Newton 51, 76 45
secundária 18 Dispersão cromática 46
Fotografia instantânea 56
simbologia da 99 Divina proporção 143
Fotoluminescência 28
terciária 18, 70 DJANIRA Mota 138
Fotometria 29
Corações flutuantes 70 DOLCE, Ludovico 44, 125
FOUCAULT, Jean L. 25
Cores DRUMMOND — ver, Andrade FRANÇA, José Augusto 133
afinidade de 56 Carlos Drummond de FRANÇASTEL, Pierre 132
contraste simultâneo de 46, DUCHAMP, Mareei 132 Frenologia 91, 145
64 DUMAS, Georgette 138 Freqüência da luz 27
mescla de 47 DUNANT, Henri 109 FRESNEL, Augustin Jean 24
módulo de mensuração 157 DURER, Albrecht 126 FREYRE, Gilberto 109

216
G HOGARTH, William 126 Lâmpada fluorescente 29
HOPPNER, John 126 LAND, Edwin 56, 180
GAINSBOROUGH, Thomas HULL 91 LAPOSTOLLE, Marnier 82
126 HURVITCH 180 Laranja 115
G ALILEU 25, 50 HUYGENS, Cristiaan 24, 50 LARIONOV, Michel 131
G ALL, F. J. 91, 145 HUXLEY, Aldous 74 Laser 28
GALTON, Francis 92 Latência, tempo de 70
GASSENDI, Pierre 50 LA TOUR, Georges de 44,
Geometrização 93 126
Gestalt 93 lansä 103 LE BLON, Jakob Christof 18,
GIORGIONE 44 Ibeiji 103 58,81, 128, 152
GIOTTO 39, 43 lemanjá 103 LÉGER, Fernand 131
GOELDI, Osvaldo 118 Ifá 103 LE GRAND, Yves 180
GOETHE, Johann Wolfgang I lusão de Muller-Lyer 97 Lei de contraste simultâneo
12, 13, 17, 33, 45, 46, 48, Ilusão óptico-geométrica 93 das cores 128, 167-175
53-66. 67. 69. 82. 100, 102, Imagens posteriores 33 Lei de Gassman 84
107, 110, 114, 128, 143, Impressão gráfica em cores 69 Lei da perspectiva 44
145, 151, 160, 165, 179, Impressões consecutivas 33 LEONARDOS, Stela 196
180 Impressionismo 127 Lentes 50
GONTCHAROVA, Nathalie I ncandescência 27 LEUCIPO 50
131 fndios brasileiros 137 LEWIN, Kurt 91
GOYA, Francisco 126 Irlanda 112 LHOTE, André 129, 146, 160
GRAEBE, Karl 89 Islã 112 LIEBERMANN, 89
GRAHAM, Clarence H. 173 ITTEN, Joahannes 61 LI PPS, Theodor 92
GREGORY, James 42 LIMA, Jorge de 6, 199
G RIM ALDI, Francisco 26, 50 Logunedê 103
GROTE, Ludwig 131 J LUDOVICO, o Mouro 39
GUIGNARD, Alberto da Veiga Lumen 29
138 JAMESON 180 Luminescência 28
GUILD, John 84 JANSEN, Zacarias 49 Luminosidade da cor 18, 201
GUIMARÃES, Alberto Passos Justaposição de cores 170 Luz 17, 23-30, 50
14 aferição da 29
GUSMÃO, A rtur Nobre de K branca 48
133 características e proprieda­
KANDINSKY, Vasili 47, 64, des da 25
108, 111, 114, 118, 119, colorida 17
H
131, 133, 144 comprimento de onda da 50
KARSTEIN 109 Luz
HALS, Frans 44, 119
KEPLER, Johann 13, 26, 49, do olhar 57
HANSEN, L. 25
58 emissão de 24
HAURON, Ducos du 180
KEIS, A. 74 e sombra 46
HAÜY, René Just 13, 167
KINNEY 180 fluorescente 28
HAM BËRGER58
KIRCHER 49 incandescente 27
HARDY, A. C. 84
KIRCHNER, ERnest Ludwig monocromática 17
Harmonia 143-166
Harmonização 151-166 130 natureza da 24
HARRIS, Moses 81 KLEE, Paul 11, 12, 123, 124, negra 28
HAUSSMAN, Raul 134 132 propagação da 24
HELMHOLTZ, Herman L. F. KLINTOWITZ, Jacob Bernar­ Lux 29
von 33, 45, 64, 67, 69, 72, do 14
82,91, 107, 128 KOFFKA, K. 92 M
HENRY, Charles 72, 128 KOHLER 92
HERING, Edwald 64, 69, 72 KRUGER 92 MACKE, August 131
HERSCHELL, J. F. William M ALEVITCH, Kasimir 12,64,
23 L 118, 132
HERTZ, Heinrich Rudolf 24 MANET, Edouart 128
HOCKE, Gustav René 26 LAMBERT, Jean Henri 82 MARC, Franz, 132
HODDER, Ferdinand 130 Lâmpada a vapor de mercúrio Marron 116
HOFFMAN 90 33 M ARTIN, Perry 82

217

TT- ^ _ T T M 7\ C fT )
M ARTIN I, Simone 43 Ostwald, Wilhelm 42, 56, 83, Púrpura 116
MASACCIO, Tomaso 39 151 PURKINGE, Jean E. 33, 68
MATISSE, Henri 131
Matiz 17, 18, 200 Q
MATTHEEUWS, M. 181 P
MAXW ELL, James Clerk 13, Qualidade das cores 183, 200
24, 33, 67, 68, 69 PACIOLI, Luca 143
Quanta 24
MAYER, Johann Tobias 82 PADILHA, Teimo 3 Quantidade das cores 183, 204
MELLO, Antônio de Pádua PALATIN IK, Abraão 138
QUEIROZ, Eça de 31
Ramos, 14 PANCETTI, José 138
MENDES, M urilo 37,117,143 Parâmetros de Munsell 200
Mensuração de cores 81 PETERSON, E. P. 134 R
MEREJKOWSK 47 PARACELSO 50
Mescla de cores 47 Paralelogramo de Sander 97 RAFAEL 44
M ILE 128 PAUSIAS 38 Radiotividade 28
Misticismo 99 PAVLOV, Ivan Petrovitch 92 Raias de Fraunhofer 30
Módulo de mensuração de PARREIRAS, Antonio 138 Raias telúricas 30
cores 152, 157 PECKHAM, John 40 Raio laser 28
Molécula cromógena 90 Percepção da cor 18, 57 Raionismo 65, 131
M ONDRIAAN, Piet 93, 133, Percepção sensorial 92 Raios gama 23
160 Percepção visual do espaço 91 Raios infravermelhos 23
Movimento 96 Periodicidade da luz 25 Raios ultravioleta 23
MULLER, J. 91 PERKIN 90 Raios visuais 58
MUNCH, Edvard 130 Perspectiva aérea 41 Raios X 23
MUNSELL, Albert H. 42, 83, Pesquisa estética 100 RAMOS, A rthur 137
151,200 PICASSO, Pablo Ruiz 123, RAMUS, Pierre 50
Música e cor 144 131 Reações à cor 101
Mutação cromática 57, 179- Pirâmide de Lambert 82 READ, Herbert 124, 131
197 PLANK, Max 24, 29, 144 Reflexão da cor 145
PLATÃO 24, 31 Reflexos condicionados 92
PLATEAU, Joseph-Antoine Refração da luz 26, 27, 41, 50
N
167 REMBRANDT, H. van R. 44
PLINIO Secundus 26, 40, 111 RENOIR, Auguste 118, 128
NEWTON, Isaac 13, 17, 24, Retina 34
25, 26, 42, 46, 48, 49-51, Polarização da luz 26
Polaróide 56 REUCHLIN, Maurice 91
53, 55, 57, 72, 81, 113, 126 REWALD, John 128
143, 144, 151 POLIGNOTO 38
Ponto cego 34 REYNOLDS, Joshua 126
Nomencaltura das cores 151 RI BEI RO, Darcy 138
NOLDE, Emil 130 POPPER, Frank 139
DELLA PORTA, Gianibattista RIVERA, Diego 133
Nuvens de probabilidade 29 RIZETTI 58
49
PORTINARI, Cândido Tor­ ROBIQUET 90
O quato 7, 12, 93, 124, 137, ROEMER, Olav 25
138 ROHLER 180
O bata lá 103 Posicionamento das cores 206 ROMNEY, George 126
Ocre 116 PRAZERES, Heitor dos 138 ROOD, Ogden 83, 128
Ogum 103 Preto 118 ROUAULT, Georges 133
Olho 17, 22, 23,31-33, 43 PRIESTLEY, Joseph 126 RUBENS, Pierre Paul 93, 118
Olorum 103 Prismas 59 RUMFORD, Benjamin Thomp­
Omulu 102 invertidos 51 son 13, 44, 60, 61
Op arte 65, 133 Projeção da personalidade 100 RUNGE, Philipp Otto 82
Õptica corpuscular 24 PROSKAUER, H. O. 56 RUSKIN, John 126, 164
Optica física 23 Proximidade 94 RUTHERFORD, Ernest 29
Óptica fisiológica 67-74 Psicodiagnóstico de Rorschach
Optica geométrica 23, 24 100 S
Optica ondulatória 24 PTOLOMEU de Alexandria 26,
Orfismo 131 43, 49 SÁ, Newton de 139
Orixalá 103 Psicologia experimental 91 SACHAR IN E-UN KOWSKY, A.
Orozco, Jose Clemente 133 Pureza da cor 18 144

218
d I BL 1 O T E C A. - I A*

* •°

SANZIO, Rafael-ver Rafael Telescópio astronômico 49 VERONESE, Paulo 12, 44,


São João 112 Televisão em cores 68 125
Saturação da cor 18, 71 Tendência à complementação Vermelho 107
SCHERFFER 13, 46, 58, 167 96, 97 Vestuário 139
SCHILLER, Johann C. F. von Teoria das cores 37, 143 VITE LLIO 49
55 Teosofia 102 VINCI-ver Da Vinci
SCHMIDT, F. 81 Teste das pirâmides coloridas Violeta 115
SCHWERDTFEGER, Kurt de Pfister 100 Visão 31
134 Teoria tricromática 33, 67 cromática 32, 42
SEGALL, Lasar 138 Terras 116 VISCONTI, Eliseu 138
SEGUY 82 THINÈS,.G. 181 VO LKELT, J. 92
Semelhança 94 TICIANO 44, 125 VOLPI, Alfredo 138
SÊNECA 26 Tom frio 161
Sensação cromática 17,34,56, Tom quente 161 W
89 Tom rompido 149,150
SEURAT, Georges Pierre 128, Tons e valores 146 WAGNER, W. Richard 144
132 Tristeza e alegria 96 WALLER, R. 81
SIGNAC, Paul 128 Tricromatismo anormal 78 WALLASTON, William 67
Simbologia da cor 99 TURNER, Joseph M. W. 12, WATSON, George 74
SIQUEIROS, David Alfaro 60, 126, 167 WHEELER 180
133 WERTHEIMER, M. 92, 93
Sistema gráfico de harmoniza­ WILDRED 133
ção de cores 152 U WILSON, Mitchell 101
SITTER, Willen de 27 WITT, Otto N. 89
SKRJABIN 144 UCELLO, Paulo 93 WORRINGER, Wilhelm 64,
SNELL, Willebrord 26, 50 131
Sólido das cores 83 V WRIGHT 84
Sólido de Runge 82 WUNCH,C. 57, 64
Sombra e luz 46 Valor da cor 18 WUNDT, Wilhelm 91
Sombras VAN GOGH, Vincent 12, 17,
círculo de proporção de 48 93, 112, 118, 119,123,125, X
coloridas 47, 60, 61 129
SOMMERFELD, Arnold 29 VASARELY, Victor 133 Xangô 102, 103
STEINER, Rodolfo 64, 102 VASCONCELLOS, Paulo Pe­
STERNFELD, A. 28 drosa de 14 Y
VELASQUEZ, Diogo 44, 118, YOUNG, Thomas 24, 33, 56,
T 126 64, 67,69, 72,91
Velocidade da luz 25, 27
Tabela dos estímulos tricomé- VENTURI, Lionello 45, 133 Z
tricos do espectro 85 Verde 68, 111
Tachismo 101, 133 VERMEER, Jan 12, 44 Zaniapombo 103

Ilustrações fora do texto:


Cor inexistente — refrações róseas 2
Mulher no espelho — ref rações violáceas 197

219
TRÊS MOTIVOS DE ISRAEL PEDROSA

Teimo Padilha

Porque o tom hesita


entre o negro e o verde
não é uma árvore que vejo.
Deste ângulo é um pasto
ausente de cavalos; os laços
no ar confundem-se com espelhos.
E já o tom irmana-se a cabelos
de um castanho quente despejados
sobre os ombros: pássaros pousados
ou mãos pianíssimas repousando.
Quem ou que pincel dispõe as tintas
para que árvore ou pasto se incompletem
e essa dúvida subsista: se são asas
já voam em folhas, e se dispersam.

Feixes de luz compartimentais registram


o tempo e o ritmo, pássaro disperso
na luz que o liberta, finalmente eterno.
Prisões não o prendem, que em vazio se desfaz.
Nem asas, que nelas a noite se abriga
em orecipícios nesses pontos de chegada.
E cada devir é novo encontro, e cada
ponto é outro alvo, luz aproximada
de uma tela apenas começada.

E de vós, mãos, dizer o que: que sombra


cambia-se em luz se o branco se alonga?
E os outros tons, e essa outra sombra amiga
já se formando por dentro consumida? E essa
aurora boreal, esse pranto súbito, essas lágrimas
libertas nos círculos de chegada? Impura fantasia?
Não, impuro canto, flor carnal de espanto
desprendida ao punho e enfim despetalada.
E esses tons completam o ponto de chegada.

Itabuna, Bahia — janeiro de 1976.

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IM P R ES SÃO E ACABAM ENTO:


AG G S IN D Ú S TR IA S G R A F IC A S SA.
Falamos num livro, num texto admiravelmente
limpo, ricamente ilustrado, trazendo o novo, um
novo indefinível, se não fosse a Poesia, desde já
acompanhada de si mesma, Shakespeare:
. . dá ao nada impalpável/morada e nome".
O impalpável, de nome "cor inexistente", foi
descoberto onde também mora: na pintura de Is­
rael Pedrosa, já agora com certidáo de batismo no
livro competente, a nos transmitir a Arte paralela­
mente com a Ciência, da qual também se nutre. . ."

O LÍM PIO DE SOUZA A N D R A D E - O Globo -


11 -X 11-1977

Para tocar oalém-da-cor, Israel Pedrosa construiu


uma obra teórica das mais completas e abrangentes
sobre a própria cor. . . tesouro de sabedoria, em lin­
guagem simples e concisa, sem desperdício de ener­
gia e palavra, como um toque de sensível abertura
por caminhos transfigurados, graças ao equilíbrio
indispensável da ciência e de sonho.. .

W ALM IR A Y A L A - O Cruzeiro - 7-1-1978

O autor tem todas as características dos manía­


cos, dos loucos, dos possessos, dos obsessos, dos
obsediados, dos obcecados, dos obsessionados —
com a imensidão de sua racionalidade buscadora,
e inquisidora e de sua emoção transfiguradora que
o transformam num sábio e artista, às vezes até
quase um santo, pois às vezes a miragem e o proje­
to de que se deixou motivar o levam a orações qua­
se franciscanas de aparente ingenuidade, vale dizer,
da pureza que não atemoriza os iluminados. . .

A N T O N IO HOUAISS — Trecho do Prefácio para a


2^ Edição do livro "Da Cor à Cor Inexistente" —
Rio, 10-l V-1978

Confesso que esse belo livro me deixou ao


mesmo tempo fascinado e perplexo. . .

RUBEM BRAGA - Crônica, TV Globo - Rio,


8-V II-1978

No ano passado, Pedrosa expôs no Museu de


Arte de São Paulo os bilhantes resultadoS^de duas
décadas de pesquisas, com a sua "cor inexistente",
aquela que brota na mente do observador como re­
sultado de um contraste definido pelo pintor. Pe­
drosa, na mesma época, também editou um livro
exemplar sobre seu trabalho — o mais importante
de 1978 em São Paulo.. .

S IL V IO LAN C ELLO TTI - Isto É - 5-V I-1979

"Da Cor à Cor Inexistente" é títu lo do esplên­


dido livro de Israel Pedrosa, pintor senhor de sua
arte e que alcança dizer o máximo, e bem, com a
maior clareza, sobre as teorias da cor, endereçan­
do-a à prática profissional, à experiência e à paixão
de artista. Um livro para artistas, professores e es­
tudantes de arte, para críticos e curiosos das coi­
sas da arte da p in tura.. . Israel Pedrosa, com pai­
xão pelo assunto e responsabilidade profissional,
com capacidade excepcional de pesquisador, fez
um estudo completo sobre a importância da cor
e seus fenômenos interferentes na visão. . .
A pintura em seu amplo setor de expressão
(de comunicação), do quadro tradicionalmente
concebido, até os mais surpreendentes recursos de
técnicas para aguçar os sentimentos estéticos pela
só presença da cor. Da cor que é luz. A luz que
traz em seus raios a cor. . .

Q U IR IN O CA M PO FIO R ITO - Jornal de Letras-


V I 1-1979

. . . Alegra-me notar qua a pintura do nosso Is­


rael Pedrosa torna-se ainda mais complexa, pelas
suas pesquisas no terreno das tramas de natureza
ótica, que levam à ultrapassagem das perspectivas
aérea e linear. renascentistas. Procura alcançar
maior transcendência, em sua visualidade peculiar,
feita de mutações, vibrações e refrações ligadas à
luz e à cor. Na busca da especificidade da pintura,
paradoxalmente, atinge mágica identificação de sua
arte com as formas musicais, em outro contexto,
que já não é apenas o de Kandinsky.

A N T O N IO BENTO — Apresentação da Exposição


de Israel Pedrosa na Quadro — Galeria de Arte —
Rjo, XI-1979
24930
ex.1

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